31 de julho de 2012

O "Progresso" e o "Desenvolvimento".




No período da Conquista o "Progresso", quando aqui chegou empurrado pela energia do vento, matou 70 milhões de pessoas nas Américas, saqueou as riquezas e usou a mão de obra escrava indígena e africana. Neste período e nos períodos posteriores o "Progresso" se limitava a pegar as coisas e levar para a Europa e EUA e deixava o resto, o lixo e os problemas advindos desta atitude para as populações locais. Agora com a "economia verde" quer não apenas pegar e ir embora, mas querem se adonar do que sobrou ou ainda não foi usado ou pouco usado. Querem privatizar os bens da Natureza, que pertencem à todas as pessoas, como último esforço para acabar com tudo o que ainda não puderam se apossar e privatizar.

Anexo uma parte de um artigo de Víctor Codina, publicado no sítio Ameríndia, 27-07-2012, que fala da Marcha Indígena de Tipnis [Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Secure], Bolívia.

"Um chamado ético

A dimensão ética destas marchas pode ser formulada de muitas formas, porém sempre tocam o mesmo núcleo essencial: podemos explorar a natureza a qualquer preço, em nome do progresso? O progresso econômico e técnico pode justificar qualquer ação destruidora da natureza e do meio ambiente? Somos donos e senhores absolutos de nosso entorno? Tudo o tecnicamente possível é necessariamente ético? Não temos responsabilidade para com as futuras gerações, que serão afetadas por nossas decisões exploradoras e extrativas?

Quando alguém reflete sobre o imenso esforço dos indígenas, homens, mulheres, crianças, inclusive idosos, caminhando durante dois meses das planícies tropicais às frias alturas do altiplano, suportando calor, chuvas e frio, mal alimentados e mal alojados em tendas, reprimidos pela polícia, vaiados por alguns moradores, mal recebidos por outros, com alguns mortos por acidente e outros pelo frio e a falta de atenção médica... Espontaneamente, surge a pergunta: de onde nasce esta convicção, esta tenacidade para seguir adiante? Esta valentia e fortaleza em meio de tantas dificuldades, qual é a causa desta audácia e desta valorosa e alegre postura?

Não se explica isto unicamente pela defesa de seu habitat, nem de seus costumes ancestrais, nem de seu “modus vivendi”, não é apenas o sentido de fidelidade à tradição secular de seus maiores. Existe algo mais, há um “plus”. Qual é este “plus” de sentido para além da razão instrumental pragmática, do logicamente razoável, para além do sentido comum e da própria utilidade prática?

Para além da ética

Aqui o ético é aberto para uma dimensão mais profunda e misteriosa, para a ordem do espiritual. Abre-se para a Transcendência, para algo Tremendo e Fascinante, ao Infinito, ao Outro, ao Incompreensível, ao Sagrado, ao Mistério último que podemos chamar Deus ou com outros nomes.

No fundo, os indígenas não defendem apenas seus rios, seus bosques, seus animais, sua casa e sua pesca... Mas, também defendem a Terra, a Criação, a obra do Criador, expressa em diferentes mitologias e crenças. Possuem um respeito religioso em relação à Terra e uma veneração que vai ultrapassa o progresso técnico e econômico, a utilidade pragmática e consumista.

Para muitos “modernos” a postura indígena é uma loucura, a negação do progresso, um fundamentalismo telúrico recalcitrante e reacionário. Por isto, eles a critica, combate, freia e a reprime, inclusive violentamente."

É o velho e carcomido "Progresso" capitalista em ação para garantir a dinâmica acumulativa do capital. Enquanto isso no Brasil a AGU pela Portaria 303 (que orienta os órgãos da União a agir de forma inconstitucional para diminuir os direitos fundamentais dos povos indígenas) faz a sua parte tentando anular a própria Constituição no que se refere aos povos indígenas na tentativa de legitimar a privatização do que ainda não foi privatizado pelo capital. A Portaria 303 determina uma regra geral de que todos os procedimentos relacionados às terras indígenas serão revistos, e que é proibido ampliar as terras indígenas já demarcadas, com exceção de casos em que for verificado um vício insanável no procedimento administrativo original. A portaria surge com esta proposta: a de restringir o direito de uso e de soberania. Os índios passam a ter a terra, mas com uma série de limitações. Em muitas hipóteses, terceiros poderão utilizar os recursos que estão disponíveis nessas terras, sem necessidade de consultar os povos indígenas. Este "Progresso" não é música pura para os ouvidos do capital? É a velha dinâmica do "Progresso da Conquista" aplicado nos dias de hoje. Eles tem o que nós queremos então vamos legalizar e legitimar esta tomada pela legislação já que não dá mais para fazer "Guerra Justa", como no passado para tomar suas terras.

Em nome do "Progresso" querem construir uma estrada que passa pelo território do Tipnis, na Bolívia, para escoar a produção capitalista (também a brasileira) pelo Oceano Pacífico e em nome do "Progresso" querem retirar o direito aos povos indígenas no Brasil de controlar as suas terras.

Enquanto isso o "Progresso" não faz a Reforma Agrária porque o capital internacional está de olho em privatizar as terras brasileiras para produzir commodities para exportação; além de construir grandes barragens para garantir a energia para este capital; as terras controladas pelos povos indígenas são um atrapalho para o capital e precisam ser integrados às demandas do capital. No tempo do Ditador Médici se dizia: 'Integrar para não entregar', mas era exatamente o que se queria fazer e se fez a ferro e fogo (com a morte via execução sumária e tortura de 457 pessoas, a tortura de outras 30 mil): Entregar as terras e os minérios ao grande capital.

O "Progresso" é um ser invisível e um deus que exige sacrifícios e usa tanto Ditaduras como Democracias burguesas para se viabilizar. O caminho da mentira é a forma de ele se reproduzir e de se legitimar. A mesma conversa fiada de Progresso e Desenvolvimento ouvi no tempo da Ditadura para legitimar as barragens no Rio Uruguai e ouvi agora no tempo da Democracia burguesa para legitimar as mesmas barragens. Esta é a linguagem do capital para enrolar os tolos e desavisados. O mesmo argumento usado uma vez pela direita e depois pela assim chamada "esquerda", que antes refutava este argumento. Coisas do capital.

Quando o "Progresso" precisa de energia ele diz que as barragens vão trazer o "Progresso" e o "Desenvolvimento" para a região, o problema é que estes dois nunca chegam. Os municípios do entorno da Barragem da Foz do Chapecó estão esperando estes dois seres divinos e milagrosos (o "Progresso" e o "Desenvolvimento") desde que a barragem foi fechada em 2009 e até agora não apareceram por aqui. Certamente se perderam em algum desvio de estrada.

De fato este "Progresso" e este "Desenvolvimento" nós chamamos de capitalismo, que por excelência é predador da natureza e do ser humano: devora tudo o que está no seu caminho: natureza e seres humanos.

Este "Progresso" e "Desenvolvimento" têm um apetite insaciável e usa o Estado para legitimar a sua fome e usa a Propaganda para transformar suas mentiras em verdades.

Este "Progresso" e este "Desenvolvimento" precisam de energia, de terras, de minérios e de mão de obra barata, mas não precisam mais de Reforma Agrária, nem dos povos indígenas que não consumem mercadorias produzidas pelo capital e que controlam suas terras preciosas em minérios e para o plantio de monoculturas. Este "Progresso" e este "Desenvolvimento" precisam agora privatizar toda a Natureza e quem está no caminho para impedir isto é troglodita e subversivo que precisa ser afastado e se necessário eliminado fisicamente. O assassinato de indígenas, ambientalistas e sem terra são a prova disto.

"Progresso" e "Desenvolvimento" eram os chavões da Ditadura e continuam sendo usados pelos governos, ditos, democráticos para fazer o que sempre se fez: massacrar os pobres que sempre estão no caminho deste "Progresso" e deste "Desenvolvimento". Estes pobres sempre estão no lugar errado: moram nas margens dos rios onde se quer inundar as terras pelas barragens, moram nas periferias onde se quer construir estádios para as Olimpíadas e para a Copa, moram nas terras cheias de minérios que as mineradoras cobiçam e moram em terras próprias para a monocultura do agronegócio. Para o capital estes pobres são apenas lixo para ser jogado fora ou para ser empurrado para algum outro lugar onde não são mais vistos.

O pior de tudo é que estes pobres são cabeças duras e não querem entender e compreender as necessidades do "Progresso" e do "Desenvolvimento" e ficam resistindo à sua remoção. Mas o "Progresso" sempre tem o Estado para defendê-lo e para lhe facilitar o processo de "limpeza" pela Lei e pelo Direito e na porrada se preciso for, afinal é o "Progresso" que controla o Estado. Os pobres servem apenas para trocar ou manter a cada 4 anos os peões que estão à serviço do "Progresso", num processo que se conhece como: eleições democráticas num Estado de Direito, porque o "Progresso" tem que ter o seu direito ao "Desenvolvimento" garantido. Quem é contra este "Desenvolvimento" (do Capital) e o atrapalha é Jeca Tatu: atrasado, debilóide e troglodita. Quem está no caminho deste "Desenvolvimento" tem que ser levado de arrasto.

Rafael Correa põe fim à publicidade do governo na mídia comercial do Equador




Está aí uma notícia interessante. Que tal o Governo Dilma fazer o mesmo?

PRESIDENTE CORREA: POR QUE COM DINHEIRO DO POVO EQUATORIANO VAMOS BENEFICIAR SEUS NEGÓCIOS?

Quito, julho, 30 – O governo não colocará mais publicidade nos meios mercantis COM FINS LUCRATIVOS do país. Esse foi o anúncio que o presidente Rafael Correa comunicou durante o Enlace Ciudadano 282.

O presidente recordou que faz seis semanas instou os meios de comunicação que fazem oposição ao governo a rejeitar voluntariamente a publicidade que este divulga em seus espaços e páginas.

Nessa ocasião, pediu aos canais de televisão, rádios e jornais que constantemente questionam, sem fundamento, coisas como a suposta falta de liberdade de expressão no país, enviem uma comunicação manifestando sua vontade de não receber publicidade oficial.

A pesar do tempo transcorrido, essa comunicação não chegou e representantes dos meios como El Comercio ou Ecuadoradio (Radio Quito), afirmaram que não conheciam oficialmente o assunto.

Inclusive o presidente da Associação Equatoriana de Editores de Periódicos, Diego Cornejo, numa entrevista radiofônica, disse que não enviarão nenhuma carta renunciando à publicidade oficial porque “vai contra a lógica do negocio" e acrescentou que em todo caso o governo pode fazer uso da opção de retirar seus anúncios. O presidente se mostrou satisfeito de que Cornejo tenha reconhecido publicamente que os meios de comunicação são um negócio e sua lógica é fazer dinheiro e aceitou a opção do governo de retirar a publicidade oficial dos meios mercantilistas para ver se o fazem por convicção ou pelo negócio da comunicação.

"Para quê vamos seguir enchendo os bolsos de meia dúzia de famílias quando claramente nos dizem que antepõem seus negocios ao direito do público de estar bem informado. Então, por quê com o dinheiro do povo equatoriano vamos estar beneficiando esses negocios?”, insistiu Correa.

Diante disso, o gobernante indicou que efetivamente o Executivo fará uso dessa opção e que nesse contexto dispõe ao Secretário Nacional de Comunicação, Fernando Alvarado, que de agora em diante não se envie publicidade oficial aos meios mercantilistas pois não temos por quê, com o dinheiro dos equatorianos, beneficiar o negócio de seis famílias deste país.

30 de julho de 2012

Reforma agrária agoniza. Desempenho vergonhoso

Análise da conjuntura agraria, feita a partir de noticias de jornais, pelo CEPAT-Unisinos


O primeiro ano do mandato de Dilma Rousseff inscreveu em sua biografia uma marca: o pior desempenho desde a Era FHC na execução da Reforma Agrária. Dados oficiais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, revelam que a presidenta em 2011 registrou a pior marca dos últimos dezessete anos no assentamento de famílias sem terra. Os números de 2011 são vergonhosos. Apenas 21,9 mil famílias de sem-terra foram assentadas no 1º ano do governo Dilma.

Comparando os números relativos ao primeiro ano dos mandatos desde 2003, têm-se o seguinte quadro: FHC – 43 mil famílias em 1995; Lula – 36 mil famílias em 2003 e Dilma – 22 mil famílias em 2011. Os dados são do Incra em levantamento organizado por Paulo Kliass.

Caso sejam analisados os dados de todo o período, percebe-se que o primeiro mandato de Lula foi mais efetivo em termos de reforma agrária. A média de assentamentos de famílias por ano obedeceu ao seguinte quadro: FHC 1 (1995-1998) – 72 mil/ano; FHC 2 (1999-2002) – 63 mil/ano; Lula 1 (2003-2006) – 95mil/ano; Lula 2 (2007-2010) – 58 mil/ano.

Isso significa que, caso Dilma pretenda manter a média do primeiro mandato de Lula, ela terá de assentar uma média de 120 mil famílias nos próximos 2,5 anos que lhe restam. Mas a maioria dos analistas do setor considera muito difícil atingir tal meta, uma vez que o próprio MDA trabalha com a hipótese de assentar apenas 35 mil famílias até o final desse ano de 2012. Destaque-se que segundo o Incra existem cerca de 180 mil famílias esperando um lote.

Para agravar ainda mais o quadro, o orçamento para a execução da Reforma Agrária foi reduzido. Para se ter uma ideia, até agosto de 2011 Dilma tinha gasto R$ 60,3 milhões para desapropriar novas áreas e transformá-las em assentamentos de trabalhadores rurais sem-terra. No auge do investimento em reforma agrária, em 2005, o governo Lula gastou mais R$ de 800 milhões no mesmo período. Para 2012, o quadro pouco mudou, o orçamento continuou em baixa.

O travamento da Reforma Agrária deve-se ainda ao estilo Dilma. Segundo o ex-presidente do Incra, Celso Lacerda, a presidente Dilma Rousseff rejeitou cerca de 90 processos de desapropriação de áreas em 2011. Segundo Lacerda “Dilma é uma administradora muito minuciosa", para em seguida e com polidez afirmar: "Ela não deu decreto não foi porque ela não dá importância à reforma agrária, é porque ela quer de fato um processo qualificado”. Dentre as exigências de Dilma para as áreas, diz o ex-presidente do Incra, a presidente orientou que sejam "de qualidade, bem localizadas, e que sirvam ao combate da pobreza rural”.

Incra travou. Disputas e burocratização

Parte da paralisia da Reforma Agrária pode ser tributada ao Ministério de Desenvolvimento Agrário – MDA e ao seu braço executivo da Reforma Agrária, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra. O Incra está travado. Disputas internas, greves, cortes no orçamento e burocratização tornaram o órgão inoperante. Desde o começo do governo Dilma, as coisas começaram mal. A nomeação do superintendente se deu tardiamente, três meses após o início da gestão de Dilma Rousseff e num contexto de disputa, assim como a nomeação dos superintendentes regionais.

Após sete meses de governo, muitos diretores regionais não haviam ainda sido nomeados. João Paulo Rodrigues, membro da coordenação nacional do MST, mandou um recado à presidente em seu Twitter: "Dilma, estamos em junho e até agora os diretores do Incra não foram nomeados, ou seja: a reforma está parada. Poderia nos informar o que se passa?". Perguntava ele: "Tem algum cargo importante no Banco Central que continua vago após seis meses da posse do novo governo? Algum cargo-chave na Petrobrás? Na Itaipu?".

A nomeação do superintendente nacional também não foi bem assimilada por setores do governo. O escolhido foi Celso Lisboa de Lacerda que recebeu o apoio do MST. O cargo, entretanto, era reivindicado pelo agrupamento Democracia Socialista (DS), corrente interna do PT. A DS, desde a época do governo Lula, indica o ministro do Desenvolvimento Agrário e esperava também indicar o presidente do Incra – órgão que reúne um número maior de cargos comissionados.

Na oportunidade, a DS indicou Afonso Florence, deputado federal pelo PT baiano para o ministério que foi substituído posteriormente por outro nome indicado pela DS, o deputado federal Pepe Vargas do PT gaúcho. A substituição de ministro ao que tudo indica se deu pelo desgaste enfrentado por Florence em função dos resultados pífios da Reforma Agrária no primeiro ano do mandato de Dilma.

Celso Lacerda nomeado à revelia da DS e contra a vontade do antigo ministro, desde o início enfrentou dificuldades internas no Incra. Por um lado viu-se diante dos corporativismos e, por outro, não conseguiu tornar o órgão mais ágil e “adaptado” às exigências de Dilma que cobrava por um Incra mais técnico. A ausência de resultados e as disputas internas derrubaram o superintendente e para o seu lugar foi nomeado Carlos Guedes de Guedes, alinhado à DS.

O MST não gostou da mudança. "Essa mudança não tem explicação. Não ajuda, não fortalece o Incra, não acelera o processo de reforma agrária. Pela primeira vez, o Incra vai ter um presidente da DS. A substituição pegou todos de surpresa", disse o deputado Valmir Assunção (PT/BA), ligado ao MST.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – Contag também não gostou da mudança. O secretário de Política Agrária da entidade, Willian Clementino, disse que o governo não consultou os movimentos sociais sobre a mudança e que a troca de nomes não deve acelerar o processo de assentamento. "A política de reforma agrária está praticamente parada. O governo não dá a importância que a área merece", disse.

Por outro lado, a DS elogiou a escolha e aproveitou para dar uma estocada no MST. Guilherme Cassel, do MDA, que integra a DS e do mesmo grupo político de Pepe Vargas e do novo nomeado para o Incra afirmou: "É um quadro raro, muito inteligente e inventivo. O problema é que a reforma agrária se desconectou da agenda do desenvolvimento pois avançou muito na última década. Os movimentos sociais não conseguiram reciclar seu discurso, insistem em uma agenda de conflito. Quando eu era ministro o presidente do Incra era de outro grupo e isso não influiu em nada no trabalho", disse.

Envolto em disputas, pouco prestigiado por Dilma, com redução de orçamento e enfrentando greve interna, o Incra travou e junto com ele a Reforma Agrária.

O “silêncio” do MST

No contexto da paralisia da Reforma Agrária e dos resultados vergonhosos na quantidade de famílias assentadas até o momento pelo governo Dilma, chama atenção o “silêncio” do MST. Silêncio que ganha amplitude quando se vê a generosidade do governo para com o “outro lado” - o agronegócio.

O MST tem protestado, porém, a indignação não tem se manifestado em ações mais contundentes. Em recente artigo, João Pedro Stédile afirma: “entra governo, sai governo, e a luta pela reforma agrária continua sempre igual. Durante os governos Lula e Dilma, os movimentos sociais achavam que a reforma agrária, enquanto programa de governo poderia avançar. Mas infelizmente seguiu a mesma lógica. Só anda, nas regiões e locais aonde houver maior pressão social”.

No seu diagnóstico acerca da inoperância da Reforma Agrária destaca entre outras razões a “pequenês” do governo Dilma. Diz ele: “O Governo Dilma continua refém, de suas alianças conservadoras. Continuam refém da falta de debate sobre projeto para o país. Continua refém de desvios tecnocráticos, como se assentamento de sem-terra fosse apenas problema de orçamento publico. Continua refém de sua pequenês”.

O fato, entretanto, é que o MST de longe tem sido duro com o governo Dilma no que diz respeito a ações coletivas. O Abril Vermelho não realizou ações de grande contundência em Brasília, apenas uma breve ocupação do Incra. Em outras épocas, principalmente nos anos de governo FHC, o MST já estaria na “jugular” do governo. Entre a indignação verbal e publica do Movimento e a pressão real vê-se uma razoável distância.

Conjunturalmente os setores que mais botam pressão no governo Dilma nesses últimos tempos têm sido o dos servidores públicos. Registre-se que a reação do governo no caso tem sido considerada por muitos como similar apenas à época da ditadura. Até a moderada CUT em nota protestou contra aquilo que chamou de “inflexão governamental” no tratamento com os servidores.

Dilma não aposta na Reforma Agrária

A paralisia, entretanto, na Reforma Agrária não deve ser tributada apenas ao Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), ao seu braço executivo, o Incra, e a falta de uma pressão maior do MST. Deve-se também e, sobretudo, a concepção de Reforma Agrária de Dilma Rousseff.

O foco de Dilma é economia, emprego e desenvolvimento e o campo nessa equação entra como uma base exportadora. Guilherme Costa Delgado, do Ipea diz que o governo fez a "opção estratégica" pelo modelo de agronegócio, que envolve grandes propriedades e monocultura: "O agronegócio seria um jeito de inserir a economia brasileira na economia mundial, por meio da provisão de commodities, como a salvação das contas externas." Nesse contexto, a presidente não acredita na Reforma Agrária como um mecanismo efetivo de desenvolvimento nacional, o quanto muito vincula a Reforma Agrária ao programa de erradicação da miséria.

O pouco apetite demonstrado pelo governo com a Reforma Agrária contrasta com o entusiasmo e a generosidade do Estado brasileiro para com o agronegócio. Dilma vê o campo como uma plataforma exportadora. Análise da Comissão Pastoral da Terra – CPT mostra que o governo não mediu esforços para atender os interesses do agronegócio. A CPT cita um exemplo: Em maio de 2011, a presidenta Dilma assinou de uma única vez, decreto de desapropriação de quase 14 mil hectares na Chapada do Apodí/RN, para implantação do Projeto de irrigação que beneficiará meia dúzia de empresas do agronegócio. Ao mesmo tempo, também no RN, foram desapropriados cerca de 8 mil hectares na região de Assú, para a Zona de Processamento de Exportação (ZPEs). Enquanto isso no Estado há cerca de 4 mil famílias acampadas.

A CPT lembra ainda que a dureza do governo não é apenas com os sem-terra, mas estende-se aos povos indígenas e quilombolas. Como destacado anteriormente nessa análise, o governo não se sensibiliza com a situação dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul, em especial os Kaiowá e Guarani, que vivem em conflito com fazendeiros e usineiros da região. Nenhuma ação contundente foi feita para homologação das terras no estado até agora. No caso das populações quilombolas, diz a CPT, fora a desapropriação do território da comunidade de Brejo dos Crioulos, em Minas Gerais, poucos foram os resultados conseguidos frente às reivindicações das 3,5 mil comunidades quilombolas existentes no Brasil. De todas, apenas 6% tem a titulação de suas terras.

Em contrapartida à política de migalhas aos sem-terra, indígenas e quilombolas, o agronegócio é constantemente agraciado com generosos subsídios como se vê, entre outros, no financiamento para produção de etanol. Por outro lado, o mesmo agronegócio comanda o desmonte do Código Florestal para atender aos seus interesses agroexportadores.

A CPT destaca ainda o andamento dos grandes projetos – obras impactantes como a Transposição do Rio São Francisco, Transnordestina, projetos de mineração, construções de BR's, obras da Copa, Porto de Suape, a construção da Hidrelétrica de Belo Monte e das usinas no Rio Madeira, barragens, além de outros mega-projetos – que avançam sobre áreas de biodiversidade, agrícolas, ribeirinhas e, além de atingirem em grande parte as comunidades tradicionais, promovem conflitos e violência.

Sei wachsam


Reinhard Mey


Ein Wahlplakat zerrissen auf dem nassen Rasen,
Sie grinsen mich an, die alten aufgeweichten Phrasen,
Die Gesichter von auf jugendlich gemachten Greisen
Die Dir das Mittelalter als den Fortschritt anpreisen.
Und ich denk' mir, jeder Schritt zu dem verheiß'nen Glück
Ist ein Schritt nach ewig gestern, ein Schritt zurück.
Wie sie das Volk zu Besonnenheit und Opfern ermahnen,
Sie nennen es das Volk, aber sie meinen Untertanen.
All das Leimen, das Schleimen ist nicht länger zu ertragen,
Wenn du erst lernst zu übersetzen, was sie wirklich sagen:
Der Minister nimmt flüsternd den Bischof beim Arm:
Halt du sie dumm, -- ich halt' sie arm!

Sei wachsam,
Präg' dir die Worte ein!
Sei wachsam,
Fall nicht auf sie rein!Paß auf, daß du deine Freiheit nutzt,
Die Freiheit nutzt sich ab, wenn du sie nicht nutzt!
Sei wachsam,
Merk' dir die Gesichter gut!
Sei wachsam,
Bewahr dir deinen Mut.
Sei wachsam
Und sei auf der Hut!

Du machst das Fernsehen an, sie jammern nach guten, alten Werten.
Ihre guten, alten Werte sind fast immer die verkehrten.
Und die, die da so vorlaut in der Talk-Runde strampeln,
Sind es, die auf allen Werten mit Füßen rumtrampeln:
Der Medienmogul und der Zeitungszar,
Die schlimmsten Böcke als Gärtner, na wunderbar!
Sie rufen nach dem Kruzifix, nach Brauchtum und guten Sitten,
Doch ihre Botschaft ist nichts als Arsch und Titten.
Verrohung, Verdummung, Gewalt sind die Gebote,
Ihre Götter sind Auflage und Einschaltquote.
Sie biegen die Wahrheit und verdrehen das Recht:
So viel gute alte Werte, echt, da wird mir echt schlecht!
Sei wachsam,
Präg' dir die Worte ein!
Sei wachsam,
Fall nicht auf sie rein!Paß auf, daß du deine Freiheit nutzt,
Die Freiheit nutzt sich ab, wenn du sie nicht nutzt!
Sei wachsam,
Merk' dir die Gesichter gut!
Sei wachsam,
Bewahr dir deinen Mut.
Sei wachsam
Und sei auf der Hut!

Es ist 'ne Riesenkonjunktur für Rattenfänger,
Für Trittbrettfahrer und Schmiergeldempfänger,
'ne Zeit für Selbstbediener und Geschäftemacher,
Scheinheiligkeit, Geheuchel und Postengeschacher.
Und die sind alle hochgeachtet und sehr anerkannt,
Und nach den schlimmsten werden Straßen und Flugplätze benannt.
Man packt den Hühnerdieb, den Waffenschieber läßt man laufen,
Kein Pfeifchen Gras, aber 'ne ganze Giftgasfabrik kannst du kaufen.
Verseuch' die Luft, verstrahl' das Land, mach ungestraft den größten Schaden,
Nur laß dich nicht erwischen bei Sitzblockaden!
Man packt den Grünfried, doch das Umweltschwein genießt Vertrau'n,
Und die Polizei muß immer auf die Falschen drauf hau'n.

Sei wachsam,
Präg' dir die Worte ein!
Sei wachsam,
Fall nicht auf sie rein!Paß auf, daß du deine Freiheit nutzt,
Die Freiheit nutzt sich ab, wenn du sie nicht nutzt!
Sei wachsam,
Merk' dir die Gesichter gut!
Sei wachsam,
Bewahr dir deinen Mut.
Sei wachsam
Und sei auf der Hut!
Wir ha'm ein Grundgesetz, das soll den Rechtsstaat garantieren.
Was hilft's, wenn sie nach Lust und Laune dran manipulieren,
Die Scharfmacher, die immer von der Friedensmission quasseln
Und unterm Tisch schon emsig mit dem Säbel rasseln?
Der alte Glanz in ihren Augen beim großen Zapfenstreich,
Abteilung kehrt, im Gleichschritt marsch, ein Lied und heim ins Reich!
„Nie wieder soll von diesem Land Gewalt ausgehen!"
„Wir müssen Flagge zeigen, dürfen nicht beiseite stehen!"
„Rein humanitär natürlich und ganz ohne Blutvergießen!"
„Kampfeinsätze sind jetzt nicht mehr so ganz auszuschließen."
Sie zieh'n uns immer tiefer rein, Stück für Stück,
Und seit heute früh um fünf Uhr schießen wir wieder zurück!

Sei wachsam,
Präg' dir die Worte ein!
Sei wachsam,
Fall nicht auf sie rein!Paß auf, daß du deine Freiheit nutzt,
Die Freiheit nutzt sich ab, wenn du sie nicht nutzt!
Sei wachsam,
Merk' dir die Gesichter gut!
Sei wachsam,
Bewahr dir deinen Mut.
Sei wachsam
Und sei auf der Hut!

Ich hab' Sehnsucht nach Leuten, die mich nicht betrügen,
Die mir nicht mit jeder Festrede die Hucke voll lügen,
Und verschon' mich mit den falschen Ehrlichen,
Die falschen Ehrlichen, die wahren Gefährlichen!
Ich hab' Sehnsucht nach einem Stück Wahrhaftigkeit,
Nach 'nem bißchen Rückgrat in dieser verkrümmten Zeit.
Doch sag die Wahrheit und du hast bald nichts mehr zu lachen,
Sie wer'n dich ruinier'n, exekutier'n und mundtot machen,
Erpressen, bestechen, versuchen, dich zu kaufen.
Wenn du die Wahrheit sagst, laß draußen den Motor laufen,
Dann sag sie laut und schnell, denn das Sprichwort lehrt:
Wer die Wahrheit sagt, braucht ein verdammt schnelles Pferd.
Sei wachsam,
Präg' dir die Worte ein!
Sei wachsam,
Fall nicht auf sie rein!Paß auf, daß du deine Freiheit nutzt,
Die Freiheit nutzt sich ab, wenn du sie nicht nutzt!
Sei wachsam,
Merk' dir die Gesichter gut!
Sei wachsam,
Bewahr dir deinen Mut.
Sei wachsam
Und sei auf der Hut!

23 de julho de 2012

A Grande Transformação:




Do Estado previdência ao Estado policial imperial

por James Petras

Os Estados Unidos experimentaram a maior reviravolta política da sua história recente: a transformação de um florescente estado previdência (welfare state) num estado policial altamente intrusivo, profundamente arraigado e em rápida expansão, ligado às mais desenvolvidas inovações tecnológicas.

A "Grande Transformação" verificou-se exclusivamente a partir de cima, organizada pelos escalões superiores da burocracia civil e militar sob a direção do Executivo e do seu Conselho de Segurança Nacional. A "Grande Transformação" não foi um evento único mas um processo de acumulação de poderes, via decretos executivos, apoiado e aprovado por líderes do Congresso acomodatícios. Em momento algum no passado recente e distante esta nação testemunhou o crescimento de tais poderes repressivos e a proliferação de tantas agências de policiamento voltadas para tantas áreas da vida ao longo de um período de tempo tão prolongado (num tempo virtualmente sem discordância interna de massa). Nunca o ramo executivo do governo assegurou tantos poderes para deter, interrogar, sequestrar e assassinar seus próprios cidadãos sem peias judiciais.

A dominância do estado policial é evidente no enorme crescimento dos orçamentos da segurança interna e militar, no vasto recrutamento de pessoal de segurança e militar, na acumulação de poderes autoritários restringindo liberdades individuais e coletivas e a impregnação da vida cultural e cívica nacional com a quase religiosa glorificação dos agentes e agências do militarismo e do estado policial como se evidencia em eventos de desporto em massa e entretenimento.

O estancamento de recursos para previdência pública e serviços é um resultado direto do crescimento dinâmico do aparelho de estado policial e do império militar. Isto só poderia ocorrer através de um constante ataque direto contra o estado previdência – em particular contra o financiamento público para programas e agências que promovem a saúde, educação, pensões, rendimento e alojamento para a classe média e trabalhadora.

A ascendência do estado policial

Central à ascensão do estado policial e do consequente declínio do estado previdência tem sido a série de guerras imperiais, especialmente no Médio Oriente, lançadas por todo presidente desde Bush (pai), Clinton, Bush (filho) e Obama. Estas guerras, voltadas exclusivamente contra países muçulmanos, foram acompanhadas por uma onda de leis repressivas "anti-terroristas" e implementadas através do rápido fortalecimento do maciço aparelho policial do estado, conhecido como Ministério da Segurança ("Homeland Security").

Os principais advogados e propagandistas do militarismo além-mar contra países com grandes populações muçulmanas e a imposição de um estado policial interno têm sido sionistas dedicados que promovem guerras concebidas para o reforço do poder esmagador de Israel no Médio Oriente. Estes sionistas americanos (incluindo cidadãos com dupla nacionalidade, dos EUA e de Israel) conseguiram posições estratégicas dentro do aparelho estado policial estadunidense a fim de aterrorizar e reprimir ativistas, especialmente muçulmanos americanos e imigrantes críticos do estado de Israel.

Os eventos do 11/Set/2001 serviram como o detonador para o maior arranque militar global desde a II Guerra Mundial e da mais generalizada expansão de poderes da polícia de Estado na história dos Estados Unidos. O terror sangrento do 11/Set/2001 foi manipulado para estabelecer uma agenda pré planeada – transformando os EUA num estado policial e ao mesmo tempo lançando durante uma década séries de guerras no Iraque, Afeganistão, Paquistão, Líbia, Somália, Iémen e, agora, a Síria, bem como guerras encobertas contra o Irão e o Líbano. O orçamento militar explodiu e o déficit do governo inchou enquanto programas sociais e de previdência foram denegridos e desmantelados quando a "Guerra global ao terror" passou à marcha plena. Programas concebidos para manter ou elevar padrões de vida de milhões e aumentar o acesso a serviços para os pobres e a classe trabalhadora caíram como vítimas do 11/Set.

Quando as guerras no Médio Oriente ocuparam a cena central, a economia estadunidense afundou. Na frente interna, o vital investimento público em educação, infra-estrutura, indústria e inovações civis foi cortado. Centenas de milhares de milhões de dólares dos contribuintes foram despejados nas zonas de guerra, pagando mercenários (empreiteiros privados), subornando corruptos regimes fantoches e proporcionando uma oportunidade de ouro para oficiais responsáveis pelo aprovisionamento e seus amigos empreiteiros privado aumentarem (e embolsarem) derrapagens de custos de muitos milhares de milhões de dólares.

Em consequência, a política militar dos EUA em relação ao Médio Oriente, política militar que num certo momento foi concebida para promover interesses econômicos imperiais americanos, agora assume uma vida própria: guerras e sanções contra o Iraque, Irão, Síria e Líbia minaram lucrativos contratos petrolíferos negociados pelas multinacionais estadunidenses enquanto promoviam o militarismo. Na verdade, a configuração de poder sionista-israelense nos Estados Unidos tornou-se muito mais influente na direção da política militar dos EUA no Médio Oriente do que qualquer combinação do Big Oil – e tudo em benefício do poder regional israelense.

As guerras imperiais e a morte do Estado Previdência

Desde o fim da II Guerra Mundial até o fim da década de 1970, os EUA conseguiram combinar com êxito guerras imperiais além-mar com um estado previdência em expansão no plano interno. De facto, as últimas peças principais de legislação do estado previdência verificaram-se durante a sangrenta e custosa guerra EUA-Indochina, sob os presidentes Lyndon Johnson e Richard Nixon. A base económica do militarismo-previdência eram os poderosos fundamentos industriais-tecnológicos da máquina de guerra dos EUA e sua dominância nos mercados mundiais. Subsequentemente, o declínio da posição competitiva dos EUA na economia mundial e a maciça relocalização além-mar dos EUA-multinacionais (e seus empregos) esticou o "casamento" do bem-estar interno e o militarismo até o ponto de ruptura. Assomavam déficits fiscais e comerciais mesmo quando as exigências por medidas de previdência e pagamentos de desemprego cresciam, devido em parte a mudança dos empregos estáveis bem pagos na manufatura para trabalho mal pago. Enquanto a posição econômica global dos EUA declinava, sua expansão militar acelerava-se em consequência do fim dos regimes comunistas na URSS e na Europa do Leste e a incorporação dos novos regimes do antigo bloco do Leste na aliança militar da NATO dominada pelos EUA.

O desaparecimento dos estados comunistas levou ao fim da competição global em sistemas de bem-estar (welfare) e permitiu aos capitalistas e ao estado imperial cortar no bem-estar para financiar a sua maciça expansão militar global. Não houve virtualmente qualquer oposição do trabalho: a conversão gradual dos sindicatos ocidentais em organizações altamente autoritárias dirigidas por "líderes" milionários que se auto-perpetuavam e a redução do número de sindicalizados dos 30% da força de trabalho em 1950 para menos de 11$ em 2012 (com mais de 91% dos trabalhadores do sector privado sem qualquer representação) significou que os trabalhadores americanos ficaram com menos poderes para organizar greves a fim de proteger seus empregos, muito menos para aplicar pressão política em defesa de programas públicos e do bem-estar.

O militarismo estava em ascensão quando o presidente Jimmy Carter lançou a sua "guerra secreta" de muitos milhares de milhões de dólares contra o regime pró soviético no Afeganistão e o presidente Ronald Reagan iniciou uma série de "guerras por procuração" por toda a parte na América Central e no Sul da África e enviou US Marines à minúscula ilha de Granada. Reagan dirigiu a escalada de gastos militares jactando-se de que levaria a União Soviética à "bancarrota" com uma nova "corrida armamentista". O presidente George Bush Sr. invadiu o Panamá e a seguir o Iraque, a primeira das muitas invasões estadunidenses no Médio Oriente. O presidente Bill Clinton acelerou a investida militar, cortando pelo caminho a previdência pública em favor do "trabalho social privado", bombardeando e destruindo a Jugoslávia, bombardeando e esfaimando o Iraque enquanto estabelecia enclaves coloniais no Norte do Iraque e expandia a presença militar dos EUA na Somália e no Golfo Pérsico.

Os constrangimentos ao militarismo estadunidense impostos pelo maciço popular anti-Guerra do Vietname e a derrota dos militares dos EUA pelos comunistas vietnamitas foram gradualmente desgastados, pois guerras de curto prazo com êxito (como Granada e Panamá) minaram a Síndrome do Vietname – a oposição pública ao militarismo. Isto preparou o público americano para o militarismo incremental enquanto escavava o sistema de bem-estar.

Se Reagan e Bush construíram os fundamentos para o novo militarismo, Bill Clinton proporcionou três elementos decisivos: juntamente com o vice-presidente Al Gore, Clinton legitimou a guerra ao Estado Previdência, estigmatizando a assistência pública e mobilizou apoio de líderes religiosos e políticos na comunidade negra e na AFL-CIO. Em segundo lugar, Clinton foi a chave para a "financiarização" da economia dos EUA, através da desregulamentação do sistema financeiro (revogando o Glass-Steagal Act de 1933) e nomeando financeiros da Wall Street para o leme da política econômica nacional. Em terceiro lugar, Clinton nomeou sionistas importantes para as posições chave da política externa relacionada com o Médio Oriente, permitindo-lhes inserir a visão militar de Israel da realidade dentro das tomadas de decisões estratégicas em Washington. Clinton pôs em vigor a primeira série de legislação repressiva da polícia de estado "anti-terrorista" e expandiu o sistema nacional de prisões. Em suma, as políticas de guerra no Médio Oriente de Bill Clinton, sua "financiarização" da economia dos EUA, sua "guerra ao terror", sua orientação sionista em relação ao mundo árabe e, acima de tudo, sua própria ideologia anti-Estado Previdência (anti-welfarism) levaram diretamente à conversão em plena escala de Bush Júnior do estado previdência no estado policial.

Explorando o trauma do 11/Set, os regimes Bush e posteriormente Obama quase triplicaram o orçamento militar e lançaram uma série de guerras contra estados árabes. O orçamento militar subiu de US$359 mil milhões em 2000 para US$544 mil milhões em 2004 e escalou para US$903 mil milhões em 2012. As despesas militares financiaram as principais ocupações militares estrangeiras e administrações coloniais no Iraque e no Afeganistão, guerras de fronteira no Paquistão e as operações encobertas das Forças Especiais dos EUA (incluindo sequestros e assassinatos) no Iémen, Somália, Irão e 75 outros países em todo o mundo.

Enquanto isso a especulação financeira corria desenfreada, déficits orçamentais inchavam, padrões de vida afundavam, déficits no comércio internacional atingiam níveis recorde e a dívida pública duplicava em pouco menos do que oito ano. Guerra imperiais múltiplas arrastavam-se sem fim, os custos destas guerras multiplicavam-se enquanto a bolha financeira estourava. A contradição entre bem-estar interno e militarismo explodiu. Finalmente, a regressão maciça dos programas sociais básicos para todos os americanos coroou a agenda presidencial e legislativa.

Programas anteriormente "intocáveis", como Segurança Social, Medicare, o US Post Office, emprego do sector público, serviços para os pobres, idosos e deficientes e selos alimentares foram todos colocados no compartimento do carniceiro. Ao mesmo tempo o governo federal aumentou seu financiamento de empreiteiros militares e policiais privados (mercenários) além-mar e estendeu o âmbito e profundidade das operações clandestinas da Forças Especiais dos EUA. Bush e Obama aumentaram amplamente os gastos com militares e agentes de espionagem em apoio de regimes colaboracionistas impopulares e brutais no Paquistão e no Iémen. Eles financiaram e armaram mercenários estrangeiros na Líbia, Síria, Irão e Somália. Na primeira década do novo século ficou claro que o militarismo imperial e o bem-estar interno eram um jogo de soma zero: quando as guerras imperiais se multiplicaram, os programas internos foram cortados.

A severidade e profundidade dos cortes em programas de bem-estar internos populares foram apenas em parte o resultado das guerras imperiais; igualmente importante foi o enorme aumento no financiamento de pessoal e tecnologia de vigilância para o florescente estado policial interno.

As origens da conversão do Estado Previdência em Estado Policial

O declínio precipitado do estado previdência e o desmantelamento de serviços sociais, educação pública e acesso a cuidados de saúde a preço acessível para as classes trabalhador e média não podem ser explicados pela morte do trabalho organizado, nem tão pouco se deve à "viragem à direita" do Partido Democrático. Duas outras profundas mudanças estruturais são importantes como fundamento para o processo: a transformação da economia dos EUA de uma economia manufatureira competitiva numa economia "FIRE" (finance, insurance and real estate, finanças, seguros e imobiliário); e, em segundo lugar, a ascensão de um vasto aparelho de estado policial-legal-político-administrativo empenhado na "guerra interna" permanente dentro de caso, destinado a apoiar e complementar a guerra imperial permanente no exterior.

Agências e pessoal da polícia de estado expandiram-se dramaticamente durante a primeira década do novo século. O estado policial penetrou sistemas de telecomunicações, patrulhou e controlou terminais de transportes; dominou procedimentos judiciais e supervisionou as principais "novas saídas", associações acadêmicas e profissionais. O estado policial expandido entrou encobertamente e abertamente na vida privada de dezenas de milhões de americanos.

A perda para os contribuintes em termos de direitos de cidadania e de Estado Previdência foi estarrecedora.

Quando o maior e mais intrusivo componente do aparelho de estado policial, batizado "Homeland Security", cresceu exponencialmente, o orçamento e as agências que providenciavam bem-estar e serviços públicos, saúde, educação e desemprego, contraíram-se. Dezenas de milhares de espiões internos foram contratados e custosas tecnologias intrusivas de espionagem (spyware) foram compradas com dinheiro dos contribuintes, enquanto centenas de milhares de professores e profissionais da saúde pública e do bem-estar social perderam os seus empregos.

O Ministério da Segurança Interna (Department of Homeland Security) é composto por aproximadamente 388 mil empregados, incluindo tanto os federais como agentes contratados. Entre 2011-2013 o orçamento do DHS de US$173 mil milhões não enfrentou cortes graves. A rápida expansão da Segurança Interna verificou-se a expensas dos Serviços de Saúde e Humanos, educação e Administração da Segurança Social, os quais atualmente enfrentam retrocesso em grande escala.

Dentre os responsáveis de topo, nomeados pela administração Bush Jr. para posições chave no aparelho de estado policial, há dois que foram os mais influentes no estabelecimento da política: Michael Chertoff e Michael Mukasey.

Michael Chertoff dirigiu a Divisão Criminal do Departamento da Justiça (de 2001 a 2003). Durante esse período foi responsável pela prisão arbitrária de milhares de cidadãos dos EUA e imigrantes de ascendência muçulmana e do Sul da Ásia, os quais foram mantidos incomunicáveis sem acusação e sujeitos a abusos físicos e psicológicos – sem um único estrangeiro residente ou cidadão americano muçulmano ligado ao 11/Set. Em contraste, Chertoff rapidamente interveio para libertar grande número de israelenses suspeitos de espionagem e cinco agentes israelenses do Mossad que estiveram a filmar e celebrar a destruição do World Trade Center e estavam sob investigação ativa do FBI. Mais do que qualquer outro responsável, Michael Chertoff foi o arquiteto chefe da "Guerra Global ao Terror" – co-autor do notório "Patriot Act" o qual deitou no lixo o habeas corpus e outros componentes essencial da Constituição dos EUA e da Carta de Direitos. Como secretário do Homeland Security de 2005 a 2009, Chertoff promoveu "tribunais militares" e organizou a vasta rede interna de espiões, a qual agora vitimiza cidadãos privados dos EUA.

Michael Mukasey, o Procurador Geral nomeado por Bush, foi um defensor entusiasta do Patriot Act, apoiando tribunais militares, tortura e assassinatos além-mar de indivíduos suspeitos do que ele chamava "terrorismo islâmico" sem julgamento.

Tanto Chertoff como Mukasey são ardentes sionistas com laços antigos a Israel. Acreditava-se que Michael Chertoff possuísse dupla cidadania, dos EUA e Israel, quando lançou a administração na guerra interna a cidadãos estadunidenses.

Uma breve revisão das origens e direção do aparelho de polícia do estado e dos escalões de topo da guerra global ao "terrorismo islâmico" – linguagens em código para imperialismo militar – revela um desproporcionado de adeptos do "Israel em primeiro lugar" (Israel-Firsters), os quais dão maior importância a perseguir críticos potenciais dos EUA das guerras no Médio Oriente por Israel do que em defender garantias constitucionais e a Carta de Direitos.

De volta à vida "civil", Michael Chertoff lucrou muito com a falsa "Guerra ao terror" promovendo a radioativa e degradante tecnologia do rastreamento (scanning) do corpo em aeroportos por todo os EUA e a Europa. Ele estabeleceu a sua própria firma de consultoria, Chertoff Groups (2009) para representar os fabricantes de rastreadores de corpos. Os americanos podem agradecer a Michael Chertoff cada vez que passam pela humilhação de um rastreamento de corpo em aeroportos.

A fusão do aparelho de estado policial com o complexo industrial-securitário e suas importantes ligações além-mar com suas contrapartes de empresas de segurança no estado de Israel acentua as ligações do estado imperial ao establishment militar israelense.

À medida que o estado policial cresce ele cria um poderoso lobby de apoiantes da indústria de vigilância de alta tecnologia e seus beneficiários que pressionam por gastos federais e estaduais em "segurança" a expensas de programas de bem-estar.

O esmagamento pelo estado policial de programas sociais, de educação e bem-estar tem um aliado poderoso na Wall Street, a qual emergiu como o sector dominante do capital estadunidense em termos de acesso a e para influenciar mais o Tesouro dos EUA e suas destinações das verbas orçamentais.

Ao contrário do sector manufatureiro, o capital financeiro não necessita de uma população de trabalhadores educados, saudáveis e produtivos. A sua própria "força de trabalho" é composta de uma pequena elite educada de especuladores, analistas, traders e corretores nos níveis de topo e médios e de um pequeno exército de varredores de escritório contratados, secretárias e trabalhadores subalternos na base. Eles tê o seu próprio exército "invisível" de servidores domésticos, cozinheiros, fornecedores de comida, jardineiros e governantes privados de qualquer "Segurança Social", cobertura de saúde e planos de pensão. E o sector financeiro tem as suas próprias redes de médicos e clínicas, escolas, sistemas de comunicações e mensageiros, propriedades e clubes, agências de segurança e guardas pessoais; ele não necessita um sector público educado e qualificado; e certamente não quer que a riqueza nacional apoie sistemas públicos de alta qualidade em saúde e educação. Ele não tem interesse em apoiar estas instituições públicas de massa que considera como um obstáculo para "libertar" vastas quantias de riqueza pública para a especulação. Por outras palavras, o sector dominante do capital não tem objeções ao "Homeland Security"; na verdade partilha muitos sentimentos com os proponentes do estado policial e apoia a contração do estado de bem-estar. Ele está preocupado é com a redução de impostos sobre o capital financeiro e o aumento dos fundos de salvamento federais para a Wall Street enquanto controla a cidadania empobrecida.

Conclusão

A conversão de um Estado Providência num Estado Policial é o resultado do imperialismo militarizado no exterior e da ascendência do capital financeiro internamente, bem como da proliferação de agências de segurança do estado e das indústrias privadas relacionadas e do papel estratégico dos sionistas de extrema direita em posições de topo do aparelho de estado policial.

A convergência de mudanças estruturais internacionais e internas teve lugar durante as décadas de 1980 e 1990 e a seguir acelerou-se durante a primeira década do século XXI. A degradação dos vastos serviços públicos do Estado Providência foi encoberta por uma maciça propaganda governamental para promover a "guerra global ao terror" juntamente com uma generalização fabricada da "ameaça terrorista" interna envolvendo os mais desafortunados suspeitos (incluindo excêntricos haitianos milenaristas capturados por agentes do FBI). Os apoiantes e beneficiários do Estado Previdência encontram-se nas margens de qualquer debate nacional. A campanha de propaganda dos mass media/regime exigiu e assegurou com êxito aumentos maciços em poderes centralizados do policiamento interno, da vigilância, provocações, desaparecimentos e prisões. Ao longo da década passada, o que o Estado Providência perdeu em apoio e financiamento, o Estado Policial ganhou. A ascensão do capital financeiro e a desregulamentação do sistema financeiro eliminou quaisquer subsídios públicos para promover e sustentar a competitividade do sector manufatureiro dos EUA. Isto levou a uma grande ruptura nas ligações entre indústria, trabalho e o Estado Previdência. Enormes cancelamentos fiscais para grandes negócios, combinado com o crescimento em despesas de uma burocracia não produtiva do estado policial e a série de custosas guerras além-mar, provocaram défices orçamentais e comerciais insustentáveis, os quais tornaram-se então o pretexto para novos cortes selvagens no Estado Previdência.

Mudanças políticas, culturais e ideológicas significativas ajudaram o predomínio do estado policial sobre o estado de bem-estar público. O êxito de importantes sionistas americanos em assegurar poder no interior dos media chave fabricantes de propaganda e de obter nomeações para posições críticas nos escalões de topo do aparelho de estado policial, judiciário e na burocracia do estado imperial (Tesouro e Departamento de Estado) colocaram os interesses coloniais de Israel e do seu próprio aparelho de estado policial no centro da política estadunidense. O estado policial dos EUA adotou o estilo de repressão israelense apontando para cidadãos e residentes nos EUA.

A sociedade estadunidense está agora dividida em dois sectores: os "vencedores" ligados ao complexo financeiro e de segurança lucrativo e em expansão, incorporado no estado policial, enquanto os "perdedores", ligados à manufatura-estado previdência, são relegados a uma "sociedade civil" cada vez mais marginalizada. O estado policial expurga dissidentes que questionam a "doutrina Israel First" do aparelho de segurança-militar dos EUA. O sector financeiro, encaixado no seu próprio "casulo" de serviços privados, exige o estripamento total de serviços públicos destinados aos pobres, trabalhadores e classes média. O tesouro público foi capturado a fim de financiar salvamentos bancários, guerras imperiais e agências de polícia do estado enquanto paga os possuidores de títulos da dívida dos EUA.

A Segurança Social está na mira da privatização. Estão a ser reduzidas pensões, retardas e auto financiadas. Selos alimentares, acesso a cuidados de saúde acessíveis e apoio ao desemprego serão cortados. O estado policial não pode pagar por novas e reluzentes tecnologias repressivas, maior policiamento, vigilância mais intrusiva, detenções e prisões enquanto financia o estado previdência existente com seus vastos serviços educacionais, de saúde e humanos, bem benefícios de pensões.

Em suma, não há futura para o estado previdência nos Estados Unidos dentro do seu poderoso sistema de estado financeiro-imperial-policial. Os dois principais partidos políticos alimentam este sistema, apoiam guerras em série, apelam às elites financeiras e debatem sobre a dimensão, âmbito e temporização de novos cortes no bem-estar social.

O sistema de bem-estar social americano foi um produto de uma fase anterior do capitalismo estadunidense em que a supremacia industrial global dos EUA permitiu tanto gastos militares como em bem-estar e até que os gastos militares fossem constrangidos por exigências dos sectores socioeconômicos manufatureiros internos. Na fase anterior a influência sionistas baseava-se em indivíduos ricos e no seu lobby no Congresso – eles não ocupavam posições chave na decisão política federal estabelecendo agendas para a guerra no Médio Oriente e para o estado policial interno.

Os tempos mudaram para pior: um estado policial, ligado ao militarismo e a guerras imperiais perpétuas no Médio Oriente ganhou ascendência e agora impacta nossas vidas diárias. Subjacente tanto ao crescimento do estado policial como à erosão do estado previdência está a ascensão de uma intrincada "elite do poder financeiro-securitário", mantida unida por uma ideologia comum, riqueza privada sem precedentes e o impulso implacável para monopolizar o tesouro público em detrimento da vasta maioria dos americanos. Uma confrontação e a exposição plena de toda a propaganda em causa própria, a qual fortalece a elite do poder, é um primeiro passo essencial. Os enormes orçamentos para guerras imperiais são a maior ameaça ao bem-estar dos EUA. O estado policial desgasta serviços públicos reais e mina movimentos sociais. O capital financeiro pilha o tesouro público exigindo salvamentos e subsídios para os bancos. Os "Israeli Firsters", em posições chave para a tomada de decisões, servem os interesses de um estado policial estrangeiro contra os interesses do povo americano. O estado de Israel e o espelho oposto do que nós americanos queremos para nós próprios e nossos filhos: uma república laica livre e independente sem estabelecimentos coloniais, racismo clerical e militarismo destrutivo em causa própria

O combate de hoje para restaurar os avanços no bem-estar dos cidadãos estabelecidos através de programas públicos do passado recente exige que transformemos toda uma estrutura de poder: verdadeiras reformas no bem-estar exigem uma estratégia revolucionária e, acima de tudo, um movimento de massa das bases rompendo com o arraigado regime de "dois partidos" ligado ao sistema financeiro-imperial-segurança interna.

http://resistir.info/petras/petras_14jul12.html

22 de julho de 2012

A subversão de Deus.



A essência de nosso Deus é a sua atividade subversiva. Ele sempre subverte a ordem estabelecida pelos humanos quando constroem uma sociedade de classes. Deus é contra qualquer sociedade construída em cima de classes sociais. Por que? Porque as classes sociais mostram que há uma sociedade de desiguais onde uma classe domina sobre a outra e para legitimar e garantir esta dominação esta sociedade constrói o Estado que por sua vez subsidia a Religião (não o Evangelho que não se deixa aliciar) que é o aparelho ideológico do Estado a serviço da classe economicamente dominante. Deus quer uma sociedade de irmãos e de irmãs, por isso as pessoas na comunidade cristã se chamam de irmãos e irmãs. Quando esta sociedade de irmãos e irmãs não existe Deus começa com a sua atividade subversiva para acabar com esta sociedade de classes desiguais.

No NT Javé começa sua atividade subversiva fazendo-se pessoa num camponês sem terra que cresceu em Nazaré na Galiléia, região marginal de Israel. Em Jesus de Nazaré Javé fez sua opção de classe; ele se torna classe camponesa para a partir desta classe construir o Reino de Deus. Este Jesus de Nazaré durante 30 anos conviveu com a classe camponesa da Galiléia e aprendeu a ler corretamente a realidade na qual vivia. A partir desta realidade de exploração e de sofrimento aprendida nestes 30 anos ele começa a pregar o Evangelho do Reino de Deus que tem como proposta subverter a ordem estabelecida pelo modo de produção escravista imposto pelo Estado Romano e legitimado pelo Templo de Jerusalém.

A mensagem central de Jesus Cristo:

Lc 4.42 "Sendo dia, saiu e foi para um lugar deserto; as multidões o procuravam, e foram até junto dele, e instavam para que não os deixasse. 43 Ele, porém, lhes disse: É necessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado. 44 E pregava nas sinagogas da Judéia".

Jesus Cristo diz: Eu fui envidado para proclamar o Evangelho do Reino de Deus. Como ele fez isto? Ele o fez a partir de uma proposta de Javé que vem desde o AT através do profeta Isaías. Assim Javé mantém uma continuidade de seu Projeto de interferir na sociedade de classes para acabar com a sociedade de classes. E o faz a partir das vítimas do sistema econômico, o qual determina o poder político, social, cultural, ideológico e religioso. O que é o Evangelho do Reino de Deus aparece no seu Programa: subversão.

O Programa subversivo de Jesus Cristo:

Lc 4.16 "Indo para Nazaré, onde fora criado, entrou, num sábado, na sinagoga, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. 17 Então, lhe deram o livro do profeta Isaías, e, abrindo o livro, achou o lugar onde estava escrito:

18 O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos,

19 e apregoar o ano aceitável do Senhor.

20 Tendo fechado o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se; e todos na sinagoga tinham os olhos fitos nele. 21 Então, passou Jesus a dizer-lhes: Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir".

Como Jesus de Nazaré, um camponês palestino sem terra e sem teto, a partir da margem da sociedade israelita, da Galiléia (Galiléia dos gentios! - Mt 4.15), constrói a subversão de Deus no processo da construção do Reino de Deus?

Olhando o Programa de Jesus vemos primeiro que ele é uma continuação das ações subversivas de Deus do AT, não é coisa nova, pois Jesus usa a proposta de Deus a partir do profeta Isaías:

Is 61.1 "O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados; 2 a apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os que choram 3 e a pôr sobre os que em Sião estão de luto uma coroa em vez de cinzas, óleo de alegria, em vez de pranto, veste de louvor, em vez de espírito angustiado; a fim de que se chamem carvalhos de justiça, plantados pelo Senhor para a sua glória.

4 Edificarão os lugares antigamente assolados, restaurarão os de antes destruídos e renovarão as cidades arruinadas, destruídas de geração em geração. 5 Estranhos se apresentarão e apascentarão os vossos rebanhos; estrangeiros serão os vossos lavradores e os vossos vinhateiros. 6 Mas vós sereis chamados sacerdotes do Senhor, e vos chamarão ministros de nosso Deus; comereis as riquezas das nações e na sua glória vos gloriareis. 7 Em lugar da vossa vergonha, tereis dupla honra; em lugar da afronta, exultareis na vossa herança; por isso, na vossa terra possuireis o dobro e tereis perpétua alegria. 8 Porque eu, o Senhor, amo o juízo e odeio a iniqüidade do roubo; dar-lhes-ei fielmente a sua recompensa e com eles farei aliança eterna. 9 A sua posteridade será conhecida entre as nações, os seus descendentes, no meio dos povos; todos quantos os virem os reconhecerão como família bendita do Senhor".

Esta é uma palavra de esperança para dentro da exploração e da opressão exercida pela classe que controlava o Estado. Esta palavra de esperança Jesus Cristo usa para colocar como ele vai começar a construção do Reino de Deus, que é uma sociedade sem explorados e exploradores, onde a terra voltará para o controle da classe camponesa, onde a palavra original de 'quebrantado' (anayv) significa pobre e fraco e em 'quebrantados de coração' a palavra original é shabar que significa: ser quebrado, ser esmagado. A legitimação deste Programa vem do movimento profético que já lutava contra o esmagamento que os camponeses viviam sob a monarquia (Mq 2.1-2). Jesus começa a construção do Reino de Deus a partir dos esmagados pelo modo de produção escravista que usa o Estado para se reproduzir. A partir de uma proposta de Deus anunciada pelo profeta Isaías de restauração da dignidade dos esmagados pela exploração e opressão Jesus começa a sua ação e pregação subversiva. É a sua opção de classe. Jesus não olha de cima para baixo e nem de fora para dentro, mas olha e parte de dentro da exploração que ele mesmo está vivendo, pois é um camponês sem terra e sem teto. Viveu 30 anos no meio da classe camponesa como camponês sem terra trabalhando como diarista plantando e colhendo. Em Mc 4.1-9 ele coloca como era a realidade dos camponeses que detinham as piores terras, cheias de pedras, inços e lajes, em contraposição ao latifúndio que tinha as melhores terras e por isso tinha ótimas colheitas e isto acirrava as desigualdades (Mt 20.1-16). Este é o lugar onde Jesus Cristo tem os pés fincados, na miséria camponesa. E este lugar não está segundo a proposta que Deus tem para a humanidade, portanto este lugar tem que ser mudado e transformado no Reino de Deus. Deus se fez pessoa no camponês sem terra e sem teto Jesus de Nazaré para a partir dele iniciar com a classe camponesa empobrecida o processo da revolução do Reino de Deus em oposição ao reino do mundo, na época o modo de produção escravista sustentado pelo Estado romano e hoje o modo de produção capitalista sustentado pelo Estado da classe capitalista.

Olhemos o Programa de Jesus, que é o programa do Reino de Deus, por partes:

- O Espírito do Senhor está sobre mim

Paulo lembra em 1 Co 2.12: "Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente".

Deus nos deu em Jesus Cristo gratuitamente acesso ao Reino de Deus pela fé. Por isso Jesus diz que o 'Espírito do Senhor' está sobre ele e não o espírito do mundo, hoje o capitalismo. Paulo lembra que nós recebemos pelo batismo o Espírito de Deus e não o espírito do mundo, portanto vamos seguir o Espírito de Deus que ungiu Jesus para evangelizar os pobres. Qual é o 'espírito' de Deus? O 'espírito' de Deus é se colocar ao lado e junto com a classe explorada para acabar com a exploração e construir com os/as explorados/as uma nova sociedade que Jesus chama de Reino de Deus. A função do "espírito" de Deus é a subversão. A espiritualidade de Deus é a subversão, é subverter a ordem estabelecida no mundo dividido em classes sociais. A espiritualidade de Deus está com os pés fincados no chão da classe explorada, por isso ele se faz camponês sem terra explorado. Esta espiritualidade não tem nada de espiritual, no sentido normalmente entendida como alienação da realidade, mas é concreta, pois parte da postura classista de Deus em Jesus de Nazaré. Javé não se fez pessoa nas nuvens, mas no chão da classe camponesa da Galiléia desprezada pelo centro religioso que ficava em Jerusalém. A mística do Reino de Deus se torna real na luta iniciada por Jesus de Nazaré, o Cristo. Esta mística do Reino de Deus torna a nossa espiritualidade real e concreta na luta subversiva a partir da fé, embasada pelo batismo, em Jesus Cristo na caminhada coletiva pela construção desta nova sociedade não classista, o Reino de Deus. É uma espiritualidade profética que denuncia a exploração da classe trabalhadora que acontece no capitalismo e anuncia a construção a partir de Deus, que convida as pessoas batizadas e que tem fé em Jesus Cristo para participar deste processo revolucionário, de uma nova sociedade sem classes sociais onde todos são irmãos e irmãs. Para que isto seja possível os meios de produção deverão estar sob o controle de toda a sociedade a partir do Poder Popular, semelhante como foi nas montanhas da Palestina depois do Êxodo e como foi na primeira comunidade cristã segundo Atos 2 e 4 (que era uma sociedade de consumo por causa da esperança messiânica e não uma sociedade de produção).

- pelo que me ungiu para evangelizar os pobres

Por que começar o processo de evangelização com os pobres (ptochos = reduzidos à pobreza)? Porque esta é a opção de Deus, por eles serem explorados e oprimidos. O termo grego tem o significado correto que é: reduzidos à pobreza. A palavra melhor para pobre é empobrecido, pois ela mostra que a pobreza é um processo, a pessoa é tornada pobre pelo processo econômico. A palavra: empobrecido, contém dentro de si este processo exploratório e a denúncia do sistema econômico que torna as pessoas empobrecidas. Somente um sistema econômico baseado em classes sociais torna as pessoas empobrecidas.

Aqui Jesus diz, nas palavras do profeta, que um camponês empobrecido - ptochos - é ungido, como o eram os profetas e os reis no AT.

Em 1 Sm 10.1 fala: "Tomou Samuel um vaso de azeite, e lho derramou sobre a cabeça, e o beijou, e disse: Não te ungiu, porventura, o Senhor por príncipe sobre a sua herança, o povo de Israel?" Os reis eram ungido para proteger o povo, pastorear o povo. Mc 6.34 lembra: "Ao desembarcar, viu Jesus uma grande multidão e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor". Esta era a realidade: os governantes não eram pastores do povo, mas eram raposas (Lc 13.31-32 nos diz exatamente isso: "Naquela mesma hora, alguns fariseus vieram para dizer-lhe: Retira-te e vai-te daqui, porque Herodes quer matar-te. Ele, porém, lhes respondeu: Ide dizer a essa raposa que, hoje e amanhã, expulso demônios e curo enfermos e, no terceiro dia, terminarei".). Assim Jesus já mostra o papel do Estado. Ele não protege o empobrecido, mas produz o empobrecido, porque é um instrumento exploratório da classe economicamente dominante como nos fala o profeta Miquéias no capítulo 3. Em Is 1.23 lemos a definição da prática do Estado: "Os teus príncipes são rebeldes e companheiros de ladrões; cada um deles ama o suborno e corre atrás de recompensas. Não defendem o direito do órfão, e não chega perante eles a causa das viúvas". Palavra atualíssima em se referindo a muitos governantes de hoje.

Jesus é ungido como o eram os profetas, pelo Espírito do Senhor, para encarar de frente o sistema de exploração legitimado pelo Estado. Deus se faz pessoa na classe camponesa para a partir das vítimas construir uma nova sociedade igualitária que ele chama de Reino de Deus. Os pés de Deus em Jesus estão fincados no lugar vivencial das vítimas para se colocar contra os opressores e exploradores. Jesus não se ilude, como muitos cristãos de hoje, não adianta começar pelos exploradores, tem que começar com as vítimas do sistema, este é o caminho obrigatório da salvação, segundo Mt 25.33-45. Só é salvo quem acolhe as vítimas do sistema deste mundo, hoje o capitalismo. Por isso a opção de classe é fundamental: optar pelos que foram tornados pobres, que hoje é a classe trabalhadora. O resto é jogar pérola aos porcos (Mt 7.6), que é o grosso que se faz normalmente na Igreja.

Evangelizar - trazer a boa notícia - os pobres, o que é isto? É anunciar que eles deixarão de ser pobres. Simples assim? Nem tanto, pois isto significa organizar os empobrecidos para acabar com o sistema econômico que produz a pobreza e isto é revolução, a revolução do Reino de Deus. Opção de classe dá nisso: participar da revolução do Reino de Deus e isto vai nos trazer a cruz. Que significa: perseguição pela própria Igreja e pelo capitalismo, pois Jesus foi preso pelo Templo (Religião) e morto pelo Estado que é o instrumento do sistema econômico vigente para legitimar o processo de empobrecimento da classe subalterna. Aqui os pobres não são o problema, mas a solução que Deus usa para construir seu Reino. O problema é que a maioria dos pobres de hoje não se reconhecem como pobres, pois não sabem como acontece o processo de seu próprio empobrecimento. Faz parte do 'evangelizar os pobres' mostrar como acontece a exploração que os torna pobres. Significa que um dos papéis da Igreja é explicar como funciona o capitalismo e assim os empobrecidos vão saber como são empobrecidos, e não só isso, mas também como acabar com o sistema que produz os empobrecidos e como construir outra sociedade onde as pessoas são iguais. Este novo sistema Jesus chama de Reino de Deus.

Assim, evangelizar significa subverter a ordem a partir dos tornados pobres (At 24.5 mostra qual a prática de um cristão batizado: "Porque, tendo nós verificado que este homem é uma peste e promove sedições entre os judeus esparsos por todo o mundo, sendo também o principal agitador da seita dos nazarenos"; o cristão é uma peste para a classe dominante e um agitador em favor da revolução do Reino de Deus.). Evangelizar significa subverter e se insurgir contra a sociedade de classes existente. Evangelizar a partir do Evangelho de Jesus Cristo é participar do processo coletivo de construção de uma nova sociedade não classista a partir das vítimas do sistema opressivo capitalista e não meramente converter o meu coração para Jesus para poder ficar rico e assim reproduzir a sociedade de classes da qual sou vítima. Quando membros da IECLB, do Encontrão, vão para o Nordeste para evangelizar os pobres então eles estão fazendo subversão e se insurgindo contra o capitalismo? Deveriam, mas não é isto que fazem, portanto não estão evangelizando a partir do Evangelho de Jesus Cristo, mas estão cimentando a sociedade de classes e legitimando a pobreza deste povo. Estão evangelizando a partir da dinâmica do deus capital, assim como os europeus o faziam quando iam para a África ou Ásia, pois estavam de fato abrindo as portas para o capital ou para legitimá-lo; faziam isto na sua ingenuidade e às vezes nem tanto. Num processo verdadeiramente evangélico de evangelização no Nordeste deverá estar a denúncia do latifúndio, da indústria da seca, da sociedade de classes para mostrar que o Evangelho de Jesus Cristo não admite isto e requer a insurgência contra as raízes da pobreza que se chama capitalismo a partir da organização do empobrecidos nos movimentos populares, nos sindicatos e nos partidos de esquerda. Se não fizerem isto estão anunciando o Deus Jesus Cristo na forma do deus capital; estão iludindo o povo e praticando idolatria. A evangelização em qualquer lugar deve ter esta dinâmica de facilitar a organização popular para subverter a ordem estabelecida pelo capitalismo na direção da construção coletiva do Reino de Deus.

- enviou-me para proclamar libertação aos cativos

Aphesis (libertação) significa: livramento da escravidão ou prisão. Nesta frase já está o processo revolucionário do Reino de Deus: anunciar que os prisioneiros e os escravos têm que ser libertos. Quem hoje está na prisão? Os ricos? Não, os que são pobres, semi-analfabetos e pretos. Por isso Jesus coloca no Pai Nosso: "perdoa-nos as nossas dívidas", pois quem não podia pagar suas dívidas ia preso ou virava escravo (Mt 5.25-26: "Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás com ele a caminho, para que o adversário não te entregue ao juiz, o juiz, ao oficial de justiça, e sejas recolhido à prisão. Em verdade te digo que não sairás dali, enquanto não pagares o último centavo", Mt 18.30. Lv 25.39-40: "Também se teu irmão empobrecer, estando ele contigo, e vender-se a ti, não o farás servir como escravo. Como jornaleiro e peregrino estará contigo; até ao Ano do Jubileu te servirá".) O empobrecimento forçava as pessoas venderem sua família ou até a si mesmos como escravos para pagar suas dívidas. É desta realidade que Jesus fala no Pai Nosso e propõe uma nova prática econômica baseada na solidariedade e no amor.

"Proclamar libertação aos cativos" mexe com esta realidade que permite o empobrecimento e conseqüente escravidão; mexe com o sistema econômico que permite a escravidão e o empobrecimento que leva à cadeia. "Proclamar libertação aos cativos" não é apenas uma questão de anunciar isto, mas é tornar isto realidade: os presos e os escravos são libertos porque são vítimas de um sistema econômico injusto e desumano. Isto, falado no Império Romano, é pura pólvora, pois o Império estava construído em cima do modo de produção escravista que ocupava militarmente outros povos gerando neles o empobrecimento que levava muitos à prisão por causa do não pagamento de dívidas. Isto é minar as bases do sistema econômico escravista. É subversão e rebeldia pura, é promover a sublevação dos escravos, é propor um novo sistema econômico sem escravidão e que não gera a pobreza, que por causa de dívidas acaba na prisão ou na escravidão. Realmente, o proclamador deste Programa tem que ser crucificado, pois isto é um atentado à ordem econômica e social.

- restauração da vista aos cegos,

Temos os fisicamente cegos e os ideologicamente cegos. Os dois precisam recuperar a visão: a visão física em poder ver o mundo, pela cura física, e a visão de ver o mundo como ele é, no sentido de entendê-lo. Jesus propõe a cura da doença e das causas que levam à doença da perda da visão. Sabemos que pobreza, falta de água e higiene e parca alimentação são causas de doenças e também da doença da cegueira. Jesus propõe a cura física, também pela mudança das relações econômicas, e a cura de não ver, não enxergar, não se dar conta da realidade de exploração e suas causas. Esta cegueira é a maior, ainda hoje. Os empobrecidos não sabem por que e como são tornados pobres.

A Pastora Lola, quando estava em Iraí, RS, após três anos de pregação falando dos pobres, uma camponesa empobrecida lhe pergunta após o culto: Pastora, quem são estes pobres das quais a senhora tanto fala? A Lola responde: São vocês! A camponesa surpresa pergunta: Nós? Significa: os empobrecidos não sabem que são empobrecidos porque ninguém explica para eles como se dá este processo de empobrecimento. Então, ao anunciar o Evangelho de Jesus Cristo é necessário e imperioso a partir dele explicar como acontece o processo de empobrecimento e o processo de exploração da classe trabalhadora, caso contrário isto não é evangelização, mas é 'escondeção' da realidade do sistema econômico classista, a partir do qual Jesus parte para evangelizar,. Isto nos mostra que a Igreja normalmente não faz evangelização quando diz evangelizar, mas distribui cachacinha para dopar e enevoar a realidade opressiva com a qual o Reino de Deus quer acabar. O que a igreja tem feito normalmente e continua fazendo é não restaurar a vista aos cegos para que não possam enxergar de onde parte a sua situação de exploração na qual vivem. Por que? Porque também dentro da Igreja tem os que exploram e estes tem seus representantes na direção da comunidade que não permitem que se restaure a vista aos cegos para que não saibam como o sistema capitalista funciona.

Quando da passagem do ano 2000 em Ibirubá, RS, tínhamos um grupo ecumênico: IECLB, IELB, Igreja Católica Romana e Igreja Metodista. Decidimos marcar os dois milênios do nascimento de Jesus Cristo com uma placa de granito a ser afixada na parede de fora em cada igreja. Em nossa igreja a placa foi afixada perto da porta de entrada, com o texto de Lc 4.18-19. Hoje esta placa já foi posta no lado de dentro da igreja, pois ali ela é menos vista, perto da escada onde ninguém olha. São as formas de impedir a restauração da vista aos cegos. O Programa de Jesus Cristo é subversivo e por isso ele deve ser escondido.

- para pôr em liberdade os oprimidos

Pôr em liberdade os oprimidos é fazer a revolução, pois só assim se liberta os oprimidos porque os opressores não os libertam se não forem forçados a isso, como diz em Êx 3.19: "Eu sei, porém, que o rei do Egito não vos deixará ir se não for obrigado por mão forte". Como Javé sugere que se inicie o processo revolucionário? Em Êx 3.16 Javé diz: "Vai, ajunta os anciãos de Israel". O que isto quer dizer? Javé sugere que se inicie o processo de libertação a partir das organizações que o povo já tem e que tem legitimidade. Parte-se da realidade concreta do povo oprimido, assim como Javé o fez em Jesus de Nazaré que nasce numa família camponesa sem terra e trabalha como diarista até os 30 anos de idade para se familiarizar com a realidade e entendê-la e só depois parte para o seu ministério juntando 12 camponeses e mais um grupo de mulheres que formam seu grupo de base.

Os oprimidos no capitalismo são toda a classe trabalhadora e os povos originários. Libertar estes significa acabar com o capitalismo e construir uma nova sociedade sem classes sociais onde os meios de produção pertencem à toda a sociedade. A libertação só ocorrerá se houver uma 'mão forte' (a organização popular apoiada por Deus) que forçará a classe dominante a entregar os meios de produção ao povo.

- apregoar o ano aceitável do Senhor.

Aqui se fala do ano jubilar que na verdade tem dois momentos: um que acontece de seis em seis anos onde as dívidas são perdoadas e onde os escravos israelitas são libertos (não os estrangeiros) e o outro acontece a cada 50 anos onde a terra que foi vendida volta para a família de origem. São leis que procuram amenizar as desigualdades que vão se formando, pois o povo de Israel já vivia no modo de produção tributário. Estas leis são resquícios do modo de produção tribal para garantir uma volta à uma igualdade parcial de tempos em tempos. Provavelmente estas leis foram pouco usadas. São as leis do Lv 25.

A partir do projeto do Deus no NT o ano aceitável do Senhor é o início da construção do Reino de Deus, que é uma nova sociedade não classista e igualitária construída pelo próprio Deus com a nossa ajuda. Este reino já começou e se completará plenamente com a volta de Cristo. Enquanto isso cada cristão/ã batizado/a tem a tarefa revolucionária, a partir da fé em Jesus Cristo, de participar desta construção coletiva de uma sociedade de iguais em oposição à atual sociedade capitalista. Portanto, todo/a cristão/ã é um/a revolucionário/a no sentido pleno da palavra, junto com os/as revolucionários/as não cristãos/ãs que também acolhem as vítimas do sistema (Mt 25.33-45). Só que isto não acontecerá sem a cruz, como lembra Mt 25.14-30, pois o diabo não vai deixar barato a luta contra o seu instrumento, o capitalismo. Ele vai buscar aliados em toda parte, principalmente na Igreja, sobretudo na estrutura da Igreja que começa desde a diretoria da comunidade composta por muitos/as trabalhadores/as alienados/as e aliados/as do sistema.

O problema maior da Igreja está na comunidade, a Direção maior é apenas o reflexo da comunidade; o que não a exime de culpa por não propor a construção coletiva, a partir da realidade da classe trabalhadora, de um novo Projeto de Igreja que opte pela classe trabalhadora explorada onde se situam a esmagadora maioria dos membros da IECLB.

21 de julho de 2012

As tendências do capital na agricultura brasileira

 
Texto preparado em novembro 2011 por João Pedro Stédile

Contexto histórico

1.  O capitalismo mundial ingressou numa nova fase de seu desenvolvimento sendo agora hegemonizado pelo capital financeiro e pelas empresas transnacionais, oligopolizadas, que controlam o mercado mundial das principais mercadorias.  Isso significa que o processo de produção de riquezas continua sendo realizada pelo trabalho na esfera da indústria, agrícola e comercio.  No entanto, as taxas de acumulação e de divisão do lucro se concentram na esfera do capital financeiro e das grandes empresas oligopolizadas que atuam a nível mundial.  E por outro lado o capital financeiro está cada vez mais imbricado e dominando as outras esferas do capital.
2.  Os dados estatísticos revelam de que em 1980 o PIB mundial (que teoricamente representaria a produção de mercadorias) estava em torno de 15 trilhões de dólares e havia em circulação ao redor de 16 trilhões de dólares em equivalente moeda.  Agora, em 2010, o PIB mundial passou para 55 trilhões (estando concentrando cada vez mais em um menor numero de paises: EUA; Europa, China e Japão...) e o volume de moeda em circulação ascendia a 150 trilhões.  Fora o capital fictício representado por títulos e documentos de credito.
3.  Essa forma dominante do capital trouxe mudanças estruturais também na forma de dominar a produção das mercadorias agrícolas, em todo mundo.  Surgiu uma aliança de classe, entre as empresas transnacionais, o capital financeiro (bancos) as empresas de comunicação de massa (mídia burguesa) e os grandes proprietários de terra, para controlarem a produção das commodities (mercadorias agrícolas padronizáveis).  E daí controlam também o mercado e os preços agrícolas.
4.  Na organização da produção das mercadorias, impuseram a racionalidade do capital, que representa a produção em escalas cada vez maiores, numa mesma área continua, especializando-se em monocultivo de um só produto, para obter produtividade máxima do trabalho e da rentabilidade econômica. Para isso, substituem a mão-de-obra pela mecanização intensiva. E se utilizam de volumes cada vez maiores de fertilizantes químicos (produzidos no mercado mundial) e os agrotóxicos.
5.  Por outro lado, as empresas transnacionais que controlam a produção de agrotóxicos passaram a controlar as sementes, com mudanças genéticas em laboratórios para combiná-las ao uso de agrotóxicos, e patenteando-as como propriedade privada, para cobrar royalties  dos agricultores.
6.  Esse modelo de produção resultou numa matriz tecnológica de produção, universalizada, controlada pelas empresas, que é uma etapa ainda mais intensa do que foi a chamada revolução verde, de uso intensivo de insumos agroquimicos. E agora com aplicação da biotecnologia, informática e das técnicas de irrigação.
7.  Essa forma de produzir é cada vez mais dependente do adiantamento do capital financeiro, na forma do credito rural, para financiar o acesso aos insumos que vem de fora da fazenda: sementes, fertilizantes químicos, agrotóxicos e maquinas e caminhões.
8.  Esse modelo de produção agrícola é o que se resumiu como o modelo do agronegocio.
9.  Com a crise internacional do capitalismo, a partir de 2008, percebeu-se uma ofensiva de entrada de capitais estrangeiros, do capital financeiro e fictício, que migrou do hemisfério norte para o hemisfério sul, aplicando e se apropriando de bens da natureza, como a propriedade de terras, água, hidrelétricas, fontes de energia, minérios, usinas de etanol, e a produção de commodities. 
10. No caso do Brasil as estatísticas revelam  que tem entrado ao redor de 80 bilhões de dólares por ano, do capital financeiro estrangeiro para aplicar em bens da natureza.

O modelo macro-econômico brasileiro

11. O modelo macro-ecnonômico brasileiro praticamente não se alterou com a mudança de governo, mantendo sua lógica centrada nos ganhos especulativos ligados ao capital financeiro. Ou seja, independente do governo, se mantiveram altas taxas de juros no mercado, que abasteceram a acumulação financeira, o governo manteve o superávit primário no orçamento da união, como forma de garantir pagamento de juros da divida interna, e não teve o controle do cambio.  Ou seja, a taxa de cambio flutuou de acordo com as necessidades de especulação de interesses do capital internacional sobre a nossa economia.
12. Este processo resultou, nos oito anos de Governo Lula, numa transferência para o capital financeiro de mais de 700 bilhões de reais, somente para pagamento de juros da divida interna. Que contribuiu para concentração e centralização do capital,  pois segundo estudos de Marcio Pochmann os credores e beneficiários desses juros são menos de vinte mil pessoas.
13. Durante a década de 1980 houve uma crise do capital industrial e uma derrota econômica e política da oligarquia rural.  Do ponto de vista político a caída da ditadura militar quebrou o pacto político das elites.
Do ponto de vista econômico, com o ascenso do neoliberalismo na década de 90, houve uma derrota do latifúndio pois o estado neoliberal destruiu a força do latifúndio através de: taxa cambial irreal (um dólar= 1 real)que desvalorizou as exportações agrícolas; desmonte das políticas publicas do estado para a agricultura; e a aprovação da constituinte no período anterior ampliava os direitos sociais e dos trabalhadores.  Com isso a taxa de lucro na agricultura caiu, e os preços da terra por conseqüência também.
14. Foi nesse vácuo da crise do latifúndio que o MST e a luta pela terra ganharam ímpeto em toda década 90.
15. No entanto, partir de 1999, inaugurando uma nova fase na política do capital para agricultura. Houve uma revalorização dos preços das commodities agrícolas, em função do controle e da especulação que as grandes empresas passaram a exercer. Retomou-se o papel do credito rural como fundamental para a expansão da produção agrícola. E o Estado voltou a atuar como fiador do pacto. E a crise cambial de 99, reajuste suas base de cambio, voltando a valorizar as exportações primárias.
Com isso a taxa de lucro voltou a crescer na agricultura, se internacionalizou a produção, e o preço das terras voltaram a subir.
16. Gerou-se então na política, um novo pacto de alianças de classes, reconstruindo a velha aliança conservadora que havia dado origem ao golpe militar.  Agora, é um pacto entre os grandes proprietários de terra, modernizados, as empresas transnacionais, o capital financeiro e a mídia. Que passaram a usar o estado como fiador do projeto.
Ou seja, é um pacto entre as classes hegemônicas da sociedade para controlar toda produção das mercadorias no agro. 
Foi a consolidação do modelo chamado de agronegocio. Reedita-se a vinculação/articulação da propriedade fundiária com o capital financeiro.
17. Agora o agronegócio passa a ter uma expressiva função econômica no modelo do capital financeiro (gerar saldos comerciais para ampliar as reservas cambiais condição essencial para atrair os capitais especulativos para o Brasil).
18. E este avanço do agronegócio bloqueia, protege as terras improdutivas para futura expansão dos seus negócios, travando a obtenção de terras para a reforma agrária.
As mudanças estruturais na produção e propriedade da terra
O processo de desenvolvimento do capital, nessa forma do modelo cada vez mais dependente do exterior, e que organiza a produção na forma do agronegócio trouxe mudanças estruturais, na propriedade, na produção, no mercado, nas classes e nos trabalhadores rurais, em todo Brasil.
19. Os empresários capitalistas, brasileiros e do exterior,  passaram a priorizar os investimentos na produção de soja, milho, cana-de-açúcar (com suas usinas para açúcar e etanol) e monocultivo de eucalipto para celulose e carvão (nas guseiras siderúrgicas de exportação do mineiro de ferro).
20. As 50 maiores empresas agroindústrias de capital estrangeiro e nacional, controlam praticamente toda produção e comercio das commodities agrícolas no Brasil.
21. Houve uma crescente centralização do capital que atua na agricultura, em que uma mesma empresa controla, sementes, fertilizantes, agro-químicos, o comercio e a industrialização de produtos agrícolas.
22. Os Fazendeiros capitalistas a eles vinculados que produzem um PIB agrícola ao redor de 150 bilhões de reais por ano, necessitam de credito rural adiantado no valor de aproximadamente 120 bilhões de reais por ano.  E depois repartem suas taxas de mais valia com as empresas fornecedoras dos insumos, com as empresas compradoras das mercadorias e com os bancos que adiantaram o capital financeiro.
23. Nos últimos dez anos, houve um processo acelerado da concentração da propriedade da terra.  O índice que mede a concentração da propriedade da terra continua crescendo. O Índice de Gini em 2006 estava em 0,854, que é maior inclusive do que em 1920, quando recém havíamos saído da escravidão..   Nas estatísticas do cadastro do Incra, vê-se que entre 2003 e 2010,  as grandes propriedades passaram de 95 mil unidades para 127 mil unidades.  E a área controlada por elas passou de 182 milhões de hectares para 265 milhões de hectares em apenas oito anos.
24. Analisando-se as grandes propriedades classificadas pelos critérios da lei agrária de 1993, com base nas informações declaradas pelo proprietário ao Incra, via-se que em 2003, havia  47 mil grandes propriedades improdutivas, que detinham 109 milhões de ha, e que em 2010, passaram a ser 66 mil grandes propriedades improdutivas, controlando  175 milhões de hectares.
25. Analisando-se os  dados por estabelecimentos, critério adotado pelo IBGE, percebe-se que no ultimo censo de 2006, havia 22 mil grandes propriedades acima de 2 mil hectares de terra.  Que seriam os latifundiários.  E outros 400 mil estabelecimentos entre 500 e 2 mil hectares, que seriam as fazendas modernas integradas no modelo do agronegócio. 
Os grandes e médios proprietários que representam o agronegócio controlam 85% das terras e praticamente  toda produção de commodities.
Houve também uma concentração da produção agrícola por produto, e em 2010, 80% das commodities e das terras por elas utilizadas, se destinavam a soja, milho e cana.
Houve um aumento acelerado na desnacionalização da propriedade da terra, com avanço de empresas estrangeiras.  Mas é impossível ter aferição estatística, pois o capital estrangeiro compra as ações de empresas brasileiras, que possuem as terras sem necessidade de alterar o  cadastro no Incra.   No entanto, estima-se que as empresas estrangeiras devem controlar mais de 30 milhões de ha de terras no Brasil.
26. O agronegócio possui prioridades regionais para sua expansão. A soja é prioridade para todas regiões. A cana na região centro-sudeste. A celulose, no sul da Bahia, norte do espírito santo e MS Mato Grosso do Sul. Já a madeira para produção de carvão ganha dimensão no Norte do país e em Minas Gerais, sobretudo onde se instalaram a industria siderúrgica . No semi-árido nordestino nordeste, as frutas irrigadas e no litoral do nordeste o camarão cultivado. E a pecuária extensiva vai ficando nas regiões mais degradas e na fronteira agrícola, reservando a terra para a avanço paulatino do capital. Quanto a pecuária leiteira via sendo empurrada para região sul do Brasil, na medida que a cana de açúcar vai ocupando as pastagem do Sudeste. Outro produto importante é o algodão que cresce nas grandes fazendas do centro-oeste.
27.  Houve um aumento significativo da produtividade agrícola por hectare e por trabalhador, em todos os ramos de produção.  No entanto, essa produtividade esteve combinada com o aumento de escala dos monocultivos e com uso intensivo de venenos e maquina agrícola.
28. O capital procura se expandir na agricultura, incorporando novas áreas para o agronegócio, na região centro-oeste, no bioma do cerrado, no sul da Amazônia e pré-Amazonia, no chamado Mapito (Sul do Maranhão, sul do Piauí, oeste da Bahia e Norte de Tocantins).    Nesse sentido, o capital enfrenta alguns empecilhos jurídicos para sua expansão, como o código florestal, que impõe uma a reserva nativa de 80% para o bioma da Amazônia, e 40% para o cerrado em cada propriedade.  E também as áreas de quilombolas, que depois de reconhecidas não podem mais ser vendidas, e as áreas indígenas.   Nesse sentido os povos indígenas enfrentam a sanha do capital com maior vigor nas regiões do centro-oeste.
29. Nota- se nesse processo  do agronegócio uma parceria ideológica de classe com os meios de comunicação da burguesia, em especial televisão, revistas e jornais, que fazem a defesa e propaganda permanente como único possível, moderno e insubstituível.   Por tanto, a reprodução ideológica agora, é realizada pelos meios de comunicação de massa.  E há uma simbiose entre os grandes proprietários dos meios de comunicação, as empresas do agronegócio, as verbas de publicidade e o poder econômico.
30. No desenvolvimento das forças produtivas a nível de Brasil, percebe-se que o numero de maquinas agrícolas vendidas ( tratores e colheitadeiras)  tem aumentado no tamanho de potencia, mas não no numero de unidades. Na década de 1970, quando os agricultores familiares tinham acesso a credito e estava vinculado a agroindústria de maneira mais intensa, o mercado de tratores era de 75 mil unidades/ano.   E agora, nos últimos anos baixou para 36 mil unidades/ano, embora tenha aumentado a potencia media.  Mas no geral os índices de mecanização da agricultura brasileira são baixíssimos, comparados com os volumes de produção.  O numero total de tratores existentes na agricultura brasileira é de apenas 802 mil tratores, segundo o ultimo censo. (uma media de 2 tratores para cada propriedade do agronegócio. Já comparando-se com o nível de desenvolvimento das forças produtivas da agricultura dos Estados Unidos, em 1920, eles possuíam já 900 mil tratores na agricultura.!!

As classes sociais resultantes...
31. Utilizando-se de outras formas de classificação, há autores (Jose Eli da Veiga, Ariovaldo Umbelino Oliveira, etc)  que adequam os dados estatísticos à situação de classe, e concluem que no Brasil, há um setor patronal (dos que possuem a terra, a produção, mas não trabalham) que seriam representados por aproximadamente 450 mil estabelecimentos ou empresários capitalistas, que controlam 300 milhões de hectares e controlam toda produção de commodities para exportação.   Nesses estabelecimentos trabalham 400 mil assalariados nas propriedades acima de mil há, e outros 1, 8 milhões de assalariados nas propriedades de 500 a 2 mil há, totalizando assim 2,2 milhões de trabalhadores assalariados para o agronegócio.
32. Na década de 1980, o numero de trabalhadores assaria lados na agricultura entre permanentes e temporários variava entre 6 a 10 milhões de trabalhadores.  Por tanto, houve uma redução da classe de trabalhadores proletários rurais.
33. Entre a classe camponesa ou de agricultores familiares, há 4,8 milhões de estabelecimentos e famílias.  Destes, um milhão de famílias aproximadamente seriam camponeses remediados, que vivem de seu trabalho familiar, contratam esporadicamente trabalho assalariado, e estão integrados no mercado.  São os principais acessadores das linhas de credito do Pronaf.  A maioria deles produz as mercadorias integradas á agroindústria como suínos, aves, fumo, leite, e algumas frutas.
34. E há outros 3,8 milhões de estabelecimentos/ famílias de camponeses pobres, que estão inviabilizados por esse modelo, que produzem basicamente para subsistência e vendem pequenos volumes de excedentes, sem condições de acumular.
35. Nos vários segmentos de agricultores familiares/camponeses há 14,4 milhões de pessoas adultos que trabalham no campo.   Entre eles os camponeses sem terra.
36. Percebe-se que há uma super-exploração do trabalho agrícola no Brasil. Entre os camponeses, pelo aumento da jornada de trabalho, pelo envolvimento de toda família, e pela baixa remuneração recebida.  Entre os proletários rurais empregados no agronegócio, há uma super-exploração relativa, em função da comparação dos seus salários, que são maiores do que os camponeses, mas muito menores do que seus equivalentes trabalhadores das mesmas commodiites agrícolas em outros paises do mundo.  Em média os tratoristas brasileiros recebem apenas 20% do salário de seu equivalente nos paises do hemisfério norte, para trabalhar na mesma produção de soja/milho, etc.
37. Há ainda casos de trabalho não pago, análogos da escravidão.  Segundo os dados do Ministério do trabalho e Policia federal registram-se ao redor de 5 mil casos por ano.  Apesar da ignomínia que eles representam e devem ser condenados de todas as formas, mas não podemos fizer que a acumulação do agronegócio se baseia nele. Em geral esse tipo de exploração é utilizada na fronteira agrícola, para desmatamento e amansar e valorizar a propriedade da terra, pelos latifundiários especuladores e atrasados. E houve casos no corte de madeira e também colheita de cana.

As contradições do modelo de produção do capital versus os interesses da sociedade
38. O modelo de produção de agricultura industrial adotado pelo agronegócio é totalmente dependente de agroquímicos, dependentes de fontes esgotáveis de petróleo, fósforo e potássio.  E tem seus preços oligopolizados e determinados pela especulação. No caso brasileiro agrava-se pela dependência das importações, o que afeta inclusive a soberania nacional da produção agrícola.  Na ultima safra foram importados 16 milhões de toneladas de fertilizantes.
39. O controle oligopólico das empresas sobre o comercio de alimentos, leva a especulação de preços e a um processo de padronização dos alimentos, que a médio prazo vai afetar inclusive a saúde publica.
40. A agricultura do agronegócio é totalmente dependente do uso de venenos agrícolas, que são usados com intensidades e volumes cada vez maiores.  O Brasil controla apenas 5% da área cultivada entre os 20 maiores paises agrícolas no mundo, no entanto consome 20% da produção mundial de venenos.  Os venenos destroem a biodiversidade. Alteram o equilíbrio do meio ambiente, afetam as mudanças climáticas e, sobretudo afetam a saúde das pessoas, com a proliferação de doenças e do câncer. O modelo do agronegócio não consegue produzir alimentos sadios.
41. A propriedade privada dos bens da natureza, como terra, água, florestas, hidrelétricas, reservas minerais, por empresas estrangeiras vai gerando uma contradição entre os interesses da nação, com os interesses dos capitalistas, que algum dia vão eclodir.
42. O modelo em curso de dominação mundial do capital que impôs uma redivisão do trabalho e da produção no mundo, condenou os paises do hemisfério sul a serem produtores apenas de matérias primas, agrícolas e minerais.  Isso vai aumentar as desigualdades no mundo, e aumentarão os conflitos a médio prazo.
43. A riqueza produzida na agricultura e os excedentes do trabalho agrícola, que antes ficavam na mesma região, (mesmo que fosse para os capitalistas) hoje são apropriados em outras esferas e outros centros urbanos, gerando maiores desigualdades sociais e regionais.
44. A expansão da monocultura elimina a biodiversidade e traz maior dependência econômica, maior fragilidade social,  e graves conseqüências ambientais, que começam a ser percebidas em todas as regiões.
45. O modelo do agronegócio ao contrario da etapa do capitalismo industrial, não distribui renda e nem gera emprego para juventude.  O capital aplica um modelo de produção agrícola, sem agricultores e com pouca mão-de-obra. Isso traz como contradição a falta de futuro da juventude, o aumento da migração e o despovoamento do interior.
46. Os grandes proprietários de terra, que antes, como latifundiários auferiam todos os lucros e exerciam o poder político decorrente desse poder econômico, agora tem que dividir seus ganhos, e perdem poder político. E por tanto, passam a ter contradições ainda que secundárias com os outros capitalistas.  E certamente serão perceptíveis na próxima geração dos herdeiros dos latifundiários que tampouco conseguem se reproduzir como latifundiários.
47. As altas taxas de lucro obtidas por esse modelo de produção são resultado de relações sociais de produção baseadas na super-exploração relativa do trabalho, e por tanto tem limites.  E na espoliação dos recursos naturais abundantes por ora, mas que também tem seus limites.
48. A dependência econômica do exterior, em função do mercado externo para as mercadorias agrícolas brasileiras é cada vez maior.  Hoje o Brasil depende 36% de todas suas exportações da China. E qualquer alteração no crescimento econômico da China terá conseqüências diretas no agronegócio brasileiro.