30 de junho de 2012

A Terceira Revolução Industrial.



Entrevista com Jeremy Rifkin

O economista americano Jeremy Rifkin é um dos pensadores mais influentes da atualidade. Professor da escola de negócios Wharton, da Universidade da Pensilvânia, Rifkin é conselheiro da União Europeia e interlocutor frequente da chanceler alemã Angela Merkel.

Há alguns anos, Rifkin se propôs a demonstrar que era viável colocar as diversas fontes de energia renovável no centro da matriz energética mundial. O assunto evoluiu e foi transformado em livro, A Terceira Revolução Industrial [Makron Books], que chegou às livrarias brasileiras neste mês.

No livro, Rifkin prega que todos os prédios - residenciais ou comerciais - podem ser transformados em pequenas usinas de energia. “Se o Brasil adotar esse modelo, pode ser a Arábia Saudita das energias renováveis e um dos líderes do século XXI”, diz Rifkin.

A entrevista é de Roberta Paduan e Daniel Barros e está publicada na Revista Exame, 26-06-2012.

Eis a entrevista.

O que o senhor chama de Terceira Revolução Industrial?

Quando estudamos história, vemos que as grandes revoluções econômicas acontecem quando há convergência de transformações nas áreas de comunicações e de geração de energia. No século XIX, saímos da prensa manual para a máquina a vapor e pudemos fazer impressões em massa a preços baixos.

Isso possibilitou a criação de escolas na Europa e nas Américas e a educação da força de trabalho, o que conduziu à Primeira Revolução Industrial. O telefone, o rádio, a TV e o petróleo abriram caminho para uma sociedade de consumo de massa, a Segunda Revolução Industrial.

Movida pelos veículos automotores, essa fase agora está chegando ao fim. Teremos de encontrar outras fontes de energia, porque alcançamos o pico mundial da produção de petróleo.

Toda vez que o preço do barril chegar a níveis como o de julho de 2008, quando atingiu 147 dólares, todos os preços vão subir, as pessoas vão deixar de consumir e o sistema vai parar.

Isso acontece porque quase tudo é feito de petróleo: celulares, fertilizantes, pesticidas, medicamentos, materiais de construção, energia elétrica e combustíveis. A produção de petróleo cresce, é verdade, mas a população também aumenta, principalmente com a expansão do número de consumidores de países emergentes, como é o caso do Brasil.

E o que está substituindo o modelo da Segunda Revolução Industrial?

As últimas décadas foram marcadas por uma profunda mudança na área de comunicações, fruto do computador pessoal e da internet. Hoje, há 2,3 bilhões de pessoas mandando os próprios vídeos, fotos e textos para a rede. E o mais incrível é que fizemos isso em 20 anos.

A internet é colaborativa e nela o poder não é mais hierárquico. Ao mesmo tempo, estamos evoluindo no sentido de ter uma geração de energia disseminada, feita no nível do indivíduo. Essa é a grande transformação no campo da energia.

Como é possível que as pessoas produzam energia individualmente?

Primeiro, é importante lembrar que há energias renováveis espalhadas por todo o mundo: solar, eólica, geotérmica, de biomassa e das ondas. Se as fontes renováveis estão em todo lugar, por que somente colhê-las em alguns poucos pontos?

Por que não converter os 191 milhões de prédios espalhados pelos países da União Europeia em miniusinas verdes, com painéis fotovoltaicos no teto, aerogeradores na lateral e conversores de lixo em biomassa? Os prédios são os principais consumidores de energia elétrica e em emissões de gás carbônico.

Isso já acontece em algum lugar?

Alguns prédios novos na Europa geram mais eletricidade do que usam, como é o caso de um complexo de escritórios em Paris. Quando esse modelo se disseminar, movimentará a economia francesa gerando milhões de empregos. A Alemanha, que é o motor econômico da Europa, já converteu 1 milhão de prédios em usinas parciais.

Esse processo criou 370 000 empregos diretos. Hoje cerca de 20% de sua matriz energética é de fontes renováveis. O objetivo é chegar a 35% em 2020. O encaixe perfeito ocorrerá quando for criada uma rede de distribuição que permita o compartilhamento dessas energias por todos os usuários. Mas não resta dúvida: a Europa já começou a Terceira Revolução Industrial.

Como funciona essa rede?

É aí que a revolução nas comunicações converge com a revolução na geração de energia. Já é possível digitalizar a rede de energia - que é unidirecional - e transformá-la em uma rede bidirecional, para que leve energia ao usuário final, mas também receba a energia produzida por ele.

Quando milhões e milhões de prédios estiverem gerando energia elétrica e estocando eletricidade - e já há meios para isso -, poderão usar um software para vender o excesso entre cidades ou países. A Alemanha já está testando uma rede elétrica inteligente em seis regiões.

Pense que todas as grandes montadoras terão veículos elétricos até 2015. No futuro, quando os prédios funcionarem como miniusinas de energia, os carros elétricos poderão ser abastecidos num desses edifícios que geram e armazenam energia, ou seja, em qualquer rua de qualquer cidade.

O senhor diz que devemos perseguir uma sociedade de baixo carbono. Isso significa que devemos parar de buscar petróleo?

Não. Precisaremos de petróleo para o que não temos substitutos, como lubrificantes, alguns processos químicos, produtos farmacêuticos, materiais de construção, fibras sintéticas e uma série de outros produtos. Não devemos é usar combustíveis fósseis para transporte e geração de energia elétrica.

Como o Brasil deveria lidar com o petróleo do pré-sal?

O Brasil tem a chance de usar parte dos recursos do petróleo para criar um modelo energético baseado em eletricidade verde. Caso contrário, o país estará voltado para o século passado. O Brasil pode ser a Arábia Saudita das energias renováveis. Tem mais potencial de geração de energia renovável que qualquer país do mundo.

Todo prédio brasileiro deveria ter painéis solares no teto e nas paredes externas. Deveria haver geradores de energia eólica por toda a costa. O Brasil pode liderar a Terceira Revolução Industrial na América Latina, como a Alemanha está fazendo na Europa. Apostar apenas no petróleo levaria o país a ser uma nação de segundo escalão. Gostaria de conversar sobre isso com a presidente Dilma Rousseff.

O que o senhor espera da Rio+20?

Creio que haverá boas discussões, mas a conclusão será que é preciso haver um plano econômico. Metas de redução de emissão de CO2 parecem uma punição. O que será visto com cada vez mais força, inclusive no Rio de Janeiro, é a discussão de um novo paradigma econômico.

Algo que trate de mudanças climáticas, das energias renováveis, mas que amplie nossa visão sobre o problema. Vale sempre ressaltar: a busca da eficiência energética cria empregos e negócios em larga escala.

Como o senhor responde a quem considera seu plano utópico?

As empresas e os governos com os quais trabalho não estão interessados em utopia. Estamos tentando criar um novo modelo econômico que seja viável, que nos liberte do carbono, que movimente a economia, que gere empregos.

Sabemos que funciona porque estamos testando. Daimler, GM, Toyota, Bosch, Siemens, Cisco, Philips e IBM são empresas utópicas? Elas estão fazendo exatamente o que estou falando. Em breve teremos carros movidos a hidrogênio. Isso é utopia?
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/510884-a-terceira-revolucao-industrial-entrevista-com-jeremy-rifkin

Catolicismo no Brasil em Declínio: os dados do Censo de 2010





"Os dados (do Censo Demográfio de 2010) indicam que o Brasil continua tendo uma maioria católica, mas se a tendência apontada nesse último censo continuar a ocorrer teremos em breve uma significativa alteração no campo religioso brasileiro, com impactos importantes em vários campos', analisa Faustino Teixeira, professor e pesquisador Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião – UFJF,

Segundo ele, "com base nos dados do censo agora apresentado, os cristãos configuram 86,8% da declaração de crença". Mas, observa o teólogo, "isso pode ser problematizado com a questão complexa da múltipla pertença ou então da malha larga do catolicismo, que envolve, como diz Pierre Sanchis a presença de “muitas religiões” em seu interior.

Eis o artigo.

Os dados que acabam de ser apresentados pelo IBGE com respeito às religiões brasileiras no Censo Demográfico de 2010 confirmam a situação de progressivo declínio na declaração de crença católica. Os dados apresentados indicam que a proporção de católicos caiu de 73,8% registrados no censo de 2000 para 64,6% nesse último Censo, ou seja, uma queda considerável. Trata-se de uma queda que vem ocorrendo de forma mais impressionante desde o censo de 1980, quando então a declaração de crença católica registrava o índice de 89,2%. Daí em diante, a sangria só aumentou: 83,3% em 1991, 73,8 % em 2000 e 64,6% em 2010. O catolicismo continua sendo um “doador universal” de fiéis, ou seja, “o principal celeiro no qual outros credos arregimentam adeptos”, para utilizar a expressão dos antropólogos Paula Montero e Ronaldo de Almeida. A redução católica ocorreu em todas as regiões do país, sendo a queda mais expressiva registrada no Norte, de 71,3% para 60,6%. O estado que apresenta o menor percentual de católicos continua sendo o do Rio de Janeiro, com 45,8% (uma diminuição com respeito ao censo anterior que apontava 57,2%). O estado brasileiro com maior percentual de católicos continua sendo o Piauí, com 85,1% de declarantes (no censo anterior o registro era de 91,4%). Os dados indicam que o Brasil continua tendo uma maioria católica, mas se a tendência apontada nesse último censo continuar a ocorrer teremos em breve uma significativa alteração no campo religioso brasileiro, com impactos importantes em vários campos.

O novo censo aponta um dado que já era previsível, a continuidade do crescimento evangélico no Brasil. Foi o segmento que mais cresceu segundos os dados agora apresentados: de 15,4% registrado no censo de 2000 para 22,2%. O aumento é bem significativo, em torno de 16 milhões de pessoas. Um olhar sobre os três últimos censos possibilita ver claramente essa irradiação crescente: 6,6% em 1989, 9,0% em 1991, 15,4% em 2000 e 22,2% em 2010. O Brasil vai, assim, se tornando cada vez mais um país de presença evangélica. Há que sublinhar, porém, que a força desse crescimento encontra-se no grupo pentecostal, que é o responsável principal por tal crescimento, compondo 60% dos que se declararam evangélicos (no censo anterior, o peso decisivo no crescimento dos evangélicos, em 15,44% da declaração de crença, foi dado também pelo pentecostais, que sozinhos mantinham 10,43% do índice geral evangélico). Os evangélicos de missão não registram esse crescimento expressivo, firmando-se em 18,5% da declaração de crença evangélica.

Os “sem religião”, que no censo de 2000 representavam a terceira maior declaração de crença no Brasil mantiveram o seu crescimento, ainda que em ritmo menor do que o ocorrido na década anterior. Eles eram 7,28% no censo de 2000 e subiram agora para 8% (um índice que comporta mais de 15 milhões de pessoas), e o seu registro mais significativo continua sendo no Sudeste. Esse crescimento não indica, necessariamente, um crescimento do ateísmo, mas uma desfiliação religiosa, um certo desencanto das pessoas com as instituições religiosas tradicionais de afirmação do sentido. Reflete um certo “desencaixe” dos antigos laços, como bem mostrou Antônio Flávio Pierucci em suas pesquisas.

Os espíritas também seguem crescendo. Os dados do censo de 2010 indicam um crescimento importante, com respeito ao censo anterior: de 1,3% para 2%. São agora cerca de 3,8 milhões de adeptos declarantes. Trata-se do núcleo que tem os melhores indicadores de educação, envolvendo o maior número de pessoas cm nível superior completo (31,5%). Os dados apontados pelo censo são importantes, mas há que lembrar a presença de uma “impregnação espírita” na sociedade brasileira que escapa à abordagem estatística. Isso os estudiosos do espiritismo têm mostrado com pertinência. As crenças e práticas espíritas têm uma alta “ressonância social”, transbordando a dinâmica de vinculação aos centros espíritas.

Quanto às religiões afro-brasileiras, tanto a umbanda como o candomblé mantiveram-se no eixo de 0,3% de declaração de crença. Não houve mudança substantiva com respeito ao censo anterior, que indicava a porcentagem de 0,26% para a umbanda e 0,08 para o candomblé.

Com respeito às outras religiões, permanecem com uma representatividade pequena que em sua soma geral não ultrapassa 3,2% de declaração de crença. Mantém-se viva a provocação feita por Pierucci em artigo escrito depois do censo de 2000 sobre a diversidade religiosa no Brasil, de que o Brasil continua hegemonicamente cristão, e a diversidade religiosa – ainda que em crescimento -, permanece apertada em estreita faixa um pouco acima de 3% da declaração de crença. Com base nos dados do censo agora apresentado, os cristãos configuram 86,8% da declaração de crença. Não há dúvida que isso pode ser problematizado com a questão complexa da múltipla pertença ou então da malha larga do catolicismo, que envolve, como diz Pierre Sanchis a presença de “muitas religiões” em seu interior.

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511028-catolicismo-no-brasil-em-declinio-os-dados-do-censo-de-2010

Em marcha, a transformação da demografia religiosa do país


"Liderada pela Renovação Carismática e apoiada na criação de redes de TV e no evangelismo midiático, a reação católica à expansão pentecostal fracassou", analisa Ricardo Mariano, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 30-06-2012.

Segundo ele, "causa surpresa o declínio, em números absolutos, de Congregação Cristã no Brasil e Universal do Reino de Deus. Elas perderam, respectivamente, 200 mil e 228 mil adeptos. Até então, só uma grande evangélica, a Luterana, havia declinado, o que se explica por ser uma denominação de tradição étnica pouco dedicada ao proselitismo".

Eis o artigo.

O Censo confirma as tendências de mudança radical da demografia religiosa nas últimas décadas: queda da hegemonia católica, avanço vertiginoso dos evangélicos e diversificação religiosa pela Renovação Carismática e apoiada na criação de redes de TV e no evangelismo midiático, a reação católica à expansão pentecostal fracassou.

O inchaço da categoria "evangélica não determinada" reduziu artificialmente o crescimento pentecostal. Mostra limitações do Censo, mas também pode estar sinalizando a expansão da privatização religiosa nesse grupo, situação em que o crente mantém a identidade religiosa e a crença, mas opta por fazê-lo fora de instituições.

Tal privatização resultaria da massiva difusão do individualismo, da crescente busca de autonomia em relação aos poderes eclesiásticos, à imposição de moralidades tradicionalistas, aos elevados custos do compromisso religioso. Ela pode ter ocorrido, em especial, entre indivíduos dos grupos mais beneficiados pelo crescimento da renda e das oportunidades no mercado de trabalho e no ensino superior.

O Censo também reitera o crescimento do pentecostalismo na base da pirâmide social: 64% dos pentecostais ganham até um salário mínimo, 28% recebem entre um e três salários, 42% têm ensino fundamental incompleto. Avança nos segmentos mais vulneráveis da população, nas periferias urbanas e regiões mais violentas, nas fronteiras agrícolas do Norte e do Centro-Oeste, onde a presença católica é rarefeita.

Causa surpresa o declínio, em números absolutos, de Congregação Cristã no Brasil e Universal do Reino de Deus. Elas perderam, respectivamente, 200 mil e 228 mil adeptos. Até então, só uma grande evangélica, a Luterana, havia declinado, o que se explica por ser uma denominação de tradição étnica pouco dedicada ao proselitismo.

Parte da "queda" (improvável, cabe frisar) da Congregação e da Universal decorre da indefinição da identidade denominacional de 9,2 milhões de evangélicos. Mas há outras hipóteses.

Fiel aos princípios de não fazer uso proselitista de mídias e não apelar para a oferta sistemática de serviços mágico-religiosos, a Congregação perde competitividade.

Já a Universal tem sido fortemente pressionada por igrejas que passaram a clonar seus métodos, especialmente a Mundial do Poder de Deus, liderada por Valdemiro Santiago (315 mil adeptos). Pela TV Record, Edir Macedo já acusou o golpe, ao atacar ferozmente o oponente, que, tal como Silas Malafaia, passou a ser estrategicamente apoiado pela Rede Globo.

Seus megatemplos desfavorecem uma sociabilidade fraternal e comunitária. E a ênfase na oferta ritual de soluções mágicas faz com que muitos frequentadores ajam mais como clientela flutuante. Eles pagam por serviços recebidos, mas refutam compromissos duradouros.

A Universal carece da capacidade de formar comunidades e da pregação de uma teodiceia redentora de longo prazo. É o que se propõem a fazer várias independentes sob o grande guarda-chuva "Assembleia de Deus".

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511030-em-marcha-a-transformacao-da-demografia-religiosa-do-pais

Conversa entre companheiros de caminhada


Salve!

Gostei que reagiste. Teologia se faz conversando, ela não é de mão única. Eu vou jogando minhas idéias no ar para compartilhar o que penso e vejo, mesmo que parcialmente. Nós nunca vemos tudo corretamente sempre, mas é na conversa que a gente vai enxergando melhor. Pouca gente se arrisca hoje em dia entrar na conversa. É o espírito da época, o Zeitgeist, por isso estamos atolados na IECLB e avançamos pouco.

Eu escrevo para clarear as idéias para mim mesmo numa tentativa de entender o que está acontecendo ao nosso redor. Na medida em que escrevo vou entendendo, ao menos em parte, o que me rodeia. E é óbvio não consigo entender tudo e nem ver tudo como é. Nos meus escritos acabo batendo em teclas já gastas.

Faço questão de falar da mensagem central de Jesus Cristo porque ela se confronta diretamente com o capitalismo. Como cristãos usamos a teologia para combater o "mundo", hoje, o capitalismo. Nossa 'arma' é a teologia. Esta arma está fraquinha porque temos muita correria na paróquia e por isso não lemos mais livros teológicos e acabamos sem argumentos. Também poucos participam dos movimentos populares e da luta sindical porque a correria da paróquia nos absorve. O ativismo é a armadilha que a igreja coloca exatamente para não participarmos das lutas do povo, pois se nós participamos o nosso povo também vai participar mais e com mais coragem, pois verá que a igreja apóia sua luta. Mas, vejo que a Igreja está mais reacionária do que nunca, o que nos inclui como pastores/as no reacionarismo.

Vejo que é o medo que nos torna reacionários e conservadores. Por que? Porque estamos nos sentindo sozinhos e estamos de fato sozinhos. O medo paralisa. Temos que entrar na luta na Igreja, no Movimento Popular e Sindical e Partidário de Esquerda apesar do medo. A Domitila Barrios da Bolívia, recentemente falecida, diz que o nosso maior inimigo é o medo que está em nós. Ela e mais quatro mulheres, apesar do medo, iniciaram nos anos 80 uma greve de fome que virou movimento nacional e derrubou a ditadura militar.

Ser corajoso não significa não ter medo, significa lutar apesar do medo.

Em minha opinião nós temos que romper com o isolamento em que nos metemos ou nos meteram. Isolamento nada tem de comunitário que é a proposta do Reino de Deus. A pastorada tem que se encontrar para conversar e com isto melhoraremos a nossa teologia e a nossa prática e enxergaremos a realidade melhor. Sozinhos temos dificuldades em enxergar corretamente o que nos rodeia. Sozinhos acabamos vendo apenas uma parte, mas no diálogo veremos ângulos novos que os outros enxergam que eu não vejo. Temos também de nos confrontar na discussão em posições diferentes e opostas. Não temos que concordar com quem fala mais e mais alto. Temos que ir no 'pau' na discussão teológica, isto clareia a nossa teologia. Temos que sair de nosso medo de alguém discordar de nós. Temos que treinar este diálogo dialogando, discutindo, xingando e este processo nos ajudará a ter maior clareza teológica e isto melhorará a nossa prática eclesial e no movimento popular. Mas junto disso temos que participar do Movimento Popular, Sindical, até Partidário de esquerda (mesmo que a 'esquerda' hoje esteja vestida de direita). Não é só nós na Igreja que estamos perdidos no mato, o Movimento Popular passa pelo mesmo processo, mas está tentando reconstruir o trabalho de base, fazendo formação teórica e está conversando entre si na Via Campesina e outros espaços. O movimento camponês já conseguiu juntar Via Campesina com Fetraf numa pauta comum frente ao governo, coisa impossível no passado recente.

Aqui estamos montando um espaço de estudo dos clássicos marxistas com o MPA, MAB, MST, MMC, Sindicatos, CPT, PJR, pequenas cooperativas numa tentativa de entender melhor a teoria revolucionária a partir de nossa prática para nos fortalecer mutuamente e fortalecer a nossa luta em cada movimento. É a tentativa de sair do isolamento.

Na Igreja estamos atolados no isolamento, no silêncio e no medo. Tentei no ano passado provocar para vários colegas que moram perto formar um grupo de estudo e somente um respondeu, pois é mais um dia que se tira da paróquia que já nos tira tudo: tempo, saúde, família. Nem para estudar e conversa teologia e realidade não podemos tirar tempo e com isso o isolamento aumenta e aumenta a repressão sobre nós feita pelos capitalistas que controlam a paróquia.

Eu uso o espaço da internet para conversar e tentar romper o isolamento, mas o medo é tão grande que poucos reagem. Ninguém é obrigado a concordar com ninguém e dizer amém. Para mim ajuda a entender o que acontece quando escrevo. Acabo sendo parcial e incompleto, pois vejo apenas do meu lugar.

Provoquei o Oneide para fazermos já neste ano ou no outro um encontro a nível nacional de quem se considera esquerda na IECLB, mas a conversa não fluiu. Ele concordou, achou bom, mas não conseguimos mais conversar sobre isto. Eu moro em Palmitos e ele em São Leopoldo atolado nos problemas da EST. Temos que romper o isolamento, é o slogan. Vamos afundar como Igreja e como pessoa se não sairmos do isolamento.

Enquanto nós obreiros/as nos isolamos a direita governa esta Igreja desde a comunidade, pois mesmo nas comunidades pobres as diretorias (que são empobrecidos e explorados pelos patrões) defendem o capitalismo, pois foi isto que aprenderam a vida inteira, foi isto que lhe foi dito sempre: não há saída do capitalismo.

Por isso bato na tecla da mensagem central de Jesus Cristo: o Reino de Deus, pois ele aponta para a esperança da construção de uma nova sociedade não capitalista. Aqui o Evangelho rompe com a opressão e a Ditadura do Pensamento Único que nos condenam eternamente ao presente pela Ditadura do Capital.

Fico contente que você se deu ao tempo de sentar e pensar em responder e conversar comigo. Isto mostra que nem tudo está perdido. Não sei como vocês em vosso Sínodo podem montar um grupo para conversar, estudar e sair do isolamento que está nos matando. Temos que nos encontrar no Sínodo como APPI para falar de nossas dores.

Eu agüentei o tranco no pastorado porque buscava forças na participação do Movimento Popular (a nível de município e estadual) e nos encontros ecumênicos (Cebi, CPT) onde a gente via que o mundo é maior que a IECLB. No Sínodo Planalto nós conseguimos montar um grupo de 6 colegas entre 35 para estudar um livro e conversar, isto foi bom e tirou do isolamento. É desumano na Igreja a gente ficar entocado somente na paróquia que nos consome como se fossemos mercadoria a ser consumida, parece antropofagia, e não termos lugar para nos reabastecer. Por isso tem tanto divórcio no meio da pastorada, tanta doença, tanto stress, tanto remédio de faixa preta e tanta desistência (alguns simplesmente saltam fora), pois política de pessoal esta igreja não tem e não vai ter tão cedo, pois a Igreja está mais preocupada em defender os patrões das paróquias do que seus obreiros/as. E não tem adiantado gritar, eles escutam, mas não gostam do que ouvem e fica tudo no mesmo: a pastorada se ferrando sozinhos. Ficam dizendo: Lobo você só xinga e não faz propostas. Quando faço propostas e apoio propostas da APPI também não gostam.

Aí o que acontece: a pastorada acaba fazendo um monte de cagada e a culpa é individualizada. Cagou agora limpa sozinho e a 'peonada' sai mais desmoralizada ainda.

Nós temos alguém com o qual podemos desabafar? Os psicólogos têm como norma fazer terapia com outro psicólogo, nós não temos ninguém. O Baeske fala da gente usar o que o Catecismo Menor nos dá: a confissão particular com um outro colega. Quem arrisca e quem faz? Se vem do Baeske a maioria já salta longe, por preconceito e medo, e continuamos nos ferrando sozinhos. Enquanto isso o TAM e a Avaliação vão fazendo as suas vítimas e a Direção da Igreja não quer acabar com isto. Ali não temos ouvido para os nossos gritos que já não são tão solitários. Na enquete da APPI mais da metade da pastorada que respondeu é contra a dinâmica do TAM e da Avaliação.

Sozinhos somos fracos e vulneráveis, nos juntando somos fortes. Esta é a proposta revolucionária do Espírito Santo que brotou em Pentecostes: a Igreja de Jesus Cristo. Um monte de empobrecidos, perseguidos, estrangeiros, escravos e viúvas se juntou e formou uma comunidade para se fortalecer e divulgar que é possível romper com as estruturas de opressão de nosso mundo a partir da proposta do Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo. Assim, estamos na Igreja (comunidade de irmãos e imãs), mas continuamos isolados, haja contradição. Precisamos nos juntar, nem se é por via email para conversar.

Só sei que quanto mais corremos em nosso ativismo menos perto do Reino estaremos. Temos que nos juntar em grupos de interessados nos sínodos para o estudo, a conversa, a articulação de nossas dores e construir propostas pastorais em conjunto e junto com o povo empobrecido. Não adianta esperar pela estrutura dali não vem nada que nos ajude. Os sinodais são a peonada para nos fiscalizar e cobrar e não conseguem ser companheiros, alguns até que tem tentado, mas eles também estão nesta correria louca, pior que nós na paróquia, por causa das distâncias.

Um colega definiu genialmente o papel dos pastores sinodais assim:

"A expressão "pastor dos pastores" muitas vezes é vista por nós de forma positiva, como aquela pessoa que pastoreia pessoas que exercem o pastorado. Contudo, olhando por outro lado, se pastores são "peões" (na tua linguagem), o "pastor dos pastores" é o peão que é pago para controlar os demais peões, só isto! Ou seja, se na cabeça de muita gente pastor é pago para fazer, então, "pastor dos pastores" é pago para fazer cumprir as leis. A gestão administrativa (poder!) é assumida por pessoas não ordenadas/remuneradas, mas estas não precisam controlar os peões, pois tem gente paga para fazer isto".

Os pastores sinodais são tão vítimas do sistema eclesiástico como nós: estão sozinhos, ferrando e se ferrando sozinhos; são a peonada a serviço da Sr. dos Passos.

Bom companheiro, fico por aí. Obrigado pelos palpites sobre meus textos. É bom alguém de fora mostrar alguns furos em nossos pensamentos.

Um abraço

Lobo

A resposta acima partir deste texto:

Carta ao Lobo!


“Melhor é a repreensão franca do que o amor encoberto” (Pv 275)

Serei franco contigo. Sinto melhoras no seu estilo de escrever. Tempos atrás o pessimismo e o negativismo estavam mais marcantes, o mesmo que encontro em Nietsche, e já se sabia onde ia chegar. Mas, hoje, aqui e ali já parecem luzes (propostas aceitáveis). O que, a meu ver, é bom, pois, penso, precisamos ser propositivos.

Quero reagir aos seus artigos “do boi” e da “proposta da esquerda”. Acho que você poderia ter lembrado que o símbolo da IECLB é cópia do palácio de Brasília e não do casebre do camponês. Mas tudo bem.

Tenho algumas perguntas: 1ª) Você consegue viver sem dinheiro? Eu preciso dele, pois os outros o querem.

Para mim o problema não é o dinheiro (não há sociedade moderna que se estrutura sem dinheiro. Nem na Rússia, nem em Cuba). É verdade que ele foi criado como forma de acumular, pois é mais fácil de armazenar (os bois ocupam muito lugar, e depois de certo tempo precisam ser encaminhados, caso contrário dão prejuízo).

Jesus combate a transformação do dinheiro em Deus (Mt 6.24), o apego ao dinheiro (Mt 19.21); assim como Paulo (1 Tm 6.10) e Tiago (Tg 5.1-6), como, no AT, fizeram os profetas, especialmente Amós (4.1; 5.21s) e Miquéias (6.12) e o sábio (Pv 15.17; 16.8),...

Mas viver sem dinheiro, nem mesmo Jesus viveu (Mt 27.55; e Judas cuidava do dinheiro,..). E a saída não está em atos milagrosos (Mt 17.27). O apóstolo Paulo ensina a “ter como se não tivesse” (1 Co 7.30), ou seja, viver com ele, mas não se apegar a ele; ou como recomenda Tiago (Tg 4.13ss), por ele dentro do propósito e planos de Deus. Lutero usa a figura do hóspede na pousada: vai lá, usa, mas não leva a pousada junto quando vai embora.

Quando preguei 1 Co 7.29-31, afirmei: O terceiro assunto se refere aos negócios. A palavra de Deus não proíbe negociar. Mas nos lembra que também isto faz parte da realidade provisória do mundo presente. Como cristãos devemos abster-se de toda manipulação injusta, de pretender levar vantagens em tudo e passar outros para trás, mas a darmos o devido valor às necessidades de nossos semelhantes. Além disso, somos desafiados a não pormos nossa confiança em nada neste mundo: nem dinheiro, bens, amigos, família, trabalho, profissão deve receber mais atenção e amor do que Deus, pois tudo isto passará e nada neste mundo nos pode dar tanto prazer, alegria e segurança como Deus. (...) De fato, não temos a nossa última morada aqui. Por isso, não podemos e nem devemos nos conformar com a realidade presente e incompleta, mas precisamos nos empenhar pela realidade definitiva. O novo mundo está baseado na vontade de Deus, ele condena e nega a exploração ao próximo que é pecado porque causa sofrimento, condena todo tipo de maldade. O novo mundo serve de critério para julgar os acontecimentos presentes, se são ou não da vontade de Deus. Mas, a esperança no novo mundo pleno, completo, de forma alguma favorece a acomodação. Ao contrário, esta esperança é uma força e estímulo para a ação aqui. Crer na “vida eterna” nos compromete com a preservação da vida aqui.

O desejo de Deus não é que só pensemos e só esperemos um mundo bom para o futuro. Deus deseja que sejamos participantes do novo mundo, que possamos levantar sinais, ainda que pequenos, que mudam a convivência na família, no trabalho, na sociedade e que melhoram as condições de vida.

A força para isso, vem do Senhor que rege a história, está conosco e um dia voltará para nos acolher em seu reino sem fim.

Quando preguei sobre Mt 6.19-21, 24, afirmei: Qual é o ensino correto para com o dinheiro e as riquezas?

1 – “Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores.” (1 Timóteo 6.10). A Bíblia não condena ter dinheiro. O problema é quando se tem amor ao dinheiro, isto é, quando a vida gira em torno de ter dinheiro, de se viver para o dinheiro (trabalho), se corrompendo e tirando até mesmo Deus do lugar de Deus e colocando o dinheiro no lugar de Deus. Assim, as pessoas só tem tempo para trabalhar. Não tem mais tempo nem para ir à Igreja, fazer uma visita a um amigo, ter tempo para conversar na família, etc. Em casa em que dinheiro é tudo, falta amor, carinho, e felicidade. Há desvio da fé e só sobram muitos sofrimentos.

2 – “Irmãos, o que eu quero dizer é isto: não nos resta muito tempo, e daqui em diante devemos viver assim... os que compram, como se não fosse deles aquilo que compraram; os que tratam das coisas deste mundo, como se não estivessem ocupados com elas. Pois este mundo, como está agora, não vai durar muito. Eu quero livrá-los de preocupações” (1 Coríntios 7:29a, 30c-32a).

“Ter como se não tivesse”. Os bens do mundo devem ser entendidos como um hotel, ao qual se vai, se usa, mas não se leva junto na hora de sair dali. Deve se ter como se não tivesse. Não deixar nosso coração preso a ele.

3 – Jesus diz: “Por isso eu digo a vocês: usem as riquezas deste mundo para conseguir amigos a fim de que, quando as riquezas faltarem, eles recebam vocês no lar eterno.” (Lucas 16.9)

Jesus disse que o uso do dinheiro é para fazer amigos!

Não usar do dinheiro para usura, acumular, explorar, se deixar dominar, mas para ajudar e fazer amigos. Aqui temos um detalhe diferente da história do Filho pródigo. O filho pegou o dinheiro do pai e esbanjou tudo e só conseguiu reunir ao seu redor “amigos da onça”, aproveitadores! “Amigos” que na hora ruim ‘deram no pé’! Jesus dá o conselho de que os bens, riquezas não devem nos distanciar um dos outros, nem devem favorecer a discriminação, mas antes sejam usadas para fazer amigos. Há um provérbio: ‘Quem dá aos pobres, empresta a Deus’ (Pv 19.17). Uma vida se torna rica, não quando consegue ajuntar riquezas para si mesmo, mas a vida se torna rica quando temos amigos, pessoas com quem nos importamos e nos damos bem. Só é rico para Deus quem é generoso e consegue ter amigos de verdade. E é esta generosidade -fruto da fé-, esta ajuda que prestamos às pessoas que socorremos com o dinheiro deste mundo, que vai contar à morada no céu.

4 - ajuntem riquezas no céu! Invistam na missão, na divulgação do Evangelho. Ajudem com os bens a divulgação da boa nova da salvação. Façam suas contribuições financeiras à Igreja de bom coração.

Isso é bíblico. Nesse ensino não há erro!

2ª Pergunta: O Reino de Deus! Para mim está claro: o RD possui duas dimensões – a presente e a futura. Mas somente numa delas nós podemos participar ativamente, a outra, nós participamos passivamente (a recebemos). Não vejo em seus escritos a dimensão futura do Reino de Deus.

O canto “Jesus Cristo, esperança do mundo” (Silvio/Edmundo/João), na estrofe 6 tem algo muito valioso para mim: “futuro ilumina o presente”. Toda a questão escatológica da plenitude do Reino de Deus não é um antídoto para a acomodação, mas é mola propulsora para um agir no tempo presente daquilo que esperamos e cremos que será a eternidade. Se eu creio que o céu é um bom lugar de se morar, devo lutar para que todos possam ter casa aqui; se lá terei saúde, devo lutar para que todos tenham acesso à saúde e tratamento médico e hospitalar aqui ( e não como fez a AMA – que não ama ninguém – só os “urubus” tem acesso e o povão paga a conta); se creio que lá haverá alegria e paz na grande família, devo me empenhar aqui para que haja justiça, alegria e paz entre as pessoas, como entoaram os mensageiros de Deus (Lc 2.15) e assim por diante.

3ª pergunta: Qual o espaço amplo (para todas as pessoas) na sua teologia? Você opta pelos camponeses e exclui os ricos, ou você aceita a todos, porém aos pobres dá a preferência? E ricos não tem necessidades também que precisam ser nutridas? Jesus dialogou com muitos ricos e incluiu alguns em seu reino.

No projeto de reino de Deus trazido por Jesus há também o “amor ao inimigo”. Como isso se viabiliza em sua teologia?

“Amar o inimigo é convite para imitarmos o amor de Deus. Estamos desautorizados a amar apenas a certas pessoas e grupos. Jesus não eliminou o amor ao amigo, mas incluiu o inimigo na relação. O amor que Jesus propõe, vê mais longe” (Edson Streck – Mt 5.38-40).

4ª) Qual é o projeto da esquerda? Antigamente era mais fácil ser oposição, pois seguia-se a máxima: “Se há governo, sou contra!” E metia pau no governo. Então entrou o PT e com ele o carismático Lula, esquerda desde pequenino. E o que aconteceu? A esquerda não sabia mais o que fazer: não queria tocar pau no Lula pelo seu histórico, mas não dava para concordar com o que ele vinha fazendo, pois era um projeto de continuidade ao que já existia. Não houve ruptura. E as inovações, na sua grande maioria, eram na linha assistencialista. Nossas mãos ficaram amarradas, pois a expectativa de algo totalmente novo não aconteceu, mas foi o mais popular dos governantes. Fez sua sucessora. A qual também tem uma política assistencialista, vai levar muita gente à falência do endividamento, mas é popular.

5ª pergunta: Quando fui nos anos 80 no “Repartir juntos” em Agudo, voltei com uma vontade imensa de mudar o mundo. Se falava em macroestrutura, acabar com o capitalismo, etc. Mas chegando em casa, na Vila Pratos, (que você conhece pois comentou como havia desvios do dízimo, faltou dizer que depois da intervenção a Paróquia ficou sem obreiro a ver navios,... ) eu não sabia por onde começar. Sentia-me pequeno demais, diante das macroestruturas, as quais não tinha poder de fazer frente. Diante disso pergunto: O nosso discurso, por vezes, não fica muito na teoria, faltando colocar passos possíveis e concretos de ações possíveis? Aquilo que o Chico Mendes dizia: “Pensar globalmente, agir localmente!”

Um sistema (capitalismo) é feito por regras e pessoas (redes). Não precisamos definir melhor qual é o mal a ser atacado?

Edson Streck, em uma prédica de Mateus 5.38-40 afirmou: “Jesus pede para não resistirmos à pessoa má. Jamais ele nos pede para não resistir ao mal. Por isso é necessário termos bem claro – quem é o inimigo a combater: o mal, a força que domina e impulsiona à agressão!”

6ª) Jesus não fez tudo sozinho. Ele chamou discípulos. E lhes instruiu. Às vezes nossas falas e escritas parecem transparecer que é o pastor/a que precisa resolver tudo. Qual o incentivo para a formação do povo de Deus? Qual a força que temos dentro do poder constituído? (Temos de remar contra todas as correntezas e estamos nisso sozinhos?).

Lutei e relutei antes de escrever. Gostaria de continuar a conversa contigo. Em respeito e diálogo, talvez, seja possível construir algo interessante. O que você acha?



29 de junho de 2012

A Teologia do Boi




A Igreja tem uma teologia oficial (que é para inglês ver) e uma teologia oficiosa, que é a real.

A teologia oficial começa com o nome da própria IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. O nome IECLB é um programa:

IGREJA – um povo que, chamado por Deus, se reúne em uma fé, celebra o culto e expressa sua vida em comunhão com Deus e serviço ao próximo; EVANGÉLICA – o fundamento, a fonte e a norma crítica da igreja é o Evangelho de Jesus Cristo; DE CONFISSÃO – a fé da comunidade cristã é testemunhada e vivida diante dos homens e do mundo; LUTERANA – segundo Lutero, o luteranismo em si é desinteressante, mas em espírito ecumênico cremos que há uma só igreja de Jesus Cristo, que se renova pelo evangelho gratuito, aceito em fé para uma vida em fidelidade e amor; NO BRASIL – cada igreja tem um lugar específico de vivência e testemunho. O Brasil é marcado por pluriformidade religiosa, diversidade racial, contrastes sociais, injustiças, crises políticas e de desenvolvimento. Esta definição é do P. Dohms.

A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) surgiu em 26 de outubro de 1949 sob nome de Federação Sinodal. Em 1954 foi denominada de Federação Sinodal/Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, recebendo seu nome atual em 1962.

Quando de seu primeiro concílio geral, ocorrido em 1950, em São Leopoldo, a Federação Sinodal expressaria seus planos e sua autocompreensão nas palavras:

“A Federação Sinodal é Igreja de Jesus Cristo no Brasil em todas as conseqüências que daí resultarem para a pregação do Evangelho neste país e a co-responsabilidade para a formação da vida política, cultural e econômica de seu povo.

Esta Igreja é confessionalmente determinada pela Confissão de Augsburgo e Pequeno Catecismo de Luther, pertence à família das Igrejas moldadas pela Reforma de Martin Luther, e quando adotará em lugar de “Federação Sinodal” a denominação de Igreja, o que esperamos para breve, exprimi-lo-á nesta mesma denominação.

Como Igreja assim determinada confessionalmente a Federação Sinodal se encontra na comunhão das Igrejas representadas no Conselho Ecumênico, as quais admitem o Evangelho de Jesus Cristo, que nos transmite a Sagrada Escritura como única regra diretriz de sua obra evangélica e de sua doutrina”.

A CONSTITUIÇÃO DA IECLB em seu TÍTULO II que fala dos DO FUNDAMENTO E DOS OBJETIVOS diz:

Art. 5º - A IECLB tem como fundamento o Evangelho de Jesus Cristo, pelo qual, na forma das Sagradas Escrituras do Antigo e do Novo Testamentos, confessa sua fé no Senhor da una, santa, universal e apostólica Igreja.

§ 1o - Os credos da Igreja Antiga, a Confissão de Augsburgo (“Confessio Augustana”) inalterada e o Catecismo Menor de Martim Lutero constituem expressão da fé confessada pela IECLB.

§ 2o - A natureza ecumênica da IECLB se expressa pelo vínculo de fé com as igrejas no mundo que confessam Jesus Cristo como único Senhor e Salvador.

Art. 6º - Constituem objetivos fundamentais da IECLB, além do disposto no art. 3o desta Constituição:

I - fortalecer e aprofundar a comunhão entre as Comunidades em sua ação evangelizadora;

II - zelar pela unidade na vida eclesiástica, no testemunho e na pura pregação da Palavra;

III - promover o ensino, a missão e a diaconia;

IV - proporcionar o aprofundamento teológico e o crescimento espiritual nas Comunidades;

V - propiciar condições para que os membros das Comunidades possam exercitar seus dons na missão da Igreja, na perspectiva do sacerdócio geral de todos os crentes e do ministério compartilhado;

VI - zelar pela formação em todos os níveis para seus diferentes campos de trabalho, de obreiros e colaboradores, que poderão ser de tempo integral, parcial ou de trabalho voluntário;

VII - zelar pela ordem e disciplina evangélica a serem observadas por suas Comunidades, seus membros, obreiros e instituições, de acordo com a presente Constituição e outros documentos normativos da Igreja.

Fazem parte também da teologia oficial as decisões conciliares, das quais cito apenas parte da mensagem e uma parte das decisões do Concílio Geral de 1982:

Mensagem

...Para que todos possam usufruir das dádivas do Criador, agindo responsavelmente diante delas, propomos o seguinte:

- realizar campanha de ampla informação e conscientização dos problemas agrários e urbanos:

- apoiar o agricultor na sua luta pela permanência no campo:

- assumir e defender com responsabilidade evangélica as reivindicações dos movimentos sociais, fazendo um trabalho de base com associações de bairros, atingidos por barragens, colonos sem terra, bóias-frias, sindicatos, proteção ambiental, além de inúmeras outras formas de atuação onde o amor de Deus quer se tornar vivo e real entre as pessoas.

Um extrato das conclusões do Concílio de 1982:

Apoio engajado e consciente ao pequeno agricultor e à pequena indústria, dentro da perspectiva de um modelo simples de vida, decorrente do próprio Evangelho. Por isso apoiar:

a) Movimentos Populares, associações de bairro, órgãos de classe, sindicatos dos trabalhadores rurais, cooperativismo sadio.

b) Projeto de CAPA (Centro de Aconselhamento ao Pequeno Agricultor), LACHARES, grupos em defesa da ecologia e ambiente natural

c) Movimentos no espírito de não violência

d) As prioridades de ação da IECLB e confessionalidade luterana

A teologia oficial não é bonita e fiel ao Evangelho de Jesus Cristo? É. Não dá vontade de fazer parte de uma igreja assim coerente e na qual se prega pura e retamente o Evangelho de Jesus Cristo? Dá. Quando a gente lê isto dá vontade de estufar o peito e dizer bem alto: Eu sou membro desta Igreja.

Mas... sempre tem um mas... mas que droga!

Mas, como a teologia oficial é apenas para inglês ver, o que então determina a teologia real desta Igreja? A teologia real é a teologia do boi.

Como funciona a teologia do boi, em que está embasada, qual a sua dinâmica e o que ela propõe?

A teologia do boi não é uma teologia específica da IECLB e de outras igrejas cristãs, é uma teologia muito antiga; já a encontramos em Êx 32.1-10 onde o povo de Israel adora o bezerro de ouro. O que este significa? Adorar o bezerro de ouro significa santificar o ouro (que simboliza a riqueza) e o boi (que na época era a tecnologia mais avançada de produção). Quem tinha bois? Tinha bois quem tinha bastante terra e terra boa, pois o boi precisa de muito pasto em contraposição da ovelha e da cabra que comem qualquer coisa que cresce em terras áridas. Por isso no Nordeste brasileiro se cria muitas cabras, por causa do pasto escasso.

Assim, quem tinha bois eram os agricultores mais abastados e com mais terra; hoje a gente os chamaria de latifundiários. Se você faz a sua lavoura na base da enxada você leva 15 dias para limpar um hectare de terra, mas se você tem uma junta de bois você lavra esta terra em 2 dias. Portanto quem tem bois pode produzir mais no mesmo espaço de tempo por que pode preparar mais terra para plantar. Hoje uma junta de bois mansa que puxa uma carroça ou um arado custa R$ 5.000,00 e uma enxada custa R$ 16,00. Assim já se define quem pode comprar uma junta de bois e quem pode comprar uma enxada.

Havia no Reino do Norte - Israel - um boi de ouro no templo de Betel, ao sul, e um em Dã, ao norte, (é disto que Êx 32 fala) simbolizando Javé, pois em Êx 32.4 diz: "São estes, ó Israel, os teus deuses, que te tiraram da terra do Egito". Javé que é um Deus de camponeses escravos empobrecidos agora é adorado na forma do boi de ouro. Isto é do interesse de quem? Dos que tem bois, que são também os que detêm mais terras e mais riquezas. Inverte-se a teologia a respeito de Javé: de um Deus de camponeses sem terra que luta com eles pela terra e contra o Estado ele se torna o deus de latifundiários que controlam o Estado. São os latifundiários (conforme Is 5.8 "Ai dos que ajuntam casa a casa, reúnem campo a campo, até que não haja mais lugar, e ficam como únicos moradores no meio da terra!" e Mq 2.1 "Ai daqueles que, no seu leito, imaginam a iniqüidade e maquinam o mal! À luz da alva, o praticam, porque o poder está em suas mãos. 2 Se cobiçam campos, os arrebatam; se casas, as tomam; assim, fazem violência a um homem e à sua casa, a uma pessoa e à sua herança".) que definem quem é Javé na forma de suas posses: ouro e bois. De fato estão adorando as suas posses como seu deus, como Jesus dizia em Mt 16.21 "porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração".

O reino do Norte - Israel - adotou como política de Estado construir dois templos nos dois extremos do país para o controle ideológico do povo na luta contra o Reino do Sul - Judá - no qual havia o Templo de Jerusalém, que poderia desagregar o país do norte unindo novamente os dois países em um. Como o Reino do Norte não tinha a Arca da Aliança, que estava no Templo de Jerusalém, no sul, o Estado colocou os bois de ouro como símbolo de Javé. Este símbolo não saiu da cabeça dos camponeses empobrecidos, mas da cabeça de quem controlava o Estado que são os latifundiários. Criaram um deus à sua imagem e semelhança. Esta é a teologia do Estado que usa como símbolo a que ele veio: defender os donos dos bois e o dono dos que possuem ouro.

A luta de classes gera um deus falso para legitimar e defender os interesses da classe economicamente dominante que controla os aparatos do Estado e o próprio Estado em benefício da classe que controla o Estado: os donos dos bois e do ouro. Freud e Marx explicam isto melhor.

Assim a Religião, que tem uma teologia, tem a função de explicar o mundo segundo os interesses da classe economicamente dominante que controla o Estado. Na época o símbolo da prosperidade era o ouro e o boi. A teologia da bênção, que diz que Javé abençoa com riqueza quem tem fé nele, substituiu a teologia inserida na Arca da Aliança que simbolizava a presença de Javé no meio da luta dos camponeses pela terra e contra o Estado no intuito de construir uma nova sociedade onde os meios de produção estão sob o controle de toda a sociedade e onde o poder é exercido por todos. O Estado não poderia ter uma teologia destas por isso Salomão construiu o Templo de Jerusalém e escondeu a Arca da Aliança no quarto do fundo do Templo para sumir com esta teologia do Javé que luta pela terra e contra o Estado para construir uma sociedade igualitária. O que o Reino do Norte fez foi a mesma coisa que o Reino do Sul fez. Este é o papel do Estado usar a Religião para se legitimar e legitimar o Modo de Produção dominante, no caso o Tributário. A função do Estado é garantir a perpetuação do Modo de Produção vigente, hoje o capitalismo, e para isto se usa a Religião, hoje, no caso, a Igreja (que deve deixar de ser Evangelho para virar Religião).

Para garantir que o Evangelho vire Religião é necessário mudar a teologia da Igreja, mas mesmo assim continuar dizendo que esta teologia mudada continua sendo a teologia de Jesus Cristo. Foi o que se fez em Israel e é isto que Êx 32 denuncia. "São estes, ó Israel, os teus deuses, que te tiraram da terra do Egito", fala-se de um bezerro de ouro, mas se diz: "São estes, ó Israel, os teus deuses", porque este texto denuncia os templos de Betel e de Dã, onde Javé foi representado na forma de um touro de ouro (cópia dos Estados cananeus vizinhos).

Como isto acontece hoje nas igrejas cristãs?

Conto duas histórias que já contei outras vezes:

Um pastor da Rondônia me contou o seguinte: Quando ainda fazia pouco tempo que chegara à Paróquia foi visitar o padre da cidade. Havia perto da cidade um acampamento de sem terra e o pastor perguntou ao padre se ele já havia ido visitar este acampamento de sem terra. O padre respondeu: “Nós temos os dois na igreja: os fazendeiros e os sem terra. Os fazendeiros sempre dão alguns bois para a festa da Paróquia e aí fica difícil visitar os sem terra”. O pastor perguntou: “A gente não poderia ir juntos visitar os sem terra acampados à beira da estrada?” O padre respondeu: “Pois é, a gente deveria um dia se sentar e falar sobre isto”. Mas nunca se sentaram para falar sobre isto e assim nem o pastor e nem o padre visitaram os sem terra. Isto mostra como funciona a luta de classes na igreja e de que lado a igreja fica nesta luta de classes.

Numa comunidade da paróquia de Palmitos, na festa da colheita, se anunciou várias vezes durante o dia que o boi do churrasco foi doado pela família do prefeito, que é candidato à reeleição. "Esqueceu-se" (entre aspas) de agradecer a todos os membros que doaram algo e a todos que trabalharam nesta festa porque quem manda na comunidade são os donos dos bois, do capital.

Isto significa que nesta comunidade não se pode falar contra a prática econômica dos donos do capital e nem contra o próprio capital, que nós sabemos como surge. Ele surge do roubo de parte do trabalho não pago no processo de produção da mercadoria feito pela classe trabalhadora. A origem do capital está no roubo. Para legitimar este roubo é necessária uma nova teologia, pois a teologia do Evangelho de Jesus Cristo não admite esta prática econômica baseado no roubo e na exploração.

Assim é necessário mudar a teologia a respeito de Jesus Cristo, mas continuar dizendo que é a teologia de Jesus Cristo. São os donos dos bois, do capital, que tem essa necessidade de se falar de Deus de uma forma a justificar a dinâmica do capital e todo o processo econômico, político, cultural e ideológico ali embutido.

A igreja visitando só os donos dos bois, do capital, e não os sem terra está dizendo que quem manda na igreja são os donos dos bois, do capital, e não todos os membros. Na luta de classes da sociedade a igreja fica do lado da classe economicamente dominante. A mesma dinâmica da sociedade se repete na Igreja: manda quem possui o poder econômico. Em outras palavras a igreja tem medo dos donos dos bois, medo de perder o dinheiro deles, pois eles (os ricos e os remediados que se consideram ricos, mas não o são) vivem dizendo que são eles que mantêm financeiramente a igreja, o que é uma grande mentira, pois são os pobres que mantêm financeiramente a igreja, é só pegar a ficha de cada membro e fazer a conta, porque os pobres são a esmagadora maioria na igreja.

O resultado da teologia do boi é o medo colocado no lugar da utopia evangélica. A igreja tem medo dos donos dos bois, do capital, e assim eles determinam a teologia da e na igreja. Desta forma a pregação pura e reta do Evangelho de Jesus Cristo foi para as cucuias, porque só se fala o que a classe capitalista permite. Se a igreja não tivesse medo dos donos dos bois ela visitaria também os sem terra acampados à beira da estrada.

Lembro-me que em 1990 levei uma família luterana assentada do MST em Itaiópolis, SC, para falar com o pastor de Taió para lhe dizer que neste assentamento havia 12 famílias luteranas e que ele as poderia visitar e ali formar uma comunidade da IECLB, mas ele nunca visitou ninguém e assim não há comunidade luterana neste assentamento até hoje. E a igreja vive falando em fazer missão. Pura balela. Por que? Porque o que determina a teologia da igreja são os bois, é a teologia do boi.

Ouvi no Encontro de Formação para Pastores e Pastoras da PPL em Palmitos desta semana de uma estudante de teologia o seguinte:

Ela contou que uma colega dela ao saber para onde ela iria (para o encontro da PPL) disse que a gente não deve participar e optar por qualquer movimento na igreja porque isto nos vai prejudicar no futuro campo de trabalho. Quer dizer em outras palavras: a gente não deve ter opção teológica; a gente não deve ter uma teologia clara e definida. Pastor/a tem que ser "Waschlappen" (pano de lavar a sujeira do chão), capacho, por medo da direita que manda na igreja. Este é o espírito da época: o medo. O medo nos faz assumir a teologia do boi como a teologia oficiosa da igreja porque isto agrada a classe capitalista que manda na igreja.

Por causa do medo a pastorada não consegue nem por ordem na bagunça e na roubalheira que há nas comunidades no que se refere ao roubo de parte do Dízimo, que não é enviado ao Sínodo. Os donos dos bois fazem na igreja o que fazem na prática econômica: sonegar impostos, roubar os trabalhadores e com isto compõe o seu capital. Como na vida do dia a dia isto é normal então na igreja também tem que ser assim porque nós mandamos na igreja, dizem os capitalistas donos dos bois. Pastor/a que se opuser não vai ter o seu TAM renovado após a próxima Avaliação por qualquer motivo que a gente achar na hora, porque não dá para dizer que é porque ele cobrou honestidade. Assim como se rouba no processo econômico se rouba na igreja retendo parte do Dízimo que deveria ser enviado para a Igreja.

Ml 3.8-9 lembra: "Roubará o homem a Deus? Todavia, vós me roubais e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas. Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, vós, a nação toda". Em outras palavras, em muitas comunidades, quem manda são os ladrões e os corruptos, que por sua vez são os que sentam nos primeiros bancos da igreja e são mencionados como sendo benfeitores. Roubam o Dízimo na igreja e roubam os trabalhadores nas empresas e nas fazendas. Isto nos lembra Lc 22.25-26 "Mas Jesus lhes disse: Os reis dos povos dominam sobre eles, e os que exercem autoridade são chamados benfeitores. Mas vós não sois assim; pelo contrário, o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve". Jesus Cristo está dizendo às diretorias das comunidades para não serem opressoras, ladras e corruptas como os dirigentes do Estado.

Como para os capitalistas, donos dos bois, eles são os donos da igreja e não Jesus Cristo então está tudo nos conformes. O que a Direção da Igreja diz? Ela diz, para se eximir da culpa: isto é coisa do Sínodo controlar, mas o Sínodo é composto por membros das paróquias onde muitos deles têm ou admitem esta prática de sonegação que por sua vez não vão fazer nada porque isto seria cortar na própria carne e admitir que são ladrões e corruptos. Por medo a igreja não enfrenta os corruptos e os ladrões dentro dela e muito menos se opõe ao sistema capitalista que é instrumento que o diabo usa para tentar impedir a construção do Reino de Deus. É a dinâmica do diabo que determina qual a teologia da igreja. Ai, essa doeu!

Assim o medo vai da comunidade até a Direção da Igreja. O medo sempre foi usado pela classe economicamente dominante, que controla o Estado, para manter a opressão sobre a classe dominada. Assim a Igreja, que é insurgente e revolucionária por princípio evangélico, virou aparelho do Estado para proteger os interesses dos capitalistas. A teologia de Jesus Cristo virou a teologia do boi, porque o boi doado, sacrificado, para a festa diz o que se deve e não se deve pensar e fazer na igreja. Ainda por cima se diz na igreja que hoje não há mais sacrifícios. O boi sacrificado (que virou churrasco) virou deus e determina a vida dos crentes.

Isto tudo faz parte da dinâmica do capitalismo que se denomina de fetichismo da mercadoria, em que a mercadoria ganha vida própria e manda no seu criador. O fetichismo do capital explica isto em que a pessoa vira mercadoria e a mercadoria vira pessoa com vida própria e manda nas pessoas que a criaram. O ser humano passa a ser escravo do produto de suas próprias mãos, da mercadoria por ele criada, e mesmo assim acreditamos sermos pessoas livres. Reinaldo A. Carcanholo em “A dialética da mercadoria: guia de leitura” diz:

"No capitalismo, vivemos uma religião politeísta, e o dinheiro é um deus intermediário, entre os grandes. Outros existem: a mercadoria, a tecnologia, o mercado, o capital, a competitividade etc. Muitos são eles, mas, como na Grécia, há toda uma hierarquia, e os três maiores são: a mercadoria, o dinheiro e o capital. Este último é o senhor de todos: é Zeus, zeus-capital. O capital, como o deus dos deuses, tem ao seu lado direito o dinheiro, que é o segundo na hierarquia. Sentado ao lado esquerdo de Zeus, encontra-se a mercadoria. Capital, dinheiro e mercadoria, na verdade, formam uma trindade: são três em um só.

Que o dinheiro e também o capital sejam os deuses do nosso tempo, não é difícil perceber. A eles nos submetemos; nossa vida e nossa morte depende deles. Trabalhamos, estudamos, despertamos pela manhã, brigamos, nos vestimos de um jeito ou outro; tudo em função do dinheiro ou do capital.

Há uma passagem de Marx, referida por Rosdolsky, interessante nesse sentido. Segundo ele, Marx, nos Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844, referindo-se a uma passagem da obra de Goethe, afirma:

“O que posso pagar, ou seja, o que o dinheiro pode comprar, isso sou eu, o dono do dinheiro. Meu poder é tão grande quando o poder do dinheiro. ... Portanto, o que sou e o que posso não está determinado por minha individualidade. Sou feio, mas posso comprar a mulher mais formosa. Logo, não sou feio, já que o efeito da fealdade, seu poder de dissuadir, foi aniquilado pelo dinheiro. Eu, segundo minha individualidade, sou paralítico, mas o dinheiro me dá vinte e quatro pés; logo não sou paralítico. Sou um homem mau, desonesto, inescrupuloso, desalmado, mas como se prestam honras ao dinheiro, o mesmo se estende ao seu proprietário. O dinheiro é o bem supremo, e por isso quem o possui é bom. Além disso, o dinheiro me põe acima da condição de desonesto; pressupõe-se que eu seja honesto. Sou um desalmado, mas se o dinheiro é a verdadeira alma de todas as coisas, como pode ser desalmado quem o possui? Com ele se podem comprar os homens de espírito, e o que constitui um poder sobre os homens de espírito não é ainda mais espiritual que os homens de espírito? Eu, que através do dinheiro posso conseguir tudo a que o coração humano aspira, por acaso não possuo todas as faculdades humanas? Acaso meu dinheiro não transforma todas as minhas incapacidades em seu contrário?” (Marx, 1989, Manuscritos, apud Rosdolsky, 516-517)

Mas, quais são as características do fetichismo na sociedade capitalista em que vivemos, destacadas por Marx n'O Capital? A dominação talvez seja a mais importante e mais profunda dessas características: o fetiche, de criatura produzida pelo ser humano passa a ser seu senhor. As outras são:

a) o poder que os fetiches têm de relacionar-se uns com os outros e com os seres humanos;

b) o fato de que seus poderes, que são sociais, apareçam aos nossos olhos como poderes naturais deles mesmos e

c) a chamada reificação das relações sociais.

... É justamente o fato de os seres humanos terem se organizado socialmente de maneira mercantil que permite que seus produtos passem a relacionar-se entre si e com os homens, através do mercado. A mercadoria já é, então, um fetiche e os homens estão a ela subordinados, através do mercado. Essa subordinação é cada vez maior, quanto mais desenvolvido o mercado, quanto mais dependente são os produtores da existência das relações mercantis.

Os seres humanos deixam de relacionar-se diretamente entre si e entregam essa tarefa ao fetiche. As mercadorias mantêm relações entre si e com os seres humanos. O ser humano, de por si, deixa praticamente de relacionar-se com qualquer igual, para relacionar-se quase exclusivamente com as coisas. Quando se sente obrigado a relacionar-se com um igual, e até no sexo, tende a ver, no igual, um mero objeto. Assim, passa a ser objeto ele mesmo.

... Além disso, o fetichismo é um fenômeno indispensável na preservação da ordem capitalista. Através dele, o conjunto dos seres humanos, em particular os subalternos, acreditam que o mundo é regido por determinações naturais, por leis naturais e imutáveis, e que, portanto, nada podem fazer contra isso. Acreditando-se dominados por forças naturais, tais seres (e todos eles, mas especialmente os subalternos) convertem-se em escravos: ‘o mundo sempre foi assim e nada há a fazer’. Sua impotência, atribuída por si mesmos, torna-se real, concretiza-se.

... Quando o homem entrega a mediação de suas relações sociais a um objeto externo, ao dinheiro, esse objeto converte-se em algo superior a ele mesmo e como se tivesse poderes derivados de sua própria natureza de objeto. O homem torna-se escravo desse objeto e o objeto passa a ser cultuado como se fosse o próprio deus ou o maior deles.

É possível entender, assim, por que na nossa sociedade os seres humanos atuam como fantoches das coisas produzidas por eles mesmos: pela mercadoria e, posteriormente, pelo dinheiro e em seguida pelo capital. A relação de dependência e subordinação à coisa é cada vez mais profunda, na medida em que as relações mercantis desenvolvem-se e passam da simples mercadoria até chegar ao capital e à mercadoria-capital, como a conhecemos hoje. O capital transforma-se, então, no fetiche-deus-capital.

... O fetichismo consiste no fato de que o caráter social do trabalho humano aparece fantasmagoricamente como qualidade material do seu produto e o fetiche apresenta, em resumo, as seguintes características, todas elas relacionadas entre si:

- possui a capacidade de relacionar-se uns com os outros e com os seres humanos;

- seus poderes adquiridos e sociais, aparecem como derivados de sua própria natureza de coisas;

- as relações sociais mercantis aparecem como relações entre os fetiches e com os seres humanos;

- o fetiche passa a ser o senhor e os homens, seus escravos;

- não é produto da mente, mas da forma social;

- o mundo econômico aparece, e de fato é, organizado pela lógica do fetiche;

- as classes subalternas da sociedade conformam-se com sua dominação, ao parecer-lhes de ordem natural."

Assim, na prática, o deus da maioria dos cristãos e da igreja são os bois sacrificados para o churrasco da festa da comunidade. Por que? Porque eles determinam a prática eclesiástica da comunidade, portanto a teologia da comunidade. Você dirá: Na minha comunidade não é assim. Pergunto: O/a pastor/a de sua comunidade pode dizer em alto e claro tom que o capitalismo é o instrumento que o diabo usa para tentar impedir a construção do Reino de Deus? Que o Reino de Deus propõe a construção de uma nova sociedade não classista e não capitalista, mas igualitária onde os meios de produção pertencem e estão sob o controle de toda a sociedade? A sua comunidade tem um trabalho com os sem terra, com os atingidos por barragens, com mulheres camponesas, com o movimento negro, com o movimento indígena, com os movimentos populares, com o movimento sindical no intuito de lutar por uma nova sociedade não capitalista? A resposta para estas perguntas define qual o Deus de tua comunidade. Se é Jesus Cristo ou o capital.

28 de junho de 2012

Nada de novo.




Nada de novo no front, diria Erich Maria Remarque, quando as velhas raposas saem da toca.

Igreja aliada à Maçonaria é o mesmo que PT aliado ao PP. PP e PT é uma aliança antiga desde 2003 e nos municípios é coisa velha. PP e PT são duas siglas que tem som parecido ao se pronunciar. É o som do sistema. Um é o projeto mais à direita do capitalismo e outro é o projeto mais à esquerda do capitalismo. Os dois defendem o capitalismo. Um é o capitalismo selvagem e o outro é o capitalismo do Estado do Bem Estar Social, mas é tudo o mesmo capitalismo, apenas com facetas diferenciadas, mas que defende em primeiro lugar o direito ao lucro e conseqüentemente o direito à exploração da classe trabalhadora. Para o Capital políticas de Estado, para o Trabalho políticas compensatórias, que compensam a desigualdade que a economia gera. Se a economia não gerasse desigualdades não precisaria haver políticas compensatórias, como o Pronaf, Bolsa Família, Mais Alimento, etc.



Estas fotos são um escândalo? Não, isto não é nada de novo. Tudo faz parte do sistema. É coisa do sistema. Hoje estes dois partidos são do sistema, assim como a Religião Cristã e a Maçonaria são do sistema. O Evangelho de Jesus Cristo é contra o sistema e quer destruir o sistema. A função da Religião é transformar o Evangelho em Religião porque a Religião acomoda e o Evangelho incomoda. A função da Religião é acomodar o Evangelho ao sistema. Como isto é impossível então se transforma o Evangelho em Religião. Isto também é impossível, mas a Religião faz parecer possível. Por isso o grosso da Igreja é Religião e não Evangelho. É o que mostra a foto do padre e do bispo com a Maçonaria. Coisas do sistema. O único problema é que Jesus Cristo foi morto pelo sistema porque o ameaçava, conforme Jo 11.47-50, além de ameaçar também a Religião, conforme Jo 2.13-22.



Na IECLB este processo se completou em 1997, para que a Igreja ficasse sob o controle do sistema de uma forma mais eficaz e virasse Religião de fato. Não que antes não estivesse. Como a Igreja em sua essência é insurgente ainda há pessoas na IECLB que não aceitam este processo de ser integrado ao sistema religioso e insistem em querer manter a Igreja como Evangelho e não como Religião.



Porque não há nada de novo no front? Porque vejo a presidenta do Partido dos Trabalhadores viajar à países estrangeiros e carregar consigo nestas viagens enxames de empresários capitalistas. A lógica seria a presidenta que é do Partido dos Trabalhadores carregar no avião presidencial enxames de trabalhadores dos sindicatos, dos movimentos populares e ambientalistas para discutirem com os trabalhadores de lá as propostas de uma nova sociedade não capitalista e discutir e trocar experiências da luta por esta nova sociedade não classista em seus respectivos países e de como se organizar a nível mundial para acabar com o capitalismo, que é um instrumento que o diabo usa para tentar impedir a construção do Reino de Deus. Porque a presidenta não carrega consigo nestas viagens internacionais trabalhadores em vez de empresários? Porque ela é do sistema.



Esta forma de governar ajuda a quem? Ajuda um pouco os trabalhadores em suas necessidades a curto prazo e ajuda os capitalistas a curto, médio e longo prazo a se manter no poder. Ajuda os empresários a se organizarem melhor, mas não ajuda na organização dos trabalhadores.



Anexo o artigo de Luiz Fernando Verissimo:

Lula e Sombra



A crônica de Luiz Fernando Verissimo, escritor, publicada no jornal Zero Hora, 28-06-2012, versa sobre o encontro de Lula com Maluf.

Eis o texto.



Todo o mundo sabe que o Paulo Maluf é procurado pela Interpol. O que pouca gente sabe é que o codinome dele na Interpol é "Sombra", devido à dificuldade da organização em sequer localizá-lo. O escritório da Interpol no Brasil tem agentes dedicados exclusivamente a procurar o Maluf, cujos atos de corrupção internacional são notórios e comprovados. Ainda não conseguiram achá-lo, mas, recentemente, chegaram perto. Esta coluna teve acesso a memorandos internos na Interpol que descrevem o episódio.

Um relatório de um dos agentes encarregados de procurar o "Sombra" revela a existência de rumores nos meios políticos segundo os quais o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai se encontrar com o Maluf, em lugar não especificado, para tratar de assuntos também desconhecidos. Em resposta ao relatório o chefe da Interpol pede cautela, em memorando que publicamos na íntegra, só omitindo o nome do agente e do seu chefe para proteger nossas fontes.



"De XXX para X. Confidencial. Assunto: 'Encontro com Sombra.' Recomendo extrema cautela. Os rumores de um encontro de Lula com 'Sombra' são obviamente destinados a desmoralizar o ex-presidente e seu partido, o PT. Como já lembrei em outras ocasiões, não devemos nos envolver na política do País. Desconsidere os rumores."



O agente responde em outro memorando:

"De X para XXX. Confidencial. Assunto: Lula e Sombra. Os rumores parecem estar confirmados. Haverá sim um encontro do Sombra com o ex-presidente, que, sabe-se agora, vai pedir seu apoio para o candidato do PT nas próximas eleições municipais. Peço autorização para iniciar uma Operação."





A resposta do chefe:

"De XXX para X. Confidencial. Assunto: sua insistência. A possibilidade de um encontro de Lula e Sombra é tão inverossímil, levando-se em conta o histórico do PT e as opiniões do Lula sobre o Sombras, que não merece consideração, quanto mais uma operação. Desista, X."



Volta o agente:

"De X para XXX. Confidencial. Assunto: chance única. Chefe, desculpe a insistência. Mas descobrimos que o encontro Lula/Sombra será na casa do Sombra. Se seguirmos o Lula até o local, não só encontraremos o Sombra como descobriremos onde ele mora. Posso colocar agentes disfarçados de arbustos para flagrar o encontro. É uma chance que não se repetirá!"



Como resposta, XXX ordena que o agente X abandone seu plano, informe-se melhor sobre a história política do Brasil e da próxima vez use o bom senso, em vez de acreditar em boatos delirantes. E a Interpol continua procurando o Maluf.



http://www.ihu.unisinos.br/noticias/510970-lula-e-sombra

Qual a finalidade da vida? Viver!




Que heresia anticapitalista é essa? A finalidade da vida é viver? Não é produzir mercadorias? Não é trabalhar? A finalidade da vida não é trabalhar? Não? Não é trabalhar e trabalhar e trabalhar mais uma vez para poder comprar um carro zero com abatimento do IPI? Não? Para que serve a vida afinal? Só para viver?

Peraí, que papo de subversivo é esse? Isso aí não é conversa de comunista? Tem certeza? Tenho. De onde vem esta conversa subversiva que a finalidade da vida é apenas viver?

De onde vem? Da Bíblia.

1 Tm 6.8 diz: "Tendo sustento e com que nos vestir estejamos contentes".

O contexto diz:

6 De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. 7 Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. 8 Tendo sustento e com que nos vestir estejamos contentes. 9 Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. 10 Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores.

Tem certeza de quem escreveu isto não era um comunista roxo?

A fonte de lucro é se contentar com feijão e arroz e um chinelo de dedo? Que heresia é essa? Parece coisa de índio preguiçoso!

Nós descendentes de alemães e italianos temos que trabalhar para construir o progresso e o desenvolvimento! Por isso a gauchada é vista pelo Brasil afora como um bando de gafanhotos. Onde passam não sobra nada de verde, derrubam tudo. Para que? Para plantar soja. Desmataram o Rio Grande, depois Santa Catarina, depois o Paraná, depois o Mato Grosso, hoje estão acabando com o Cerrado. Para que? Para viver é que não foi. Eles nem sabem mais o que é vida. Só vivem para trabalhar, para ficar rico. Quem ficou rico com o trabalho deles? A Monsanto, a Beyer, a Syngenta, a Valtra, a John Deer (que em bom português significa: João Veado). A gauchada destruiu três biomas para enriquecer meia dúzia de multinacionais. Isso é viver? Quando se interioriza o capitalismo como única forma de vida dá nisso: não tem tempo para viver, tem que trabalhar.

O ex-presidente do Sindicato e Trabalhadores Rurais de Palmitos me contou que um vizinho dele de 60 anos queria fazem um financiamento de R$ 300 mil para construir um chiqueiro. Estão na roça apenas ele e sua esposa. O ex-presidente do Sindicato perguntou-lhe: Quantos anos você vai ter que trabalhar para pagar este financiamento e vai trabalhar para quem? Os filhos já estão na cidade e nunca mais voltarão para a roça. Este investimento vai ficar para quem? Você e sua esposa vão se matar trabalhando em seus últimos anos de vida para que? Para dar lucro para a Sadia e para o banco?

Este camponês pensou dois dias e decidiu não fazer este financiamento bancário para construir este chiqueiro. Decidiu viver.

Este ex-presidente de Sindicato é um estraga prazeres, um subversivo. Está atrapalhando o progresso e o desenvolvimento do município. Imagine quanto ICMS que o município perdeu com esta conversa e quanto lucro a Sadia perdeu com esta conversa.

E esse camponês vai fazer o que em sua aposentadoria? Apenas viver?

Sem produzir com o seu trabalho lucro para o banco, nem lucro para a Sadia e para a fábrica de ração e de remédios? Apenas viver? Dá para, apenas, viver?

O objetivo da vida é apenas viver? Viver para garantir que todos possam, apenas, viver?

Não há capitalismo que resista diante de uma subversão destas e ainda fundamentada na Bíblia!

Estar contente com o que se tem, que heresia! E o consumo como é que fica? E este último lançamento com nova embalagem e nova fórmula, como é que fica? Viver para apenas viver! Isto é uma subversão insuportável! Prendam quem escreveu isto!

O pior é que esta subversão do viver apenas por viver denuncia a nossa realidade que não deixa as pessoas viverem apenas por viver. As pessoas têm que trabalhar para viver e de tanto trabalhar nem sabem mais o que é viver.

Na modernidade de hoje, por exemplo, na Foxconn a peonada chinesa trabalha 16 horas por dia, como em 1850 se trabalhava nas fábricas insalubres na Europa, para nós aqui no Brasil podermos comprar o nosso Tablet bem baratinho. Esses ali têm que viver para trabalhar.

Mas, existe outra proposta além desta de viver para trabalhar? E que tal trabalhar o suficiente apenas para viver?

Essa história de Gn 1 e 2 é pura sacanagem anticapitalista. Não sei porque a Igreja ainda não arrancou estas páginas da Bíblia. Gn 1 termina com o objetivo do trabalho é gerar o descanso, a vida boa, o viver para viver. Gn 1 diz que o trabalho dá prazer e realização pessoal quando se olha para o que se produziu. E produzir também é por puro prazer, nada de produzir por obrigação. Deus produziu o mundo por puro prazer de produzir, não foi obrigado para isso, foi pura realização pessoal, foi pura criatividade posta em ação. Como será que é a realização pessoal da peonada da Foxconn ou da peonada que trabalha nos frigoríficos, da Sadia, da Seara, da Aurora, da Perdigão, que tem que fazer de 90 a 120 cortes por minuto e ficarão permanentemente inválidos para qualquer trabalho após 5 a 10 anos de serviço? O que eles vão fazer com o resto de toda a sua vida de inválidos para o trabalho e para a vida? Porque com tanto remédio e tanta dor não conseguem apenas viver sem gemer.

Quem trabalha tem, dizem os capitalistas. Quem trabalha fica rico, dizem os capitalistas. Que o diga a peonada da Sadia e suas famílias integradas. Hoje não se fala mais em integrado, mas em parceiro. Por que? Porque a alemoada que não sabe falar bem o português dizia: Sou entregado da Sadia. Agora ele não é mais integrado, agora ele é parceiro. Uma parceria entre raposa e galinha. Assim como o peão de fábrica não é mais peão, é colaborador. Ele colabora para aumentar o lucro do patrão.

Gn 2.15 diz: "Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar". Apenas cultivar e guardar? Não para produzir mercadorias para vender e nem produzir mercadorias para no processo de produção gerar o lucro pela parte do tempo não pago ao trabalhador? Que é isso? Onde nós estamos? Isso é coisa da Igreja ensinar? Onde ficam o progresso e o desenvolvimento? Na bandeira brasileira diz: Ordem e Progresso. Ordem capitalista (pau na peonada descontente) e Progresso capitalista (devastação dos ecossistemas, extinção da biodiversidade e superexploração da peonada). Nada de viver apenas para viver e ainda por cima se contentar com o básico! Onde ficam a exploração da natureza, a poluição, a geração do CO2 e o efeito estufa que são o símbolo do progresso e do desenvolvimento?

Qual é, querem voltar ao tempo dos trogloditas, dos homens e mulheres da caverna?

João 10.10 lembra a palavra de Jesus: "O ladrão vem somente para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância".

Aqui temos dois projetos:

- O projeto do ladrão.

O projeto do ladrão tem como objetivo roubar, matar e destruir o que nos lembra da dinâmica capitalista, esta é a sua essência: roubar, matar e destruir. Todo capitalista é um ladrão porque rouba pelo não pagamento de parte do trabalho feito pelo trabalhador para formar o mais-valor, o lucro. A origem do lucro está no roubo e o lucro é a essência do capitalismo, portanto o capitalismo está construído em cima do roubo. Além do roubo o capitalismo precisa da guerra para destruir parte dos meios de produção que lhe fazem concorrência para reconstruí-los depois que se apropriou deles. E numa guerra o que se faz? Se mata. E a destruição do meio ambiente é o que a empresa capitalista mais faz, além de destruir a vida do trabalhador pela superexploração de seu trabalho.

- O Projeto de Jesus.

O Projeto de Jesus é o oposto da prática do sistema capitalista. Por isso a função daquele que faz parte do Projeto de Jesus é fazer a subversão e se insurgir contra o projeto do capitalismo. Jesus diz que ele veio para que todos "tenham vida e a tenham em abundância". Dentro do capitalismo não é possível que haja vida em abundância para todos porque o sistema está construído em cima da luta de classes. E a luta de classes funciona da forma em que uma classe, a capitalista, rouba uma parte do resultado do trabalho da classe trabalhadora, que é o mais-valor, o lucro. Esta é a base do capitalismo, portanto impossível de coaduná-lo com o Projeto de Jesus.

Por isso Jesus em sua primeira fala pública em Nazaré citando o profeta Isaías disse ser este o seu programa:

Lc 4.18-19: "O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor".

Este programa é pura subversão da ordem estabelecida, pois quer libertar os escravos num modo de produção escravista e por em liberdade os oprimidos, que são todos os povos oprimidos pelo Império Romano dos quais ele cobra tributos. Jesus propõe acabar com a base do sistema econômico escravista romano, por isso ele foi condenado à morte de cruz como subversivo, como diz em Lc 23.1-5. Vida abundante não pode haver dentro de um sistema econômico opressor e quem quer isto é subversivo e lugar de subversivo é na cadeia, no pau de arara e na cruz.

Imagina: vida abundante para todos. Agora a ralé quer vida abundante, onde já se viu! Polícia neles!

O pior do Programa de Jesus não é o seu programa, mas o fato de ele executar o programa, cumprir o seu programa, como diz em Lc 7.18 "Todas estas coisas foram referidas a João pelos seus discípulos. E João, chamando dois deles, 19 enviou-os ao Senhor para perguntar: És tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro? 20 Quando os homens chegaram junto dele, disseram: João Batista enviou-nos para te perguntar: És tu aquele que estava para vir ou esperaremos outro? 21 Naquela mesma hora, curou Jesus muitos de moléstias, e de flagelos, e de espíritos malignos; e deu vista a muitos cegos. 22 Então, Jesus lhes respondeu: Ide e anunciai a João o que vistes e ouvistes: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres, anuncia-se-lhes o evangelho. 23 E bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço".

Neste texto Lucas mostra como Jesus cumpria o seu programa subversivo de perpetuar a vida. Jesus não apenas falava, mas fazia o que dizia. Isto é algo completamente intolerável para qualquer político do projeto do ladrão. Porque há moléstias, coxos e pobres? Porque o projeto do ladrão os produz. Subversão é acabar com aquilo que os produz, que é o sistema econômico opressor, por isso todo cristão batizado é um subversivo e um insurgente.

Ter um programa até o PP, o PSD e o DEM tem um programa. É apenas um programa para ter um programa para ter o que dizer em época de eleição, mas todos sabem que isto é só para enganar os trouxas, pois o seu projeto real é o projeto do ladrão, o capitalismo, que não permite que haja vida abundante para todos, apenas para a elite que é dona dos meios de produção. O seu programa é fazer com que o Estado seja privatizado pela classe capitalista para servi-la em seus intentos de roubar, matar e destruir.

Quem olha para a realidade a partir deste ponto de vista? Por isso urge a Igreja ter um programa de formação para o povo de Deus que seja realista a partir da realidade da luta de classes em que vivemos. Uma formação que prepare os/as cristãos/ãs para o enfrentamento de classe. Precisamos de um projeto de formação que parta da realidade da luta de classes que há na sociedade e na qual a Igreja está inserida. A formação tem que clarear a luta de classes na qual como Igreja vivemos para superá-la para que possa haver vida abundante para todos, que só o Projeto do Reino de Deus propõe.

Temos que parar com esta frescura de fazer de conta que vivemos numa sociedade harmônica quando fazemos formação na Igreja. Esta atitude é porque temos medo da direita que manda na Igreja. Jesus também enfrentou o Templo de Jerusalém. Nós também temos que enfrentar o Templo de Jerusalém que hoje é controlado pela direita. A melhor maneira de enfrentar o Templo de Jerusalém é fazer formação classista na Igreja, para que o povo trabalhador saiba o que é o que e quem é quem na luta de classes que há na sociedade e na Igreja. O povo trabalhador consciente tem que tomar o poder na Igreja e na sociedade, pois, tanto na Igreja como na sociedade que detém o poder é a direita. Para se tomar o poder na Igreja tem que se começar com um projeto de formação classista, para mostrar qual a postura de Deus na luta de classes na Bíblia e hoje e como se dá a luta de classes hoje na sociedade e na Igreja. Porque não se fez isto até hoje? Por medo da direita e porque somos uns cagões. Esquecemos que a direita tem mais medo de nós do que nós deles. Para este enfrentamento temos que reunir e organizar a pastorada e os membros que querem um novo projeto de sociedade e uma nova Igreja. E, nunca esquecer, a fé cristã é insurgente por princípio porque propõe a construção do Reino de Deus que propõe a construção de uma nova sociedade não classista, uma sociedade de irmãos e irmãs onde a sociedade toda controla os meios de produção.

Qual é a qualidade de vida que a pastorada tem na Igreja? Dá para qualificar como vida abundante? Dá para dizer que a pastorada vive para viver ou vive para trabalhar? Tem uma grande maioria que vive para trabalhar, porque afinal são pagos para isso. São pagos para trabalhar e não para viver. Como se consegue conjugar o viver com o trabalhar como pastor/a? Vivemos numa sociedade capitalista onde o objetivo é produzir e a produtividade tem que estar em alta. Diretorias de comunidades se perguntam como podemos avaliar a produtividade do trabalho do/a pastor/a? Afinal, a qualidade total é o conceito que determina a produtividade no capitalismo. A produtividade do/a pastor/a também tem que ser medida, afinal, ele/a é pago/a para isto. Tem que mostrar serviço. Não estou dizendo que não tenha um e outro pastor/a meio lento e que anda meio devagar e é atiradão. Tem estes também, mas o normal é que esta peonada trabalha de 10 a 14 horas por dia. Aí não tem tempo para viver, só tem tempo de trabalho. A peonada entra neste ritmo e nem se dá conta disto. Quando vêem estão com úlceras, gastrite e depressão por causa do stress. Normalmente a pastorada nem se arrisca a pensar em viver, pois são pagos para trabalhar e tem centenas de ‘patrões’ para os controlar. Para mostrar serviço tem a agenda sempre lotada e o dia de descanso, que é a segunda-feira, deixa de existir ou só se faz pela metade, além do mais as crianças tem que ir à escola e a esposa tem o seu trabalho em sua profissão. Aí o tal do Dia do Descanso não se torna viável. Se ficar em casa acaba trabalhando e sempre tem alguém que aproveita a segunda para fazer seus negócios na cidade e aproveita também para falar com o/ pastor/a. O pessoal já vem dizendo: ‘Eu sei a segunda feira é o dia de descanso do/a pastor/a, mas como estava na cidade aproveitei para passar para marcar o batismo’. Vai dizer o que? Vai receber e marcar o batismo e assim vai. Quando a paróquia tem secretário/a este problema se ameniza.

Mas a pergunta fica: pastor vive para viver ou vive para trabalhar? Afinal, pastor/a tem o direito de viver para viver? Ou tem apenas o direito de trabalhar sem cessar porque senão o TAM e a Avaliação vão classificá-lo como preguiçoso e, por conseguinte, vai levar um chute no traseiro e terá de procurar outra paróquia para trabalhar.

Para a peonada da Sr. dos Passos esta questão já foi resolvida e decidida com a reestruturação de 97. Ela reduziu o número de pessoas por causa da redução de entrada de recursos porque a forma de recolhimento da contribuição do Dízimo em vez das Cotas acabou com as contas da Igreja e, por conseguinte, a peonada que sobrou tem que trabalhar dobrado. Hoje, mais de dez anos depois, esta peonada tem que trabalhar mais ainda porque a Igreja não tem peito para peitar os corruptos nas comunidades, que roubam parte do Dízimo, o que reduziu mais ainda a entrada financeira. Com a Igreja não tem coragem de chamar os corruptos de ladrões a roubalheira continua. Todo mundo fala da tal sonegação do Dízimo e ninguém fica vermelho, pior, ameaçam os/as pastores/as que querem por ordem na bodega. Chamo de bodega, porque Igreja de Jesus Cristo é que isto já não é mais há muito tempo.

É a dinâmica do capital dando o ritmo na Igreja. No capitalismo a ordem é produtividade e lucro a qualquer custo: então pastor/a tem que trabalhar muito e viver pouco e não tem nada de reclamar contra a roubalheira do Dízimo, afinal, é pago para trabalhar e não para reclamar. E o diabo dando risada!

Jesus diz: Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.

Como conhecer a verdade se na Igreja não dá para falar a verdade? O que não dá para falar? Não dá para falar a verdade de como funciona o reino do mundo, o capitalismo. Nem dá para falar que o Projeto do Reino de Deus se contrapõe ao capitalismo e por isso o capitalismo é a proposta que o diabo usa para derrotar a proposta do Reino de Deus. Pode até falar, mas vai para a rua na próxima Avaliação. E ainda se diz que na Igreja se prega o Evangelho de Jesus Cristo de forma pura e reta. De fato, normalmente, apenas se prega o que a direita permite e ela não permite questionar o capitalismo, o projeto do diabo; muito menos permite se organizar junto com o Movimento Sindical e Popular para acabar com o capitalismo na intenção de construir uma sociedade não classista que o Reino de Deus propõe.

Dizer que a mensagem central de Jesus Cristo é o Reino de Deus e por isso automaticamente se está dizendo que o/a cristão/ã batizado/a trabalha para construir o Reino de Deus e não trabalha para manter e reproduzir o capitalismo é para a direita na Igreja proibido. Esta proibição não está escrita em lugar nenhum, mas se alguém ousar dizer que quem apóia a construção e reprodução do capitalismo está fora do projeto de salvação que Jesus Cristo traz isto lhe trará a expulsão da paróquia, caso for um/a pastor/a. Se for algum membro ele até pode pregar pura e retamente o Evangelho do Reino de Deus, mas dificilmente participará da diretoria da alguma comunidade, pois este é o espaço normalmente dominado pela direita. De vez em quando alguém que não apóia o capitalismo consegue passar despercebido e consegue ser eleito para fazer parte da diretoria de alguma comunidade ou paróquia.

Lembro-me quando no final dos anos 90, quando o PT ainda era considerado um partido de esquerda, alguém do PT foi eleito como membro da diretoria da comunidade de Ibirubá e uma senhora, do grupo da direita que manda na comunidade há décadas, disse: ‘O que esta petezada quer na diretoria da comunidade?’ Com isto ela estava dizendo este é o espaço da direita, o que a esquerda quer aqui? Hoje o PT já é um partido do sistema, ainda abriga alguns da esquerda que não sabem para onde ir.

Por que estou colocando esta conversa toda? Para mostrar que no capitalismo não existe a possibilidade de viver para viver, isto somente é possível dentro da proposta que o Evangelho do Reino de Deus coloca em construir uma nova sociedade não classista de irmãos e de irmãs onde o objetivo não é o lucro, mas a vida abundante. Vida abundante e lucro não se cruzam; são dois opostos. Vida abundante é a proposta do Reino de Deus e lucro é a proposta do capitalismo. Que mal há no lucro? É que o lucro tem a sua origem no roubo. No roubo de parte do trabalho que não é pago no processo de produção da mercadoria. Assim, o lucro surge do roubo. Isto o salário consegue esconder. Portanto, todo rico é um ladrão. O bispo de Antioquia, João Crisóstomo, falecido em 407 d.C. dizia que todo rico é um ladrão ou é filho de um ladrão. O coitado do bispo não conseguiu terminar o seu bispado porque em 402 d. C. foi desterrado pelo Imperador para um vilarejo na Turquia por não falar a linguagem do Império. Não é de hoje que pregar pura e retamente o Evangelho cria problemas para o anunciador deste Evangelho.

Enquanto a Igreja (aqui me refiro a todas as denominações) tiver o papel de Religião o Evangelho não terá lugar nela, pois este é em sua essência insurgente e subversivo. A Religião acomoda e o Evangelho incomoda. Por isso é da estratégia do diabo ocupar todo o espaço possível na Igreja e em suas direções para que a Igreja seja Religião e não Evangelho. Tudo isto em nome de Jesus Cristo e em nome da pregação pura e reta do Evangelho de Jesus Cristo que propõe como objetivo central a construção do Reino de Deus que quer a construção de uma nova sociedade não classista onde todos e todas sejam irmãos e irmãs. Isto requer que os meios de produção estejam sob o controle de toda a sociedade, já que não há mais classes sociais. Este perigo deve ser evitado a todo e qualquer custo! Também não se deve dizer que somente Jesus Cristo salva, pois assim se está dizendo que o capitalismo não salva. Na Igreja de Jesus Cristo se diz isto, mas na Religião Cristã não. Na Religião Cristã se diz apenas: Jesus salva! E isto se diz muito, mas não se acrescenta: o capitalismo não salva. Isto já é subversão evangélica.

Nada como um dia após o outro


Artigo publicado na Página do http://www.ihu.unisinos.br

“Nada como um dia após o outro para comprovar o que realmente interessa ao Governo e o que o mesmo despreza”, analisa Afonso Maria das Chagas, mestrando do PPG em Direito da Unisinos e colaborador do Instituto Humanitas Unisinos, ao comentar a Medida Provisória no. 558, que altera a redução de 07 áreas de Preservação ambiental na Amazônia, para construção de Usinas Hidrelétricas, Regularização fundiária e Projetos de mineração.



Eis o artigo



A Conferência Rio+20 terminou oficialmente no dia 22 de junho, um sábado. Celebrada pelo Governo que diz ter gostado do resultado, transfere-se para o futuro, possibilidades, responsabilidades e medidas que deveriam ter sido assumidas no passado. Por isso, analistas têm considerado que a Conferência transformou-se notoriamente em um “fiasco” cujo protagonismo “pífio”, coube em muito, ao Governo do País que a sediou.



No primeiro dia útil após a Conferência, no entanto, o Congresso Nacional converte a Medida Provisória nº 558/2012 na lei ordinária nº 12678/2012. Em 06 meses de vigência tal Medida recebe 52 emendas, é analisada pelas Comissões, aprovada na Câmara e no Congresso e transformada em Lei Ordinária. A ideia principal desta Medida Provisória foi a alteração e redução de 07 áreas de Preservação ambiental na Amazônia, para construção de Usinas Hidrelétricas, Regularização fundiária e Projetos de mineração.



Esta celeridade, é claro, contou com a artimanha de deputados da base governista, que transformaram a MP em Projeto de Lei de Conversão (PLV), simplificando os procedimentos para a aprovação da Medida Provisória. Faz assim o Governo, pela sua base aliada e pelos interesses corporativos (Produtores rurais, setores energéticos e minerários), a sua “tarefa de casa” da Rio + 20. Agora longe do foco da opinião pública internacional, desfaz-se da “máscara” de anfitrião, retomando o papel que melhor lhe cabe: o de agenciador do desenvolvimento de setores pouco ou nada ambientais.



As áreas de proteção ambiental na Amazônia como a Área de Proteção ambiental Tapajós ou a dos Campos Amazônicos, serão reduzidas para atender as exigências do setor hidrelétrico. O Complexo hidrelétrico do Tapajós prevê a construção de 05 hidrelétricas, todas no entorno ou dentro das Unidades de Conservação. Em Rondônia, no Rio Machado e na área dos Campos amazônicos, o objetivo é a construção da Hidrelétrica Tabajara, ainda que os problemas do Complexo hidrelétrico do Madeira não tenham sido resolvidos.



Como objetivos secundários, a Medida Provisória transformada em Lei pelo Congresso também dispõe sobre o perdão de dívida de R$ 10 milhões de produtores rurais vinculados ao projeto Agroindustrial Canavieiro Abraham Lincoln (PACAL), no Pará. Desta forma o Governo define a “sustentabilidade” do PAC, capitalizando os recursos do BNDES para o investimento privado, fazendo a alegria dos empresários do setor.



A pressa da Medida Provisória, fórmula inventada para o Executivo legislar e para o Legislativo negociar, revela a “seriedade” com que os assuntos ambientais são tratados. Pensando nisto e questionando a constitucionalidade da matéria é que uma Ação de Inconstitucionalidade (ADI 4717) foi proposta pela Procuradoria Geral da República contra a Presidenta.



É constitucional reduzir áreas protegidas por Medida Provisória, se tais áreas foram declaradas de “extrema relevância” para a conservação da biodiversidade? É a pergunta que se faz, já que há diagnósticos que afirmam a importância de tais as áreas, que foram reduzidas, para o bioma amazônico. Também o Artigo 225, § 1º, inciso III, define que alteração e supressão em Unidades de Conservação só são permitidas através de lei.



Tudo o que se espera, frente a medidas de tamanho peso não se constatou. Desta forma não se levou em conta um estudo sério sobre os impactos e muito menos um debate com a sociedade já que se trata de assunto de interesse público. A ideia de consulta prévia às comunidades indígenas envolvidas e as audiências públicas, foram completamente descartadas.



Nada como um dia após o outro para comprovar o que realmente interessa ao Governo e o que o mesmo despreza. A Medida Provisória nº 2.109/2000, que “criminaliza” a ocupação de terras e licencia o latifúndio improdutivo, completa 12 anos de vigência; a PEC discutindo o trabalho escravo, responsabilização e punição, completa 17 anos de Congresso Nacional; os Índices de produtividade, certificação autorizativa para improdutividade do latifúndio, é medida ainda por referenciais legais e contextuais do ano de 1993 (Lei nº 8.629/93). Ou seja, na lógica de um “Legislativo de balcão”, aprova-se o que lhe convém. Prescreve-se a Reforma agrária e o interesse público. Desde a Lei Vergueiro (Lei de Terras) não se fazia tanto para os grandes proprietários, escravagistas e “beneficiários” do Governo de plantão.



Corrige-se o termo da sustentabilidade ambiental por “sustentabilidade governamental” e assim conciliam-se os interesses, desde que não sejam coletivos. Nesta esteira, a Medida Provisória nº 571/2012 consegue aprimorar ainda mais o Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) e sua armadilha fundiária, bem a gosto do “ambientalismo de mercado”. Licencia-se o comércio de florestas sejam públicas ou privadas, transforma o “bem comum de uso do povo” em títulos mobiliários, negociados como “crédito de carbono” na Bolsa de Valores, neutraliza-se a Constituição em nome dos “negócios verdes”. Se a Medida Provisória nº 571/2012 tinha a função de “velar” a opinião pública internacional na Rio+20, cumpriu o seu papel. A emenda enfim, soou melhor que o soneto.



E se alguém achava que havia uma chance dos partidos de esquerda atuar sobre a MP nº 571/2012, esta se desfez. A Medida era da própria “esquerda”, onde composição tornou-se objetivo e negociação. Se havia bons propósitos na Rio +20, devem estar sendo velados em algum lugar do Riocentro. Enquanto isso, Congresso Nacional, ruralistas, empresários do setor hidrelétrico e da mineração, seguem blindando a mercantilização do patrimônio público. Na “enfermaria”, a tutela do meio ambiente e a sustentabilidade agonizam.

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/510947-nada-como-um-dia-apos-o-outro