22 de dezembro de 2013

Alguns Documentos Teológicos Oficiais da IECLB

Os documentos teológicos e normativos oficiais da IECLB são segundo o texto: “Unidade: Contexto e Identidade da IECLB – 2004”:
“A Constituição da IECLB (art. 5º) coloca de maneira clara a base confessional da Igreja: em primeiro lugar, as Sagradas Escrituras, compostas do Antigo e Novo Testamentos, seguidas das confissões dos credos da Igreja Antiga, e, como confissões da Reforma, a Confissão de Augsburgo e o Catecismo Menor de Lutero. A Constituição também afirma a natureza ecumênica da IECLB, como vínculo de fé com as igrejas do mundo que confessam Jesus Cristo como único Senhor e Salvador.
Outros escritos relevantes para a unidade da IECLB, embora em nível descendente de importância, são:
a) os documentos normativos (Constituição, Regimento Interno, Estatuto do Ministério com Ordenação – EMO, Ordenamento Jurídico-Doutrinário – OJD);
b) os documentos orientadores (Nossa Fé – Nossa Vida, PAMI, A IECLB às Portas do Novo Milênio, A IECLB no Pluralismo Religioso);
c) manifestos e posicionamentos;
d) declarações conciliares;
e) cartas pastorais da Direção da Igreja.
Todos esses documentos e escritos, em seu conjunto, dão a feição oficial da IECLB.”

Aqui vão alguns textos teológicos oficiais que dão a face teológica da IECLB:

Índice
1.    Manifesto de Curitiba – 1970
2.    Manifesto Chapada dos Guimarães - 2000
3.    Concílio de 1982
4.    Concílio de 1984
5.    Concílio de 1986
6.    Concílio de 1988
7.    AÇÃO PASTORAL REGIONAL - RE III - 1992
8.    Nossa Responsabilidade Social
9.    Quem é membro da IECLB
10. Valorizando o Batismo
11. Diálogo acerca do batismo
12. Clonagem
13. Deus Não é Racista
14. Aborto
15. Homossexualidade
16. O Sepultamento Eclesiástico
17. Reforma Agrária
18. Alerta sobre Transgênicos
19. Pena de Morte
20. A confissão luterana na concorrência religiosas
21. A IECLB e a Maçonaria - Uma palavra de orientação
22. Posicionamento da IECLB sobre bioética
23. Ministério Eclesiástico e homossexualidade
24. Missão e Proselitismo - Uma palavra orientadora da IECLB
25. Prosperidade
26. Valorizando a Família
27. IECLB no Pluralismo Religioso
28. Mensagem de Natal do Conselho Diretor da IECLB – 1978
29. Manifesto contra o Desmatamento – 2000
30. Manifesto contra as Minas Antipessoais
31. Manifesto contra a corrupção em favor da ética no Brasil
32. Manifesto contra a alteração do Art. 33 que regulamenta o Ensino Religioso nas escolas
33. Direito e Poder
34. Defesa da Amazônia
35. A Violência no País
36. A IECLB às Portas do novo Milênio
37. 500 Anos de Brasil
38. Declaração da IECLB nos 180 anos de suas primeiras comunidades
39. Unidade: Contexto e Identidade da IECLB
40. Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação
41. Declaração das Igrejas Luteranas em favor da Paz
42. Declaração da IECLB acerca do documento do Vaticano
43. Discernimento ético – uma perspectiva evangélica de confissão luterana
44. Carta Pastoral - Acerca da Gripe A
45. Gratidão - desafio – esclarecimento
46. Povo Luterano
47. Igreja e Política
48. Manifesto AIDS
49. Crise Interna
50. Unidade na IECLB
51. Coleta em favor dos povos indígenas
52. Discriminação
53. Meio Ambiente
54. Patenteamento das Sementes
55. Solidariedade com as pessoas do Nordeste
56. Vida e Paz
57. Carta Pastoral sobre a Guerra – 2003
58. Dia Mundial de Luta contra a AIDS
59. Diretrizes teológico pastorais para atos e diálogos inter-religiosos
60. João Calvino – 500 anos
61. Eleições – 1989 – 1992 – 1993 – 1994 – 2004 – 2006 – 2008 - 2010
62. Carta Pastoral acerca da Ceia Do Senhor
63. Discipulado Permanente - Catecumenato Permanente
64. Soberania e Segurança Alimentar


Manifesto de Curitiba – 1970 #
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, reunida em seu VII Concílio Geral em Curitiba nos dias 22 a 25 de outubro de 1970, obediente à missão que lhe é inerente como Igreja de Cristo, resolve manifestar o seguinte:
1. Teses sobre as relações entre a Igreja e o Estado
1.1 - A mensagem da Igreja cristã visa à salvação do homem salvação que transcende as possibilidades humanas, inclusive as políticas. É mensagem de Deus - não deste mundo. Mas ela é destinada a este mundo e quer testemunhar Jesus Cristo como Senhor e Salvador do mundo. Por isso a Igreja não pode viver uma existência sectária, guardando para si mesma a mensagem que lhe foi confiada. Ela tem o ministério de testemunhar a palavra de Deus, ministério do qual ela não se poderá esquivar, a não ser pelo preço da desobediência para com seu Senhor.
A mensagem da Igreja sempre é dirigida ao homem como um todo, não só à sua “alma”. Por isso, ela terá conseqüências e implicações em toda a esfera de sua vivência - inclusive física, cultural, social, econômica e política. Não tenderá apenas a regular as relações entre cristãos, mas visará igualmente ao diálogo com outros cidadãos ou agrupamentos, sobre todas as questões relacionadas com o bem-comum.
1.2 - A mensagem “pública” da Igreja cristã, no que se refere aos problemas do mundo, não poderá ser divorciada do seu testemunho “interno”, já que este implica naquela. Assim, a Igreja não pode condicionar seu testemunho público aos interesses de ideologias políticas momentaneamente em evidência, ou a grupos e facções que aspiram ou mantêm o poder. Em seu testemunho público, não poderá ela usar métodos incompatíveis com o Evangelho.
1.3 - Em princípio, Estado e Igreja são grandezas separadas, como o define também a Constituição do nosso País. Mas em virtude das conseqüências da pregação cristã que se manifestam na esfera secular, e pelo próprio fato de os cristãos serem discípulos de Cristo e simultaneamente cidadãos de seu país, não será possível separar totalmente os campos de responsabilidade do Estado daqueles da Igreja, embora seja necessário distinguí-los. Na esfera onde os respectivos campos se fundem, a Igreja, por sua vez necessitando da crítica do mundo, desempenhará uma função crítica - não de fiscal, mas antes de vigia (Ezequiel 33,7), e de consciência da Nação. Ela alertará e lembrará as autoridades de sua responsabilidade em situações definidas, sem espírito faccioso, e sempre com a intenção de encontrar uma solução justa e objetiva.
1.4 - A Igreja busca o diálogo franco e objetivo com o Estado em atmosfera de abertura, de liberdade e de autêntica parceria - diálogo que tem por finalidade encontrar soluções para os problemas que afligem a sociedade. Como parceira co-responsável do governo secular, ela obedece ao preceito do Senhor que diz: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Marcos 12,17). Baseada nesta premissa fundamental, ela se sente chamada a cooperar com as autoridades governamentais em uma vasta gama de tarefas, como, por exemplo, na educação das novas gerações, na alfabetização de adultos, no apoio a ações sociais do governo, no combate a doenças, à pobreza, à marginalização do homem, e em outras atividades que não sejam de caráter puramente técnico. Esta cooperação implica no constante esforço destinado a eliminar as causas que eventualmente provoquem os males em questão.
1.5 - Em conseqüência da pregação pública da Igreja poderão surgir tensões com autoridades governamentais, seja por equívocos humanos, seja por razões de caráter fundamental. A Igreja, em tais casos, não procurará contestar o poder do Estado, como se ela fosse um partido político, mas proclamará o poder de Cristo. Onde ela sentir-se compelida a contrariar medidas governamentais, antes de tomar qualquer atitude pública, procurará dialogar com as autoridades respectivas. Em todos os casos agirá sem intuitos demagógicos - deixando claro que ela se sabe chamada a advogar em prol de todos os homens que sofrem.
2. Assuntos que preocupam a Igreja
2.1 - O caráter do culto cristão
A Igreja entende que o culto, sendo o evento central da vida do cristão, através do qual se nutre sua vida espiritual, deverá ter resguardado o seu caráter de serviço a Deus, de adoração, de comunhão cristã e de diálogo com Deus. Jesus Cristo é o único Senhor do culto cristão.
O culto terá conseqüências políticas, por despertar responsabilidade política, mas não deverá ser usado como meio para favorecer correntes políticas determinadas. Pátria e governo serão objetos de intercessão da comunidade reunida para que possam promover justiça e paz entre os homens, e os fiéis darão graças a seu Senhor por estas preciosas dádivas. A pátria será honrada e amada; seus símbolos serão respeitados e usados com orgulho cívico, no sentido mais legítimo, mas o cristão não poderá falar da pátria em categorias divinizadoras.
O diálogo entre Igreja e Estado poderá resultar numa responsabilização conjunta pela programação dos dias festivos nacionais que rendem homenagem à pátria.
2.2 - Ensino cristão e educação moral e cívica
Embora numa sociedade pluralista e multiconfessional, como a brasileira, o Estado, compreensivelmente, esteja interessado em evitar uma orientação sectária no campo educacional, julgamos ser indispensável que nas escolas seja mantido, inequivocamente, o ensino cristão. Consideramos ser a educação moral e cívica uma matéria necessária para a formação do cidadão, porém não a julgamos uma matéria que possa ou deva suplantar o ensino cristão. O ensino moral e cívico, com bases ideológicas declaradas, para muitos cristãos deixou imprecisos ou limites entre a esfera da Igreja e a do Estado. Entendemos que qualquer atitude moral ou cívica autêntica tenha as suas raízes em uma confissão autêntica. Um ensino “teista mas aconfessional”, como o define o Decreto-Lei 869/69, pode induzir muitas pessoas a compreendê-lo como substitutivo do ensino cristão, e as suas bases ideológicas como sendo alternativa para uma orientação confessional cristã. Tanto professores como educandos serão levados necessariamente a conflitos de consciência, caso estes conceitos se fixarem.
É do interesse da IECLB que esta questão seja objeto de um exame em conjunto de representantes das Igrejas e do Estado.
2.3 - Direitos humanos
Numerosos cristãos sentem-se perturbados pelo fluxo de notícias alarmantes sobre práticas desumanas que estariam ocorrendo em nosso País, com relação principalmente ao tratamento de presos políticos, donde surge uma atmosfera de intranquilidade, agravada com a carência de informações precisas e objetivas. Embora as notícias veiculadas no exterior, frequentemente evidenciem caráter tendencioso, e embora órgãos oficiais do País seguidamente tenham afirmado a improcedência das mesmas, permanece um clima de intranquilidade, em virtude das informações não desmentidas da imprensa do País, sobre casos onde se inculcam órgãos policiais de terem empregados métodos desumanos - seja no tratamento de presos comuns, seja de terroristas políticos, ou seja de suspeitos de atividades subversivas.
Entendemos mesmo, como Igreja, que nem situações excepcionais podem justificar práticas que violam os direitos humanos.
E como Igreja sentimos necessidade de dialogar com o nosso Governo também sobre este assunto - uma vez para apontar a extrema gravidade da questão, tendo em vista os princípios éticos em jogo, mas também para promulgar o nosso inteiro apoio a quem se acha seriamente empenhado em coibir abusos cometidos e em oferecer ao mais humilde dos brasileiros - inclusive ao politicamente discordante - a absoluta certeza de que será tratado segundo as normas da mesma lei com a qual possa ter entrado em conflito.
Curitiba, 24 de outubro de 1970
Karl Gottschald
Pastor Presidente

NOTA: O documento acima transcrito foi entregue pelos pastores Gottschald, Kunert e Schlieper, no dia 5 de novembro à tarde, à Presidência da República no Palácio Planalto em Brasília. No dia 6 de novembro de manhã, os mesmos pastores foram recebidos em audiência pelo Senhor Presidente da República. O diálogo muito franco e cordial estabelecido entre o Senhor Presidente da República e os representantes da IECLB evidenciou, de maneira clara e insofismável, a disposição por parte dos homens responsáveis do nosso Governo em dialogar com a nossa Igreja sobre os problemas que nos preocupam. A maneira de como foi recebida esta Manifestação da nossa Igreja demonstra a abertura do nosso Governo para sugestões e críticas construtivas.
Para evitar exploração indevida da Manifestação nesta época pré-eleitoral, foi estabelecido, desde o início, que o conteúdo deste documento fosse publicado apenas depois do dia 15 de novembro, dia das eleições.


Manifesto Chapada dos Guimarães - 2000
 “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.” João 10.10
“Aquilo em que você prende seu coração, isso é o seu deus.” Martim Lutero
No início de um novo milênio, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), reunida em seu XXII Concílio, em Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, nos dias 19-22 de outubro de 2000, ocupou-se com sua responsabilidade em face da situação por que passam o nosso país e o povo brasileiro. Jesus Cristo, o Bom Pastor, que vê as multidões “aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor”, também nos moveu a nós a percebermos toda uma realidade que clama por justiça, paz e vida digna. Deploramos e denunciamos os múltiplos mecanismos que promovem injustiças e exclusões. Na criação, Deus concedeu à humanidade todos os bens necessários para uma vida digna. Inclui-se nesta a oportunidade de trabalho e de usufruto de seus benefícios. O evangelho não nos deixa conformados quando há, de um lado, acúmulo de bens e, de outro, a falta do mais elementar. Anunciamos a vinda do reino de paz e justiça, o qual nos desafia para sermos seus arautos e instrumentos. Por essas razões a IECLB emite o presente manifesto.
Nossa inconformidade
“Não vos conformeis com este século...” (Romanos 12.2)
A vida da humanidade está ameaçada. Um grande mal ocupa todos os espaços, e há poderes querendo assumir o papel de Deus. Quem, porém, cede a essa tentação e é detentor de poder, procura despir-se de sua condição de criatura, para submeter homens e mulheres, jovens e crianças, a natureza e o mundo a seus próprios interesses. O fruto dessa auto-suficiência incorpora-se num verdadeiro ídolo – designado na Escritura como poder do dinheiro (“Mâmon”). Esse mesmo ídolo, adorado e venerado, é o fundamento do sistema sócio-econômico-político hegemônico no mundo de hoje. Somos testemunhas de que esse sistema requer sacrifícios, faz suas vítimas e promove dor, sofrimento e morte. Algumas das conseqüências desta nefasta ação são aqui mencionadas:
Através do fluxo incontrolado de capitais, este sistema promove uma verdadeira ciranda financeira em que, graças às novas tecnologias de comunicação, faz girar diariamente um dinheiro virtual de bilhões de dólares, o que tem ocasionado colapsos econômicos e levado nações inteiras a sofrimento, angústia e desespero.
Através de organismos financeiros internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, este sistema tem imposto ajustes estruturais aos países pobres e endividados, aumentando sua dependência e direcionando seus escassos recursos para o pagamento dos serviços da dívida.
O Brasil, por exemplo, no ano 2000, destinou 64 bilhões de dólares para o serviço da dívida. Nos últimos 10 anos, já pagou 200 bilhões e ainda deve 240 bilhões de dólares. Essa mesma dinâmica tem levado o país a endividar-se internamente, inviabilizando investimentos básicos nas áreas de serviços (como educação, saúde, nutrição, habitação, saneamento, transporte, pensões e aposentadorias etc.) às administrações municipais, estaduais e federal.
Ao priorizar a maximização dos lucros, este sistema também tem desrespeitado o meio-ambiente, destruindo florestas, poluindo o ar e a água, e dilapidando recursos naturais não renováveis, como se fossem ilimitados. A tradicional agricultura de subsistência, já afetada pela concorrência tecnológica e genética internacional, é mais e mais substituída pelo cultivo de produtos de exportação, para equilibrar a balança de pagamentos. Além disso, esse processo é aviltado pela prática de subsídios agrícolas em países desenvolvidos, acarretando uma diminuição acentuada do preço dos produtos agrícolas e naturais no mercado internacional.
Este sistema igualmente promove gigantesco fluxo migratório de pessoas que buscam oportunidades de trabalho e melhores condições de vida em outras partes do país ou do exterior. Identidades étnicas e minorias são desrespeitadas e violentadas. O processo desarraiga as pessoas, aniquila seus valores culturais e provoca profunda insegurança, tornando-as presas fáceis de todo tipo de manipulação.
De igual maneira, este sistema gera uma enorme quantidade de pessoas excluídas nos campos e nas metrópoles. Assim, favorece a proliferação da violência e o crescimento da criminalidade de toda ordem, mediante assaltos, seqüestros, contrabando, tráfico de drogas, exploração sexual de mulheres e crianças.
Além disso, há uma profunda mudança nas condições de trabalho. Apesar de criar novas oportunidades, causa também um amplo desemprego. Este, por sua vez, gera angústias e desesperança quanto ao futuro entre as pessoas afetadas ou ameaçadas. Como tentativa de sobrevivência, expande-se uma teia de sub-emprego e trabalho informal, sem seguridade social mínima.
Os avanços nas pesquisas científicas, que envolvem a genética e a biotecnologia, deixam as pessoas inseguras e expostas a interesses até agora obscuros. O risco de que estes avanços possam servir para a manipulação e para fins preponderantemente comerciais nos deixa extremamente preocupados. É indispensável uma abordagem ético-social desses recursos, bem como seu controle político e social.
Assistimos à eclosão de conflitos bélicos regionais e manifestações violentas que, além de suas causas econômicas, também são motivados por razões étnicas e mesmo religiosas. O gasto em armamentos seria suficiente para saldar todas as dívidas externas do mundo ou garantir o atendimento às necessidades básicas da população mundial.
Toda esta realidade aqui denunciada encontra-se em flagrante contradição com a imensa capacidade técnico-científica, hoje existente, de gerar recursos, capacidade jamais havida na história até os dias de hoje. Sendo socialmente bem distribuídos, esses recursos poderiam superar todas as iniqüidades mencionadas e garantir vida digna para a humanidade inteira. Essa contradição nos faz concluir que a realidade de sofrimento e injustiça denunciada não é fatalidade, muito menos vontade de Deus, mas fruto da ambição humana e da concentração de bens e poder entre pessoas, grupos e nações. Como Igreja, reconhecemos que participamos dessa culpa. Por isso mesmo, sentimo-nos na obrigação de, nesse contexto, confessar essa culpa, mas acima de tudo nossa fé, nossa esperança e nosso compromisso, baseados num Deus de justiça e paz.
A confissão de nossa esperança
Sempre preparados para dar “razão da esperança que há em vós” (1 Pedro 3.15)
A teologia da graça nos anima e fortalece na esperança e no compromisso transformador diante da ideologia do crescimento e acumulação ilimitados. Ela também previne contra uma teologia que enaltece o consumo como um fim em si mesmo ou glorifica a prosperidade desvinculada dos valores da justiça. O que temos e somos não constitui mérito nosso, mas representa dádiva e graça de Deus. Somos tão somente parte da criação divina. A criação nos é confiada a nosso cuidado, jamais para sua exploração.
Realçamos a teologia do amor que se doa, em oposição a uma ideologia que promove a exclusão e alimenta uma cultura da auto-satisfação.
Cremos no Deus da vida que ouve o clamor do povo sofrido e os gemidos de sua criação.
Cremos no Deus da vida que espera misericórdia e não impõe sacrifícios.
A idolatria de nossos dias fica excluída como opção autêntica já nas palavras de Jesus: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um, e amar ao outro; ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.” (Mateus 6.24) O reino de Deus e a sua justiça não combinam com a acumulação de riqueza por parte de alguns em detrimento do atendimento das necessidades existenciais da coletividade.
Confessamos que a fé no Deus da vida, ao relativizar a centralidade da economia, nos liberta para ações de graça e serviço, de trabalho e descanso, de festa e solidariedade.
Ao mesmo tempo, confessamos nossos limites e nossa precariedade quando se trata de viver e experimentar a partilha e a promoção da justiça e de vida digna para todos. Estamos conscientes das contradições, fracassos e tentações presentes nas comunidades e na Igreja. Sentimo-nos também envolvidos pelo sistema político-econômico vigente, a ponto de sermos co-participantes de um jogo com regras e fins dos quais até discordamos. A crise de valores traz em seu bojo outras graves conseqüências, como o tráfico e o consumo de drogas e o crescimento da corrupção no âmbito público e privado, em escala nunca imaginada. Nessa ambigüidade vivemos. Carecemos todos de libertação, renovação e mudança de rumo. Necessitamos de arrependimento e nova vida.
No entanto, em fidelidade à Palavra de Deus e à fé despertada e animada pelo Espírito Santo, somos instados a proclamar a razão de nossa esperança numa época de enormes desafios bem como de imensas necessidades e tentações.
Cremos em Deus que cria, mantém, salva e consola.
Por isso, rejeitamos doutrinas pseudo-religiosas mascaradas de projetos e sistemas político-econômicos que promovem a morte e exigem para si mesmos veneração e adoração.
Cremos em Jesus Cristo, a partir de quem recebemos vida nova. Somos perdoados e libertos de todas as amarras para servir, de forma livre e agradecida, a todas as criaturas, porque Deus em seu amor envolve a tudo e a todos, e a ninguém exclui.
Por isso, rejeitamos doutrinas que pregam a separação das esferas espiritual e material, depreciando o mundo e a sociedade e enaltecendo apenas valores espirituais. Igualmente rejeitamos todas as formas de preconceito racial e discriminação étnica.
Cremos no Espírito Santo, que pela Palavra e pelos sacramentos cria e mantém a Igreja. Esta é formada não por pessoas isentas de culpa, mas por pecadores justificados pela graça de Deus, pessoas que são chamadas a constituir comunidade, prestar culto a Deus e a testemunhar sua fé num mundo marcado pelo pecado. Esta fé move a Igreja e todos seus membros a viver em amor e a doar-se no serviço ao próximo, em especial aos mais pequeninos e fracos, aos desamparados e desconsolados, aos injustiçados e que padecem qualquer tipo de necessidade. Enquanto instituição humana, a própria Igreja e seus membros deixam questionar-se, pela Palavra, em suas falhas, a fim de que seu serviço seja mais consoante com a vontade de Deus.
Por isso, rejeitamos doutrinas que adaptam a Igreja ao mundo a ponto de ela servir aos interesses ideológicos e políticos hegemônicos, perdendo assim toda sua dimensão crítico-profética. Igualmente rejeitamos um individualismo que, mesmo afirmando a dignidade de cada pessoa humana, despreza na prática a importância de sua inserção e vivência fraterna em comunidade. Negamos que a pessoa se baste a si mesma, mas afirmamos a necessidade do servir uns aos outros.
Nossa vocação e ação
“Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu.” (1 Pedro 4.10)
Conforme o testemunho bíblico e o Reformador Martim Lutero, a fé jamais ficará ociosa. Por conseguinte, os cristãos de confissão luterana são chamados a:
Renegar a ideologia que dá suporte à acumulação e concentração de riqueza em benefício de minorias e em detrimento do atendimento das necessidades básicas do ser humano e da manutenção da boa criação de Deus.
Renegar a adoração do capital e da religião do consumo como definidora do sentido da vida.
Renegar modelos econômicos que desconsideram a necessidade e urgência de um desenvolvimento auto-sustentável que preserva a vida no planeta.
Renegar todas as formas de individualismo voltado tão-somente para a auto-satisfação, desconsiderando a importância das relações coletivas e comunitárias, bem como o serviço mútuo e a solidariedade.
Renegar toda e qualquer forma de competição proselitista entre as igrejas, mas afirmar a necessidade e as possibilidades da cooperação ecumênica.
Renegar todo tipo de intolerância e desrespeito para com pessoas de orientação religiosa distinta e diferente da cristã, mas valorizar todos os empreendimentos em favor da paz e da vida.
Enfim, reconhecemos que a Igreja, como comunhão de comunidades centradas em Cristo, procura manter-se fiel ao Deus da Vida. Assim, torna-se, pelo Espírito Santo, instrumento de animação, articulação e realização da promessa e vocação evangélicas de ser luz do mundo, sal da terra e fermento na massa. O Espírito Santo nos desperta e nos abre os olhos para uma nova visão. Inspira-nos para agir com criatividade e destemor. Liberta e capacita-nos para a colocação de sinais concretos da nova vida em partilha solidária, segundo a vontade de Deus.
Nesse sentido, a IECLB se irmana ecumenicamente a todas as igrejas cristãs e “coopera, na medida do possível, com órgãos governamentais e não-governamentais, a fim de promover a justiça através da cura dos males sociais”. Assim o afirma o “Plano de Ação Missionária da IECLB” (pág. 14), aprovado pelo XXII Concílio em Chapada dos Guimarães. Segundo este Plano, todos nós somos comprometidos com a missão de Cristo, que veio para que todas as pessoas “tenham vida e a tenham em abundância” (João 10.10).

Chapada dos Guimarães, MT, 22 de outubro de 2000

Huberto  Kirchheim    Darcy Laske    Helio Erni Walber
Pastor Presidente da IECLB    Presidente do Concílio da IECLB    Presidente do Conselho da IECLB


Propostas dos Concílios Gerais

Concílio de 1982 #
Mensagem
...Para que todos possam usufruir das dádivas do Criador, agindo responsavelmente diante delas, propomos o seguinte:
- realizar campanha de ampla informação e conscientização dos problemas agrários e urbanos:
- apoiar o agricultor na sua luta pela permanência no campo:
- assumir e defender com responsabilidade evangélica as reivindicações dos movimentos sociais, fazendo um trabalho de base com associações de bairros, atingidos por barragens, colonos sem terra, bóias-frias, sindicatos, proteção ambiental, além de inúmeras outras formas de atuação onde o amor de Deus quer se tornar vivo e real entre as pessoas.
Conclusões
... Conscientização
1.   Ler e viver o Evangelho de Jesus Cristo.
2.   Promover consciência de que fé e vida são inseparáveis
3.   Promover consciência de serviço (servir).
4.   Conscientização, a nível pessoal e comunitário, em todos os níveis da igreja sobre:
a)     O problema da terra (fundiário)
b)     A situação do agricultor, mormente o pequeno e o sem terra
c)     Migração e suas causas. Êxodo rural.
d)     A necessidade de fixar o agricultor na sua terra e reverter o processo do êxodo
e)     O Estatuto da Terra e os direitos e deveres do homem do campo (agricultor)
f)      O uso e trato responsável da terra
g)     A necessidade de unir os pequenos
h)     A necessidade de diversificar culturas agrícolas
i)       A distribuição mais justa da riqueza nacional
j)       A situação e forma de exploração dos assalariados
k)     Os danos da macro-tecnologia
l)       A situação e estruturação das cidades
m)   Uma pastoral urbana da IECLB
n)     Uma pastoral educacional na IECLB
o)     O ambiente natural e as depredações que hoje ocorrem
p)     A necessidade da paz com justiça a nível local, nacional e internacional
q)     A interdependência dos países e povos e os processos de exploração dos países ricos do Hemisfério Norte sobre os do Sul
Sinais de Apoio
Apoio engajado e consciente ao pequeno agricultor e à pequena indústria, dentro da perspectiva de um modelo simples de vida, decorrente do próprio Evangelho. Por isso apoiar:
a)     Movimentos Populares, associações de bairro, órgãos de classe, sindicatos dos trabalhadores rurais, cooperativismo sadio.
b)     Projeto de CAPA (Centro de Aconselhamento ao Pequeno Agricultor), LACHARES, grupos em defesa da ecologia e ambiente natural
c)     Movimentos no espírito de não violência
d)    As prioridades de ação da IECLB e confessionalidade luterana

CONCÍLIO DE 1984 #
Mensagem:
... Como Igreja de Jesus Cristo no Brasil, comprometida com o Evangelho, devemos nos colocar ao lado de todas aquelas forças da sociedade que possibilitam vida para todos, entre outras, os sindicatos, as cooperativas, os movimentos de bairros, grupos de base.
Comprometidos com o Evangelho denunciamos:
•     a implantação de uma política econômica recessiva, causadora de desemprego e compressão salarial;
•     a imposição aos operários de um sistema de escala de revezamento de trabalho que desagrega a família;
•     o estabelecimento de uma política agrária que leva a desesperança aos agricultores, em particular aos pequenos e os sem terra;
•     a invasão de terras, o massacre,  os preconceitos da sociedade contra os povos indígenas;
•     a liberação da pornografia nos meios de comunicação, em especial na televisão;
•     o massacre a que está sujeito o povo nordestino: Solidarizamo-nos com as comunidades e o povo nordestino em sua luta para que os recursos naturais existentes (água e terra) sejam colocados ao alcance de todos, em prol de uma verdadeira justiça, pois “a justiça exalta as nações, mas o pecado é opróbio dos povos”. )Pv 14.34)
Conclusões:
... Temos um compromisso. Eis algumas propostas de como atendê-los:
5.2.3 - no Brasil - Torna-se esperança uma Igreja que não passa de largo aos múltiplos sofrimentos dos injustiçados, famintos, explorados. Está marcada a nossa sociedade por corrupção, injustiça, violência. Lembramos em especial a injusta distribuição da terra, o genocídio no Nordeste, o descaso para com o meio ambiente, a marginalização do povo no processo político. Comunidade cristã, pelas misericórdias de Deus, deve aí levantar protesto e solidarizar-se com a causa justa de movimentos populares... Ninguém está, por Deus, isento de, dentro de suas possibilidades, engajar-se em favor do bem comum - uma forma de atender o mandamento do amor.

Concílio de 1986 #
Mensagem:
... Constatamos, a partir do estudo do nosso tema, que em nosso mundo não há paz, porque há injustiça e que há injustiça por não haver aceitação do senhorio de Jesus Cristo e porque as pessoas não se entendem como mordomos de Deus no mundo, e sim como seus senhores. Por isso, o Evangelho nos chama a repensar a nossa prática de fé e nos coloca os seguintes desafios:
•     Como Igreja que aceita Jesus Cristo como seu Senhor temos o compromisso de assumir a responsabilidade política e social como nossa resposta ao amor de Deus e parte imprescindível de nossa fé.
•     Sugerimos fazer isso das seguintes formas:
a)     Denúncia profética e ação solidária;
b)     Educação libertadora e maior amparo à infância;
c)     Formação de lideranças para assumirem sempre melhor a tarefa da missão comprometida com o anúncio do Evangelho que quer a verdadeira paz com justiça para todos;
d)    Criação de material de fácil acesso e compreensão que possa auxiliar nessa caminhada;
e)     Destinação de recursos orçamentários a todos os níveis de igreja para a execução dessa tarefa educacional;
f)      Visitação e intercâmbio de experiências dentro da Igreja;
g)     Participação política engajada de todos os membros inclusive da escolha criteriosa de candidatos à Constituinte, cujos programas e metas incluam estas nossas preocupações e acompanhamento crítico e constante de todo o processo de elaboração de nova Constituição
Estamos convencidos de que os frutos de uma tal atitude, motivada pela fé no Senhor Jesus Cristo, contribuirão para a transformação de nossa sociedade e mostrar-se-ão concretamente num apoio mais comprometido aos sem terra e casa, aos índios, aos negros, às mulheres, aos operários e aos pequenos agricultores, mostrar-se-ão em sinais concretos de justiça e de promoção de vida plena entre nós e no mundo que nos cerca.

CONCÍLIO DE 1988 #
... Do concílio compartilhamos os seguintes estímulos:
- Proporcionar a todos os leigos nas Comunidades maior participação na missão, na re-leitura da Bíblia, na evangelização, na conscientização de nossa confissão luterana. Isto também faz parte do nosso pão nosso de cada dia.
- Aceitar que a graça de Deus nos liberta da ganância, da auto-justificação e da necessidade de acumular.
- Assumir posicionamentos em questões sociais, políticas e econômicas a partir do Evangelho.
- Apoiar e desenvolver ações em favor da natureza, obra do Criador. Também isto é repartir o pão.

AÇÃO PASTORAL REGIONAL - RE III #
O 13° Concílio Regional aprovou uma proposta missionária na Terceira Região Eclesiástica.
1. Celebração Comunitária na ótica da Comunidade solidária;
2. Integração do Movimento Popular na concepção do trabalho missionário;
3. Formação bíblica na ótica da leitura popular.


NOSSA RESPONSABILIDADE SOCIAL #
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB - preocupada em despertar a responsabilidade e a ação social de seus membros - encaminha às suas comunidades o documento abaixo como seu primeiro passo na elaboração de um Guia Diacônico.
1. Nossa Omissão
A fé em Cristo leva necessariamente à ação em favor do próximo. Sempre que essa ação faltar, na verdade há falta de fé e desobediência à vontade de Deus. Por isso, ao dirigirmos esta palavra às comunidades da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), apontando para a responsabilidade social que nos cabe como cristãos, devemos, antes de mais nada, confessar que muito temos pecado diante do Senhor, pela nossa omissão. Vezes sem conta aconteceu que Jesus, passando fome, não lhe demos de comer; estando Jesus com sede não lhe demos de beber; sendo Jesus forasteiro não o hospedamos; estando Jesus nu, não o vestimos; estando Jesus enfermo, não o visitamos; estando Jesus preso, não fomos vê-lo ( Mt. 25.35-36).
Nós assim nos omitimos no âmbito das nossas comunidades, onde fechamos os olhos, diante do que se passa ao redor de nossos templos. Nós assim nos omitimos em âmbito nacional, fechando os olhos diante das injustiças sofridas por compatriotas nossos. Nós assim nos omitimos diante do sofrimento de povos e indíviduos em todo o mundo. Assim agindo, tornamo-nos desobedientes e negamos aquele que confessamos como nosso Senhor. Cabe-nos, pois como cristãos, como comunidade e como Igreja reconhecer a nossa culpa, arrepender-nos e pedir perdão, expressando tudo isto numa ação eficaz em favor de Jesus faminto, sedento, forasteiro, nu, enfermo e preso, ao nosso redor.
2. Compromisso de Fé
Como cristãos confessamos que a vida é uma dádiva de Deus. Tudo o que somos, e tudo quanto temos dele provêm: Nossas capacidades técnicas e intelectuais, a natureza e o mundo. A responsabilidade pelo uso disto devemo-la ao próprio Deus doador (Gn 1.26-28). Ao nosso lado se encontram os nossos semelhantes, igualmente aquinhoados (Is 11.1-10). Não temos direito a fazer uso deles. Ao contrário, devemos garantir-lhes tudo quanto lhes é de direito. Mais uma vez devemos prestar contas ao Criador, Senhor único de todos os homens.
A boa criação compreende para todos trabalho é saúde, moradia e sustento, cultura e lazer, convivência e liberdade. Sempre que um desses elementos faltar para um só ou mais seres humanos divisamos o mundo caído, rebelde a Deus (Rm. 1.28-32). A consciência cristã acusa o pecado - tanto na esfera individual quanto na social (Rm. 3.9-18). O excesso e o abuso, bem como as distorções destes elementos, são o outro lado da moeda: Sustenta sem trabalho próprio, mas às custas do alheio (Ts 3.10-13); consumismo esbanjador em vez de sustento básico (Ex 20.8-11); trabalho escravo sem lazer, convivência marginalizada sem escola (Jr. 6.11-17); subsistência sem liberdade são apenas algumas das possibilidades (Is 5.8). Destruição da natureza, concentração de riqueza, emprego da força, infração dos direitos dos outros são apenas algumas das conseqüências daquelas distorções fundamentais (Am 5.7, 10-12). Seu resultado para os homens é auto-suficiência, orgulho, ganância, ânsia de consumo e arbitrariedade entre os privilegiados (Am 8.4-6); fome, miséria, desalento e injustiça entre os demais. De qualquer modo, sofrimento sem fim (Tg. 5.1-6).
Contudo, onde a consciência acusa, o Evangelho levanta a voz profética para chamar ao arrependimento, à libertação e à mudança radical (Mc 1.15). O Evangelho é o próprio Jesus Cristo que sofreu o mundo caído para libertar o homem pecador (Lc 4.18-21). Em sua cruz confessamos a ação de Deus (I Cor 1.18-25). Por isso também hoje não conseguimos ver Deus no progresso, mas sim naqueles que são por ele triturados não no poder, mas naqueles que são por ele abatidos, não no dinheiro, mas naqueles que não tem como comprar o elementar para suas vidas (Mc 8.34-38). Deus simultaneamente padece e liberta ainda hoje. Assim a neutralidade se nos torna impossível (Rm 12.9-21). Somos chamados a tomar partido: Queremos subir na vida ou descer à cruz de nosso semelhante? Queremos nos unir ao círculo dos interessados em si mesmo ou dar as mãos para viver o amor de Cristo?
A renúncia a nós mesmos e o discipulado de Cristo nos são possíveis quando acatamos esse mesmo serviço de Deus na cruz, que nos arranca de nossa profunda insegurança e nos faz andar o caminho de Deus no mundo (I Jo 4.9-17). Assim colocamos toda a nossa capacidade, profissão, obra, posição, bens e vida a serviço de quem de nós necessita. Esse caminho da renúncia e da solidariedade é e será vitorioso. Isso confessamos como nossa esperança inabalável.
3. Realidade
Dentro desta ordem de reflexões, convidamos os membros das nossas comunidades a se deterem na análise dos seguintes aspectos:
- Todos os cidadãos têm direito a participar dos benefícios de cultura e a ter oportunidades iguais para a educação. Entretanto, aproximadamente um terço dos brasileiros em idade escolar obrigatória, não freqüentam a escola, devido ao trabalho prematuro, à enfermidade, à distância da escola, à subnutrição ou à falta de vagas (1).
- Enquanto o custo de vida teve índices de aumento progressivo, o salário médio, de grande parcela dos trabalhadores urbanos e rurais, permanece desvinculado dos ganhos de produtividade no setor e amarrado ao mínimo estabelecido institucionalmente. Assim, em várias partes do Brasil, o salário mínimo real em 1970, era cerca de 30%  inferior ao de 1961 (2).
- A taxa de mortalidade infantil em países desenvolvidos é de 25 mortes para cada grupo de mil crianças de zero a um ano de idade. No Brasil apresentamos uma relação de 100 mortes por mil crianças situadas em tal faixa etária. Tais taxas são especialmente elevadas entre os setores de baixas rendas, geralmente com famílias numerosas, mas com poucos recursos para atenderem às necessidades sanitárias e alimentares de seus filhos (3).
- Apesar de todo avanço da ciência e da tecnologia, em 1975 500 milhões de pessoas viveram a beira da fome crônica e 50% da população mundial alimentou-se de forma insuficiente. Igualmente no Brasil grandes parcelas de nossa população, especialmente no Nordeste e nos bairros marginalizados de nossas metrópoles, passam fome, sendo por isso vítimas fáceis das doenças de massa como a varíola, tuberculose, a verminose, a esquistossomose, a meningite, etc. Tal problema ainda se agrava pela insuficiência de atendimentos médicos e previdenciários, pois além de termos poucos médicos - um por 1800 habitantes, quando deveria ser um por 1000, segundo a Organização Mundial de Saúde - estes tendem a concentrar-se nas grandes áreas urbanas, deixando 1.500 municípios do país sem atendimento médico (4)
- Deus pôs recursos da natureza à disposição de todos. Assim convidou o homem para com sua tecnologia dominar a natureza e pôr os recursos gerados serviço de todos. Contudo, constatamos em nosso país que tal princípio não se verifica. Os frutos de nosso processo de desenvolvimento - embora tenham levado alguns benefícios às classes sociais menos favorecidas - tendem a concentrar-se nas mãos de minorias privilegiadas, acentuando-se tal tendência na última década: A camada superior, ou seja, 10% da população com renda, aumentou sua participação de 39,66% para 47,79% no total da renda gerada no país. Enquanto isso os 90% restantes da população diminuíram a sua participação na mesma. Dos brasileiros que percebiam renda em 1972, cerca de 44% obtinham a minguada renda de até um salário mínimo (Cr$ 368,00 de então) e 30% percebiam de um a dois salários mínimos (5).
- Nosso processo de desenvolvimento deveria preocupar-se em proporcionar oportunidades de emprego e de melhoria do padrão de vida para todos os que queiram trabalhar. Não obstante, apresentamos uma industrialização incapaz de absorver a numerosa mão-de-obra subempregada, nas regiões urbanas. Contamos igualmente com uma atividade agrária baseada numa estrutura de concentração de extensas áreas de terra nas mãos de poucos, pois 1,3% dos imóveis rurais detêm 48,9% da área total agricultável do país, impedindo aos que querem trabalhar na agricultura, de terem uma propriedade com tamanho adequado para obterem, com o seu uso, um sustento honesto (6).
- Todos têm o direito a uma habitação decente. Mas o déficit habitacional no Brasil é de sete milhões de casas e nas zonas urbanas 600.000 casas seriam anualmente necessárias, para atender as famílias que ali se formam decorrência do aumento vegetativo das populações urbanas e das migrações procedentes da área rural (7).
- Outros problemas podem ainda ser apontados, como os referentes ao rápido aumento da criminalidade urbana e ao aumento do consumo de tóxicos, conseqüências da falta de oportunidades de trabalho ou da desintegração de muitas famílias e do próprio sistema educacional, que absorvido pelo esforço de profissionalização dos alunos, se esquece de orientar os mesmos para objetivos mais nobres, de conteúdo cristão e humanista, que dêem sentido às vidas como pessoas e como seres solidários com problemas de sua comunidade e do seu país.
Muitos outros aspectos indicadores da situação de injustiça e de pecado na esfera social, existentes no âmbito nacional, poderiam ser apresentados. Os que aqui foram sucintamente delineados, já servem para a nossa reflexão.
NOTAS
1 - Desenvolvimento Brasileiro, Elementos básicos, para a compreensão do desenvolvimento, São Paulo, CONVÍVIO - Sociedade Brasileira de Cultura, 1972. Caderno sobre Problemas Educacionais.
2 - Hoffmann R. e Duarte J. Carlos - “A Distribuição da Renda no Brasil”, Revista de Administração de Empresas, GB, FGV, vol. 12, nº 2, junho de 1972, pg. 61
3 - Lenz M. Martinho e outros - Realidade Brasileira, Porto Alegre, Editora Sulina, 1975, 2ª edição, pg. 46.
4 - Newton Carlos, em “ZERO HORA”, Porto Alegre, 3-11-74; Lopes, Leme e outros - Estudos de Problemas Brasileiros: Manuel Diégues Jr. e José Artur Rios, Campo Psico-Social, Ed. Renes Rio, 1971, pg. 65.
5 - Langoni, Carlos Geraldo - Distribuição da Renda e Desenvolvimento Econômico no Brasil, Rio, Ed. Expressão e Cultura, 1973, Rio, p. 64; Jaguaribe, Hélio - Brasil: Crise e Alternativas, Rio, Ed. Zahar, 1974, pg. 59 e 60.
6 - Fonte: Departamento de Cadastro e Tributação do IBRA, 1967, Apud Lenz e outros, op.cit., pg. 148.
7 - Mello Fº, Murilo - O Desafio Brasileiro, Rio Edições Bloch, 1970, pg. 331; Costa, Rubens Vaz da - Estratégia e Programa de Desenvolvimento Urbano: A Experiência Brasileira. Exposição ao VI - XX Congresso da Câmara Internacional do Comércio, Rio, 22 de maio de 1973. Editado pela Secretaria de Divulgação do BNH.
4. Desafio
Existem ao nosso redor inúmeros problemas que clamam por uma solução. A pergunta que surge é: sobre quem recai a responsabilidade? De quem se espera uma solução? Unicamente dos órgãos governamentais? Não! Todo aquele que se diz discípulo de Jesus Cristo, individualmente, é responsável, pois um cristão que é indiferente à injustiça e se furta à responsabilidade em questões sociais e econômicas, preocupando-se unicamente com o seu próprio bem-estar, não segue o seu Senhor. Neste particular, mais do que a participação ativa em iniciativas da igreja, impõe-se a cada cristão que seja fiel a seu Senhor no âmbito concreto de seu viver e atividade profissional. Isso significa encarar toda a sua vida como estando a serviço de Cristo e do próximo. Embora possa ser por vezes necessário renunciarmos a atividade ou profissão em que nos encontramos, para melhor servir. Via de regra, ali onde estamos somos chamados a esse apostolado de amor. De outra parte, assim como o cristão individualmente, também a comunidade cristã e a Igreja são responsáveis pelo mal e, portanto, chamadas ao discipulado.
Na prática, há problemas que podem ser solucionados por atos individuais. Muitos, porém, só podem ser atacados pela ação coletiva. Tampouco basta a ação meramente caritativa e assistencial; é necessária igualmente a ação pública e transformadora. Como agir numa comunidade? Cada qual deverá encontrar a solução mais condizente com a situação peculiar. Sugerimos a criação de pequenos círculos com a finalidade de:
- identificar, numa reflexão conjunta, as situações de necessidade na sociedade em geral e particularmente na comunidade local;
- procurar agir no sentido de transformar tais situações, levando à comunidade impulsos para um engajamento social que envolva o maior número possível de membros;
- colaborar e solidarizar-se com outros grupos de propósito idênticos.
Se nos voltarmos assim para o pequeno círculo de nossa comunidade local ou eclesial, podemos questionar-nos para saber quantos de nossos irmãos são vítimas da injustiça, do pecado no âmbito social, em suas diversas formas? Quantos de nossos vizinhos ou conhecidos são vítimas da ignorância por falta de oportunidades?  Quantos deles, querendo trabalhar, não obtêm um emprego e um nível de renda convenientes para satisfazerem suas necessidades básicas? Quantas pessoas são oprimidas por doenças decorrentes da fome e da miséria e não podem valer-se por si mesmas? Quantas são vítimas de preconceitos ou de perseguições? Quantas vezes já dedicamos algum tempo a interessar-nos por pessoas necessitadas e indefesas? Ou será que sempre e exclusivamente nos preocupamos apenas com o nosso bem-estar individual e familiar? Examinando, pois, os problemas de subsistência, habitação, saúde, educação, emprego, distribuição de renda, criminalidade, vício e outros em nosso meio, quais são os recursos de que dispõe a nossa comunidade? Qual é a composição profissional de seus membros? Quais são os instrumentos e organizações para a transformação? São eles apropriados para tal objetivo? Em suma: que quer Cristo de nós diante de tais situações?
Documento aprovado pelo XI Concílio Geral – Joinville 19 a 22/10/1978


Posicionamentos Oficiais da IECLB

Quem é membro da IECLB #
CARTA PASTORAL DA PRESIDÊNCIA
1. A questão: não sabemos ao certo quem são e quantos são os membros da IECLB
Há, na IECLB, incertezas e contradições quanto ao entendimento de quem é membro da IECLB. Assim, diferentes comunidades aplicam critérios diferentes quando se trata de definir quem são seus membros. Algumas aplicam critérios rigorosos e, com eles, podem inclusive declarar pessoas como excluídas da comunidade, se estas não preencherem os requisitos estabelecidos pela Comunidade. O critério de discernimento freqüentemente é a fidelidade (ou não) na contribuição financeira para com a Comunidade. Ou, então, a participação ativa (ou não) na vida da Comunidade. Os graus de participação requerida também diferem entre diferentes comunidades. Não tem havido até o presente momento uma orientação da Direção da IECLB no tocante a esse assunto, orientação essa que naturalmente deve ser baseada em critérios bíblico-teológicos e em observância dos documentos normativos da IECLB.
Essa incerteza quanto aos critérios de definição quanto a quem é membros da IECLB têm grandes conseqüências na vida da Comunidade e, também, na compilação dos dados estatísticos da IECLB. Em não poucas comunidades ainda se faz a contagem por “família” ou, então, por membro contribuinte. Assim também se organizam muitas vezes os fichários das comunidades. Assim, a IECLB sequer sabe ao certo quantos membros tem. Além disso, muitas vezes a compilação dos dados estatísticos é efetuada sem o devido cuidado, pois se registram muitos casos de grande variação na membresia de um ano para outro, tanto para mais quanto para menos. Os últimos dados estatísticos disponíveis à IECLB, relativos a 2005, parecem indicar um certo descréscimo no número de membros. Esse dado é real? Não sabemos com certeza. E deveríamos saber melhor.
De outra parte, o censo do ano 2000 no país revelou que se declararam como de “confissão luterana” no país 1,062 milhões de pessoas, aproximadamente 100.000 a mais do que a soma da membresia oficial das igrejas (consideradas a IECLB, a IELB e as chamadas comunidades “livres” do sul do país). Esse dado revela haver um número significativo de pessoas que se consideram “luteranas”, embora não estejam arroladas como membros de comunidades das igrejas luteranas.
2. Quem é membro da IECLB?
Devemos examinar o que dizem as Escrituras, as Confissões e os documentos normativos da IECLB a respeito de quem é membro da IECLB?
Comecemos por nossos documentos normativos e vejamos depois se eles são condizentes com as Escrituras e com nossas Confissões.
A. Quem é membro da IECLB segundo seus documentos normativos.
O Regimento Interno da IECLB tem sua seção III (Arts. 10 a 18) dedicada aos membros. Fundamental é o Art. 10, que define claramente quem são os membros da IECLB:
“São membros da Comunidade as pessoas batizadas conforme a ordem de Jesus Cristo, reconhecidas as bases confessionais da IECLB.”
A partir dessa definição destacamos:
1) Fundamental é que as condições de membresia são apenas duas: o batismo de acordo com a ordem de Jesus Cristo, ou seja, com água e em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e o reconhecimento das bases confessionais da IECLB. O estabelecimento de condições adicionais para membresia contraria os documentos normativos da IECLB.
2) A IECLB não tem um “cadastro central” de membros. Os membros da IECLB são a soma dos membros de cada uma de suas comunidades. Inversamente, a IECLB não tem membros que não estejam arrolados em uma de suas comunidades, embora seguramente haja Brasil afora pessoas que se entendam como sendo “da IECLB”, sem porém estarem arroladas como membros em qualquer comunidade e sem que possamos saber quem elas são. Trata-se de uma desafio à evangelização.
3) Em relação à Comunidade os documentos normativos da IECLB são igualmente claros: “A Comunidade congrega os membros da Igreja em torno de um centro comum de culto, pregação e celebração dos sacramentos.” (Const. Art. 8o, parágrafo único; cf. também RI Art. 2o) Ela “é a menor unidade orgânica e a base de trabalho da IECLB” (Const. Art. 8o; cf. também RI Art. 2o, inciso II).
4) A filiação como membro se dá via-de-regra, mas não necessariamente, na área de residência do membro abrangida geograficamente pela Comunidade. Contudo, particularmente nas cidades maiores e metrópoles a escolha da Comunidade de filiação como/pelo membro pode se dar por outros critérios ou razões (relacionamentos, mudança de local de residência, estilo de trabalho da Comunidade etc.). Os documentos normativos estabelecem um critério geográfico determinado apenas para os sínodos (Const. Art. 15 e RI Art. 28). Esses sim são claramente delimitados em sentido de extensão geográfica. Quanto ás comunidades há variações possíveis, embora todas elas estejam abrangidas por um sínodo.
5) Quanto ao batismo, essencial para quem é membro, o guia para vida comunitária intitulado “Nossa Fé – Nossa Vida” ainda esclarece que os membros o são em virtude do batismo administrado ou reconhecido pela IECLB. Ou seja, a IECLB, para além dos batismos por ela mesmo efetuados, em uma de suas comunidades, reconhece o batismo de outras igrejas, sempre que tiver sido ministrado com água e em nome do Trino Deus, recusando, por conseguinte, qualquer prática de rebatismo. Precisamente aí residiu o contencioso com o movimento carismático no debate interno recente na IECLB.
6) Pessoas oriundas de outras igrejas são, então, admitidas, conforme “Nossa Fé – Nossa Vida”, pelo reconhecimento de seu batismo e “mediante profissão de fé, após ter recebido a necessária instrução sobre a doutrina e vida comunitária da IECLB”. Fica desta forma resguardada também a segunda condição de membresia, o reconhecimento das bases confessionais, naturalmente assumidas numa profissão de fé pessoal.
7) O RI ainda estabelece que “a admissão de menores de quatorze (14) anos deverá ser requerida pelo responsável por sua educação” (Art. 13).Via-de-regra isso se dá conjuntamente com a solicitação do batismo para filhos e filhas. No batismo então efetuado, as pessoas responsáveis (pai, mãe, padrinho, madrinha, além da própria comunidade) assumem o compromisso da educação evangélica. Mas as pessoas batizadas, também crianças, passam a ser efetivamente “membros” da Comunidade.
8) Assim todos os membros admitidos à Comunidade por seu Presbitério (através do batismo ou mediante profissão de fé) devem nela ser inscritos como tal (RI Art. 15). Portanto, a Comunidade deve manter um cadastro de seus membros. A partir dos quatorze anos, idade em que em muitas comunidades ocorre a confirmação, os membros o são por vontade própria e deveriam ser arrolados como tais, inclusive para efeitos de contribuição financeira, mesmo que esta venha a ser mais de cunho simbólico pela não existência efetiva de rendimentos.
9) A Comunidade, junto com pais, mães, padrinhos e madrinhas, tem uma responsabilidade contínua de instrução na fé para com as pessoas que tenha batizado ou admitido na Igreja. Contudo, embora a Igreja deva se empenhar com afinco e seriedade pela educação cristã contínua, não se pode entender o conhecimento detalhado da fé cristã de confissão luterana como pré-condição para a membresia na IECLB, mas sim um conhecimento básico da fé, a ser complementado pela educação continuada que se estende por todas as etapas da vida.
10) Por isso, os documentos normativos falam de “reconhecimento das bases confessionais da IECLB”, ou seja, não poderia ser aceito como membro quem, conscientemente, rejeita as bases confessionais da IECLB; portanto, não as reconhecendo. Inversamente: não se estabelecem para a condição de membro na IECLB critérios quantitativos, como, por exemplo, um “profundo” conhecimento das Escrituras e da doutrina luterana, uma piedade particularmente “acentuada”, uma contribuição financeira “generosa” ou exigências semelhantes. Exigências desse tipo descambam fatalmente para legalismos e práticas de exclusão, ambos característicos antievangélicos.
3. Mas, e os membros “afastados”?
É uma realidade lamentável o fato de que grande número de membros da IECLB, uma significativa maioria até, encontra-se em boa medida à margem da vida comunitária na IECLB, participando apenas em ocasiões especiais (ofícios, Semana Santa, Páscoa, Natal). Em id dessa realidade, algumas comunidades têm efetuado uma “limpa de arquivos”, como se diz numa expressão muito infeliz. Por trás dessa postura estão as seguintes perguntas: a participação ativa na comunidade não deve ser entendida como condição de membresia? Ou, então: a recusa em contribuir financeiramente para a comunidade não acarretaria a exclusão do membro?
O artigo 16 do Regimento Interno da IECLB reza:
RI Art. 16: “Em obediência aos mandamentos de Deus e na confiança de sua promessa, os membros são chamados a:
I – participar do Culto na Comunidade e atender ao convite para a Santa Ceia;
II - conduzir a sua vida de acordo com a responsabilidade que têm os membros da Igreja de Jesus Cristo perante Deus, o seu próximo e a sociedade;
III – cuidar para que seus filhos sejam batizados, educados na fé cristã e confirmados;
IV - zelar para que os cônjuges recebam a bênção matrimonial;
V – zelar para que os mortos sejam sepultados segundo os preceitos eclesiásticos;
VI - contribuir financeiramente para a manutenção da Comunidade e dos demais órgãos e instâncias do Sínodo e da IECLB.”
Esse artigo tem sido interpretado equivocadamente como dando à Comunidade um catálogo de condições, pelas quais ela poderia julgar se alguém ainda é membro da IECLB ou não. No entanto, o artigo não estipula condições de membresia, o que contrariaria o artigo 10 acima mencionado, mas descreve o alvo da ação da Comunidade. Ou seja: a ação da Comunidade deveria objetivar a que os membros possam viver sua fé e sua membresia na forma descrita. Dito de outra forma, o artigo é uma descrição da responsabilidade da Comunidade em “chamar” seus membros, perseverantemente, à vivência comunitária da fé. Isto faz parte da responsabilidade evangelizadora e catequética da Comunidade.
Isso fica comprovado também se recorrermos à Constituição da IECLB. O seu Art. 11 reza:
Constituição Art. 11: “Em obediência ao Senhor da Igreja, a Comunidade tem as seguintes incumbências:
I - realizar a pura pregação da palavra de Deus e a reta administração dos sacramentos;
II - zelar para que o testemunho do Evangelho seja dado em conformidade com a confissão da IECLB, em doutrina, vida e ordem eclesiásticas;
III - dedicar-se à assistência espiritual e à ação diaconal;
IV - exercer trabalho evangelizador, catequético e missionário;
V - animar cada um de seus membros a servir ao próximo, no âmbito familiar, comunitário, profissional e público;
VI - assistir as novas gerações, em especial quanto ao ensino e à formação evangélico-luterana dos batizados;
VII - incentivar e promover a participação de todos os batizados na vida e ação comunitárias.”
(Os destaques foram aqui introduzidos para clareza da argumentação.)
Fica claro, pois, que promover a participação dos membros na vida da Comunidade deve ser uma das tarefas permanentes primordiais de cada Comunidade. Dito de forma clara: se temos muitos membros pouco ativos nas comunidades, isso constitui um chamamento permanente à responsabilidade evangelizadora e catequética da Comunidade, não a uma medida administrativa de exclusão. Tratando-se de atribuições da Comunidade, esta deve perguntar-se a si mesma quanto aos resultados e à eficácia dessa sua responsabilidade evangelizadora e catequética.
4. E se o membro deixar de contribuir financeiramente?
Uma das formas de participação do membro na vida da Comunidade (e, assim, da Igreja) é a contribuição financeira. É, pois, preocupante quando membros, que estão em condições de contribuir, não o façam. Mas também aí, o chamamento é em primeiro lugar à própria Comunidade, no sentido de perguntar-se pelas razões que levam pessoas a não contribuirem, quando podem fazê-lo, e de buscar alternativas de motivação à contribuição financeira como expressão da gratidão dos membros a Deus. No programa “Fé, Gratidão e Compromisso” a IECLB busca permanentemente motivar a contribuição dos membros, em termos de dedicação, dons e dádivas.
No entanto, os documentos normativos não dão sustentação à exclusão de membros por não contribuírem financeiramente. Eles são claros quanto às conseqüências para quem não contribui financeiramente: “É condição para o exercício do voto e de elegibilidade a regularidade de sua situação como contribuinte.” (RI Art. 14, parágrafo único) Ou seja: o membro não contribuinte perde o direito de votar e de ser eleito, mas não sua condição de membro.
5. Quando alguém deixa de ser membro da IECLB?
Abstraindo da hipótese óbvia de óbito, alguém deixa de ser membro da IECLB logicamente se não desejar mais sê-lo. Isso poderá ocorrer quando o membro pedir seu desligamento como membro da Comunidade em que estava inscrito. Também poderá ocorrer quando tiver se afiliado a outra igreja, portanto deixando de reconhecer as bases confessionais da IECLB.
A exclusão também poderá ocorrer por decisão do Presbitério da Comunidade (RI Art. 15), mas, naturalmente, observada a determinação normativa acerca dos critérios. O Presbitério não terá autonomia para colocar novas exigências, mas deve seguir o estabelecido nos documentos normativos da IECLB. Ou seja: a exclusão por iniciativa do Presbitério se dará, normalmente, por comprovado não-reconhecimento das bases confessionais da IECLB. Ressalva-se ainda que neste caso o membro a ser excluído deve ter tido “prévia oportunidade de ampla defesa e contraditório” (RI Art. 15, § 3o). Quem tenha sido excluído como membro ou não tenha sido admitido como tal tem ainda o direito de “recorrer sucessivamente às instâncias constituídas, sendo a última o Conselho Sinodal” (RI Art. 15, § 2o).
“Nossa Fé – Nossa Vida” estabelece ainda que membros poderão ser exortados, suspensos ou excluídos quando causarem escândalo, conflitos ou divisão no seio da Comunidade e forem recalcitrantes a todas as iniciativas de conciliação e correção. Observe-se, porém, que esse dispositivo, como caso extremo, está relacionado no contexto da “disciplina fraternal”, cujo objetivo é “restabelecer e manter a união”. Se, ainda assim, houver a “suspensão parcial ou total” da condição de membro, este poderá recorrer às instâncias diretivas da Igreja.
Em suma: a exclusão de membros da IECLB é uma medida restringida e regulamentada, aplicando-se apenas em casos extremos. Normalmente, prevalecem a responsabilidade da Comunidade em animar o membro à participação na vida comunitária e o recurso à disciplina fraternal para preservação da unidade. Observe-se, por exemplo, que em toda controvérsia havida recentemente com o Movimento Carismático, ainda que tenha havido um claro dissenso doutrinário com as bases confessionais da IECLB, ainda assim a IECLB não promoveu a exclusão de nenhum membro sequer. As saídas foram todas por decisão e iniciativa das próprias pessoas integrantes do Movimento Carismático.
Que diz a Escritura?
A posição descrita dos documentos normativos da IECLB tem sustentação bíblica e confessional? Vejamos primeiramente o aspecto bíblico.
Em Mateus 18.20 temos uma breve descrição do que é Comunidade: “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome” [isto é, no nome de Jesus], ali estou no meio deles.” Esta comunidade, reunida em torno de Jesus, é Igreja em sentido pleno. Como os evangelhos nos mostram, o chamado de Jesus ao discipulado é radical, acarretando às pessoas que aceitam o desafio de segui-lo muitas renúncias, sim, a dedicação de suas vidas. Mas o chamado de Jesus não se constitui numa imposição legalista; é sempre convite, sempre desafio. E como convite e desafio, sempre também arraigado no próprio amor de Jesus, através de quem temos salvação e bem-aventurança.
Quanto às condições de vida em comunidade, a Bíblia sabe ser bem realista: há, juntos, “joio e trigo”. A tentação dos discípulos era fazer a separação, mas Jesus adverte: ao se pretender arrancar o joio, pode-se tirar o trigo junto. Logo, joio e trigo deverão crescer juntos até a colheita. Aí, por ordem do próprio Senhor, será feita a separação. Não antes. (Mateus 13.24-29) Em Lucas 15 temos as parábolas, ainda mais incisivas, que mostram o comportamento misericordioso do próprio Deus. O pastor vai atrás da ovelha perdida (até mesmo deixando para trás as ovelhas que estavam em seu rebanho). A mulher que perde uma moeda procura-a, até encontrá-la. O pai aguarda o filho pródigo que saiu de casa, para dilapidar os bens herdados, e, quando este regressa, prepara-lhe uma festa para escândalo de seu irmão mais velho, que sempre permanecera fiel e responsável.
O apóstolo Paulo, igualmente, conhecia a precariedade da vida comunitária. Na Comunidade de Corinto, por exemplo, havia graves problemas: divisão entre grupos, alguns se sentindo superiores a outros; dissensos doutrinários, por exemplo no tocante à ressurreição que alguns negavam; conduta ética reprovável, como relações sexuais incestuosas; discriminação social entre livres e escravos quando da comunhão de mesa (Santa Ceia); atritos no tocante à piedade e ao culto, o entusiasmo e a vanglória ferindo a boa ordem e a comunhão fraternal. Ainda assim, Paulo chama seus membros, todos eles, de “santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos” (I Coríntios 1.2) e busca reconciliar seus membros, exortando-os, mas acolhendo-os e reconhecendo-os fraternalmente como parte do corpo de Cristo.
Assim também a Comunidade não pratica a exclusão, mas busca incansavelmente seus membros afastados e se regozija quando se reincorporam ativamente na vida da Comunidade.
Que dizem nossos escritos confessionais?
Na Confissão de Augsburgo, no artigo VII, a Igreja é descrita como “a congregação de todos os crentes, entre os quais é pregado puramente o evangelho e os santos sacramentos são administrados de acordo com o evangelho” (ou, na versão latina, “a congregação dos santos, na qual o evangelho é pregado de maneira pura e os sacramentos são administrados corretamente”). Fica claro, porém, que a santidade não é uma qualidade moral dos membros da Igreja; ao contrário, eles “são justificados gratuitamente, por causa de Cristo, mediante a fé, quando crêem que são recebidos na graça e que seus pecados são remitidos [anulados] por causa de Cristo, o qual, através de sua morte, faz satisfação pelos nossos pecados” (artigo IV). Por isso, o artigo VIII, voltando ao tema “Igreja”, reconhece que na Igreja, entre os santos e verdadeiramente crentes, há “nesta vida, muitos hipócritas e maus”, o que, porém, não invalida a eficácia dos sacramentos, ainda que administrados por maus.
Lutero expôs essa mesma concepção de forma ainda mais radical ao reconhecer que mesmo as pessoas que crêem não deixam de ser pecadoras, e por isso são “simultaneamente justas e pecadoras”. Ou então: são de fato pecadoras, mas na esperança e na graça de Deus passaram a ser justas. Ou, em relação à Igreja, Lutero pôde empregar a figura de um hospital: nela há muitos doentes, mas eles estão sendo eficazmente tratados pela palavra e pelos sacramentos. Um hospital contrariaria sua própria finalidade se excluísse de seu meio as pessoas enfermas, pretendo ficar apenas com as sãs. O juízo, pois, permanece sempre exclusivamente nas mãos de Deus. A Igreja pode exercer tão-somente uma disciplina provisória, visando à restauração e à preservação da unidade. Todo seu empenho consistirá, porém, em testemunhar o Evangelho, pelo qual Lutero reconheceu magistralmente o seguinte, no Catecismo Menor, na explicação ao terceiro artigo do Credo Apostólico:
“Creio que por minha própria razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a ele. Mas o Espírito Santo me chamou pelo Evangelho, iluminou com seus dons, santificou e conservou na verdadeira fé. Assim como chama, congrega, ilumina e santifica toda a cristandade na terra, e em Jesus Cristo a conserva na fé verdadeira e única. Nesta cristandade perdoa a mim e a todos os crentes diária e abundantemente todos os pecados e, no dia derradeiro, me ressuscitará a mim e a todos os mortos e, em Cristo, me dará a mim e a todos os crentes a vida eterna. Isto é certissimamente verdade.”
Assim, a Igreja está sempre chamada a proclamar a boa nova do Evangelho, da justificação pela graça de Deus, e desta forma a constituir e fortalecer a Comunidade, conclamando e exortando seus membros a atuarem ativamente na comunidade e com fidelidade também em suas vidas pessoais e na sociedade. Desta forma abrangente, a IECLB acolhe como seus membros aquelas pessoas que são batizadas e reconhecem as bases confessionais da Igreja, sem impor outras condições que viriam a atribular as suas consciências e a criar duas categorias de pessoas cristãs, umas superiores e outras inferiores – o que seria uma negação do ser igreja e do próprio amor de Deus.
6. As estatísticas na IECLB
A cada ano a IECLB recebe (ou deveria receber) das Comunidades uma planilha com dados estatísticos. Toda organização – e a igreja não é exceção – precisa ter dados corretos acerca de sua realidade, para seu planejamento, estabelecimento de metas e programas. Assim, as estatísticas são um instrumento administrativo importante na vida da igreja. Por trás de tudo, também há uma pergunta elementar: quantos membros somos? E outra: estamos crescendo ou, talvez, decrescendo? Dados estatísticos são, portanto, um elemento importante do auto-conhecimento da Igreja e um instrumento valioso para a sua participação na missão de Deus.
Infelizmente, um exame ainda que superficial das planilhas estatísticas comprovam que muitas delas devem ter sido elaboradas às pressas, em todo caso sem o devido cuidado. Isso para não mencionar o regular número de comunidades que sequer enviam a planilha com os dados estatísticos. No tocante ao número de membros, podem se perceber muitos números obviamente arredondados, que permanecem os mesmos de ano a ano. Em muitos outros casos há, comparativamente com o ano anterior, um acentuado decréscimo ou, em alguns casos, um forte aumento no número de membros, levando à inevitável conclusão de que muitos números não são reais.
Estas orientações pastorais quanto a quem é membro da IECLB têm muitas implicações para o ser igreja e para a correta atuação pastoral, bem como para o desenvolvimento da vida comunitária. Mas elas também visam proporcionar critérios claros para a determinação de quem são os membros da Comunidade e, portanto, da IECLB, ainda que situações específicas podem suscitar dúvidas que poderiam ser esclarecidas de caso a caso (por exemplo, quando pessoas não são mais localizáveis). Casos de dúvidas não deveriam, porém, ser transformados em regra geral.
Em resumo, o critério fundamental é simples: são membros da Comunidade (e, através dela, da IECLB) todas as pessoas batizadas (portanto inclusive as crianças batizadas), reconhecidas as bases confessionais da IECLB. Espera-se, portanto, das Comunidades que façam e mantenham cuidadosamente atualizado um cadastro de seus membros, conforme as orientações aqui emanadas, sem excluir os afastados, as crianças, os “eméritos” ou outra categoria similar.
Porto Alegre, tempo de Páscoa de 2007.
Walter Altmann
Pastor Presidente

Observação: As presentes orientações, aqui revisadas e levemente ampliadas, foram apresentadas ao Conselho da Igreja, em sua reunião de 30-31/03/2007, tendo este decidido:
1) receber a carta pastoral emitida pela Presidência acerca do ser membro da IECLB e recomendar seu estudo nas comunidades e nos sínodos;
2) determinar que as comunidades preencham criteriosamente a planilha anual de dados estatísticos, observando as orientações constantes na carta pastoral da Presidência;
3) solicitar aos sínodos que acompanhem atentamente o processo de confecção e envio das planilhas com dados estatísticos pelas comunidades de sua área de abrangência;
4) convidar a Secretaria Geral a receber encaminhamento de casos concretos e situações específicas que possam gerar dúvidas quanto a quem é membro.


VALORIZANDO O BATISMO #
(Importância/significado e prática do batismo na IECLB)
Com certa freqüência a Secretaria Geral e a Presidência são abordadas para esclarecer dúvidas quanto à prática do batismo. A questão dos padrinhos e madrinhas pertencentes a outras denominações religiosas já foi assunto de Concílio Geral. Freqüentemente também é levantada a pergunta se crianças de pais que pouco ou nada participam na comunidade devem ser batizadas ou não. E recentemente, a partir de integrantes da Rede de Apoio à Missão, fui consultado no tocante à prática do rebatismo. O Conselho Diretor ( hoje denominado Conselho da Igreja) se preocupou com estas questões fundamentais de fé e de vida das comunidades da IECLB. Expressou a necessidade de uma palavra orientadora.
O guia “Nossa Fé-Nossa Vida” que orienta a vida cristã nas comunidades da IECLB, dá ao “ Presbitério com o pastor” ( p.26) a tarefa de decidir sobre a admissão ao batismo. Por isso lhes dirijo esta carta. Compete-lhes admitir as pessoas ao batismo. Sei que muitos Presbitérios preferem deixar esta decisão com o pastor ou a pastora. Afinal, assim dizem, ele/ela estudou para isso e devem saber quem pode receber o batismo e quem não. Esta porém não é norma da Igreja. Nos estatutos das Comunidades consta expressamente que cabe ao Presbitério decidir sobre a admissão de membros à comunidade. No caso de pessoas não batizadas, esta admissão acontece pelo batismo. Pelo batismo as pessoas são integradas na comunidade- corpo de Cristo. Todos nós sabemos o que o reformador Martim Lutero ensina a respeito no Catecismo Menor. Para ele – e para toda Igreja de confissão luterana- o batismo é a ação fundamental de Deus sobre a pessoa humana. “Realiza o perdão dos pecados, livra da morte e do diabo e dá salvação eterna a todas as pessoas que crêem no que dizem as palavras e promessas de Deus”. Assim o Reformador o diz no Catecismo. E numa prédica ele descreve com palavras contundentes o significado do batismo:
“Batizar uma pessoa é como jogar um grão na terra, quando se planta ele é sepultado, isto é, tem que morrer e nascer uma planta nova. Assim nós somos plantados no batismo com o Senhor Jesus Cristo: entramos pelo batismo e no batismo na sua morte e túmulo e passamos pela morte para uma vida eterna. E é este o resumo: Quem for batizado não tem outra coisa a fazer do que ser enterrado. Pois apesar de que ainda estou no corpo, estou sempre sepultando-o (...) de maneira que cada dia reduzo a gula, restrinjo o desejo e asfixio o egoísmo e morro para o mundo(...) Assim eu preciso ser enterrado para o mundo, se quero viver com Deus. Este é o segredo.”
Conseguimos perceber a seriedade do batismo? É por isso que não podemos permitir que se batize sem critério. O livrinho “Nossa Fé- Nossa Vida” nos oferece uma orientação simples e clara quanto ao que deve  ser observado. É um material ótimo, que podemos consultar quando precisamos decidir sobre questões relacionadas com o batismo. Mas, face a novas situações, nem sempre o “ Nossa Fé- Nossa Vida” dá subsídios suficientes. Por isso quero comentar algumas perguntas relacionadas com a prática do batismo que surgiram nos últimos tempos. Dessa forma, quero ajudá-los nas suas próprias reflexões com vistas a uma prática batismal coerente com a nossa identidade teológica.
1. Nas comunidades da IECLB há consenso de que pais, parentes, padrinhos e madrinhas devem ser preparados de maneira adequada com o estudo da doutrina, da Palavra de Deus e com oração, para realizar o batismo de maneira responsável. Mesmo assim, ainda ouvimos de casos em que membros pressionam o Presbitério e o Pastor para que realizem o batismo sem tal preparo. As pessoas acham que isto é uma inovação desnecessária ou, pior, que já sabem o suficiente a respeito de Deus e do batismo. Rogo-lhes que não se deixem intimidar por estas pressões. Valorizem os cursos de preparação do Batismo, pois, conscientizando- se da importância fundamental do batismo, os membros também valorizarão a sua Comunidade.
2. O livrinho “ Nossa Fé- Nossa Vida” define a tarefa de padrinhos e madrinhas no sentido de “ levar outros à vida de fé” ( p. 24). Quem pode fazer isso? Somente uma pessoa que vive nesta fé e está integrada na Comunidade cristã. Este será o primeiro critério na escolha de padrinhos e madrinhas, e nesta escolha devemos dar preferência àquelas pessoas que convivem conosco na comunidade de fé.
No entanto, nos tempos atuais, quando famílias mudam de um lugar a outro, e os parentes moram distantes uns dos outros, os pais, muitas vezes, convidam padrinhos e madrinhas de outras Comunidades da IECLB. Neste caso cabe ao Presbitério da Comunidade do batizando avaliar se as pessoas convidadas são aptas para esta tarefa. Isso pode ser  feito através de uma consulta. Então, a Comunidade de origem atesta à Comunidade do batizando a participação na vida comunitária. É desejável, sim, quase obrigatório que todos os padrinhos e madrinhas estejam presentes na celebração do Batismo. Mas onde, devido a distâncias muito grandes ou outras razões isso não é possível, o padrinho ou madrinha ausente pode participar com um voto por escrito. Este é lido por ocasião do culto, acompanhado pela carta de recomendação de sua Comunidade. Muitas perguntas têm surgido quanto à admissão de padrinhos e madrinhas de outras Igrejas. Há os casamentos interconfessionais. As famílias de hoje têm parentes e amigos que pertencem a outras Igrejas. Freqüentemente, os pais dos batizandos apresentam padrinhos e madrinhas de outra religião. Como já mencionei acima, esta questão foi assunto de deliberação em Concílio Geral (hoje Concílio da Igreja). Conclui-se que, como Igreja ecumênica, podemos aceitar padrinhos e madrinhas de outras Igrejas cristãs cuja prática e doutrina do batismo são semelhantes à nossa. Basicamente, são as Igrejas que participam do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs ( CONIC), a católica, a anglicana, a metodista, a ortodoxa e outras menores. É importante, porém, que estes padrinhos e madrinhas participem do curso de preparo em nossa Igreja. Afinal, esperamos que ensinem ao batizando a valorizar seu batismo na Igreja Luterana- e que tragam uma recomendação de sua comunidade de origem. Também é desejável que a metade dos padrinhos e madrinhas seja da IECLB.
A questão se torna problemática quando os pais convidam pessoas declaradamente agnóstica, espíritas ou que não participam de nenhuma igreja. Será responsável convocar estas pessoas para serem um exemplo de fé para a criança a ser batizada? Falta-lhes o essencial para esta tarefa: a fé e a convivência na comunidade cristã. Com isso não fazemos nenhum julgamento sobre estas pessoas. Pois, no Brasil toda pessoa tem o direito de viver conforme a sua convicção. Se ela não tem a mesma fé como eu, não tenho direito algum de condená-la. Mas convidá-la para ser padrinho ou madrinha é outra questão. Pode ser amiga, tia, conselheira dos meus filhos, mas não madrinha ou padrinho.
Outro problema surge quando pais convidam pessoas que pertencem a Igrejas que condenam o batismo de crianças. Isto acontece especificamente nas igrejas batista e pentecostais. Estas Igrejas, por conseguinte, não conhecem nem aceitam o ofício de padrinho e madrinha. Como podem comprometer-se com o batismo de uma criança se o condenam? Pessoas que pertencem a uma igreja que pratica somente o batismo de pessoas adultas têm a obrigação de informar, quando convidadas a serem padrinho ou madrinha, que sua convicção religiosa as impede de assumir esta tarefa. Certamente podem ser um bom exemplo de vida cristã. Também não há motivo de condenar sua doutrina. A própria IECLB pratica tanto o batismo de crianças quanto o de pessoas adultas. O problema, porém, reside na condenação do batismo de crianças.
3. Recebo cartas de obreiros e presbíteros que perguntam: Se o pai é espírita, deve-se batizar a criança? Ou se os pais declaradamente não querem nada com a Igreja e negam a fé em Deus...? O “Nossa Fé- Nossa Vida” prevê a possibilidade de o Presbitério não admitir uma criança para o batismo. O “Presbitério junto com o pastor” fará isto para evitar que este dom de Deus seja menosprezado. Quando o batismo é menosprezado?
Quando os pais não participam da Igreja ou não sabem, nem querem saber o que significa o batismo, ou seguem outras crenças ou doutrinas, mas querem “ batizar” a criança porque é costume, porque todos os fazem ou até para mostrar que conseguem o batismo sem participar da Comunidade. Sei que é muito difícil para um presbitério tomar uma decisão em tal situação. Muitas vezes uma decisão dessas envolve relacionamentos, pessoas e amizades, Por isso, muitos Presbitérios preferem empurrá-la ao pastor ou à pastora, isso não é correto, Conforme o ensino de Lutero no Catecismo, o que torna o batismo efetivo “ é a palavra de Deus unida à água e a fé que confia nesta palavra”. Portanto, é mau uso batizar uma criança sem ter a certeza de que ela vai crescer e viver na Comunidade cristã. A negação de um batismo, entretanto, não deve ser a solução final. A Comunidade tem o dever missionário de procurar corrigir tais situações, buscando as pessoas para o seu meio e envolvendo-as com o amor cristão. Importa destacar que a Comunidade/Igreja que batiza crianças tem a obrigação de oferecer-lhes ensino cristão intensivo e qualificado. Por isso devemos valorizar e priorizar o trabalho com crianças através do culto infantil, o ensino confirmatório e outras formas.
4. Com muita preocupação tenho recebido informações de quem em algumas Comunidades da IECLB aconteceram rebatismos. Para uma Igreja luterana tal prática é inaceitável. A Confissão de Augsburgo, no seu artigo 9º condena expressamente os “ anabatistas”, isto é, os que batizam de novo. O apóstolo Paulo, na carta aos Efésios ( 4-5) ensina: “ Há um só Senhor, uma só fé e um só Batismo. Batismo é a ação de Deus, na qual a Comunidade e seu ministério são apenas instrumentos e ferramentas que Deus usa. Cabe à ferramenta dizer que não valeu, que precisa fazer de novo? Nunca! Por isso a IECLB reconhece todo batismo realizado em nome do trino Deus e não rebatiza as pessoas que se integram na IECLB vindas de outra igreja. Por conseguinte, quem assim mesmo pratica o rebatismo, se coloca confessionalmente fora da IECLB e agride a ecumenicidade da Igreja.
O nosso único batismo é para toda a vida. Com ele inicia a nossa vida cristã. O catecismo nos ensina que o batismo significa que “por arrependimento diário” a velha pessoa em nós deve ser afogada e morrer com todos os pecados e maus desejos. E por sua vez, deve sair e ressurgir diariamente nova pessoa que viva em justiça e pureza diante de Deus para sempre. Esta caminhada de arrependimento e renovação diária tem a sua origem no batismo, Com o intuito de alimentar- nos nesta caminhada,     Deus nos deu a Ceia do Senhor, o seu corpo e sangue. Por isso, em momentos de renovação, de reinícios na vida cristã, devemos procurar a Ceia do Senhor- e não um novo batismo! A reta administração do Sacramento do Batismo também levará a uma reta administração do Sacramento do Altar.
5. Sei que diante de múltiplas religiões que há ao nosso redor, membros são confrontados com doutrinas as mais diversas e, muitas vezes, não sabem posicionar-se. Há, por exemplo, aquelas Igrejas que afirmam que somente o batismo de imersão – quando a pessoa inteira é mergulhada na água- á válido. O batismo de aspersão praticado na IECLB – que usa pouca água- não teria valor. A estes nós respondemos: Não é qualidade da água que valoriza o batismo, mas a palavra de Deus e a fé. A água é importante como sinal visível e sensível da ação de Deus na pessoa, mas não encontramos nenhum preceito no Novo Testamento que prescreve a qualidade que deve ser usada.
6. Com certa freqüência, Presbitérios e Pastores/as são solicitados/as a realizarem batismos em casas particulares, em família ou em outras situações. É claro que há momentos que exigem tratamento e cuidados especiais. No entanto, importa preservar o que expliquei acima e que faz parte da nossa compreensão bíblica e teológica do batismo: o instrumento que Deus usa no batismo é a Comunidade e o seu ministério. Por isso, na IECLB insistimos em que os batismos sempre aconteçam em culto da Comunidade. Pois a Comunidade reunida em culto expressa a sua alegria e gratidão diante de Deus que, através do batismo integra mais um membro na sua Igreja e se compromete a acompanhá-lo na sua vida.
Neste contexto quero apontar par outro fenômeno que atualmente preocupa a Igreja. Em algumas Comunidades surgiram manifestações que vão em direção do assim chamado batismo do Espírito Santo como o certo. Este batismo do e pelo Espírito Santo é apresentado como acontecimento que de fato faz a pessoa ser cristã. Diz-se que somente quem tem este batismo do Espírito Santo é verdadeiramente cristão. Com isto logicamente se desvaloriza o batismo com água, pois seria insuficiente, precisando de complementação através da imposição das mãos. Não existe, portanto, uma separação entre batismo com água e o batismo do Espírito Santo. Há boa fundamentação para esta doutrina, por exemplo, em João 3.5 “Ninguém pode entrar no Reino de Deus se não nascer da água e do Espírito”. Este texto fala do batismo. Ele mantém a água e o Espírito juntos. E mais uma vez lembro o Catecismo, onde Lutero ensina: “Mas com a palavra de Deus,  a água é batismo, isto é, água de vida, cheia de graça; é um lavar de renascimento no Espírito Santo”. Todas as pessoas batizadas recebem o Espírito Santo, e ele age nelas pela pregação da palavra de Deus e pela administração dos sacramentos. Portanto não precisamos nos preocupar quando se afirma de que precisamos de algo mais além do batismo para sermos cristãos. Pois quem honra o seu batismo e vive o que Lutero ensinou, isto é, em arrependimento diário, pode confiar na graça de Deus.
O próprio Lutero em momentos de tribulação encontrava ânimo e consolo no seu batismo. A frase escrita sobre sua escrivaninha Baptizatus sum ( sou batizado) lembrava-o constantemente desse ato gracioso de Deus. Enquanto caminhamos em direção à virada do milênio, certamente aumentarão ao nosso redor movimentos religiosos, propostas e filosofias de vida, seitas, doutrinas e ensinamentos diversos. Importa permanecermos firmes na fé de confissão luterana e não nos deixarmos levar “ por todo o vento de doutrina”  ( Efésios 4.14). Nesse sentido, convido e animo a todos e todas a também buscarmos força, orientação e resistência na ação misericordiosa de Deus.
“Em Jesus Cristo Deus nos acolheu, aceitou incondicionalmente no santo batismo e nos envia para testemunharmos as virtudes daquele que nos chamou das trevas para sua maravilhosa luz...” ( Tm 3.14). Assim, pois, concluo colocando-nos sob a palavra do apóstolo Paulo a seu amigo e companheiro no discipulado, Timóteo: “Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste e que desde a infância sabes as sagradas letras que podem te tornar sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus” (2 Tm 3.14-15).


Diálogo acerca do batismo #
Posicionamento da Presidência
Ano: 2005
Presidência: P. Dr. Walter Altmann
(Posicionamento em relação à Carta Aberta do Movimento Carismático, de 14/12/2004,
e outras manifestações provindas de integrantes do MC)
Há em curso um difícil, mas necessário, diálogo entre IECLB e Movimento Carismático (MC, também chamado de “Movimento de Renovação Espiritual” ou, simplesmente, de “Movimento de Renovação”). A carta aberta do MC e outras manifestações provindas de integrantes do MC, em geral amplamente divulgadas através da internet pelos remetentes, demandam um posicionamento da IECLB.
Este posicionamento não pretende esgotar o assunto em sua complexidade e deve ser visto em conjunção com as várias manifestaçòes ou cartas da Presidência, já divulgadas no site da IECLB, em particular a carta entregue ao MC em 14/12/2004.
No tocante à Carta Aberta do MC, reconhecemos como muito positivo o fato de ela apresentar uma fundamentação bíblica e a posição de Lutero no tocante ao batismo (partes 1 e 2). Elas poderiam constituir um base promissora para um diálogo. Há nessas seções relativamente pouco a que quiséssemos objetar. (Quanto à referência nessa seção à suposta prática batismal da Igreja Católica, faremos uma observação mais abaixo.) No Novo Testamento está claro o contexto preponderantemente missionário da ocorrência do batismo. Está clara sua relação tanto para a ação graciosa de Deus quanto sua referência à fé. É isso que também governa a compreensão de Lutero em relação aos sacramentos. A Carta Aberta constata bem que os teólogos que na IECLB têm escrito sobre o batismo, de uma perspectiva luterana, enfatizam todos a relação entre batismo e fé, o que de fato corresponde a uma ênfase permanente em Lutero e que o distingue de uma compreensão mágica do batismo, com a qual teve de se confrontar. Igualmente positiva é a constatação contida na Carta Aberta: “O batismo, na visão de Lutero, não se restringe a um ato pontual, quando da realização do mesmo, mas tem a ver com toda vida cristã diária.” Ou, então, esta: “Para Lutero Jesus Cristo é por excelência o sacramento da salvação.”
A Carta Aberta, porém, não torna clara como se relacionam graça e fé no batismo, e aí, ao que parece, reside uma diferença fundamental de compreensão. Efésios 2.8-9 poderia ter norteado essa necessária reflexão: “Pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie.” Numa carta já divulgada no site da IECLB, em resposta a uma manifestação recebida, tentei expor, com mais detalhes, que a fé não é condição prévia para o batismo, mas é ela que recebe existencialmente a graça de Deus. Lutero distingue claramente entre a eficácia, que provém da graça de Deus, e o proveito que se dá através da fé. A graça de Deus é sempre eficaz, embora a pessoa batizada possa permanecer sem proveito dela, se não houver a fé. Essa distinção de Lutero faz com que sempre possamos e devamos nos perguntar pela reta administração do sacramento, mas jamais nos tornamos juízes da fé alheia. Lutero é enfático em dizer que nós sempre temos apenas elementos exteriores para julgar, mas Deus, e apenas ele, conhece os corações (Lc 16.15). Mais: Lutero está convencido de que onde há Palavra e Sacramentos, aí também há fé, mesmo que oculta ou imperceptível exteriormente.
Se essa distinção estivesse clara na posição do MC, este não poderia ter passado para as considerações da parte 3 (“perguntas abertas”) da maneira que fez. Aliás, a discrepância dessa parte, que lida com a situação da IECLB e os desafios da missão, com as anteriores, que abordaram o Novo Testamento e Lutero, é tamanha que se torna inevitável a impressão de que são oriundas de penas diferentes. Seja como for, são aí tiradas conclusões que Lutero jamais tirou e que de forma alguma se depreendem da Escritura.
Teria sido compreensível e um legítimo debate teológico, se o MC tivesse concluído que na situação missionária (de mercado religioso competitivo e sincrético, de um lado, e secularismo, de outro) se devesse recomendar o chamado “batismo de adultos”, como prevenção do risco da compreensão mágica do batismo e sua prática indiscriminada. Na reunião de diálogo em 26 de novembro ficou claro que a IECLB aceita tanto o batismo de infantes quanto o de adultos. De resto, isso está expresso com clareza em Nossa Fé – Nossa Vida. O que a IECLB não concorda, porque fere o testemunho bíblico acerca da graça de Deus, é o rebatismo. O MC, porém, quer ir mais longe do que a IECLB, conforme a Carta Aberta revela: “a refutação ou rejeição da prática de batismo de lactentes pela falta de amparo bíblico e confessional”. O MC argumenta que para pessoas que chegaram à fé “não basta invocar os ritos a eles administrados no passado, uma vez que por eles foram negados, nada mais lhes significando. É necessário administrar-lhes o Batismo Cristão retamente como sinal do ‘morrer para o velho homem e o renascer em Cristo para novidade de vida’ (Rm 6).” (Destaque meu.) Esta é não apenas uma forma contundente de o MC afirmar a necessidade do rebatismo. É também impossível negar de forma mais clara a interpretação de Lutero quanto ao “afogar diário do velho homem em nós”, tão claramente evocado na seção anterior, mas aqui abandonado. Pois são duas coisas diametralmente opostas: ou afogamos diariamente o velho Adão em nós, retornando sempre de novo ao batismo uma vez efetuado, e assim ao “somente pela graça”, ou devemos administrar o batismo cristão de novo a cada arrependimento pela negação da fé, ocorrida pelo pecado. Já não seria “somente pela graça”, mas pela graça E meu arrependimento, seria parcialmente pela graça e parcialmente pela fé. (Na carta a quem perguntou se a fé não deveria ser considerada condição para o batismo, tentei expor mais detidamente a relação entre o “somente pela graça” e o “somente pela fé”.)
A Carta Aberta revela que o MC ministra o batismo “a adultos que que não foram batizados ou que têm profundos questionamentos sobre o seu reto Batismo e que lhe geram conflitos de alma e consciência, de modo a não privá-los do consolo que Deus promete pelo sinal visível!” (Destaque meu, exclamação do texto.) Infelizmente, essa colocação desconsidera de vez a ação de Deus no batismo, pois pressupõe que “os profundos questionamentos” pessoais, subjetivos, quanto ao Batismo recebido, invalidam a promessa de Deus no batismo já efetuado, desejando buscar o consolo de Deus através de um novo sínal visível do batismo. E se sobrevierem para a pessoa assim rebatizada novos “questionamentos profundos” quanto ao batismo, ela seria batizada uma terceira vez, para obter novo consolo divino? Ora, o único consolo verdadeiro em nossos questionamentos, profundos ou superficiais, consiste em recordarmo-nos e sermos instruídos quanto à fidelidade de Deus. Sua promessa no batismo já efetuado continua válida, e, graças a Deus, possa retornar a ela, em fé, em confiança quando de minhas dúvidas, minhas quedas, meus questionamentos. O novo batismo ofereceria um consolo apenas aparente, mas ilusório, pois em verdade confia na “minha fé”, não na promessa de Deus.
Essas são as observações fundamentais. Passemos ainda a algumas objeções ou questões específicas:
1. Pergunta: A Igreja Católica não batiza, além de no nome do Trino Deus, também no nome de Maria ou de algum santo?
A posição da Igreja Católica é claríssima no tocante ao batismo: ele é efetuado com água e no nome da Trindade. É uma concepção totalmente igual ao batismo efetuado na IECLB. Invocações a Maria e a santos, em conexão com o batismo, com o que a teologia luterana não concorda, não desfazem a validade do batismo retamente efetuado, assim como uma oração ou alocução eventualmente errada do ponto de vista doutrinário de parte do obreiro ou da obreira não invalidam o batismo retamente efetuado na IECLB. (Esse assunto já tentei abordar, com bastante detalhes, numa carta, igualmente publicada no site da IECLB, em resposta a uma consulta de parte de várias comunidades e paróquias.)
2. Pergunta: Não há casos em que o padre ou até mesmo o bispo tenham exigido novo batismo da parte evangélico-luterana como condição para realizar o casamento religioso?
Infelizmente, tem havido casos assim, no passado bem mais do que hoje. É, porém, importante saber que eles afrontam diretamente a orientação oficial da própria Igreja Católica (cf., mais uma vez, a carta mencionada no ponto anterior). Qualquer caso desses que ainda venha a ocorrer deve ser trazido ao conhecimento do respectivo pastor sinodal e, mesmo, da Presidência, para ser levado às autoridades da Igreja Católica. De resto, no entanto, mesmo que fosse uma prática costumeira e oficial da Igreja Católica, ou de outra igreja cristã, isso não seria razão para cometermos o mesmo erro.
3. Pergunta: Lutero teria, ele próprio, defendido que não se devesse batizar crianças?
Um e-mail que circulou pela internet, oriundo de um integrante do MC, cita Lutero, como tendo defendido numa prédica sobre Mt 8 o seguinte: “Como nós não podemos comprovar que crianças possam ter sua fé própria (uma vez que o batismo é uma conseqüência da morte do velho homem, e do novo viver com Cristo), meu conselho é que mantenhamos distância dessa prática o quanto antes melhor, para que a soberana majestade de Deus não seja observada com leviandade, caracterizando assim um deboche ou blasfêmia contra Deus.” A fonte em Lutero não estava indicada, mas foi possível localizar a prédica referida na extensa obra de Lutero (WA 17 II, 78-88). O texto citado está arrancado de seu contexto e é totalmente distorcido. (Como é bom e essencial para a Igreja ter-se boas bibliotecas!) Podemos até discutir a argumentação de Lutero, mas a prédica é, em verdade, uma veemente e extensa defesa do batismo infantil retamente entendido. Segundo Lutero, a fé não é um ato da razão, mas obra de Deus que ele pode efetuar também, e especialmente, nos pequeninos, e isso através de outras pessoas, no caso pai e mãe, padrinhos e madrinhas, a comunidade (assim como o criado paralítico foi curado por Jesus, mediante a fé do centurião, Mateus 8.13). O próprio Jesus disse que ninguém deveria impedir as crianças de chegarem a ele, porque delas “é o reino de Deus” (Mc 10.14 e paralelos). O reino de Deus só pode ser recebido por graça, mediante a fé, porque se não fosse assim, alguns receberiam o reino de Deus mediante a fé e outros (as crianças) sem a fé. Isso invalidaria o “somente pela fé”.
Mas, e aquela frase citada de Lutero não está lá? O que ocorre é que antes de desenvolver sua compreensão do batismo de crianças, Lutero rebateu duas concepções para ele falsas. A primeira é a compreensão mágica, desvinculada da fé, que havia no catolicismo de então. A segunda, segundo ele, é a compreensão do movimento valdense, parcialmente correta quando afirma que o batismo deveria vir acompanhado de fé, mas equivocada quando supunham que crianças não podiam ter fé e, mesmo assim, seguiam batizando crianças. Aí Lutero argumenta: “Se não podemos dar uma resposta melhor a essa questão e comprovar que crianças possam ter uma fé própria ..., então meu conselho é que ...” Ou seja, a citação de Lutero no e-mail que circulou pela internet omitiu a condição de “se não podemos dar um resposta melhor a essa questão”. Mas Lutero tinha outra resposta, que ele julgava a correta, e a prédica segue explanando extensamente essa concepção, defendendo o batismo de crianças. Totalmente descabido e pura invenção, portanto, dizer, como consta naquele e-mail, que “o próprio Lutero no início da reforma, antes de ser pressionado a voltar atrás, tinha essa visão” de que não se devessem batizar as crianças. Aliás, a prédica sequer é do início da Reforma, mas de 1525.
De outra parte, o possível conselho de Lutero, mencionado na Carta Aberta do MC, no sentido de um rebatismo para uma criança que, nascida prematura, tivesse sido batizada emergencialmente pela própria mãe, atesta a sensibilidade que Lutero poderia ter em situações limítrofes. Mas não pode ser transformada em regra e claramente não o foi pelo próprio Lutero.
4. Pergunta: Mas, não teria o “professor de teologia sistemática, Dr. Walter Altmann” (como a Carta Aberta, com desnecessária ironia, salienta), defendido o mesmo, conforme extensa citação apresentada na Carta Aberta?
De fato, no texto citado, faço veemente crítica da prática do batismo infantil indiscriminado. No entanto, se o autor do e-mail acima citado ainda está excusado porque provavelmente não tinha acesso ao original de Lutero e se louvou em outro autor que distorceu Lutero, meu livro está perfeitamente disponível e foi citado diretamente pelos autores da Carta Aberta. Ora, já que resolveram citar-me extensamente, por que omitiram as linhas imediatamente anteriores? Elas dizem: “Na premissa teológica de que o batismo é, antes de tudo, manifestação da graça de Deus, a repetição do batismo evidentemente é um abuso que coloca em xeque essa preponderância da graça na promessa. Na prática anabatista o batismo converte-se claramente em obra humana, ainda que se constitua na primeira obra de fidelidade de quem tenha chegado por graça à fé. A dimensão fundamental da promessa gratuita é negada.” (Lutero e libertação, p. 151, ênfase dada aqui.)
Por que O MC omitiu essa posição? Reproduzir adequadamente a posição de quem se cita é não apenas um pré-requisito de toda boa pesquisa, como também uma atitude de indispensável correção ética. É muito grave distorcer deliberadamente a posição alheia. Fiz, portanto, em meu livro, a crítica do batismo indiscriminado de lactentes, razão pela qual os documentos da IECLB também animam à cuidadosa instrução batismal. Mas rechacei claramente qualquer rebatismo, sugerindo, ao invés da imposição do batismo de adultos, que pais/mães pudessem optar por deixar o batismo de seus filhos/as para quando eles/elas mesmos/as assim optassem. Também “no exercício da presidência da IECLB” (outra vez a ironia gratuita!), sou de opinião de que o batismo infantil não deve ser uma prática indiscriminada, que a igreja deve se empenhar séria e intensamente na instrução do significado do batismo e da importância da fé na vida pessoal, familiar e comunitária, que reconheçamos como legítima a opção de pais/mães não levar ao batismo seus filhos/as, mas que respeitemos a decisão das demais pessoas de levar ao batismo seus filhos/as. Devemos sempre, no tocante ao batismo, falar às consciências das pessoas, realçando o significado e a seriedade do batismo, mas devemos resistir à terrível tentação de nos estabelecer como juízes sobre a fé alheia, papel que compete apenas a Deus, que conhece os corações. Assim, portanto, devemos sempre respeitar integralmente o batismo retamente efetuado, em qualquer idade ou circunstância em que tiver ocorrido.
5. Pergunta: Por que dar tanta importância ao batismo, já que há muitos outros assuntos até mais importantes?
A Carta Aberta começa dizendo que o MC gostaria de tratar dos seguintes assuntos, salientando que deveria ser “nesta ordem”: Batismo no Espírito Santo, Dons Espirituais, Batalha Espiritual, Batismo, (Macro)Ecumenismo e Formação de Comunidades Alternativas”. Várias manifestações avulsas, oriundas de integrantes do MC, criticam a Igreja por dar tanta importância à questão do batismo, quando haveria outros assuntos mais importantes. (Um e-mail até questiona com que direito a IECLB estaria insistindo em dialogar sobre o batismo, quando o MC estaria propondo outros temas como prioritários!) Ora, sem desmerecer a importância de se dialogar sobre os assuntos mencionados pelo MC e muitos outros mais que poderíamos acrescentar, não se precisa ser grande conhecedor de religião e teologia, para perceber que a agenda mencionada na Carta Aberta, particularmente os primeiros tópicos (portanto, os mais importantes ou mais prementes para o MC) não provêm propriamente de uma tradição de confessionalidade luterana, mas sim do mundo pentecostal e neopentecostal.
Será que o MC não poderia, ao menos, concordar que Palavra e Sacramentos constituem o núcleo do evangelho, no qual é fundamental que haja consenso? (Cf. CA VII) Podemos, realmente, deixar a questão do batismo para segundo plano? É inquietante a quantidade de e-mails que depreciam o batismo. De onde provém a teologia que essas manifestações refletem? No entanto, visto de outro ângulo, observa-se uma escancarada contradição na argumentação do MC. Se a questão do batismo fosse para ele realmente algo tão secundário, jamais teriam introduzido tão drástica alteração na sua prática, nem lhe seria agora tão difícil voltar atrás na decisão unilateral tomada de introduzir uma nova prática na vida de nossas comunidades.
6. Pergunta: Não há outros assuntos, tanto ou mais importantes do que o batismo, em particular na área da ética e em relação ao macroecumenismo, que estão sendo tratados com “venialidade” e aos quais a Igreja não dá a mesma atenção?
Nunca dissemos que a Igreja não tenha também outros problemas, além do batismo, e também em outros setores que não o MC. Ao contrário do que muitas vezes se presume, a IECLB tem se empenhado de variadas formas em muitas questões, em diversos casos inclusive em sigilo, pela natureza dos assuntos. Algumas das questões levantadas são problemas reais. Outras são assuntos complexos diante dos quais a Igreja ainda deve desenvolver mais claramente sua posição. Ainda outras comportam legitimamente uma diversidade de posições. Na questão em pauta com o MC há, porém, duas idtas próprias. Uma é a de que os sacramentos, por definição, estão no centro da confessionalidade, sendo portanto de suma prioridade. A outra é de que não se trata simplesmente de comportamento ou práticas tomados de maneira individual por uma ou outra pessoa, mas da postura de um grupo ou movimento que se caracteriza por uma doutrina e prática divergente da base confessional luterana.
O MC menciona, por exemplo, a existência de casos de adultério. Obviamente, o adultério é uma infração do sexto mandamento. Ainda assim, uma coisa são casos individuais de adultério. Bem outra coisa seria se se formasse um movimento na IECLB introduzindo programaticamente o adultério e defendendo sua legitimidade bíblica. Num caso seriam pecados pessoais, no outro teríamos a ameaça real à confessionalidade da Igreja. E esta haverá de lidar com ambas as situações de maneira diferenciada.
7. Pergunta: A IECLB tem recebido como membros e, inclusive, como pastores, pessoas vindas de outras igrejas nas quais foram rebatizadas. Como pôde recebê-los? Ou, então como irá excluí-los da igreja agora?
Ora, esta pergunta contém argumento falacioso. A IECLB, ao receber como membros, pessoas oriundas de outras igrejas, não está adotando a doutrina e a prática dessas outras igrejas, mas, ao contrário, são as pessoas que ao optarem pela IECLB também optam por sua confessionalidade. No caso de uma pessoa ter sido batizada mais de uma vez, a IECLB obviamente não reconhece o último batismo efetuado, mas o primeiro retamente efetuado. E quem, vindo de outra igreja, é aceito como obreiro/a da IECLB, já aceitou a confessionalidade desta e assume compromisso com ela, assim como o fazem todos/as os/as demais obreiros/as. Ademais, quando o Documento da Unidade afirma que “a prática do rebatismo ... equivale à auto-exclusão da base confessional da IECLB”, isso não significa que todas as pessoas venham a ser simplesmente expulsas da IECLB. Há para com todas elas uma tarefa pastoral e catequética, no sentido de ser sensível às situações que originaram o “rebatismo” e no sentido de instruí-las na doutrina evangélica de confissão luterana. Nesse sentido, é exemplar, a carta do Pastor Oziel Campos de Oliveira a uma pessoa que pretendia ser rebatizada, carta publicada no site da IECLB. Também junto a obreiros/as que tenham adotado a prática do rebatismo, a postura será em primeiro lugar pastoral e catequética. No entanto, pelo compromisso de integridade confessional que todo/a obreiro/a assume em sua ordenação, a divergência doutrinária nas questões centrais da fé não poderá ser aceita como “normal”, mas, ao contrário, deverá ser superada ou deverá ocorrer o afastamento da função ministerial na IECLB.
8. Pergunta: O MC não representa um retorno à prática da Igreja Primitiva e ao testemunho bíblico, enquanto que a IECLB estaria “apenas” interessada em aplicar regulamentos, apoiada em sua tradição?
Várias manifestações de integrantes do MC são veementes nessa acusação. Outra lembra que, segundo Lutero, concílios podem errar, e acrescenta que também podem ser “manipulados”. Devemos, obviamente, respeitar as convicções que dão sustentação a esse tipo de posicionamento, mas, ao mesmo tempo, rechaçar, com igual veemência, as insinuações de que a IECLB estaria sendo arbitrária e prepotente. Já no início do mandato desta Presidência e ao longo desses dois anos temos recebido informações acerca da prática de rebatismo, inclusive de rebatismos aos quais obreiros/as da IECLB se submeteram. Devemos depreender que também eles tiveram “profundos questionamentos” quanto ao seu batismo anteriormente recebido? Ainda assim, temos procurado o caminho do diálogo, mas queremos superar o problema criado por essas atitudes e concepções. A inquietação das comunidades tem sido grande, e a exigência de que a Igreja faça valer sua confessionalidade também.
Nesse contexto, a adoção do Documento da Unidade, pelo Concílio da Igreja, foi um processo absolutamente transparente. Todos/as os/as delegados/as estavam bem conscientes do que estavam votando. O Documento representa a sua vontade, e sua observância é um compromisso da Direção da Igreja. Nesse contexto, repudiamos também a alegação da Carta Aberta de que o arrazoado do MC “Diálogo sobre Assuntos Comunitários” (de junho de 2004), fruto de uma solicitação da Presidência, tenha sido usado de “forma desleal” pela IECLB e sua Direção. Quando o posicionamento foi solicitado, foi dito expressamente que ele seria apresentado ao Conselho da Igreja, no contexto do informe sobre o Fórum Nacional acerca da Unidade, de maio passado. Contudo, embora o documento não tivesse sido de molde a tranqüilizar o Conselho da Igreja, este agiu com prudência e o tomou a sério para o diálogo. Solicitou, então, da Presidência obter pareceres sobre o documento recebido, e essa solicitação foi efetuada decididamente no intuito de obter uma apreciação de outras pessoas sobre as propostas e observações recebidas.
Como resultado das deliberações, por exemplo, a Presidência e o Conselho da Igreja indicaram, tanto oralmente quanto por escrito, que estão dispostos e decididos a que a IECLB venha a adotar uma prática litúrgica de “afirmação dos votos batismais”, seguindo, em tese, uma proposta contida no próprio documento “Diálogo sobre Assuntos Comunitários”. Por que o MC já não fala mais disso? Por que prefere dizer que foi tratado deslealmente? Ou o decisivo para o MC era, em realidade, o complemento “com a repetição do rito com água”, não a reafirmação do batismo, podendo abandonar sua própria proposta quando a IECLB a assume para um estudo sério e implantação?
Muitas outras questões têm surgido nas manifestações em torno desse assunto. Assim, o tema não se esgota aqui. É de todo oportuno que a IECLB, em suas comunidades, se devote intensamente ao estudo do batismo. Nossa Fé – Nossa Vida é um bom instrumento para tal. Os Catecismos Maior e Menor de Lutero são ainda mais relevantes. Este estudo poderá ser um fruto positivo da controvérsia interna. Igualmente importante será que os obreiros e as obreiras abordem com mais freqüência e mais profundidade o tema do batismo em suas prédicas.
Por fim, salientemos que este é um posicionamento em relação à Carta Aberta do MC e outras manifestações de integrantes do MC, mas não um tratado acerca do batismo. De forma bastante breve a posição da IECLB está contida na carta entregue ao Movimento Carismático em 14 de dezembro passado e publicada no site da IECLB. Ali está resumida a posição da IECLB e a direção na qual entende que o diálogo com o MC pode ter resultados positivos.



CLONAGEM... #
1. Neste tempo de pós- Páscoa celebramos a vida e sua vitória sobre o mal e a morte através da ressurreição de Jesus Cristo. Esta boa-nova está no fundamento da fé cristã e também no início da Igreja. Pois falando delas, testemunhas partiram de Jerusalém para a Galiléia e até os confins da terra. Esta mensagem da ressurreição, da vida nova, poderosa, incorruptível e eterna vem ao encontro do anseio mais forte e profundo de tudo que vive: banir a morte e aperfeiçoar, salvar, reproduzir, perpetuar a vida.
2. Nesse contexto desejo abordar um fato que nas últimas semanas causou grande sensação: a reprodução, a partir de manipulação de células, de uma ovelha que se tornou conhecida como Dolly. Aliás, foi o Conselho Diretor que me incumbiu de expedir uma palavra orientadora a  esse respeito. Pois se trata de um fato em cuja relação estão sendo levantadas muitas perguntas. Elas chegam a nós também como Igreja, como obreiros/as e líderes, com o desafio de assumirmos posição e dar testemunho. Evidentemente estamos diante de um número enorme de possibilidades científicas que implicam dilemas ético- religiosos. Neste estágio dos acontecimentos há mais perguntas e temores do que respostas. A humanidade se vê desafiada a definir limites à ciência aceitáveis do ponto de vista ético. Precisamos de debates e estudos interdisciplinares entre cientistas, filósofos e teólogos.
3. O êxito de reprodução por clonagem conseguido já no ano passado pelo Dr. Ian Wilmut, do Instituto Roslin, ligado à Universidade de Edimburgo, Inglaterra, com investimento da firma PPL Therapeutics, causou enorme impacto. Concomitantemente se ficou sabendo que experimentos semelhantes já vêm sendo feitos há dezenas de anos, com plantas e animais. Só que agora o método descoberto por Wilmut para a reprodução assexual de mamíferos, por fusão de células, parece ter rompido uma barreira. Pois abre, para milhares de cientistas e laboratórios em todo mundo, a possibilidade de fazer o mesmo, inclusive tentá-lo com a espécie humana. E aí se pergunta – em que escala, com que objetivos e limites, com que resultado...?
4. Como seres humanos estamos inseridos nesta cadeia da vida. “Porque o que sucede aos filhos dos homens, sucede aos animais; o mesmo lhes sucede: como morre um, assim morre o outro, todos têm o mesmo fôlego de vida... “ ( Eclesiastes 3.19). A reprodução semi- artificial de animais mexe com o mistério da vida, causa espanto, admiração e mesmo comentários humorísticos. No fim das contas, vamos ficar entregues às mãos de pessoas que detêm o poder de pagar, de escolher quem poderá ser clonado ou não...? Estamos escorregando da mão de Deus para os laboratórios? Afinal, a pesquisa genética, a criação de plantas e animais transgênicos, a seleção e a modificação de espécies ( p. ex. dos porcos de modo a reproduzirem órgãos compatíveis com os seres humanos, transplantáveis), é um negócio multimilionário já em andamento.
5. Vários governos se apressaram em proibir a clonagem de seres humanos e não concederão recursos para esta finalidade. Com tais restrições a ciência dificilmente de deixará barrar, também porque os governos não são unânimes. A situação parece semelhante àquela do tempo quando os astrônomos divulgaram o sistema heliocêntrico e foram condenados. Mas sem dúvida essas primeiras reações, proibindo o avanço até a clonagem humana, têm ao menos um efeito retardador. Constituem um alerta para ir devagar, para ganhar tempo para a reflexão e a elaboração ética desses avanços da ciência, para criar mecanismos de orientação e controle e legislação correspondente.
6. No Brasil passará a vigorar a partir de 15 de maio de 1998 a nova lei de patentes de nº 9279/96. Ela proíbe o patenteamento de seres vivos, exceto de microorganismos geneticamente modificados. No plano federal é responsável por essa área a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, a CTNBio, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Ela foi nomeada em junho de 1995 pelo Presidente da República com o fim de “ implementar a Lei de Biossegurança ( Lei nº 8974/95) relativa à construção, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de organismos geneticamente modificados(...). Compete à CTNBio propor a Política Nacional de Biossegurança, acompanhar o desenvolvimento técnico- científico na biossegurança e propor o Código de Ética de Manipulações Genéticas.” ( José Israel Vargas, em comunicado do Ministério da Ciência e Tecnologia, sobre “ A clonagem de mamíferos, a biossegurança e a ética.”)
7. Sente-se em toda a parte a necessidade de um debate político mais amplo. Nesse processo de reflexão temos que participar. Não podemos esperar soluções apenas “de cima”. Importa que o debate, a participação e a conscientização aconteçam também em nível local, p. ex. convidando expoentes da sociedade para uma noitada, uma mesa- redonda aberta para perguntas e respostas. É preciso adquirir maior conhecimento de causa, posições extremadas não resolvem. A tecnologia já não é passível de patrulhamento. O gênio já saiu da garrafa. A ciência gerou impactos sobre a vida que carecem de elaboração política e ética em nível nacional e internacional. A coletividade precisa de tempo para digerir as novidades e para políticas que impeçam abusos, sem bloquear o progresso científico. Certamente ficarão abertas questões a médio e longo prazo. A técnica da clonagem pode ser boa para algumas finalidades, por exemplo, quem sabe para animais ameaçados de extinção. Haverá “ acomodações” éticas de acordo com as necessidades e premências. Mas não se pode simplesmente seguir no rumo da ciência sem ter controle de direcionamento responsável. Pois ao ser humano não pode ser permitido fazer tudo de que é capaz. Sempre que o homem esquece seus limites e cede à tentação de querer ser igual a Deus, ele desrespeita o próximo e acontecem grandes males.
8. A clonagem reacende esperanças de perpetuação da vida. Nosso credo diz que a vida eterna se recebe através da fé no Senhor ressurreto, que tem poder para nos dar nova vida e de nos ressuscitar da morte para a vida. Esta vida é de outra qualidade, vida com alma. Ela é mais do que a soma das funções e experiências de vida,  das influências específicas do ambiente, da educação, da nutrição, do carinho, dos castigos, do esporte. O espírito, a alma, a individualidade nunca serão iguais. A história de uma vida individual não poderá ser copiada. Segundo a antropologia que nos é familiar,  a pessoa normal precisa de pai e mãe. Ser concebido a partir do abraço é algo diferente do que ter origem num sofisticado processo de laboratório. Um clone nunca será a continuidade da pessoa que lhe deu origem.
9. Sempre é válido aperfeiçoar técnicas de pesquisa e medicina para o prolongamento desta vida, dom de Deus. A vida é merecedora de respeito e dignidade. Sua valorização, porém, não pode ser absoluta. Existe na Bíblia uma palavra que diz “ Tua graça é melhor que a vida” (Salmo 63.3). Ela nos lembra que o melhor da vida não é o funcionamento dos membros, dos órgãos e da digestão, mas o amparo pelo doador da vida, a presença da graça do Deus criador, salvador e santificador da vida. Ele nos concede talentos e dons, nos abençoa com fé, esperança e amor, ingredientes que tornam a vida preciosa e digna de ser vivida. Cremos na presença deste Deus conosco em Jesus Cristo crucificado e ressurreto por nós, “ para libertar os  que a vida toda foram escravos por causa do medo da morte “ ( Hebreus 2.15). Pela fé nele, pelo estar em Cristo, pelo exercício do discipulado, nos é dado experimentar o sabor da vida plena que Deus tem em vista para suas criaturas. O sonho da imortalidade via reprodução por cópias, ou a crença espírita da reencarnação, não são caminhos bíblicos. Cada pessoa tem de “morrer uma vez só e depois ser julgada por Deus” ( Hebreus 9.2). A esta vida são colocadas restrições e limites, para mantermos viva a esperança pela ressurreição. Temos direito ao “partir e estar com Cristo” ( Fl 1.23), ao descanso, ao cumprimento da promessa da vida na glória com Deus. Esta janela aberta para a eternidade, que transcende a vida imanente, é essencial para a pessoa.
10. Com isso não vamos menosprezar esta vida e projetar seu aperfeiçoamento para o além. A fé não lida com coisas virtuais e transcendentes, mas é a força presente provinda de Deus para já iniciar a renovação da vida e transformá-la segundo a sua vontade. Sob este enfoque se estabelecem prioridades em cuja escala a clonagem não tem a importância que lhe está sendo atribuída. Mesmo conseguindo reproduzir um ser vivo, o homem não é o criador da vida, pois não consegue criar uma ameba viva. Consegue no máximo lançar mão de rica matéria prima genética existente e desencadear um processo do qual resulta um ser com o mesmo código genético, mas a característica da criação de Deus é diversidade da vida. Deus nos faz irrepetíveis. Nosso Deus- Criador não se contenta em fazer xerox, mas cria segundo a riqueza de sua imagem e dá a cada novo ser sua própria individualidade, que significa talento único a ser usado com responsabilidade. A tendência humana vai no sentido da uniformização, da massificação, da destruição da biodiversidade e da indeferenciação dos sujeitos. Por acaso, não estamos expostos ao bitolamento cultural pela indústria da informação, que nos impõe seus padrões no trabalho, no consumo e no lazer? Sob esse aspecto já temos “ovelhas” iguais em excesso, ou seja, pessoas que se conformam com injustiça, miséria e violência como se fossem clonadas sem o núcleo de sua consciência.
11. Será que em meio à miséria existente hoje em dia há razões para clonar seres humanos? Mais importante é ajudar que os seres existentes possam participar da nova vida, da vida plena e digna que Jesus Cristo veio trazer. Esta importa testemunhar por palavra, ação e participação responsável em iniciativas que possam melhorar a qualidade de vida dos que mais precisam ter acesso ao pão, à saúde, à educação e moradia digna. Ter conhecimento do evangelho de Jesus Cristo faz parte dos direitos humanos fundamentais ( Emílio Castro) e constitui tarefa missionária e diaconal de grande urgência. A tarefa maior, portanto, é ajudar a viver dignamente aos que estão morrendo. E para isso a melhor orientação é o mandamento máximo da cristandade: Temer e amar a Deus acima de todas as coisas, e amar o próximo como a si mesmo.
 Porto Alegre, 11 de abril de 1997


DEUS NÃO É RACISTA #

1. Os radicalismos de direita estão de volta. Criam manchetes as manifestações neonazistas na Alemanha. Mas também em outros países, a exemplo da Itália, Espanha e outros, crescem os grupos simpatizantes com a ideologia fascista propagadora da discriminação racial. Nem mesmo o Brasil pode excluir-se. Predominantemente negros, judeus e nordestinos se tornam vítimas da perseguição racista que recrudesce no mundo.
2. A constatação dessa tendência nefasta faz com que a IECLB, por resolução de seu XVIII Concílio Geral, leve a público a declaração de sua inconformidade e o seu alerta. Compete à Igreja de Jesus Cristo, comprometida com o serviço à sociedade e à vida e engajada em ampliar os espaços da fé, da esperança e do amor, denunciar o que destrói a paz e fere os direitos de Deus. Entre as grandes ameaças da atualidade está, não por último, a obsessão racista.
3. Certamente o racismo não é novidade no Brasil. Marca presença na história da Nação desde os tempos em que o índio e o negro foram reduzidos à condição de escravos. É bem verdade que a sociedade  brasileira jamais tem amargado conflitos racistas sangrentos análogos aos  que houve e ainda há na África do Sul e mesmo nos Estados Unidos da América. Com alguma razão o Brasil se orgulha de ser um país pluri-étnico, permitindo a cada grupo a expressão de sua respectiva cultura. Todavia não deixam de ser realidade os sinais de racismo camuflado ou aberto, submersos e, ainda assim, flagrante. Eles preocupam e exigem a resistência
4. Isto é particularmente verdade quando o racismo deixa de ser ingênuo e se apoia numa teoria que supostamente o justifica. É o que acontece não somente no sistema do “ apartheid” conhecido na África do Sul, mas também no neofacismo de nossos dias. Parte do pressuposto de uma hierarquia das raças, enxerga na diferença uma ameaça e prega uma militância racial que costuma incluir a permissão para o uso da violência. Boa parte dos conflitos armados da atualidade, como aquele da Bósnia, tem ingredientes étnico- racistas. A convivência pacífica das raças, etnias e culturas se coloca mais uma vez como urgência a ser atendida.
5. Do ponto de vista cristão não há como justificar racismo de qualquer tipo. Deus criou um mundo multiforme, em que cada “peça” tem sua característica inconfundível. Diversidade é a marca da criação. Mas é uma diversidade na mesma dignidade. Nenhum ser humano, por pertencer a outra raça, cultura ou sexo, é inferior ou menos valioso. O propósito de Deus não está na segregação de grupos e categorias humanas, e sim, na complementação  de uns pelos outros e no serviço mútuo, usando cada qual o dom que recebeu. Discriminação racial eqüivale a desprezo ao Deus Criador, que moldou a criação assim como a fez e que por amor a ela deu seu filho unigênito. Resulta daí o compromisso com a meta da parceria fraternal entre raças, povos e culturas.
6. É um compromisso válido para todos, independentemente do seu credo. Baseia-se, não por último, no que é óbvio: violência cria tão- somente violência. Ódio é o início do assassinato. Opressão provoca reação. Seja o radicalismo de direita, seja o de esquerda, desde que preconizador de meios violentos e de brutal dominação de uns sobre os outros, vai produzir o inferno da guerra civil e uma “cultura da violência”, em que todos são vítimas potenciais. Cria-se um clima generalizado de terror. O racismo é uma das forças que na história humana responde por indizível sofrimento.
7. Entre as manifestações históricas do racismo, o anti-semitismo tem desempenhado papel especialmente hediondo. A profanação de cemitérios judaicos em nossos dias e manifestações correspondentes acusam o redespertar do espírito demoníaco responsável pelo holocausto do povo judeu na Alemanha nazista. Somente cegueira ou deliberada falsificação são capazes de negar a historicidade deste genocídio e suas evidências. Cristãos e judeus estão unidos pela fé no mesmo Deus. Confessam-se ambos criaturas da bondade divina. Aplica-se ao anti-semitismo o que vale com respeito a todos os males: importa resistir aos inícios.
8. Todas as formas de racismo têm causas. Elas podem ser de ordem psíquica: pessoas de outras raças inspiram medo, inveja, insegurança.
Ou as causas são de natureza econômica. Na Europa as manifestações racistas são especialmente fortes em áreas com altos índices de desemprego. No Brasil a onda da violência tem causas predominantemente sociais. O empobrecimento, a miséria, a desintegração social estão na origem dos seqüestros, arrastões, do tráfico de drogas, dos assaltos. Mas em nosso país as condições externas também poderão dar origem a ideologias racistas ou facilitar-lhes a penetração. Os extremistas se aproveitam da frustração das pessoas, criam bodes expiatórios e os expõem à agressão. Nem sempre, porém, as causas do racismo podem ser claramente identificadas. Residem também em valores transmitidos pela educação, em determinadas experiências de vida ou outros fatores. Seja como for, racismo permanece sendo um mal com conseqüências extremamente perigosas para a sociedade e a humanidade.
9. A IECLB convida suas Comunidades e Instituições, suas Igrejas irmãs e todos os segmentos da sociedade brasileira a combater as expressões racistas que há em suas próprias fileiras. Parceria fraternal entre raças, culturas e etnias também no Brasil permanece sendo um alvo a perseguir, a despeito dos inegáveis sucessos havidos no complexo processo de integração das diferenças. Como cristãos e cidadãos temos o dever de nos opor aos indícios do  pensamento racista e de colaborar na eliminação dos fatores que o produzem ou oportunizam. Diz a Bíblia: “ Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” ( Gênesis 1.34). Proíbe-se ao ser humano desprezar o que Deus revestiu de tamanha dignidade.


ABORTO #

Voltou a ser assunto de debate no Congresso Nacional e nos meios de comunicação, a legislação concernente ao aborto provocado por intervenção externa. Trata-se de um assunto controvertido, mexe com a vida de muitas pessoas e evoca o apelo a princípios éticos, tanto dos defensores quanto dos que são contrários. Por esta razão o debate deverá abranger os mais diversos segmentos da sociedade, sempre em busca de critérios orientadores que possam ajudar as pessoas a se posicionarem nesta matéria tão difícil. Para tanto a IECLB, procurando entender a vontade de Deus a partir do Evangelho de Jesus Cristo, apresenta as seguintes considerações:
1.Conforme a revista Veja, estima-se que no Brasil são realizados 1,4 milhões de abortos por ano. Por ser considerado crime, exceto em caso de perigo de vida para a mãe e de estupro, a interrupção da gravidez está sendo jogada para clandestinidade, onde costuma acontecer sem os devidos cuidados médicos. Muitas mulheres morrem como conseqüência de intervenções inadequadas realizadas por pessoas despreparadas. Outras sofrem seqüelas para o resto da vida. A primeira pergunta a fazer é pelos motivos que levam mulheres a submeter-se a tais riscos.
2. Mulheres que se decidem pelo aborto normalmente o fazem coagidas. São, na sua maioria, vítimas dos homens que não se responsabilizam pela vida que geraram, ou da ignorância que não soube proteger-se contra a gravidez indesejada. Não raro, são vítimas da violência sexual na sociedade e família. Em todo aborto também está envolvido um homem. Há muitos motivos sociais, econômicos ou outros que forçam as mulheres a procurar a solução na interrupção da gravidez. Em nossa sociedade falta disposição para discutir esses motivos. Prefere-se criminalizar as vítimas.
3. Mesmo assim o aborto não pode ser aceito como uma solução para o problema da gravidez indesejada. Implica riscos para a saúde física e psíquica da gestante e é uma agressão à vida. Como Igreja cristã recebemos do nosso Criador a tarefa de defender a vida humana desde a sua formação no ventre materno. Interrompê-la, portanto, fere o mandamento que proíbe matar. Não podemos concordar, portanto, que se dê à gestante sozinha o direito de decidir sobre a interrupção da gravidez, nem podemos permitir que seja coagida pelo parceiro, pela família ou pela sociedade. O aborto não pode ser simplesmente liberado, nem pode ser adotado como método de controle populacional.
4. A inconformidade com o aborto, porém, não pode limitar-se à penalização do ato consumado. Ela nos leva ao empenho por uma série de medidas preventivas:
-   promover uma educação sexual adequada e conscientizar para a necessidade do planejamento familiar;
-    reavaliar a prática sexual masculina e insistir em que os homens assumam a responsabilidade pela vida que geraram;
-    promover leis severas que visam punir o estupro e coíbem a violência sexual;
-   facilitar o acesso a métodos anticoncepcionais e à informação sobre estes para evitar que gestantes se vejam em situações em que a única saída parece ser o aborto;
-   pressionar o Estado para que seja cumprido o direito de crianças e adolescentes para assegurar vida digna a toda a vida que está aí e que está para nascer.
5. Estamos conscientes, porém, que há situações em que o aborto é o mal menor. Por isso devem permanecer as assim chamadas “indicações”, ou seja, a especificação de casos em que o aborto se justifica. Jamais passará de uma “solução de emergência”. Mas também não se pode colocar a vida ainda não nascida acima do direito à vida da gestante, visto que dela dependem em boa medida as condições para o desenvolvimento normal e sadio da criança. Precisa-se levar a sério a angústia e aflição de mulheres que carregam em seu ventre uma vida gerada pela violência ou coação, que não vêem condições psíquicas e econômicas de acolher a criança que nascerá ou que sabem que ela nascerá com graves defeitos. A proteção à vida das mulheres é o meio mais eficiente para proteger a vida pré-natal. Nos casos de conflito a mera lei não basta para resolver as questões. Há que se buscar a co-responsabilidade  da gestante, dos familiares, dos/as médicos/as e de outras pessoas envolvidas.
6. A partir do nosso compromisso que considera tanto a vida das gestantes, da criança concebida e dos familiares e está consciente de que somos culpados, como sociedade, pelo sofrimento que a questão do aborto envolve, pleiteamos uma legislação justa que regulamente os casos de interrupção de gravidez. Nestes casos incluímos o risco de vida da gestante que resulta do estupro.
7. Jesus Cristo diz: “Eu vim para que tenham vida em abundância” (João 10.10). Martim Lutero, no Catecismo Menor, explica o mandamento “ Não matarás!” assim:
“Devemos temer a amar a Deus e por isso não agredir nem ferir o nosso próximo; mas devemos ajudá-lo para que tenha tudo de que precisa para viver.”
É tarefa da Igreja proclamar a vida digna e denunciar tudo que agride a vida. Com relação ao aborto, muitas vezes é difícil estabelecer como realizar esta tarefa na situação concreta. Por isso é muito importante que na comunidade cristão haja lugar para pessoas que vivem neste conflito.
A partir das considerações acima, conclamamos a sociedade brasileira a instaurar uma legislação que, mesmo ao tratar de casos conflitivos, colabore para manter um máximo de responsabilidade individual e coletiva e que, através dos órgãos competentes, dê proteção à pessoa e à sociedade. Sabemos que, como em todos os momentos, também na busca de orientação para questão do aborto, deverão prevalecer e iluminar-nos sua graça e seu perdão e sua dádiva de nova vida pela fé em Cristo. Neste sentido, a igreja é desafiada a vivenciar o seu lema atual: “Aqui você tem lugar!”


HOMOSSEXUALIDADE #
Acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo nos acolheu para a glória de Deus (Rm 15.7)
Por meio dessa palavra do apóstolo Paulo saúdo a vocês, nesta época entre Páscoa e Pentecostes. Lembramos que o Crucificado vive e pelo Espírito Santo nos faz viver em comunidade. Nela vivemos e servimos, pela sua santa e graciosa vontade, desde Pentecostes até a sua segunda vinda. A partir do Batismo fazemos parte da grande família de Deus, sinal visível da esperança pascal. No sacrifício do seu Filho Deus nos acolheu incondicionalmente. Este ato de amor engloba todas as pessoas. Nada que uma pessoa é ou faz pode excluí-la deste amor. Por isso, como comunidade cristã, não podemos aceitar que pessoas sejam marginalizadas ou excluídas da convivência social e comunitária.
À luz dessa incondicionalidade do amor de Deus, a Presidência e o Conselho da Igreja confrontaram-se com a dificuldade da sociedade e da Igreja em lidar com pessoas de orientação homossexual, popularmente chamadas de gay (masculino) e de lésbicas (feminino). Reconhecemos que tais pessoas, via de regra, são discriminadas e rejeitadas social, cultural e religiosamente. Esta rejeição manifesta-se também na comunidade cristã. Temos que admitir que sempre havia tais pessoas também em nossas comunidades e, consequentemente, também entre os colaboradores e colaboradoras da igreja. Normalmente isso era encoberto e recriminado. Novo é o fato de que se fala sobre homossexualidade abertamente, com mais ou menos respeito, compreensão e conhecimento de causa.
Entre os que debatem o assunto não há nenhuma dúvida de que Deus ama as pessoas que se sentem atraídas sexualmente para o mesmo sexo tanto quanto as outras atraídas para o sexo oposto. Está claro, também, que tanto umas quanto outras precisam da graça de Deus para serem salvas. Nenhuma pessoa é agradável a Deus por causa de sua orientação sexual. O apóstolo Paulo escreve: “...não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus.” (Rm 3.23s). Todos nós, sejamos pessoas heterossexuais ou homossexuais, somos justificados tão somente pela graça de Deus e pela fé que o Espírito Santo em nós opera.
Até aí há consenso no debate. As diferenças surgem na maneira de lidar com a homossexualidade na Igreja. Um grupo vê a homossexualidade como uma orientação que deve ser corrigida. Entendem que há na Bíblia severas condenações da prática homossexual que requerem total observância também nos dias de hoje. Acentuam que na criação Deus criou a humanidade como homem e mulher, e que somente na união dos sexos opostos a humanidade se torna completa. Entendem que as pessoas de tendência homossexual devem resistir a ela e sustentam que com aconselhamento, paciência, persistência e apoio é possível e desejável vencê-la.
Outro grupo defende que a orientação homossexual é imutável e não deve ser corrigida. Tentativas de mudança atrapalham ou impedem a auto- aceitação necessária para viver e aumentam o sofrimento das pessoas envolvidas. Analisam as passagens bíblicas sobre o assunto a partir do seu contexto, no qual estavam relacionadas com a questão da idolatria e do poder, tirando-lhes assim o caráter condenatório.
Vocês certamente percebem que estas duas posições são bastante antagônicas, e que não será fácil encontrar um consenso que possa fazer justiça às pessoas envolvidas. Essas posições também perpassam o debate que há na própria IECLB, como manifestam as correspondências recebidas pela Presidência.
Na procura por um posicionamento nesta questão, o Conselho da Igreja realizou, no dia 30/04/99 na Casa Matriz de Diaconisas em São Leopoldo, um seminário sobre o assunto. Quero iniciar uma reflexão aberta e séria, baseada na Palavra de Deus, mas também orientada por informações objetivas e científicas. Neste seminário tentei enfocar a importância da definição científica e os jeitos diferentes de ler e interpretar o que a Bíblia fala sobre a questão. Propus, ainda, alguns passos, a fim de envolvermos na reflexão também os sínodos e as comunidades. O P. Dr. Gottfried Brakemeier, a partir da experiência ecumênica, apresentou como outras igrejas cristãs tratam a questão da homossexualidade.
E o P. Ms. Ricardo Wangen, a partir de sua longa prática de Clínica Pastoral, trouxe informações sobre as dificuldades e sofrimentos das pessoas de orientação homossexual e seus familiares. O seminário confrontou os conselheiros com seus próprios preconceitos e ajudou-os a entender e definir melhor toda a problemática. Fê-los ver, também, que numa questão tão carregada de conceitos culturais negativos, é preciso agir com muita cautela, para não conturbar a vida da Igreja e das comunidades e evitar que as diversas posições construam barreiras que depois se tornam intransponíveis.
Para o Conselho da Igreja o seminário foi início da reflexão sobre a questão da homossexualidade. Não se poderia esperar uma resolução rápida num assunto tão polêmico. Mas a Direção da igreja viu a necessidade de que o estudo deste tema deva ser levado adiante. Com o objetivo de envolver na reflexão também todas as lideranças das instituições, comunidades, paróquias e sínodos, o Conselho da Igreja encarregou a Presidência de escrever esta carta pastoral. Faço-o com a valiosa colaboração dos dois colegas da Vice- Presidência, aos quais agradeço de coração. O Conselho da Igreja solicita também que o assunto seja incluído na pauta da próxima reunião da Presidência com os Pastores Sinodais, em 01 a 03 de outubro de 1999, a fim de ver, se e como pode ser tratado nas comunidades. A partir da reflexão neste fórum o assunto seria, então, abordado nos conselhos e nas conferências de obreiros sinodais. As respectivas conclusões deverão ser remetidas à Secretaria Geral, até 31.03.2000. Servirão de base para nova avaliação da questão na primeira reunião do Conselho da Igreja, no próximo ano. Previu-se, ainda, a realização de outro seminário ou consulta nacional sobre o tema, com a participação de representantes das diversas posições, profissionais das áreas envolvidas (teologia, medicina, biologia, psicologia), representantes dos sínodos e das instituições de formação da Igreja e também pessoas de cunho homossexual. A partir desse evento deverão ser elaborados subsídios sobre homossexualismo para o estudo nas comunidades. Todo este processo de reflexão certamente se relacionará muito bem com o lema da Igreja para o ano 2000- Novo milênio sem exclusões. Ele estará nos desafiando para sonhar e criar, pelo menos em forma de sinais, uma sociedade e, sobretudo, comunidades sem exclusões.
Observação: A carta pastoral acima repercutiu em grande parte das Comunidades da IECLB. Houve reações diversas. O assunto foi tratado na reunião da Presidência com os Pastores e Presidentes de Conselhos Sinodais em setembro de 2000. Encarregou-se uma comissão de reunir os subsídios surgidos nos debates e agrupá-los em forma de um documento, o qual será apresentado e apreciado na reunião da Presidência com os Pastores Sinodais em 22 a 24 de março de 2001. Dessa reunião sairá um posicionamento final a respeito do assunto (final, por ora, já que o tema vai exigir maiores discussões no futuro), a ser divulgado nas Comunidades.


O Sepultamento Eclesiástico - Um posicionamento da IECLB referente a enterro e cremação #
1. A morte não faz parte do propósito salvífico de Deus para com a sua criação. Está diametralmente oposta à vida, que é característica de Deus ( Rm 6.23). Portanto deve ser vencida. É o último inimigo de Deus. A vitória de Deus sobre a morte já aconteceu no evento da cruz e da ressurreição de Jesus Cristo. Jesus, integralmente, se expôs ao poder da morte e com isso a venceu em seu bojo. Por ser Cristo o primogênito dentre os mortos, cremos em vida para além da morte. Esta vida nos é dada por Deus, e nós a podemos viver já agora em comunhão com ele. Temos a certeza que a realidade de Deus é mais forte do que a morte ( Rm 8.31-39), razão pela qual esperamos em que faça nova criação e dê nova vida ao ser humano. Esta certeza norteia também o sepultamento cristão.
2. Consequentemente, o sepultamento é para a Igreja a oportunidade de testemunho público de sua fé na ressurreição e de consolo aos enlutados. Representa igualmente um ato de respeito ao defunto, lembrando que o corpo humano, mesmo falecido, é criação de Deus.
3.O sepultamento é mais que um ato familiar. É um ato comunitário. Acomunidade cristã é chamada a cuidar de seus doentes, de seus moribundos, de sepultá-los condignamente e de acompanhar os enlutados. Como o sepultamento diz respeito a toda a Comunidade, deve-se dar especial atenção à participação desta Comunidade.
4. A esperança é o centro do sepultamento cristão. Ela é testemunha em meio ao sofrimento e ao lamento diante da morte. Expressa-se nas leituras bíblicas, nos hinos, nas orações e principalmente na pregação.
Confessa-se, pois:
a. que Deus é o Senhor dos vivos e dos mortos;
b. que a “comunhão dos santos” engloba os vivos e os que morreram em Cristo;
c. que todos os presentes ao sepultamento estão caminhando em direção ao dia da ressurreição.
Assim a família e a comunidade despedem-se da pessoa tirada de seu meio pela morte, na certeza de que Jesus Cristo ressuscitou e há de ressuscitar também a nós.
5. A pregação deve orientar-se na situação específica. Esta também determinará a escolha do texto. A pessoa falecida jamais deveria ser objeto de pregação. Nem a laudação nem o lamento acerca do/a falecido/a são apropriados, ainda que a pregação- é claro- não poderá permanecer no abstrato. A mensagem do juízo e da graça de Deus deverá ser anunciada em relação ao momento específico.
6. É convicção luterana que nada podemos fazer para influenciar a sorte das pessoas falecidas junto a Deus. Deus é soberano em seu juízo e sua graça. Por isso se proíbem “cultos em favor dos falecidos” ou atos semelhantes. O que podemos fazer é agradecer por suas vidas, recomendá-los à graça divina e por eles interceder. Por isto, a bênção se dirige essencialmente à Comunidade reunida, ainda que numa bênção em forma de prece também o cadáver possa estar incluído. A exclusão do falecido da Comunidade enlutada não é possível, assim como também não o é a imediata separação da pessoa e do cadáver. Recomendamos a seguinte formulação:” O Senhor guardará a nossa saída e a nossa entrada desde agora e para sempre.”
7. Na fórmula de sepultamento importa evitar falar em “entregamos seu corpo...”. Tal linguagem pode fomentar compreensões espíritas, de que o corpo é sepultado enquanto a alma ou o espírito continuariam vivendo e se reencarnando. Sugerimos formulações como “entregamo-lo/a” ou “entregamos o/a falecido/a”.
8. A forma de sepultamento é livre. Os familiares do/a falecido/a decidem sobre ela. A Comunidade Evangélica de Confissão Luterana respeitará a decisão tomada e acompanhará o sepultamento na forma escolhida.
9.Na Igreja cristã tem prevalecido a forma do enterro. O cadáver está sendo devolvido à terra de que, conforme Gn 3.19, foi formado. Mas também a cremação é uma forma de devolução da pessoa à terra. Ela não contradiz os princípios cristãos, e mais e mais tem se tornado praxe nas igrejas luteranas.
10. A membros que se escandalizam com a cremação de uma pessoa falecida, ou que se sentem inseguros diante da decisão a tomar, diga-se:
a. a fé cristã não prescreve a forma de sepultamento, portanto, não existe um modo especificamente cristão deste ato;
b. a escolha da forma de sepultamento faz parte do exercício da liberdade cristã;
c. dentro desta liberdade é lícito levar em consideração aspectos econômicos, higiênicos, de espaço físico, de distância geográfica ou outros na opção por uma ou outra modalidade.
11. Quanto a possíveis objeções teológicas à cremação, convém lembrar:
a . o receio de que a destruição do corpo impediria a ressurreição é infundada;
b. quando, no início da Igreja Cristã, mártires foram queimados/as e suas cinzas espalhadas ao vento ou na água, sempre se afirmou que estes/as mártires, sem dúvida, participariam da ressurreição dos mortos.
A cremação, pois, não se presta à demonstração anti- cristã. Ela não limita ou impossibilita a ação recriadora de Deus.
12. Há que se combater, isso sim, a idéia de que a cremação liberta ou purifica a alma ou os espíritos de seus laços materiais e atinge somente o corpo. Toda pessoa, com corpo, alma e espírito, morre e desaparece desta vida, não havendo aí nenhuma diferença entre enterro e cremação.
13. Recomenda-se, ainda, com insistência que a urna com as cinzas não seja guardada em casa, mas enterrada em local apropriado, para evitar que surja veneração de mortos/as ou que se criem amarras psicológicas.
14. Diante da falta de prática da IECLB no acompanhamento a familiares que optaram pela cremação de uma pessoa falecida, sugere-se que sejam realizados estudos a respeito, por instituições ou Sínodo, e elaborada orientação para os/as obreiros/as da Igreja.
“Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem vida, nem anjos, nem principados, nem cousas do presente, nem do porvir, nem profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor” ( Rm 8.38-39)


REFORMA AGRÁRIA #

1. A reforma agrária, já por várias vezes, tem sido bandeira governamental. Lembramos o Estatuto da Terra de 1964, o Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República, de 1985. A necessidade do projeto é uma evidência. Infelizmente, porém, a discussão a respeito tem sido desvirtuada. Entrou no moinho dos interesses partidários, recebeu uma carga emocional indevida, sucumbiu no jogo do poder e na confusão de interpretações. O processo da constituinte exemplificou quão fortes são as resistências. Paralisam a ação do governo. Em termos de reforma agrária pouco ou nada aconteceu, agravando-se a cada dia as conseqüências desastrosas dessa omissão. Multiplicam-se os conflitos de terra, crescem os bolsões de miséria nas cidades, acentua-se o desabastecimento da população. A modernização do Brasil exige, não por último, a reorganização de sua estrutura fundiária.
2. Foi por essas razões que o Concílio Geral da IECLB, realizado de 16 a 21 de outubro de 1990, em Três de Maio, RS, aprovou a moção, insistindo que a IECLB voltasse a se empenhar pela reforma agrária. Em decorrência disso, o Conselho Diretor convocou uma comissão assessora que sugeriu, entre outras, fosse o assunto encaminhado às bases. Importa que as iniciativas da direção tenham o amplo apoio das Comunidades. Importa, mais ainda, que a causa seja, ela mesma, assumida e compartilhada em todas as instâncias, traduzindo-se em iniciativas múltiplas. O propósito desta carta consiste em divulgar um mandato conciliar e em convidar as Comunidades e demais órgãos da IECLB a acolherem a iniciativa a se juntarem na defesa da reforma agrária como uma das metas a serem priorizadas no País.
3. Com este empenho a IECLB reassume, com novo vigor, o que há muito a vem preocupando. É uma igreja constituída por grandes contingentes de pequenos e médios agricultores. Sofre, por isto, de modo especialmente agudo, as conseqüências fatais da concentração da terra no Brasil, do êxodo rural e de uma política agrária que estrangula o pequeno produtor.
Durante muitos anos a reforma agrária fazia parte das prioridades do Conselho Diretor, e o tema “Terra de Deus-terra para todos” orientou e desafiou o povo evangélico luterano em 1982, repercutindo para muito além de suas fronteiras. Entende a IECLB que a questão da terra não se restringe a um assunto técnico ou político. O uso da terra e sua distribuição devem ser responsabilizados perante Deus, o único e verdadeiro dono da terra, por ser Ele o Criador. A reforma agrária não é assunto de escolha arbitrária da IECLB. Ao colocá-lo em sua agenda, a IECLB também não o faz por defender interesses próprios. Ela tem em vista o todo do povo de Deus. Há um imperativo ético a ser cumprido e uma responsabilidade coletiva a ser atendida. A situação fundiária vigente no País fere a ambos.
4. Com este reclamo a IECLB não se encontra sozinha. Sabe-se irmanada, nesta causa, com muitos parceiros ecumênicos. O papa João Paulo II, em sua recente visita ao Brasil, sublinhou enfaticamente a urgência da reforma agrária. De igual modo o fizeram e fazem o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC ), outros organismos ecumênicos, o movimento dos sem-terra (MST ), partidos políticos e entidades diversas a exemplo da “ Campanha Nacional pela Reforma Agrária” (CNRA). A IECLB não pretende empreender uma marcha isolada. Pretende, isso sim, juntar-se às forças que promovem a causa, ainda que ela o faça a seu modo e dentro da responsabilidade evangélica que lhe é peculiar. A reforma agrária não é causa exclusiva da IECLB. É uma causa nacional  “ecumênica”, à qual a IECLB se associa por considerá-la justa, necessária, sim indispensável para a sobrevivência da nação brasileira.
5. A palavra “reforma agrária” costuma gerar polêmicas, para o que em boa medida contribui a confusão criada em torno da questão. Que significa reforma agrária? Ora, não pode significar outra coisa do que um processo de reversão da concentração de terra. É o esforço por uma distribuição de terra que seja racional, corresponda ao bom senso e prometa um máximo de bem estar social para o todo da nação. Não é verdade que reforma agrária significa a desapropriação indiscriminada. Ela também não pode significar a negação do direito à propriedade como tal, o que estaria em conflito com a Constituição. Finalmente, ela também não pode vir em detrimento da produção. Ela deve, isto sim, facilitar o acesso à terra a quem tem vontade e competência de nela trabalhar. Ela deve corrigir distorções do direito à posse e assim eliminar a causa da absoluta maioria dos problemas sociais no País.
6. Lembramos alguns dados que comprovam o quadro alarmante. Em 1985 o latifúndio com propriedade acima de 10.000 ha ocupava 15% do solo agricultável brasileiro, embora representasse apenas 0,03% do total dos estabelecimentos rurais. Enquanto isso, o minifúndio com menos de 1 ha de extensão ocupava 0,1% da área, ainda que constituísse 11% das propriedades. Essa impressionante desproporção avança. Ainda em 1970, 44,3% da população economicamente ativa vivia da agricultura. Em 1987 o índice havia baixado a 24,6%. Em números absolutos constatamos que somente na década de 70 houve um fluxo de 28,4 milhões de pessoas do campo para a cidade. Comprovam as estatísticas, ainda, que juntamente com a concentração da terra na mão de um número cada vez menor de proprietários, aumenta a área de terras ociosas. Na propriedade pequena, com menos de 1 ha, 91% da área é aproveitada para a lavoura, enquanto que este percentual cai para 2% nas propriedades com mais de 10.000 ha ( todos os dados fornecidos pelo IBGE). Num país em que se expande a fome, existem vastíssimas áreas ociosas.
7. O Brasil paga caro por este quadro de distorções. O inchaço das cidades e o surto da violência nas regiões rurais são apenas as conseqüências mais visíveis. Há outras, indiretas, a exemplo do narcotráfico e da escandalosa realidade dos menores abandonados. Além disso há que se respeitar que tanto o minifúndio quanto o latifúndio são anti – ecológicos. O primeiro por ser forçado a explorar ao máximo a terra às custas de sua preservação, o segundo por privilegiar a monocultura, com seus efeitos colaterais danosos a médio e longo prazo. Se há necessidade de se estabelecer um módulo mínimo de propriedade, também deverá ser estabelecido um módulo máximo. Uma reforma agrária, feita com bom senso, cortará a raiz de muitos males em nossa sociedade, não por último a causa da falta de suprimento do mercado interno. Em termos relativos, a média propriedade é incomparavelmente mais produtiva do que o latifúndio de um lado e o minifúndio de outro. E ela costuma produzir não para a exportação e sim para o mercado interno. São coisas para a discussão e verificação. A reforma agrária, contudo, faz falta.
8. Há muitas maneiras de se fazer a reforma agrária. A criação de um crédito fundiário, a tributação e o subsídio, uma política agrária voltada aos interesses dos pequenos produtores poderão ser instrumentos mais eficazes do que litigiosas desapropriações. É preciso querer a reforma agrária. Não será difícil de, então, achar os meios, inclusive os meios para evitar o abuso dos aproveitadores. Não cabe à Igreja elaborar e apresentar um projeto. Tais projetos já existem, seja da parte de partidos políticos e movimentos, seja da parte do governo. Há que se examiná-los quanto à sua adequacidade. A Igreja tão somente insiste em que alguns princípios básicos sejam obedecidos. Uma reforma agrária no Brasil deve:
a . visar a justiça na distribuição da propriedade;
b. cooperar na solução dos problemas sociais da nação;
c. incrementar a produção de alimentos, necessária para o abastecimento de toda a população;
d. estar a serviço da preservação dos solos, a fim de garantir  a existência das gerações futuras.
Por ser Deus o Senhor da terra, pesa sobre a sua posse e sobre o seu uso uma hipoteca social que impede o arbítrio. O desprezo a esta responsabilidade, a sociedade o pagará com a autodestruição.
9. É de supor que a retomada do tema da reforma agrária pela IECLB volte a provocar tensões internas. Por isto é tão importante discutir. O tema poderá inspirar temores. Parece que está ameaçada a nossa posse. Não é bem assim. O assunto merece aprofundamento. A Igreja não pode querer o absurdo, o anti-racional e o injusto. O que deve é opor-se aos absurdos existentes, ao abuso que há, à injustiça que impera. Com isto não nos atrelamos ao governo nem a um partido ou movimento. Mas damos apoio a toda iniciativa boa que promete atender as necessidades a serviço da vida e da paz social.
10. A direção da IECLB vai procurar a cooperação ecumênica no cumprimento do mandato que lhe foi dado. Serão feitas tentativas de sensibilizar e mobilizar os respectivos órgãos governamentais. Há necessidade de batalhar por esta causa justa. Rogamos às Comunidades e todas as demais instâncias da IECLB a fazerem o mesmo no âmbito em que se encontram. Premissa, porém, é o debate aberto e sincero na própria IECLB. Como está a situação fundiária em nossa respectiva área? Sobretudo, porém, será necessário ouvir: O movimento dos sem- terra, especialistas, representantes de partidos e do governo e muitos outros. Ação ética sempre necessita de duas coisas, ou seja, da sólida informação e de uma consciência comprometida com o bem. Para a reforma agrária e o saneamento das chagas de nossa sociedade vale o mesmo.


ALERTA SOBRE TRANSGÊNICOS #

Falar em alimentos produzidos com sementes transgênicas evoca reações as mais diversas, desde a euforia diante do avanço científico- tecnológico até o medo da contaminação bacteriana do meio ambiente e da humanidade.
O que mais se lê e se ouve nos meios de comunicação é que a produção de sementes transgênicas traria grandes benefícios em termos de qualidade e quantidade de produção, além da redução do uso de inseticidas e herbicidas. Por isso dizem que a transgenia é um processo irreversível.
Quem está veiculando esse tipo de informação? São em grande parte vozes ligadas a grandes empresas nacionais ou internacionais, como a Monsanto, que dominam e manipulam a referida tecnologia ou mesmo a monopolizam. O que as move em sua paixão de nos convencer? Será que é o aumento de produção dos pequenos agricultores, que talvez nem dinheiro suficiente tenham para comprar tal semente? Será que é o aumento de produção dos latifúndios nacionais, para poderem concorrer no mercado internacional? Ou será que é o próprio lucro das empresas multinacionais que produzem e monopolizam sementes transgênicas?
Mas também se ouvem vozes muito críticas, como, por exemplo, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), a Carta do IX Seminário Regional de Alternativas à Cultura do Fumo – realizado pelas Dioceses de Santa Maria, Santa Cruz do Sul e Cachoeira do Sul em cooperação com o Centro de Aconselhamento ao Pequeno Agricultor ( CAPA), o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs ( CONIC ), o Conselho Latino - Americano de Igrejas ( CLAI ) e outros. Todas essas vozes alertam, com ênfases distintas, p. ex.:
-          que a tecnologia dos transgênicos representa altos riscos previsíveis e imprevisíveis para o ambiente e a humanidade, em especial aos agricultores e consumidores;
-          que o controle sobre as sementes está sendo tirado das mãos dos agricultores e passando para um pequeno grupo de empresas transnacionais associadas à produção de agrotóxicos, que passarão a ter controle total sobre as mesmas, aumentando ainda mais a concentração da riqueza agrícola nas mãos destas indústrias;
-          que o produto agrícola não transgênico é uma fonte certa de lucro. Infestando o mundo de produtos transgênicos, os Estados Unidos pretendem ser o único ( país) a oferecer produtos limpos e se apropriar desta fatia no mercado internacional na agricultura ( cf. referida Carta do IX Seminário Regional)
Dentre os riscos que os alimentos transgênicos podem oferecer, causa especial preocupação dos cientistas e da sociedade civil em geral:
-          a falta de pesquisas sobre os efeitos do plantio e consumo dos transgênicos;
-          o aumento ou potencialização dos efeitos de substâncias tóxicas naturalmente presentes nas plantas que tenham o seu material genético manipulado;
-          a possibilidade de se desenvolver resistência bacteriana, pelo uso de genes marcadores na construção do organismo geneticamente modificado que podem conferir resistência a antibióticos;
-          o aumento de resíduos de agrotóxicos nos alimentos e nas águas de abastecimento, pelo uso em muito maior quantidade dessas substâncias em plantas resistentes às mesmas;
-          além de uma série de danos ambientais que indiretamente comprometerão a inocuidade (o que é inofensivo) dos alimentos, como desenvolvimento de resistências em insetos e plantas invasoras ou a contaminação genética da flora silvestre através da dispersão destes genes ( cf. circular do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
Essas e tantas outras vozes críticas e preocupadas bastam para clamarmos, com o salmista, para os quatro ventos:
Ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam. (Salmo 24.1)
A criação não é nossa propriedade. Não podemos fazer com ela  o que bem entendemos. Dono da criação é Deus. Ele criou os seres humanos com a tarefa de cuidar, guardar e cultivar a boa criação de Deus. Somos, portanto, capatazes apenas e teremos que prestar contas diante do Criador. É verdade que ele nos deu inteligência para criar e desenvolver recursos novos que favorecem ou prejudicam esse cultivar. Critério para qualquer pesquisa científica somente poderá ser este: As inovações científicas e tecnológicas servem à preservação e promoção da vida humana, vegetal e natural? Enquanto persistirem dúvidas a respeito, como acontece no caso dos transgênicos, essas descobertas ainda deverão ser testadas, pesquisadas e aperfeiçoadas, antes de serem colocadas em prática, com segurança e responsabilidade para o bem comum.
Para isso registramos com alegria e esperança, o fato de que o juiz Antônio de Souza Prudente, da 6ª  Vara  Federal de Brasília, confirmou a suspensão do plantio de soja transgênica ( geneticamente modificada) no país até que seja feito o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental ( cf. Zero Hora de 13/08/1999, p. 28)
Conclamamos, portanto,
-          que cientistas ouçam as perguntas levantadas e pesquisem o assunto com responsabilidade;
-          que os legisladores e governantes não se deixem pressionar por interesses econômicos de empresas multinacionais, mas tenham como objetivo maior a socialização das descobertas científicas que sirvam ao bem comum;
-          que todo o povo assuma a sua responsabilidade de atalaia e vigia para que a vida seja preservada e promovida.


PENA DE MORTE #

Está tramitando no Congresso Nacional emenda constitucional, visando à introdução da pena de morte no País. Cogita-se, inclusive, num plebiscito a respeito. Diante de medida de tamanha gravidade, a direção da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil julga-se no dever de declarar frente às suas comunidades e de público seu alerta quanto aos riscos a que o propósito expõe a sociedade brasileira.
1.Embora a Bíblia não proíba a aplicação da pena capital pela autoridade encarregada da justiça, há princípios cristãos que a desrecomendam e até lhe são contrários. Vida humana é sagrada, propriedade de Deus e, por isto, um direito inviolável da pessoa. Senhor sobre vida e morte é Deus somente. Pena de morte não deixa de interferir no que é competência exclusiva de Deus, exigindo de justiça humana o recurso a outras formas de sanção para o crime.
2.A introdução da pena de morte tem-se evidenciado instrumento ineficaz no combate à criminalidade. Pelas estatísticas, possui efeito preventivo nenhum. O debate sobre a pena de morte periga desviar a atenção das verdadeiras causas do crime no País, servir ao mero desejo por vingança e dar novos impulsos à espiral da violência.
3.A pena de morte é pena irreparável. Dada a possibilidade de falha, característica de toda justiça humana, não há vereditos realmente definitivos. Erros judiciais se tornam especialmente fatais em caso de pena de morte.
4.Na verdade, a pena de morte não se enquadra na categoria de uma sanção penal. Constitui antes uma medida de segurança: Elimina-se o delinqüente a fim de proteger a sociedade. Desta maneira, porém, a pena de morte, ao tirar a vida para proteger a vida, é a mais definitiva admissão de fracasso da organização humana incapaz de atingir seus objetivos por outros meios.
5.O maior perigo da pena de morte, porém, consiste no abuso. A história humana o comprova. Uma vez prevista em lei, pode servir à liquidação de adversários políticos e de elementos não desejados, dando a aparência de legalidade ao que na verdade é assassinato. A fim de coibir o abuso da pena de morte pelo arbítrio, ela deveria ser de antemão proscrita.
Assim sendo, a renúncia à pena de morte se impõe como exigência da sabedoria, da conveniência e da humildade. O crime deve ser punido. Face à escandalosa impunidade reinante no País, a insistência é necessária. Mas não é pela pena de morte que se faz justiça. E não é inútil lembrar que a justiça penal necessita urgentemente da cooperação por parte da justiça social. (Assina P. Pres. Gottfried Brakemeier)


A confissão luterana na concorrência religioas #
Posicionamento da Presidência e dos Pastores Regionais da IECLB
Ano: 1993
1. A cada dia cresce no Brasil o número de grupos religiosos e se diversificam os credos. Igrejas, em particular as históricas, vêem-se acuadas por um fervor religioso que atrai seus membros e os conquista para outras filiações. Seitas, novos movimentos religiosos, carismáticos, espiritualistas, além das tradicionais denominações cristãs, disputam a fé das pessoas. Poder-se-ia dizer que exploram um “mercado" em busca de "freguesia”, transformando o País em gigantesco "shopping center” religioso, com oferta para todo tipo de gosto. O pluralismo religioso explode, fazendo desmoronar a relativa uniformidade confessional do povo no passado e minando a vinculação a uma das Igrejas tradicionais.
2. Também na IECLB sentimos o impacto. A penetração de seitas e outros grupos religiosos perfaz motivo de crescente preocupação em muitas comunidades. O clima de concorrência em que vivemos periga acirrar conflitos supostamente ultrapassados e reavivar o espírito proselitista entre as próprias denominações cristãs, em prejuízo da fraternidade eclesial e da credibilidade do testemunho. A IECLB, em passado e presente, sofreu erosão do quadro de seus membros, não por último devido à agressividade missionária por parte de outros que operavam com métodos às vezes extremamente desleais. Não só a permanência e a vida da comunidade estão em jogo. A diversidade religiosa favorece também o relativismo confessional, podendo acabar no mais completo indiferentismo. Em termos de fé - o que é válido? Como distinguir a fé, a superstição, a idolatria, a perversão da devoção? É compreensível, pois, que a situação religiosa aflija a IECLB e levante a pergunta pela reação adequada.
3. O assunto está sendo trabalhado. Chamamos atenção às atividades do Instituto de Capacitação Teológica Especial/lCTE, da Escola Superior de Teologia/EST, e particularmente aos cadernos por ele editados sob o título "Série Novos Movimentos Religiosos". Oferecem informações extremamente valiosas. A fim de incrementar a reflexão nas comunidades, o Conselho Diretor, além disto, liberou o pastor Dr. Ingo Wulfhorst para dedicar-se, em tempo integral, à assessoria das comunidades mediante cursos e seminários respectivos e a elaboração de subsídios. (Está fazendo estudo do islamismo nos EE. UU.) Ainda outras iniciativas poderiam ser mencionadas. Também os pastores regionais, no exercício de suas atribuições pastorais, por diversas vezes se ocuparam com a matéria com base em pareceres da Comissão Teológica e do pastor Wulfhorst. Resolveram dirigir-se às comunidades numa manifestação destinada a complementar e reforçar a reflexão em andamento. Apresentamos, pois, os pensamentos a seguir como documento de estudo, contribuição ao debate e orientação pastoral.
4. Importa reafirmar, em primeiro lugar, a necessidade de ampla discussão da problemática religiosa. A fé quer ser vivida conscientemente. Passaram-se os tempos em que a Igreja podia confiar na força de sua tradição. Comunidade precisa ser constantemente reconstituída. É este um dos bons serviços que o pluralismo religioso presta: força a Igreja, incluindo a IECLB, à permanente prestação de contas de seu credo, exigindo o membro motivado. Devemos ocupar-nos com nossa fé, reafirmá-la em confissão realmente assumida, vivê-la conscientemente em nosso dia-a-dia. Isto tem por premissa também a informação sobre a fé divergente e a avaliação de outros credos. Evidentemente não podemos ser todos especialistas em assuntos religiosos. Ainda assim, a instrução na fé deve ser a mais ampla e intensiva possível, com o que seguimos um dos princípios básicos da Reforma do século XVI. Os catecismos de M. Lutero tinham em vista a maturação da comunidade e a responsabilização de cada cristão pela sua fé. A concorrência religiosa a que nos vemos expostos requer a comunidade consciente e, por isso, capaz de distinguir o joio do trigo e de resistir às pechinchas sedutoras do supermercado da religião.
5. O acentuado pluralismo religioso de nossos dias naturalmente tem causas. É uma característica da modernidade e do individualismo em que implica. As grandes instituições do passado são vistas com suspeitas. São sentidas como cerceadoras das liberdades individuais. Contribuem, além disso, a mobilidade da sociedade, as facilidades de comunicação, o intercâmbio cultural, trazendo as pessoas para mais próximas umas das outras. No Brasil, a efervescência religiosa se deve ainda a outros fatores. Estão despertando culturas reprimidas no passado, a exemplo da afro-brasileira. Particularmente, porém, a miséria, o desarraigamento em razão do processo migratório, a quebra dos valores tradicionais são causas que merecem destaque. A proliferação dos credos não deixa de ser sintoma de uma profunda crise humana e social. Articula um grito de socorro. Na situação crítica da sociedade brasileira, qualquer oferta de salvação, por mais problemática que seja, achará sua clientela. Resulta daí o que se pode chamar de "migração religiosa”, ou seja, a freqüente “troca de religião". É comum encontrar pessoas que já eram católicas, espíritas, pentecostais, luteranas - em desesperada busca de real auxílio. Portanto, para entender o fenômeno religioso no País, necessário se faz perceber o grito nele inerente. Propõe à IECLB a pergunta até que ponto ficou e fica devendo às pessoas o cumprimento de justos anseios. O estudo das causas do pluralismo religioso é fundamental para a reação adequada, sendo que inevitavelmente inclui a avaliação crítica do discurso e da prática da própria IECLB.
6. Convém lembrar que, para a fé cristã, a situação de concorrência de modo algum é estranha. A Igreja nasceu em época e ambiente marcados por profunda conturbação e extraordinária variedade de crenças. O Novo Testamento, em muitas de suas porções, nitidamente o espelha. Situações análogas se repetiram no decurso da história eclesiástica. Em verdade, a uniformidade da fé pode ser assegurada somente por rígido controle institucional e o recurso a meios de coação. Isto, porém, conflita com o próprio Evangelho, que jamais violenta as pessoas. Fé imposta não é fé autêntica. Por essas razões, a Igreja cristã está comprometida com a defesa do princípio da liberdade religiosa. Missão deve repudiar o uso da violência, da pressão, da ameaça, e tão-somente apostar na força da palavra. Sob essa perspectiva, o pluralismo religioso de nossos dias de modo algum é motivo de pavor. Assinala, entre outros, uma liberdade pela qual outras épocas possivelmente nos teriam invejado. O recurso ao braço estatal para "disciplinar” o caos religioso, graças a Deus, não nos é possível nem permitido. O desafio exige outra resposta. Exige o que o apóstolo Paulo chama de “demonstração do Espírito e do poder”, respectivamente exige a resposta do Evangelho, ele mesmo.
7. A IECLB é uma Igreja fortemente engajada na busca da unidade dos cristãos. Entende-se a si mesma como um membro do corpo maior de Jesus Cristo, da “comunhão dos santos”, da Igreja universal. Não reivindica, por essa razão, nenhum monopólio da verdade, nem exclusividade. Sabe-se irmanada com outras igrejas cristãs na busca do Reino de Deus e de sua justiça. O que a compromete é o Evangelho testemunhado na Sagrada Escritura. Comprometem-na também os credos da Igreja Antiga e a confissão da Refortna luterana, em que reconhece legítima articulação da fé apostólica. A IECLB procura ser autenticamente evangélica. Tem um dom a compartilhar e valores a defender. Mas não nega a ação do Espírito Santo em outras Igrejas e denominações cristãs, estando com elas em permanente aprendizagem do discipulado. Ecumenismo é a caminhada conjunta do povo de Deus em que os grupos se respeitam e se avaliam mutuamente com o objetivo de crescerem no conhecimento das maravilhas de Deus e na conjugação do testemunho e do serviço. Deus age também fora dos muros da própria instituição eclesiástica. Ele age inclusive em outras religiões e credos. Seria arrogância querer limitar a ação divina e prescrever-lhe os horizontes. Tal constatação, porém, não permite o relativismo da fé. Há verdades a que, a partir de Jesus, não podemos renunciar e que são constitutivas do Evangelho e da salvação humana. Ecumenismo significa disposição para autêntica parceria, sem nivelação precipitada das diferenças que nos são peculiares. É a coragem para uma aprendizagem que, se for sincera, há de nos enriquecer, superar barreiras e promover a unidade.
8. Na comunicação da fé é fundamental o testemunho. Foi para tanto que Jesus chamou seus seguidores. Quis que fossem suas testemunhas até aos confins da terra. Verdades religiosas não se resumem em teorias abstratas ou opiniões particulares, nem se comparam a propostas partidárias. A fé cristã fala de uma história acontecida, fala das maravilhosas obras de Deus, fala das experiências da comunidade com o Evangelho. Precisa ser anunciada, portanto. Testemunho da fé, desde que autêntico, requer o coração ardente, tocado pela palavra de Deus, pronto para inclusive sofrer prejuízos por causa da mesma. Inclui a palavra e a ação, a mensagem e o exemplo, o discurso e a vivência. Sabe não ser indiferente o tipo de fé que abraçamos. Pois não há o que determine o ser das pessoas de modo mais incisivo do que a fé que professam. Com ela estão em jogo o comportamento humano, o modo de viver e falar, os valores propugnados. Reduzir a “religião” a uma questão puramente particular é desconhecer-lhe a imporlância. Embora a fé deva ser assumida sem coação externa, é imprescindível conscientizar-se do papel fundamental que desempenha na vida das pessoas e da sociedade. Da mesma forma não é irrelevante a que Igreja ou grupo religioso pertencermos. Toda instituição eclesiástica representa uma determinada concepção da fé, um modo de viver e de adorar a Deus, uma proposta religiosa. Até que ponto corresponde ao Evangelho, há que ser examinado. Mas em toda filiação a uma comunidade e Igreja está implícita uma confissão. O testemunho cristão articula o compromisso com o Evangelho pondo à prova todas as manifestações religiosas e medindo-as no critério da misericórdia de Deus, que quer a vida de sua criatura.
9. Ao lado do testemunho e nele embutido, o diálogo é imprescindível no confronto com outros credos e outras religiões. Devemos falar, argumentar, interpelar, buscando o exemplo no próprio Jesus. Diálogo não é nada fácil. Precisa ser aprendido e pressupõe haver posições de que se examina a solidez. Ademais, o diálogo se caracteriza pelo fato de levar o parceiro a sério. Quer compreender e convencer; jamais impor. Distingue-se radicalmente do fanatismo e do autoritatismo, que não deixam de ser atitudes violentas. Não se trata de um método apenas. Diálogo é expressão de fraternidade a prevalecer entre as criaturas de Deus. Faz jus ao fato de sermos parceiros de jornada cujo relacionamento exige o respeito e a humildade. Logo, está excluído todo e qualquer tipo de proselitismo. A IECLB, com boas razões, o rejeita como sendo incompatível com o Evangelho e a dignidade das pessoas. Missão não pode consistir na "pesca" do membro fiel de outras denominações. Desistindo do proselitismo, porém, a IECLB simultaneamente se vê coagida a reagir quando praticado por outros. Temos o direito à autodefesa bem como o dever de denunciar práticas, anti-evangélicas. Preconizando o diálogo, nós o esperamos também de nossos parceiros.
10. Ao diálogo e ao testemunho deve associar-se finalmente o serviço. Sob o ponto de vista cristão, o amor faz parte da ortodoxia da fé. Não há missão verdadeira sem a diaconia. É ela que normalmente abre os espaços para o anúncio e o diálogo, comprovando-lhes a autenticidade. Como membros da IECLB convivemos com outras denominações e confissões. Convivemos com pessoas que têm necessidade, perguntas, angústias. Nossa maneira de conviver é fundamental para a credibilidade de nosso discurso. Missão não se faz apenas pela boca. Requer mãos e pés engajados, sensibilidade para o sofrimento, a demonstração de misericórdia. Jesus veio para servir. Misturou-se com as pessoas necessitadas de seu tempo e comprometeu seus discípulos a fazerem o mesmo. “Religião” pode ser abusada, pervertida em negócio, servir à opressão. O amor a isto vai opor-se e preconizar a maravilhosa liberdade dos filhos e das filhas de Deus, sendo que não permitem ser ignoradas as necessidades humanas de qualquer espécie, sejam elas de ordem material, espiritual, social ou outras. No diálogo e no testemunho evangélico o amor costuma ser o mais forte dos argumentos. O pluralismo de nossos dias de modo algum anulou esta verdade elementar.
11. No relacionamento com outras denominações cristãs e outras religiões, portanto, o testemunho, o diálogo e o serviço devem andar de mãos dadas. Não permitem ser separados. São complementares. Um não pode existir sem o outro, desde que procuremos cumprir com fidelidade nosso mandato de Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. É claro que a ênfase pode recair ora neste ora naquele aspecto. Da mesma forma é óbvio haver confissões que nos são mais próximas e outras mais distantes. Temos que diferenciar, e não jogar tudo na mesma panela.
A cooperação é mais fácil com as denominações cristãs e, entre elas, com aquelas Igrejas que se instalaram há mais tempo no País. Jesus Cristo é nosso fundamento comum. À Igreja deste nosso Senhor nos juntamos como mais uma expressão de fé cristã em busca da intensificação da comunhão, embora permaneçam diferenças a discutir. Construímos nossa unidade sobre o imperativo comum da aprendizagem do discipulado permanente. Mas também com relação a outras religiões, não-cristãs, o testemunho, o diálogo e o serviço se nos colocam como princípios de ação em termos acima descritos. Também delas temos algo a aprender, e permanece, da mesma forma, o dever de comunicar o amor de Deus que salva o mundo de ódio, cegueira e angústia, ou seja, de todos os males que mantêm a humanidade em cativeiro. O ecumenisnio inicia com os irmãos e as irmãs da fé cristã. Mas não permite permanecer limitado a eles. Quer abranger também outros, mais distantes de nosso modo de crer. Isto, na consciência de que toda a humanidade é chamada a ser povo de Deus na Terra.
12. A IECLB não pode deixar de divulgar sua confissão. Se o fizesse, enterraria o talento que recebeu, tornando-se culpada diante de seu Senhor. Importa, porém, que no relacionamento com pessoas de outros credos prevaleça uma atitude sóbria, igualmente distante de timidez, apatia ou soberbia. Há falhas e deficiências em nós a lamentar e a corrigir. Entretanto, é preciso reconhecer que nem toda religião é boa e que nem tudo que se oferece como verdade de fato o é. Cabe-nos "distinguir os espíritos", como o apóstolo Paulo o exigiu da comunidade de Corinto. Isto significa que devemos proceder ao exame crítico do que é evangélico e do que não o é. Não podemos deixar de ser Igreja missionária. No entanto, desde os primeiros tempos, missão autêntica sempre tem sido missão ecumênica. Buscava companheiros de luta. Era uma missão não contra os irmãos e as irmãs, mas com elas na busca do Reino de Deus. Parece-nos urgente rediscutir missão sob esta perspectiva. Ela certamente não vai acabar com a competição religiosa no País. O fenômeno religioso, como já exposto, é profundamente ambíguo, exige o exame criterioso, e a grande comissão de Jesus continua sendo o mandato da Igreja, comprometendo-nos com a divulgação do Evangelho e a construção de comunidades. Entretanto, a missão cristã levada a efeito em espírito ecumênico - sob testemunho, diálogo e serviço - há de desagravar a concorrência e substituí-la por uma fraternidade que, nas diferenças, exercita o respeito mútuo e o compromisso conjunto com a verdade e a vida. É este o relacionamento que a IECLB deseja.
Rodeio 12 (SC), maio de 1993

A IECLB e a Maçonaria - Uma palavra de orientação #
Posicionamento do Conselho da Igreja
Ano: 1991
Um membro da IECLB, pode ele pertencer a uma loja maçônica? A pergunta é levantada com freqüência e crescente insistência. Sabe-se que a filiação dupla não é raridade, exigindo da direção da IECLB uma palavra orientadora.
O Conselho Diretor da IECLB, já há mais tempo, vem se ocupando com a matéria. Julgou conveniente desencadear um processo de consultas e estudos e abster-se de um posicionamento rápido. Solicitou pareceres aos Distritos e a várias comissões, visando não só à obtenção de subsídios como também à co-responsabilização na formação do juízo.
Em sua reunião de março do corrente ano, o Conselho Diretor voltou ao assunto, concluindo o seguinte:
1 – Sob muitos aspectos, a maçonaria merece profundo respeito. Persegue objetivos humanitários, defende a liberdade de opinião e princípios éticos de óbvia afinidade a valores cristãos. Em sua história, embora nem sempre, tem propugnado o modelo de uma sociedade tolerante, sem exclusivismo, calcada no que ensina a razão humana. Tem-se destacado por suas atividades filantrópicas.
2 – Em virtude de sua natureza racionalista, freqüentes têm sido, no passado, os conflitos com a Igreja, particularmente a Igreja Católica-Romana. Houve um certo favoritismo da maçonaria pela religião protestante, ainda que jamais ocorresse a identificação com a mesma ou com uma de suas correntes. A maçonaria é um movimento próprio, com nítidas características religiosas sem que pretendesse ser Igreja ou constituir-se como facção ao lado dela.
3 – Quanto à doutrina, há várias expressões, sendo difícil apurar em definitivo o mundo conceptual da maçonaria. Entretanto, são flagrantes as diferenças com relação ao credo cristão. Dizem respeito tanto ao conceito de Deus quanto de Jesus Cristo e da salvação do ser humano. Sob a perspectiva luterana, a maçonaria deve ser qualificada como “legalista” por excluir a graça divina como o fator decisivo da salvação. Tanto o “solus Christus”, quanto o “sola gratia” não tem correspondência na concepção maçônica.
4 – Na discussão com maçons estas diferenças, além de outras, não deveriam ser niveladas. Mas deveria ser afastada a polêmica que tende a excluir antes de compreender. Não cabe à Igreja violentar as consciências. O que a maçonaria é e pretende, está sujeito a diversas interpretações, inclusive particulares. Permanece dever da Igreja levar o Evangelho às pessoas e habilitá-las para a auto-avaliação da sua consciência, sem exercer controle indevido.
Não há, pois, como negar as diferenças. Elas precisam ser trabalhadas. Particularmente em casos de pastores maçons merece exame até que ponto sofre prejuízo seu compromisso com a pregação pura do Evangelho. Mas medidas disciplinares não resolvem a questão. É pela palavra que a verdade se impõe, promovendo um processo de aprendizagem que enriquece e não divide a comunidade de Jesus Cristo.
Porto Alegre, dezembro de 1991


Posicionamento da IECLB sobre bioética #
O CUIDADO PELA VIDA
I - Vida – uma visão cristã
1. A fé cristã entende a vida a partir da ação criadora de Deus. Sendo Ele o doador da vida, não é possível reduzi-la a uma propriedade privada. A vida é concessão, é presente, é dom de Deus. Porque criada e nutrida por Deus, a vida tem uma profundidade insondável. Esta profundidade misteriosa da vida não permite que ela seja transformada em coisa ou objeto que se possa manipular, vender ou comprar. O bem da vida é uma graça que recebemos, mas da qual não podemos dispor. Porque é indisponível, a vida não pode ser consumida irresponsavelmente nem pode ser descartada levianamente. A vida é um bem sagrado. O testemunho da Escritura aponta para esta sacralidade da vida e nos convida a assumirmos uma atitude de profundo respeito, pois Deus viu que o que criou era “bom”, “muito bom” (Gn 1.10, 12, 18, 21, 25, 31).
2. Contudo, a bondade da criação não reside no fato dela ser boa em si mesma. A bondade da criação repousa sobre o amor transbordante de Deus. Mesmo depois da queda, Deus continua amando sua criação e a tem sob o seu governo. A prova maior deste amor é o fato de Deus ter enviado o seu Filho Jesus Cristo para a salvação de todas as pessoas e para a redenção do universo.
3. O pecado é a real tragédia do ser humano e de toda a criação, que é marcada pela morte. O pecado rompeu definitivamente a relação entre Deus e o ser humano, entre o ser humano e os outros seres da criação e a relação dos seres humanos entre si. Cada qual se transforma no inimigo do seu semelhante. Contudo, Deus e o mundo não são inimigos. O mundo não é propriedade do diabo, mas permanece sendo a boa criação de Deus, ainda que profundamente marcada pelo pecado.
3.1. De fato, há uma fraternidade na tragédia e na esperança entre todos os seres vivos. Na tragédia, porque a criação como um todo sofre a realidade da morte, que também se mostra na destruição dos seres vivos (Rm 8.20, 22-23). Mas há também uma solidariedade na esperança, porque todos aguardam pela realização do Reino de Deus, que significa a superação da morte e do sofrimento (Rm 8.19, 21, 24-25).
3.2. Entretanto, isso não dispensa o cristão de assumir sua tarefa de ser um bom administrador, cuidando da boa criação de Deus (Gn 2.15). Somos chamados à responsabilidade, ou seja, devemos responder pelos nossos atos diante do Deus vivo e verdadeiro. Muitas pessoas cristãs ficam inquietas com as notícias de que a ciência já dispõe de instrumentos técnicos para viabilizar a clonagem de seres humanos. Isso assusta também a opinião pública e muitos cientistas.
3.3. A Igreja de Jesus Cristo tem o seu compromisso de afirmar a dignidade da vida humana. Falar isso somente é possível na medida em que afirmamos que a vida é um dom de Deus. A visão corrente na mídia - de que somente a qualidade de vida é critério para definir a dignidade da vida - parte do pressuposto de que a ausência de dor e de sofrimento é o critério maior para determinar a dignidade da vida humana. O prazer de viver é o imperativo categórico da sociedade de consumo e o sofrimento é considerado uma condição inaceitável.
II - A ciência e sua relação com a vida
4. Obviamente, não podemos deixar de reconhecer que os avanços científicos nos trouxeram benefícios maravilhosos. Hoje dificilmente alguém precisa morrer de tuberculose ou de lepra ou de outra doença infecto-contagiosa, se descoberta nos seus inícios. As mortes prematuras de crianças não são mais a regra, mas tristes exceções. Devemos isto, entre muitas outras conquistas científicas, aos conhecimentos acumulados pela biologia e pela medicina.
5. No entanto, entendemos que a ciência e seus avanços, como tudo o mais em nossa realidade, também vêm acompanhados de riscos e ameaças à própria vida e sua dignidade. Como em todos os âmbitos, tampouco a ciência poderia pretender estar imune à realidade do pecado. O cientista que faz uma nova descoberta não pode saber de antemão qual o uso que outras pessoas, instituições, empresas e governos farão dele. Freqüentemente a pesquisa e seus resultados são comandados pelo objetivo maior de maximizar lucros empresariais. O próprio conhecimento que pode curar pode também, em muitos casos, matar. A ciência que nos deu a energia elétrica ou mesmo a medicina nuclear também nos deu a bomba atômica. O uso de recursos modernos muitas vezes está também determinado por condições sociais e econômicas, dependendo, por exemplo, de que pode pagar por eles. Além disso, os aparelhos que salvam as pessoas da morte também nos colocam diante de decisões difíceis, como, por exemplo: quem decide se os aparelhos de um paciente na UTI devem ser desligados? Ou, inversamente, quais são os critérios de escolha quanto à pessoa enferma que será conectada a um determinado aparelho, se há mais quatro ou cinco pessoas à espera do mesmo aparelho salvador?
6. Hoje a ciência pode até mesmo alterar as informações genéticas que determinam a vida. Descoberto o caminho, há uma compulsão para trilhá-lo. É isso que se faz, por exemplo, ao produzir medicamentos e vacinas, alterando as informações genéticas de bactérias. A recombinação do código genético é uma ferramenta tecnológica extraordinária que pode modificar a vida humana e a dos demais seres da criação. Por meio da mudança genética, plantas podem ser modificadas para que cresçam mais rapidamente, para que produzam mais, para que sejam resistentes às pragas. O mesmo pode e está sendo aplicado aos animais, principalmente os que nos servem de alimento. Rompe-se, assim, com as limitações e as barreiras das diferenças que há entre as espécies. Os cruzamentos das espécies e dos reinos biológicos são hoje possíveis em laboratório. Benefícios advêm dessas descobertas. Mas quais são os riscos e malefícios? Quais os critérios para discernimento? Quais os instrumentos legais para coibir os abusos? Como direcionar os benefícios da pesquisa e da ciência para o conjunto da população? Enfim, como preservar a dignidade da vida?
III - A vida como mercadoria?
7. Uma certa lógica comercial transformou os seres vivos e o próprio ser humano em objeto, cujo valor é regulado pela oferta e pela procura do mercado. O mercado aliado à ciência (e vice-versa) arroga-se o direito de agir como um deus. Entretanto, o mercado somente existe por causa dos recursos naturais. Sem os recursos naturais não há produtos para compra e venda.
8. No entanto, com freqüência o mercado nos ilude. Ele nos diz que não estamos comprando produtos que vieram de recursos naturais. Induz-nos a pensar que compramos algo que tem vida própria, e que nos oferece a promessa de realização, de felicidade. É precisamente esta idéia de que podemos comprar felicidade ao comprar bens de consumo que é profundamente predatória, destruidora do meio ambiente.
9. A ganância alimenta o nosso coração e o consumo engorda os nossos corpos. É necessário ver que a criação foi colocada por Deus para que ela fosse preservada e que fosse responsavelmente utilizada. A utilização dos recursos naturais deve garantir a vida desta e das futuras gerações para que também estas possam viver de forma digna. A possibilidade de manipulação genética vinculada à exploração comercial de seres vivos, por exemplo, sinaliza para uma relação perversa entre ciência, comércio e criação. Aquelas pessoas que deveriam ser as jardineiras, que cuidam do jardim de Deus, se transformaram em predadoras.
10. É necessário, portanto, despertar a consciência de que aquilo que funciona tecnologicamente e é útil para o mercado não é necessariamente justificável sob a perspectiva da ética cristã. Sem o conhecimento respeitoso da vida, os avanços científicos podem esconder um potencial maléfico muito grande. Os avanços científicos não se constituem em um problema meramente técnico, mas sim, antes de tudo, ético.
11. Assim, o enfoque ético deve ter primazia sobre a capacidade técnica de se realizar pesquisas científicas com as informações que determinam a vida. Temos permitido que a ciência, a tecnologia tome decisões em nosso lugar. Porém, os passos que a ciência quer dar não podem ser justificados ou legitimados pela própria ciência. Somente o julgamento ético dos seres humanos é que pode decidir os rumos da ciência.
IV - A redenção da vida: como a bioética pode nos ajudar?
A – A vida digna: uma perspectiva teológica
12. Numa perspectiva teológica a vida tem uma dignidade inviolável, porque provém de Deus. Assim é necessário recuperar o temor diante da vida. Albert Schweitzer, importante teólogo protestante e médico, tinha a consciência de que todas as formas de vida devem ser vistas sob a perspectiva do temor respeitoso. Sob a ótica evangélica, a vida não é propriedade, como quer o mercado, nem objeto, como pode supor a ciência, mas é dádiva de Deus. Este deve ser o ponto de partida para um agir responsável.
13.A Escritura aponta para a nossa responsabilidade diante de Deus, da criação e do ser humano. É necessário garantir a existência da criação para as gerações futuras. Estamos geneticamente e historicamente ligados. Diante disso, a visão de que Deus ama o mundo na sua totalidade nos dá olhos que enxergam o mundo como o nosso próximo. Não somente o ser humano é nosso próximo, mas também os seres da criação o são. Nos relatos dos Evangelhos, Jesus Cristo, o Filho de Deus, é profundamente sensível para com os seres da criação e em especial para com os seres humanos.
B – Bioética: instrumento em prol da vida
14. A bioética prioriza a proteção da vida. Ela é uma disciplina acadêmica e um movimento da sociedade que propõe discutir as questões éticas em virtude dos avanços da ciência. A bioética não se preocupa somente com as questões médicas, mas com a sobrevivência do planeta e com o futuro da humanidade. Além destas preocupações, a bioética também aborda temas como a fome, a discriminação racial, o combate à violência e o combate à destruição do planeta. Para a igreja cristã, estes temas são muito pertinentes, pois a bioética, bem como a fé cristã, é favorável à vida, o bios. Ambos se preocupam com o agir correto e responsável diante da vida em todas as suas formas.
15. A bioética, a partir de uma visão cristã, entende que somos chamados a viver de modo fraterno com o ambiente que nos rodeia, cuidando da água, das florestas, da preservação do solo. Faz-se necessário afirmar, cada vez mais, que a dignidade do ser humano é um bem do qual a igreja, em sua proclamação e ação, não pode abrir mão. A dignidade da vida humana não é propriedade nem conquista, mas é dádiva de Deus. Diferente da visão utilitarista, o imperativo do momento é viver de modo grato e alegre, satisfeito com aquilo que temos. Inversamente, a ganância ilude-se ao pretender, falsamente, preencher o vazio da existência humana. A ganância também é um motor propulsor do desastre ambiental. Assim, para a bioética, o saber é colocado a serviço e para o resgate da dignidade do ser humano e do ambiente em que vive. Saber-nos acolhidos por Deus nos torna solidários com os seres que Deus colocou ao nosso lado para vivermos em comunhão respeitosa com eles.
V – Encaminhamentos práticos
A - Fatos para pensar
- Há denúncias de pesquisas com seres humanos que causam prejuízos físicos e males emocionais nos países pobres. A ganância e as vaidades produzem cobaias humanas. Estas práticas atentam contra a dignidade humana. Há também denúncias de pessoas que foram abusadas em virtude de procedimentos médicos e hospitalares desrespeitosos e irresponsáveis. Neste rol, incluem-se aquelas pesquisas feitas sem garantias de benefícios físicos e sem o consentimento informado do paciente.
- A possibilidade de reprodução da vida em laboratório rompeu com a história da humanidade de que a procriação somente acontecia na união dos gametas masculino e feminino, por meio da união sexual entre um homem e uma mulher. Agora é possível fecundar o óvulo sem a presença do homem. Muito mais ainda, não há mais necessidade do espermatozóide, pois um óvulo pode ser fecundado por um outro óvulo.
- Não é raro ouvir depoimentos de pais que lançaram mão da reprodução medicamente assistida, dizendo que o objetivo seria a busca de uma certa perfeição física do filho ou a escolha do sexo da criança. Também houve o estranho episódio de um casal de surdos que, por encomenda, tiveram um filho surdo. A escolha desses pais pode ser idificada como busca por satisfazer os seus próprios caprichos. Rompe-se com a prerrogativa do casal de procriar, abrigando a criança na família como uma dádiva confiada ao seu cuidado, mas com dignidade própria. A noção de procriação é substituída pela prática da re-produção, como sendo um processo industrial.
- Muitas plantas e animais brasileiros foram patenteados por empresas de países desenvolvidos. O código genético de tribos indígenas brasileiras também foi patenteado por empresas estrangeiras. As empresas se transformam em proprietárias das linhagens genéticas de pessoas, animais e plantas. Essa é uma prática que se chama de biopirataria. Recentemente, o Brasil conseguiu reaver o direito de comercializar os produtos derivados do cupuaçu, que tinha sido patenteado pela Asahi Foods do Japão.
- Os estudiosos alertam que novas doenças estão sendo definidas ou exageradas por especialistas, muitas vezes financiados pelos próprios laboratórios. Os artigos acusam a indústria da venda de doenças - prática na qual se infla o mercado de uma droga convencendo as pessoas de que elas estão doentes e precisam de tratamento médico. Desse modo, necessidades são despertadas para satisfazer as exigências do mercado. Pior: doenças, que as pessoas não têm, são introjetadas nas suas consciências para alimentar um mercado bilionário. A ganância é uma força poderosa que move a indústria farmacológica.
B – Que pode fazer a Igreja?
Em id desses – e muitos outros – desafios nessa área, que podem e devem fazer as igrejas? Em primeiro lugar, cabe-lhes uma responsabilidade pastoral. Elas deverão acompanhar de maneira solidária as pessoas que porventura tenham sido vítimas de processos que violaram sua dignidade, visando o restabelecimento de sua integridade pessoal. Elas também deverão assistir as pessoas que estão defrontadas com situações que demandam sua decisão ética. Numa ética evangélica não lhe farão simplesmente prescrições de como decidir, mas darão orientação e critérios que auxiliem as pessoas no processo de sua própria tomada de decisão, uma orientação centrada no valor da vida como dádiva de Deus e no caráter inviolável de sua dignidade.
Em segundo lugar, as igrejas deverão informar-se constantemente acerca dos avanços científicos, suas possibilidades e implicações, seus benefícios, mas também seus riscos e, mesmo, suas perversões. O bom conhecimento do assunto é pré-requisito para a formação de juízos e para a proposta de alternativas práticas. As igrejas também procurarão disseminar esse conhecimento e a reflexão teológica acerca dele entre seus membros e comunidades. Também cabe às igrejas promover espaços para que se discutam estas questões com os profissionais da saúde, com políticos e pessoas interessadas. Mais e mais hospitais, por exemplo, estão incluindo nas suas comissões éticas também alguém com formação teológica ou responsável pela capelania hospitalar.
A partir desse conhecimento e desse processo de reflexão as igrejas também farão manifestações na esfera pública, posicionando-se em relação a propostas de ordenamento legal da pesquisa e dos avanços científicos, no que afeta a dignidade da vida, bem como em relação a políticas públicas que visam tornar acessível a toda a população as conquistas científicas. Decisões políticas, baseadas na ética, são essenciais para democratizar o acesso aos benefícios da ciência e coibir os abusos que discriminam contingentes populacionais ou violam a dignidade da vida.
Por fim, há que reconhecer que o alcance das ações das igrejas pode ser limitado – ainda assim, significativo – num processo em curso com sua própria dinâmica e também com poderosos interesses envolvidos. Contudo, há uma crescente consciência na sociedade e entre as nações da necessidade da reflexão ética no que concerne à dignidade da vida. E as igrejas devem estar dispostas a contribuir. Por isso, as igrejas, em todos os níveis, desde o local e comunitário até o global e político, devem acrescentar sua voz, junto às da sociedade civil e de todas as instâncias interessadas e envolvidas, no processo de fortalecimento da bioética.
Porto Alegre, 30 de abril de 2008.
Walter Altmann 
Pastor Presidente
Ministério Eclesiástico e homossexualidade #
Posicionamento do Conselho da Igreja
Ano: 2001
1. Cremos, a partir do testemunho do Evangelho, que Deus ama as pessoas sem distinção. Está claro, também, que tanto as pessoas que se sentem atraídas sexualmente para o mesmo sexo como as que se sentem atraídas para o sexo oposto precisam da graça de Deus para serem salvas. Nenhuma pessoa é salva por causa do seu comportamento sexual. O apóstolo Paulo escreve: "... Não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus" (Rm 3,23s). Todos nós, sejamos pessoas heterossexuais ou homossexuais, somos justificados tão-somente pela graça de Deus e pela fé que o Espírito Santo em nós opera.
2. Estamos conscientes e lembramos que a sexualidade faz parte da boa criação de Deus, constituindo-se numa maravilhosa dádiva divina, pela qual devemos sempre ser gratos a Deus, vivendo-a também em responsabilidade diante de Deus e do próximo. Afirmamos ainda que a fé em Jesus Cristo, que queremos tornar concreta na convivência na Igreja, nos leva a viver a nossa sexualidade em respeito ao matrimônio e ao próximo, conforme os ensinamentos da Palavra de Deus. Por isso, em nossa conduta sexual evitamos tudo quanto possa levar nosso irmão ou nossa irmã a tropeçar ou cair em pecado. É neste sentido que Lutero explica o 6.o mandamento, no Catecismo Menor: “Devemos temer e amar a Deus e, portanto, viver uma vida casta e decente em palavras e ações, e cada qual ame e honre seu consorte.'
3. No tocante à homossexualidade, há na atualidade em muitas igrejas cristãs um intenso debate quanto à sua natureza e quanto à correta interpretação bíblica a seu respeito. Não há, entre os especialistas, um consenso absoluto nem na ciência quanto à natureza da homossexualidade, nem na interpretação bíblica daquelas passagens que fazem alusão à homossexualidade. Tampouco há na IECLB ainda esse consenso. Ao contrário, as posições são, por vezes, frontalmente antagônicas. Esse fato requer da Igreja discernimento, não juízos, enquanto ela segue auscultando perseverantemente a Palavra de Deus. Acima de tudo, deve haver na prática sensibilidade pastoral, tanto para com as pessoas homossexuais quanto para com as famílias e as comunidades em cujo meio essas pessoas vivem. Há nesse particular muito sofrimento, ao qual a Igreja deve sua atenção espiritual e diaconal. De modo algum devem as pessoas homossexuais ser discriminadas ou afastadas do convívio na comunidade de fé. A palavra de Deus é juízo e graça para todas as pessoas, tanto homossexuais quanto heterossexuais. Em todas as situações e para com todas as pessoas, deve prevalecer o amor, que é o maior dos dons (1 Co 13).
4. Sabemos que o Ministério Eclesiástico Ordenado, instituído para pregar o evangelho e administrar os sacramentos, exige daquelas pessoas que o exercem um cuidado especial no comportamento sexual, para que as suas atitudes nesta área não se tornem escândalo e empecilho para os membros da Igreja. Isso vale igualmente para pessoas heterossexuais. Ao mesmo tempo, observamos que a eficácia da pregação do Evangelho depende também da aceitação do pregador ou da pregadora e do respeito que as pessoas têm por ele e por ela. Um obreiro ou uma obreira que por sua maneira de ser ou de agir afronta os padrões éticos da comunidade ou cujo comportamento sexual divide a comunidade dificilmente poderá realizar um trabalho pastoral proveitoso.
5. Não negamos que pessoas homossexuais, que vivem a sua condição sem causar escândalo, podem realizar um trabalho abençoado na comunidade, ao colocarem a serviço do Evangelho os dons que Deus lhes deu. Mas constatamos também que, no momento atual da Igreja, não há condições de uma pessoa homossexual praticante assumir o exercício público do ministério eclesiástico na IECLB.


Missão e Proselitismo - Uma palavra orientadora da IECLB #
Posicionamento do Conselho da Igreja
Ano: 1994
Presidência: P. Dr. Gottfried Brakemeier
1. A Igreja de Jesus Cristo, por natureza e incumbência, é Igreja missionária. Está comissionada a propagar o Evangelho por palavra e ação, preparando a vinda do reino de Deus e congregando as pessoas em comunidade. O Evangelho se destina a toda criatura e chama para a aprendizagem da fé, da esperança e do amor. Evangelização, pois, é mandato de todos os cristãos e de cada Igreja em particular.
2. A missão comum das Igrejas, porém, sofre prejuízo quando se perverte em brutal concorrência e se resume em disputa de freguesia e poder. É claro que o lado-a-lado de várias denominações cristãs constitui um problema. Há diferenças a serem trabalhadas e barreiras a serem vencidas. Isto, porém, não justifica a violação do mandamento do amor e do respeito mútuo. O exclusivismo que se promove à única representação legítima da fé e a tentativa de engrossar as próprias fileiras com fiéis conquistados de Igrejas-irmãs impossibilitam a fraternidade ecumênica e corroem a credibilidade da mensagem cristã. Chamamos de "proselitismo" esta disputa selvagem, sutil e manhosa do mercado religioso.
3. Originalmente, a palavra não tinha esta conotação. Na tradição judaica, contemporânea do Novo Testamento, "prosélito" designava a pessoa que se havia agregado à comunidade, com todos os direitos e deveres daí decorrentes. Era termo que identificava o novo membro, oriundo do paganismo da época. No decorrer da história, porém, proselitismo passou a receber um significado pejorativo. Tornou-se sinônimo de um método missionário fanático, falacioso, profundamente contrário ao espírito do Evangelho. É um método que lamentavelmente por demais vezes tem determinado a missão da Igreja e a propaganda religiosa em geral.
4. Nesta interpretação da palavra não há como sancionar o proselitismo, e a IECLB sempre o repudiou. Jesus não coagiu as pessoas com ameaças de castigos infernais, não as comprou com promessas sedutoras, não comercializou suas necessidades físicas e espirituais. Proselitismo é designação de uma missão sem amor, autoritária, traiçoeira, exploradora, que se utiliza dos meios de intimidação e faz negócios com a fé. Em Jesus, a evangelização é não violenta, é honesta, argumentativa. Baseia-se na força da palavra que busca o consentimento das pessoas e sua livre adesão à causa do Evangelho. O mesmo observamos na missão da Igreja antiga. Constituía comunidades de gente que voluntariamente e por convicção declarava sua filiação.
5. A prática proselitista ainda persiste em muitos grupos religiosos da atualidade. Nós o registramos com profundo pesar. Rejeitando o proselitismo como método de sua missão, a IECLB tem também o dever de defender-se quando praticado por outros. Não pode permitir que seus membros sejam vitimados por assaltos proselitistas que perfidamente tentam desviá-los para outras filiações. O combate ao proselitismo exige, não por último, a denúncia, visto que não só o ser da IECLB como também a autenticidade do Evangelho estão em jogo.
6. Renúncia ao proselitismo e oposição a ele, porém, não equivalem a renúncia à missão. A partir do Evangelho, a IECLB permanece incumbida do testemunho público e da criação de comunidades. É Igreja de Jesus Cristo, alicerçada na verdade da Palavra de Deus e por isto crítica frente a todas as formas de sedução religiosa. A oposição ao proselitismo não pode servir de pretexto para o imobilismo evangelístico. Importa tão-somente que o método esteja em consonância com o Evangelho. Assim sendo, a IECLB vai unir ao testemunho da palavra a ação do amor; à pregação, o gesto evangélico; ao chamado para a fé, a misericórdia. Sob a perspectiva evangélica, a missão autêntica necessita ser acompanhada da diaconia, e vice-versa. A união de ambas protege, a um só tempo, contra uma missão proselitista e uma diaconia que se esgota em mera promoção social. A salvação pretendida por Deus tem em vista o ser humano em seu todo, incluindo corpo, alma e espírito.
7. A IECLB, portanto, tem o dever de construir e congregar comunidade. Deixando de fazê-lo, vai pecar por omissão. Vivência cristã quer socializar-se numa comunhão concreta, estruturada, definida. A fuga da filiação a uma comunidade equivale à fuga do compromisso concreto. Logo, a IECLB deve ser uma Igreja convidativa, aberta para novos membros, capaz de integrar pessoas em sua comunhão de fé. O convite para filiar-se à IECLB de modo algum permite ser confundido com proselitismo. Decorre do próprio compromisso com o Evangelho, querendo materializar-se em estruturas e instituições. Cumpre à IECLB desenvolver força comunicativa e integradora de pessoas de diversas origens, culturas e segmentos sociais. Isto, na disposição de servir com os dons que lhe são peculiares.
8. É engano supor que a construção de comunidade com métodos não proselitistas esteja ferindo o espírito ecumênico. Ecumenismo é a convivência e cooperação de comunidades diferentes e simultaneamente irmanadas pelo mesmo Espírito. A multiplicidade de confissões requer o mútuo exame crítico das posições. Mas também oportuniza o intercâmbio de experiências e uma aprendizagem na fé que se esforça por aperfeiçoamento na verdade. A IECLB representa uma determinada proposta de Igreja decididamente baseada no Evangelho. Até que ponto é consistente, merece ser continuamente avaliado, não por último em diálogo com suas Igrejas-irmãs. Trabalhamos em favor da unidade visível do corpo de Cristo. Entretanto, esta unidade deve ceder espaço para diversas expressões, desde que não conflitam com o Evangelho. A IECLB se entende como uma delas. Convida as pessoas para participar de sua proposta e testar-lhe a solidez e fidelidade evangélica.
Em resumo, o não ao proselitismo não pode significar o não à missão. Caso contrário, a IECLB trairia a incumbência recebida de seu Senhor.
Florianópolis, 17 de março de 1994


Prosperidade #
Posicionamento da IECLB
I - Prosperidade: uma promessa divina
Na Bíblia a prosperidade é uma promessa divina, externada de diversas maneiras e em diferentes épocas da vida do povo de Deus. Comumente ela vem ligada a verbos como prosperar, aumentar, abundar, multiplicar, crescer, enriquecer, entre outros. Pela prosperidade suplicam os fiéis (Sl 118.25), e a fartura é o que Deus assegura estar reservado para as pessoas que o temem e guardam a sua lei, respectivamente os seus mandamentos (Dt 28.1-14; Js 1.8; Sl 1.1-3; 112.1-3). Por isso se afirma em Pv 10.22 e 22.4: “A bênção do Senhor enriquece”, e “Para conseguir riqueza, respeito dos homens e uma vida feliz, você precisa ser humilde e obediente ao Senhor”. Logo: “Quem confia no Senhor prosperará” (Pv 28.25), e “[...] nos dias em que buscou ao Senhor, Deus o fez prosperar” (2Cr 26.5).
Dt 28.1ss torna claro que não se trata, nestes casos, unicamente de fartura e abundância em dinheiro ou em bens de consumo, como moradias. A prosperidade prometida por Deus abrange todas as esferas da vida, e as bênçãos são prometidas para a vida na cidade e no campo, envolvendo, neste último, sobretudo fartura de colheitas, celeiros abarrotados e multiplicação do gado. Por ser a prosperidade uma bênção divina em sentido amplo, é mais do que natural que a Bíblia, ao lado do seu aspecto material, enfatize também a sua dimensão espiritual. Ela o faz destacando o crescimento da igreja e da palavra de Deus (At 6.7; 9.31; 12.24; 19.20), ou então apontando para a necessidade de crescer e aumentar – ou seja, prosperar – no amor, na fé, no conhecimento de Jesus e nas ações de graça (Lc 17.5; Cl 2.7; 1Ts 3.12; 2Pe 3.18). Ef 4.15 resume o aspecto da prosperidade espiritual exortando: “Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo [...].”
Nem sempre a promessa de prosperidade vem atrelada ao cumprimento da lei de Deus como um todo. Em algumas passagens ela vem associada à prática de mandamentos específicos como, por exemplo, o das primícias, dos dízimos e das ofertas (Gn 14.18s; Ml 3.8-12; Pv 3.9-10) ou, então, de recomendações para a ajuda aos pobres carentes (Pv 19.17; 22.9; 28.27; Is 58.10s; Mt 6.1-4), respectivamente, a comunidades carentes, como em 2Co 9.6-11. Várias das passagens citadas expressam a certeza de que doações desse gênero, ao contrário de trazerem prejuízo aos fiéis, em verdade farão com que Deus os recompense generosamente, pois “aquele que pouco semeia pouco também ceifará; e o que semeia com fartura com abundância também ceifará” (2Co 9.6; cf. o mesmo princípio – “o que se semeia é o que se colhe” – em Pv 11.24-26; 22.8s; Jó 4.8; Ob 15; Ef 6.8 e Gl 6.7).
II - Nem toda prosperidade representa bênção divina
Vários textos dão conta da existência de pessoas prósperas, mas cuja abundância não provém do temor e da obediência a Deus. Trata-se da prosperidade dos perversos e ímpios. Jó 21, o Sl 73 e textos como Is 5.8ss a descrevem em detalhes. Costuma vir associada com violência e opressão (Sl 73.6-8; Is 5.18, 20). Esta constatação faz da prosperidade uma realidade ambígua – ela tanto pode retratar uma bênção de Deus, quanto ser o resultado de valores e práticas contrárias a Sua vontade.
III - Entraves à prosperidade
Há algumas passagens na Bíblia – mesmo que poucas – em que a falta de prosperidade é atribuída aos próprios necessitados. Este é o caso, por exemplo, quando não há vontade para o trabalho (Pv 6.6-11; 10.4; 14.23; 20.4-13; 2Ts 3.10 – cf. também Pv 28.19 e 23.20s).
Na maioria dos casos, a palavra de Deus identifica a desobediência aos mandamentos divinos como o maior entrave à prosperidade (Dt 28.1ss, também 28.15ss). Esta desobediência leva à prática da injustiça, que pode manifestar-se legal e estruturalmente por leis que oprimem os necessitados e menos favorecidos (Is 10.1-4; Am 5.6ss; Mt 23.4; Mc 3.1-6), impedindo a sua ascensão social e econômica, ou seja, a sua prosperidade. Em outros casos, o entrave é resultado da transgressão de leis estabelecidas, como, por exemplo, das leis que solicitam não cobrar juros de pessoas carentes (Êx 22.25; Lv 25.35-38; Dt 23.19s) e não reter o salário de diaristas (Dt 24.15; Tg 5.1-5). A própria justiça, quando corrompida, favorece só a um segmento minoritário da população (Am 2.6; 6.12; Is 1.23; 32.7; Jr 5.28; 22.17; Mq 3.11 e 7.3). Alguns textos também deixam transparecer os prejuízos acarretados pelo desejo do acúmulo irrefreável dos bens, travando uma melhor distribuição de renda entre a maioria populacional (Is 5.8; 65.21ss; Jr 17.11; Mq 2.1-3; Mt 6.19-21; Lc 12.16-21).
Para a Palavra de Deus, estes e outros entraves colocados à prosperidade dos necessitados revelam não só falta de justiça e retidão, mas também de misericórdia e sensibilidade: Os 6.6; 14.3; Mq 6.8; 7.18; Mt 12.7. Jesus entendeu claramente que, se ao invés da injustiça, fosse buscado com prioridade – “em primeiro lugar” – o reino de Deus e a sua justiça, também os carentes haveriam de prosperar, pois não lhes faltaria mais comida, bebida e vestimenta (Mt 6.25-34 – cf. o v. 33!). Já o AT criticou duramente uma prática de piedade que se agradava em oferecer sacrifícios a Deus e ao seu templo, mas que não se dignava a zelar – com igual empenho – pelos sacrifícios em favor dos necessitados (1Sm 15.22; 7.1-11; Os 6.6; Am 5.21-24).
Os entraves colocados à prosperidade do povo de Deus explicam por que em países de tanta riqueza como a Palestina da época de Jesus (e o Brasil da atualidade!) existe tanta pobreza e carência. Explica também por que Jesus não terminou os seus dias como próspero pregador itinerante da Galiléia, Samaria e Judéia, mas como perseguido e crucificado, dando-se resultado semelhante também com vários de seus apóstolos (por exemplo, 2Co 4.7-11).
IV - Limites e finalidade da prosperidade
Há limites evangélicos para a prosperidade material? O NT intui com muita sabedoria que o acúmulo de bens e riquezas gera idolatria, ou seja, gera o apego e o amor ao dinheiro e aos bens e a dependência deles (Mt 6.19-21; Mt 6.24; Lc 12.16-21; 1Tm 6.10). Logo, o limite da prosperidade está dado quando não serve mais às necessidades reais, mas, em função do acúmulo, cria sempre novas e diferentes “necessidades” adicionais.
O limite da prosperidade é confirmado quando refletimos sobre a sua finalidade segundo o testemunho bíblico. Nos textos se confirmam dois importantes princípios:
1) A natureza última da prosperidade é coletiva. Deus a deseja para todo o seu povo, mesmo que seja sensível a petições individuais, como no caso de muitos salmos. No NT essa natureza coletiva é confirmada pela eclesialidade do povo de Deus: ele é o corpo de Cristo, onde todos são mutuamente dependentes e devem praticar a mútua solidariedade (At 2.42ss; 4.32ss; 1Co 12.25-27; 1Co 13). Por isso, em comunidade, a prosperidade de um membro já não será mais só sua – o será de toda a congregação; e a necessidade de um membro também já não será mais unicamente sua – será compartilhada pela comunidade, dentro da qual as e os fiéis devem levar mutuamente as cargas uns dos outros (Gl 6.2).
2) Esta natureza - originalmente coletiva - das bênçãos da prosperidade nos faz entender por que houve salvação na casa de Zaqueu quando resolveu dar metade dos seus bens aos pobres e devolver quatro vezes o valor de suas fraudes (Lc 19.1-10). Explica também por que Lucas dá tanta importância à prática das esmolas e da generosidade (Lc 11.39-41; 12.33; At 9.36; 10.2,4,31; 24.17 – cf. Lc 7.34ss e 14.12s) e por que Paulo faz uma exortação aos ricos no sentido de “que pratiquem o bem, sejam ricos de boas obras, generosos em dar e prontos a repartir” (1Tm 6.18). A partilha dos bens, a sua distribuição mais eqüitativa, é a finalidade última das bênçãos advindas da prosperidade material. Só assim haverá mais igualdade, podendo Deus ser o Pai de todas as pessoas para que elas sejam realmente uma fraternidade solidária, em vez de um conjunto de crentes egoístas e individualistas (2Co 8.13-15).
V - Considerações sobre a “doutrina da prosperidade” (DP)
Sobre o pano de fundo deste resumo do posicionamento bíblico, pode-se avaliar a nova “doutrina da prosperidade” (DP), como divulgada pelas igrejas de cunho neopentecostal, a exemplo da Igreja Universal do Reino de Deus e da Igreja Internacional da Graça de Deus, entre outras. A DP, fortemente influenciada pela corrente da “confissão positiva”, entende que todas as pessoas crentes devem e podem prosperar, desde que:
a) se transformem em fiéis e abnegadas dizimistas e doadoras de ofertas, pois, o princípio bíblico reza: “aquele que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia com fartura, com abundância também ceifará” (2Co 9.6), e “dai, e vos será dado” (Lc 6.38). No Brasil cunhou-se a expressão, num desvirtuamento da oração atribuída a São Francisco de Assis, “é dando que se recebe”;
b) se tornem plenamente cientes dos seus direitos de prosperidade, asseguradospelo próprio Deus em sua Palavra, para o que se recorre a textos como Ml 3.8-12; Lc 6.38; 2Co 9.6ss, entre outros;
c) saibam exigir e reivindicar junto a Deus a validade e o cumprimento desses direitos “em nome de Jesus”, isto porque “direito não reclamado é direito não existente”;
d) saibam permanecer firmes e convictas em suas exigências a Deus, jamais vacilando ou duvidando do seu cumprimento, mesmo que as aparências e as evidências apontem para o contrário. A base bíblica costuma amparar-se em textos como Mt 7.7s. A fé numa vida de abundância cria a realidade do sucesso; o vacilo, a dúvida e a insegurança quanto à prosperidade criam o fracasso. A fé e as palavras que lhe dão expressão são entendidas como forças que, uma vez verbalizadas, criam as próprias realidades que expressam. Dentro desta lógica, é errôneo rogar ou suplicar a Deus com expressões como “se for da tua vontade”, ou “que assim seja”, já que elas retratam dúvida quanto à absoluta convicção do atendimento divino. Os cristãos devem, muito mais, decretar, reivindicar e determinar o seu direito à felicidade;
e) estejam libertas de influências ou possessões demoníacas, que conservam os fiéis sob o domínio do pecado.
Tais pilares doutrinais da prosperidade, pregados com insistência diariamente pelos vários meios de comunicação, colocam as pessoas fiéis não-prósperas em situação constrangedora, culpabilizando-as ao lhes atribuir falta de fé nas promessas divinas ou então sugerindo possessão por demônios.
As críticas que cabe fazer a uma tal doutrina, podem ser resumidas nos seguintes pontos:
1. Há uma supervalorização do cumprimento do dízimo, entendido literalmente, em detrimento do cumprimento de todas as demais prescrições da lei bem como de outras ofertas solicitadas no AT, como as primícias e as “ofertas instituídas” (hebraico: terumah). Se quiséssemos ser exatos, à luz de textos como Dt 28.1ss, o descumprimento de qualquer um dos diversos mandamentos de Deus por si só já poderia implicar na suspensão das bênçãos prometidas! Note-se que na DP também costuma ser omitido que nem Jesus nem os apóstolos conclamaram para a doação de dízimos, e sim, unicamente para que cada qual desse aquilo que conseguisse dar com boa vontade e alegria, e não por tristeza ou coação (2Co 8.12; 9.7). E, por último: dificilmente se problematiza o dízimo como contribuição percentualmente eqüitativa de todos os fiéis, quando se sabe muito bem que a décima parte de um salário mínimo representa um valor proporcionalmente muito superior ao dízimo pago por quem recebe numa faixa entre 10 a 20 salários!
2. Para a DP as bênçãos na forma de abundância e prosperidade transformam-se de uma dádiva, que Deus, em seu amor, promete graciosamente às suas criaturas, em um direito, que se pode exigir e cobrar dEle. No entanto, a nossa condição de criaturas não ultrapassa biblicamente a de textos como Lc 17.10: “Também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer”; ou 1Co 4.7: “[...] E que tens tu que não tenhas recebido? [...]”. A postura que reclama prosperidade como direito ignora, ademais, as diferenças entre Deus, Criador, e os seres humanos, suas criaturas: é só a Deus que cabe, em última análise, o governo do mundo (Is 40.12ss; Sl 145.13). Também não cabe a uma criatura tirar de Deus a liberdade para decidir a hora e o lugar para derramar as suas bênçãos (Ec 3.9-15; Mc 4.26-29). O mais grave nessa postura de exigência, contudo, é que (segundo Rm 3.21ss; Gl 2.15ss e Fp 3.8-9) toda criatura, por praticar a injustiça, depende, no que concerne à sua salvação – a sua prosperidade incluída – total e exclusivamente da graça de Deus. Portanto, se se quer falar da lógica do Do ut des (“dou para que dês”) ou do “É dando que se recebe” para caracterizar a nossa relação com Deus, então só podemos fazê-lo na consciência de que todo e qualquer recebimento não é nem direito nosso nem dever de Deus, mas unicamente expressão da Sua graça, não cabendo, pois, ser decretado e determinado, mas somente pedido e suplicado com humildade e na consciência de pecado.
3. A DP exalta indevidamente a prosperidade material, em detrimento de uma prosperidade em outras áreas da vida, como na fé, no amor e na esperança. Além disso, o seu acento no direito e dever de cada fiel de ser próspero advoga uma escatologia já plenamente realizada no aqui e agora, contrariando a dialética entre o “já” e o “ainda não”, tão característica de ambos os Testamentos. Em Jesus e na fé nele o Reino de Deus se faz presente já agora, mas o reino consumado está resguardado para o futuro. Portanto, “ainda não” vivemos nele, mas estamos a caminho.
A DP é exageradamente individualista. Não fomenta espírito de partilha e distribuição dos bens. Também se apresenta como não-profética e politicamente conservadora. Não procura ver as raízes estruturais da pobreza e do desemprego, muito menos os interesses gananciosos por detrás da concentração de renda. Coloca sobre a responsabilidade de demônios o que, na sociedade, é perfeitamente identificável e atribuível a interesses de pessoas, grupos e corporações. Daí que o seu combate ao mal da pobreza apela para uma mágica transformadora de palavras ditas com determinação, ao invés de se empenhar pela correção de estruturas de injustiça e das leis que as facultaram.
Não devemos permitir que os interesses econômico-financeiros que hoje determinam o processo de globalização sujeitem também a nossa fé a uma visão estreita de prosperidade individual e material. O Deus da vida é generoso e se compraz com a prosperidade de toda a sua criação – prosperidade que entendemos no sentido da vida plena a ser buscada diariamente pela fé em Cristo e pelo viver segundo o seu exemplo.
Porto Alegre, 19 de agosto de 2008.
Walter Altmann
Pastor Presidente


Valorizando a Família #
Posicionamento da IECLB
Ano: 1997
1. Introdução
Este documento sobre a Pastoral de Família na IECLB é resultado de uma Consulta Nacional realizada em Porto Alegre (RS), de 04 a 06 de outubro de 1996. A consulta teve como objetivo definir o trabalho e as atividades relacionadas com as famílias na IECLB, ou atingidas por ela. O presente documento, aprovado pelo Conselho Diretor, é uma orientação em meio à diversidade de iniciativas existentes no âmbito da IECLB. O documento contém três aspectos importantes: a) Análise da Realidade (a família atual e as influências às quais está exposta); b) Visão Bíblica (a família nos tempos da Bíblia e os propósitos de Deus com relação à vida familiar); c) Pastoral de Família (sugestões da IECLB para o convívio familiar e o trabalho com as famílias). Em seu todo, o documento está fundamentado na confessionalidade luterana.
Trata-se de uma Pastoral porque procura-se inserir as famílias no rebanho de Cristo, o Bom Pastor. Assim também o rebanho, a congregação cristã, tem uma função familiar. Todas as pessoas têm o direito de receber a orientação e a proteção do Bom Pastor. Este documento é uma palavra orientadora para a vida e o convívio familiar de pessoas, comunidades e entidades ligadas à Igreja.
Sob família a Igreja entende o grupo de pessoas relacionadas entre si por laços de parentesco, afetividade, compromisso ou comunhão cristã. Portanto, o conceito de família vai além do grupo de pessoas formado por pai, mãe, filhos e filhas, vivendo legalmente sob o mesmo teto. Com respeito e amor, a comunidade cristã também aceita, acolhe e ampara grupos familiares com características especiais.
Por causa da grande diversidade de relacionamentos no convívio humano, o presente documento não pode abranger todos os aspectos. Quer, no entanto, ser um agente motivador para membros e comunidades da IECLB, a fim de que abracem a Pastoral de Família como uma tarefa inserida na missão cristã.
A IECLB confessa e vive da graça de Deus revelada no Senhor Jesus Cristo. Esta graça de Deus tem profundas conseqüências na vida pessoal, nos grupos familiares e no convívio comunitário. A Pastoral de Família quer ajudar os membros e as comunidades a vivenciarem sinais deste grande amor de Deus.
Como resposta a este amor, a Pastoral de Família traz consigo também uma dimensão de serviço. O convívio comunitário e familiar tem aspectos profundamente diaconais, ou seja, de serviço ao próximo. Este documento, portanto, quer ser uma ajuda à Igreja, para que esta possa servir cada vez melhor.
2. A Realidade Desafia
A família, como instituição, tem recebido profundos impactos por causa de mudanças ocorridas na esfera cultural, com reflexos, inclusive, na formulação de leis civis. Percebe-se que estes impactos são, entre outros motivos, provenientes da liberação sexual, do movimento feminista, da aprovação do divórcio, da urbanização desenfreada, do processo migratório, da crise econômica e da aprovação da nova Constituição do Brasil. Há elementos positivos e negativos nestas mudanças. É um desafio para a Igreja tratar de forma diferenciada os aspectos positivos e negativos.
A Constituição de 1988 trouxe mudanças na base legal do matrimônio e da família. As Constituições até então mantinham, por exemplo, uma visão patriarcal da família: o marido era o chefe da família, detinha o direito de fixar domicílio, administrar os bens e decidir em casos de divergência. A Constituição de 1988 trata de superar esta discriminação legislativa. O item Da família, da criança e do adolescente e do idoso estabelece um conceito ampliado da família, quando reconhece a união estável entre homem e mulher como entidade familiar. Foi suprimida a expressão constituída pelo casamento. Esta nova Constituição concede às mulheres igualdade de direitos, livrando-as do desamparo e da discriminação legal. Apesar da legislação, na realidade, continuam vigorando estruturas hierárquicos-patriarcais que definem a vida familiar de muitas pessoas.
Estas modificações na área jurídica trouxeram novas questões para a prática da Igreja. A realização da Bênção Matrimonial estava naturalmente vinculada à sanção do Estado. Só se concedia a Bênção Matrimonial ao casal que casava no civil. Em muitos lugares também só se batizava a criança de um lar legitimamente constituído. A nova realidade admite uniões fora do modelo tradicional. Existe a possibilidade legal de uniões por concubinato. Fala-se, inclusive, na legalização de uniões de parceiros do mesmo sexo, tendo em vista ser uma realidade a existência da indiferenciação entre os sexos. Por causa da complexidade e amplitude da questão, sugere-se que a IECLB promova um amplo e profundo estudo sobre a homossexualidade, fornecendo posteriormente um documento que defina a posição da Igreja a respeito do assunto.
As pesquisas indicam que os brasileiros e as brasileiras casam menos e se separam mais. Aumenta o número de uniões de casais sem o registro civil. Cresce a quantidade de famílias só com mãe e crianças, sem pai. Surgem cada vez mais filhos e filhas com quatro pais, ou seja, mães e pais divorciados e recasados. As formas de geração de crianças também sofrem mudanças. Muitas vezes, a gravidez acontece sob situações adversas. A discussão sobre a descriminalização ou legalização do aborto não pode acontecer sem a posição franca da Igreja. Por isso também se sugere que a IECLB manifeste, em documento específico, sua posição com relação à discussão atual sobre o aborto.
Constata-se que a iniciação sexual da juventude já acontece na pré-adolescência. Disto resultam: gravidez precoce, mães adolescentes e solteiras, uniões instáveis e sem respaldo econômico, prostituição juvenil, mas lembra-se também que muitos avós assumem a tutela destas crianças.
A família modifica-se constantemente e, por sua vez, modifica também o meio no qual se encontra inserida. Em sua própria trajetória ela passa por momentos denominadosde eventos críticos. Entre estes podem ser citados: a) o ajustamento do casal; b) o nascimento de uma criança; c) a escolaridade; d) a adolescência; e) a saída de filhos e filhas de casa; f) a eventual separação do casal por divórcio; g) o envelhecimento e a senilidade; h) a morte de um familiar.
A vida em família é um processo de constantes rupturas, perdas e ganhos, apegos e desapegos, construção e reconstrução da trajetória de uma existência compartilhada. Neste processo, a fé religiosa é um fator de reordenação do caos. Constata-se, contudo, que a proliferação de propostas religiosas causa confusão, gera conflitos e patologias.
As mudanças políticas e econômicas que estão ocorrendo nos últimos tempos com o processo chamado de globalização vêm interferindo também na área cultural. Esta interferência é sentida, em primeiro plano, pela família e vem das novas necessidades impostas. Entre estas, podem-se citar: a) a necessidade que as pessoas têm de se atualizar para competir num mercado que se especializa e se torna cada vez mais exigente; b) a insegurança que é causada pela falência de empresas que não conseguem mais competir, fazendo com que membros de família, às vezes, tenham que mudar de profissão; c) a carência de campos de trabalho causada pelo crescente desemprego, que afeta amplos setores sociais, causando empobrecimento de novas camadas populacionais, isto é, levando novas famílias para a marginalização; d) as novas necessidades surgidas nas famílias que incluem crianças e pessoas idosas, por causa da valorização exclusiva do homem e da mulher em idade produtiva; e) a falta de perspectiva sentida por jovens. Estes são alguns aspectos que podem ser destacados e que são significativos para a família.
O empobrecimento de uma família altera profundamente sua estrutura e seu sistema de relacionamentos. Há muitas pessoas e famílias que vivem abaixo das condições mínimas de dignidade humana. Isto gera carências, necessidades e desafios que devem ser enfrentados pela comunidade social e eclesial. Além dos conflitos com filhos e filhas, das crises afetivas, sexuais e econômicas, valorizam-se os dados de pesquisas recentes que comprovam ser o alcoolismo o maior fator gerador de crises familiares.
Os recursos científico-tecnológicos atuais trazem muitos impulsos novos para a vida pessoal e o convívio familiar. Na área da medicina por exemplo, os avanços proporcionam maiores perspectivas de sobrevida e longevidade. Constata-se, porém, que a maioria da população não tem acesso a estes recursos. Em vista disso, a medicina natural e comunitária (popular) tem alcançado, através da prevenção, uma melhor qualidade de vida. Vale lembrar, além disso, que a sociedade competitiva e consumista exige cada vez mais das pessoas. Urge uma conscientização a respeito da necessidade e importância do lazer para a busca de um equilíbrio pessoal e familiar. Este visa ao descanso, à diversão e ao desenvolvimento.
Os estudos e as descobertas no campo da psicologia, psicanálise e terapia trazem novas perspectivas para o trabalho de conflitos e para a superação de crises conjugais e na educação de filhos e filhas.
3. O Evangelho Compromete
O Antigo Testamento conta a história da criação e do povo de Deus como história familiar. Adão e Eva simbolizam a humanidade. São criados por Deus como casal que deve constituir família e administrar a criação (Gn 1.27-28; 2.15). Através das famílias dos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó inicia a história da eleição e salvação. As diferentes famílias se localizavam no tempo pela memória de sua origem, através da lista dos antepassados (genealogia) que despertavam a consciência histórica do povo de Deus.
Conforme o espírito da época, predomina no Antigo Testamento uma visão patriarcal da família, centrada no homem, como pai e chefe do clã. Em textos decisivos, porém, como a história da criação do homem e da mulher e da queda, transparece a profunda igualdade de ambos entre si e perante Deus (Gn 1.27-28; 2-3).
É significante que a queda de Adão e Eva (Gn 3) marca profundamente a história da família humana. Os perigos e as dores do parto, bem como a luta pela sobrevivência no trabalho e o estabelecimento de estruturas de poder são conseqüências da queda e mostram como a realidade da vida familiar é uma expressão da ambivalência da vida humana. A dominação do homem sobre a mulher, o ciúme e a violência entre os irmãos Caim e Abel (Gn 4.1-16) testemunham que, desde o início, o pecado e o conflito fazem parte da vida familiar.
O Antigo Testamento entende o matrimônio como instituição social, na qual se realiza de uma forma duradoura a relação entre homem e mulher (tornando-se os dois uma só carne – Gn2,24), com a finalidade da procriação e do sustento econômico dos membros do grupo familiar. Independente da sua forma cultural, matrimônio e família pertencem à criação de Deus, são abençoados por ele e instrumentos da sua promessa de conservar a humanidade como espécie no mundo pecaminoso (Gn 9.8-17) e da sobrevivência do seu povo (Gn 15.4-5).
O 4º, o 6º e o 10º Mandamentos (Êx 20.1+17) expressam grande preocupação pela manutenção da ordem familiar. Diversas outras leis, bem como vários textos poéticos e proféticos, valorizam o matrimônio e a família (Oséias 2 e Cantares).
A vida da família no ciclo do ano é estritamente ligada a rituais e celebrações religiosas (Sábado, páscoa, colheitas, etc.). Mudanças durante o ciclo da vida familiar, como o nascimento, a adolescência, o casamento, o falecimento, são motivos de reunião da família e da realização de ritos de passagem. Através dos rituais a família reafirma que pertence ao povo de Deus e vive sob a promessa da sua bênção.
No mundo do Novo Testamento também predomina a família patriarcal, a estrutura da casa do pai. Porém os grandes clãs estão dissolvidos e as famílias vivem de forma mais isolada. Em conseqüência da ocupação e exploração pelo Império Romano, as famílias enfrentam grandes problemas, muita pobreza e fome. Para sobreviver, muitos pais vendem filhos e filhas como escravos. Há muitas pessoas desenraizadas que migram através do país, mendigando nas ruas e procurando empregos ocasionais.
Nos Evangelhos, a posição de Jesus com relação à família deixa claro que esta é uma realidade penúltima. A última realidade é o Reino de Deus, esperado para breve. Frente ao fim dos tempos e à vinda do Reino, Jesus chama as pessoas para fazerem penitência e converter-se, a fim de estarem preparadas para participar deste futuro (Mc 1.115). Isto individualiza as pessoas perante Deus. Sua relação com Deus e Jesus torna-se mais importante do que os laços familiares (Mc 13.12-13).
Jesus questiona o encontro com a sua mãe e os seus irmãos que o procuram e diz: “Qualquer que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe” (Mc 3.35). ele relativiza os laços biológicos que constituem a família e identifica os seus seguidores como família constituída pelo laço espiritual, que é o fazer a vontade de Deus. Ao lado da família biológica, aparece a comunidade como novo grupo familiar para os cristãos.
Jesus afirma o matrimônio como forma adequada de convívio, numa união plena de corpo e alma, entre um homem e uma mulher. É o próprio Deus, o Criador, que une as pessoas numa relação monogâmica. Ao proibir o divórcio (Mc 10.2-12), Jesus chama as pessoas para que voltem à vontade original de Deus. Dizendo que direito do divórcio foi concedido por causa da dureza do coração, ele afirma a indissolubilidade original do matrimônio, como realidade da criação. O que ele ensina sobre o divórcio faz parte da sua pregação de penitência, que confronta as pessoas com o seu pecado. Por isso o casamento com um parceiro divorciado é considerado adultério, porque a decisão humana de se divorciar não dissolve o sentido original da união matrimonial perante Deus (Mc 10.11). Na realidade, também o cristianismo primitivo teve que aceitar o divórcio em determinados casos e achar regras de avaliação (Mt 19.9; 1 Co 7.15).
A mensagem do Reino leva a uma transformação radical do sentido das relações familiares. Ao aceitar as mulheres como discípulas, Jesus dá início à igualdade espiritual entre homem e mulher. Isto leva o Apóstolo Paulo à constatação de que em Cristo não há mais diferença da função social prescrita para homem e mulher (Gl 3.28). Isto relativiza e transforma as estruturas de poder na família patriarcal. Certos textos bíblicos são recomendações específicas para determinadas épocas, realidades e contextos (Cl 3.18-4.1; Ef 5.22-23). Através dos séculos, porém, o cristianismo usa estes textos para manter a ordem patriarcal, obscurecendo, assim, a revolução que Jesus inicia na relação entre os gêneros.
De forma parecida, Jesus valoriza as crianças, que no mundo antigo não possuem uma individualidade própria. Contrariando esta visão, Jesus deixa as crianças chegarem perto e as toca (Mc 10.13+16). Ele usa a imagem da criança que é dependente dos adultos como metáfora da relação do ser humano com Deus (Mt 18.1-5). Jesus se identifica com as crianças, defende-as e mostra que Deus se faz presente através dos excluídos e fracos. Ele mesmo se coloca diante de Deus como uma criança, quando no Jardim Getsêmani, relutando com o seu destino, chama Deus em tom íntimo e familiar de Aba, Pai (Mc 14.36). Na parábola do Pai Bondoso (Lc 15.11-32), o conflito e a reconciliação entre pai e filho(s) aparecem como um modelo da relação íntima e familiarizada dos crentes com Deus. Por isso, nas cartas pastorais, a relação entre pais e filhos é caracterizada pela valorização e pelo respeito mútuo (Ef 6.1-4; Cl 3.20-21).
No livro de Atos e nas cartas de Paulo encontram-se os lares e as famílias como fundamento social da missão. Eram células da comunidade, lugares de reunião, celebração e partilha.
Na Bíblia, a família é encarada como uma oportunidade para o crescimento e o desenvolvimento saudável, tanto na esfera física como também na emocional, social e espiritual. Esse crescimento é previsto para esposa e marido, pais/mães e filhos/as, para crianças, pessoas adultas e idosos/as.
A Bíblia confronta as pessoas com o fato de que são pecadoras em relação a Deus e ao próximo. Todas as pessoas carecem da graça de Deus. São aceitas e perdoadas gratuitamente pela dádiva do seu amor. Assim, portanto, indistintamente crianças, mulheres e homens são justificados pela fé, independente das obras da lei.
4. A Pastoral de Família na IECLB
As comunidades e paróquias da IECLB promovem muitas atividades que envolvem diversos membros da família (Culto Infantil, Ensino Confirmatório, JE, Grupo de Singulares, OASE, Estudo Bíblico, Grupo de Casais, Presbitério, Coral, Legião Evangélica, Grupo da Terceira Idade, etc.). Tais grupos podem ser uma família para muitas pessoas que vivem ou se sentem sós. Eles podem inclusive ser uma ajuda para o convívio familiar.
Os líderes comunitários são incentivados a usar sua criatividade no sentido de promover acontecimentos que unam as famílias e que ajudem as pessoas a se sentirem uma família.
O culto, como acontecimento central da vida comunitária, também é um evento familiar. Valoriza-se a celebração de cultos que envolvam as famílias e que façam com que as pessoas que deles participam se sintam como povo de Deus, o qual se abre para ir ao encontro de outras pessoas.
Na intenção de ser comunidade acolhedora, ela abre espaço para o envolvimento e engajamento de pessoas e grupos sociais normalmente marginalizados pela sociedade. O próprio Senhor e Criador de toda a comunidade cristã, com seu exemplo, desafia a Igreja a supera preconceitos.
Os programas e as propostas desta Pastoral de Família não podem se restringir ao aconselhamento e aos desafios da família nuclear. Ela necessita de coragem para integrar na comunidade de fé também aquelas pessoas e aqueles grupos familiares com características especiais. Para tanto necessita de ações conjugadas com outros setores da vida comunitária, tais como programas de educação, geração de empregos e renda, busca de qualificação profissional, luta por trabalho, saúde e habitação. No âmbito da comunidade há muita riqueza a compartilhar.
A comunidade pode ser um lugar onde se resgata a dignidade, onde há boa comunicação entre as pessoas, onde se encontram apoio, amparo e consolo. Através de portas abertas e visitação, a congregação presta um bom serviço no ambiente em que está inserida. Este espaço diaconal da Pastoral de Família é muito relevante.
A fé cristã atinge a vida singular, conjugal e familiar. As pessoas merecem ser respeitadas em suas opções ou nos acontecimentos que as colocam em determinada situação. Por isso o serviço comunitário deve procurar aceitar, envolver e amparar todas as pessoas, sem medo, constrangimento ou preconceitos. O sofrimento causado pela rejeição, por parte da família e da sociedade, é um motivo de preocupação para a comunidade cristã.
Os Ritos de Passagem merecem uma valorização específica, pois são momentos de convívio familiar aliados à vida e ao serviço da comunidade. Mencionam-se o Batismo, a Confirmação, a Bênção Matrimonial, as Bodas de Jubileu, o Sepultamento. É muito importante que pessoas e famílias passem pelas diversas fases da vida de uma maneira saudável. Por isso, em tais momentos e ventos, a Igreja tem a mensagem evangélica para proclamar, a comunhão cristã a oferecer e o serviço do amor a prestar.
Quando pessoas ou famílias vivenciam eventos críticos e inesperados, é tarefa da comunidade prestar apoio e amparo. Citam-se, como exemplos, a gravidez na adolescência, a separação conjugal, doenças (quaisquer que sejam), alcoolismo, acidentes, crises financeiras, a adoção de filhos/as por parte de casais e singulares.
Uma ajuda substancial para as comunidades é a criação de Equipes Interdisciplinares. Podem ser advogados/as, médicos/as, psicólogos/as, analistas, terapeutas, pastores/as, catequistas, obreiros/as diaconais e diaconisas. Unindo forças e capacidades, estas equipes podem ajudar decididamente em situações que dificultam ou ameaçam a vida e o convívio de pessoas e famílias.
Nesta área também se pode colher bons frutos da Terapia Familiar. O aconselhamento pastoral tem, muitas vezes, suas limitações. É um sinal de sabedoria quando, então, se procura encaminhar um casal ou uma família para a terapia, onde pessoas especializadas poderão buscar soluções e restabelecer a harmonia no lar.
Destaque especial deve ser dado à contribuição que o encontro de casais, como o Programa Reencontro e outros, dão ao bom convívio matrimonial e familiar. Estas atividades visam renovar a fé cristã, fortalecer os laços conjugais, solidificar a vida em família e despertar para a atuação da comunidade.
Enfatiza-se a criação do Departamento da Pastoral de Família na comunidade. Este departamento poderá abranger as questões e atividades que giram em torno da família. O seu objetivo principal será a concretização das orientações deste Documento da Pastoral de Família. Também buscará soluções locais para as questões que surgirem em seu ambiente.
O Departamento da Pastoral de Família poderá coordenar, entre outras, as seguintes áreas: a) Educação para o Matrimônio; b) Comunicação Conjugal e Familiar; c) Cursos sobre Valores Éticos e Cristãos; d) Celebrações dos Ritos de Passagem; e) Compartilhar dos Eventos Críticos; f) Relacionamento Interfamiliar.
As Equipes Interdisciplinares e os Departamentos da Pastoral de Família poderão ser formados nos diversos níveis que compõem a IECLB. Nada impede que paróquias ou comunidades se unam nesta tarefa.
No âmbito de toda a IECLB, as Secretaria de Missão e de Pessoal estarão à disposição para receber e responder pedidos de informação, sugerir vias de concretização deste documento e assessorar na promoção de eventos relacionados com a família no plano nacional.
A comunidade é chamada a promover a valorização do lar. Faz parte da dignidade humana poder viver sob um teto acolhedor, entre pessoas que amam e são amadas. A comunidade também é vocacionada para colaborar didaticamente para que reine a paz nos lares dentro e fora de seu ambiente.
5. Conclusão
Na compreensão luterana, a comunidade cristã tem tarefas que ultrapassam as fronteiras das famílias que a compõem. Por isso estas famílias são chamadas a vivenciar sua vocação cristã, colaborando com a comunidade na realização de sua missão no mundo.
No cumprimento desta missão de Deus, a comunidade congrega pessoas e famílias para celebrar, testemunhar, servir e conviver como irmãos e irmãs em Cristo, ordenados/as a partir do Batismo, para exercer o sacerdócio geral de todos os crentes.
Nesta perspectiva da comunidade, a família está sendo desafiada para ser Igreja e viver as funções básicas da vida comunitária entre si, crescer e amadurecer espiritualmente, ouvir a palavra bíblica, orar e cantar, bem como apoiar-se, ajudar-se, aconselhar-se e buscar perdão. Por outro lado, a família está sendo convidada para ouvir, aprender, ser ajudada, buscar perdão, engajar-se solidariamente e celebrar em conjunto na comunhão com outras pessoas.
Porto Alegre, 9 de janeiro de 1997


IECLB no Pluralismo Religioso - 2000 #
Manifesto da IECLB – 2000
Apresentação
E o Verbo se fez carne prega o evangelista João no início de seu evangelho. Dessa forma testemunha a encarnação de Deus. Já que Deus se torna concreto e palpável, também a igreja procura testemunhar, de maneira concreta, o amor divino para dentro de cada contexto novo. Já que os tempos e as situações mudam, a igreja precisa redefinir conteúdo e jeito de seu testemunho, seja por meio da pregação, da vivência ou através da ação diaconal.
Esse redefinir implica considerar o evangelho e os escritos confessionais em seus contextos distintos bem como levar a sério a realidade atual. Essa se caracteriza por muitas facetas nos níveis social, cultural e religioso. A sociedade multifacetada, em que vale tudo e nada, afeta também as nossas comunidades. Elas se sentem desnorteadas num mercado do pluralismo religioso. Sentem dificuldade em articular a sua identidade confessional e não mais percebem o que as une. Contra as ameaças de desintegração clamam, junto a sínodos, ao Conselho da Igreja e à Presidência, por redefinições da ética e conduta da vida comunitária e de uma releitura da nossa identidade confessional. A pergunta que se coloca é: Qual é o lugar da IECLB no pluralismo religioso? Qual é a nossa contribuição específica nessa generalizada fome e sede por sentido e rumo? A resposta só pode ser encontrada em conjunto, envolvendo as bases.
Foi o que aconteceu, a partir do primeiro documento Sentindo o pulso das bases. A Presidência o discutiu com os pastores sinodais, os presidentes sinodais e com o Conselho da Igreja. Desse debate resultou um texto reformulado sob o título IECLB em busca de seu lugar e papel no pluralismo religioso. Esse texto foi discutido em nível sinodal. Sugestões de emenda e alteração foram incorporadas nesse novo documento: IECLB no pluralismo religioso.
Objetiva afirmar positivamente quem somos, como vivemos em comunidade, como realizamos culto e como servimos nesse mundo pluralista. Justamente para viabilizar a nossa convivência em comunidade, sínodo e IECLB e para melhorar os resultados de nossa ação missionária, necessitamos de um mínimo de consensos em torno dessas bases norteadoras. Por isso o documento prima pelos afirmandos, identificados pelo sinal verde dum semáforo. Algumas legendas na margem lhes dão ainda maior destaque. Nesses parâmetros e referenciais exploramos amplo espaço para contextualizar o nosso testemunho missionário. Esses marcos norteadores de nossa identidade confessional nos permitem dar forma livre e criativa às manifestações de vida comunitária. Dão coragem para nos arriscar em formas e caminhos novos, até os limites identificados pelo sinal amarelo.
Tudo o que, de alguma forma, ultrapassa esses limites, põe em cheque a nossa identidade e confessionalidade luteranas e, como tal, não contribui em nada para a construção e edificação de comunidade da IECLB. Pelo contrário, desintegra a comunhão e prejudica a nossa contribuição específica. Observamos, pois, os sinais de vermelho, pensando em nosso próprio bem, em termos de integridade e identidade comunitária de IECLB. Ao mesmo tempo, honramos os limites, visando à força e eficácia do testemunho missionário luterano no mercado religioso. Os sinais vermelhos, portanto, não nos querem cercear a liberdade, mas garantir aquele mínimo de consenso, necessário para a convivência fraterna e indispensável para a credibilidade de nosso testemunho missionário.
Nesse sentido entregamos o presente documento para os e as líderes em nível comunitário, paroquial, sinodal e nacional, para os colaboradores leigos e as colaboradoras leigas, para as entidades e os setores de serviço, para as obreiras e os obreiros da IECLB.
Rogamos que o Espírito Santo, por meio desse instrumento, revigore a nossa comunhão, com vistas à eficácia do nosso testemunho missionário no mundo de Deus. Sopre fortemente, Espírito Santo!
Pentecostes de 2000
IECLB no pluralismo religioso
1 – Introdução
“A religiosidade está em alta, a religião em baixa”, constatou G. Brakemeier na Conferência Luterana sobre o Espírito Santo, em Ivoti, em novembro de 1999. Em reação a um mundo excludente e marginalizante pessoas procuram sentido de vida para sobreviver. Lançam mão dos mais diferentes recursos, sendo que no Brasil a religiosidade é um dos meios mais procurados. Experiência religiosa, com emoção, afeto e, preferencialmente, com cura, está em alta. Novos movimentos religiosos com características neo-pentecostais e orientais proliferam. Há em nosso meio um impressionante e crescente pluralismo religioso. Parece que as igrejas históricas ainda ou novamente interessam as massas à medida em que correspondem a essas expectativas. Eis por que o movimento carismático, ou como for denominado, perpassa todas as igrejas históricas. Seria esse fenômeno uma irrupção do Espírito Santo?, perguntou Brakemeier, na conferência em Ivoti, convidando a uma criteriosa avaliação.
Esse é o nosso propósito, com vistas à vivência e à prática missionárias em nossos dias.
2 - As bases em processo de planejamento missionário
2.1 - Na nova estrutura sinodal da IECLB, norteada pela visão do Ministério Compartilhado, comunidades e sínodos redescobrem a sua missão de ser sal da terra e luz do mundo (Mt 5.13-16) e a grande comissão de fazer discípulos em todo o mundo (Mt 28.18-20). A partir do batismo são incorporados na grande família de Deus. São feitos filhas e filhos de Deus, irmãs e irmãos uns dos outros. São ordenados sacerdotes e sacerdotisas do sacerdócio universal de todos os crentes. Pela fé aceitam a graça imerecida e assumem a sua condição, colocando sinais de gratuidade. Com razão sublinham que a missão não é dada a alguns especialistas, mas à comunidade. Nem sempre, porém, considera-se que Deus concede ministérios específicos com o intuito de conscientizar e equipar a comunidade com vistas à sua missão. Onde não se distingue entre sacerdócio universal e ministérios nem se interrelacionam os mesmos devidamente, a exemplo de Lei e Evangelho, aí surgem deturpações: ou se sacramenta o “pastorcentrismo” e a acomodação da comunidade ou se clericaliza o laicato, o que dá margem a todo tipo de desordem e desintegração no Corpo de Cristo.
2.2 - Igualmente redescobrimos que a missão abarca todas as necessidades de vida das pessoas bem como de toda a criação. Falamos, portanto, em dimensão holística da missão. A alternativa entre missão pela palavra ou missão pela ação diaconal devemos ter como superada. Palavra e ação não se excluem, nem podem ser colocadas em seqüência prioritária. Muito antes, ambas necessitam uma da outra. Elas se mesclam e se complementam mutuamente, visando à salvação integral em nível pessoal, sócio-estrutural, bem como cósmico. Segundo o evangelista Mateus, a missão se resume no peregrinar pelas vilas e cidades ensinando, pregando e curando (Mt 4.23; 9.35). De fato, Jesus viu as multidões e delas se compadeceu (Mt 9.36).
2.3 – Nesse mesmo espírito de misericórdia, passamos a enfocar alguns aspectos que caracterizam o mundo em que vivemos e ao qual somos enviados como comunidade missionária.
O sonho indígena por uma Terra sem Males foi frustrado pela invasão européia, iniciada há 500 anos. Com ela se instalaram corrupção, exploração, falência da saúde pública, falência da previdência social, espoliação do capital e dos recursos nacionais, injustiça, má distribuição de renda, desemprego, fome, miséria, violência, ... Dessa forma os indígenas falam hoje em ”Terra de muitos males”. No mundo globalizado, os avanços científico-tecnológicos em todas as áreas, inclusive na comunicação e informática, beneficiam minorias, enquanto a grande maioria de pessoas e povos sofre seus efeitos excludentes e marginalizantes. Sistemas de dependência em todos os níveis, também no econômico e cultural, estão aumentando. A política neoliberal não consegue ou não quer mudar, substancialmente, esse quadro. No mundo globalizado culturas e religiões não somente se aproximam, mas também se mesclam e guerreiam, provocando crises de identidade em todos os sentidos.
A sociedade atual, chamada “pós-moderna”, está se tornando multifacetada, a ponto de provocar crises de identidade, desorientação e solidão. Desespero se manifesta na busca por sentido de vida, por experiência religiosa e cura dos males individuais e imediatos. O número de pessoas que se confessam cristãs está diminuindo em comparação ao crescimento da população mundial. Na IECLB, embora o número de obreiras/os esteja aumentando, não podemos registrar um crescimento significativo do número de membros.
Esses flashes enfocam alguns aspectos do contexto em que queremos ser comunidade missionária. Em meio a essa realidade angustiante, porém, percebemos, com alegria, sinais de renovação e animação de nossa prática missionária.
3 - Sinais de esperança
Vemos tais sinais, por exemplo:
- quando obreiros/as e líderes leigos, nos diferentes níveis, se reúnem com outros especialistas para avaliar e planejar a sua ação missionária;
- quando comunidades e/ou sínodos investem em programas de formação de líderes;
- quando comunidades e obreiros/as com elas buscam renovar sua forma de culto, tornando-o mais participativo;
- quando visitadores/as regularmente fazem visitas a pessoas doentes, idosas e enlutadas;
- quando paróquias, sínodos ou entidades reúnem milhares de pessoas em Dia da Igreja, contribuindo para saciar a sede por experiência religiosa e comunhão;
- quando comunidades e membros ofertam, espontânea e generosamente, em apoio a tarefas missionárias mantidas ou subvencionadas pela IECLB;
- quando assumimos a missão e a solidariedade entre e para com povos indígenas;
- quando em parceria com outras igrejas aceitamos o desafio de ser presença missionária em Moçambique e outros países.
Basta a menção desses poucos sinais para sinalizar que o Espírito Santo está operando em e através da igreja.
4 – Dificuldades e clamores
De outra parte, em meio aos sinais de esperança, também é forçoso e igualmente evangélico reconhecer e confessar que temos fraquezas e, inclusive, tensões internas que preocupam um número crescente de membros e comunidades de nossa igreja. Nesse sentido, queremos compartilhar alguns dos clamores que têm sido manifestados verbalmente ou por carta:
» obreiras/os e líderes manifestam grande preocupação com a mentalidade de igreja-supermercado – paga-se o mínimo possível para cobrar o máximo de atendimento;
» membros se queixam da liturgia não envolvente e dos hinos difíceis;
» jovens afastam-se da vida comunitária por considerá-la monótona ou desatualizada;
» membros queixam-se da falta de maior uniformidade litúrgica em cultos e ofícios;
» membros expressam seu mal-estar quando ocorrem excessos em festas da comunidade;
» outros criticam que o obreiro ou a obreira mandou tirar do templo todos os símbolos;
» membros estranham que o/a pastor/a preside cultos e ofícios sem vestir o talar ou adota o traje típico de pregadores pentecostais;
» membros percebem, com profunda preocupação, que o/a pastor/a procura imitar, desajeitadamente, pregadores de sucesso de igrejas neo-pentecostais;
» outros membros expressam sua desconformidade com a aceitação de manifestações mediúnicas na IECLB;
» vizinhos do centro comunitário queixam-se do barulho no culto e da extensão do mesmo até altas horas da noite;
» membros inconformados com a “pentecostalização” do culto afastam-se, ostensiva ou silenciosamente, da comunidade;
» exige-se que a igreja excomungue anabatistas e exorcistas, estabelecendo normas claras para a vida comunitária e criando monitoramento (mecanismos de cobrança).
Tais queixas e clamores – e outros mais, não mencionados aqui – parecem indicar uma crescente sensação de que a IECLB seria um barco à deriva, sem comando, em que cada qual se dá o direito de fazer suas próprias tentativas de levá-lo adiante. Como quer que seja, todos eles devem ser analisados com muita seriedade, à luz do testemunho bíblico-confessional. Dessa maneira o Espírito Santo poderá transformar as dificuldades e os clamores em bênção para a Igreja.
5 - Como lidar com os clamores por definição de doutrina, conduta e ética luteranas?
Simplesmente expulsar todas aquelas pessoas que pensam e agem de maneira diferente não pode ser a solução para situações de tensão e conflito na igreja. Nessa linha, poderia acontecer que, por fim, não sobrasse ninguém... A afirmação e o aprofundamento de nossa unidade, bem como a necessária disciplina fraterna, não pode ter como pano de fundo a concepção de que alguns são salvos e outros, já condenados. Ao contrário, devemos lembrar sempre a parábola do joio misturado ao trigo (Mt 13.24-30). A distinção e a separação últimas entre ambos não nos competem nem acontecem agora. São reservadas ao Senhor da seara quando da sua volta. Também a igreja leva em seu corpo a marca de sermos todos pecadores justificados e, enquanto vivermos, simultaneamente justos e pecadores. Por conseguinte, devemos sempre estar atentos ao perigo de cairmos na tentação de assumir o papel do fariseu que se considerava justo, dando graças a Deus por não ser como o publicano pecador. (Cf. Lc 18.9-14)
Por todas essas razões convém lembrar que conflitos, por via de regra, sinalizam algum problema mais profundo e podem, portanto, quando bem trabalhados, contribuir para o bem da igreja (Rm 8.28). O Espírito Santo nos faz avaliar e reorientar a caminhada.
Contudo, para poder preservar o convívio fraterno na igreja visível (no caso, a própria IECLB), torna-se indispensável uma base consensual em torno da doutrina, da conduta e da ética luteranas. É o que tem sido sugerido com o conceito de “consenso mínimo”, que respeita a legítima diversidade, mas também preserva as condições para a unidade da igreja. Todas as pessoas que atuam em espírito eclesial e, portanto, abominam a instrumentalização da igreja para fins particularistas ou de grupos, saberão valorizar um tal consenso e empenhar-se-ão por ele. Nesse sentido, lembramos os consensos já expressados pelo encontro da Presidência com os pastores sinodais, publicados em IECLB às portas do novo milênio, cad. 1 (2.1 - 2.5).
Ou seja: antes de tudo, devemos afirmar, positivamente, nossa identidade confessional. Essa atitude positiva é fundamental e, falando em sentido figurativo, poderia ser simbolizada pela cor verde do semáforo, que nos permite avançar.
Vejamos alguns dos tópicos teológicos que norteiam nossa identidade confessional:
5.1 - Deus se revelou como aquele que justifica e liberta, por graça e mediante a fé, a quem não tem mérito próprio. É o que o apóstolo Paulo classificou de “justificação do ímpio”, e não dos justos! (cf. Rm 5.6-8). Jesus também recordou: “Não vim chamar justos, e sim, pecadores”. (Mc 2.17).
5.2 - Pela pregação da palavra, pela administração dossacramentos e pelo testemunho prático do amor, o Espírito Santo faz crer nesse Deus. Assim cria e mantém a igreja. Ele é autor, mantenedor e consumador da fé. Esta atua pelo amor, no mundo em que vivemos, a fim de que muitos reconheçam Cristo como Senhor e que Deus seja glorificado.
5.3 – Há na IECLB, em diversas comunidades, manifestações de carismatismo de cunho pentecostal ou, como alguns preferem, de “renovação espiritual”. Há, de parte de membros, de comunidades e de sínodos, uma crescente demanda por posicionamento da IECLB frente ao carismatismo. Este posicionamento toca, direta ou indiretamente, diversas facetas do movimento carismático. Neste tópico, apresentamos algumas considerações teológico-pastorais gerais.
Sob o sinal verde do semáforo devemos reconhecer que o Espírito Santo pode utilizar-se dos mais diversos meios para renovar e fortalecer a igreja. O movimento carismático não deixa de constituir um alerta a notórias deficiências, existentes em várias comunidades de todas as igrejas. É, portanto, também um intento de sanar essas deficiências. Ele procura dar amplo espaço à participação dos membros, prestar atenção a suas necessidades psíquicas, físicas e sociais e fomentar a oração. Nesse sentido, o movimento carismático também exerce um papel missionário, atraindo à igreja significativas parcelas da população à sua margem. Também se pode observar um incremento da disposição para contribuir financeiramente para o trabalho da igreja.
Contudo, há outras facetas que são preocupantes ou, mesmo, merecem clara reprovação – os sinais amarelo e vermelho do semáforo! Há, no movimento carismático, com freqüência e até mesmo regularidade, uma crítica severa e de tom autojustificante à espiritualidade “tradicional” das comunidades, o que não apenas fere o amor ao próximo como constitui uma desconsideração da própria obra do Espírito Santo já efetuada. Esse é um problema real, que pode ser atestado pelo fato de que muitos membros da IECLB – não apenas membros “afastados”, mas também dentre os atuantes – têm se sentido discriminados e rejeitados, afastando-se da igreja ou buscando outras comunidades das proximidades geográficas.
Há na pregação do movimento carismático conceitos provenientes do mundo pentecostal ou neo-pentecostal que são claramente discutíveis ou, mesmo, questionáveis a partir de uma base confessional luterana e bíblico-evangélica, como, por exemplo, o de “batalha espiritual” ou “prosperidade”. Teologia luterana conhece e enfatiza a “teologia da cruz”, em contraposição a toda e qualquer manifestação de “teologia da glória”, mesmo e principalmente em suas variantes “espirituais”. A igreja luterana tem razões evangélicas para uma espiritualidade sóbria, que nem por isso deixa de ser profunda. Mesmo o “poder de Deus”, conceito tão caro ao movimento carismático, conhecemos na Escritura como manifestando-se “na fraqueza” (1 Co 12.9). O rei Jesus entrou em Jerusalém montado sobre um jumentinho (Mt 21.5) e, quando pendurado na cruz, exclamou: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mt 27.46) – um escândalo aos “olhos do mundo”! Da teologia da prosperidade decorre a tentação de merecer, por meio da contribuição financeira, a promessa de recompensa. Cria-se, assim, uma motivação bastante egocêntrica e, não raras vezes, uma propensão a práticas com características mercantilistas.
5.4 - No batismo o Espírito Santo nos faz filhas e filhos de Deus, incorporando-nos como irmãs e irmãos na grande família de Deus. Essa é a graça que Deus nos oferece sem que a tivéssemos merecido por algum mérito nosso. Ele também nos convoca incessantemente à fé. Contudo, quando cremos, reconhecemos que a própria fé é dádiva do Espírito Santo que ele opera e mantém pela pregação da palavra e pelos sacramentos, na comunhão de irmãs e irmãos. Aliás, segundo 1 Co 12, a fé é o primeiro dom, do qual todos os demais dons se derivam, sempre para a edificação do corpo de Cristo, nunca para a discórdia. Assim o Espírito Santo nos santifica, diariamente, fazendo-nos morrer com Cristo para os poderes da morte e fazendo-nos ressuscitar com Cristo para a novidade de vida (Rm 6.4). No símbolo ilustrativo do semáforo, aqui adotado, essa graça está expressa pelo sinal verde.
Contudo, o dom gratuito recebido nos compromete com a prática de justiça, paz e amor, no mundo em que vivemos. O sinal amarelo do semáforo nos adverte para os perigos em nossa caminhada. Assim, por exemplo, somos alertados a que não propaguemos uma “graça barata”, que abusa do precioso sangue de Cristo, ao não comprometer ninguém com nada. Nesse sentido, é forçoso reconhecer que há entre nós deficiências de comportamento ético ou mesmo grande apatia de fé, com as quais não devemos nem podemos nos conformar. Nesses casos, a bênção batismal se transforma em maldição. A igreja luterana leva a sério que do evangelho sempre decorre o imperativo. Assim ela está a caminho entre Pentecostes e a volta de Cristo, no final dos tempos. O apóstolo Paulo afirma que todos os dons, quando exercidos na necessária ordem comunitária, cooperam para a edificação do corpo de Cristo. Lembra-nos, contudo, que o maior de todos os dons, o “caminho sobremodo excelente”, é o amor que nos vem de Deus e nos faz amar a nosso próximo (1 Co 12.31-13.13).
Por causa do amor incondicional de Deus e da nossa compreensão bíblica devemos admitir e praticar o batismo de crianças e de adultos. Não devemos permitir a absolutização de uma das duas formas, e o rebatismo, já ocorrido em âmbito da IECLB, é totalmente inadmissível numa igreja luterana. (Nesse particular, vale relembrar o caderno IECLB às portas do novo milênio (2.6). Voltando à figura aqui empregada, vemos agora aceso o sinal vermelho do semáforo. Alguns acontecimentos ou práticas na IECLB são absolutamente inaceitáveis por razões confessionais ou submetem a igreja à tamanha tensão que elas devem ser rechaçadas ou coibidas. A prática do rebatismo encontra-se no primeiro caso da incompatibilidade confessional. Do mesmo modo é inaceitável quando a comunidade batiza crianças sem que anteceda um diálogo pré-batismal com os pais e padrinhos – isso é desrespeito ao que reza o documento Nossa Fé – Nossa Vida (p. 17).
5.5 - Referente ao culto, deve ser lembrado que não é a comunidade que presta culto a Deus, mas é Deus que no culto serve a ela (por meio da palavra, do perdão, da comunhão, dos sacramentos e da bênção). Culto, portanto, é a celebração das misericórdias de Deus que convergem na obra salvífica de Cristo. O Espírito Santo faz buscar e abraçar o santo serviço de Deus em nosso favor. A comunidade, assim agraciada, responde a Deus com louvor e adoração e a ele serve, com todo o seu ser, no mundo em que vive (Rm 12.1). Desse princípio trinitário do culto decorrem os seguintes elementos universais constitutivos do culto cristão luterano: intróito (entrada: invocação, Salmo ou palavra bíblica de entrada), confiteor (confissão de pecados), palavra, ofertório (credo, oferta, intercessão), sacramento, envio e bênção.
O culto não é propriedade ou tarefa somente do/a obreiro/a, mas é privilégio e tarefa da comunidade. Esta participa ativamente com suas alegrias, dores, sofrimentos, dons e talentos. Na figura do semáforo, todos esses elementos constituem o sinal verde.
Observados esses parâmetros universais constitutivos, a criatividade deve ter amplo espaço, com vistas à contextualização do culto. O sinal amarelo consiste na advertência de que com toda necessária renovação litúrgica, não desprezemos ou abandonemos os elementos constitutivos de toda verdadeira liturgia, acima mencionados. Não podemos perder nem os elementos essenciais da liturgia nem sua dimensão comunitária. Sua observância é indispensável com vistas à edificação da comunidade e do testemunho para o mundo.
Contudo – e aí passamos para o sinal vermelho de nossa figura do semáforo –, com toda legítima e necessária renovação litúrgica, esses elementos não devem ser arbitrariamente abandonados. “Todas as coisas são lícitas, mas nem tudo convém!” afirma Paulo em 1 Co 10.23. É de grande importância que os membros da IECLB possam reconhecer sua igreja na celebração do culto, em todos os lugares.
Assim, não podemos admitir celebrações de culto em que a liturgia esteja totalmente descontextualizada e a comunidade não tenha participação ativa. Tampouco podemos tolerar cultos que se assemelham a shows em que a pessoa do celebrante, ou seja quem for, ocupa o lugar de Deus ou o lugar da comunidade.
Não podemos admitir que se ignorem ou omitam os elementos constitutivos do culto cristão.
Da mesma forma não podemos aceitar que no culto todos falem ao mesmo tempo, o que atrapalha a devoção na oração, mesmo que se trate do falar em línguas. Pois isso não edifica a comunidade, a não ser que haja, na hora, quem o interprete (cf. 1 Co 14.5, 28).
5.6 – Deus se comunica de maneira concreta, toma forma, encarna no mundo relativo e passageiro. O veículo da comunicação divina, por excelência, é Jesus de Nazaré. Os olhos da fé o reconhecem como verdadeiro ser humano, segundo a imagem de Deus, e como verdadeiro Deus. É vontade de Deus que o seu santo amor se manifeste de maneira sensível e experimentável pelos sentidos humanos. Ele é criativo e se utiliza de elementos terrenos como símbolos da comunicação divina. São símbolos relativos e, por conseguinte, sujeitos à ambigüidade. Há símbolos com caráter universal, tais como: cruz, Bíblia, vela, cores litúrgicas, as iniciais X e P juntadas, peixe (“ixthys”), coroa, estrela, água, pão, uva e derivados. Esses e tantos outros símbolos não são propriedade individual de ninguém. Pertencem a toda a cristandade. Além destes podem surgir, a partir da experiência do cotidiano que transcende para o eterno, em cada novo tempo e lugar, símbolos novos. Tais aspectos alusivos a símbolos universais e contextuais enriquecem a vida da igreja e constituem, portanto, o sinal verde do semáforo.
O sinal amarelo do semáforo, porém, nos alerta para não confundirmos o símbolo com o simbolizado. Isso seria idolatria. Entretanto, o símbolo participa do simbolizado, é por ele inspirado e para ele quer apontar. Ao mesmo tempo, nos admoesta para verificar e evidenciar a contextualidade dos símbolos. Isso nos exige o devido cuidado.
Por isso não é admissível que tais e outros símbolos, próprios de nossa tradição, sejam desprezados ou rejeitados, seja por obreiros/as ou comunidades. Não pode ser tolerado que se tirem dos templos os símbolos que caracterizam o lugar como espaço de culto cristão. O sinal vermelho do semáforo se acende diante de tal descaracterização do ambiente devocional de nosso culto.
5.7 - A vestimenta litúrgica também tem caráter simbólico. Ela não depende do gosto ou direito de um/a obreiro/a ou de uma comunidade individualmente, mas sua forma e seu uso são regulamentados pela IECLB como um todo. O talar, por exemplo, na cor preta ou a alba na cor clara (bege) com suas estolas nas cores do tempo litúrgico, são aceitos pela IECLB. Essa vestimenta litúrgica identifica a pessoa como obreiro/a pastoral que a IECLB ordenou para o exercício público do ministério pastoral, em âmbito nacional e internacional. Legitima e protege a pessoa em âmbito público. Ao mesmo tempo, a vestimenta litúrgica compromete o/a obreiro/a com a IECLB em âmbito ecumênico, identifica a sua identidade confessional luterana. Esses são os aspectos afirmativos simbolizados pelo sinal verde do semáforo.
Não é admissível, portanto, que um/a obreiro/a ou uma comunidade dispense arbitrariamente, em celebrações públicas, o uso do talar, substituindo-o por traje civil. Ao contrário, seu uso está claramente prescrito nos regulamentos da IECLB, que todo/a obreiro/a em sua ordenação promete observar.
5.8 - Onde não mais se crê na onipotência de Deus, os demônios proliferam, em todas as esferas da vida. Na visão de Deus, porém, o diabo não é mais poderoso do que um cachorro acorrentado – ele não consegue ir além do alcance de sua própria corrente. Segundo o apóstolo Paulo, o pecado, a morte e o diabo já foram derrotados pela ressurreição de Cristo: “Onde está, ó morte, a tua vitória? Graças a Deus, que nos dá a vitória, por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo.” (1 Co 15. 57)
Doenças psicossomáticas e psicossociais requerem tratamento especializado e, sobretudo, a acolhida, através de uma comunidade que promove cura em todos os sentidos. Falamos em comunidade terapêutica. Tais recursos Deus os coloca à disposição através da intermediação humana. Deus coloca muitos meios à disposição, como por exemplo: visitação, aconselhamento, encaminhamento para atendimento especializado, intercessão com imposição de mãos, além dos recursos médicos que nunca devem ser desprezados. Nos cultos e nas reuniões dos grupos pode e deve haver espaço onde as alegrias bem como as dores e os sofrimentos são compartilhados. Pois alegria compartilhada duplica o seu sentido e alcance, e dor repartida perde a metade do seu peso. A comunidade cristã ora em favor das pessoas que estão enfermas. Tudo isso devemos afirmar; é o sinal verde do semáforo.
Doenças psicossomáticas e semelhantes requerem especial serenidade, responsabilidade e discrição da nossa parte. É preciso haver discernimento entre a competência espiritual e psicossomática. Esse é o alerta do sinal amarelo.
Tais doenças não poderão ser curadas por decreto, muito menos em forma de show e espetáculo público, ou seja, em assim chamados cultos de libertação. Quando há suspeita de que uma pessoa seja possessa, “necessário se faz um criterioso e abalizado estudo, assessoramento de especialistas na área da saúde e envolvimento da liderança da comunidade para uma tomada de decisão a mais objetiva possível. Como em outras áreas, também nesse assunto decisões monopolizadas pelo pastor ou pastora e, mesmo, por um pequeno grupo exclusivo, abrem portas ao abuso e à arbitrariedade. Constatada a veracidade do caso, o exorcismo dar-se-á pela oração, com o envolvimento do pastor ou pastora e da liderança da comunidade. A cura requer também discrição, em respeito ao paciente e à sobriedade da atuação do Espírito. De modo algum, a oração deve ser desvirtuada, pelo exorcismo, em espetáculo público para a atração de novos fiéis” (cf. IECLB – às portas ..., cad. 1, item 2.7; 2.18,6). Aí o semáforo passa para o sinal vermelho.
5.9 - A IECLB adotou o ministério missionário. Missionários, que podem atuar em todo âmbito geográfico da IECLB, devem ser formados e devidamente ordenados. Podem ser formados no CPM em Curitiba ou no CETEOL em Mato Preto. Somente a IECLB tem a autoridade de ordená-los.
Esse ministério não deve ser confundido ou igualado ao serviço de colaborador/a leigo/a que alguém pode exercer em nível limitado, em determinada comunidade, por vocação e mandato da mesma. Nesse caso, portanto, não se admite falar em “missionário leigo”, mesmo que seja remunerado pela comunidade. Caso contrário, estaríamos confundindo colaboradores leigos com os “obreiros missionários”, ordenados conforme o Estatuto do Exercício Público do Ministério Eclesiástico. Analogamente, deve-se observar que a IECLB tem um ministério pastoral ordenado e comunidades não se devem atribuir o direito de convocar para o ministério pastoral em seu meio pastores ou missionários de outras igrejas, a não ser quando precedido de processo de admissão no quadro de obreiros/as da IECLB.
5.10 – Há, na IECLB, crescentes tensões no tocante a abusos na realização de festas. Quando há um excessivo consumo alcoólico, podem surgir rixas e contendas. Em caso de a preocupação por arrecadação financeira passar a ser a motivação predominante para sua realização, seu objetivo de celebrar a comunhão é desvirtuada. Em sua origem, as festas constituem encontros comunitários, em que se celebra a vida e aprofunda a comunhão diária. Muitas vezes a música e o canto desempenham um importante papel de integração e manifestação cultural. Em tudo isso, as festas são legítimas e condizem com a liberdade evangélica que temos em Cristo.
Contudo, também é inegável haver abusos que as comunidades não podem propiciar sem dano público à credibilidade do testemunho evangélico. Uma comunidade terapêutica combate o alcoolismo e seus malefícios, não os facilita. É, portanto, necessário e salutar que mais e mais comunidades se empenhem por práticas alternativas, como almoços e jantas comunitárias, e, no tocante à arrecadação, incentivem a prática de doações espontâneas e ofertas de gratidão.
5.11 – Que fazer, quando são rompidos ou colocados em xeque os consensos mínimos em torno de doutrina, conduta e ética, legitimamente adotados segundo nossa base confessional ou regulamentações eclesiásticas? Nesses casos limítrofes, impõe-se a pergunta pela instauração de um processo disciplinar e/ou doutrinário, com vistas à disciplina fraternal. O artigo 30 da primeira Constituição da IECLB nunca foi regulamentado, embora houvesse clamores para tanto. No dia 14/12/1999 uma comissão, oficialmente incumbida, entregou à direção da Igreja uma proposta de regulamentação do respectivo artigo 39 da nova Constituição da IECLB, intitulado por “Ordenamento Disciplinar e Doutrinário” (ODD). Necessário se faz que Deus nos liberte de falsa piedade e nos faça abraçar a vida eclesial no espírito de Bonhoeffer, teólogo alemão, no tempo da resistência a Hitler. Em seu livro “Vida em comunhão” o autor faz ver que a comunhão requer regras que facilitem o convívio, com vistas ao testemunho e à missão da igreja no mundo.
Na atual estrutura da IECLB, cabe ao sínodo, em primeira instância, vigiar e exigir a observância desse mínimo de consensos em torno da doutrina, da conduta e da ética luteranas (cf. Constituição, Art. 19 e 22). Em caso de desrespeito o sínodo procura, via informação e diálogo, corrigir os desvios, com vistas à consolação fraterna e ao restabelecimento da unidade da igreja. O caminho pastoral tem precedência sobre o disciplinar, embora este possa vir a ser necessário ali onde a via dialogal não mais surtir efeito. Neste caso, o sínodo deverá instaurar o processo disciplinar e/ou doutrinário.
Também a disciplina deve ser exercida em amor, visando o restabelecimento da unidade e da concórdia. Contudo, o amor não pode ser pretexto para uma prática eclesial desregrada. Há situações em que o risco de “deixar correr o barco” é nitidamente maior até mesmo do que o risco de eventualmente exercer a disciplina de maneira injusta. Às vezes não nos resta outra alternativa do que correr riscos. Simplesmente não podemos furtar-nos de nossa responsabilidade eclesial.
Contudo, o empenho pela justiça, pela verdade e pela compaixão deve nutrir e guiar todos os procedimentos disciplinares. Os próprios regulamentos podem e devem ser contextuais e, portanto, mutáveis. Quem os pode mudar, porém, não é o indivíduo, conforme as conveniências, mas sim a comunidade e a igreja, através de seus órgãos constituídos. Ao membro da IECLB cabe o direito e o dever de propor nas instâncias apropriadas alterações regulamentares que julgar necessárias. Segundo as normas vigentes, a IECLB se organiza em diretorias e conselhos, assembléias e concílio. A esses cabe, no marco de normas estabelecidas, a responsabilidade de velar pelo cumprimento dos regulamentos e, se preciso, reformá-los.
6 - Movimentos a serviço da missão que Deus realiza através da Igreja
6.1 - A IECLB pode agradecer a Deus pelos movimentos ou pelas entidades que tem, ou seja, Missão Evangélica União Cristã, Movimento Encontrão, Pastoral Popular Luterana, Comunhão Martim Lutero. Eles são manifestação de vida, sinal da ação do Espírito Santo.
6.2 - Movimentos sinalizam que algo na igreja está necessitado, carente, insuficiente, negligenciado, esquecido ou simplesmente mal. Eles são uma reação, uma tentativa de reforma e complementação. Cabe à igreja olhar, escutar e decodificar o recado que está sendo dado. Ela deve ter liberdade e vontade de incorporar, de maneira crítica, criativa e responsável, o novo que se apresenta. Nesse processo, certamente deverá acontecer uma releitura da própria identidade confessional. Certamente teremos de redescobrir a dimensão do Espírito Santo, tanto em sua dimensão consoladora e sanadora, como admoestadora e transformadora.
6.3 - O movimento, por sua vez, deverá admitir ser ele mesmo questionado, por parte da igreja e seus órgãos constituídos, com vistas a sua identidade confessional, e estar disposto a reavaliar permanentemente suas propostas. Também deve reconhecer e assumir o seu lugar de entidade e movimento dentro e sob a igreja. Particular cuidado deverá ter quando ele próprio se institucionaliza. Não deve almejar ser “igreja dentro da Igreja”. Tampouco deve pretender assumir o papel de direção da igreja arvorando-se o direito de decidir questões administrativas da igreja, nem instrumentalizar as comunidades para finalidades exclusivas do próprio movimento. Ao contrário, o movimento deve entender-se como estando a serviço da igreja como um todo. Será uma bênção somente à medida em que servir, humildemente, por meio dos seus dons aprimorados, ao testemunho e à missão que Deus realiza através da igreja.
6.4 – Esse convívio de ambos será tenso, quando o movimento perder de vista o todo que é maior. Quando, porém, se vê humildemente a própria limitação e se prioriza o todo, desarmando cada parte o seu espírito, esse processo poderá ser frutífero, tanto para a instituição quanto para o movimento. Onde os espíritos estão armados, o diabo está realizando a sua obra de polarização e desintegração. E isso vai em prejuízo do testemunho e da missão da Igreja.
6.5 - Mas onde sopra o Espírito Santo, experimentamos liberdade e humildade para nos dispormos ao diálogo e à busca por novos instrumentos de leitura e releitura da Bíblia e dos documentos confessionais da igreja. Não nos iludimos com a possibilidade de descobrir uma única hermenêutica, capaz de superar todas as nossas diferenças. Mas confiamos que o Espírito Santo nos possa libertar para uma serena postura dialogal. Ela será a condição para conscientizarmo-nos do fato de que há hermenêuticas diferentes e para buscarmos, em meio às diferenças, consensos suficientes para a caminhada conjunta, numa mesma igreja e numa mesma família ecumênica. Dessa maneira, a nossa força missionária será revigorada num mundo pluralista. Sopre fortemente, Espírito Santo!


Mensagem de Natal do Conselho Diretor da IECLB – 1978 #
A época de Natal lembra-nos, de modo especial, que Deus enviou seu Filho Jesus Cristo, para reconciliar o mundo consigo mesmo, conforme nô-lo diz o apóstolo Paulo no 5º capítulo da sua Segunda Carta aos Coríntios. Sofrendo e morrendo por nós, Cristo assumiu nosso pecado, derrubando assim as barreiras que de Deus nos separam e incumbindo-nos com o ministério da reconciliação.
O fato da reconciliação com Deus, por intermédio de Cristo, contradiz a uma convivência de pessoas, marcada por ódio, agressividade e violência. Pela criança de Belém somos chamados à paz, ao amor e à reconciliação com nosso inimigo, também com tais que de nós discordam ou nos são incômodos. Por esta razão, sentimo-nos impelidos a convidar todos os membros de nossa Igreja e da família brasileira que reconheçam na reconciliação oferecida por Deus o compromisso de reiniciar uma vida baseada no perdão e no respeito mútuos.
Nos últimos anos ocorreram na sociedade brasileira profundas e dolorosas rupturas. Na intenção de garantir a segurança nacional, se tem submetido o País a leis de exceção. Sob a vigência de tais leis, muitos cidadãos sofreram perseguição, prisão, cassação ou banimento, sem a possibilidade de recorrer ao direito legítimo de defesa. Foram desencadeadas múltiplas formas de violência, culminando em seqüestros, torturas e até assassinatos. Suas vítimas ainda hoje suportam as conseqüências físicas, morais e profissionais dos sofrimentos vividos. Milhares de concidadãos estão impedidos de exercer sua cidadania, com todos os deveres e direitos dela decorrentes.
Neste Natal de 1978, conclamamos a todos: Juntemos as mãos e participemos intensamente na promoção da reconciliação da comunidade brasileira. Verdadeira reconciliação inclui uma anistia a todos os atingidos pelas leis de exceção. Empenhemo-nos, pois, por esta anistia que somente será completa se acompanhada da realização de outros anseios nacionais, tais como a revogação plena das leis de exceção, a restituição integral da liberdade e autonomia de ação aos poderes legislativo e judiciário, a observância dos direitos humanos e o restabelecimento do estado de direito.
Partindo da reconciliação que nos é dada em Cristo, queremos neste ano celebrar o Natal e convocamos todos os membros da IECLB a orarem nos cultos de Natal pela anistia e pela reconciliação nacional e dos povos, bem como a manifestarem sua fé através do empenho honesto e franco por estes valores de uma sociedade verdadeiramente reconciliada.

(Publicado pelo Boletim Informativo, número 57 - 21/12/1978)


Manifesto contra o Desmatamento – 2000 #
Manifesto da Presidência
Neste momento em que se estuda a possibilidade de alteração do Código Florestal Brasileiro, permitindo a ampliação do desmatamento em todo o país, unimos a nossa manifestação indignada à de tantos outros setores da sociedade brasileira e internacional, contra o ecocídio proposto no projeto-de-lei que trata da questão e cujo substitutivo foi aprovado pela Comissão Mista do Meio Ambiente do Congresso.
A importância da preservação da floresta amazônica, da mata atlântica, das matas ciliares e das reservas legais em todas as propriedades é um fato incontroverso.
Esperamos dos senhores parlamentares, representantes eleitos e sustentados pelo povo, uma total rejeição ao referido projeto.
Como parceiros de diálogo nas questões que dizem respeito ao bem-estar do povo brasileiro e da preservação do meio ambiente e movidos pelo tema da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2000, adotado por nossa igreja: “Dignidade Humana e Paz...”, nos manifestamos com apoio integral às propostas do Conselho Nacional do Meio Ambiente que visam à preservação do hábitat de todos os seres vivos.
Porto Alegre, 17 de maio de 2000


Manifesto contra as Minas Antipessoais #

Carta Pastoral da Presidência
Ano: 1999
Presidência em exercício: P. Dr. Walter Altmann
Por meio dessa promessa de nosso Senhor saúdo-os em meio a tantas situações que clamam por paz, como está acontecendo, por exemplo, no Timor Leste, onde pessoas lutam pelos seus direitos básicos de autodeterminação, ou na área do Afeganistão, onde mulheres são recriminadas e torturadas, emocional e fisicamente pelo poder islâmico fundamentalista. Roguemos a Deus, pedindo que sensibilize os governantes de todo o mundo para que se esforcem na promoção da paz.
No mundo globalizado esse desafio não mais é tarefa somente de indivíduos ou de determinados governantes, mas é um compromisso básico de todos os seres humanos.
Esse compromisso implica, antes de mais nada, em desarmamento total, tanto espiritual e emocional quanto física e materialmente.
Foi por isso que, em fevereiro de 1998, temos motivado todo o povo da IECLB a se associar ao movimento mundial contra as minas antipessoais que matam, mesmo anos depois do conflito armado. No dia 01/03/99 os sinos de igrejas em muitas comunidades da IECLB repicaram em forma de protesto e alerta.
A luta contra as minas antipessoais resultou no fato de o Brasil assinar a Convenção Internacional sobre a Proibição do Uso, Armazenamento, Produção e Transferência de Minas Antipessoais e sobre sua Destruição. Esse Tratado Ottawa foi assinado pelo Brasil em 03/12/1997 e finalmente ratificado em 30/04/1999. Até o presente momento o mesmo foi assinado por 135 países e ratificado por 84.
O Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI) nos informa que:
O Brasil, até 1996, constava na lista dos produtores de minas terrestres e há informações de ter exportado grande quantidade de minas para Angola e Moçambique.
Conforme a Convenção, em seu artigo 4, o Brasil tem 4 anos para destruir ou assegurar a destruição de todas as minas antipessoais que tenha ou que possua. Deve, também, em 180 dias entregar relatório ao secretário-geral da ONU com informações sobre medidas nacionais de implementação (artigo 9) e medidas de transparência (artigo 7).
No dia 1o de outubro de 1999, entidades e pessoas comprometidas com a campanha nacional contra as armas terrestres estão convidadas a enviar mensagem ao Presidente da República e a organizar manifestações e atos para celebrar este momento histórico e lembrar as vítimas deste terrível armamento. Igrejas e colégios são chamados a tocarem os seus sinos às 10:00h da manhã.
Pensamos que o momento de fazer repicar os nossos sinos é oportuno por dois motivos: a) para agradecer a Deus que o Brasil tenha ratificado a assinatura do Tratado de Ottawa; b) para rogar a Deus que sensibilize governantes e o povo todo para realmente se desarmar, pois é somente dessa maneira que possamos viver em paz.
Embora o tempo de divulgação e preparação seja muito exíguo, queremos animar as irmãs e os irmãos a se irmanarem a esse movimento nacional de promoção da paz, no dia 1º de outubro e, caso não mais for possível até este dia, que estudem maneiras de tratar do assunto posteriormente.
Porto Alegre, 17 de setembro de 1999



Manifesto contra a corrupção em favor da ética no Brasil – 2001 #
Manifesto da Presidência, dos Presidentes e Pastores Sinodais

Reunidos em São Leopoldo-RS, nos dias 21-23 de setembro de 2001, nós, líderes da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), estamos estarrecidos com a corrupção no Brasil, noticiada pelos meios de comunicação.
Denunciam-se casos de:
- políticos, governantes e funcionários que usam recursos públicos para proveito próprio;
- órgãos legislativos que abusam de seu poder para legislarem em causa própria;
- integrantes do poder judiciário que estão envolvidos na apropriação de vultosos recursos destinados à Justiça;
- integrantes de todos os poderes que beneficiam parentes com cargos públicos.
Em vista disso, somos gratos por políticos e servidores públicos que são honestos e íntegros. A corrupção, porém, é tanta e tantas vezes passa impune que o povo brasileiro resigna, se conforma e acaba assimilando a atitude corrupta como normal.
Assim a corrupção está evoluindo como um câncer que se espalha pelo tecido social. Destrói a vida em sociedade e igreja, perverte as novas gerações e agrava os problemas da desigualdade e da exclusão social. Prejudica também a imagem, o desenvolvimento e a competitividade do Brasil no contexto das nações, além de inibir os investimentos.
Denunciamos esta realidade nefasta e deprimente porque Deus nos manda falar, conforme está escrito no Salmo 82.2-4:
“Até quando julgareis injustamente, e tomareis partido pela causa dos ímpios? Fazei justiça ao fraco e ao órfão, procedei retamente para com o aflito e o desamparado. Socorrei o fraco e o necessitado; tirai-os das mãos dos ímpios.”
Deus quer vida digna para todas as pessoas, especialmente para as que mais dela carecem. Por isso, como cristãos, cientes de nossa cidadania, nos empenhamos no combate à corrupção, um obstáculo que prejudica e impede a vida.
Apelamos, pois:
1) aos membros da igreja e ao povo em geral que acompanhem e fiscalizem as pessoas eleitas para cargos públicos; que resistam a todo e qualquer tipo de corrupção, não participem dela e a denunciem;
2) aos políticos, governantes, legisladores, promotores e juízes que não desanimem nem resignem na luta contra todas as formas de corrupção;
3) aos proprietários dos meios de comunicação e aos profissionais que neles atuam para que publiquem a verdade sem medo, denunciem as pessoas corruptas e coloquem em destaque as pessoas honestas;
4) aos membros de todas as igrejas que roguem a Deus por governantes, legisladores e profissionais de justiça honestos e competentes.
Conclamamos, portanto, os órgãos governamentais e não-governamentais, as igrejas, demais religiões e todas as pessoas de boa vontade a unirem seus esforços na promoção da honestidade e do bem-comum.


Manifesto contra a alteração do Art. 33 que regulamenta o Ensino Religioso nas escolas #

Para:
Exmo. Sr. Deputado Sandro Mabel Dep.sandromabel@camara.gov.br
Assunto: Manifesto contra a alteração do Art. 33 que regulamenta o Ensino Religioso nas escolas
Exmo. Sr. Deputado Sandro Mabel!
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), através de seu P. Presidente e de seus Pastores Sinodais, vem, por meio desta, manifestar-se contra a alteração do Artigo 33 da Lei nº 9.394/96, artigo que regulamenta o Ensino Religioso nas escolas.
Nossa manifestação se faz necessária em função da aprovação, no dia 08 de agosto de 2007, pela Comissão de Educação e Cultura – CEC da Câmara Federal, do projeto de Lei nº 42/2007, de autoria do Exmo. Sr. Deputado Lincoln Portela, que objetiva alterar o art. 33 da Lei nº 9.394/96, nos seguintes termos:
“Art. 1º O artigo 33 da Lei nº 9.394, de 20 dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 3º e 4º:
§ 3º Os alunos da educação básica cursarão ensino religioso apenas com autorização de seus pais ou representantes legais.
§ 4° O rendimento decorrente da disciplina de ensino religioso não deverá ser computado na avaliação do processo de ensino-aprendizagem da série e nível cursados.
Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”.
Em 1997, foi aprovada uma proposta de Ensino Religioso defendida e acolhida pela IECLB. A lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDBEN) define o Ensino Religioso na escola como parte integrante da formação básica do cidadão, respeitando a diversidade cultural e religiosa (Lei n.9.475). É uma área de conhecimento, um componente curricular, que visa o pleno desenvolvimento dos educandos (art. 2, LDB 9.394/96), de matrícula facultativa, sendo oferecido a todos os educandos, desde a Educação Infantil até o final do Ensino Médio.
O Ensino Religioso tem como objeto de estudo o fenômeno religioso, que é resultado da produção cultural dos diversos grupos humanos. Esse conhecimento sistematizado reforça a base da cidadania e possibilita ao educando uma melhor relação consigo mesmo, com o outro e com a natureza. O oferecimento do Ensino Religioso na escola, assim compreendido, não é monopólio de uma ou outra entidade religiosa, mas é direito da pessoa cidadã.
Também percebemos que o Ensino Religioso, nessa modalidade, agora há dez anos em vigor, está cumprindo seu papel dentro do currículo escolar, assim como as demais áreas de conhecimento, nos horários normais das escolas. Considerando essa realidade positiva, a aprovação deste Projeto-Lei seria um retrocesso, prejudicando o avanço e a caminhada do Ensino Religioso nos dias atuais.
Com a presente manifestação, unimo-nos às demais vozes comprometidas com o Ensino Religioso, reforçando o nosso posicionamento de que não há razão para modificar o Art. 33 da lei 9.394/96, já alterado pela lei 9.475/97. Este deve ser mantido na sua íntegra, como foi aprovado pelo Exmo Sr. Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em 22 de julho de 1997.
Atenciosamente,
P. Dr. Walter Altmann
Pastor Presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
P. Homero Severo Pinto
1o. Vice-Presidente da IECLB
P. Sinodal Carlos Augusto Möller
2o. Vice-Presidente da IECLB
Pastores Sinodais



Direito e Poder – 1993 #
1. São contraditórios os juízos sobre o significado do deprimente quadro oferecido atualmente pela sociedade brasileira. Há quem nele descubra as dores de parto de um novo momento, inaugurador de um processo de moralização das instituições políticas. Conforme outros, a eclosão dos escândalos não passa de um foguetório passageiro, incapaz de sustar a autodegradação do Brasil à categoria de "Quarto Mundo" mediante institucionalização da corrupção e proliferação generalizada da violência. Ora, qual dos prognósticos virá a se cumprir depende essencialmente da determinação da sociedade. O momento crítico, de modo particularmente insistente, exige o exercício responsável da cidadania e a mobilização democrática.
2. A Igreja de Jesus Cristo, neste processo, cumpre importante papel. Confessa-se herdeira da tradição profética da Bíblia, profundamente comprometida com a paz e a justiça, colocando-a a serviço da sociedade. As graves ameaças que pairam sobre o povo brasileiro não podem deixar apáticas as Igrejas. Devem-lhe o seu alerta e o apelo à reação. Pois "Deus não é de confusão; e sim, de paz" (1 Coríntios 14.33). Colaborar na percepção e na implantação do que serve à paz (cf. Lucas 19.42) constitui o nobre e inalienável mandato político dos cristãos, aliás, em parceria com todas as pessoas de boa vontade.
3. As mudanças exigidas no Brasil de hoje são incisivas mormente no que tange a relação entre o direito e o poder. Cabe reconhecer que todo poder, ao emancipar-se do direito, inevitavelmente se transforma em violência. É o que tem determinado o passado recente da nação. O jogo do poder e dos interesses individuais ou classistas tem suprimido o direito, corrompido a justiça, causado seríssimos danos ao bem comum. Houve por demais tirania do poder no País.
4. É bem verdade que, desde sempre, os poderosos tentaram impor as regras de jogo e abusar da influência para a obtenção ou manutenção de privilégios. Seja lembrado, porém, que o grau de sanidade de uma sociedade se define pela capacidade de frear o arbítrio e de fazer confluir os interesses corporativistas com os interesses gerais. A situação no Brasil é perigosa justamente pela instalação do poder como valor máximo. Sejam os traficantes no Rio de Janeiro, sejam os parlamentares corruptos em Brasília, sejam os manipuladores da bolsa de valores, o poder lhes serve como meio para o enriquecimento fácil, a garantia de impunidade, a criação de dependências. Que o reverso de tudo isto seja a miséria de enormes contingentes populacionais é cinicamente desconsiderado. Sem o controle do poder a sociedade marchará, a largos passos, em direção à convulsão social.
5. O direito emana da ética e de valores que são fundamentais para o convívio próspero e harmonioso das pessoas. Abrange o direito a educação, saúde, trabalho, justiça, proteção e dignidade de vida para todos. É o critério a nortear a legislação, os programas partidários, a atuação política, representando o mais alto compromisso cívico, coletivo e individual. Nele todo exercício do poder, quer político, econômico, quer militar, religioso ou de qualquer outra espécie, tem seu parâmetro e seu limite. Valores éticos não permitem sejam manipulados a bel-prazer. São normas superiores que determinam também os deveres e decorrem, em última instância, da sagrada vontade divina, zelosa do bem de toda a criação.
6. A corajosa denúncia da infração de direitos civis e humanos, bem como de elementares princípios éticos na vida pública constitui um elemento novo na história brasileira. Inspira a esperança. Entretanto, o Brasil ainda está longe de ser um Estado de direito. A impunidade continua escandalosa. O enorme fosso entre riqueza e pobreza acusa injustiça em alto grau. Fica ignorado que corrupção e desmandos administrativos constituem abomináveis atentados à população, estimulando a violência em outros níveis. A denúncia do crime pouco efeito surtirá enquanto não respaldada por amplo consenso popular. Importa fortalecer a resistência contra o crime, apoiar o anseio por ver respeitado o direito, trabalhar pela paz na sociedade através do empenho por justiça.
7. Para o bem da sociedade, pois, urge recuperar a primazia do direito sobre o poder. A concretização dessa meta na Constituição do País e nos demais códigos legais, bem como na articulação de propostas partidárias e políticas governamentais, certamente pode dar margem a concepções divergentes. Isto é natural em regime democrático. Há que se buscar o acordo. De qualquer forma, o direito é incompatível com o crime, com a ditadura do poder e com a reserva de privilégios indevidos. Cabe ao Estado zelar para que todo cidadão tenha assegurado o amparo do direito e seja cumpridor dos deveres nele implícitos. Para tanto deve servir o poder. É a única maneira de legitimá-lo. O poder se torna útil somente quando se submete ao direito e a ele se presta como braço instrumental.
8. O momento histórico da sociedade brasileira é crucial. Cumpre que ela se mobilize em favor do direito conforme exigido pelo bom senso e pela responsabilidade ética. Convidamos as Comunidades da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e suas Igrejas-irmãs a se unirem a movimentos correspondentes. Mencionamos, em particular, o "Movimento pela Ética na Política", a "Ação da Cidadania contra a Miséria e a Fome e pela Vida", além de outras iniciativas. Os escândalos que envergonham o povo brasileiro, e que causam tão graves danos ao presente e ao futuro da Nação, requerem o mais enérgico repúdio. Aliar-se a ela e colaborar no restabelecimento do direito e da justiça - pressupostos indispensáveis da paz social - é mandamento do próprio Cristo.
Porto Alegre, 23 de novembro de 1993


Defesa da Amazônia – 1988 #
No ano em curso, a Amazônia sofreu a maior queimada de sua história.
Conforme as estimativas, foi destruída uma área superior ao território do Estado de São Paulo (247.000 Km²). Não se trata de acidente.
As queimadas representam tão somente um sintoma, embora gravíssimo, de um gigantesco e intencional processo de devastação. Colaboram com ele:
- A poluição dos rios amazônicos pelo mercúrio do garimpo.
Em doze anos já foram despejados 104 toneladas deste metal supertóxico somente no Rio Madeira;
- A implantação de siderúrgicas utilizando o carvão vegetal. As usinas do Projeto Grande Carajás, em 1991, estarão consumindo 10,3 milhões de metros cúbicos de carvão, com desmatamento de 300 mil hectares por ano, sem qualquer técnica segura de reflorestamento;
- Uma política de colonização em terras impróprias para a agricultura. Muitos projetos de assentamento na Amazônia sobrevivem apenas derrubando cada vez mais a floresta;
- A construção de hidrelétricas, geradoras de pouca energia, mas de imensas áreas inundadas. Cite-se como exemplo a Hidrelétrica de Balbina, considerada por entendidos como símbolo do descaso para com o dinheiro público e de impiedosa agressão à natureza;
- A necessidade de demonstrar “produtividade” por parte de fazendeiros a fim de evitar a desapropriação;
- A exploração da madeira sem nenhum cuidado ecológico, sendo a maior parte destinada à exportação, contando para tanto com incentivos fiscais;
- O projeto Calha Norte, que ameaça a vida de milhares de índios;
- A ameaça à garantia de vida e terra demarcada, conquistada pelos povos indígenas na Nova Constituição brasileira.
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, juntamente com o povo brasileiro, assiste estarrecida ao apocalipse da Amazônia. É sabido que terminará em desertificação da região, no agravamento do temido efeito estufa, em imprevisíveis e perigosas alterações climáticas no Brasil e no mundo.
Mais esta vez, o futuro está em jogo. Se teremos ou não condições de vida amanhã, depende essencialmente do trato que damos à natureza.
“O PÃO NOSSO DE CADA DIA”, é este o tema que a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil se propõe para o biênio 1989/90. Solidariza-se com todos os famintos e, com eles, clama a Deus por alimento.
Entende, porém, que o ser humano perde o direito de se dirigir a Deus, se destruir as condições da produção agrícola, se não tomar providências para a justa distribuição dos recursos, se a prece do PAI NOSSO não estiver acompanhada da ação humana responsável. O cuidado ecológico, em sua estreita vinculação com a justiça social, faz parte das responsabilidades de todo cristão, de toda pessoa humana e das Igrejas.
A nova Constituição brasileira declarou patrimônio nacional a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Matogrossense e a Zona Costeira. Determina sejam utilizadas dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente (Art. 225 § 4º).
O Concílio Geral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, no atendimento de sua responsabilidade pública, insiste no imediato cumprimento das determinações constitucionais através de medidas legais que interrompem o processo destruídor da Amazônia e de outras Regiões ecologicamente vitais. Há sinais alvissareiros de crescente conscientização. Mas ainda são insuficientes. Entre as medidas a serem tomadas destacamos:
- Proibição de todos os projetos agropecuários, siderúrgicos, energéticos e outros prejudiciais ao meio ambiente amazônico, sua fauna e flora.
- Interdição da exploração das riquezas florestais e mineiras sempre que possuam efeito poluente ou devastador.
- Fiscalização rigorosa do cumprimento das medidas de proteção ambiental e penalização dos infratores.
- Campanha educativa, especialmente na área, no que diz respeito à ecologia e suas implicações.
- Promoção da justiça social como meio de sustar a colonização predatória por parte de quem luta pela sobrevivência.
- Proteção ao habitat dos povos indígenas, demarcação de suas áreas e combate à exploração ilegal de suas riquezas.
- Sensibilização da opinião pública internacional quanto a fatores co-responsáveis pela destrição, a exemplo da dívida externa, causa da necessidade da exportação a qualquer preço.
A gravidade exige medidas enérgicas, imediatas, incisivas. Urge passar da retórica para a ação. Dentro de alguns anos poderá ser tarde.
O Concílio Geral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil lembra que crimes ecológicos equivalem a crimes contra o próprio Deus.
Sua criação é sagrada, condição de vida do ser humano. Importa reaprender que somos parte desta criação: Com ela vivemos ou sucumbimos.
É porque endereçamos os presentes conteúdos às comunidades, paróquias e instituições da IECLB, para estudo, reflexão e ação, como parte de nossa responsabilidade missionária e evangelizadora. Dirigimo-nos a nossas Igrejas irmãs no país e no exterior a fim de se solidarizarem com a causa. Conclamamos as Instâncias governamentais, nacionais e estaduais, para a defesa da Amazônia. Insistimos junto ao Fundo Monetário Internacional, ao Banco Mundial e outros, que se apercebam da parcela de sua responsabilidade. Quais seriam as conseqüências de um deserto amazônico? Rogamos a Deus e apelamos ao bom senso da humanidade para que tal fantasma não se torne realidade.
Brusque, 22 de outubro de 1988


A Violência no País - 2002
UM MANIFESTO EM FAVOR DA VIDA E DIGNIDADE HUMANAS #

Manifesto da Presidência e dos Pastores Sinodais - 2002

“Até quando, SENHOR, clamarei eu, e tu não me escutarás? Gritar-te-ei: Violência! e não me salvarás? Por que me mostras a iniqüidade e me fazes ver a opressão? Pois a destruição e a violência estão diante de mim; há contendas, e o litígio se suscita. Por esta causa a lei se afrouxa e a justiça nunca se manifesta; porque o perverso cerca o justo, a justiça é torcida.” (Habacuque 1.2-4)
Nossa realidade de violência
O profeta falou há mais de dois milênios, mas parece ter tido em mente a situação que experimentamos hoje no Brasil. O povo brasileiro vive mais e mais sobressaltado e atemorizado pela crescente onda de violência que assola o país. Os seqüestros, sempre abomináveis, já ocorrem de forma aleatória, podendo atingir qualquer pessoa. Avolumam-se os casos de assaltos e assassinatos, atingindo até mesmo detentores de mandatos políticos. Acrescentem-se o despreparo e a incapacidade freqüentes das forças policiais para coibir a violência, esclarecer os crimes cometidos e prender os criminosos. Estes podem agir contando com a impunidade ou, quando presos, com a possibilidade de fuga ou drástica redução da pena. O sistema judicial é lento em punir os delinqüentes, e rápido na concessão de benefícios, em particular para os poderosos. Há corrupção em todos os níveis e setores. A população sente-se desprotegida, não sabe a quem recorrer e não confia nas autoridades. Como o profeta, ela brada aos céus: “Não suportamos mais a violência! Até quando, Senhor?”
Quais são as causas desse quadro assustador? Certamente serão muitas. Apesar das louváveis exceções, a notória incapacidade dos órgãos policiais e judiciais em coibir e punir de maneira eficiente a criminalidade certamente é uma das causas, mas nem de longe a única. Estabeleceu-se na sociedade um clima bastante generalizado de aceitação do consumo e do próprio tráfico de drogas, um dos principais agravantes da criminalidade. Sem dúvida, a pobreza, o desemprego e a distribuição de renda extremamente injusta, que há no país, está associada a políticas econômicas. Essas favorecem o capital, o lucro e, não raro, interesses externos, sempre em detrimento dos serviços sociais mais elementares, como saúde, educação e previdência, agravando decisivamente a situação. Além disso, a sociedade consumista ajuda a criar uma auto-estima negativa e fragilizada através da comparação com as demais pessoas, despertando inclusive a inveja e a cobiça. A lógica do consumo gera necessidades que a pessoa não tem, substituindo o ser pelo ter, a honestidade e a solidariedade por jóias, carro e outros bens materiais.
Nesse contexto, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) levanta sua voz diante da crescente violência contra a dignidade e a vida humanas. Estamos convictos de que é imperioso resgatar a noção fundamental de que, por ser imagem de Deus, todo e qualquer ser humano é inviolável e tem direito a viver de maneira digna e em segurança.
O ser humano como imagem de Deus
A vida humana, e tudo o que lhe diz respeito, é maravilhosa dádiva de Deus, com origem no seu amor incondicional. Deus concede permanentemente esse seu amor de maneira gratuita, sem demandar previamente mérito algum de nossa parte. Por intermédio de Jesus, o Pai aceita a nossa imagem, o nosso rosto, mesmo em sendo nós pessoas indignas e fracas. Na morte de cruz do Deus-Filho, vítima ele próprio do pecado e da violência humanas, fomos aceitos de forma cabal e definitiva. O valor ilimitado de cada pessoa está estabelecido a partir dessa realidade: “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). O amor de Deus em Jesus foi de tamanha magnitude que tomou sobre si toda a miséria humana. Ele assumiu inclusive a nossa imagem aviltada e destruída, assumiu a nossa dor, o nosso sofrimento e abandono radical. Assumiu até mesmo a nossa própria morte. Ele o fez para que tivéssemos vida, e “vida em abundância” (João 10.10).
É normal que as pessoas sintam necessidade de fazer por merecer uma boa imagem — o que, porém, não passa de uma vã tentativa de reconquistar por próprias forças a imagem perdida de Deus. Quem aceita o amor de Deus, porém, está livre dessa escravidão do merecimento, de querer conquistar uma boa imagem pelo trabalho, pela inteligência, pela riqueza, pela beleza física, pela roupa que usa, ou pela própria religiosidade. Esta é a linguagem da lei do mercado: “Você precisa fazer algo para ser alguém”. “Você precisa ser poderoso e influente.” “Você precisa ter muitos bens.” “Você precisa...” Entretanto, essa concepção do ser humano está totalmente distorcida. Diante de Deus você não precisa nada disso. Ao contrário, o ser humano é amado por Deus gratuitamente. Isso é válido indistintamente para todas as pessoas. Ninguém é excluído. Vale para sãos e doentes. Vale para o feto e o enfermo terminal. Vale para as pessoas fortes e belas e, em igual medida, para as pessoas portadoras de deficiência física ou mental. Vale para os virtuosos, mas também para os criminosos. Todas as pessoas, sem exclusão, são imagem de Deus. Pela fé, aceitamos o amor de Deus, a imagem que Deus nos dá. Isso é salvação: sentido e esperança para quem aceita o amor de Deus.
Seriam, então, o pecado humano, a injustiça e a violência, aceitáveis? De forma alguma. Ao contrário, o amor incondicional de Deus é a fonte mais poderosa de superação de toda injustiça e violência. Na fé, a pessoa já não tem necessidade de ser egoísta e egocêntrica, “em-si-mesmada” (assim os reformadores do século XVI caracterizaram a natureza do pecado: não em primeiro lugar falhas morais, mas a realidade da pessoa não voltada nem para Deus nem para o próximo, mas encurvada sobre si mesma). Pela fé em Cristo a pessoa é reconciliada com Deus e, assim, passa a atender o próximo em suas necessidades. Ou seja, o “em-si-mesmado” precisa ser curado, mediante a reconciliação que o amor gracioso de Deus proporciona.
Que fazer diante do quadro de violência?
Em primeiro lugar, mencionamos como absolutamente fundamental o resgate da consciência da dignidade da vida. Não podemos esperar a solução do problema da violência pelo mero combate direto à criminalidade. É preciso atingir suas causas mais profundas, e essas residem na própria organização social e na compreensão de ser humano que a ela subjaz. Sobretudo, é preciso reconhecer que a violência em si apenas gera mais violência, nunca sua superação. Todo e qualquer ser humano precisa ser reconhecido, respeitado e protegido em sua dignidade e seu direito à vida. Obviamente, isso vale para a população que se sente ameaçada e exposta aos perigos da criminalidade, na rua, no trabalho e no lar. Mas vale também para os próprios criminosos que devem ser coibidos em seus intentos e punidos em seus crimes, mas sempre com respeito à integridade de suas vidas, objetivando sua reabilitação social. No combate ao crime, os órgãos constituídos não podem recorrer aos mesmos meios empregados pela criminalidade.
Em segundo lugar, mencionamos como indispensável a construção da paz e da justiça sociais. Estas nunca se dão de maneira automática, mas devem ser construídas com esforço e dedicação. Sobretudo, elas jamais se estabelecem como conseqüência do crescimento econômico que deve, isto sim, ser direcionado intencionalmente para a paz e a justiça. Ou seja: são necessários mecanismos políticos e legais tendentes a garantir o atendimento das necessidades básicas de toda a população, quais sejam, a educação, a saúde, a nutrição, a moradia, entre outras. Acima de tudo devemos fomentar um processo permanente de educação para a paz, a justiça e a solidariedade. Deve-se incentivar que todos os agentes educativos, a começar pela família, seguindo-se o sistema escolar, mas também as organizações da sociedade civil, não por último igualmente as comunidades das igrejas, se insiram decididamente em programas, iniciativas e esforços de construção de uma mentalidade e cultura de paz.
Em terceiro lugar mencionamos o correto e eficiente combate à criminalidade. Este se dá pela eficiência e agilidade dos processos legais, policiais e judiciais, pelos quais, mediante o indispensável respeito à dignidade humana, a população é protegida e a criminalidade combatida. Entendemos que a solução para a violência também passa pela qualificação e melhor remuneração das forças policiais, bem como por um sistema penitenciário mais adequado, mas nunca pela mera repressão violenta à criminalidade. Alimentando a espiral da violência, não se supera a criminalidade, mas apenas se faz surgir no horizonte o espectro de uma verdadeira guerra civil. Sem dúvida, é indispensável um sistema judicial mais ágil e sobretudo não discriminatório para os pobres e não permeável aos privilégios dos poderosos. A impunidade que grassa no país precisa ter um fim. Punições eficientes e exemplares, proporcionais aos crimes cometidos, são necessárias. Contudo, não se esqueça também que a motivação nunca deve ser o desejo de retribuição e vingança, mas sempre o empenho pela proteção da sociedade e pela recuperação das pessoas criminosas respeitadas em sua dignidade. Rejeitamos, portanto, qualquer idéia de introdução da pena de morte e denunciamos como aviltante, odiosa e intolerável a prática, infelizmente nada incomum, de torturas e execuções por integrantes das forças de repressão.
Conclusão
Em comunhão com outras igrejas do país e do mundo a IECLB participa da Década Ecumênica para a Superação da Violência. Ademais, neste ano, a IECLB chama para a ação por meio do tema “Mãos à Obra”. Nesse espírito, desafiamos as comunidades, mas também as autoridades e as organizações da sociedade civil, a empenharmo-nos com determinação e sem esmorecimento, sobretudo em fé e esperança, na construção de uma cultura e uma sociedade de paz, justiça e solidariedade, que correspondem ao anelo mais profundo de todo o povo brasileiro e à dignidade inviolável de cada ser humano.
São Bento do Sul, Santa Catarina, 22 de março de 2002


A IECLB às Portas do novo Milênio-1999 #

Manifesto da Presidência e dos Pastores Sinodais

Apresentação

Segundo a Constituição da IECLB, Artigo 36, I e V, cabe à Presidência zelar pela unidade e identidade confessional da Igreja, tarefa para a qual convoca e preside reuniões com os pastores sinodais e presidentes dos conselhos sinodais. Nesse sentido, conforme cronograma para o presente ano, realizou-se, nos dias 10–14/03/1999, em São Leopoldo/RS, um encontro entre a Presidência e os pastores sinodais.

A partir de uma análise da realidade atual marcada, entre outros, por um contexto multi-religioso, perguntou-se por nossa identidade confessional e nossa contribuição específica na busca e na promoção de vida mais digna e justa.

Com o objetivo de ajudar a clarear nosso testemunho evangélico de confissão luterana, compartilhamos, a pedido dos pastores sinodais, por meio do presente caderno, o que o referido encontro definiu e propôs.

Colocamos este material à disposição dos sínodos, das instituições, dos departamentos e dos setores de trabalho, das obreiras e dos obreiros e das lideranças comunitárias e paróquias da IECLB.

Esperamos que este caderno seja o primeiro de uma série orientadora e norteadora, para a tarefa missionária da IECLB. Rogamos a Deus que ele nos ajude a crescermos numa clara consciência da própria identidade confessional, para a contribuição significativa no contexto ecumênico em níveis local, nacional e internacional.

1. Aspectos da realidade atual

Querendo traçar um caminho para a frente, é preciso conscientizarmo-nos da realidade em que vivemos. Isso pressupõe considerar nossa origem, o contexto (sócio-econômico, cultural e religioso) e tendências ou metas que o contexto está indicando. Não temos a pretensão de fazer uma análise exaustiva e completa do momento atual. Contudo, o evangelho do trino Deus, o Senhor que liberta e caminha com seu povo e com ele faz história, nos obriga a enfocar alguns aspectos determinantes da história passada e presente. Somente assim vislumbraremos o rumo para o amanhã e poderemos dar, confiante e conscientemente, passos ao mesmo tempo ponderados e arrojados para o futuro.

1.1 - Embora saibamos que um certo número de evangélicos veio ao Brasil ainda no tempo do Império, particularmente da Suíça, sendo eles de confissão reformada calvinista, a grande maioria de nossos antepassados emigrou de diferentes regiões da Alemanha para o Brasil a partir de 1824, sendo majoritariamente luteranos. Sentiram-se atraídos, pela monarquia brasileira, por motivos políticos, econômicos e sociais. Foram desiludidos face a muitas promessas feitas mas não cumpridas. A cultura alemã, vivenciada em escola e clube, e a fé evangélica, baseada no Catecismo Menor de Martim Lutero, hinário, livro de orações e Bíblia, praticada em culto e ofícios, contribuíram decisivamente para que sobrevivessem em terra estranha e, até certo ponto, hostil.

A liberdade religiosa, limitada a princípio, foi concedida plenamente apenas após a proclamação da República em 1889, o que certamente contribuiu para o necessário processo da integração no contexto brasileiro. Esse processo recebeu outros fortes impulsos durante as duas guerras mundiais, com a proibição do idioma alemão, as discriminações e, mesmo, perseguições que colocavam em xeque a identidade eclesial das comunidades. Tornou-se imperioso que as comunidades da futura IECLB voltassem sua visão definitivamente da pátria-mãe dos antepassados de seus membros para a nova pátria brasileira.

1.2 - Desde o início, os evangélicos, que aos poucos foram definindo sua identidade como sendo de confissão luterana, reconheceram a necessidade de viver em comunhão, tanto em clube quanto em comunidade. Comunidades uniram-se em paróquias, e estas formaram sínodos.

Os sínodos criaram a Federação Sinodal em 26 de outubro de 1949, data que deve ser considerada de fato como constitutiva da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). A Federação Sinodal de pronto estabeleceu a base confessional luterana. Muito logo ela veio a afiliar-se como Igreja à Federação Luterana Mundial (FLM) e ao Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Em 1954, acrescentou-se ao nome de Federação Sinodal o atual de Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Finalmente, a união eclesiástica se formalizou em 1968, com a extinção dos sínodos existentes até então. A IECLB passou a estruturar-se em comunidades, paróquias, distritos e regiões.

Ao longo de quase 30 anos, essa estrutura serviu para fomentar a consciência de uma só Igreja em território nacional. Sua maior expressão numérica, contudo, permaneceu no sul, embora se deva registrar que o acompanhamento da Igreja a seus membros migrantes tivesse levado à formação de comunidades em grande dispersão por todo o território brasileiro.

1.3 – Destacam-se outras marcas decisivas na continuidade do processo de integração. Desde o “Manifesto de Curitiba”, em 1970, a Igreja passou a perceber com maior clareza a importância do contexto social e político, com vistas à sua missão. No tempo da ditadura agravou-se o desnível social. O êxodo rural e o galopante processo de urbanização provocaram uma acentuada expansão dos cinturões de miséria em torno dos centros urbanos. Grande número dos membros de nossas comunidades, até então pertencentes à classe média, começaram a empobrecer. Com o fim da ditadura e a volta ao estado democrático, deu-se também início ao processo de globalização, acompanhado do influxo e dos efeitos da informática.

Após a euforia inicial com a abertura de fronteiras e a aparente aproximação de pessoas e nações, começamos a perceber que a globalização, por enquanto, favorece apenas uma minoria, mas isola e marginaliza um número crescente de pessoas e povos. Ainda que o acesso a bens de consumo, em particular os industrializados, tenha sido facilitado, há um evidente deterioramento de todos os serviços sociais, como na educação, na saúde e na previdência. Embora a inflação tenha sido controlada, aumentaram a recessão, o desemprego, o endividamento interno e externo. Os mecanismos das relações de dependência se tornaram mais complexos e eficazes e a exclusão social é evidente.

1.4 - A teologia da libertação ajudou nossa Igreja a ensaiar a leitura contextualizada da Bíblia e a envolver-se com a causa da reforma agrária e os movimentos sociais. O Movimento Encontrão contribuiu para o avivamento de muitas comunidades, em particular dos leigos, e para que comunidades encontrassem, na leitura da Bíblia, na oração e nas reuniões, uma espiritualidade de cunho evangelical. O Catecumenato Permanente (Concílio Geral, Cachoeira do Sul, 1974), embora não tivesse uma continuidade direta nos programas da IECLB, contribuiu para criar em seu meio maior consciência do “sacerdócio geral de todos os crentes”. Tudo isso redundou em diferentes iniciativas de formação de líderes para todas as áreas de atividades comunitárias.

Tanto a teologia evangelical quanto a teologia da libertação leva¬ram a IECLB a um maior envolvimento ecumênico e fizeram-na reler sua tradição luterana. Na busca de sua identidade e sua con¬tribuição específica, perguntou-se pelo lugar da confessionalidade luterana no contexto latino-americano. Assim, aprofundando seu compro¬misso ecumênico, já expresso pela filiação à FLM e ao CMI, a IECLB par¬ticipou do processo de formação do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) e do Conselho Latino-Ameri¬cano de Igrejas (CLAI ). Também pas¬sou a ter participação ativa em outros movimentos e entidades ecumênicas. O movimento Pastoral Popular Lute¬rana procura traduzir a atuação da IECLB e nossa confessionalidade para o nível popular.

Em termos de liturgia estamos percebendo a necessidade de encontrar formas que preservem a universalidade e expressem a contextualidade. Na formação da identidade de obreiros e obreiras estamos, pela primeira vez, em condições de atender a demanda de nossas paróquias, sem necessidade de apelarmos para a vinda de obreiros estrangeiros do hemisfério Norte. Pelo contrário, estamos hoje ensaiando formas de intercâmbio de recursos humanos com igrejas-irmãs do hemisfério norte. O Ministério Compartilhado contribuiu, decisivamente, para a criação da nova Constituição da IECLB; ela procura superar o que se convencionou chamar de “pastorcentrismo” e a centralização de poderes, criando uma forte representação leiga em todos os níveis e delegando poderes de decisão às bases, ou seja, às comunidades, paróquias e sínodos.

Segundo a nova Constituição, Artigo 36, incisos I e V, cabe à Presidência, entre outras tarefas, zelar pela unidade e identidade confessional da Igreja; para desincumbir-se dessa tarefa convoca e preside reuniões com os pastores sinodais e presidentes sinodais. A segunda reunião, realizada nos dias 10-14/03/1999, em São Leopoldo/ RS, esteve centrada no estudo de temas eclesiológicos, enfocando aspectos da realidade atual, com vistas a nosso ser Igreja no novo milênio. Transcrevemos neste caderno os principais assuntos tratados, resoluções e definições.

1.5 – À luz das facetas da realidade enfocadas, constatou-se que as Igrejas tradicionais parecem estar perdendo pessoas e lugar para novos movimentos religiosos de cunho pentecostal, sejam autóctones ou de proveniência norte-americana, mas também para a religiosidade oriental. Movimentos carismáticos procuram renovar as Igrejas tradicionais. Teologias do sucesso, da felicidade e da prosperidade encontram um campo fértil em pessoas excluídas e esquecidas, pessoas sedentas de experiência religiosa diferente e pessoas desinformadas sobre o testemunho bíblico e confessional.

Numa apreciação crítica, podemos observar que muitos desses movimentos, em particular os chamados neopentecostais, não parecem visar a criação de comunidade, mas apenas atender a necessidades imediatas de pessoas, seja em termos de saúde e emprego, seja de afeto e experiência religiosa. Assim, registram-se números fantásticos de pessoas que entram nos salões alugados para cultos. Contudo, não se fica sabendo quantas pessoas saem pelas portas dos fundos desses movimentos nem quantas acabam desiludidas por expectativas não atendidas. Ainda assim, sua proliferação e sua rápida expansão constituem um sério desafio e, quem sabe, um juízo sobre as deficiências de nossa própria prática eclesial.

Todos esses aspectos evidenciam que vivemos numa época que se caracteriza por uma intensa busca de sentido para a vida, busca do divino e libertação, busca de referências, critérios e valores que dêem direção e substância à vida. Isso tanto em termos pessoais quanto comunitários e para a sociedade como um todo.

Diante dessa realidade perguntamos: O que é Igreja?



2. O que é Igreja?

2.1 - A eclesiologia, a doutrina da Igreja, se ocupa com a compreensão e o significado da Igreja para a vida cristã em todos os níveis. Ela estuda e analisa os diferentes conceitos de Igreja que caracterizam as muitas confissões eclesiásticas da cristandade. Por exemplo: há uma compreensão de Igreja como constituindo uma sólida instituição com sua estrutura, doutrina e práticas bem definidas. Por outro lado, nota-se, igualmente, a erupção de grandes movimentos de espiritualidade que enfatizam acontecimentos especiais, interpretados como manifestação do poder do Espírito Santo.

2.2 - Também na IECLB podemos observar como de fato existente uma variedade de compreensões de Igreja. Por exemplo, ainda é bastante difundida a visão de Igreja como associação ou clube. Nessa compreensão não se pensa tanto numa comunidade voltada para a missão, mas antes numa prestadora de serviços religiosos para seus membros. Há também a tradição daquelas pessoas que têm a mesma herança étnica, cultural e religiosa, concepção que corre o risco de vincular a fé evangélica com costumes e valores culturais, às vezes políticos, de nossos antepassados. Encontramos ainda a compreensão de Igreja como movimento que congrega aquelas pessoas que comungam uma espiritualidade bem específica, definida e particular. Há, por fim, também compreensões místicas, por vezes com matizes quase mágicos, que buscam na Igreja, e em especial nos sacramentos, força e sanidade, recondicionamento e bênção para a vida. É neste contexto altamente diversificado que queremos restaurar e realçar as questões centrais da compreensão luterana de Igreja.

2.3 - O Espírito Santo a cria pela pregação do evangelho e pela administração dos sacramentos. Ele a coloca sob o senhorio de Jesus Cristo, que por nós morreu na cruz, pagando por nós o salário do pecado, que é a morte (Rm 6.23). Base para as afirmações doutrinárias luteranas é somente a Escritura Sagrada do AT e NT. A Confissão de Augsburgo resume isso, quando afirma em seu artigo VII, que a Igreja “é a congregação de todos os crentes, entre os quais o evangelho é pregado puramente e os santos sacramentos são administrados de acordo com o evangelho”. (Livro de Concórdia, p. 31)

2.4 - Por sua morte e ressurreição, Jesus Cristo nos reconciliou com Deus e nos oferece gratuitamente a salvação (2 Co 5.14-21). Justificação, salvação e santificação são obra exclusiva de Deus. Por isso, nem justificação, ou seja, salvação, nem santificação são propriedade nossa. Somos pessoas simultaneamente justas e pecadoras. Quando olhamos para nós mesmos, sempre vemos uma pobre pessoa pecadora que depende totalmente da graça de Deus; quando olhamos para Cristo, nos vemos e nos sabemos pessoas justificadas, salvas e santificadas perante Deus, por sua morte expiatória por nós (“pro nobis”). Assim, segundo Lutero, ocorre uma maravilhosa troca: Jesus Cristo assume nosso pecado e nós recebemos a sua justiça, de modo que podemos viver, alegre e gratamente, uma nova vida com Deus. Mesmo assim, após termos experimentado o ponto de apoio e a mão salvadora (“extra nos” = fora de nós), ainda fazemos parte do mundo em que somos tentados pelo campo de força do mal (Rm 7.18ss).

2.5 - Segundo esta doutrina, os membros da Igreja sempre perma¬necem pecadores. Não têm em si mesmos nenhuma justiça ou mérito que os torne agradáveis e aceitáveis perante Deus. O que nos justifica e torna agradáveis a Deus está fora de nós (“extra nos”), está em Cristo. Somos pes¬soas justas ou justificadas tão so-mente porque Cristo nos declara como tais, imputando-nos o mérito de sua morte expiatória. Somos justos no sentido forense, porque por Cristo fomos ab¬solvidos de nossos pecados e liber¬tados da morte e do poder do diabo. Assim, somos pessoas simultanea¬mente justas e pecadoras. Contudo, não devemos entender isso como porta aberta para a licenciosidade. Pelo contrário, quando em fé aco¬lhemos a justificação, somos nova criatura e portanto também libertos para uma nova vida, caracterizada por gratidão a Deus e serviço ao próximo. Isso tem a seguinte conseqüência eclesiológica: con¬cretamente, passamos a fazer parte da comunhão dos santos através do batismo, pelo qual somos incluídos no corpo de Cristo (Rm 6.4).

2.6 - O batismo é promessa e sinal escatológicos de salvação(*), dádiva que compromete com a fé. A pessoa batizada que não crer é condenada, porque rejeita a promessa de Deus proclamada no batismo(*). Crer significa, pois, viver com Cristo em sua comunidade, servindo-lhe pela prática do amor, no mundo em que vivemos. Já que nessa prática sempre ficaremos devendo a Deus e ao próximo, é igualmente indispensável o retorno diário à penitência, à confissão de pecados, ao amor pelas coisas de Deus e à missão(*). Martim Lutero é categórico ao dizer que “onde não existe ou não se consegue essa fé, de nada nos serve o batismo”.

O batismo acontece em nome do trino Deus: Pai, Filho e Espírito Santo. Dele fazem parte a palavra de lei e evangelho, a água e a comunidade de Cristo. Os elementos constitutivos do batismo são esses, nada menos e nada mais; em caso contrário não se trata de batismo cristão. A fé, por sua vez, acolhe a graça contida no batismo. Portanto, quando alguém foi batizado, por exemplo, com sangue de bode, não se trata de batismo cristão. Se tal pessoa, após o devido aconselhamento poimênico e ensino catequético, rompe com seu passado pagão e solicita o batismo cristão, deverá ser batizada nos moldes acima descritos. Nesse caso, não se trata de rebatismo, mas de batismo cristão, pela primeira e única vez, sinal de ruptura com os ritos de iniciação não-cristãos. Pois o Apóstolo é claro: há um só batismo (Ef 4.5-6).

Se, porém, uma pessoa, batizada sob os critérios cristãos, teve posteriormente envolvimentos que contradizem a fé cristã e reconhece a necessidade de renunciar a tal prática, solicitando por isso a realização de um rebatismo, ela deve ser instruída pela palavra, em forma de lei e evangelho, e aconselhada a buscar ajuda na confissão, na penitência e no mistério da santa ceia. De modo algum, porém, se deve efetuar um rebatismo, o que significaria bagatelizar a graça batismal já recebida. Em verdade, um tal rebatismo não seria batismo nenhum, mas abuso da prática batismal.

2.7 – O problema do rebatismo, muitas vezes, está ligado ao movimento carismático, que está se manifestando em quase todas as Igrejas tradicionais do mundo. Não nos é possível descrevê-lo nem avaliá-lo devidamente neste espaço. Tentativas nesse sentido estão em andamento, como, por exemplo, a carta às irmãs e irmãos do movimento carismático na IECLB – sob o título Um caso de amor – um diálogo com o movimento carismático – da autoria de Roberto E. Zwetsch, professor na Escola Superior de Teologia (EST). Conforme o autor, há pessoas que preferem o nome de Movimento de Renovação Espiritual.

O culto carismático proporciona experiências fortes e envolventes. Participantes confessam que sentem e experimentam o Deus que faz falar em línguas, que liberta e cura. Esse fato, por si só, nos faz perguntar por aquilo que nossas comunidades tradicionais porventura ficam devendo às pessoas que estão em busca de experiência religiosa. Como proporcionar participação e experiência concretas com o mistério da revelação de Deus em nossos dias? Ao mesmo tempo, também é necessário que nos envolvamos num diálogo crítico com o movimento carismático sobre a teologia dos dons do Espírito e sobre o critério do amor que cria e edifica comunidade, visto que a fé somente surge, cresce e se mantém pelo viver em comunidade. É assim – e não de outro modo – que age o Espírito de Pentecostes.

Que tipo de Jesus está sendo propagado quando a pregação se resume naquilo que dele se busca ou recebe? Onde fica o confronto com o Jesus Cristo da graça, da cruz e da ressurreição, que nos convoca para o seguimento sob a cruz e para a vivência em comunidade em que se pratica partilha e se promove justiça e paz, aqui e agora? Essas e outras perguntas mais se impõem, a seu modo, tanto para a comunidade tradicional quanto para o movimento carismático. Instituição e carisma são grandezas que não devem ser lançadas uma contra a outra. Ambas necessitam da complementação mútua. Queira Deus nos ajudar a reconhecer e praticar essa verdade!

2.8 - Estudo e meditação da palavra, em particular e em comunidade, penitência, confissão, arrependimento e santa ceia são os meios pelos quais se renova e se mantém a fé que atua pelo amor. Essa fé é dada e mantida pelo iniciador e consumador da fé, Cristo. Exclusivamente ele é origem e alvo da fé, e ao mesmo tempo é o caminho da fé (Jo 14.6). A caminhada da fé acontece na comunidade que Cristo cria pelo batismo, mantém pela palavra e pela santa ceia e conduz à consumação por sua promessa da segunda vinda, no final dos tempos. A caminhada da comunidade, portanto, acontece entre Pentecostes e a volta de Cristo. Neste ínterim, Cristo age, na comunidade e através dela, fazendo surgir sinais concretos de nova vida que é oriunda do Eterno e para o Eterno aponta e conduz.

2.9 - A doutrina da justificação liberta o cristão da preocupação com sua própria salvação. Essa lhe é assegu-rada pela fé, que é fruto do Espírito Santo e nasce através da pregação do evangelho. Assim sendo, o crente está habilitado para dedicar-se, com seus dons, talentos, forças e todo seu ser, ao serviço da missão de Deus no mundo. Seu servir a Deus e ao próximo, no dia-a-dia da vida, é o verdadeiro culto a Deus (Rm 12.1ss.). Somos Igreja disposta ao diálogo ecumênico com todos os que estão comprometidos com a vida. Estamos abertos para compartilhar e celebrar culto a Deus com todos aqueles que confessam Jesus Cristo como seu único Senhor e Salvador (Atos 4.12; cf. também a Constituição da IECLB, Art. 5º, § 2º).

2.10 - A Igreja, comunhão dos santos, isto é, os que pertencem a Deus, congrega pessoas diferentes entre si; todas elas, no entanto, são chamadas para viverem a justificação, concedida através do batismo. Isso se efetiva no seguir a Jesus Cristo em sua comunidade (discipulado). Aliás, o batismo comissiona ao “sacerdócio geral de todos os crentes”, pelo qual cada membro do corpo de Cristo desenvolve seu discipulado de maneira livre e destemida, na Igreja e na sociedade. A Igreja não é composta por pessoas boas e especialmente selecionadas, excluindo-se outras más, e, sim, por pessoas indistintamente carentes da graça de Deus (Rm 3.23). Por isso, a Igreja engloba toda a cristandade na terra. Por conseguinte, toda arrogância e toda prepotência espiritual ficam descartadas, pois as pessoas, olhando para sua condição humana, continuam pecadoras. A certeza da salvação, porém, acontece a partir do olhar voltado para Cristo e sua obra por nós. Assim, conscientes de que o evangelho verdadeiro é um só e Deus é um só, sabemo-nos irmanados numa única Igreja de Jesus Cristo. Logo, somos também conclamados a viver a unidade dentro da própria IECLB e a buscá-la com as demais Igrejas cristãs (Ef 4.1-6).

2.11 - A fé, que anima as pessoas, é dom que se experimenta na total entrega em confiança a Deus, independente de qualquer sentimento ou afirmação humanas. A confiança leva à obediência, mesmo contra todas as evidências negativas do cotidiano da vida, aparentemente irrefutáveis. Trata-se de uma vivência a ser renovada constantemente dentro das contradições humanas. A renovação e o fortalecimento da fé acontecem na comunhão da santa ceia, na prática da oração, no serviço ao próximo, na animação, admoestação e consolação mútuas entre irmãos e irmãs.

2.12 - Na Igreja, comunhão dos santos, experimenta-se a precari¬edade humana e, ao mesmo tempo, celebra-se a afirmação do perdão de Deus. A consciência de que as pessoas são simultane¬amente justas e pecadoras reflete uma visão realista da vida e, ao mesmo tempo, esperançosa e confiante por estar alicerçada nas promessas de Deus. Esta perspectiva torna-se, portanto, li¬bertadora, já que as pessoas não mais necessitam aparentar uma piedade perfeita, fruto de seu esforço próprio. Pelo contrário, por causa da graça e pro¬messa de Deus, podem, esperançosos e confian¬tes, vencer as forças do pecado presentes em todos os âmbitos da vida.

2.13 - A Igreja existe e é real ali onde a palavra de Deus é pregada. Con¬forme a afirmação de Lu¬tero: “Graças a Deus, uma criança de sete anos sabe o que é a Igreja, a saber, [...] os cordeirinhos que ouvem a voz de seu pastor.” (Os artigos de Esmalcalde, art. XII. In: Livro de Concórdia, p. 338). Como tal, ela é visível e é povo de Deus. Ao mesmo tempo, ela é uma grandeza invisível ou oculta, porque só Deus vê os corações e sabe quem são as pessoas vivi¬ficadas e renovadas pelo Espírito Santo através da pregação do evangelho. A estrutura da Igreja é parte de sua dimensão visível, sem constituir a essência da própria Igreja. Como tal, porém, pode e deve estar a serviço do evangelho, razão pela qual também deve ser sempre avaliada criticamente a partir do evangelho.

2.14 – Por sua graça e misericórdia, Deus, em sua ação salvadora, usa a Igreja como seu instrumento. Os sinais da Igreja são, entre outros: palavra, sacramento, confissão, oração, amor ao próximo e cruz. Da mesma forma, Deus pode usar qualquer meio ou outra instituição humana presente na sociedade e no mundo para concretizar seu desígnio e sua missão. Neste sentido, a Igreja assume uma postura de humildade. Reconhece que o próprio Deus é sujeito de sua missão. O crente luterano participa dela na qualidade de cristão e cidadão ao mesmo tempo. Ele é vocacionado a relacionar a fé com a vida do dia-a-dia. Em comunhão com a comunidade, testemunha, em forma de palavra e ação, a vontade libertadora de Cristo, que veio trazer vida em abundância. Isso possibilita ao ser humano viver em harmonia com Deus, consigo, com o próximo e também com a natureza, criação divina.

2.15 - Conforme o conceito luterano de Igreja, tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo, conosco mesmos e com o meio em que vivemos, através de Cristo. Conversão, santificação e vida nova, quando autênticas, nunca são conseqüências de capacidades pessoais ou grupais, mas são frutos do Espírito Santo, em resposta à pregação do evangelho.

2.16 - O conceito luterano de Igreja abarca a dialética que Paulo define em Fp 2.12s.: “...desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade.” Pela pregação, a comunidade é desafiada a tomar uma decisão e a trabalhar em prol de sua salvação, santificação, renovação; contudo, logo que tocada e movida pelo Espírito Santo, ela percebe que na verdade foi Deus quem efetuou tanto o querer como o realizar.

2.17 - O Deus Criador, que cuida de nós e preserva a criação, como confessamos no primeiro artigo do Credo, também nos liberta e convoca a viver de acordo com sua santa vontade. A cruz de Cristo nos proporciona constantemente a salvação gratuita; ela, a cruz, é também o signo de todo discipulado. Por conseguinte, o Espírito Santo não anula nem supera a cruz de Cristo, mas é o poder divino que nos faz andar em comunhão e amor, nos conforta em nossas tribulações, nos anima e nos sustenta em nossa caminhada como Igreja sob o signo da cruz. Concluímos que, dentro de um contexto de mercado religioso, onde proliferam as mais diversas propostas esotéricas, nós, como IECLB, precisamos resgatar e testemunhar essa dimensão trinitária da eclesiologia.

2.18 – Conseqüências práticas

1. Como justificados por graça e fé, somos comprometidos com o ensaio da prática de gratuidade, na vida em família, em comunidade e sociedade.

2. A graça é vida, o legalismo mata. A graça barata inflaciona o evangelho, profana a santidade de Deus e ilude pessoas.

3. Já que existe um só batismo cristão (Ef 4.5), a IECLB não pode admitir um segundo batismo ou assim chamado rebatismo. Quem mesmo assim o pratica, está se afastando do fundamento bíblico e da confessionalidade luterana; e deve perguntar-se a si mesmo e deixar-se questionar se ainda faz parte da IECLB. Devemos ser uma Igreja aberta para todas as pessoas, mas não podemos estar abertos para tudo, por respeito às bases normativas.

4. Versículos bíblicos são portadores de verdades divinas. Alertamos para o perigo do uso indiscriminado e descontextualizado de versículos bíblicos para justificar idéias próprias.

5. O movimento carismático necessita da correção por parte da Igreja, e a Igreja necessita dos dons do movimento carismático. O convívio será tenso, mas poderá tornar-se uma bênção para ambas as partes, desde que reconheçam, humildemente, as próprias carências e a necessidade de complementação mútua.

6. Um significativo número de comunidades da IECLB se pergunta pela postura correta diante de casos de exorcismo. Trata-se de um assunto que ainda merece maior estudo e diálogo interno na IECLB, mas consideramos essencial a observância de alguns critérios. Quando, por exemplo, a comunidade detectar sintomas de possessão ou possível endemoninhamento, necessário se faz um criterioso e abalizado estudo, assessoramento de especialistas na área da saúde e envolvimento da liderança da comunidade para uma tomada de decisão a mais objetiva possível. Como em outras áreas, também nesse assunto decisões monopolizadas pelo pastor ou pastora e, mesmo, por um pequeno grupo exclusivo, abrem portas ao abuso e à arbitrariedade. Constatada a veracidade do caso, o exorcismo dar-se-á pela oração, com o envolvimento do pastor ou pastora e da liderança da comunidade. A cura requer também discrição, em respeito ao paciente e à sobriedade da atuação do Espírito. De modo algum, a oração deve ser desvirtuada, pelo exorcismo, em espetáculo público para a atração de novos fiéis.



3. Características

do Ministério Compartilhado

O documento Ministério Compartilhado, aprovado pelo Concilio Geral da IECLB em 1994, de amplo conhecimento, serve de base para as considerações a seguir, que visam relembrar seus aspectos principais.

3.1 - Deus confiou à comunidade/Igreja o ministério da reconciliação. O ministério não é confiado a alguns poucos especialistas, mas sim à comunidade/Igreja como um todo. É isso que Lutero denominou, a partir de 1 Pe 2.9, de sacerdócio geral de todos os crentes. Desde nosso batismo, somos ordenados sacerdotes e sacerdotisas. Temos a incumbência de ser um pequeno cristo para os outros, na família, na escola, no lugar de trabalho, na sociedade e na política. Isso significa reconhecer e vivenciar o batismo, abraçar e vivenciar o amor de Deus. Esta é a irrenunciável base comum do ministério com a qual a Igreja foi incumbida.

3.2 - Para que a comunidade melhor pudesse reconhecer e abraçar o amor de Deus e servir a Ele, "Ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres." (Ef 4.11) Quantos ministérios específicos já havia na Ásia Menor, no tempo apostólico! Sua função não era outra do que ser instrumentalizadora e multiplicadora dos dons, ou seja, ajudar a comunidade a reconhecer e assumir a sua missão. Pois Deus os concedeu "com vistas ao aperfeiçoamento dos santos (daquelas pessoas que pelo batismo pertencem a Cristo) para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo" (Ef 4.12). Ministérios específicos, portanto, não devem desincumbir-se em lugar da comunidade do serviço que cabe à própria comunidade como um todo, mas têm sua finalidade em motivar, equipar e acompanhar a comunidade no reconhecimento e no exercício de sua missão. Essa é sua função instrumentalizadora e multiplicadora. O número e tipo de ministérios específicos dependem da necessidade e da possibilidade de cada Igreja.

3.3 - Embora Lutero tenha defendido como ministério específico somente o pastoral, devemos reler nossa tradição luterana, iluminados por exemplo por Ef 4, a partir de nossas necessidades e viabilidades. Na IECLB, temos agora reconhecidos oficialmente quatro ministérios específicos: o catequético, o diaconal, o missionário e o pastoral. Todos eles têm a mesma dignidade e responsabilidade teológica e eclesiológica. Por conseguinte, falamos em “Ministério Compartilhado”. Deus vocaciona e ordena cada qual, através da Igreja. Todos eles, repetimos, têm sua função instrumentalizadora e multiplicadora, a fim de que a comunidade melhor possa reconhecer e assumir sua missão.

3.4 - Conseqüentemente, a tarefa primordial dos "ministérios espe¬cíficos" é a de capacitar os membros das comunidades para atua¬rem eles próprios. Reduzir o sacerdócio geral de todos os crentes aos "ministérios específicos" na IECLB seria uma negação do pró¬prio sacerdócio geral.

3.5 - Igualmente importante é observar que o conceito de “Ministério Compartilhado” não se limita a ministérios específicos com vínculo empregatício em tempo integral, nem tem por objetivo ser usado apenas com o intuito de um ministério se igualar a outro em termos de direito. O Ministério Compartilhado inclui também ministérios com vínculo empregatício em tempo parcial ou mesmo ministérios voluntários sem vínculo empregatício. Quer dizer, alguém pode ser, por exemplo, professor e catequista e ter vínculos parciais de emprego para ambas as funções ou mesmo somente para a de professor. Mais importante ainda é lembrar que o Ministério Compartilhado não se limita aos quatro ministérios específicos, mas engloba o serviço de colaboradores leigos; com eles compartilha o respectivo ministério especifico.

3.6 - Essa visão de Ministério Compartilhado se evidencia por razões teológicas e eclesiológicas. Mesmo assim, ainda parece ser difícil para comunidades e obreiros abraçarem a idéia. Talvez a situação econômica, que está afetando as igrejas em todo o mundo, venha a contribuir para que nos convençamos de que o tradicional modelo de ministério e comunidade é bastante questionável, também por estar tornando-se financeiramente insustentável.

3.7 - Resumindo, podemos dizer que o Ministério Compartilhado parte da comunidade e para ela está voltado. Existe para que ela se torne instrumento da missão de Deus no mundo aqui e agora, a fim de que ela se torne cidade edificada sobre um monte (Mt 5.14), para que as pessoas “vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus” (Mt 5.16).

4. A caminho da definição de competências no Ministério Compartilhado

4.1 – Quanto à compreensão do Ministério Compartilhado

A proposta da IECLB contida em suas definições do Ministério Compartilhado é antes de tudo uma afirmativa do “sacerdócio geral de todos os crentes” (1 Pe 2.9), como forma de ser Igreja. Esta forma, embora expresse seu aspecto particular pela dimensão universal e sacerdotal, aproxima-se daquelas que aparecem em Atos dos Apóstolos como “comunidade de irmãos e irmãs”, em Efésios como “corpo de Cristo” e no Credo Apostólico como “comunhão dos santos”.

Afirma-se, com isso, que o ministério de testemunho e serviço é da comunidade e de seus membros. Todas as pessoas crentes batizadas são sacerdotes e sacerdotisas, chamadas, dignificadas, enviadas ao mundo para testemunho e serviço.

Afirma-se ainda que há diversidade de funções no exercício deste ministério. Não existe um padrão único ou uniforme de exercício do sacerdócio geral de todos os crentes.

Ministério Compartilhado subentende, ainda mais, que os "ministérios específicos", que na IECLB já têm uma expressão mais abrangente em várias dimensões, visam a "instrumentalização da comunidade com vistas à missão de Deus, no mundo”. Conseqüentemente, a tarefa primordial dos "ministérios específicos" é a de capacitar os membros das comunidades para atuarem eles próprios.

Reduzir o sacerdócio geral de todos os crentes aos "ministérios específicos", na IECLB, seria uma negação do próprio sacerdócio geral. Contudo, é necessário que se definam seus perfis e se identifique seu específico com vistas à sua formação e ao desempenho eficiente em "servir melhor às necessidades diferentes da comunidade", a "desenvolver seus dons" e "servir no corpo de Cristo", e participar na "missão de Deus no mundo". Todos esses ministérios têm seu objetivo "no facilitar o surgimento de uma comunidade mais acolhedora, solidária, terapêutica, aberta, integradora, enfim, missionária".

4.2 - Competências decorrentes do Ministério Compartilhado, especialmente em relação aos ministérios específicos.

4.2.1 - "Os ministérios trabalham juntos em equipe e parceria. A equipe é coordenada, se for o caso, por alguém que tenha os dons para isto, independente do ministério que ocupa". Os ministérios em sua especificidade se inter-relacionam, sujeitando-se ao senhorio de Cristo.

4.2.2 – Com a criação, no currículo da Escola Superior de Teologia, do assim chamado “núcleo teológico comum”, a formação para os vários ministérios específicos na IECLB já está num processo de integração em nível de ensino superior.

4.2.3 - É necessário que se adote uma sistemática de definição de campos de trabalho e publicação de vagas para todos os ministérios especiais.

4.2.4 - O processo de consolidação dos documentos, relativos ao exercício público do ministério, definirá também normas de equi¬paração salarial. (Observação: obreiros catequistas podem ter hoje sua atividade registrada junto ao INSS como atividade de religioso equiparado a autônomo. Abre-se assim a possibilidade de estabelecer para o catequista os mesmos vínculos como, por exemplo, para obreiros pastores.)

4.2.5 - A partir dos referenciais do documento Ministério Compartilhado é necessário também rever a função de "pároco". A ação missionária na comunidade é de res¬ponsabilidade conjunta, integrada por lide¬ranças e obreiros. O "pároco ou pároca" integra-se numa coordenação comunitária/paroquial compartilhada. Coopera nessa coordenação como obreiro ou obreira vocacionada e desempenha, se for o caso, a representação de "conteúdo" dos demais obreiros. Elimina-se, desta forma, a figura do pároco como representação dos obreiros, centrada apenas nos obreiros-pastores; amplia-se a representação para todos os ministérios e se dá ênfase ao modelo "comunitário" de gestão da vida na comunidade/ paróquia. Esta mudança essen¬cial, decerto, determinará que se altere a designação "pároco". Assim, a perspectiva do Ministério Compartilhado traz como con¬seqüência, também, compartilhar o ministério dirigente.

4.2.6 - É necessário que definamos a tarefa de exercício de liderança, de função diretiva nas comunidades e paróquias. Não há diferença de qualidade entre a função diretiva e os demais “ministérios específicos", como tampouco a há em relação ao sacerdócio geral. Lideranças leigas e obreiros terão que se aperfeiçoar no exercício "qualitativo" de direção, de poder como serviço à comunidade. Esta função será qualitativa se for compartilhada e se ela, sobretudo, se fizer "disponível para o crescimento dos indivíduos e da comunidade". Com certeza, esta maneira de entender a função diretiva proporcionará melhor compreensão e maior agilidade das estruturas da Igreja, bem como aprimorará o relacionamento daquelas pessoas que a exercem.

Há necessidade de desenvolver um processo de reflexão e de capacitação de todas aquelas pessoas que foram incumbidas de função diretiva, tanto membros leigos como obreiros, visando o aperfeiçoamento deste exercício qualitativo de direção.

4.2.7 - Na perspectiva do Ministério Compartilhado, a Conferência de Obreiros não é mais a reunião que centraliza o planejamento da ação missionária, na área das respectivas paróquias. A Conferência de Obreiros é oportunidade de equipar-se para o exercício de sua tarefa instrumental, de atualizar-se permanentemente na reflexão teológica e na práxis e de animar-se no apoio fraterno, na vocação e no exercício de seu ministério público. Em suma, a Conferência de Obreiros é oportunidade de capacitar-se para a ação missionária, realizada, conjuntamente, com as coordenações comunitárias e as comunidades e seus membros.

4.2.8 - As questões de ordem pessoal de obreiros e obreiras são acompanhadas e decididas em disciplina fraterna em nível sinodal. Cabe ao pastor sinodal, conjuntamente com o conselho sinodal, assistir os obreiros em suas questões pessoais. Dificuldades de ordem pessoal são tratadas em disciplina fraterna pelo pastor sinodal e, quando implicam "relações funcionais" de obreiros, serão deliberadas com a diretoria sinodal. A partir da idéia orientadora do Ministério Compartilhado, estas questões serão tratadas por todos que têm competência de assistir e decidir, com o compromisso de discrição, sigilo e espírito fraterno.

4.2.9 - A partir do “sacerdócio geral de todos os crentes”, cada pessoa batizada é vocacionada, legitimamente, para o testemunho cristão na família, no lugar de trabalho/estudo e na sociedade em geral, ou seja, para exercer a cidadania cristã. Além disso, as pessoas batizadas recebem dons para servirem como colaboradores nos diferentes níveis do serviço comunitário. Há nisso dois perigos: que esses colaboradores sejam usados apenas como “quebra-galho” de obreiros e obreiras ou que se tornem “mini-obreiros”, o que equivaleria a uma lamentável clericalização do laicato.

Para evitar tais perigos, é preciso valorizar os colaboradores leigos, em sua especificidade. Pois além de seu dom para visitação, por exemplo, necessitam de formação teórico-prática para aperfeiçoá-lo, com vistas ao ministério da visitação. Diante da comunidade precisam ser legitimados como visitadores autorizados. Necessitam, portanto, do devido credenciamento, do chamado público. Assim como obreiros necessitam de vocação interna e externa para o exercício de seu ministério em nível nacional, também estes colaboradores leigos necessitam de tal vocação para o exercício de seu ministério em nível local.

Esse credenciamento obedece a critérios da IECLB e é por ela oficialmente reconhecido. O ato litúrgico de instalação de “colaboradores/as leigos/as” deverá acontecer em culto da comunidade. Ele obedecerá a formulários litúrgicos da IECLB, dos quais fazem parte: definição e caracterização do serviço para tempo e local definidos, palavra de envio, oração com imposição de mãos, certificado do ato de instalação.

Assim como os obreiros dos ministérios específicos necessitam de acompanhamento e formação contínua, também os colaboradores leigos precisam de formação contínua e acompanhamento por parte da liderança da comunidade e da Igreja como um todo. Tais colaboradores/as leigos/as participam efetivamente, de forma definida embora limitada, de um dos quatro ministérios específicos, reconhecidos na IECLB, sem, no entanto, substituí-lo. Poderiam ser denominados, portanto, também de “obreiros e obreiras leigas” ou de “ministros e ministras leigas”.

Não somos nós que podemos preservar a Igreja. Também não o foram os nossos antepassados, nem a nossa posteridade o será. Foi, é e será aquele que diz: Eu estou convosco até o fim do mundo. M. Lutero.

Dessa maneira, o Ministério Compartilhado não mais se restringe aos quatro ministérios específicos, mas engloba os ministérios leigos, com igual dignidade teológica e espiritual, mas com funções e responsabilidades distintas.

Observação: Todas as citações foram extraídas do documento Ministério Compartilhado, com exceção das do item 3.2.6.

5. Culto/ Liturgia

5.1 - Culto é um encontro de pessoas que se reúnem em nome do trino Deus. Elas se colocam à sua disposição, para que ele as sirva através de palavra, sacramentos, perdão, comunhão, envio e bênção. Assim, Deus nos serve no culto, para que nós lhe sirvamos no mundo em que vivemos, ofertando nosso tempo, nossos talentos, dons e bens. Esse culto em nome de Deus requer formas e expressões litúrgicas que o identifiquem como culto cristão e culto da IECLB. Não basta, portanto, que simplesmente se traduzam liturgias da Itália, Alemanha ou dos Estados Unidos. Por mais que tais liturgias estrangeiras possam ter elementos cristãos, faltam-lhes, contudo, as características de nosso tempo e lugar. De igual modo, não contribui para o surgimento de uma liturgia que identifique o culto da IECLB, se cada obreiro/a cria liturgias de maneira individualista, desrespeitando o contexto da sua Igreja.

5.2 - Por isso a IECLB iniciou, nos anos 80, um movimento de renovação litúrgica. Um primeiro resultado foi a publicação do prontuário Celebrações do Povo de Deus. Nos anos 90, o processo teve uma segunda fase, em que houve a publicação das séries Colmeia, a realização de seminários de multiplicadores em liturgia e a criação de equipes de liturgia. Apesar disso e/ou por causa disso, comunidades se ressentem de uma liturgia que permita identificar o culto de sua IECLB, assim que possam sentir-se irmanadas como comunidades de uma mesma Igreja. Corresponder a esse anseio é um desafio urgente. Contudo, tal liturgia não poderá ser decretada de cima para baixo. Ela será resultado de um processo que envolve comunidades, líderes, obreiras e obreiros.

5.3 - Já que o evangelho sempre precisa encarnar-se, é justificada a necessidade de contextualizar nossa maneira de celebrar culto em comunidade. Essa contextualização é alimentada pelos elementos culturais de nosso tempo e de nosso lugar e é orientada pelos elementos universais e ecumênicos da liturgia cristã. Esses elementos identificam o culto como cristão. Em respeito à comunidade, ao contexto e à Igreja universal, inovações, alternâncias e repetições litúrgicas devem manter-se em equilíbrio.

5.4 - A reunião de pastores e presidentes sinodais recomendou que a IECLB convocasse o Fórum de Liturgia, aprovado no Concílio de 1998. Esse fórum, entrementes, já foi realizado nos dias 13 e 14/07/99 em Rodeio 12/SC, com representantes de todos os sínodos. Para agilizar o processo, o fórum elaborou diretrizes e metas concretas que serão compiladas e publicadas tão logo possível. Em virtude disso, não nos queremos antecipar.

6. Fé e dinheiro

6.1 - O tema “dinheiro” certamente não é o assunto mais importante na Igreja. Contudo, ele reflete algo sobre o tema central, ou seja, a fé. Se a fé não for relacionada com as coisas da vida concreta das pessoas, ela se torna algo distanciado e alienado. Fé espiritualizante não transforma nem liberta. O testemunho bíblico nos atesta o Deus que se encarna na realidade concreta. É por isso que o evangelho sempre nos desafia a relacionar a fé com nosso tempo, nossos dons, talentos e bens, ou seja, com a vida toda.

6.2 - Na IECLB houve, por muito tempo, uma realidade sócio-econômica mais homogênea, que talvez justificasse um sistema de contribuição igual para todos, a exemplo de clubes e sociedades. As comunidades contribuíam à IECLB por meio de cotas prefixadas pelo Concílio Geral ou pelo Conselho Diretor. Além disso, nas últimas décadas, até recentemente, foi relativamente fácil conseguir dinheiro do exterior para determinados projetos locais e de âmbito maior. Hoje, por razões diversas, essas fontes do exterior estão diminuindo. À medida que surgiram o êxodo rural e a urbanização, acompanhados do empobrecimento de muitos membros da IECLB, enquanto outros puderam prosperar, esse sistema de contribuição se tornou cada vez mais injusto, por não mais corresponder ao crescente desnível sócio-econômico dos membros.

6.3 – A partir de textos bíblicos, como por exemplo 1 Cr 29; Ml 3.10-12; 2 Co 8 e 9, muitas comunidades começaram a perceber que a maneira de contribuir e ofertar deve estar relacionada com a fé. A oferta e a contribuição, seja em forma de tempo, dons e bens, sempre objetivam ser um sinal de nossa gratidão ao que Deus já nos ofereceu, oferece e ainda nos oferecerá; objetivam ser um sinal visível de nosso amor recíproco. Nesse sentido, foram feitas valiosas experiências em muitas comunidades em relação a iniciativas tão diversificadas como contribuição escalonada, contribuição proporcional, contribuição percentual, dízimo e contribuição livre. Algumas ou muitas dessas experiências, porém, não perduraram, por falta de fôlego e continuação do trabalho de visitação aos membros, com vistas à renovação da motivação evangélica.

6.4 – A partir da nova estrutura sinodal e da nova Constituição, a IECLB decidiu por uma modalidade de dízimo como forma de contribuição das comunidades/ paróquias para a IECLB. Ainda é cedo para avaliar mais a fundo o resultado. De qualquer maneira, porém, a iniciativa representa um desafio, a fim de comunidades e paróquias reverem e adaptarem seu sistema de contribuição interna.

6.5 – O momento é muito propício para que, agora não de maneira isolada, mas em âmbito nacional, trabalhemos, em todos os âmbitos da IECLB, a questão “fé e dinheiro”. Nesse sentido, a IECLB lançou a campanha da contribuição proporcional, que iniciou com o Culto de Ação de Graças, no domingo 27/06/99, para o qual foi divulgado um programa de culto próprio. Prevê-se dar ainda os seguintes passos:

- A Secretaria de Economia da IECLB realizará o segundo Seminário com os Tesoureiros Sinodais, sobre esse tema, a ter lugar a 28 e 29/08/99, na Casa Matriz de Diaconisas em São Leopoldo/RS.

- Todos obreiros e obreiras serão convocadas/os para uma reciclagem sobre o tema. Serão enfocados aspectos bíblicos, teológicos, práticos e a questão de como lidar pessoalmente com o dinheiro.

- Paróquias e comunidades realizarão, em seu âmbito, seminários de presbíteros/ líderes sobre o mesmo tema. Neles será indispensável enfocar a questão do dinheiro em seu contexto maior, ou seja, no relacionar fé com tempo, dons e bens e informar sobre o que é feito com o dinheiro ofertado. Deverá ser motivada a formação de grupos de visitação a domicílio, talvez a exemplo da campanha da mordomia, efetuada há décadas atrás: líderes de área ou representantes de rua que serão capacitados e acompanhados, com vistas à visitação a domicílio e/ou reuniões de vizinhança, nas quais o tema será tratado à luz da Palavra, em comunhão de estudo e oração.

Obs.: Existem muitos materiais de conscientização e informação, como por exemplo: Estudos sobre Contribuição Proporcional; da autoria de Arzemiro Hoffmann. Temas atuais da IECLB – Contribuição Proporcional. Somos Igreja missionária – Dez exemplos para participar da missão da IECLB, São Leopoldo, 1996 - trata-se de dez propostas de proje¬tos missionários da IECLB, a serem apadrinhados por comunidades e pessoas.

(*) Observação: Esse assunto pode ser aprofundado em WESTPHAL, Euler R. Algumas teses e reflexões de fundo sobre a questão do batismo. São Bento do Sul, 1998 (polígrafo). Além disso, convém lembrar a Carta Pastoral e a Carta à Rede de Apoio à Missão na IECLB, Nº 7679/97, da Presidência da IECLB.


500 Anos de Brasil #

Manifesto público de Igrejas Evangélicas Luteranas - 2000
Há 500 anos, o poder conquistador e a cultura européias penetraram na história milenar das terras que mais tarde se chamaram Brasil. Desse confronto se desenvolveu uma sociedade brasileira de características peculiares. Para o aniversário deste evento estão sendo preparadas grandes celebrações. Isto é exemplarmente simbolizado por aquele relógio digital, presente em várias cidades, fazendo a contagem regressiva dos dias até o famoso 22 de abril.
As celebrações giram em torno do êxito da imigração européia: agricultura desenvolvida, indústria progressista, tecnologia moderna em determinadas regiões do país. Na verdade, este é um país de extensões continentais, abençoado com fauna e flora fantásticas, com rica variedade de climas e paisagens, com abundância de água e riquezas minerais.
Apesar dessas boas condições naturais e dos êxitos alcançados, muita gente no Brasil não tem motivo para celebrar. A sociedade brasileira está ferida pelos contrastes entre ricos e pobres, entre os que acumulam posses e os despossuídos, entre pessoas com possibilidades ilimitadas e pessoas marginalizadas. E quanto ao futuro, a maioria da população continuará obrigada a viver com renda abaixo do limite da pobreza, porque a dívida externa de 330 bilhões de dólares que onera o país tende a crescer devido a saldos comerciais insuficientes e barreiras protecionistas dos países industrializados. Assim, o abismo entre ricos e pobres vai aumentando.
Também existem segmentos da população que desde há séculos estão distantes das benesses do desenvolvimento brasileiro. Os conquistadores ignoraram os direitos e a dignidade dos povos indígenas e os exploraram, escravizaram, infectaram com doenças ou em muitos casos simplesmente os assassinaram. De uma população original em torno de 5 milhões, hoje sobrevivem cerca de 330 mil, fração insignificante da população brasileira.
Outro capítulo trágico da história do Brasil é o que envolve a escravidão negra, que arrancou milhões de pessoas de suas casas, terras e povos do interior da África. Essas pessoas eram vendidas, num comércio tétrico mas rentável, que vigorou por mais de três séculos.
Depois, já no século 19, vieram os imigrantes empobrecidos de várias parte da Europa, atraídos pela esperança de melhores condições de vida. Sofreram e lutaram muito, ficando também sujeitos a contradições ao ocuparem espaços deixados pela mão-de-obra escrava ou quando assentados em terra habitada por indígenas.
Assim, indígenas, negros, imigrantes pobres e seus descendentes construíram, com sangue e suor, parte importante da história deste país.
Sob esse olhar, os “500 anos” ganham um peso bem diferente. Como é que nações, que se diziam cristãs, puderam cometer tais pecados contra Deus e as pessoas? Como é que as Igrejas, que se dizem seguidoras de Cristo, puderam calar face à brutal escravização, matança e extermínio de povos inteiros, ou mesmo participar dessas atrocidades?
Sob o ponto de vista da fé cristã no amor de Deus, é urgente que todos nós – Igreja e sociedade no Brasil e na Alemanha – façamos um ato de penitência. A culpa descoberta, o arrependimento, a confissão dos pecados e o pedido de perdão nos podem ajudar a lidar com essa culpa histórica. Podem libertar-nos para uma comemoração justa e esperançosa deste momento. Só a partir do arrependimento pode surgir uma nova convivência, ensejando um novo início para a construção de uma sociedade mais justa e mais responsável, na qual as diversas etnias com suas culturas específicas, suas tradições e esperanças são respeitadas.
Neste sentido queremos dar-nos as mãos e, a partir do jubileu, iniciar uma nova história – história de solidariedade, na qual todas as pessoas possam experimentar o reconhecimento de sua dignidade humana e ter perspectivas de paz num novo milênio sem exclusões, para lembrar o tema da Campanha Ecumênica da Fraternidade 2000. Segundo a fé que confessamos, essa nova visão, finalmente, se tornará concreta mediante o próprio Senhor da Igreja e pelo poder do Espírito Santo. Que ele nos ajude a andar em novidade de vida! (Romanos 6.4). Cremos que ele está e estará conosco nessa caminhada.
Porto Alegre, março de 2000    Munique, março de 2000
Pelo Conselho da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil    Pelo Conselho da Igreja Evangélico-Luterana na Baviera
Huberto Kirchheim
Pastor Presidente    Dr. Johannes Friedrich
Bispo


Declaração da IECLB nos 180 anos de suas primeiras comunidades – 2004 #

Um grupo de imigrantes alemães de fé evangélica chegou em Nova Friburgo / RJ a 3 de maio de 1824 e outro grupo em São Leopoldo / RS a 25 de julho de 1824. Estes constituíram as primeiras comunidades que hoje integram a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB. Outras levas se seguiram. Os imigrantes evangélicos, de várias nacionalidades, eram em sua maioria luteranos, mas também havia reformados (calvinistas) e unidos. Surgiram regionalmente comunidades e, posteriormente, sínodos com peculiaridades próprias. Só ao longo de muitos anos, em verdade após mais de século, as comunidades evangélicas desenvolveram e definiram sua identidade teológica e eclesial como de confissão luterana. Também constituíram uma igreja nacional, a IECLB. Isso se deu em 1949, com a criação da Federação Sinodal, designação que posteriormente deu lugar ao nome atual da Igreja.
Repassando em retrospectiva nossa história de 180 anos, desde aquelas primeiras comunidades, registramos, reconhecemos e enfatizamos:
Nossa gratidão
Em meio a muitas adversidades e promessas não cumpridas por parte das autoridades imperiais, aqueles imigrantes, homens e mulheres com suas famílias e, posteriormente, seus descendentes constituíram comunidades que se caracterizaram pela ajuda mútua. Em sua maioria colonos, desenvolveram, em meio às dificuldades, uma economia próspera, baseada na pequena agricultura, voltada para a produção de alimentos básicos para a população. Artesãos e comerciantes, pequenos empresários e industriários, deram primeiramente às comunidades rurais e, mais tarde, a cidades, em particular do Sul do país e do Espírito Santo, um matiz peculiar, em que valores culturais, ética do trabalho, ênfase na educação e, não por último, valorização da Igreja ocuparam um lugar destacado. Diante da freqüente omissão do Estado nas mais diferentes áreas, como, por exemplo, na educação e na saúde, tomaram suas próprias iniciativas e as fizeram florescer. Nesse processo todo, contribuíram decisivamente para um desenvolvimento mais equilibrado da economia de nosso país.
Somos gratos em especial pela herança eclesial e teológica. Constituíram-se comunidades de fé. Igreja e Escola andaram de mãos dadas. Aqueles imigrantes e seus descendentes perseveraram na fé evangélica, e a transmitiram a seus filhos e filhas. Quando não havia pastores nem professores formados, escolheram dentre seus membros quem melhor pudesse assumir as respectivas funções. Mantiveram e desenvolveram um espírito sóbrio no trato das questões religiosas, respeitando crenças diferentes das suas. Vivenciaram de maneira peculiar a maravilhosa dádiva da liberdade cristã. A Bíblia, o Catecismo - preponderantemente o Catecismo Menor de Lutero - o canto e a oração alimentaram sua fé.
Valorizaram sobremaneira a família e o associativismo. Mesmo preservando em boa medida suas tradições culturais, por exemplo o estilo de suas casas, a culinária, a indumentária, suas festas e, não por último, seu idioma, entenderam-se muito cedo como cidadãos deste país que os havia acolhido, como a outros contingentes de imigrantes, e sempre entenderam que estavam contribuindo para o bem-estar e o progresso da nova pátria. No período das duas grandes guerras houve uma crise de identidade. Vítimas de nacionalismo exacerbado, foram vistos com reservas e sofreram uma série de discriminações. Contudo, superaram a experiência dolorosa, fortalecendo-se em sua convicção e postura de cidadãos, integrantes do povo brasileiro e comprometidos com este país.
Como Igreja somos gratos também pelas relações de intercâmbio e ajuda que, com o passar do tempo, foram se estabelecendo com igrejas e sociedades missionárias da Alemanha, país de origem da maioria dos imigrantes evangélicos, e, mais recentemente, de outros países. Essas relações e essa ajuda contribuíram para o desenvolvimento de uma igreja organizada e aberta à cooperação ecumênica e ao intercâmbio entre igrejas de distintos países. A IECLB se desenvolve progressivamente como uma entidade multicultural e multi-étnica, engajada na promoção da cidadania e do espírito comunitário, embora num processo lento, tanto por nossa carga cultural quanto pelo fato de conscientemente renunciarmos a práticas proselitistas.
Nossa culpa
Embora os humildes imigrantes de então não pudessem ter consciência dessa realidade, o fato é que com sua chegada ao Brasil vieram a ocupar, em diversos sentidos, um lugar social que poderia e deveria ter sido próprio das comunidades indígenas, detentoras originárias destas terras, e das comunidades negras do Brasil Colonial e Imperial escravocrata. É emblemático que as primeiras famílias de imigrantes alemães, chegadas a São Leopoldo, tenham sido alojadas numa antiga feitoria de escravos.
Ainda que involuntariamente, as comunidades, que se desenvolveram, são, portanto, parte da história de injustiça e desequilíbrio social de nosso país. E, apesar das discriminações que elas próprias sofreram, as comunidades de imigrantes, comparadas com as indígenas e negras, obtiveram um lugar privilegiado na sociedade brasileira. Projetos de colonização patrocinados pelo Estado concederam ou venderam terras habitadas por indígenas a agricultores, constituindo-se este fato na causa primeira de situações agudas de tensão e conflito ainda hoje existentes entre indígenas e agricultores, entre eles também membros da IECLB.
Devemos reconhecer igualmente que em muitos lugares surgiu e prosperou entre membros da Igreja um sentimento de superioridade cultural sobre outras etnias, em particular a indígena e a afro. Somos ainda hoje vítimas e artífices de preconceitos contra quem é diferente. Isso se faz sentir também nas novas áreas para as quais muitos de nossos membros têm sido levados pelo fluxo de migração interna. No ano em que a comunidade judaica comemora seus 100 anos de imigração ao estado do Rio Grande do Sul, reconhecemos com profundo pesar que no período em que imperou na Alemanha o nacionalsocialismo não fomos totalmente imunes a influências da ideologia da superioridade racial ariana.
Na vida de nossas comunidades, muitas vezes um tradicionalismo superficial se sobrepôs à necessidade de aprofundamento nas questões de fé. A Bíblia ficou relegada, em alto grau, apenas ao seu uso no culto e no ensino confirmatório, deixando de ser a fonte diária para a devoção em família. A tarefa espiritual e de evangelização tem sido preponderantemente delegada aos pastores e às pastoras, deixando de ser responsabilidade da própria comunidade e de todos os fiéis como integrantes do sacerdócio geral de todas as pessoas que crêem.
Em tudo isso, carecemos do perdão de Deus e daquelas pessoas a quem temos ofendido.
Nosso compromisso
Diante dessa realidade queremos reafirmar os valores pelos quais somos gratos e comprometer-nos a uma prática de superação daquelas questões pelas quais confessamos nossa culpa. Com o 18.º Concílio da Igreja, em Pelotas / RS (1992), reafirmamos que “Deus não é racista” e que, portanto, devemos superar em nós e entre nós todos os preconceitos raciais. Nos 70 anos da Confissão de Barmen, que em 2004 celebramos, documento com o qual cristãos confessantes da Alemanha resistiram à ingerência do Estado nazista na vida da Igreja, declaramos nossa identificação com os conceitos teológicos nela emitidos. Assim, confessando a soberania de Deus, revelada a nós em Jesus Cristo, não reconhecemos sobre nós nenhuma outra autoridade do que a desse Deus de amor. Portanto, não podemos fazer nenhuma distinção de valor entre as pessoas, criadas todas elas à imagem de Deus, e pelas quais Jesus Cristo se doou. Afirmamos a necessidade de respeitar integralmente a diversidade cultural, étnica e religiosa. Comprometemo-nos, particularmente, em:
- empenhar-nos em favor da paz, da justiça e da integridade de toda a criação;
- exercer, na vivência comunitária, na missão e na diaconia, uma prática em favor da inclusão social, superando toda espécie de exclusões;
- assumir com mais intensidade nossa responsabilidade pública, contribuindo para fazer do Brasil um país mais justo e mais solidário, superando a pobreza e a miséria;
- conjugar nosso envolvimento ecumênico com nossa tarefa de missão, no sentido de proclamar com destemor as razões evangélicas da esperança que há em nós em id dos desafios que se nos apresentam em nossa realidade, concomitante com o pleno respeito à diversidade de opções religiosas.
Imploramos ao Deus de toda graça que acolha nossa gratidão, seja benevolente para com nossa culpa e nos ampare em nosso compromisso.
24.º Concílio da Igreja
São Leopoldo, 16 de outubro de 2004


Unidade: Contexto e Identidade da IECLB – 2004 #
Documento do Concílio
Preâmbulo
“Pelos caminhos da esperança” é o tema que tem guiado a IECLB neste ano de 2004, juntamente com o lema bíblico “Preservando a unidade do Espírito no vínculo da paz” (Efésios 4.3). De fato, de múltiplas maneiras nos confrontamos com o tema da “unidade da Igreja”.
A Presidência tem chamado a atenção para a relevância e as implicações do tema, em seus relatórios ao Conselho da Igreja, que aprovou a proposta de convocação de um Fórum Nacional da Unidade, o qual foi realizado em Araras, Rio de Janeiro, de 4 a 7 de maio. O evento reuniu cerca de 60 participantes, obreiras e obreiros, bem como lideranças leigas da IECLB. O local de sua realização correspondeu a uma dupla motivação histórico-contextual. Em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, a Comunidade Evangélica Luterana, a mais antiga da IECLB e do protestantismo brasileiro a existir de forma ininterrupta, celebrara, no dia 2 de maio, 180 anos de existência e inaugurara o primeiro busto de Lutero ao ar livre em solo brasileiro. Nos anos 70 do século passado, durante o regime militar, o Centro Luterano de Araras foi palco de importantes seminários da IECLB sobre a realidade brasileira, organizados pela antiga Região Eclesiástica I. Além disso, a localização ressaltava a situação de diáspora da IECLB numa região que concentra 1/3 da população do Brasil.
O Documento Final desse fórum foi remetido pelo Conselho da Igreja aos sínodos e comunidades, para estudo e reações. Para a reunião da Presidência com os Presidentes e Pastora/es Sinodais, de 17 a 19 de setembro, o documento recebeu um complemento com “desdobramentos práticos”. O diálogo então havido forneceu novos insumos, incorporados na versão apresentada ao XXIV Concílio da Igreja, realizado de 13 a 17 de outubro. Apreciado primeiramente pelas três câmaras do Concílio e, posteriormente, em mais detalhes pela Câmara 3, o documento recebeu a redação apresentada ao pleno do Concílio. Discutido em sessão plenária, a versão final foi adotada por esse órgão deliberativo máximo como documento orientador da IECLB concernente à unidade da Igreja.
Fundamentação teológica
1. Que quer Jesus Cristo, neste momento, de uma igreja precisamente com as características da IECLB? Essa pergunta motivadora guiou a IECLB em sua reflexão e neste posicionamento orientador. No estudo efetuado, foi observado um triplo enfoque ao ser abordado o tema da unidade: análise do contexto brasileiro, tomada de maior consciência acerca da base confessional da IECLB e exploração dos caminhos que possam fortalecer sua unidade, seu testemunho e seu serviço. Justamente no momento em que se lança a um projeto missionário de maior envergadura (PAMI) e assume os desafios que o momento brasileiro coloca, a IECLB deve ocupar-se, em todas as dimensões, com a pergunta acerca do significado de ser Igreja, ser Evangélica, ser de Confissão Luterana e estar no Brasil.
2. Vivemos um momento singular, marcado pela perplexidade diante de crescentes desafios e de uma sociedade cada vez mais complexa, sobretudo no que diz respeito ao fenômeno religioso. Este novo momento tem nos conduzido a um progressivo uso do termo “luterano”, juntamente com “evangélico luterano” e “evangélico de confissão luterana”, no esforço de sublinhar nossa especificidade, não apenas em relação ao catolicismo, mas também em id de outras vertentes do mundo evangélico, pentecostal e neopentecostal.
3. Embora as dificuldades em compreender analiticamente o complexo contexto presente que a desafia, a IECLB sente-se chamada a estar junto e a caminhar solidariamente com pessoas em suas angústias, dores, necessidades, compartilhando com elas os valores do evangelho e a riqueza da sua herança confessional, buscando com elas discernir e disseminar novos sinais de esperança.
4. Ao considerar a história da IECLB, foi possível perceber que sua identidade foi se forjando em meio às mais diversas dificuldades, mas acima de tudo em atitude de abertura e de compromisso com o contexto em várias frentes, oportunidades e momentos: a imigração, a constituição de comunidades autóctones, a organização em sínodos nas últimas décadas do século 19 e em princípios do século 20, a superação da crise da germanidade durante a Segunda Guerra Mundial, a constituição de uma igreja com caráter nacional, o aprofundamento da consciência da responsabilidade social quando do regime militar, o surgimento de novos movimentos internos nos anos 60, a migração interna de luteranos, o desenvolvimento das relações ecumênicas, os desafios políticos nos anos 70 (a denúncia à tortura de presos políticos, a solidariedade com os povos indígenas, o apoio aos pequenos agricultores e à reforma agrária etc.), a por vezes aguda tensão entre as tendências teológicas internas, a reestruturação da IECLB, o esforço de ação missionária planejada da IECLB (PAMI, 2000). Por vezes a realidade gerou crises internas; em todos esses momentos, porém, o contexto trouxe desafios e possibilidades, através dos quais se forjou a IECLB, tal como ela é.
5. Ao olhar o caminho trilhado pela IECLB até aqui, destacamos a presença e a atuação das mulheres na sua história. As experiências compartilhadas e vivenciadas e a força de sua atuação em todos os âmbitos eclesiais moldou o rosto desta Igreja. Também é importante registrar a ordenação de mulheres aos diferentes ministérios. Ainda assim, é necessário confessar que em nossa historiografia há uma carência de registros sobre a história de vida e o testemunho da mulher, relegando a sua ação, em boa medida, à invisibilidade e ao não-reconhecimento.
6. Hoje, a IECLB, assim como as demais igrejas, vê-se diante de uma pluralidade de contextos específicos, tais como: globalização e seu impacto no cotidiano, desemprego, formação profissional insuficiente, exclusão social, precariedade da atenção à saúde e à educação, tensão e conflitos no campo, crescimento da violência, em particular nas grandes cidades, desestruturação familiar, anseio por espiritualidade, questões de sexualidade, gênero e etnia. Essa pluralidade de contextos gera certa desorientação que tende a fazer com que as atenções sejam concentradas no cenário interno da Igreja (formação de lideranças e obreiros/as, questões de identidade litúrgica e teológica, de modelo eclesial, de disciplina e autoridade, de espiritualidade e missão, etc.). Obviamente, também estas últimas questões são relevantes na vida da Igreja. Contudo, o voltar-se para assuntos internos não deveria constituir uma finalidade em si mesma, mas decididamente um aparelhar-se para enfrentar os desafios maiores que a realidade brasileira nos apresenta. Assim haverá de ser também quando enfocamos o tema da unidade.
7. A história da formação da confessionalidade da IECLB foi marcada pela presença de várias vertentes teológicas, trazidas pelos membros e obreiros, estes advindos de igrejas e sociedades missionárias, primeiramente da Europa, em especial da Alemanha, posteriormente também dos Estados Unidos e, mais recentemente, de outros países. Destaca-se aqui a presença concomitante das tradições confessionais luterana, reformada e unida. Essas diferenças, e as tensões por elas provocadas, não constituíram, por sua vez, impedimento para a criação das comunidades nas primeiras décadas de sua existência até a primeira formação sinodal no século 19. Prevaleceu nesse processo a lógica evangélica da inclusão.
8. É possível verificar, no entanto, que no processo de formação confessional, já ao longo do século 20, a IECLB procurou equacionar suas tensões teológicas por intermédio do diálogo e do entendimento, quando foram trabalhadas e assimiladas as semelhanças e as diferenças. Como decorrência deste processo, deve ser ressaltado que a vertente luterana tornou-se a expressão oficial de confessionalidade na IECLB, sem, no entanto, excluir as demais tradições teológicas existentes no seu universo. Este luteranismo, de cunho ecumênico, tem características próprias da IECLB. A confessionalidade luterana da IECLB é, assim, não apenas herança teológica e espiritual da Reforma, mas também construção de identidade desta Igreja dentro de um contexto específico. Tem, portanto, uma fisionomia própria, peculiar, oriunda de nossa própria história e nosso contexto. Com essa fisionomia peculiar, a IECLB insere-se na comunhão luterana mundial e sabe-se vinculada, em fé, a todas as igrejas que confessam Jesus Cristo como Senhor e Salvador.
9. Na compreensão luterana, Igreja é comunhão daquelas pessoas que Deus chama à fé em Cristo, mediante o agir do seu Espírito. A Igreja deve sua existência à eleição pelo Pai, à reconciliação pelo Filho e à comunhão no Espírito Santo – um Espírito que não constrange, mas liberta para uma resposta de fé à graça justificante de Deus. Este Espírito cria a fé, utilizando-se dos meios da graça, a saber, a palavra de Deus, em lei e evangelho, e os sacramentos do batismo e da ceia do Senhor. Discernir corretamente entre lei e evangelho, e viver adequadamente a realidade do batismo e da ceia do Senhor são desafios permanentes para a Igreja.
10. O estudo das bases bíblico-confessionais da IECLB tornou evidente que a unidade é, antes de tudo, dom gracioso de Deus. Esta dádiva divina é também um compromisso de todos nós. Isto é: não somos chamados a construir a unidade, mas recebê-la e preservá-la (Efésios 4.3ss). A expressão maior da unidade orgânica da Igreja encontra-se na concordância em torno daquilo que é essencial para a sua existência: a doutrina do evangelho e a administração correta dos sacramentos. Acerca das questões não-essenciais à salvação, “tradições humanas, ritos e cerimônias”, não é necessário haver unanimidade (CA 7). Contudo, quando não entendidas como meios necessários à salvação, devem ser respeitadas a identidade própria das comunidades e a unidade da igreja em suas múltiplas expressões, como úteis para a boa vivência comunitária e eclesial (cf. CA 15).
11. Na situação atual há na IECLB um amplo consenso teológico e doutrinário básico em torno das questões essenciais, plasmado em seus documentos normativos e orientadores. Todavia, aqui e ali constatamos desvios doutrinários profundos e inaceitáveis, como, por exemplo, a concepção teológica que dá respaldo à prática do rebatismo. Esta não pode ser aceita como prática teologicamente legítima. Embora haja necessidade de maior aprofundamento teológico-espiritual, especialmente com relação ao batismo e à compreensão do agir do Espírito Santo, a prática do rebatismo, por afrontar diretamente o cerne da fé e os documentos normativos e orientadores da IECLB, equivale à auto-exclusão da base confessional da IECLB. No entanto, o Evangelho de Jesus Cristo nos exorta ao arrependimento, mediante o qual somos perdoados e reintegrados na comunhão dos santos pelo agir gracioso de Deus.
12. O trato das questões que afetam a unidade da Igreja, requer ambas: integridade evangélica e sensibilidade pastoral. Nas situações controvertidas, torna-se necessário alcançar um consenso que não seja simples decisão de maioria nem decreto da Direção da Igreja, mas fruto de um processo teológico e espiritual que, com paciência e respeito às consciências, interpretando os “sinais dos tempos” e, simultaneamente, com plena disposição para alcançar definições doutrinárias inequívocas, ouve a Escritura, interpreta a tradição confessional e dialoga com irmãs e irmãos, confiando que o Espírito Santo nos “guiará para toda a verdade” (João 16.13). Nesse sentido, os três pilares da Reforma protestante – somente Cristo, somente pela graça, somente pela fé –, acompanhados da plena consciência de que somente a Escritura nos serve de norma e fonte de fé, são compromisso irrenunciável da confissão luterana para a vivência comunitária. São conceitos mutuamente inter-relacionados, e Cristo é centro e senhor da Escritura, entendida não como código de leis, mas como palavra viva e libertadora de Deus. Justificados pela graça, mediante a fé, somos, como Lutero expressou, simultaneamente livres e servos, livres na fé e servos no amor – livres diante e a partir de Deus, e servos em nossa relação com o próximo. A IECLB é permanentemente chamada a ter nesta peculiar liberdade da pessoa cristã uma de suas marcas distintivas.
13. Obviamente, esta reflexão sobre a identidade confessional da IECLB não é uma finalidade em si, mas apenas um aparelhar-se para a missão com a qual Jesus Cristo a incumbiu de testemunhar em palavra e ação a Boa Nova de Cristo em terras brasileiras. A missão, por sua vez, não é concebida como negação do compromisso ecumênico. Ao contrário, a cooperação ecumênica entre igrejas que se respeitam mutuamente, sem renunciar a suas próprias identidades, enriquece a cada uma das igrejas e contribui decisivamente para a credibilidade da missão. Nesta, o horizonte último é o da plenitude do reino de Deus.
14. Enquanto caminha e se desincumbe de sua tarefa, cabe a toda a IECLB manter viva a admoestação que se encontra em Efésios 4.1-6: “Rogo-vos, pois, (...) que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz; há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; e um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos.”
Desdobramentos práticos
1. De que forma se expressa nossa unidade como IECLB? Há muitas expressões de unidade na fé e na vivência prática. Nem todas são de igual importância, mas nenhuma delas é desprezível. Em seu conjunto transmitem a imagem da Igreja que somos ou queremos ser.
2. Distinguimos diferentes dimensões, níveis e graus de comprometimento. Retomando o expresso na seção anterior, observamos que há uma unidade que é essencial e deve ser permanente, aquela que temos na compreensão comum do Evangelho como boa notícia de que, em Cristo, Deus nos redimiu, de uma vez por todas, exclusivamente por graça, redenção que recebemos em nossas vidas mediante a fé em Cristo, através da Palavra e dos Sacramentos, independente de nossas obras e sem mérito de nossa parte, mas por obra do Espírito Santo. Por isso, é essencial e permanente nossa unidade numa compreensão comum acerca do evangelho e dos sacramentos. Divergências nesses assuntos não podem ser aceitas como “normais” no seio da Igreja, muito menos como expressão de benéfica diversidade no corpo de Cristo. Devem ser superadas mediante perseverante diálogo teológico e pastoral ou, em casos mais agudos, mediante a disciplina eclesial. Podemos dizer que esta é a unidade interior da Igreja, sobre a qual repousa a unidade exterior, que sempre será fictícia se não houver aquela unidade evangélica interior. Não bastam declarações de se ser IECLB; “ser IECLB” tem um irrenunciável conteúdo confessional.
3. Já outras expressões de unidade são fruto de compromissos comuns que assumimos como Igreja em vida e missão. Não podem ser entendidas como essenciais para a fé. Muitas vezes provêm de nossa herança histórica, teológica e espiritual como Igreja. Também podem ter a marca de nossa cultura, da proveniência étnica de grande número de nossos membros ou do contexto em que nossas comunidades têm surgido, se desenvolvido e fortalecido. Nesse sentido, essas expressões nunca são desprezíveis, têm seu valor, ainda que limitado, e podem, na prática, até mesmo ser importantes como expressão viva da Igreja. Obviamente, porém, jamais podem ser elevadas ao nível daquela compreensão fundamental da fé. Elas também evoluem e se alteram conforme a trajetória histórica e teológica da Igreja e suas decisões conciliares.
4. Uma menção especial deve ser dada a decisões conciliares que ordenam a vida da Igreja. Elas geralmente são fruto de processos longos de reflexão, consulta e deliberação nas mais diversas instâncias da Igreja. Já por isso se revestem de importância eclesial. Mesmo assim, numa Igreja da Reforma, decisões conciliares não são infalíveis e, portanto, sempre são reformáveis e, assim, passíveis de reflexões e debates teológicos no interior da Igreja. Mas elas expressam o sentir da Igreja como “comunidade de comunidades”, num determinado tempo e lugar. Nessa qualidade, elas devem ser observadas, enquanto estejam em vigor e não tenham sido alteradas pelas instâncias constituídas.
5. Por último, também há uma finalidade bem pragmática na unidade da Igreja: desde que não confundida com uniformidade, que sufoca a saudável diversidade de formas, de estilos, de espiritualidade e de perspectiva teológica, a unidade da Igreja contribui para a maior credibilidade e eficácia de sua missão. Ela também dá coerência a seu testemunho. Quando Jesus intercedeu pela unidade de seus discípulos em Deus, como ele e o Pai são um, o fez também “para que o mundo creia” (João 17.21). A unidade provém de Deus, cria comunhão e resulta em frutos de fé na missão de Deus.
6. Quais as expressões de unidade que podemos discernir na IECLB e que devemos observar ou fortalecer?
6.1. Escritos.
A Constituição da IECLB (art. 5.o) coloca de maneira clara a base confessional da Igreja: em primeiro lugar, as Sagradas Escrituras, compostas do Antigo e Novo Testamentos, seguidas das confissões dos credos da Igreja Antiga, e, como confissões da Reforma, a Confissão de Augsburgo e o Catecismo Menor de Lutero. A Constituição também afirma a natureza ecumênica da IECLB, como vínculo de fé com as igrejas do mundo que confessam Jesus Cristo como único Senhor e Salvador.
Outros escritos relevantes para a unidade da IECLB, embora em nível descendente de importância, são:
a) os documentos normativos (Constituição, Regimento Interno, Estatuto do Ministério com Ordenação – EMO, Ordenamento Jurídico-Doutrinário – OJD);
b) os documentos orientadores (Nossa Fé – Nossa Vida, PAMI, A IECLB às Portas do Novo Milênio, A IECLB no Pluralismo Religioso);
c) manifestos e posicionamentos;
d) declarações conciliares;
e) cartas pastorais da Direção da Igreja.
Todos esses documentos e escritos, em seu conjunto, dão a feição oficial da IECLB. Segundo a Constituição da IECLB, “a Comunidade tem as seguintes incumbências: I – realizar a pura pregação da palavra de Deus e a reta administração dos sacramentos; II – zelar para que o testemunho do Evangelho seja dado em conformidade com a confissão da IECLB, em doutrina, vida e ordem eclesiásticas” (Art. 11.º, incisos 1 e 2). Da mesma forma, todas as obreiras e todos os obreiros da IECLB, em sua ordenação, prometem diante de Deus e da comunidade, observar essa base confessional da IECLB e acatar os documentos normativos e as regulamentações da IECLB. O quão fundamental é este aspecto fica realçado quando o Estatuto do Ministério com Ordenação determina que “a IECLB, através de seus órgãos competentes, efetuará permanente acompanhamento quanto ao cumprimento dos compromissos assumidos pela obreira ou pelo obreiro por ocasião da sua ordenação” (EMO, art. 26). O EMO também estabelece com clareza (art. 27): “Instalado no campo de trabalho, a obreiro ou o obreiro, em seus pronunciamentos e atitudes, deverá considerar a Igreja como um todo, empenhando-se pela sua unidade.”
6. 2. Órgãos decisórios da IECLB.
O órgão decisório máximo da IECLB é o Concílio da Igreja, em nível sinodal o é a Assembléia Sinodal. Como órgãos constituídos a partir das bases comunitárias da IECLB, suas decisões não são opcionais, mas compromissivas para as comunidades, paróquias, sínodos, instituições e setores da Igreja. No interregno de suas reuniões, a instância maior de decisão é, respectivamente, o Conselho da Igreja e o Conselho Sinodal. Fóruns, seminários e conferências de obreiros/as não têm poder decisório, mas igualmente contribuem para a unidade da Igreja, tanto quando abordam aspectos programáticos da implementação de decisões conciliares, como quando lançam novos desafios e debatem assuntos gerais na Igreja.
Inobservância da base confessional da IECLB ou conflitos que ameaçam a unidade da Igreja, são tratados pastoralmente e, em casos de gravidade ou quando o diálogo se mostra infrutífero, disciplinarmente, conforme os regulamentos. As iniciativas pastorais ou disciplinares ocorrem, em um primeiro momento, pelas competentes instâncias sinodais e, quando necessário, pelo Conselho da Igreja, pela Presidência ou outras instâncias regulamentares em âmbito nacional.
6.3. Unidade na espiritualidade.
De forma muito palpável a unidade da Igreja se concretiza no culto. A IECLB tem uma ordem de culto, aprovada em Concílio, sem rigidez e sempre moldável às circunstâncias contextuais, mas contemplando, como o termo ordem indica, elementos essenciais e comuns num culto cristão. Desde 2003 dispomos também de um Livro de Culto orientador para a preparação dos cultos. Ele conjuga elementos da tradição litúrgica luterana e ecumênica, tomando em conta a realidade contextual contemporânea. Seguindo a exortação apostólica, a IECLB reconhece como importante que tenhamos não simplesmente uma ordem de culto, mas sempre ordem no culto (1 Coríntios 14.40). Contudo, nosso culto pode e deve ser caloroso, acolhedor, em que as pessoas saibam e sintam que Deus e a comunidade as apóiam e assistem em suas necessidades.
Conforme o Estatuto do Ministério com Ordenação, “as obreiras e os obreiros, ao presidirem cultos e ofícios e ministrarem sacramentos, usarão veste litúrgica, que lhes distinguirá a função, em conformidade com as disposições da Igreja” (EMO, art. 18, par. único).
Mais recentemente adotamos, como Igreja, a prática de motivos de intercessão comum em nossos cultos, fortalecendo nossos laços espirituais. Os considerandos que acompanham a petição a ser incluída na intercessão nos cultos podem ser considerados como minicartas pastorais da Presidência da IECLB sobre diversos assuntos em pauta na vida da Igreja. Devocionários comuns e as Senhas Diárias dão expressão à unidade também na vida diária e no interior de nossos lares.
6.4. Na Comunicação.
A IECLB tem uma logomarca que deve identificar templos, instituições, centros comunitários e recintos da Igreja, bem como constar em materiais de divulgação, tornando a Igreja visível e reconhecível. Como meios de comunicação temos, além de publicações sinodais, em nível de Igreja, o Jornal Evangélico Luterano, a revista Novolhar e vários materiais de capacitação e formação, como o Amigo das Crianças, além de editoras, rádios e outros veículos de comunicação. Crescente importância vem tendo o site oficial da IECLB: www.ieclb.org.br. Todos esses veículos devem ser apoiados e servir à unidade da Igreja.
6.5. Tema e Lema do Ano.
A IECLB elege a cada ano um Tema e Lema do Ano que norteiam sua reflexão em âmbito nacional. Ao Tema do Ano está associada a escolha de uma imagem (arte do Tema) que lhe confere, no respectivo período, uma marca visual distintiva. Adicionalmente, são oferecidos materiais de estudo, liturgias, peças de divulgação etc., que fomentam a unidade teológica, espiritual e visual na IECLB.
6.6. Finanças.
Também o sistema de contribuição financeira na IECLB deve ser entendido como fator de unidade e já por isso deve ser observado criteriosamente. Os membros da IECLB são incentivados a contribuir proporcionalmente a seus rendimentos e bens, como sinal de gratidão a Deus. Não pagam por um serviço religioso a eles prestado, mas participam na missão da Igreja. As comunidades, por sua vez, conforme regulamentação em vigor, contribuem para o respectivo sínodo e para a Igreja em nível nacional com 10% de sua arrecadação. As ofertas recolhidas em nossos cultos para necessidades específicas obedecem a um plano de ofertas estabelecido pela IECLB, que se divide em ofertas destinadas pela Igreja, pelos Sínodos e pelas próprias Comunidades. É importante saber-se, quando nos reunimos em culto, que estamos contribuindo, em toda a Igreja, para finalidades comuns. Como expressão de solidariedade fraterna temos a Obra Gustavo Adolfo que apóia comunidades mais fracas em suas necessidades, inclusive com campanhas educativas entre crianças e confirmandos/as, e o Fundo de Solidariedade entre os Sínodos, como apoio aos sínodos ainda não auto-sustentáveis.
6.7. Missão, Diaconia, Educação e Música.
No XXII Concílio da Igreja, em Chapada dos Guimarães / MT (2000), a IECLB adotou um Plano de Ação Missionária (PAMI), que anima e norteia nossa ação missionária. Como Igreja fomentamos também a ação diaconal. Desde o início de nossa história o empenho pela educação e pela diaconia tem sido uma marca distintiva de nossa Igreja. No ensino formal, contamos com o Departamento de Educação e nossas escolas mantêm hoje vínculo de identidade e de cooperação através da Rede Sinodal. Para a diaconia, contamos, além do Departamento de Diaconia, com a Fundação Luterana de Diaconia (FLD). Numerosas instituições de assistência social e promoção comunitária têm vinculações históricas, confessionais ou administrativas com a IECLB. O canto tem sido uma característica importante de igrejas oriundas da Reforma. Isso se expressa em comunidades da IECLB através de corais, conjuntos musicais e na produção de novos hinos e cânticos. Sem ignorar os novos hinos e cantos, a IECLB tem hinários oficiais.
6.8. Formação teológica.
A formação teológica foi importante no próprio desenvolvimento histórico da IECLB. Ainda antes da constituição da Federação Sinodal (1949), os sínodos de então se uniram na criação da Escola de Teologia (hoje EST) de São Leopoldo. As obreiras e os obreiros da IECLB são formados em centros de formação reconhecidos pela Igreja, atualmente a Escola Superior de Teologia – EST (São Leopoldo/RS), a Faculdade Luterana de Teologia – FLT (São Bento do Sul/SC) e a Faculdade de Teologia Evangélica – FATEV (Curitiba/PR). Ainda que os três centros de formação tenham legitimamente características próprias, oriundas de sua trajetória específica no interior da Igreja, todos assumiram o compromisso de observar a confessionalidade da IECLB e o perfil de obreiro/a e de formação estabelecido pelo Conselho da Igreja. No momento em que se registram tensões internas na IECLB, os centros de formação são particularmente chamados a dar sua decidida contribuição em favor da unidade, na formação das/os futuras/os obreiras/os da IECLB. Nesse sentido, o Período de Habilitação Prática para o Ministério (PPHM) se reveste de particular importância, porque integra as/os candidatas/os ao ministério formadas/os nos três centros de formação.
Ainda que tenhamos de melhorar em forma de programa da IECLB como um todo, há, contudo, em nível sinodal, comunitário e de movimentos, múltiplas iniciativas de formação continuada de obreiras/os e de capacitação teológica de lideranças nas comunidades e do próprio povo de Deus. Este é um processo altamente benéfico para a vida das comunidades e da Igreja. Contudo, a fim de evitar o surgimento de uma dinâmica de dispersão e fonte latente de divisão, será importante que todas as iniciativas tenham claramente em mente, quando da adoção de programas de capacitação teológica, a orientação confessional da IECLB. Para favorecer a unidade, a IECLB, em nível nacional, buscará estabelecer vínculos de cooperação entre as diversas iniciativas, inclusive integrando-as num programa de formação continuada na fé, através de todas as faixas etárias, desde a infância até a terceira idade.
6.9. Política de pessoal.
A IECLB empenha-se por uma coerente política de pessoal, coordenando os processos de designação, envio, instalação, avaliação, formação continuada e passagem para a inatividade de seus obreiros/as. Quando da ordenação estabelece-se um “vínculo confessional e ministerial” entre a/o obreira/o e a IECLB (EMO, art. 5.o). Cada qual é, portanto, obreira ou obreiro da IECLB, não mero funcionária/o de um campo de trabalho, em que atua. As conferências de obreiras/os, organizadas pelos Sínodos e/ou pela IECLB, são importantes como espaço de comunhão, estudo, oração e coordenação de atividades de parte dos/as obreiros/as da IECLB, inclusive na integração dos vários ministérios específicos e na observância da identidade teológica, das normas, metas e programações da IECLB.
6.10. Setores de trabalho.
Diversos setores de trabalho na Igreja (Culto Infantil, JE, OASE, Fórum da Mulher Luterana, Legião Evangélica, Casais, Terceira Idade) desenvolvem atividades abrangentes em nível nacional e/ou preparam materiais para uso nas comunidades e seus grupos. Contribuem para tornar a Igreja mais unida, na medida em que promovem atividades identificadas com a IECLB.
Conclusão
Através de todos esses meios, a IECLB expressa sua unidade e vai, passo a passo, assimilando suas implicações. Trata-se, podemos dizer, de um grandioso mutirão, processo no qual também surgem tensões e, mesmo, conflitos ameaçadores. A diversidade existente na IECLB, em termos de teologia, espiritualidade, de vivência comunitária e prática missionária, é, de um lado, expressão de vitalidade da Igreja; de outro, porém, pode esgarçar o tecido da comunhão. Fundamentalismo teológico na interpretação da Escritura, tradicionalismo rígido, disputas de poder entre correntes teológicas, desconsideração da liturgia e dos símbolos eclesiais, uso preferencial de literatura teológica e catequética não proveniente da IECLB são algumas das ameaças reais e palpáveis à nossa unidade.
Tanto mais importante é que nos reunamos renovadamente sob o Evangelho de Cristo, conforme as bases confessionais da IECLB, comprometendo-nos com uma prática que expresse e fortaleça nossa unidade, consoante a orientação aqui emanada. Todas as comunidades, setores, instituições, centros de formação e movimentos são convocados a não medir esforços, consoante o lema bíblico deste ano, para “preservar a unidade do Espírito, no vínculo da paz” (Efésios 4.3). Assim estaremos também trilhando, conforme nos insta o tema da IECLB para 2004, “pelos caminhos da esperança”. Como Igreja reunida em Concílio, pois, 180 anos após o surgimento de nossas primeiras comunidades, em Nova Friburgo/RJ e São Leopoldo/RS, nos comprometemos a fortalecer todos os sinais e as expressões de nossa unidade aqui arrolados, e a buscar ainda outros mais. Através deles todos empenhemo-nos, decidida e corajosamente, em sermos fielmente Igreja de Jesus Cristo no Brasil. Para tanto imploramos: “Vem, Espírito Santo, ampara, orienta e fortalece a tua Igreja. Dá que seja fiel a Jesus Cristo, para a glória de Deus Pai. Amém.”
São Leopoldo, 16 de outubro de 2004



Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação – 1999 #

DECLARAÇÃO CONJUNTA SOBRE A DOUTRINA DA JUSTIFICAÇÃO
Preâmbulo

1. A doutrina da justificação teve importância central para a Reforma luterana do século XVI. Era considerado o "primeiro e principal artigo" [1] e simultaneamente "regente e juiz sobre todas as partes da doutrina cristã" [2]. A doutrina da justificação foi particularmente sustentada e defendida em sua expressão reformatória e sua relevância especial face à teologia e à Igreja católica romana de então as quais, por sua vez, sustentavam e defendiam uma doutrina da justificação com características diferentes. Aqui, segundo a perspectiva reformatória, residia o cerne de todas as confrontações. Elas resultaram em condenações doutrinais nos escritos confessionais luteranos [3] e no Concílio de Trento da Igreja Católica Romana. Essas condenações vigoram até hoje e têm efeito divisor entre as Igrejas.

2. Para a tradição luterana a doutrina da justificação conservou essa relevância especial. Por isso, desde o início, ela também ocupou um lugar importante no diálogo oficial luterano-católico.

3. Remetemos em especial aos relatórios "O evangelho e a Igreja" (1972) [4] e "Igreja e justificação" (1994) [5], da Comissão Mista Católica Romana/Evangélica Luterana internacional, ao relatório "Justificação pela fé" (1983) [6], do diálogo católico-luterano nos Estados Unidos, e ao estudo "Condenações doutrinais - divisoras das Igrejas?" (1986) [7], do Grupo de Trabalho Ecumênico de teólogos evangélicos e católicos na Alemanha. Alguns destes relatórios de diálogo obtiveram recepção oficial. Exemplo importante constitui o posicionamento compromissivo emitido pela Igreja Evangélico-Luterana Unida da Alemanha, juntamente com as outras Igrejas pertencentes à Igreja Evangélica na Alemanha, com o máximo grau possível de reconhecimento eclesiástico do estudo sobre as condenações doutrinais (1994) [8].

4. Todos os relatórios de diálogo citados, bem como os posicionamentos a seu respeito, revelam em seu tratamento da doutrina da justificação, alto grau de orientação e juízos comuns. Por isso está na hora de fazer um balanço e de resumir os resultados dos diálogos sobre a justificação, de modo a informar nossas Igrejas, com a devida precisão e brevidade, sobre o resultado geral desse diálogo e de dar-lhes, ao mesmo tempo, condições de se posicionarem de modo compromissivo a respeito.

5. É isso o que pretende a presente Declaração Conjunta. Ela quer mostrar que, com base no diálogo, as Igrejas luteranas signatárias e a Igreja católica romana [9] estão agora em condições de articular uma compreensão comum de nossa justificação pela graça de Deus na fé em Cristo. Esta Declaração Comum (DC) não contém tudo o que é ensinado sobre justificação em cada uma das Igrejas, mas abarca um consenso em verdades básicas da doutrina da justificação e mostra que os desdobramentos distintos ainda existentes não mais constituem motivo de condenações doutrinais.

6. Nossa DC não é uma exposição nova e independente, ao lado dos relatórios de diálogo e documentos já existentes, nem pretende, muito menos, substitui-los. Ela se reporta, antes, a esses textos e sua argumentação.

7. Assim como os próprios diálogos, também esta DC se baseia na convicção de que uma superação de questões controversas e de condenações doutrinárias até agora vigentes não minimiza as divisões e condenações nem desautoriza o passado da própria Igreja. Repousa, porém, sobre a convicção de que no decorrer da história nossas Igrejas chegam a novas percepções e de que ocorrem desdobramentos que não só lhes permitem, mas ao mesmo tempo também exigem, que as questões e condenações divisoras sejam examinadas e vistas a uma nova luz.

1. A mensagem bíblica da justificação
8. Fomos levados a essas novas percepções por nossa maneira conjunta de escutar a palavra de Deus nas Escrituras Sagradas. Juntos ouvimos o evangelho de que "Deus amou o mundo de tal maneira que deu Seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3, 16). Esta Boa Nova é exposta de diferentes maneiras nas Escrituras Sagradas. No Antigo Testamento ouvimos a palavra de Deus sobre a pecaminosidade humana (Sl 51, 1-5; Dn 9, 5 s.; Ecl 8, 9 s.; Esd 9, 6 s.) e sobre a desobediência humana (Gn 3, 1-19; Ne 9, 16 s.26), bem como sobre a justiça (Is 46, 13; 51, 5-8; 56, 1 [cf. 53, 11]; Jr 9, 24) e o juízo de Deus (Ecl 12, 14; Sl 9, 5 s.; 76, 7-9).

9. No Novo Testamento os temas "justiça" e "justificação" são abordados de maneira diferenciada em Mateus (cf. 5, 10; 6, 33; 21, 32), em João (16, 8-11), na Epístola aos Hebreus (5, 13; 10, 37 s.) e na Epístola de Tiago (2, 14-26). [10] Também nas cartas paulinas o dom da salvação é descrito de diferentes modos, entre outros como "libertação para a liberdade" (Gl 5, 1-13; cf. Rm 6, 7), como "reconciliação com Deus" (2 Cor 5, 18-21; cf. Rm 5, 11), como "paz com Deus" (Rm 5, 1), como "nova criação" (2 Cor 5, 17), como "vida para Deus em Cristo Jesus" (Rm 6, 11-23) ou como "santificação em Cristo Jesus" (cf. 1 Cor 1, 2; 1, 30; 2 Cor 1, 1). Salienta-se entre esses conceitos a descrição como "justificação" do pecador pela graça de Deus na fé (Rm 3, 23-25), que foi destacada de maneira especial no tempo da Reforma.

10. Paulo descreve o evangelho como poder de Deus para a salvação do ser humano caído sob o poder do pecado: como mensagem que proclama a "justiça de Deus de fé em fé" (Rm 1, 16 s.) e que presenteia a "justificação" (Rm 3, 21-31). Ele anuncia Cristo como "nossa justiça" (1 Cor 1, 30) ao aplicar ao Senhor ressuscitado o que Jeremias disse acerca do próprio Deus (Jr 23, 6). Na morte e na ressurreição de Cristo estão enraizadas todas as dimensões de sua obra redentora, porque "nosso Senhor foi entregue por causa de nossas transgressões e ressuscitou por causa de nossa justificação" (Rm 4, 25). Todos os seres humanos necessitam da justiça de Deus, "pois todos pecaram e carecem da glória de Deus" (Rm 3, 23; cf. Rm 1, 18-3.22; 11, 32; Gl 3, 22). Nas cartas aos Gálatas (3, 6) e aos Romanos (4, 3-9) Paulo entende a fé de Abraão (Gn 15, 6) como fé no Deus que justifica o pecador (Rm 4, 5) e invoca o testemunho do Antigo Testamento para sublinhar seu evangelho de que aquela justiça será imputada a todos os que, como Abraão, confiam na promessa de Deus. "O justo viverá pela fé" (Hab 2, 4; cf. Gl 3, 11; Rm 1, 17). Nas cartas paulinas a justiça de Deus é simultaneamente o poder de Deus para cada crente (Rm 1, 16 s.). Em Cristo ele faz com que ela seja nossa justiça (2 Cor 5, 21). Recebemos a justificação por Cristo Jesus, "a quem Deus propôs, em seu sangue, como propiciação [eficaz] mediante a fé" (Rm 3, 25; cf. 3, 21-28). "Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras" (Ef 2, 8 s.).

11. Justificação é perdão dos pecados (cf. Rm 3, 23-25; At 13, 39; Lc 18, 14), libertação do poder dominante do pecado e da morte (Rm 5, 12-21) e da maldição da lei (Gl 3, 10-14). Ela significa acolhida na comunhão com Deus, já agora, mas de forma plena no reino vindouro de Deus (Rm 5, 1 s.). Une com Cristo e sua morte e ressurreição (Rm 6, 5). Acontece no recebimento do Espírito Santo no batismo como incorporação no corpo uno (Rm 8, 1 s., 9 s.; 1 Cor 12, 12 s.). Tudo isso provém somente de Deus, por amor de Cristo, por graça, pela fé no "evangelho de Deus com respeito a seu Filho" (Rm 1, 1-3).

12. As pessoas justificadas vivem a partir da fé que provém da palavra de Cristo (Rm 10, 17) e que atua no amor (Gl 5, 6), o qual é fruto do Espírito (Gl 5, 22 s.). Mas, visto que poderes e ambições atribulam as pessoas crentes por fora e por dentro (Rm 8, 35-39; Gl 5, 16-21) e elas caem em pecado (1 Jo 1, 8.10), precisam repetidamente ouvir as promissões de Deus, confessar seus pecados (1 Jo 1, 9), participar do corpo e do sangue de Cristo e ser exortadas a viver uma vida justa em conformidade com a vontade de Deus. Por isso o apóstolo diz às pessoas justificadas: "Desenvolvei vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer quanto o realizar, segundo a sua boa vontade" (Fl 2, 12 s.). Permanece, porém, a Boa Nova: "Já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus" (Rm 8, 1) e nos quais Cristo vive (Gl 2, 20). Por intermédio da obra justa de Cristo haverá justificação que dá vida para todos os seres humanos (Rm 5, 18).

2. A doutrina da justificação como problema ecumênico
13. No século XVI, a interpretação e aplicação contrastantes da mensagem bíblica da justificação constituíram uma das causas principais da divisão da Igreja ocidental, o que também se expressou em condenações doutrinais. Por isso, para superar a divisão na Igreja, uma compreensão comum da justificação é fundamental e indispensável. Acolhendo resultados da pesquisa bíblica e percepções da história da teologia e dos dogmas, desenvolveu-se no diálogo ecumênico desde o Concílio Vaticano II uma nítida aproximação no que diz respeito à doutrina da justificação, de modo que a presente DC pode formular um consenso em verdades básicas da doutrina da justificação a cuja luz as correspondentes condenações doutrinais do século XVI não mais se aplicam ao parceiro de hoje.

3. A compreensão comum da justificação
14. O ouvir comum da Boa Nova proclamada nas Sagradas Escrituras e, não por último, os diálogos teológicos de anos recentes entre as Igrejas luteranas e a Igreja católica romana levaram a uma concordância na compreensão da justificação. Ela abarca um consenso nas verdades básicas; os desdobramentos distintos nas afirmações específicas são compatíveis com ela.

15. É nossa fé comum que a justificação é obra do Deus triúno. O Pai enviou seu Filho ao mundo para a salvação dos pecadores. A encarnação, a morte e a ressurreição de Cristo são fundamento e pressuposto da justificação. Por isso justificação significa que o próprio Cristo é nossa justiça, da qual nos tornamos participantes através do Espírito Santo segundo a vontade do Pai. Confessamos juntos: somente por graça, na fé na obra salvífica de Cristo, e não por causa de nosso mérito, somos aceitos por Deus e recebemos o Espírito Santo, que nos renova os corações e nos capacita e chama para boas obras [11].

16. Todas as pessoas são chamadas por Deus para a salvação em Cristo. Somos justificados somente por Cristo ao recebermos essa salvação na fé. A própria fé, por sua vez, é presente de Deus através do Espírito Santo, que atua na palavra e nos sacramentos na comunhão dos crentes e que, ao mesmo tempo, conduz os crentes àquela renovação de sua vida que Deus consuma na vida eterna.

17. Compartilhamos da convicção de que a mensagem da justificação nos remete de forma especial ao centro de testemunho neotestamentário da ação salvífica de Deus em Cristo: ela nos diz que como pecadores devemos nossa vida nova unicamente à misericórdia perdoadora e renovadora de Deus, misericórdia esta com a qual só podemos ser presenteados e que só podemos receber na fé, mas que nunca - de qualquer forma que seja - podemos fazer por merecer.

18. Por isso a doutrina da justificação, que assume e desdobra essa mensagem, não é apenas um aspecto parcial da doutrina cristã. Ela se encontra numa relação essencial com todas as verdades da fé, as quais devem ser vistas numa conexão interna entre si. Ela é um critério indispensável que visa orientar toda a doutrina e prática da Igreja incessantemente para Cristo. Quando luteranos acentuam a importância singular desse critério, não negam a conexão e a importância de todas as verdades da fé. Quando católicos se sentem comprometidos com vários critérios, não negam a função especial da mensagem da justificação. Luteranos e católicos compartilham o alvo comum de confessar em tudo a Cristo, ao qual unicamente importa confiar, acima de todas as coisas, como mediador uno (1 Tm 2, 5 s.) pelo qual Deus, no Espírito Santo, dá a si mesmo e derrama seus dons renovadores.

4. O desdobramento da compreensão comum da justificação
4.1. Incapacidade e pecado humanos face à justificação
19. Confessamos juntos que o ser humano, no concernente à sua salvação, depende completamente da graça salvadora de Deus. A liberdade que ele possui para com as pessoas e coisas do mundo não é liberdade com relação à salvação. Isto quer dizer que, como pecador, ele se encontra sob o juízo de Deus, sendo por si só incapaz de se voltar a Deus em busca de salvamento, ou de merecer sua justificação perante Deus, ou de alcançar a salvação pela própria força. Justificação acontece somente por graça. Porque católicos e luteranos confessam isso conjuntamente, deve-se dizer:

20. Quando católicos dizem que o ser humano "coopera" no preparo e na aceitação da justificação por assentir à ação justificadora de Deus, eles vêem mesmo nesse assentimento pessoal um efeito da graça, e não uma ação humana a partir de forças próprias.

21. Segundo a concepção luterana o ser humano é incapaz de cooperar em sua salvação, porque como pecador ele resiste ativamente a Deus e à sua ação salvadora. Luteranos não negam que o ser humano possa rejeitar a atuação da graça. Quando sublinham que o ser humano pode tão-somente receber (mere passive) a justificação, rejeitam com isso qualquer possibilidade de uma contribuição própria do ser humano para sua justificação, mas não negam sua plena participação pessoal na fé, que é operada pela própria palavra de Deus.

4.2. Justificação como perdão de pecados e ato de tornar justo
22. Confessamos juntos que Deus, por graça, perdoa ao ser humano o pecado, e o liberta ao mesmo tempo do poder escravizador do pecado em sua vida e lhe presenteia a nova vida em Cristo. Quando o ser humano tem parte em Cristo na fé, Deus não lhe imputa seu pecado e, pelo Espírito Santo, opera nele um amor ativo. Ambos os aspectos da ação graciosa de Deus não devem ser separados. Eles estão correlacionados de tal maneira que o ser humano, na fé, é unido com Cristo que em sua pessoa é nossa justiça (1 Cor 1, 30): tanto o perdão dos pecados quanto a presença santificadora de Deus. Porque católicos e luteranos confessam isso conjuntamente, deve-se dizer:

23. Quando luteranos enfatizam que a justiça de Cristo é nossa justiça, querem sobretudo assegurar que ao pecador, pelo anúncio do perdão, é representada a justiça perante Deus em Cristo e que sua vida é renovada somente em união com Cristo. Quando dizem que a graça de Deus é amor que perdoa ("favor de Deus") [12], não negam com isso a renovação da vida do cristão, mas querem expressar que a justificação permanece livre de cooperação humana, tampouco dependendo do efeito renovador de vida que a graça produz no ser humano.

24. Quando católicos enfatizam que ao crente é presenteada a renovação da pessoa interior pelo recebimento da graça, [13] querem assegurar que a graça perdoadora de Deus sempre está ligada ao presente de uma nova vida, que no Espírito Santo se torna efetiva em amor ativo; mas não negam com isso que o dom da graça divina na justificação permanece independente de cooperação humana.

4.3. Justificação por fé e por graça
25. Confessamos juntos que o pecador é justificado pela fé na ação salvífica de Deus em Cristo; essa salvação lhe é presenteada pelo Espírito Santo no batismo como fundamento de toda a sua vida cristã. Na fé justificadora o ser humano confia na promessa graciosa de Deus; nessa fé estão compreendidos a esperança em Deus e o amor a Ele. Essa fé atua pelo amor; por isso o cristão não pode e não deve ficar sem obras. Mas tudo o que, no ser humano, precede ou se segue ao livre presente da fé não é fundamento da justificação nem a faz merecer.

26. Segundo a compreensão luterana, Deus justifica o pecador somente na fé (sola fide). Na fé o ser humano confia inteiramente em seu Criador e Redentor e está assim em comunhão com ele. Deus mesmo é quem opera a fé ao produzir tal confiança por sua palavra criadora. Porque essa ação divina constitui uma nova criação, ela afeta todas as dimensões da pessoa e conduz a uma vida em esperança e amor. Assim, na doutrina da "justificação somente pela fé", a renovação da conduta de vida que necessariamente se segue à justificação, e sem a qual não pode haver fé, é distinguida da justificação, mas não é separada dela. Com isso é indicado, antes, o fundamento do qual provém tal renovação. Do amor de Deus, que é presenteado ao ser humano na justificação, provém a renovação da vida. A justificação e a renovação estão ligadas pelo Cristo presente na fé.

27. Também segundo a compreensão católica a fé é fundamental para a justificação, pois sem fé não pode haver justificação. Como ouvinte da palavra e crente o ser humano é justificado por meio do batismo. A justificação do pecador é perdão dos pecados e ato que torna justo através da graça justificadora, que nos torna filhos e filhas de Deus. Na justificação as pessoas justificadas recebem de Cristo fé, esperança e amor e são assim acolhidas na comunhão com Ele. [14] Essa nova relação pessoal com Deus se baseia inteiramente na graciosidade divina e fica sempre dependente da atuação criadora de salvação do Deus gracioso, que permanece fiel a si mesmo e no qual o ser humano pode por isso confiar. Por esta razão a graça justificadora nunca se converte em posse do ser humano, à qual ele pudesse apelar diante de Deus. Quando, segundo a compreensão católica, se acentua a renovação da vida através da graça justificadora, essa renovação em fé, esperança e amor sempre depende da graça inescrutável de Deus e não representa qualquer contribuição para a justificação da qual pudéssemos orgulhar-nos diante de Deus (Rm 3, 27).

4.4. A pessoa justificada como pecadora
28. Confessamos juntos que no batismo o Espírito Santo une a pessoa com Cristo, a justifica e realmente a renova. Não obstante, a pessoa justificada durante toda a vida permanece incessantemente dependente da graça de Deus que justifica de modo incondicional. Também ela está continuamente exposta ao poder do pecado e suas investidas (cf. Rm 6, 12-14), não estando isenta da luta vitalícia contra a oposição a Deus em termos de cobiça egoísta do velho Adão (cf. Gl 5, 16; Rm 7, 7.10). Também a pessoa justificada precisa pedir, como no Pai-nosso, a cada dia, o perdão de Deus (Mt 6, 12; 1 Jo 1, 9), é chamada constantemente à conversão e ao arrependimento e recebe constantemente o perdão.

29. Luteranos entendem isso no sentido de que a pessoa cristã é "ao mesmo tempo justa e pecadora": ela é totalmente justa porque Deus, por palavra e sacramento, lhe perdoa o pecado e lhe concede a justiça de Cristo, da qual ela se apropria pela fé e a qual em Cristo a torna justa diante de Deus. Olhando, porém, para si mesma através da lei, ela reconhece que continua ao mesmo tempo totalmente pecadora, que o pecado ainda habita nela (1 Jo 1, 8; Rm 7, 17.20): porque reiteradamente confia em falsos deuses e não ama a Deus com aquele amor indiviso que Deus como seu criador dela exige (Dt 6, 5; Mt 22, 36-40 par.). Essa oposição a Deus é, como tal, verdadeiramente pecado. Não obstante, graças ao mérito de Cristo, o poder escravizante do pecado está rompido: já não é pecado que "domina" a pessoa cristã por estar "dominado" por Cristo, com o qual a pessoa justificada está unida na fé; assim a pessoa cristã, enquanto vive na terra, pode ao menos em parte viver uma vida em justiça. E, a despeito do pecado, não está mais separada de Deus, porque no retorno diário ao batismo ela, que renasceu pelo batismo e pelo Espírito Santo, tem seu pecado perdoado, de sorte que seu pecado já não lhe acarreta condenação e morte eterna. [15] Portanto, quando luteranos dizem que a pessoa justificada é também pecadora e que sua oposição a Deus é verdadeiramente pecado, não negam que, a despeito do pecado, ela está inseparada de Deus em Cristo e que seu pecado é pecado dominado. Neste último aspecto estão em concordância com os católicos romanos, apesar das diferenças na compreensão do pecado da pessoa justificada.

30. Segundo a concepção católica, a graça de Jesus Cristo concedida no batismo apaga tudo o que é "realmente" pecado, o que é "digno de condenação" (Rm 8, 1),[16] mas que permanece na pessoa uma inclinação (concupiscência) proveniente do pecado e tendente ao pecado. Uma vez que, conforme a convicção católica, o surgimento dos pecados humanos sempre implica um elemento pessoal, e como este elemento falta naquela inclinação contrária a Deus, católicos não vêem nela pecado em sentido autêntico. Com isso não querem negar que essa inclinação não corresponde ao desígnio original de Deus para a humanidade nem que é objetivamente oposição a Deus e que permanece objeto de luta vitalícia; em gratidão pela redenção por intermédio de Cristo querem destacar que a inclinação contrária a Deus não merece o castigo de morte eterna [17] e não separa a pessoa justificada de Deus. Quando, porém, a pessoa justificada se separa voluntariamente de Deus, não basta voltar a observar os mandamentos, mas ela precisa receber, no sacramento da reconciliação, perdão e paz pela palavra do perdão que lhe é conferida por força da obra reconciliadora de Deus em Cristo.

4.5. Lei e evangelho
31. Confessamos juntos que o ser humano é justificado na fé no evangelho "independentemente de obras da lei" (Rm 3, 28). Cristo cumpriu a lei e, por sua morte e ressurreição, a superou como caminho para a salvação. Confessamos ao mesmo tempo que os mandamentos de Deus permanecem em vigor para a pessoa justificada e que Cristo, em sua palavra e sua vida, expressa a vontade de Deus, que constitui padrão de conduta também para a pessoa justificada.

32. Os luteranos sustentam que a distinção e a correta correlação de lei e evangelho é essencial para a compreensão da justificação. A lei, em seu uso teológico, é exigência e acusação às quais está sujeita durante a vida inteira toda pessoa, também pessoa cristã, na medida em que é pecadora; e a lei põe a descoberto seu pecado para que na fé no evangelho, ela se volte inteiramente para a misericórdia de Deus em Cristo, a qual unicamente a justifica.

33. Uma vez que a lei como caminho de salvação foi cumprida e superada pelo evangelho, católicos podem dizer que Cristo não é um legislador à maneira de Moisés. Quando católicos acentuam que a pessoa justificada é obrigada a observar os mandamentos de Deus, não negam com isso que a graça da vida eterna é misericordiosamente prometida aos filhos e filhas de Deus por Jesus Cristo [18].

4.6. Certeza de salvação
34. Confessamos juntos que as pessoas crentes podem confiar na misericórdia e nas promissões de Deus. Também em face de sua própria fraqueza e de muitas ameaças para sua fé, podem basear-se - graças à morte e ressurreição de Cristo - na promessa eficaz da graça de Deus em palavra e sacramento e, assim, ter certeza desta graça.

35. Isto foi acentuado de maneira especial pelos reformadores: em meio à tribulação a pessoa crente não deve olhar para si mesma, mas inteiramente para Cristo e confiar somente nele. Assim, na confiança na promissão de Deus, ela tem certeza de sua salvação, mesmo que, olhando para si mesma, nunca esteja segura.

36. Católicos podem compartilhar da preocupação dos reformadores de basear a fé na realidade objetiva da promessa de Cristo, desconsiderando a própria experiência e confiando somente na palavra promitente de Cristo (Mt 16, 19; 18, 18). Com o Concílio Vaticano II os católicos sustentam: crer significa confiar-se inteiramente a Deus, [19] que nos liberta das trevas do pecado e da morte e nos desperta para a vida eterna. [20] Neste sentido não se pode crer em Deus e, ao mesmo tempo, não considerar confiável a promessa divina. Ninguém deve duvidar da misericórdia de Deus e do mérito de Cristo. Mas toda pessoa pode estar preocupada com sua salvação quando olha para suas próprias fraquezas e insuficiências. Mesmo inteiramente consciente de seu próprio fracasso, contudo, a pessoa crente pode ter certeza de que Deus quer sua salvação.

4.7. As boas obras da pessoa justificada
37. Confessamos juntos que boas obras - uma vida cristã em fé, esperança e amor - se seguem à justificação e são frutos da justificação. Quando a pessoa justificada vive em Cristo e atua na graça recebida produz, biblicamente falando, bom fruto. Essa conseqüência da justificação é ao mesmo tempo uma obrigação a ser cumprida pelo cristão, na medida em que luta contra o pecado durante a vida toda; por isso Jesus e os escritos apostólicos admoestam os cristãos a realizar obras de amor.

38. De acordo com a concepção católica, as boas obras, tornadas possíveis pela graça e pela ação do Espírito Santo, contribuem para um crescimento na graça de tal modo que a justiça recebida de Deus é conservada e a comunhão com Cristo, aprofundada. Quando católicos sustentam o caráter "meritório" das boas obras, querem dizer que, segundo o testemunho bíblico, essas obras têm a promessa de recompensa no céu. Querem destacar a responsabilidade do ser humano por seus atos, mas não contestar com isso o caráter de presente das boas obras nem, muito menos, negar que a justificação como tal permanece sendo sempre presente imerecido da graça.

39. Também entre os luteranos existe a idéia de uma preservação da graça e de um crescimento em graça e fé. Acentuam, contudo, que a justiça como aceitação da parte de Deus e como participação na justiça de Cristo, sempre é perfeita; mas dizem ao mesmo tempo que seu efeito na vida cristã pode crescer. Quando vêem as boas obras da pessoa cristã como "frutos" e "sinais" da justificação, não como "méritos" próprios, não deixam, no entanto, de entender a vida eterna, conforme o Novo Testamento, como "galardão" imerecido no sentido do cumprimento da promessa divina aos crentes.

5. O significado e o alcance do consenso alcançado
40. A compreensão da doutrina da justificação exposta nesta DC mostra que entre luteranos e católicos existe um consenso em verdades básicas da doutrina da justificação. À luz desse consenso as diferenças remanescentes na terminologia, na articulação teológica e na ênfase da compreensão da justificação descritas nos parágrafos 18 a 39 são aceitáveis. Por isso as formas distintas pelas quais luteranos e católicos articulam a fé na justificação estão abertas uma para a outra e não anulam o consenso nas verdades básicas.

41. Com isso também as condenações doutrinais do século XVI, na medida em que dizem respeito à doutrina da justificação, aparecem a uma nova luz: a doutrina das Igrejas luteranas apresentada nesta Declaração não é atingida pelas condenações do Concílio de Trento. As condenações contidas nos escritos confessionais luteranos não atingem a doutrina da Igreja católica romana exposta nesta Declaração.

42. Com isso não se tira nada da seriedade das condenações doutrinais referentes à doutrina da justificação. Algumas delas não eram simplesmente infundadas; elas conservam para nós "o significado de advertências salutares", que devemos observar na doutrina e na prática [21].

43. Nosso consenso em verdades básicas da doutrina da justificação precisa surtir efeitos e comprovar-se na vida e na doutrina das Igrejas. A esse respeito ainda existem questões de importância variada que necessitam de maior esclarecimentos: referem-se, por exemplo, à relação entre a palavra de Deus e doutrina eclesiástica, bem como à doutrina a respeito da Igreja, da autoridade na Igreja, de sua unidade, do ministério e dos sacramentos, e finalmente a doutrina da relação entre justificação e ética social. Temos a convicção de que a compreensão comum alcançada oferece uma base sólida para esse esclarecimento. As Igrejas luteranas e a Igreja católica romana continuarão se empenhando por aprofundar a compreensão comum e fazê-la frutificar na doutrina e na vida eclesiais.

44. Damos graças ao Senhor por este passo decisivo rumo à superação da divisão da Igreja. Rogamos ao Espírito Santo que nos conduza adiante para aquela unidade visível que é a vontade de Cristo.

Notas
1) Os artigos de Esmalcalde II, 1 (Livro de concórdia: as confissões da Igreja Evangélica Luterana, 3ª ed., São Leopoldo, Sinodal, Porto Alegre: Concórdia, 1983, pág. 312).
2) "Rector et iudex omnia genera doctrinarum" (Edição de Weimar das obras de Lutero, 39/I, 205).
3) Note-se que uma série de Igrejas luteranas adotaram como base doutrinária compromissiva somente a Confissão de Ausburgo e o Catecismo Menor de Lutero. Estes escritos confessionais não contêm condenações doutrinais referentes à doutrina da justificação em relação à Igreja católica romana.
4) COMISSÃO MISTA NACIONAL CATÓLICO-LUTERANA, O evangelho e a Igreja, s.d.
5) GEMEINSAME RÖMISCH-KATHOLISCHE/EVANGELISCH-LUTHERISCHE KOMMISSION (ed.), Kirche und rechtfertigung: Das Verständnis der Kirche im Licht der Rechtfertigungslehre, Paderborn/Frankfurt, 1994.
6) Lutherish/Römisch-Katholischer Dialog in den USA: Rechtfertigung durch den Glauben (1983), in: Harding MEYER, Günther GASSMAN (eds.), Rechtfertigung im ökumenischen Dialog: Dokumente und Einführung, Frankfurt, 1987, pp. 107-200. Em ingles: Lutherans and Catholics in Dialogue, Minneapolis, 1985, vol. VIII.
7) Lehrverurteilungen - Kirchentrennend?: vol. I: Karl LEHMANN, Wolfhart PANNENBERG (eds.), Rechtfertigung, Sakramente und Amt im Zeitalter der Reformation und heute, Friburgo/Göttingen, 1986.
8) Gemeinsame Stellungnahme der Arnolshainer Konferenz, der Vereinigten Kirche und des Deutschen Nationalkomitees des Lutherischen Weltbundes zum Dokument "Lehrverteilungen - kirchentrennend?", Ökumenische Rundschau, v. 44, pp. 99-102, 1995; incluindo os posicionamentos que servem de base a essa resoluçao, cf. Lehrveruteilungen im Gespräch: Die ersten ofiziellen Stellungnahmen aus den evangelischen Kirchen in Deustschland, Göttingen, 1983.
9) Na presente DC a palavra "Igreja" reproduz a respectiva autocompreensao das Igrejas participantes, sem que com isso se queira considerar resolvidas todas as questões eclesiológicas a ela associadas.
10) Cf. Relatório de Malta nn. 26-30; Rechtfertigung durch den Glauben, nn. 122-147. Por incumbência do diálogo sobre a justificação nos EUA, os testemunhos neotestamentários nao-paulinos foram examinados por John REUMANN, Righteousness in the New Testament, com reações de Joseph A. FITZMEYER e Jerome D. QUINN (Filadélfia/Nova Iorque, 1982), pp. 124-180. Os resultados deste estudo estão compilados no relatório de diálogo Justification by Faith [em alemão: Rechtfertigung durch den Glauben], nos nn. 139-142.
11) Cf. "Alle unter einem Christus", n. 14, in: Dokumente wachsender Übereinstimmung, vol. I, pp. 323-328.
12) Cf. WA 8, 106.
13) Cf. DS 1528.
14) Cf. DS 1530.
15) Cf. Apologia da Confissão de Ausburgo II, 38-45.
16) Cf. DS 1515.
17) Cf. DS 1515.
18) Cf. DS 1545.
19) Cf. DV 5.
20) Cf. DV 4.
21) Lehrverurteilungen - Kirchentrennend?, 32.

POSICIONAMENTO OFICIAL CONJUNTO DA FEDERAÇÃO LUTERANA MUNDIAL E DA IGREJA CATÓLICA

1. Com base nas concordâncias alcançadas na Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação (DC), a Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica declaram juntas: "A compreensão da doutrina da justificação exposta nesta Declaração mostra que entre luteranos e católicos há um consenso em verdades básicas da doutrina da justificação" (DC 40). Com base neste consenso a Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica declaram juntas: "A doutrina das Igrejas luteranas apresentada nesta Declaração não é atingida pelas condenações do Concílio de Trento. As condenações expressas nos escritos confessionais luteranos não se aplicam à doutrina da Igreja católica romana apresentada nesta Declaração" (DC 41).

2. Com relação à Resolução sobre a Declaração Conjunta, do Conselho da Federação Luterana Mundial, de 16 de junho de 1998, e a Resposta da Igreja Católica, de 25 de junho de 1998, bem como aos questionamentos levantados por ambas as partes, a constatação anexada (chamada "Anexo") dá maiores esclarecimentos sobre o consenso alcançado na Declaração Conjunta; desse modo, se torna claro que as condenações doutrinárias do passado não se aplicam à doutrina dos parceiros de diálogo como apresentada na Declaração Conjunta.

3. Ambos os parceiros de diálogo se comprometem a dar continuidade e aprofundamento ao estudo das bases bíblicas da doutrina da justificação.
Além disso, também se empenharão por uma compreensão comum da doutrina da justificação que vá além do que está expresso na Declaração Conjunta e no posicionamento esclarecedor anexado. Com base no consenso alcançado, é necessário continuar o diálogo especialmente sobre as questões especificamente mencionadas na própria Declaração Conjunta (DC 43) como sendo carentes de maior clarificação, a fim de alcançar plena comunhão eclesial, uma unidade na diversidade na qual diferenças remanescentes seriam "reconciliadas", não continuando a ter força separadora. Luteranos e católicos vão continuar seus esforços de forma ecumênica para interpretar em seu testemunho comum a doutrina da justificação numa linguagem relevante para as pessoas de nosso tempo e levando em consideração as preocupações individuais e sociais da atualidade.

Por este ato de assinatura a Igreja Católica e a Federação Luterana Mundial confirmam a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação em seu todo.

ANEXO À DECLARAÇÃO CONJUNTA SOBRE A DOUTRINA DA JUSTIFICAÇÃO

1. As elucidações a seguir sublinham o consenso alcançado na Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação (DC) com relação a verdades básicas da justificação; assim, se deixa claro que as condenações mútuas de tempos anteriores não atingem as doutrinas católicas e luteranas da justificação como expostas na Declaração Conjunta.

2. "Confessamos juntos: somente por graça, na fé na obra salvífica de Cristo, e não por causa de nosso mérito, somos aceitos por Deus e recebemos o Espírito Santo, que nos renova os corações e nos capacita e chama para boas obras" (DC 15).

A) "Confessamos juntos que Deus, por graça, perdoa ao ser humano o pecado e o liberta ao mesmo tempo do poder escravizador do pecado em sua vida (...)" (DC 22). Justificação e perdão dos pecados é ser feito justo, com o que Deus "presenteia nova vida em Cristo" (DC 22). "Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus" (Rm 5, 1). Somos "chamados filhos de Deus e, de fato, somos filhos de Deus" (1 Jo 3, 1). De verdade e por dentro, somos renovados pela ação do Espírito Santo, permanecendo sempre dependentes de sua ação em nós. "E assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas" (2 Cor 5, 17). Neste sentido, as pessoas justificadas não permanecem pecadoras.
Mas estaríamos errados se disséssemos que não temos pecado nenhum (1 Jo 1, 8-10; cf. DC 28). "Todos tropeçamos em muitas coisas" (Tg 3, 2). "Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas" (Sl 19, 12). E quando oramos só podemos dizer como o cobrador de impostos: "Ó Deus, sê propício a mim, pecador!" (Lc 18, 13). Nossas liturgias expressam isso de diversas maneiras. Juntos ouvimos a admoestação: "Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões" (Rm 6, 12). Isso nos lembra da constante ameaça proveniente do poder do pecado e de sua ação nos cristãos. Quanto a isso, luteranos e católicos, conjuntamente, podem compreender o cristão como simul iustus et peccator, a despeito de suas abordagens diferentes dessa temática, como exposta na DC 29-30.

B) O conceito da "concupiscência" é usado em sentidos diferentes por católicos e luteranos. Nos escritos confessionais luteranos, "concupiscência" é entendida como cobiça da pessoa em busca de si mesma e que, à luz da lei entendida espiritualmente, é considerada pecado. Na compreensão católica, concupiscência é uma inclinação, que permanece nas pessoas também após o batismo, que provém do pecado e tende para o pecado. A despeito das diferenças aqui inerentes, pode ser reconhecido a partir da perspectiva luterana que a cobiça pode tornar-se a porta pela qual o pecado ataca. Devido ao poder do pecado, a pessoa humana toda carrega em si a tendência de opor-se a Deus. Essa tendência, de acordo com a concepção luterana e católica, "não corresponde ao desígnio original de Deus para a humanidade" (DC 30). O pecado é de caráter pessoal e como tal leva à separação de Deus. Ele é a cobiça egoísta da velha criatura e falta de confiança e de amor para com Deus.
A realidade da salvação recebida no batismo e a ameaça através do poder do pecado podem ser expressas de tal maneira que, por um lado, o perdão dos pecados e a renovação da pessoa em Cristo pelo batismo é enfatizado e, por outro lado, pode ser visto que a pessoa justificada "está continuamente exposta ao poder do pecado e suas investidas (cf. Rm 6, 12-14), não estando isenta da luta vitalícia contra a oposição a Deus (...)" (DC 28).

C) Justificação acontece "somente por graça" (DC 15 e 16), somente por fé; a pessoa justificada "independentemente das obras" (Rm 3, 28; cf. DC 25). "A graça cria a fé não somente quando a fé começa numa pessoa, mas enquanto dura a fé" (Tomás de Aquino, S. Th. II/II 4, 4 ad 3). O fato do agir da graça de Deus não exclui a ação humana: Deus opera tudo, o querer e o realizar, por isso somos chamados a empenhar-nos (Fl 2, 12 s.). "(...) tão logo o Espírito Santo haja iniciado em nós sua obra de regeneração e renovação por intermédio da palavra e dos santos sacramentos, é certo que pelo poder do Espírito Santo podemos e devemos cooperar (...)" (Livro da Concórdia, pág. 572; BSLK 897, 37 ss.).

D) Graça como comunhão do ser humano justificado com Deus, em fé, esperança e amor, é sempre recebida pela ação salvífica e criadora de Deus (cf. DC 27). Contudo, o ser humano justificado tem a responsabilidade de não desperdiçar esta graça, mas de viver nela. A exortação de fazer boas obras é a exortação de praticar a fé (cf. BSLK 197, 45). As boas obras da pessoa justificada devem ser praticadas "para que seja firme a vocação, isto é, a fim de não suceder que venham a cair de sua vocação pela reincidência no pecado" (Livro da Concórdia, pág. 242; BSLK 316, 18-24; com referência a 2 Pd 1, 10; cf. também Livro da Concórdia, pág. 596; BSLK 948, 9-23). Neste sentido, luteranos e católicos conjuntamente podem compreender o que é dito sobre a "preservação da graça", na DC 38 e 39. Sem dúvida, "tudo o que no ser humano precede ou se segue ao livre presente da fé não é fundamento da justificação nem a faz merecer" (DC 25).

E) Pela justificação somos acolhidos incondicionalmente na comunhão com Deus. Isso inclui a promessa da vida eterna: "Se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente o seremos também na semelhança da sua ressurreição" (Rm 6, 5; cf. Jo 3, 36; Rm 8, 17). No juízo final, as pessoas justificadas serão julgadas também de acordo com suas obras (cf. Mt 16, 27; 25, 31-46; Rm 2, 16; 14, 12; 1 Cor 3, 8; 2 Cor 5, 10 etc.). Vamos ao encontro de um julgamento no qual a sentença graciosa de Deus vai acolher tudo o que em nossa vida e ação corresponde à sua vontade. Mas tudo o que em nossa vida está errado será descoberto e não entrará para a vida eterna. A Fórmula de Concórdia também declara: "Pois é vontade e ordem expressa de Deus que os crentes pratiquem boas obras, as quais o Espírito Santo opera nos que crêem, obras essas que também agradam a Deus por causa de Cristo e às quais promete gloriosa recompensa nesta vida e na futura" (Livro da Concórdia, pág. 597; BSLK 950, 18-24). Toda recompensa, porém, é recompensa de graça, que não podemos reivindicar.

3. A doutrina da justificação é medida ou pedra de toque para a fé cristã. Nenhuma doutrina poderá contradizer a esse critério. Neste sentido, a doutrina da justificação "é um critério indispensável que visa orientar toda a doutrina e prática da Igreja incessantemente para Cristo" (DC 18). Como tal, ela tem sua verdade e seu significado peculiar no contexto maior da confissão fundamental da fé trinitária da Igreja. Juntos compartilhamos "do alvo comum de confessar em tudo a Cristo, ao qual unicamente importa confiar, acima de todas as coisas, como mediador uno (cf. 1 Tm 2, 5 s.) pelo qual Deus, no Espírito Santo, dá a si mesmo e derrama seus dons renovadores" (DC 18).

4. A Resposta da Igreja católica não visa questionar a autoridade de Sínodos luteranos ou da Federação Luterana Mundial. A Igreja católica e a Federação Luterana Mundial iniciaram o diálogo e o levaram avante como parceiros com direitos iguais ("par cum pari"). Apesar de concepções diferentes de autoridade na Igreja, cada parceiro respeita os procedimentos normativos do outro parceiro em busca de decisões doutrinárias.


Declaração das Igrejas Luteranas em favor da Paz – 2003 #

Declaração Conjunta IECLB-IELB
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) expressam conjuntamente a dor que sentem com a deflagração da guerra contra o Iraque por parte dos Estados Unidos da América e nações a ele aliadas. Irmanadas expressam sua solidariedade a todas as vítimas dessa guerra arbitrária, insensata e desumana.
Como igrejas temos um compromisso permanente de fidelidade ao Evangelho e entendemos ser nosso dever, à luz da santa vontade de Deus, conclamar os povos para a paz, a justiça e o respeito à dignidade de toda vida humana, criatura amada de Deus.
São condenáveis todas as formas de violência, fruto do pecado humano, como regimes ditatoriais e ações de terrorismo. Contudo, a lógica da guerra é igualmente pecaminosa. Ademais, não reconhecemos a guerra como meio nem legítimo nem eficaz, muito menos moral, para atingir a paz e vencer o terrorismo. Ao contrário, seu resultado é a instigação de ódio ainda maior.
Igual rejeição temos para com o conceito de “guerra preventiva”, conceito que deveria ser abolido definitivamente das relações internacionais. Não apenas a ordem interna das nações deve estar calcada no direito, mas também as relações entre as nações. Por isso, rejeitamos políticas unilaterais e baseadas na supremacia do poder militar. Inversamente, vemos como necessidade urgente reafirmar a legitimidade e a autoridade das instâncias multilaterais sob a égide da Organização das Nações Unidas (ONU).
Quanto aos aspectos religiosos e teológicos, ficamos também chocados com o abuso na invocação do nome de Deus, com o objetivo explícito de legitimar a ação bélica. Rejeitamos toda e qualquer noção de guerra santa. Deus é um “Deus de amor e de paz” (2 Coríntios 13.11) e Jesus declarou “bem-aventurados os pacificadores”, e estes “serão chamados de filhos de Deus” (Mateus 5.9).
Conclamamos aos fiéis de nossas igrejas e a todas as pessoas de fé em Cristo a se empenharem em iniciativas de paz e em processos de educação para uma paz duradoura. Tampouco cessem de interceder pelo término da guerra, pelo respeito ao ordenamento jurídico internacional, pelo estabelecimento da paz, pelo fortalecimento da ONU e, sobretudo, em favor de todas as vítimas, muito em especial dentre as populações civis, mulheres, pessoas idosas e crianças. “Orai sem cessar.” (1 Tessalonicenses 5.17)
Porto Alegre, 25 de março de 2003
Walter Altmann Pastor Presidente da Evangélica Igreja Evangélica de Luterana do Brasil (IELB)
Carlos Walter Winterle Pastor Presidente da Igreja Confissão Luterana no Brasil (IECLB)


Declaração da IECLB acerca do documento do Vaticano #

DECLARAÇÃO DA IECLB ACERCA DO DOCUMENTO DO VATICANO RELATIVO A ALGUNS ASPECTOS DA DOUTRINA SOBRE A IGREJA
Ao tomarmos conhecimento do Documento da Congregação para a Doutrina da Fé, do Vaticano, intitulado “Respostas a questões relativas a alguns aspectos da doutrina sobre a Igreja”, a primeira sensação que temos é de desalento.
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) expressa em sua Constituição ter um “vínculo de fé” com todas as igrejas que confessam a Jesus Cristo como Senhor e Salvador e tem mantido relações estreitas com as igrejas que compartilham seu compromisso ecumênico. Nesse contexto, ela tem em alta conta a trajetória comum e fraterna com outras igrejas em nosso país e no mundo, também com a Igreja Católica Romana. Conseqüentemente, a IECLB não nega a classificação de igreja a nenhuma das igrejas centradas na fé em Cristo, e tampouco passará a fazê-lo em relação àquelas igrejas que, em sua autodefinição, não a reconhecem como igreja em sentido pleno.
Assim, em segundo lugar, no compromisso ecumênico, o desalento deve vir acompanhado, ainda que com dificuldade, do pleno respeito à definição eclesiológica de cada igreja. A IECLB registra ainda que as respostas do novo documento se voltam, a rigor, ao público interno da Igreja Católica Romana, um indicador inequívoco de que há em seu interior um processo de reflexão teológica em torno da natureza da Igreja e das relações ecumênicas entre as confissões cristãs. Não pode surpreender, porém, que posições internas de cada igreja tenham também repercussão nas demais igrejas, e estas, por sua vez, podem e devem externar suas próprias preocupações com o futuro do ecumenismo.
Por fim, embora o documento classifique que na Igreja Católica ocorrem “desvios geradores de dúvidas”, o diálogo acerca da natureza da Igreja se faz indispensável hoje não apenas no interior de cada igreja, como também entre as igrejas. É por isto que o movimento ecumênico tem chamado, com razão, as igrejas a uma reflexão conjunta e fraterna acerca do seu próprio “ser-igreja”. Esse chamado se torna, pois, ainda mais necessário e urgente.
Porto Alegre, 10 de julho de 2007.
Walter Altmann
Pastor Presidente

Discernimento ético – uma perspectiva evangélica de confissão luterana #

IGREJA EVANGÉLICA DE CONFISSÃO LUTERANA NO BRASIL – IECLB

Discernimento ético – uma perspectiva evangélica de confissão luterana

Carta Pastoral da Presidência, da
Pastora e dos Pastores Sinodais da IECLB

1. Como chegar a discernimentos éticos responsáveis? Trata-se de pergunta crucial nesses tempos em que a capacidade de distinguir entre bem e mal, direito e dever está definhada. Em situações consideradas normais e corriqueiras, isso pode parecer um processo simples. Bastaria seguir o bom senso, aquilo que a maioria das pessoas entenderia como a decisão correta, como atitude “de bem”. De fato, embora haja peculiaridades culturais que apontam para uma diversidade de comportamentos aceitáveis, também há uma ampla coincidência em valores básicos de conduta, nas mais diferentes culturas.

2. Contudo, a vida não é tão simples assim. Há situações limítrofes que desafiam a nossa capacidade de realizar o bem, de preservar a vida e sua dignidade. Nos últimos dias, a sociedade brasileira ficou chocada com a notícia de uma criança que, violentada sexualmente por seu padrasto desde os seis anos de idade, teve, com apenas nove anos, uma gravidez de gêmeos, cujo prosseguimento colocaria sua vida em sério risco. Nas circunstâncias de estupro e risco de vida para a mãe a interrupção da gravidez é permitida pela lei brasileira. No caso em pauta, estavam dadas ambas as condições.

3. É conhecido que a teologia oficial católica apostólica romana não prevê nem admite exceção ao direito de que a vida em gestação se desenvolva. A interrupção da gravidez é entendida como equivalente a homicídio deliberado. Por conseguinte, a autoridade eclesiástica católica anunciou – e defendeu a decisão de público com veemência –, a excomunhão da mãe da criança grávida, que autorizara o aborto, e da equipe médica que o efetuou, pena prevista no direito canônico católico. O caso ganhou as manchetes da imprensa nacional e internacional.

4. A IECLB tem sido perguntada se compartilha a posição católica ou qual seria seu posicionamento. De fato, entre a cristandade, não há consenso em relação ao discernimento ético. Mas é importante clarear precisamente onde se encontram as diferenças. Dizer que uns são a favor do aborto e outros são contra seria uma simplificação grosseira. O quinto mandamento – Não matarás – tem validade para uns e outros. Devemos adiantar também que, no caso da IECLB, temos excelentes relações de diálogo e cooperação bilateral católico-luterana em muitas áreas. Não há por que não reconhecer que a Igreja Católica tem seguido, com coerência, sua convicção baseada no critério da defesa incondicional da vida, desde seu primórdio até seu fim natural.

5. Há, porém, como é óbvio, diferenças entre nossas igrejas, tanto de ordem teológica, quanto de organização eclesiástica, mas também em concepções relativas ao discernimento ético das pessoas cristãs.

6. Antes de mais nada, chamemos a atenção para algumas preliminares: não há no âmbito de igrejas evangélicas protestantes um magistério que tenha a prerrogativa de estabelecer normas éticas que deveriam ser seguidas por todos os fiéis. Nem poderia haver. Na tradição da Reforma protestante essas igrejas não (re)conhecem uma instância eclesiástica autoritativa, muito menos infalível, em questões morais, mas seus pastores e pastoras têm a responsabilidade de, baseados na Bíblia e seus valores evangélicos, orientar as pessoas implicadas ao discernimento ético, fortalecendo-as a tomarem, simultaneamente em liberdade e responsabilidade suas próprias decisões diante de Deus.

7. Assim, não é de surpreender que se encontre no âmbito das igrejas evangélicas protestantes uma grande variedade de posicionamentos, inclusive dentro delas próprias. Naturalmente, repetimos, a orientação é que os fiéis busquem o discernimento ético a partir de critérios teológicos baseados na Escritura. No entanto, em casos limítrofes, de grande complexidade, é compreensível que haja posições diferentes e, por vezes, aparentemente antagônicas. Assim, há no interior das igrejas evangélicas não poucas pessoas – teólogos, pastores e pessoas leigas – que defendem o mesmo posicionamento expresso pela igreja católica. Mas não poucas pessoas e instâncias eclesiais divergem, com base em argumentos teológicos de peso.

8. O ponto crucial de divergência consiste em que a teologia protestante, pelo menos aquela que poderíamos chamar de tradicional ou histórica, toma estritamente a sério que há, em nossa vida e suas relações, uma tensão inevitável entre a vontade original e última de Deus para com sua criação e todas as suas criaturas e a presença efetiva do mal nas relações humanas e sua história. Não há como se colocar fora ou acima dessa tensão.

9. Sendo assim, nunca se darão situações “totalmente puras”; sempre haverá a ambigüidade da condição humana e da realidade histórica. Todo ser humano é criatura de Deus e a ele destinada; mas todo ser humano também vive distante de Deus na condição de ser pecador. Pela graça de Deus o ser humano pode ser justificado – e o é exclusivamente por essa graça –, acolhe esse pronunciamento misericordioso de Deus em fé. Desta forma e em consequência é também chamado a uma nova vida, de amor a Deus e ao próximo. Mesmo assim, enquanto viver, não escapa à sua condição de pecador e será sempre de novo carente do perdão divino.

10. Partilhando inevitavelmente dessa condição, o ser humano com frequência se vê confrontado com situações em que o discernimento ético não terá a seu dispor a opção perfeita, sequer uma opção boa. Inclusive, teologicamente, não há nessas situações opção sem pecado. A escolha deverá recair então naquela alternativa que, a melhor juízo, preserve os valores da dignidade humana e sirva à vida, em plena consciência de que também esta opção poderá estar infringindo esses valores em certa medida. A responsabilidade ética cristã não é uma grandeza que possa ser assumida de forma romântica e automática. Antes, é uma decisão extraordinariamente difícil que deverá ser pesada e tomada diante de Deus, em oração e sempre confiando em sua graça.

11. Sim, é convicção dessa teologia que Deus, em sua graça, pode até mesmo acolher, em situações limítrofes, opções carregadas de mal – pois o aborto certamente não é um bem –, como expressão de um servir responsável ao próximo em necessidade.

12. Essa teologia concorda que a legislação brasileira contemple a possibilidade de interrupção da gravidez em casos de estupro ou risco de vida para a mãe. Essa teologia, contudo, não define esse desfecho como norma moral geral, pois estaria igualmente desrespeitando o critério de que a decisão deva ser tomada pelas pessoas implicadas, em responsabilidade própria.

13. No caso específico, houve, na origem, atos criminosos de violência sexual contra uma criança, de parte de seu padrasto, que obviamente deve ser submetido aos rigores da lei penal brasileira. No entanto, o seu julgamento deve considerar um contexto maior de violência que existe na sociedade em geral e provocar não apenas a ira e a vontade de vingança, mas suscitar um debate maior sobre a realidade que hoje experimentamos. Ademais, enquanto criatura de Deus, ele está também sob o juízo desse mesmo Deus que, em seus desígnios misericordiosos, pode transformar também sua vida.

14. Atenção preponderante é devida à criança que é, indubitavelmente, vítima dessa violência, carecerá por longo tempo de todo apoio médico, psicológico e espiritual que lhe possa ser prestado, para se desenvolver livre de culpas. Nunca é demais enfatizar a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente em todas as suas implicações.

15. Também a equipe médica, que, atenta aos riscos inerentes à gravidez da criança e devidamente autorizada, efetuou o procedimento, é merecedora não de juízos morais que sobrecarreguem suas consciências, mas de conforto espiritual em sua própria angústia, um conforto que por muito mais razões deve ser estendido irrestritamente à mãe da criança que autorizou a interrupção da gravidez em sua filha. Mãe e filha experimentaram, cada qual a seu modo, uma tragédia. Contudo, também em meio à tragédia, e especialmente ali, há a necessidade da solidariedade humana e a possibilidade da graça divina.
Porto Alegre, 11 de março de 2009.
Walter Altmann
Pastor Presidente


Carta Pastoral - Acerca da Gripe A #

Às Comunidades, Paróquias, Sínodos, Setores, Obreiros e Obreiras da IECLB
Estimadas irmãs, estimados irmãos em Cristo:
Saúdo-os com a palavra da Epístola aos Hebreus (11.1) que é também o lema desta semana: “A fé é a certeza das coisas que esperamos e a prova de que existem coisas que não podemos ver.” Esta palavra por certo não foi escrita em face de uma epidemia, como a atual que grassa não apenas entre nós, mas já alcançou mais de 160 países. Mas ela foi escrita, isso sim, a uma comunidade que experimentava o sofrimento, em seu caso advindo da perseguição religiosa. A epístola anima a encontrarmos na fé conforto, esperança, novo ânimo e forças renovadas.

Estamos enfrentando a epidemia da gripe A, também chamada de gripe H1N1 ou, mais popularmente, de gripe suína. Os noticiários, a cada dia, nos relatam acerca de novos casos e também de vítimas fatais, entre elas preponderantemente pessoas que sofriam de algum mal ou se incluíam nas categorias de risco, mas algumas também que gozavam, ao que tudo indica, plena saúde. Na medida em que os casos se multiplicam, o sistema de saúde também fica submetido a pesadas demandas, revelando suas fragilidades e não podendo corresponder de todo às necessidades de atendimento, prevenção e tratamento. Surgem também orientações por vezes desencontradas entre autoridades públicas. Tudo isso gera incerteza, angústia e medo em meio à população, também em nossas comunidades.

Que fazer? Em particular o que fazer com as programações em nossas comunidades, sínodos e igreja? Devemos dar prosseguimento a elas, transferi-las ou cancelá-las? Como ficam nossos cultos e ofícios, sobretudo a celebração da Ceia do Senhor? E nossas reuniões e assembleias? É parte de nossa responsabilidade pastoral dar respostas a essas perguntas e a outras de cunho semelhante.

Considerações preliminares

Antes de proferirmos algumas orientações mais específicas, é preciso fazer algumas considerações de base.
1. Além de algumas orientações de cunho geral concernentes ao cuidado preventivo, cada lugar terá suas próprias peculiaridades e graus de exposição ao vírus H1N1. É perfeitamente legítimo e, mesmo, necessário, que sínodos deem orientações próprias de acordo com a sua realidade, como vários deles já estão fazendo. Também as paróquias e comunidades deverão exercer o discernimento próprio para suas circunstâncias locais. Essas realidades particulares permitirão, legitimamente, que se tomem decisões também diferentes das orientações de cunho mais concreto compartilhadas mais adiante. Tomem, porém, em consideração as ponderações aqui efetuadas.
2. Há que considerar que enquanto não houver uma vacina eficaz ou a gripe tenha completado seu ciclo de disseminação, deveremos, de uma maneira ou outra, conviver com ela. Nenhuma medida poderá evitar de modo absoluto o contágio, embora possamos e devamos fazer esforços de prevenção. Estes não evitarão a propagação, mas poderão reduzir seu alcance e sua rapidez. Como o inverno e os ambientes fechados são mais propícios ao contágio, há esperança de que, passado o maior rigor do frio, em particular nos estados do sul, o ritmo da propagação se torne mais lento. Mas devemos também ser realistas: ele não cessará de todo, e o vírus H1N1 tem revelado possuir uma elevada capacidade de propagação.
3. Os casos de vítimas fatais são obviamente preocupantes e lamentáveis – e requerem o cuidado pastoral para com as pessoas enfermas e as respectivas famílias, eventualmente enlutadas. No entanto, devemos ter em conta também que na grande maioria dos casos a enfermidade transcorre de maneira tranquila para a total recuperação da saúde. Assim, a postura adequada é a de assumir procedimentos e tomar medidas de cautela e prevenção, mas sem contribuir para a geração ou o incremento de pânico entre a população.
4. Como o confinamento das pessoas é inviável e tampouco é humana e socialmente desejável, salvo por tempo limitado para aquelas pessoas que contraíram a doença ou em relação às quais há suspeitas médicas de que possam tê-la contraído, deve haver o empenho em favor de medidas que sejam úteis na prevenção, sem lesarem profundamente o convívio social e a comunhão entre as pessoas. Medidas por demais radicais podem dificultar o cenário, em vez de fazer adequadamente frente aos riscos inerentes à epidemia.
5. Deve-se seguir as recomendações que as autoridades da saúde estão dando, adaptando-as para a realidade das atividades eclesiais. Não se deve ignorá-las, como se fossem desnecessárias ou absurdas (ou, pior, na suposição errônea de que, como pessoas de fé, estaríamos particularmente imunes aos riscos da enfermidade). Mas também se deve resistir à tentação de criar normas próprias, mais rígidas do que as recomendadas pelas autoridades da saúde, na presunção igualmente equivocada de que essas medidas isoladas mais rígidas poderiam nos dar proteção mais eficaz. Uma dificuldade extra teremos quando houver contradição entre orientações de autoridades federais, estaduais e municipais. Algumas decisões, aqui e acolá, parecem denotar mais precipitação do que responsabilidade. Se bem que circunstâncias locais possam sugerir medidas específicas, em princípio deve-se procurar seguir as orientações nacionais, de um modo geral calcadas em recomendações da Organização Mundial da Saúde. Uma proliferação de medidas locais, conflitantes entre si, em nada contribuirá para o enfrentamento eficaz de uma epidemia que não é local, mas atinge, em maior ou menor grau, a todas as localidades. Em tudo, deveremos manter a sobriedade e buscar o que é razoável.
6. Do ponto de vista teológico, reconhecemos toda e qualquer enfermidade como um desafio ao cuidado que devemos ter para com todas as pessoas, criaturas amadas por Deus. Jesus, em seu ministério, demonstrou particular cuidado para com as pessoas enfermas, restituindo a saúde a não poucas delas e reinserindo-as no convívio social. Rejeitou a noção de que as doenças fossem causadas pelo pecado pessoal dos enfermos ou de seus pais (João 9.1-3). Portanto, devemos rejeitar toda e qualquer pregação que enfatize ser a doença resultado do pecado das pessoas enfermas. As pessoas nessas condições necessitam solidariedade e conforto, não acusações. Tampouco vemos qualquer fundamento bíblico na concepção, lamentavelmente bastante propagada, de que as doenças, em geral, fossem resultado da ação de demônios ou de Satanás. Devemos, antes, ver na doença e no sofrimento por ela causado, um chamado a debelar as enfermidades ou limitar seus efeitos danosos, num espírito de misericórdia, compaixão e cuidado para com nosso próximo. Apoiamos os esforços da medicina, dos corpos médicos e da saúde na cura e na diminuição das dores, bem como o empenho dos gestores públicos em orientar adequadamente a população a adotar medidas que auxiliem na prevenção.
7. Como igreja, oferecemos o acompanhamento pastoral às pessoas enfermas e seus familiares. Não devemos, tampouco, deixar passar a oportunidade de refletirmos com as comunidades sobre nossa condição humana e o sentido da vida. Como seres humanos, estamos sujeitos a enfermidades e, em definitiva, à morte. Em momentos como estes, somos recordados de nossas limitações e vulnerabilidades, bem como da transitoriedade da vida. A doença é uma ameaça à vida, e a cura um fortalecimento para a vida. Enfermidades prolongadas limitam seriamente a qualidade de vida; contudo, não raramente também despertam para dimensões positivas da vida até então não detectadas ou negligenciadas. Ademais, a enfermidade nunca é um episódio que afeta apenas individualmente as pessoas, quando adoecem. Ela também atinge o tecido social e as relações humanas. Ela “perturba” a convivência, mas também é oportunidade ímpar para exercermos o cuidado para com a vida e de umas pessoas para com as outras. Em diálogo com Deus, em oração, pessoas enfermas podem até mesmo encontrar, positivamente, uma possibilidade e finalidade oculta em sua condição. Não caberá, porém, a outras pessoas, muito menos ao conselheiro espiritual, sugerir possibilidades desse tipo, mas devem limitar-se ao apoio solidário, à palavra amiga, à proclamação da graça divina e à intercessão.
8. A ocorrência de enfermidades e o seu tratamento fazem parte da luta pela vida. A enfermidade e suas demandas podem estressar as relações familiares, mas também podem, inversamente, estreitá-las. O surgimento de uma epidemia, como a da gripe, pode levar as pessoas a restringir seriamente suas relações sociais, como pode também levar a sociedade a aprofundar seus compromissos de comunhão e solidariedade mútua. Em sua pregação, a igreja deverá auxiliar a que as possibilidades positivas aqui mencionadas sejam fortalecidas e as negativas combatidas. Por fim, ela animará à fé e à confiança em Deus, ao proclamar que o sentido de nossa vida não se limita aos dias entre nosso nascimento e nossa morte, mas repousa no próprio Deus que nos criou, “nos chamou pelo nosso nome” e nos acolhe em seu reino. “Na verdade não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a que há de vir.” (Hebreus 13.14)

Algumas orientações

Cito, por particularmente felizes, algumas passagens da carta pastoral emitida pelo Pastor Sinodal Nilo O. Christmann, do Sínodo Rio Paraná:
“A comunhão caracteriza a igreja de Jesus Cristo desde a sua origem. Também nas comunidades do Sínodo são marcantes o convívio, os cultos e os encontros em grupos. Além disso – brasileiros que somos – o nosso convívio é expresso pela afetividade, pelo abraço e pelas orações de mãos dadas. O momento de comunhão por excelência é a celebração da Ceia do Senhor. Neste ponto, a IECLB sempre orientou, justamente, para formas de celebração que valorizassem a comunhão (o coletivo).”
“Contudo, se o convívio e a proximidade caracterizam as nossas comunidades, também a responsabilidade diante da vida marca o nosso testemunho. Os desdobramentos da Gripe A ainda são incertos. Sabemos, sim, que o momento requer o nosso cuidado e que, possivelmente, à medida que vierem dias de mais calor, a propagação do vírus deve diminuir muito.”
Nesse espírito, efetuamos as seguintes considerações e recomendações, sempre com a ressalva de que sejam avaliadas no próprio contexto e, então, tomadas as decisões que pareçam razoáveis e responsáveis, que fortaleçam o cuidado e reduzam o medo.
1. Eventos especiais de larga abrangência e participação, como dias da Igreja e assembléias sinodais: é razoável que sejam suspensos ou adiados para um momento mais oportuno, passado o inverno rigoroso que temos tido no Sul. Vários sínodos já tomaram decisões a esse efeito. De outra parte, não parece ser adequado suspender de maneira generalizada toda e qualquer reunião comunitária ou eclesial. Estas, em sendo mantidas, devem ser acompanhadas dos cuidados gerais recomendados em todas as circunstâncias: lavar as mãos, não compartilhar objetos, buscar ambientes arejados, etc.
2. Ensino confirmatório e culto infantil: é razoável que sejam suspensos ali onde também haja prolongamento do período de férias escolares e enquanto este recesso durar.
3. Cultos regulares: a sua eventual suspensão deveria ser avaliada com muita prudência e adotada só em localidades particularmente expostas a riscos de contágio e desdobramentos graves. Há que se considerar, como referido acima, que, ao que tudo indica, ainda deveremos conviver com a gripe A por um bom tempo. Se os cultos regulares são suspensos, qual será o momento justificado para sua retomada? As pessoas não continuarão temerosas de participar dos cultos? Examine-se, pois, a possibilidade de sua realização em horários de menos frio, mantendo janelas e portas abertas, com duração menos prolongada, suprimindo-se transitoriamente o abraço da paz e, mesmo, os cumprimentos pastorais com aperto de mão antes e após o culto.
4. Celebração da Ceia do Senhor ou Eucaristia: não é de nossa tradição confessional distribuir apenas o pão ou a hóstia, mas tanto pão quanto vinho. Evite-se, porém, na atual situação, o oferecimento do cálice comum. É sugerida a forma de intinção, isto é, as pessoas comungantes recebem a hóstia na mão e umedecem uma parte dela no vinho (no cálice) e a levam à boca. O risco, pequeno, de que as pessoas venham a colocar os próprios dedos no vinho, pode ser prevenido com instruções claras a esse respeito. Em algumas comunidades já é prática corrente o uso de cálices individuais. Esta é uma modalidade adequada na atual circunstância, embora o emprego do cálice individual favoreça a interpretação individualista da Ceia, ao reduzir a simbologia da comunhão entre irmãos e irmãs na fé. Em qualquer hipótese, recomenda-se que os pastores e pastoras, bem como todas as pessoas que participem na distribuição da Ceia, lavem as mãos com álcool gel antes e após a Ceia.
5. Outros ofícios: é recomendado que o pastor, a pastora ou a pessoa encarregada de outros ofícios, dialogue com as pessoas, famílias e comunidades implicadas acerca da ocasião propícia e da modalidade adequada para a realização de ofícios eclesiais. Contudo, devemos ter presente que o cuidado pastoral e espiritual é inerente à nossa vocação e responsabilidade, não devendo ser colocado de lado por razões de conveniência ou temores pessoais. Por exemplo, seria gravemente equivocado recusar ou, mesmo, restringir o acompanhamento pastoral em sepultamentos. Igualmente somos devedores do acompanhamento pastoral a pessoas enfermas e seus familiares (salvo em caso de restrição médica), mas com o devido cuidado, como o uso de máscara e a lavagem das mãos. Em todos esses casos vale a exortação apostólica: “A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros; pois quem ama o próximo tem cumprido a lei.” (Romanos 13.8)

Concluo, citando mais uma vez o pastor sinodal Nilo O. Christmann: “Enfim, que possamos neste momento exercitar a prudência, a cooperação, a solidariedade e a oração. Acima de tudo, permanece a confiança de que em tempos de apreensão Deus continua nos segurando pela mão.”

Porto Alegre, 12 de agosto de 2009.
Fraternalmente,
Walter Altmann
Pastor Presidente


Gratidão - desafio – esclarecimento #
Estimadas irmãs, estimados irmãos, colegas de ministério:
Já há algum tempo desejo e, mais recentemente, tenho uma incumbência da Diretoria do Conselho da Igreja de me endereçar aos irmãos e irmãs obreiros eméritos e obreiras eméritas da IECLB. Muito apropriadamente o último Concílio da Igreja, em Panambi, recuperou a designação de “emérito/a” para aqueles/as obreiros/as que se encontram na condição de vocês, designação que o Estatuto do Ministério com Ordenação – EMO, em sua versão original, não mais previa.
Distribuo as questões, que aqui desejo abordar, em três tópicos:
Gratidão da IECLB: por serviços prestados e sendo prestados
Há algumas semanas estive na Comunidade de Alto Jatibocas, município de Itarana / ES. O objetivo de minha viagem foi um encontro da Presidência com a Conferência de Obreiros/as do Espírito Santo. Esse tipo de encontro é, neste ano, programação prioritária da Presidência com os Sínodos, com grande benefício para a própria Presidência, mas também, como creio, para os/as obreiros/as e, por extensão, para os Sínodos e toda a IECLB. Aqui quero destacar que, conjugado com esse encontro mencionado, foi também celebrado o culto de despedida e gratidão ao colega Ido Port, que assim passou para a condição de pastor emérito (inapropriadamente referido, inclusive em nosso Estatuto do Ministério com Ordenação – EMO, como “entrada na inatividade”). Foi um culto extremamente significativo, com toda a CO paramentada e a igreja repleta com cerca de 700 membros das várias comunidades que foram dedicadamente servidas pelo colega Ido Port (acompanhado por sua esposa Diana, com igual dedicação) nos últimos 21 anos. Também o vice-prefeito em exercício do município e outras autoridades civis se fizeram presentes. Múltiplas foram as manifestações de apreço, carinho e gratidão pelo serviço prestado. O colega Ido Port deu um eloqüente e emocionado depoimento acerca do significado de seu ministério pastoral e de seu compromisso pessoal com ele e com a Igreja. Junto com o pastor sinodal Osmar Lessing, tive a alegria de oficiar o ato litúrgico de gratidão e comissionamento para a nova etapa na vida e no ministério.
Relato essa experiência recente, para enfatizar a todos/as vocês pela IECLB o que é sabido, mas muitas vezes não suficientemente reconhecido: o exercício do ministério, com seus direitos e deveres básicos, não cessa nesse momento, ele apenas passa para nova condição. Também isso o EMO (artigo 68) expressa com clareza. E aproveito o momento para expressar o agradecimento da IECLB também pelas múltiplas formas pelas quais vocês continuam contribuindo com seus dons e sua experiência às comunidades e à IECLB: desde a participação fiel na vida da comunidade em que são membros, passando pelo contribuir com sugestões e conselhos, mas também, muitas vezes, assumindo tarefas bem concretas. Em Lajeado / RS, por exemplo, obreiros eméritos estão auxiliando significativamente na trnsição que aquela comunidade está experimentando, com o desligamento de obreiros e certo número de membros, para constituírem uma nova igreja. Lembro como contribuição à Igreja também a manifestação enviada por pastores aposentados de Santa Catarina e Paraná, a qual a pedido foi compartilhada de maneira ampla na IECLB. Nela se externa, entre outros, a preocupação com os rumos e a unidade da IECLB. É bonito ver como obreiros/as eméritos/as seguem atuando e também se preocupando com sua igreja.
Um desafio: apoio a comunidades em situação especial
Nesse contexto apresento um desafio especial, com uma consulta a vocês. Temos tido uma redução acentuada de recursos vindos do exterior, tendência que deve prosseguir nos próximos anos. Os chamados campos missionários e as pequenas comunidades, que não se vêem em condições de manter integralmente um campo de atividade ministerial, têm sido particularmente atingidos. Uma série de comunidades, até agora apoiadas, não estarão mais recebendo auxílio financeiro com o término de seus projetos missionários. Elas se perguntam se a Igreja as abandonou. É certo que nenhuma comunidade deveria contar com auxílios financeiros indefinidamente, mas sim se empenhar pela auto-sustentabilidade. No entanto, há comunidades que fazem um grande esforço, sem, contudo, conseguir arcar com todos os custos do provimento de uma vaga ministerial.
Quero dar um exemplo. A nossa comunidade em São Gabriel do Oeste, no Mato Grosso do Sul, ao norte da capital Campo Grande, decresceu no número de membros, devido à (nova) migração de lá para outros lugares. A comunidade tem templo e casa paroquial, mas o reduzido número de famílias (atualmente em torno de duas dezenas) não consegue cumprir com os compromissos de um campo de atividade ministerial. Compromete-se ela a arrecadar dois salários mínimos mensais, uma contribuição por membro bem acima da quase totalidade de comunidades da IECLB. Mas não temos podido prover essa comunidade com um/a pastor/a, como é seu desejo, e tampouco há nas proximidades outra comunidade da IECLB, cujo pastor pudesse atendê-la regularmente. Deveríamos dizer à comunidade que a IECLB não mais poderá prestar serviços pastorais e que os membros deveriam buscar outra igreja?
Em meu relatório ao XXV Concílio da Igreja, em Panambi, lancei a idéia da constituição de um fundo interparoquial de solidariedade, à semelhança do existente fundo de solidariedade entre os sínodos. Isso demandaria uma contribuição extra das comunidades a esse fundo, numa percentagem de sua arrecadação, para servir de apoio a essas comunidades pequenas ou também a comunidades temporariamente fragilizadas, como aquelas que sofreram perda de membros, com a saída de carismáticos. Essa idéia ainda não prosperou, mas está sendo considerada pelo grupo-tarefa encarregado de planejar o PAMI, em sua nova fase, para os anos 2008-2012.
Desafiado pela Presidência, o colega João Strauss, um de nossos pastores eméritos, aceitou o desafio de, sob orientação do respectivo sínodo (Rio Paraná), prestar atendimento a essa comunidade por períodos limitados (no caso, em períodos de algumas semanas). Não é uma solução definitiva, a qual ainda queremos encontrar, mas a comunidade ficou muito agradecida com essa experiência, e o colega João Strauss extremamente gratificado com a oportunidade, como expressou em sua carta-relatório. Daí que me animo a consultá-los/as: quem mais estaria disposto a auxiliar essa ou outra comunidade em condições semelhantes? Peço que quem assim estiver disposto, entre em contato com a Presidência manifestando sua disposição e as condições sob as quais poderia prestar esse apoio ministerial. Agradeço já agora considerarem essa possibilidade.
Um esclarecimento: certificado de habilitação
A pedido da Diretoria do Conselho da Igreja, também presto esclarecimento acerca da emissão do Certificado de Habilitação para os obreiros e as obreiras com ordenação na IECLB, inclusive aos/às eméritos/as. Como é sabido, o Estatuto do Ministério com Ordenação – EMO, aprovado no XXIII Concílio da Igreja, em 2002, em Santa Maria do Jetibá / ES, prevê a concessão de Certificado de Habilitação aos/às obreiros/as da IECLB. O Conselho da Igreja regulamentou sua concessão. Uma pergunta foi: o Certificado deve ser conferido apenas aos/às futuros/as obreiros/as ou também retroativamente? A decisão foi pela última hipótese. Também se levantou a pergunta se a concessão seria apenas aos/às obreiros/as “na ativa” ou também aos/às “na inatividade” (o título de “emérito/a” ainda não havia sido restabelecido). Mais uma vez prevaleceu a opinião de que deveria ser conferido a todos/as, indistintamente. Ou seja: o critério foi o de não excluir ninguém, não fazer qualquer diferença. Semelhantemente, decidiu-se também conferir o certificado com os mesmos dizeres, sem alterações.
Recebemos, de parte de obreiros eméritos, várias manifestações de contrariedade e mesmo de protesto com esse procedimento. A julgar pela correspondência, a medida foi sentida como uma desvalorização do ministério exercido, geralmente ao longo de décadas de dedicação e desprendimento. Houve quem sentisse até mesmo como se o Certificado de Ordenação não tivesse tido validade. Foi entendido como se apenas agora, após a concessão do certificado, a Igreja estava reconhecendo a habilitação ao ministério. Lamentamos profundamente que o sentimento gerado possa ter sido o de mágoa, porque o objetivo era precisamente o de valorizar e não excluir os/as obreiros/as eméritos. O objetivo e a reflexão da Igreja e sua Direção era e é este: “Precisamente porque os/as obreiros/as eméritos/as estiveram de fato habilitados ao longo de todo seu ministério na IECLB e porque ainda na condição de eméritos/as continuam habilitados, concede-se-lhes “agora” o Certificado de Habilitação, que antes ainda não havia na IECLB.” Pois, caso contrário, os/as obreiros/as “na ativa” passariam a ser possuidores de um Certificado de Habilitação que aos/às obreiros/as “na inatividade” se estaria negando. E isso, no nosso entender, seria verdadeiramente discriminatório e injusto para com os/as obreiros/as eméritos/as.
Chamo a atenção também para o fato de que Certificado de Habilitação e Certificado de Ordenação são de natureza diferente, e a habilitação não compete e de modo algum substitui a ordenação. O primeiro atesta a qualificação para o ministério, o segundo o comissionamento para o ministério na IECLB, mediante imposição de mãos e intercessão pelo Espírito Santo. É por isso que o primeiro é assinado pelo Presidente e pelo Secretário do Conselho da Igreja, enquanto que o Certificado de Ordenação é assinado pelo Pastor Presidente. Quanto à data dos certificados de habilitação conferidos retroativamente, ela deve ser entendida, para quem já exercia o ministério com ordenação, como a data do “certificado”, mas referente a uma “habilitação” já existente com anterioridade, desde o início da atividade ministerial na IECLB. Poder-se-ia ter optado por dizeres específicos para esses casos, como um pastor emérito sugeriu, mas optou-se por não fazer diferenças também aí, para não sugerir que teríamos na IECLB dois tipos de certificado de habilitação.
Aliás, a sensação de desvalorização do ministério passado poderia também ter ocorrido com os/as obreiros/as “já na ativa”. Felizmente, pelo que me consta, isso não ocorreu assim, talvez porque tenhamos conseguido comunicar melhor a eles/as em que sentido o Certificado estava sendo conferido. Em todos os momentos em que eu estive presente quando o Certificado de Habilitação foi conferido (a maioria dos sínodos organizou entregas coletivas, com alguma solenidade, por exemplo em culto ou em assembléia sinodal), tive o cuidado de esclarecer o sentido como aqui exposto. Eu próprio recebi o certificado, e é óbvio que o significado não poderia ser o de que o Pastor Presidente anteriormente não estava habilitado para o ministério.
Enfim, ainda que a decisão tomada pudesse ser discutível ou ter sido outra, peço com carinho que os/as colegas de ministério façam generosamente uso da “fórmula” recomendada por Lutero (em outro contexto, é claro) de “interpretar tudo da melhor maneira”.
Concluo reiterando o agradecimento da IECLB a todos/as vocês pelo seu ministério (que é um servir) e almejando que seja sempre uma realidade em nossas vidas a proclamação do lema desta semana:
“Do nascimento do sol até ao ocaso, louvado seja o nome do Senhor.” (Sl 113.3)
Fraternalmente, na paz de Cristo,
Walter Altmann
Pastor Presidente

Povo Luterano #
Carta Pastoral da Presidência
Que variedade, Senhor, nas tuas obras! Todas com sabedoria as fizeste; cheia está a terra das tuas riquezas. (Salmo 104,24)
O salmista, ao contemplar seu mundo, descobre nele as maravilhas do Deus Criador. Admira-se da sabedoria divina e enaltece a riqueza que há na criação. Talvez nem sempre seja fácil compartilhar o louvor do salmista. Pois, em nosso mundo existe também o crime, o mal, o sofrimento. E todavia, creio que somos convidados por este salmo a não permanecermos presos aos lados sombrios da vida. Há também maravilhas a admirar e benefícios a reconhecer. Não faltam os sinais da ação de Deus, seja natureza, seja na história, que são motivo de gratidão e esperança. Que Deus multiplique os sinais de Seu Reino entre nós e nos assista com o seu poder.
Ambas as coisas, as dificuldades e os sinais da ação divina, pude eu de certa forma experimentar nos quatro Concílios Regionais, dos quais ultimamente participei. Tiveram todos suas características próprias, devido à diversidade das situações e dos lugares, bem como devido ao enfoque do tema e da própria composição. Não faltaram conflitos. E todavia, creio poder dizer sem exagero que a IECLB está em movimento, que está tomando consciência do quanto é importante o seu testemunho, sim, que há despertamento. Ainda não temos alcançado o alvo. Muito resta a fazer. Mesmo assim, há motivos para a gratidão.
O assunto principal desta minha carta pastoral que, na verdade, já deveria ter sido escrita bem antes, é um problema sentido em nossa Igreja com crescente preocupação. Ainda não sabemos realmente como trabalhá-lo. É que gradativamente se acentua, também em nossa Igreja, a diferença entre membros em melhores e outros em piores condições de vida. O generalizado empobrecimento do povo brasileiro, do qual escapa apenas uma minoria, mostra seus nefastos efeitos em todos os sentido e dificulta o trabalho da IECLB e de suas comunidades. São atingidos especialmente os pequenos agricultores, os operários, mas também o pequeno empresário, comerciante e outros. A época em que os membros da IECLB apresentavam mais ou menos o mesmo nível de vida e eram raros os pobres entre eles, estes tempos infelizmente passaram. A situação social dos evangélicos luteranos se diversificou e o número de membros em situação econômica precária aumentou.
Que nos exige esta situação? É claro que o evangelho não permanece alheio a ela. Somos desafiados em nossa fé e em nosso amor. Que fazer?
1. Em primeiro lugar parece-me que devemos ver o que está realmente acontecendo em nosso País. Em outras épocas, talvez, ser pobre fosse culpa própria, resultado de irresponsabilidade, acomodação, preguiça.
Mas isto hoje é diferente. Vivemos em tempos em que o trabalho vale pouco. Somente quem tem é que progride, ou seja quem possui dinheiro, bens ou conhecimentos. A grande maioria dos pobres é vítima deste sistema. Não lhes dá chances. É importante ver isto para não fazermos juízos errados sobre quem empobreceu. Nossa política condena o pobre a permanecer pobre. Basta pensar na política salarial e de preços.
2. Em segundo lugar, acho que esta situação exige da comunidade cristã o empenho pela justiça. Os desequilíbrios sociais em nosso país são enormes. E são perigosos, porque provocam violência cada vez maior.
Mas não é somente por causa do perigo que comunidade cristã não pode conformar-se com este desequilíbrio. Não o pode por causa de seu compromisso com o amor. Este sofre com os que sofrem. Por isto devemos insistir em que seja feita mais justiça. Como? Talvez seja um assunto a ser discutido na comunidade . Lanço aqui a proposta.
3. Finalmente creio que a situação exige também que aprendamos, mais do que o estamos fazendo, a carregar as cargas uns dos outros (Gl 6.2). Somos desafiados a ajudar, dentro de nossas possibilidades. Somos desafiados a repartir. Isto vale, não por último, com relação à contribuição à comunidade. Já há muito falamos na “contribuição proporcional”, isto é, numa contribuição graduada, de acordo com as capacidades. De qualquer forma, não é justo que membros sejam desligados ou se desliguem da comunidade só porque não podem pagar a contribuição. Devemos ensaiar aí o amor fraternal, sem falsa vanglória de um lado e sem falso constrangimento de outro. É uma forma de equilibrar as cargas, ao menos em parte.
Naturalmente, na distribuição das cargas o aspecto econômico é um só. Existem outros. Também tempo, dons, capacidades, participação e colaboração são importantes e deveriam ser compartilhados. Aliás este compartilhar tão pouco em uso em nossa sociedade é um dos inconfundíveis sinais de comunidade cristã. Ela vive do evangelho, dizendo que Deus compartilhou tudo conosco. Deu seu próprio Filho em favor de nós. Como nós não deveríamos compartilhar pelo menos alguma coisa com os nossos irmãos e irmãs? O amor para tanto compromete.
Aliás, isto me faz lembrar uma outra coisa. Recebi convites do movimento “Renovação” para diálogos e palestras de Pastores dos Estados Unidos, do Luteranismo Carismático. Prometem avivamento comunitário e fazem muita missão em nossas comunidades. Sei que estão tendo algum eco.
Julgo ser o meu dever alertar que se trata de um movimento separatista. Além disto, creio que em nossa Igreja temos suficiente potencial para o despertamento, de modo que podemos prescindir desta ajuda. E finalmente lembro que o primeiro fruto do Espírito Santo não é nenhum fenômeno extático ou extraordinário, mas sim o amor (Gl. 5.22).
Era isto o que hoje lhes queria escrever. Falei de problemas e compromissos. Mas acima de tudo o que nos constrange está a promessa de Deus de não abandonar os que nele confiam. Que Ele nos dê força para sempre acreditarmos no que prometeu.
Porto Alegre, 19 de outubro de 1987
P. Dr. Gottfried Brakemeier
Igreja e Política #

Carta Pastoral da Presidência
Um dos assuntos mais candentes em nossas comunidades continua sendo a pergunta pela relação entre Igreja e política. Em minhas viagens, este sempre de novo tem sido um dos temas levantados em conversas com presbíteros e outros membros. Reside aí um problema. Ademais, estamos em época pré-eleitoral. Os partidos estão organizando suas campanhas, envolvendo logicamente também nossas comunidades. Houve um despertamento em nossa Igreja com respeito à responsabilidade política dos cristãos, saudado por uns, deplorado por outros. Em alguns casos isto tem conduzido a flagrantes tensões, razão para não deixar de trabalhar esta importante questão.
Aliás, tenho-me perguntado pela necessidade desta manifestação depois de ter recebido o posicionamento frente à questão político-partidária por parte dos pastores do Distrito Eclesiástico Guandu, ES. Considero muito boa esta palavra e recomendo seu estudo. Quem ainda não a conhecer certamente poderá solicitá-la junto ao mencionado Distrito. E todavia, julgo não ser supérfluo voltar à matéria, considerando sua importância para o futuro de nosso País e também da IECLB.
É sabido que nos encontramos em momento político particularmente difícil e decisivo. Também a Igreja de Jesus Cristo está por ele atingido. Não pode ficar alheia aos acontecimentos. Cabe-lhe motivar os membros a assumirem a parte da responsabilidade que lhes é devida. Engajamento político, empenho pelo bem comum, defesa da justiça é mandato de Deus e uma forma de servir às pessoas e ao próprio Criador. A tentativa de se esquivar desta tarefa significa tornar-se culpado no mandamento do amor, que na ação política possui um de seus mais eficazes instrumentos. Creio que esta deveria ser uma premissa comum de todo cristão luterano. A injustiça, a corrupção, a violência e a fome em nosso País desafiam a consciência cristã e necessariamente devem traduzir-se em ação a favor das vítimas de nossa sociedade e de uma ordem social mais justa. Como luteranos estamos impedidos de separar a fé e a política. Não são coisas estanques.
Da mesma forma, porém, não devemos confundir. Isto significa em primeiro lugar que, como Igreja e comunidade, não podemos identificar-nos com determinado partido. Na base comum do compromisso com a justiça e a promoção do bem deve haver espaço para adeptos de todos os partidos na mesma comunidade. Deve haver espaço para a discussão política e a boa concorrência de programas e propostas. É o que exigem as regras democráticas que todos queremos ver respeitadas. Igreja jamais é idêntica a um partido ou movimento popular, por maior apoio que possa merecer na defesa da causa justa.
Por isto mesmo, a Igreja também não pode vincular-se a uma determinada ideologia. Não é a ideologia que constitui a Igreja, mas sim a misericórdia de Deus. Ideologias são relativas, são produção humana, imperfeitas, portanto, e suscetíveis de abuso e corrupção. A ética sempre deve ter a prioridade. Na teoria, nem o capitalismo nem o socialismo são sistemas ruins; na prática, porém, a coisa é diferente. É porque de todos os sistemas e de todas as ideologias a Igreja deve "cobrar" a ética.
A postura luterana, de nem separar a fé e a política nem confundi-las, é difícil de praticar. Mas é a única forma de impedir abusos. A separação, além de fictícia, colabora com a corrupção das instituições políticas e favorece o arbítrio. A confusão, mediante exclusivismos ideológicos, destrói a comunidade e conduz, em última instância, a regime teocrático, autoritário, legalista. Deveríamos aprender do próprio Lutero: não hesitou de levantar a voz, apontando males de sua época, chamando a atenção das autoridades e exigindo mudanças estruturais. Lutero de modo algum foi pessoa apolítica, mas permaneceu livre diante dos partidos de então, resistindo à transformação do Evangelho em projeto político-social. Soube distinguir entre Igreja e Estado. Certamente cometeu erros. Ainda assim, permanece exemplar seu propósito de evitar tanto a mistura de fé e política quanto o divórcio de ambas.
Em nosso País precisamos de uma nova maneira de entender e fazer política que tenha credibilidade, que priorize a ética e a democracia e se baseie em competência. A comunidade cristã para tanto muito tem a contribuir.
Concretamente propomos:
1. Procurar espaços para discutir o compromisso político de cristãos e Igreja na comunidade. Isto, sem postura autoritária, antes com o propósito de promover um processo de aprendizagem. Não cabe à Igreja dirigir o processo político, nem de favorecer determinados candidatos ou partidos. É sua tarefa, isto sim, contribuir para a formação de uma consciência política responsável, capaz de avaliar a qualidade das propostas partidárias. A fim de conseguir este objetivo, é desnecessário, sim desaconselhável, que o discurso pastoral tenha por conteúdo expresso e repetitivo os temas das campanhas eleitorais. Estaríamos ameaçados de confundir Igreja e política nos termos acima expostos. Projetos políticos não são assuntos para a pregação, mas para a discussão. A comunidade precisa, ela mesma, descobrir seu compromisso polítíco a partir do Evangelho, em reflexão sóbria e crítica.
2. Convidar candidatos e candidatas aos cargos de prefeito o vereador (sobretudo evangélicos), a fim de ouvir suas propostas bem como seu diálogo mútuo, e de fazê-los sentir as expectativas da comunidade e as exigências do próprio Deus. Temos um dever com aqueles e aquelas que disputam cargos públicos. Devemos manifestar-lhes nossa crítica e nossa solidariedade. Muito preconceito provém da desinformação, e é deplorável quão pouco os políticos de nossa Igreja costumam saber a respeito da postura e “linha” de sua Igreja. Isto é sinal de uma omissão. Os políticos precisam e têm o direito à assessoria crítica por parte da comunidade.
Ainda outras iniciativas locais, distritais e regionais são possíveis e imagináveis. Assuntos políticos costumam ser conflitivos. Mas a comunidade cristã deveria ter a força para suportar e vencer as tentações justamente por saber que todos somos dependentes do perdão e da graça de nosso Senhor. Que Deus nos ajude e nos liberte para uma ação que se oriente em Sua vontade.
Porto Alegre, 16 de agosto de 1988
P. Dr. Gottfried Brakemeier



Manifesto AIDS #
Carta Pastoral da Presidência às Comunidades da IECLB
Ano: 1989
Presidência: P. Dr. Gottfried Brakemeier
1. Entre as grandes preocupações da atualidade está a "Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (= SIDA), conhecida como AIDS. Trata-se de uma doença causada por um vírus, o HIV, que destrói o sistema imunológico do corpo humano, provocando a morte. É bem verdade que outros males, sobretudo a fome, por ora causam bem mais vítimas em nosso País. Ainda assim, a AIDS parece constituir-se num dos maiores flagelos da humanidade em futuro próximo. Desafia, não por último, a comunidade cristã. Lembramos:
1.1. A doença progride em proporção geométrica. O número de pessoas infectadas duplica em períodos cada vez menores. Nem sempre a doença realmente se desenvolve. Pode permanecer latente. Entretanto, toda pessoa portadora do vírus é uma potencial transmissora do mesmo. Conforme estimativas inoficiais já ultrapassa a casa dos 800 mil o número de infectados somente no Brasil.
1.2. A AIDS é uma doença que, ao manifestar-se, é fatal. Ainda não está em vista uma vacina que imunizasse contra ela, nem mesmo um remédio que de fato curasse.
1.3. O contágio acontece através de sangue e de relações sexuais íntimas. Está sendo afetado, pois, o comportamento sexual das pessoas, motivo de uma inibição que pode colaborar com a proliferação da praga.
1.4. Em seus princípios, a AIDS era uma doença nitidamente concentrada em assim chamados grupos de risco, ou seja homossexuais, drogados (por usarem a mesma agulha de injeção), hemofílicos (por dependerem de periódicas transfusões de sangue), prostitutas. Hoje já não é mais bem assim. Toda pessoa obrigada a se submeter a uma cirurgia e receber sangue alheio está ameaçada. Ademais, também relações heterossexuais, com parceiros diversos, desconhecidos, representam um fator de risco. O uso da "camisinha" pode reduzir, mas não eliminá-lo.
1.5. Assim sendo, a AIDS já passou à condição de doença endêmica, sim pandêmica. Ninguém está seguro contra ela. Atinge predominantemente pessoas jovens, adultas, na “flor da idade". Mas também não poupa crianças e idosos.
2. As reações das pessoas a esta terrível ameaça são contraditórias:
2.1. Observa-se, de um lado, uma perigosa indiferença. Há pessoas que não se importam, talvez por se julgarem “fora de perigo” ou por assumirem uma atitude fatalista. Não procuram proteger-se a si mesmas nem a outros. Um exemplo: doar sangue é uma boa obra, necessária para salvar vida. Ninguém contrai AIDS dessa forma. Mas deve-se deixar de fazê-lo quando se sabe ser portador do vírus ou quando se tem dúvidas a respeito. Pais devem falar com os filhos sobre o problema dessa doença. Precisa haver esclarecimento na escola, e nem na Comunidade o tema deveria ser um tabu. Indiferença não deixa de ser atitude culposa.
2.2. De outro lado existe um verdadeiro pânico. Isola as pessoas infectadas e as joga ao abandono, muito à semelhança do que acontecia com os leprosos no tempo do Novo Testamento. Assim é multiplicado o sofrimento dos doentes. Não é por qualquer coisa que se dá o contágio. Não se transmite a doença por contato ou abraço, pelo uso dos mesmos talheres ou dos mesmos banheiros, e muito menos pelo uso do mesmo cálice na Santa Ceia. Não há motivos para perder a cabeça.
2.3. Uma terceira atitude é a que rejeita os aidéticos por motivos morais. Seriam pecadores, castigados por Deus, amaldiçoados. Tornaram-se conhecidas verdadeiras tragédias familiares: membros que contraem a doença são simplesmente excomungados. Ser aidético, isto para muitos ainda hoje é escandaloso. Parece revelar, sem margem de dúvida, pecado cometido. Desta forma, porém, os aidéticos devem suportar não somente os males de sua doença como também a amargura de uma brutal condenação social. Será justo isto? Quem está pecando?
3. Devido aos aspectos pastorais, morais e humanos que estão em jogo, necessário se faz uma reflexão a partir do Evangelho. Como posicionar-se? Antes de mais nada importa esclarecer a relação entre doença e pecado.
3.1. Não é raro ouvir-se dizer que AIDS é o justo castigo de Deus para o libertinismo sexual, as drogas e outras aberrações da atualidade. Tal juízo é perigoso. Pode incorrer em injustiça. Posso eu dizer exatamente quem merece o juízo de Deus, quem não? Jesus assumiu atitude diferente (cf Lc 13.1s). Ademais, não será arrogante tal juízo emitido por quem se considera "justo"? No Novo Testamento, doença é sem dúvida um mal. Mas Jesus não admite seja interpretado como castigo para determinadas pessoas (cf Jo 9.1 s). Que toda doença seja um castigo de Deus é opinião pagã, não cristã. Naturalmente, pode haver culpa na contração de certas doenças. No entanto, proíbe-se equacionar doença e pecado. AIDS atinge muita gente que, humanamente falando, é inocente. Quem tem a coragem de dizer ser castigo de Deus?
3.2. Aliás, é muito comum tentar-se fazer uma distinção entre aidéticos “inocentes” e outros “culpados”. Aos primeiros pertenceriam as vítimas de transfusões de sangue; os culpados seriam os demais. Novamente é preciso alertar para a injustiça que desta forma se poderá fazer. Separar entre o joio e o trigo (Mt 13.24 s) também neste caso vai terminar em desastre.
3.3. No fundo, porém, toda esta discussão sobre culpa e pecado é supérflua quando se trata de socorrer os doentes. Jesus não excomungou os pecadores. Manteve com eles comunhão de mesa (cf Lc 15.2). Não aprovou o pecado. Entretanto não fez depender sua ajuda de méritos ou dignidade. Se nós negarmos ajuda e comunhão aos que são considerados ou que realmente são pecadores, nós nos colocamos fora da comunhão com Jesus. Porventura não pertencemos também nós aos pecadores? Comunidade cristã é a comunhão dos pecadores agraciados. É por isto também uma comunidade terapêutica. Somos chamados a nos ajudar mutuamente. Um exemplo de tal ajuda temos nos quatro homens que não se renderam diante das dificuldades até terem posto o paralítico aos pés de Jesus (Mc 2.1 s). Culpa, se de fato existe, não é motivo para negar aos aidéticos a ajuda e a proximidade humana.
4. “Percorria Jesus toda a Galiléia ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o povo” (Mt 4.23). Nosso poder de cura não é igual ao de Jesus. Especialmente frente à AIDS sentimos dolorosamente nossas limitações. Ainda assim, alguma coisa é possível fazer.
4.1. AIDS é uma doença mortal, mas em princípio evitável. Há como se proteger:
4.1.1. Em primeiro lugar é necessário buscar a informação. Existe por demais ignorância e preconceito. Falta a informação sólida, capaz de evitar tanto o comportamento leviano quanto temores infundados. Como já dizíamos, não há razões para a histeria. Chamamos atenção à Revista do CEM, por exemplo, Ano X, Nº 2, de 1988, com o tema AIDS; ou à revista CONTACT, Nº 56, de 1987, da Comissão Médica do Conselho Mundial de Igrejas. Não falta o material informativo. Ademais, a Comunidade pode convidar médicos ou outros especialistas para palestras ou até cursos. De qualquer modo, a informação é fundamental. Ignorância favorece a doença, facilita o contágio e bloqueia a terapia.
4.1.2. Precaução contra a AIDS exige comportamento sexual responsável. Promiscuidade, troca de parceiros ainda que esporádica, prostituiçãp representam fatores de alto risco; enquanto parceria e relação matrimonial estável asseguram eficiente proteção.
4.1.3. Importa insistir junto ao Ministério e às Secretarias de Saúde haja rigoroso controle do comércio de sangue. Grande parte dos infectados em nosso País contraiu a doença em razão da falta de tal controle.
4.1.4. Embora a convivência normal com aidéticos não corra o risco do contágio, recomenda-se cuidar da higiene, inclusive para proteger o próprio aidético. Certamente não há motivos para exageros. Mas negligência acarreta danos.
4.2. Os aidéticos, eles mesmos, têm responsabilidade em barrar o curso da doença e evitar a transmissão. Já nos referimos ao exemplo da doação de sangue. É claro que a responsabilidade é bem maior. AIDS requer comportamento ético em todos os sentidos. Requer também o respeito dos doentes aos sãos.
4.3. De igual forma, porém, os sãos devem o respeito aos aidéticos. Está comprovado que a falta de solidariedade e a rejeição aceleram em muito o ritmo da doença. A excomunhão do aidético colabora com sua morte. Assim como todos necessitamos do ambiente familiar e social para nosso bem-estar, assim também o doente. Lembremo-nos mais uma vez do exemplo de Jesus: deu sua companhia aos doentes e os curou. Comunhão tem força terapêutica. Comunidade cristã sabe disto. É por que solicitamos:
4.3.1. Que as famílias não excluam seus eventuais membros aidéticos, mas que tentem carregar com eles o fardo da doença.
4.3.2. Que o aidético não seja abandonado nem mesmo na fase terminal da doença. Amor ao próximo enfrenta neste e em semelhantes casos um de seus maiores testes de autenticidade.
4.3.3. Que os próprios aidéticos tratem de se socorrerem mutuamente, encontrando-se e procurando estabelecer formas de comunhão.
4.3.4. Que na comunidade cristã haja voluntários que, em casos concretos, estejam dispostos a prestar auxílio.
4.3.5. Que os órgãos governamentais cumpram a parte que lhes é devida no combate à doença e na assistência aos doentes.
4.4. A AIDS, por sua vez, confronta o ser humano com a perspectiva da morte. Não deixa de ser um problema espiritual. Ceifa, não raro, pessoas jovens. Exige dos doentes e dos que os acompanham enormes energias psíquicas. AIDS lança as pessoas em profundas crises. Nelas as forças da fé são vitais. Por isto é importante a oração, a aprendizagem da obediência a Deus, a comunhão dos irmãos e das irmãs. Diz o Novo Testamento ser a fé a vitória que vence o mundo (1 Jo 5.4). É capaz de vencer também a AIDS.



Crise Interna #

Carta Pastoral da Presidência
Um novo ano iniciou, mas as marcas do passado nos acompanham. Grandes incertezas pesam sobre nós. No momento em que escrevo ainda é desconhecido o desfecho que terá a crise do Golfo Pérsico. Da mesma forma angustia a dramática situação econômica em nosso país, ameaçando agravar ainda mais a violência, o desemprego, a miséria e outros males sob os quais sofremos.
Essa situação de incerteza e temores talvez explique em parte a preocupação que me faz escrever e que julgo dever compartilhar. Multiplicaram-se, no decurso do ano de 1990, os sinais de estafa e desânimo na IECLB. Cresceram os conflitos e as tensões, exteriorizando-se não raro em agressões, desabafos ou manifestações de resignação. Voltaram a se acentuar diferenças teológicas, regionais e grupais, envolvendo instituições, comunidades e órgãos diretivos.
É claro que o clima geral reinante no país se projeta também dentro da Igreja de Jesus Cristo. Os problemas financeiros, a necessidade de cortes orçamentários, enfim a falta de perspectivas a curto e médio prazo, tudo isto não deixa de afetar a vida eclesial. E todavia, os problemas externos não explicam de todo a crise interna. Aliás, não sei, se de fato devemos falar em crise. Mas os sinais são numerosos e merecem nossa atenção a fim de não prejudicarmos nossa missão.
Uma Igreja, na verdade, não se distingue em muito de qualquer instituição humana. Por isto também os conflitos fazem parte de sua vida.
Há interesses e convicções diferentes entre os seus membros, e suas estruturas e necessidades em muito se assemelham às de outras organizações. Ainda assim, nem tudo deve ser igual ao que é usual no mundo. Permito-me lembrar que, além de instituição humana, somos uma comunhão de pessoas que agradece a Deus pelas suas dádivas e suas promessas. Somos uma comunidade de culto e adoração. Simultaneamente, o Evangelho nos chama a uma nova maneira de viver, a dar o nosso testemunho e a servir à vida. E nisto se inclui, de modo privilegiado, a forma de enfrentar dificuldades, de conviver e de resolver conflitos. Caso contrário perderemos a credibilidade.
Tentando interpretar o que isto significa eu diria o seguinte:
1. Fundamental é a renovação diária de nossa fé. Deus está acima de nossas dificuldades e também acima de nossas imperfeições. Sem esta convicção não vamos longe. Vamos antes afundar em nossas rixas, culpar-nos mutuamente da desgraça e perder o fôlego na caminhada.
Sem a fé o amor enfraquece e a comunidade se desfaz.
2. Como comunidade de Jesus Cristo temos uma missão comum. É a causa maior que nos compromete e que sempre de novo deveria prevalecer por sobre questões de ordem pessoal. O individualismo destrói a comunidade. O mesmo efeito devastador têm a luta por poder, a vontade de se impor e de ganhar projeção. Não é a Igreja que nos deve servir, mas nós devemos servir à Igreja e às pessoas a que Deus nos envia.
3. Na Igreja jamais houve unanimidade de opinião. Dentro de certos limites, é legítima e até necessária a pluralidade. A variedade de situações e experiências, bem como fatores individuais, sociais e culturais diversificam as manifestações da fé. Unidade cristã jamais significou uniformidade. É dinâmica, alicerçada no mesmo espírito (1 Co 12,3s), envolvida em permanente processo de aprendizagem. Por isto, cumpre-se admitir diferenças na comunidade e aprender a trabalhá-las. Para tanto é indispensável a arte do diálogo, a busca do parceiro, a dinâmica da interação. É preciso argumentar em vez de condenar, é preciso ouvir e entender antes de excluir. “O amor é paciente, é benigno, o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece...” (1 Co 13,4).
4. A Igreja não é uma empresa com patrões e empregados. Ela é o corpo de Cristo e por isto uma comunhão de irmãos e irmãs. Conseqüentemente não cabe o pensamento sindicalista. Nas divergências importa tentar o entendimento mútuo, o apelo ao bom senso, ao espírito da fraternidade. Caso contrário, a comunidade vai dissolver-se em facções antagônicas, tornando-se incapaz de agir como um todo.
5. Não poucos conflitos na Igreja têm raízes econômicas. Há membros em melhores e outros em piores condições de vida. Embora esteja fora do alcance da Igreja resolver o problema à parte da sociedade em que vive, cabe-lhe ensaiar a lei de Cristo, dizendo: “Carregai as cargas uns dos outros...” (Gl 6,2). O tratamento mútuo que nos é devido tem muito a ver com justiça e a disposição de repartir onde há necessidade. Justamente na atual situação de generalizado empobrecimento, este aspecto é da mais alta relevância.
6. Naturalmente, também na Igreja se deve lutar. Todos temos os nosso defeitos, e também a Igreja os tem. Mas a metodologia deve ser evangélica, tentando ganhar os irmãos e as irmãs, não perdê-los. Deve haver misericórdia na crítica, bem como respeito no estilo do tratamento, mesmo que sejamos “minoria vencida”. Quem deve vencer na Igreja é o próprio Cristo, a sua verdade e a vida que ele dá.
Para tanto não precisamos apenas da contestação. Precisamos sempre mais de propostas construtivas e de projetos viáveis, o que exige um decidido esforço conjunto.
Apresento estes pensamentos como subsídio para estudo individual ou em grupo, em reuniões do presbitério, conferências de obreiros e obreiras e outras oportunidades, a fim de serem avaliadas suas razões e as conseqüências práticas. A IECLB é uma Igreja com grandes potencialidades e uma grande missão no contexto social e ecumênico brasileiro. Tanto mais necessário se faz não dispersar as energias em inúteis conflitos internos e, sim, concentrá-las na solução dos desafios à nossa frente. A hora é de somar esforços e de facilitar-nos mutuamente o trabalho. É tarefa de todos os membros. Que o ano de 1994 nos aproxime desta meta e que Deus nos dê a força para tanto.
Porto Alegre, 09 de janeiro de 1991
P. Dr. Gottfried Brakemeier

Unidade na IECLB #
Carta pastoral da Presidência
Sejam sempre humildes, bem educados e pacientes, suportando uns aos outros com amor.
Façam tudo para conservar, por meio da paz que une vocês, a união que o Espírito dá. (Efésios 4.2,3)
Em nosso mundo só progride e cresce quem pode competir. Instala-se uma luta pelo poder científico, tecnológico e econômico. Na beira da estrada do progresso ficam as vítimas da luta pelo poder. Essa realidade competitiva também envolve as igrejas, fazendo-as competir no “mercado religioso”. Os meios de luta que se usam nem sempre são tão puros, por mais piedosos e religiosos que se apresentem.
No convívio entre os discípulos de Jesus já havia problemas de competição e luta pelo poder. E Jesus os desafiou dizendo: se alguém quer ser o primeiro, deve ficar em último lugar e servir a todos (Mc 9.35). Nas comunidades da Igreja Antiga não era diferente. Podemos deduzir isso das admoestações na carta aos Efésios acima transcritas. Elas se dirigem para dentro de uma realidade em que justamente se manifesta o contrário de humildade, boa educação, paciência e amor. Aparentemente era difícil suportar uns aos outros e cultivar a unidade. Por isso a recomendação de empenhar-se pela preservação da união.
A unidade está em Cristo que por nós morreu na cruz e ressuscitou para que tivéssemos aquela esperança que conduz à vida eterna todas e todos que nele crêem. Por isso, ELE é a nossa paz (Ef 2.14). Por meio do Santo Batismo somos incorporados no corpo de Cristo, na grande família de Deus. Essa membresia e essa fé é um presente, dado por Deus. A salvação não é resultado dos esforços de vocês; portanto, ninguém pode se orgulhar de tê-la (Ef 2.8,9). Por gratidão, pois, servimos uns aos outros, já que Cristo nos serviu, serve e servirá. Sendo ELE o cabeça, o Senhor ao qual com grata alegria nos subordinamos, somos livres para nos sujeitarmos uns aos outros (confira Ef 5.21). Não temos mais necessidade de sermos donos da verdade, mas procuramos compartilhar o poder de decisão.
Esse é o desafio para o relacionamento de obreiras e obreiros entre si e desses com líderes leigos. Em conjunto são co-responsáveis pela missão de Deus, na e através da comunidade, do sínodo e da igreja como um todo. Contudo, cada qual tem sua tarefa específica, em seu respectivo âmbito, devendo prestar contas, diante de Deus e das pessoas. Isso está devidamente regulamentado nos documentos normativos da igreja.
O primeiro e o último documento normativo da igreja é a Bíblia (AT e NT). Ela é o testemunho de fé de diferentes pessoas em diferentes tempos e lugares. Isso explica o fato de haver maneiras distintas de falar sobre a história de Deus com o mundo. Apesar de toda peculiaridade, porém, testemunham sobre o mesmo Deus que faz encarnar o seu amor em tempos e situações específicos. Esse amor, que tomou forma concreta e singular, na pessoa e obra de Jesus Cristo, é o fio vermelho que perpassa toda a Bíblia. É a chave para entender bem a intenção e a mensagem de todo texto bíblico. Ele precisa de interpretação contextualizada. Por causa disso Paulo afirma que a fé vem pela mensagem e a mensagem vem por meio da pregação a respeito de Cristo (Rm 10.17).
Justamente em torno dessa afirmativa surgiram contendas e divisões na igreja. Exemplo ilustrativo disso já existe em 1 Co 3. Mil anos depois, a própria igreja se dividiu em uma do ocidente e outra do oriente. A nossa igreja luterana surgiu, não por vontade de Lutero, mas por causa de sua excomunhão, por volta de 1530 d.C. Posteriormente houve subdivisões em outras igrejas evangélicas, processo que ainda continua acontecendo.
Se perguntarmos pelas causas de tanta desunião, certamente encontraremos muitas respostas e razões mais ou menos convincentes. No fato de haver tantas igrejas cristãs se manifesta, por um lado, a multiformidade da expressão de fé e, por outro, a limitação, a impaciência e o desamor humanos. E isso de maneira quase simultânea. É verdade que a fé não existe em forma pura, evidente e duradoura, mas a temos em “vasos de barro” (2 Co 4.7), quer dizer, em formas vulneráveis, ambíguas e transitórias.
O fato de haver muitas igrejas cristãs diferentes no mínimo é ambivalente. Apesar disso, Cristo não se envergonha de lhes emprestar o seu nome. É esse o milagre do Verbo que se fez carne (Jo 1.1ss.); e a encarnação continua depois de Natal e Pentecostes, até os nossos dias.
Assim como cada família se caracteriza por seu nome, sua origem, seu lugar, sua cultura, sua religião e seu nível social, assim também cada igreja define sua identidade. Já vimos que não basta dizer que a Bíblia é a única norma, pois vemos necessidade de lê-la a partir e com vistas a Cristo (Lutero a lia perguntando pelo que move e promove a Cristo). Com critério tão elevado, porém, a mãe e o pai não podem ensinar a fé para seu filho. Por isso Lutero escreveu os Catecismos Maior e Menor, que resumem o cerne do evangelho como dádiva comprometedora. Atualizam e contextualizam os Credos da Igreja Antiga. Representam, pois, mais dois elementos normativos da nossa identidade luterana. Um outro elemento normativo é a Confissão de Augsburgo, escrita por Melanchthon com o aval de Lutero. Ela foi apresentada, em 1530, aos líderes da igreja ocidental como instrumento reconciliador para evitar a cisão, não obtendo, porém, o êxito intencionado. Bíblia, Credos Antigos, Catecismos Menor e Maior e Confissão de Augsburgo, portanto, são os documentos normativos da IECLB, que nos integram na grande família luterana.
Não podemos ignorar, porém, que desde Lutero já se passaram quase 500 anos. O tempo e o lugar em que ele escreveu com determinada intenção, mudaram. Assim como não estamos em Corinto no tempo de Paulo, nem na Alemanha no tempo de Lutero, mas no Brasil no ano de 2001, há necessidade de articular e concretizar, para dentro de nosso contexto, a fé em Cristo que atua pelo amor. É por isso que a nossa igreja, quando se formou como IECLB em 1968, se deu uma Constituição, que foi profundamente reformada em 1998. Ela é detalhada e contextualizada pelos seguintes documentos normativos com caráter complementar: Regimento Interno (RI), Estatuto do Exercício Público do Ministério Eclesiástico (EEPME), Regulamentos do Exercício Público dos Ministérios (Pastoral – REPMP, Catequético – REPMC, Diaconal – REPMD e Missionário – REPMM). Esses documentos complementares formam o segundo nível de documentos normativos. Mas isso ainda não bastou para definir e contextualizar a missão da IECLB. Por isso surgiram documentos com caráter de orientação e posicionamento doutrinário quanto à confessionalidade, prática da vida comunitária e da missão. Trata-se de normas emitidas pelo Conselho da Igreja, ou pela Presidência em colaboração com os Pastores Sinodais, ou mesmo aprovados em Concílio. Neste terceiro nível de normas constam documentos como por exemplo: Manifesto de Curitiba (1970), Catecumenato Permanente (1974), Nossa Fé Nossa Vida (1980), Ministério Compartilhado (1994), Manifesto de Chapada dos Guimarães (2000). Esses documentos exemplificam bem a constante preocupação em atualizar e contextualizar a missão de Deus na comunidade e através dela.
A visão do Ministério Compartilhado influenciou fortemente a nova Constituição e o novo Regimento Interno da IECLB, aprovados no Concílio de 1998. É óbvio que esses documentos normativos são comparáveis a um esqueleto que precisa ser preenchido com carne, ou seja, com vida. Nesse sentido a Presidência, em colaboração com os Pastores Sinodais, elaborou o documento orientador IECLB às portas do novo milênio (1999). Ele atualiza nossa identificação de Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, para dentro do atual contexto.
Outrossim, o documento IECLB no pluralismo religioso auxilia obreiras e obreiros e pessoas colaboradoras e líderes para que possam dar resposta sobre a nossa fé evangélica de confissão luterana, em meio ao atual mundo religioso. Objetiva afirmar positivamente quem somos, como vivemos em comunidade, como realizamos culto e como servimos nesse mundo pluralista. Justamente para viabilizar a nossa convivência em comunidade, sínodo e IECLB e para melhorar os resultados de nossa ação missionária, necessitamos de um mínimo de consensos em torno dessas bases norteadoras (p. 2). O documento identifica os paradigmas e os parâmetros dentro dos quais exercitamos ampla e criativamente a liberdade de celebrar culto luterano, realizando nossa presença e ação missionárias. Essa ampla área é identificada, em analogia ao semáforo, pelo sinal verde. Estabelece sinais de alerta (amarelo) para evitar que o testemunho se dilua, ou mesmo, se perca em meio a tantas ofertas religiosas. Tudo o que, de alguma forma, ultrapassa esses limites, põe em cheque a nossa identidade e confessionalidade luteranas e, como tal, não contribui em nada para a construção e edificação de comunidade da IECLB. Pelo contrário, desintegra a comunhão e prejudica a nossa contribuição específica. Observamos, pois, os sinais de vermelho, pensando em nosso próprio bem, em termos de integridade comunitária de IECLB. Ao mesmo tempo, honramos os limites, visando a força e eficácia do testemunho missionário luterano no mercado religioso. Os sinais vermelhos, portanto, não nos querem cercear a liberdade, mas garantir aquele mínimo de consenso, necessário para a convivência fraterna e indispensável para a credibilidade de nosso testemunho missionário (p.2). O XXII Concílio da Igreja (outubro de 2000), segundo ata, reforçou que o documento está em vigor e que seja efetivamente aplicado.
A IECLB precisa ser missionária se é que quer ser da Igreja de Cristo. Precisa crescer, portanto, no sentido mais amplo da palavra. Contudo, não queremos crescer a qualquer preço, aceitando acriticamente conceitos da teologia da autojustificação, ou seja, da prosperidade, da justificação por obras. Tampouco podemos aceitar práticas litúrgicas alheias à confessionalidade luterana. Queremos e devemos crescer, sim! Mas crescer, sobretudo, na fé que age por meio do amor (Gl 5.6). A aprendizagem e a prática da fé representam a qualidade do crescimento que, certamente, terá também conseqüências numéricas e quantitativas.
O Plano de Ação Missionária da IECLB, igualmente aprovado no Concílio de 2000, compromete a nós, comunidades, sínodos, entidades, instituições e movimentos na IECLB, com o mesmo desafio de Recriar e criar comunidade juntos para que haja Nenhuma comunidade sem missão e Nenhuma missão sem comunidade! Define a comunidade como objeto e instrumento da missão de Deus no mundo. Ela acontece pela vivência solidária e terapêutica em comunidade bem como pelo ultrapassar de quaisquer fronteiras.
Esse ultrapassar, porém, requer muita consciência da própria identidade. Ela não é algo estático, absoluto, mas é dinâmica e se sabe em constante processo. Mas justamente por isso ela necessita de referenciais e paradigmas. É nesse sentido que esses documentos devem ser entendidos e observados em todos os níveis. Caso contrário, quebramos a unidade de corpo, chamada IECLB, que faz parte do corpo de Cristo.
Acompanhamento e avaliação acontecem em todos os níveis. Começa na comunidade onde obreiro e obreira em co-responsabilidade com o Presbitério e o Conselho Paroquial devem zelar pela identidade e a unidade confessionais. Em segunda instância, o mesmo vale em nível sinodal onde o Pastor Sinodal em co-responsabilidade com o Conselho Sinodal assessoram e instrumentalizam as comunidades em sua tarefa missionária, inclusive exercem o ordenamento jurídico e doutrinário, em nome da IECLB. Em terceira instância, a Presidência, assessorada pela reunião dos Pastores Sinodais, procura estar atenta às necessidades constantes de contextualização de nosso testemunho. Elabora, em conjunto e com o aval do Conselho da Igreja, metas e critérios missionários, norteadores para toda a igreja. Sobre a questão de monitoramento fala o item 5.11 do documento IECLB no pluralismo religioso.
Os documentos orientadores definem a releitura necessária e legítima dos documentos normativos. Objetivam contextualizar e atualizar nossa presença e ação missionárias para hoje. Como orientação nos unem e nos comprometem numa mesma missão e, por conseguinte, devem ser estudados e observados.
Assim, saúdo a todos, irmãs e irmãos em Cristo, por meio da admoestação apostólica:
Façam tudo para conservar, por meio da paz que une vocês, a união que o Espírito dá.
Ano de 2001
P. Huberto Kirchheim


Coleta em favor dos povos indígenas #

Carta Pastoral da Presidência
Ano: 1998
Presidência: P. Huberto Kirchheim
1 - Em nossa caminhada através do Ano da Igreja estamos na época da Paixão ou da Quaresma. É tempo de reflexão e penitência na contemplação daquele que leva sobre si o peso de pecado e mal. Ele veio para nos libertar e nos chama para segui-lo. Por isso o lugar dos cristãos é junto a Cristo e sua comunidade. Na comunhão do culto e da santa ceia podemos experimentar sua presença entre nós, ouvir sua voz, ter a vida de fé renovada e fortalecida.
Neste sentido saúdo as irmãs e os irmãos com a palavra de Jesus, lema para este mês de março: Eu sou a videira, e vocês são os galhos. Quem está em mim e eu nele, esse dá muito fruto, porque sem mim vocês não podem fazer nada. (João 15.5) Rogo que busquem vivenciar em sua comunidade esse “estar em Cristo” como o lugar da salvação, como a grande oferta da graça de Deus que nos renova e justifica e nos ajuda a trazer frutos de fé, de amor e esperança. Sem ele nada podemos fazer de útil para a missão, para o reino de Deus e seus propósitos de salvação para com o mundo. Mas permanecendo ligados à videira, recebemos dela a força para crescer, para promover a paz e a vida no nosso contexto.
2 - As necessidades que para isso nos desafiam são muitas. Mas hoje quero destacar principalmente o seguinte: no calendário secular brevemente teremos o Dia do Índio, 19 de abril, motivo de reflexão.
2.1 - No passado, os colonizadores entraram no mundo frágil das famílias indígenas com muita violência, semeando destruição. Em várias partes do Brasil isso continua acontecendo, e os índios são sempre o lado mais fraco. Nos inícios da IECLB, também muitas comunidades se estabeleceram em territórios indígenas. Isso trouxe sofrimento para ambos os lados, mas especialmente para as famílias indígenas que, com raras exceções, foram expulsas de suas terras e roubadas em sua dignidade e cultura. Depois de muitas dificuldades começou a surgir nas comunidades da IECLB uma nova consciência, passando-se a olhar os povos indígenas com mais respeito e responsabilidade. Isso fez com que cada vez mais pessoas e comunidades se envolvessem na defesa dos direitos dos povos indígenas; que a IECLB há muitos anos tenha a questão indígena como uma de suas prioridades, e que, em 1982, criasse o COMIN-Conselho de Missão entre Índios como um serviço específico em nível nacional. O COMIN é um órgão da Igreja. Seus conselheiros e conselheiras são nomeados/as pelo Conselho da Igreja e têm como tarefa coordenar e administrar o trabalho missionário junto aos povos indígenas como um todo.
2.2 - Pelo COMIN a Igreja presta um serviço de reconciliação, que vem sendo realizado com muita dedicação por obreiros, obreiras e membros da IECLB. Este serviço tem recebido o apoio pastoral e financeiro de Igrejas e entidades do exterior. Aprofundou-se a reflexão em torno da questão indígena e do compromisso da nossa fé com esta missão específica. Cresceu o número de conselhos e grupos de apoio e melhorou a qualificação das pessoas que trabalham diretamente com povos indígenas. Com isso também cresceu o apoio teológico, político e financeiro de pessoas e comunidades da própria IECLB. Por sinal, as coletas para o trabalho junto aos povos indígenas figuram entre as mais expressivas. Isso é motivo para louvar a Deus e para agradecer, em nome da IECLB e do COMIN, por este envolvimento de irmãos e irmãs com os povos indígenas. Desta forma estão compartilhando bênçãos de sua reconciliação com aqueles que durante os últimos 500 anos foram constantemente perseguidos, sendo reduzidos de 5 milhões para somente 300 mil, aproximadamente. E estes em sua grande maioria vivem em miséria e discriminados pela sociedade.
2.3 - Continuamos, pois, em débito para com os remanescentes dos habitantes mais antigos de nosso País. Sem dúvida pertencem aos mais humildes dos irmãos com os quais Jesus se identifica em sua palavra sobre o juízo final (Mateus 25).
A coleta do domingo da Páscoa - 12 de abril - se destina em favor deles. Ao ser recomendada ao amor de vocês, pedimos “em nome de Cristo, como se o próprio Deus estivesse pedindo por meio de nós”: manifestem sua solidariedade e sua disposição de colaborar com esta causa, façam dádiva generosa - dádiva de gratidão porque Deus tem sido generoso conosco ao reconciliar-nos consigo e dar-nos lugar na comunhão do seu Povo. Enxertados na videira podemos dar muito fruto.
2.4 - Para maiores informações sobre a causa indígena e os desafios daí decorrentes, recomendo-lhes a leitura do folheto Conselho de Missão entre Índios, anexo. O COMIN pode fornecer mais exemplares. Divulguem-nos. Contribuam com crítica construtiva e sugestões, com orações e doações para que a missão entre índios possa ser melhor desenvolvida. Lembrem que, neste ano, continuamos refletindo sobre o tema Aqui Você Tem Lugar! e queremos tratá-lo sob o enfoque da missão de construir Comunidade Solidária. A solidariedade por amor de Cristo há de abranger também as comunidades indígenas.
3 - Rogo a Deus que, nesta Quaresma, acompanhe vocês na caminhada com Cristo para a cruz e lhes conceda uma Páscoa abençoada com a alegria e da força da sua ressurreição para a vida.
Porto Alegre, 23 de março de 1998


Discriminação #
Carta Pastoral da Presidência
Ano: 1988
Presidência:P. Dr. Gottfried Brakemeier
“Dessa forma não pode haver judeu nem grego, nem escravo nem liberto, nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”.
Assim o apóstolo Paulo escreveu aos cristãos da Galácia (Gl 3.28).
Afirma que em Jesus Cristo surge uma nova comunhão, na qual as pessoas, em todas as suas diferenças, aprendem a novamente conviver como irmãs e irmãos.
A criação de Deus é multiforme. Consiste nisto sua beleza. Uniformidade é monótona, estanque. Somente a variedade permite a complementação mútua e a experiência de verdadeira comunhão. Deus quer a integração da diversidade de suas criaturas num todo orgânico e harmonioso.
Sociedade e Igreja, porém, tiveram e continuam tendo dificuldades em cumprir o mandato de Deus. Usam a variedade como pretexto para discriminação. Dizem haver pessoas com menos valor que outras e as tratam como sendo de segunda categoria. Negam-lhes a igualdade de chances e direitos. Neste ano lembramos especialmente os negros. Apesar do centenário da abolição da escravidão, pertencem aos segmentos marginalizados de nossa sociedade. Somos todos criaturas do mesmo Deus, revestidos da mesma dignidade. Como se justifica, então, o “racismo” que faz diferença de grau entre as pessoas e as julga pela mera cor de sua pele? Há culpa a confessar.
Como Igreja de Jesus Cristo temos motivos para sermos particularmente sensíveis a esta questão. Jesus Cristo restabelece a fraternidade entre os seres humanos. Não apaga a individualidade nem obriga ninguém a ser diferente do que Deus o criou. Somos negros, brancos, índios, homens e mulheres. Isto é bom. O que não se justifica é sentirmo-nos ameaçados por aquele ou aquela que é diferente. Não é correto reagir à diversidade da criação de Deus com agressão; menosprezo e marginalização. Resultam daí a escravidão, a dominação, a perseguição, portanto diferenças que Deus não quer. Sua vontade é que na variedade das criaturas seja respeitada a igualdade e que haja fraternidade e cooperação.
Das comunidades da Galácia, assim deduzimos, faziam parte pessoas de muitas raças, culturas e nacionalidades. Mas todos tinham recebido o dom do batismo, pelo qual as pessoas são declaradas filhos de Deus e integradas na comunhão dos santos. A comunidade de fé tem o privilégio e ser o exemplo de integração social e de assinalar a possibilidade de nova convivência humana a traduzir-se em novidade de relações também na sociedade.
Assim sendo, percebemos o quanto está por fazer, a começar em nossa própria Igreja. No ano de 1988 o apóstolo Paulo certamente escreveria: “Dessa forma não pode haver negro nem branco, nem índios nem asiáticos; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”. Importa abrir espaço em nossas comunidades para o ser do negro e oferecer-lhe comunhão. Importa ensaiar fraternidade racial e ver o quanto temos a aprender uns dos outros. Importa superar preconceitos mútuos e esforçar-nos por um clima de confiança.
Da mesma forma nos deve preocupar a discriminação de que o negro em nossa sociedade é vítima. Ainda que superada por lei, essa discriminação não deixa de ser realidade. Jesus Cristo requer o inconformismo com uma mentalidade que fere a dignidade do negro. Escola, saúde e outros serviços públicos são direitos do negro com o são de todo cidadão brasileiro. O mesmo vale com respeito a salários, emprego e cargos de liderança. No mundo de Deus somos todos parceiros uns dos outros. É preciso colocar isto em prática.
Que a IECLB seja pioneira dessa mentalidade que corresponde ao nosso ser em Jesus Cristo é o desejo com a qual os cumprimento.
Porto Alegre, 03 de maio de 1988


Meio Ambiente #
Carta Pastoral da Presidência
Ano: 1992
Presidência: P. Dr. Gottfried Brakemeier
O tema da IECLB, dizendo “Comunidade de Jesus Cristo a Serviço da Vida”, tem demonstrado relevância palpitante. Pretendo colocar sob este mesmo tema também a mensagem desta carta. Refere-se a dois eventos de destaque neste ano de 1992. Ambos sensibilizam a consciência cristã e pedem o apoio da Comunidade de Jesus Cristo.
1. O primeiro é a realização da “Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento” (UNCED), respectivamente a ECO-92, a ter lugar no Rio de Janeiro nos dias 04 a 12 de junho próximo.
1.1. O objetivo consiste em definir diretrizes globais de proteção ao meio ambiente e de alcançar acordos quanto à diminuição de produção e emissão de substâncias poluentes. Assim como as Nações Unidas, há décadas, formularam os “Direitos Humanos”, assim pretendem formular agora algo semelhante a “Direitos da Natureza”, em prol da preservação da vida no Planeta.
1.2. É claro que o assunto é de extraordinário interesse também e justamente para a Comunidade cristã. O ser humano recebeu o mandato de cuidar, não de destruir o jardim de Deus. Conseqüentemente, é grande a mobilização de Igrejas e entidades cristãs em torno dessa Conferência. Particularmente, o Conselho Mundial de Igrejas se engajou, com amplo apoio, não por último, de parte da Federação Luterana Mundial.
Foi elaborado material preparatório e haverá, nos dias 01 a 07 de junho, um encontro ecumênico no Rio de Janeiro, como uma forma de acompanhar a ECO-92. Está planejado também, para os dias 09 a 12 de junho, um “Foro Global”, promovido pelas assim chamadas “Organizações Não-Governamentais”, consistindo em grande número de programações paralelas. Em tudo isso se expressa a consciência de que o assunto do meio ambiente é por demais importante para ser deixado a cargo de políticos e governos tão somente. A natureza maltratada e a vida ameaçada exigem o engajamento de toda a sociedade, de todos os seus segmentos e de todas as suas organizações.
1.3. As notícias sobre o processo da preparação não são propriamente animadoras. A ECO-92 periga sucumbir na rivalidade dos interesses econômicos, no conflito norte-sul, na barganha política. Seria isto um desastre de imprevisíveis conseqüências para a sobrevivência da humanidade. Impõe-se o imperativo da renúncia ao consumo, especialmente por parte de quem tem recursos; impõe-se a necessidade de investir em tecnologias alternativas, impõe-se a urgência de equilibrar os escandalosos desníveis sociais em todo o mundo. Pois os piores inimigos do meio ambiente são a pobreza e o luxo. A humanidade - será ela capaz de promover as mudanças que a garantia do futuro exige e de redirecionar o comportamento?
1.4. A Comunidade de Jesus Cristo é chamada a colaborar com sua parte. Peço que a ECO-92 seja lembrada em intercessão no culto de Pentecostes, no dia 07 de junho. Recomendo, ainda, que “ecologia” seja tema de programações comunitárias e que sejam estudadas possibilidades de compartilhar as preocupações e, eventualmente, os resultados concretos da ECO-92 no ensino e na reflexão bíblica. Chamo especialmente a atenção às celebrações alusivas, elaboradas por iniciativa da Região Eclesiástica IV.
Cumpre-nos - assim entendo - atuar como “fermento ecológico” nas mais diversas oportunidades. Participarão da conferência no Rio de Janeiro, representando a IECLB: o Distrito Eclesiástico da área e, com incumbência especial, o Pastor Dr. H Reimer, o 2º Vice-Presidente Dr. W. Altmann e o Pastor Presidente. A ECO-92 requer a nossa oração, a nossa reflexão e a nossa ação. É esta uma maneira de concretizar o serviço à vida com que a Comunidade de Jesus Cristo está comprometida.
2. Também o outro evento, que é a comemoração dos 500 anos de “descobrimento” da América, merece ser colocado sob o enfoque do tema da IECLB.
2.1. O assunto, a essas alturas, já não é mais novo. Foi encaminhada carta de reflexão e estudo às comunidades, elaborada pela Comissão convocada para assessorar a IECLB na preparação das programações. Várias têm sido, entrementes, as manifestações respectivas dentro e fora da IECLB. Menciono em especial o trabalho do Conselho de Missão entre índios (COMIN) da IECLB, além de pronunciamentos, pesquisas e publicações de Distritos, Instituições e outros órgãos, entre eles o posicionamento de igrejas evangélicas e evangélico-luteranas da América do Sul e da Igreja Evangélica na Alemanha sob o título “Quinhentos anos após Colombo”. Da mesma forma, cabe destaque às iniciativas do Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI) e do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), bem como ao material por eles enviado. Espero que as reflexões em torno desta comemoração tenham alcançado todo o povo evangélico e contribuído para uma conscientização do profundo significado de que esta data se reveste.
2.2. É uma lástima que os descobridores do continente não estivessem orientados pelo espírito em pauta no tema da IECLB. Talvez a história da América Latina nestes últimos 500 anos tivesse tido um curso diferente. De qualquer forma, o retrospecto nos confronta com pecado humano, incluindo o pecado da Igreja. O juízo sobre o passado, aliás, depende essencialmente da perspectiva que se adota. A Comunidade de Jesus Cristo não pode deixar de tentar olhar pelos olhos dos outros, dos índios massacrados, dos negros escravizados, dos imigrantes sacrificados e de muitos outros que, em vez de fazer a história, antes a sofreram. Que aconteceu com a vida neste Continente, depois de sua descoberta? Ela foi “servida”, promovida, respeitada? Retrospectos históricos podem ser dolorosos, provocar a vergonha, evidenciar a necessidade do perdão. É bom não fugir do ato de penitência que acontecimentos do passado requerem.
2.3. No entanto, também a ação de Deus deve ser vista, apesar das arbitrariedades e dos crimes humanos. Quem tem a coragem de negar que nestes 500 anos foi vivida também fé autêntica nesta América Latina? Que o Evangelho tem sido força e consolo para milhares de pessoas, na vida e na morte? Que Deus operou milagres neste Continente? Nós deploramos e milhões os pecados, confessamos também a nossa culpa. Simultaneamente, porém, glorificamos o nome de Deus por não ter deixado de revelar o seu poder e a sua graça e por ter sido o esteio de inúmeras pessoas, incluindo as Comunidades da IECLB.
2.4. O retrospecto histórico é salutar. Despertará, a um só tempo, a humildade e a gratidão. Ademais, nos motiva para uma nova solidariedade exatamente com os injustiçados do passado. Colocamo-nos a serviço da vida do índio com todas as implicações que isto tem. Os povos indígenas são criaturas de Deus, assim como nós. E para outros grupos marginalizados vale o mesmo. Se a sociedade assim fizer, e a Igreja nisto insistir, dando o bom exemplo, um novo período histórico poderá iniciar. Em lugar da rivalidade e do extermínio, convivência fraternal haverá de instalar-se, exercitando autêntica parceria em respeito mútuo da identidade alheia. A Comunidade de Jesus Cristo deve ao povo o Evangelho que salva vida em todas as suas dimensões. Portanto, depois de contemplado o passado, voltemos a atenção ao futuro e nos empenhemos numa evangelização integral. Esta não vai privilegiar a salvação da alma em detrimento da do corpo, assim como também não vai esquecer, por sobre as necessidades físicas das pessoas, as de ordem espiritual. A partir dos 500 anos de descobrimento, colonização, invasão, conquista, evangelização e resistência da América, somos chamados a repensar e reativar a nossa missão evangélica.
2.5. São numerosas as programações ecumênicas relativas ao evento, especialmente no mês de outubro. Propomos aos membros da IECLB que, dentro das possibilidades, delas participem. A parte disto, o Conselho Diretor resolveu solicitar às Comunidades que o culto do dia 11 de outubro seja celebrado como culto comemorativo em toda a IECLB. Para tanto, está sendo elaborado, pela Comissão de Liturgia, um formulário litúrgico especial. Rogamos que as Comunidades se unam em torno desta proposta, expressando assim a sua participação engajada no evento. Ademais, será sugerida ao Concílio Geral uma manifestação alusiva à data. Isto, não para permanecermos presos ao passado, mas para descobrirmos o rumo devido para nossa trajetória de comunidade evangélica de confissão luterana hoje, enviada para servir à vida.
Porto Alegre, 19 de maio de 1992


Patenteamento das Sementes #
Carta Aberta ao Congresso Nacional
Ano: 1991
Presidência: P. Dr. Gottfried Brakemeier
Cresce no povo evangélico-luterano, ligado à agricultura, a apreensão e indignação com a formulação do Artigo 18 do Projeto de Lei 824/91 ora em tramitação no Congresso. Trata-se de proposta contida no novo “Código de Propriedade Indultrial”, prevendo, entre outras, o patenteamento dos microorganismos, dos processos microbiológicos e dos produtos resultantes dos mesmos. Estabelece o artigo, ainda, que “a proteção dos direitos de propriedade industrial relativos a espécies vegetais e animais será regulada em lei especial”, ou seja na projetada “Lei de Cultivares”.
O que passa quase desapercebido da atrnção pública é da mais alta relevância para agricultura e o futuro do País. O patenteamento da produção de sementes à base da biotecnologia há de criar uma enorme reserva de mercadopara as poucas empresas ativas no setor. Agravará a dependência econômica do agricultor e a dependência tecnológica do Brasil, ambas de efeitos negativos para o preço dos produtos. Devido à uniformidade biológica das sementes, conseqüência forçosa da centralização de sua produção, serão grandes os riscos de prejuízos ecológicos.
Na qualidade de membros da Igreja de Jesus Cristo, estranhamos a idéia do patenteamento de qualquer forma de vida, ainda que de microorganismos, por condideramos tal apropriação incompatível com a ética cristã. Vida jamais permite ser considerada “propriedade industrial”. Ela é sempre patrimônio da humanidade e dom de Deus, concedido para o usofruto responsável.
Por essas razões a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil se solidariza com as entidades e pessoas contrárias à aprovação das polêmicas formulações do Artigo 18 propostas no Projeto. Apelamos ao Congresso Nacional no sentido de fazer prevaleer a responsabilidade para com os valores éticos concernentes à vida, a auonomia nacional, uma pordução agrícula voltada às necessidades do povo e a biodiversidade das espécies, essencial para o equilibrio ecológico. De igual forma conclamamos nossas Igrejas irmãs e entidades filantrópicas, ecológicas e outras a se solidarizarem com a preocupação aqui manifesta. Cabe avaliar cuidadosamente as implicações do referido Projeto de Lei e tratar de proteger, em primeiro lugar, o povo brasileiro, o ecossistema e a vida que Deus deu.
Porto Alegre, 13 de Novembro de 1991


Solidariedade com as pessoas do Nordeste #
Carta Pastoral da Presidência
Ano: 1998
Presidência: P. Huberto Kirchheim
Os aflitos e indigentes buscam águas, e não as há, e a sua língua se seca de sede, mas eu o Senhor os ouvirei, eu o Deus de Israel não os desampararei. Abrirei rios nos altos desnudos, fontes no meio dos vales; tornarei o deserto em açudes de águas, e a terra seca em mananciais. Plantarei no deserto o cedro, a acácia, a murta e a oliveira;... para que todos vejam e saibam, considerem e juntamente entendam que a mão do Senhor fez isso, e o Santo de Israel o criou. Isaías 41.17-20
Uma parte da região Nordeste do Brasil - principalmente o chamado Polígono da Seca - vive novamente uma grande estiagem. Açudes, rios e lagoas estão secos. A população, já tão sofrida, enfrenta a seca como pode, ou busca, e geralmente não encontra, uma vida melhor nas cidades maiores. Como Igreja queremos colocar-nos ao lado dessas pessoas ameaçadas em sua existência.
A IECLB também atua no Nordeste. Há, por exemplo, campos de trabalho no Recife, em Fortaleza, Salvador, Natal. Ainda não é o suficiente, mas todos esses campos e outros mais são importantes iniciativas missionárias, lideradas por obreiros e por leigos. A Comunidade do Recife, por exemplo, tem um trabalho diaconal na Comunidade de Gravatá, distante 100 km, num bairro bem pobre, onde a população vive na maior miséria. Através do trabalho com crianças e de um programa de alfabetização de adultos, pessoas de Gravatá estão aprendendo a importância de uma vida melhor. Mesmo em meio à pobreza: estão se dando conta que a alfabetização é um importante instrumento para conquistar cidadania; estão aprendendo e ensinando o que significa solidariedade; estão, com sua humildade, desafiando a IECLB a conhecer a história do nordestino vítima da seca, do descrédito humano, e de pessoas que usam a desgraça desse povo para obter benefícios pessoais.
Gravatá nos faz acreditar que fome e pobreza podem ser combatidas, quando existem pessoas que se reúnem em torno da Palavra de Deus e se preocupam com o bem-estar de toda a comunidade.
Os meios de comunicação, com depoimentos de pais desesperados, imagens de crianças desnutridas e de saques a mercados, apresentam reportagens sobre iniciativas do governo, da sociedade civil e das igrejas, como campanhas de arrecadação de alimentos e distribuição de cestas básicas. São imagens que se repetem a cada nova seca. Desde o século XVI já são registradas grandes secas no Nordeste: são 41 desde lá, a última foi a de 1993.
Ações emergenciais, nesse momento, são extremamente importantes, pois se está lidando com o direito à vida. Mas só essas iniciativas não bastam. São necessárias ações maiores, como implantar projetos de educação, de saúde, de irrigação, de construção de açudes e canais, que beneficiem principalmente a população pobre e os pequenos agricultores. É preciso defender uma reforma agrária embasada numa política que dê garantias aos trabalhadores que vivem da terra. É preciso defender a geração de empregos dignos no próprio Nordeste. É preciso combater as agressões à natureza, que tanto prejudicam o equilíbrio da vida no nosso planeta.
Muita coisa já está sendo feita, mas muito mais urge realizar, haja vista as medidas extremas adotadas pela população, como saques a mercados e manifestações de protesto. Nessas atitudes fica mais uma vez explícito o conflito entre o direito à vida e o direito ao acesso à comida. A IECLB não apóia os saques, mas respeita as pessoas famintas e desesperadas quando apelam para esse expediente extremo para saciar a fome de suas famílias.
Como Igreja temos a consciência de que não podemos aceitar como natural que pessoas morram de fome, que crianças, geração após geração, nasçam e cresçam subnutridas. Como Igreja não podemos ficar só na indignação diante de notícias veiculadas pela TV e pelos jornais. Mais do nunca somos chamados para ações concretas de solidariedade e para a defesa de iniciativas de médio e longo prazo, que ultrapassem mandatos e governos.
Por isso, como Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil,
1 - intercedemos pelas pessoas que passam fome e sede no Nordeste e solidarizamo-nos com elas através da campanha ....., da entidade Diaconia, do Recife, da qual a IECLB participa. Essa entidade se propôs a construir 50 cacimbas e 50 poços, ao custo de R$ 50,00 e R$ 500,00 cada um, respectivamente. Cada Comunidade da IECLB pode assumir o compromisso de arrecadar o dinheiro seja para uma, duas ou mais cacimbas; ou para construir meio, um ou dois... poços. A iniciativa fica por conta dos presbitérios e do espírito de solidariedade dos membros de cada Comunidade. O dinheiro deve ser enviado para a IECLB, conta Nr..., indicando a finalidade. A Secretaria Geral encarregar-se-á de repassar, imediatamente, os valores para a Diaconia, que será solicitada a fazer prestação de contas de como e onde o dinheiro foi aplicado.
2 - apoiamos, individual e comunitariamente, campanhas locais que já estão sendo feitas por outras organizações que sejam sérias e garantam que as arrecadações de alimentos cheguem, de fato, até as pessoas necessitadas.
3 - enviamos, em nome da Presidência, correspondência ao Presidente da República e aos Ministérios competentes, pedindo atitudes mais eficazes no combate à seca, para que calamidades de fome e de sede não continuem se repetindo no Polígono da Seca.
É o que nesse momento talvez esteja ao nosso alcance. Não podemos omitir-nos ignorando a palavra de Cristo, que nos desafia dizendo: Tudo o que fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes (Mt. 25.40). Por sua graça somos acolhidos e nos tornamos comunidade solidária. Compartilhemos o generoso amor de Deus por testemunhos concretos dizendo Aqui você tem lugar. “Os aflitos e indigentes” anseiam pelo cumprimento da promessa lembrada no início: tornarei o deserto em açudes de águas, e a terra seca em mananciais. Somos chamados a contribuir com alegria para que isso aconteça e o Senhor da vida seja louvado.
Porto Alegre, 19 de maio de 1998


Vida e Paz #
Carta pastoral acerca do “Referendo sobre a Proibição do Comércio de Armas e Munição”
Estimadas irmãs e estimados irmãos em Cristo!
Nestes dias que antecedem à votação do “Referendo sobre a Proibição do Comércio de Armas e Munição” quero solidarizar-me com vocês na condição de cristão de confissão luterana, ciente de nossa responsabilidade cívica. Saúdo a vocês com a visão do profeta Isaías, sonhada já aproximadamente 725 anos antes de Cristo:
Deus julgará entre os povos e corrigirá muitas nações; estas converterão suas espadas em relhas de arados e suas lanças em podadeiras;
uma nação não levantará a espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra. (Isaías 2.4)
Nosso voto é importante
Dia 23 de outubro o povo brasileiro votará soberanamente se o comércio com armas de fogo e munição no Brasil deve ser proibido. Como em todas as eleições, é fundamental que cada eleitor e cada eleitora exerçam seu dever de cidadania de maneira livre e consciente. Assim, um primeiro dever que temos como cidadãos e cidadãs é informarmo-nos bem acerca do que está em jogo. Algumas perguntas podem guiar a nossa reflexão:
• Qual é a situação da segurança e da violência no país?
• Atualmente há no país um comércio legalizado de armas e munição. Isso nos dá a adequada proteção a que temos direito?
• Se não, a proibição do comércio de armas e munição poderá melhorar a situação?
• Que medidas de segurança pública deveríamos exigir de nossas autoridades?
• Quais os principais argumentos a favor do sim e a favor do não?
• Quais as possíveis respostas para os questionamentos levantados por um ou outro lado?
• Por trás dos argumentos e da propaganda também pode haver interesses ocultos, não revelados. Quais seriam esses?
• Se são legítimos, por que não são revelados?
• Poderá ser importante analisarmos casos de morte por arma de fogo que conhecemos. Mas será igualmente importante vermos dados objetivos de quantas mortes por arma de fogo, em quais situações, se dão no Brasil. E devemos pensar no tipo de sociedade que queremos construir.
• Como podemos contribuir para que haja entre a população um clima de mais paz e menos violência?
Essa reflexão será pessoal, mas também deveria ser efetuada em família, em grupo, na escola, na comunidade, nas igrejas. Neste assunto, talvez mais do que em outros, entra fortemente em jogo nossa emoção, sobretudo quando conhecemos (ou sofremos) casos de violência e morte pelo uso de armas. Mas nossa decisão não deve ser baseada na pura emoção. É importante refletir. E aí decidir.
A primeira recomendação desta carta é, pois, que todas as pessoas se informem, reflitam, dialoguem, formem uma opinião e votem de acordo com sua consciência. Nem todas as pessoas chegarão à mesma decisão. Haverá quem votará “sim” e quem votará “não”. Isso é legítimo e faz parte da democracia. A IECLB, portanto, não prescreve o voto. Não é nossa praxe nem nossa convicção de que a Igreja devesse comandar as consciências. Mas a Igreja tampouco pode ser neutra num assunto de tamanha relevância para a vida das pessoas e para o futuro de nosso país. É dever da IECLB também contribuir para o processo de reflexão e de tomada de decisão, com a sua recomendação, baseada em análise da realidade e, sobretudo, nos valores espirituais que lhe vêm do evangelho. Convido os membros da IECLB a tomar esta recomendação junto com todos os demais dados e informações que obtiverem, para seu próprio processo de reflexão e decisão.
A visão de Isaías – apenas um sonho?
Realmente, olhando nossa realidade, a visão do profeta Isaías de um mundo sem guerras ou violência parece ser apenas um sonho. Pois o que assistimos ou mesmo vivenciamos, no dia-a-dia, é algo bem diferente. Lembro apenas alguns dados: a cada 13 minutos, morre uma pessoa no Brasil vitimada por tiros. Nosso país lidera o ranking de mortes por armas de fogo. No ano de 2003, foram mortas por tiros 39.284 pessoas, sem contar as pessoas feridas. Para atender a essas, o SUS gastou, naquele ano, em torno de 140 milhões de reais. As armas de fogo matam mais do que acidentes de trânsito, outra calamidade de nosso país. O Brasil é um dos principais produtores de armas leves do mundo. Estima-se que o total de armas em circulação no Brasil esteja em torno de 17 milhões. Os civis possuem 10 vezes mais armas do que os órgãos de segurança. Felizmente, em 2004, já com a nova lei do desarmamento, o número de mortos baixou para 36 mil. Mas ainda é um número extremamente elevado e mais devemos fazer para diminuir uma estatística tão trágica.
Temos razões tanto bíblicas quanto de análise da realidade, para, sem imposições, recomendar o sim no referendo do dia 23, ou seja, a posição em favor da proibição do comércio de armas e munição no Brasil.
Razões bíblicas
A Bíblia nos dá um claro mandato em favor da paz. O profeta Isaías idificou o Messias, que haveria de vir, como “Príncipe da Paz” (Isaías 9.6). Os anjos de Belém anunciaram aos pastores o nascimento de Jesus, cantando e anunciando “paz na terra” (Lucas 2.14). Quando Jesus foi preso, alguém quis defendê-lo, mas Jesus lhe ordenou: “Embainha a tua espada” (Mateus 26.52). Jesus nos trouxe e nos deixou a paz, em vida e após a ressurreição (João 20.19,21 e 26). De fato não a deu, como a dá o mundo (João 14.27). A paz do mundo geralmente é baseada na força e, portanto, é uma paz falsa e ilusória. Jesus deu sua vida pelo perdão dos pecados, pela reconciliação e pela paz. No Sermão do Monte, deu-nos um mandamento novo e radical: “amar os inimigos e orar por eles” (Mateus 5.44). E proclamou a maravilhosa promessa: “Bem-aventuradas as pessoas que constroem a paz” (Mateus 5.9).
Quando reunidos em culto, também compartilhamos a paz uns com os outros e intercedemos incessantemente pela paz no mundo e entre as pessoas. Também cantamos: “Nem só palavra é a paz: É palavra unida à ação. Jesus deu a vida, o sangue da aliança, o signo da paz para um mundo infeliz” (HPD 1, hino 170, estrofe 2). As pessoas cristãs, portanto, não reproduzem a violência, mas disseminam a paz. Seguem a admoestação do apóstolo Paulo: “Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem”(Romanos 12.21).
Análise da realidade
A violência em nosso país assusta e atemoriza por oprimir e destruir vidas. Não há dúvida quanto a isso. A insegurança, sentida no campo bem como na cidade, é agravada pela ampla impunidade que reina no país. Para muitas pessoas é inconcebível a perspectiva de os criminosos terem armas sofisticadas para as ameaçar, ao passo que elas não teriam instrumentos para se defender. Diante da precariedade da segurança pública, sentem-se tentadas a tomar a questão da segurança em suas próprias mãos. Sentem-se impelidas até mesmo a praticarem a Lei de Talião – “olho por olho, dente por dente”. De fato, a violência e a impunidade generalizadas aumentam o medo e induzem as pessoas a armarem seus espíritos bem como suas mãos. Esse sentimento é compreensível. Mas armar-se seria a solução para o problema da violência? Podemos imaginar uma sociedade, em que todas as pessoas tivessem armas como aquela em que viveríamos com mais segurança?
Em verdade, a arma apenas raramente ajuda com eficácia para a defesa. Pelo contrário, em geral ela aumenta a violência que, por sua vez, gera violência ainda maior. E como se não bastasse a desgraça, a arma pode, muito facilmente, parar nas mãos dos criminosos e ser usada contra quem quer se defender com ela ou contra outras pessoas inocentes. Além de ter a vantagem do fator surpresa, a pessoa criminosa quase sempre é mais ágil do que aquela que tem uma arma “apenas para se defender”. Eu mesmo, com minha esposa, fui assaltado à mão armada há algum tempo, ao chegarmos em casa. A primeira exigência do assaltante que me apontava o revólver, foi: “Quero ver se o senhor está armado.” Se eu estivesse, no mínimo teria fornecido mais uma arma aos bandidos. Mas se eu tivesse feito um gesto de defesa, muito provavelmente teria sido morto. Felizmente eu não estava armado. Os assaltantes levaram dinheiro, celulares e nosso carro, mas não nos tiraram a vida.
Além disso, está comprovado que a posse de armas de fogo, freqüentemente, transforma desavenças banais em tragédias irreversíveis. Nas capitais brasileiras, 44% dos homicídios de mulheres são cometidos por seus companheiros com arma de fogo. Armas, por si só, são muito perigosas. Quantas crianças, que brincam, às escondidas, com as armas de seus pais, sofrem ou mesmo causam acidentes! Os jovens, numa fase de especial descoberta e afirmação de sua identidade, são, em elevado grau, tanto vítimas quanto protagonistas de crimes. Mas também entre pessoas adultas há aquelas que quando perdem, mesmo que apenas por um instante, seu equilíbrio emocional e psicológico, precipitam-se em fazer uso da arma. Nesses casos, a oportunidade e a facilidade de dispor de uma arma também fazem o homicida.
O estatuto do desarmamento e o papel do Estado
O estatuto do desarmamento dará ao Estado melhores instrumentos para coibir a posse de armas também pelos próprios bandidos. Não devemos esquecer ainda que todo criminoso, antes de cometer seu primeiro crime, foi uma assim chamada “pessoa de bem”. Tudo isso nos leva a concluir: armas de fogo são instrumentos perigosos, que o Estado deve confiar somente a pessoas devidamente preparadas, instruídas, acompanhadas e fiscalizadas, no exercício de funções de vigiar e defender a vida coletiva.
Não devemos esquecer tampouco que a proibição do comércio de armas e munição só pode ser considerada um passo, importante sem dúvida, mas apenas um passo de uma caminhada bem mais longa. Precisamos políticas sociais que criem melhores condições de vida e diminuam o desemprego, para que as pessoas tenham mais perspectivas de vida digna. É também indispensável exigir que o Estado cumpra com maior eficiência sua obrigação quanto à educação. Esta deverá ser priorizada sempre, garantindo a todas as pessoas o acesso a ela, contribuindo assim para a formação da cidadania, da solidariedade e de uma cultura de paz. E também necessitamos de melhores políticas relativas à segurança pública, para que a população não se sinta ameaçada. Devemos demandar isso de nossos governantes, nossos legisladores e de nossas instâncias judiciais. Necessitamos igualmente de órgãos policiais melhor preparados e melhor equipados, também depurados quando houver conivência com o crime.
Prece e ação
Os exemplos dados, além de tantos outros, atestam a seriedade e a complexidade da realidade em que vivemos. Ansiamos por libertação e transformação. Conforme tema do ano da IECLB e da próxima Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), a ser realizada em fevereiro de 2006, em Porto Alegre, suplicamos:
Deus, em tua graça, transforma o mundo!
A prece expressa confiança em Deus, mas ela não nos faz cruzar os braços. Muito antes, quer levar-nos à ação. Por isso estamos sendo chamados a desarmarmos os espíritos e as mãos. Cabe-nos fazer a nossa parte! Pois a paz não surge por si, nem por decreto. Nem o referendo por si só resolverá o problema. É preciso sermos educados para a paz, desde a infância até o final da vida. Com esse objetivo, muitos pais e mães dão a seus filhos, ao invés de tanques de guerra e aviões de caça, brinquedos que educam para criar, edificar, repartir e cooperar. A posse de armas, mesmo por adultos, não contribui para a construção da paz, ainda que possa parecer que ter uma arma nos ajudará a defender nossa vida e de nossa família no momento em que formos ameaçados. Na grande maioria dos casos, dará apenas uma ilusória e perigosa sensação de segurança. Em resumo: a criação de uma cultura de paz e justiça depende de um conjunto de fatores e ações, tanto por parte da cidadania quanto pelo Estado.
“Venha o teu reino”
Estaremos assim antecipando e concretizando aquela visão do profeta Isaías de um mundo sem guerras e violência? Ainda não. Mas estaremos colocando, sim, sinais de nossa esperança. Infelizmente, a violência não desaparecerá do mundo simplesmente através de nossas ações, mesmo as melhores. Mas medidas adequadas e um espírito de paz poderão reduzir sensivelmente a violência. Acreditamos que o estatuto do desarmamento é um passo significativo nessa direção.
Na oração que Jesus nos ensinou, o pai-nosso, tem a bonita prece: “Venha o teu reino.” (Mateus 6.10) Ansiamos e aguardamos em confiança a vinda do Reino em sua plenitude. Mas pedimos que o reino de Deus nos venha já agora, na fé e por sinais concretos de vida e paz. Que no referendo do dia 23 o povo brasileiro vote com tranqüilidade e consciência e que seu resultado contribua para mais vida e paz em nosso país.
Na paz de Cristo,
fraternalmente,
Walter Altmann



Carta Pastoral sobre a Guerra – 2003 #
CARTA PASTORAL ÀS COMUNIDADES DA IECLB

Prezados irmãos e irmãs em Cristo,
A Presidência da IECLB, encorajada pelo Conselho da Igreja e pelos Pastores Sinodais, dirige-se às comunidades da IECLB para expressar sua profunda contrariedade com a guerra contra o Iraque, iniciada pelos Estados Unidos da América e países aliados. Expressa sua tristeza com os sinais evidentes de destruição e morte decorrentes dessa guerra arbitrária, insensata e desumana. Manifesta ainda sua solidariedade a todas as vítimas das ações bélicas em curso.
Como testemunhas de Jesus Cristo, o Príncipe da Paz, somos comprometidos com a causa da paz no mundo e no nosso país. Jesus chamou de felizes as pessoas que promovem a paz (Mateus 5.9). Nosso compromisso com a paz é conseqüência do fato de que em Cristo somos justificados e temos paz com Deus (Romanos 3.21ss). Desta justificação nasce uma nova vida e nova maneira de ser e de se relacionar com as pessoas e o mundo de Deus.
São condenáveis todas as formas de violência, fruto do pecado humano, como regimes ditatoriais e ações de terrorismo. Da mesma forma, a lógica da guerra é igualmente pecaminosa. Ademais, não reconhecemos a guerra como meio nem legítimo nem eficaz, muito menos moral, para atingir a paz e vencer o terrorismo. Ao contrário, seu resultado é um ódio cada vez maior.
Rejeitamos, portanto, a opção pela guerra como instrumento legítimo de política externa nas relações internacionais, sobretudo quando tal decisão é tomada, de forma unilateral, por nações ricas e poderosas. É inaceitável o argumento da guerra preventiva, conceito que deveria ser abolido definitivamente das relações internacionais. Infelizmente, não foram esgotadas nem de longe as vias diplomáticas possíveis, no âmbito do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a fim de se evitar a opção bélica. Apoiamos a posição do Governo brasileiro em favor da resolução de conflitos internacionais por meios pacíficos e diplomáticos no âmbito da ONU.
Quanto aos aspectos religiosos e teológicos, ficamos também chocados com o abuso constante na invocação do nome de Deus, com o objetivo claro de legitimar o uso das armas. Rejeitamos toda e qualquer noção de guerra santa. Deus é um “Deus de amor e de paz” (2 Coríntios 13.11). Preocupam-nos, igualmente, as conseqüências da atual guerra para as relações inter-religiosas, sobretudo, entre cristianismo e islamismo.
Além de afetar profundamente as relações diplomáticas, em âmbito global, a guerra tem inaceitáveis conseqüências humanitárias e ecológicas. Entre elas, podem ser mencionadas, como já somos testemunhas, a inaceitável morte de civis e militares, em número imprevisível, o aumento significativo de refugiados e despossuídos, bem como grave destruição urbana e ambiental.
Nos associamos, por isso, às igrejas cristãs do nosso país, e de todos os continentes, que se opõem veementemente à opção pela guerra e se colocam decididamente como testemunhas da paz. Apoiamos as diferentes iniciativas, na nossa igreja e em nosso país, que afirmam a causa da paz, como, por exemplo, as badaladas dos sinos nas comunidades cristãs, as vigílias e as celebrações ecumênicas pela paz.
Por fim, o Conselho da Igreja decidiu de agora em diante estabelecer regularmente assuntos e motivos para intercessão em todos os cultos na IECLB, inclusive com uma formulação comum a toda a igreja. Assim, neste momento, solicitamos a todas as comunidades da IECLB para que, em todos os seus cultos oficiais, enquanto perdurar a guerra, incluam uma intercessão em favor da paz, e que na mesma conste a seguinte petição: “Clamamos a ti, Deus da paz, pelas vítimas desta injusta guerra”.
Na paz de Cristo,
Dr. Walter Altmann
Pastor Presidente


Dia Mundial de Luta contra a AIDS – 2004 #
Porto Alegre, 30 de novembro de 2004
Aos/Às
Obreiros, obreiras e lideranças de comunidades e instituições da IECLB
Ass.: Dia Mundial de Luta contra a Aids
Estimadas irmãs e estimados irmãos,
A contínua expansão da Aids, enfermidade causada pelo vírus do HIV, particularmente em países pobres, é motivo de permanente preocupação para organismos internacionais, governos e entidades voltadas para a prevenção da doença e para o cuidado das pessoas que vivem com a Aids. Também o é para os movimentos engajados em processos educacionais nas comunidades, e igualmente deve sê-lo para as igrejas. Dificilmente se há de encontrar hoje comunidade organizada, em que, de uma forma ou outra, não haja em seu meio, ou em suas relações, pessoas soropositivas ou com a doença contraída. Devido ao estigma social que pesa sobre elas, muitas vezes as pessoas infectadas se sentem compelidas a ocultar sua condição enquanto podem, de modo que seu número é seguramente bem maior do que se torna visível na sociedade, realidade que em nada contribui para a tão necessária prevenção e o cuidado para com pessoas soropositivas.
Já em 1989 a IECLB emitiu, a partir da Presidência, uma carta pastoral acerca do assunto. Afora a terminologia de “aidéticos”, então usual, mas entrementes rechaçada, por poder conter ou sugerir um estigma discriminatório contra as pessoas soropositivas ou que contraíram a Aids, o embasamento teológico e as recomendações lá contidas são plenamente vigentes, razão por que se remete àquela carta pastoral, aqui anexada. O Conselho Mundial de Igrejas (CMI) e a Federação Luterana Mundial (FLM), esta em associação com a ONU, adotaram programas educacionais de prevenção e de cuidados a pessoas enfermas e suas famílias. Na última Assembléia Geral da FLM, em Winnipeg, Canadá (2003), o HIV/Aids foi reconhecido como uma das áreas mais importantes para a vida e atuação da entidade e igrejas afiliadas.
O problema é particularmente agudo no Sul do continente africano, mas não se limita a essa região. O Brasil tem sido elogiado por seu programa de saúde em relação ao HIV/Aids, inclusive pela distribuição gratuita de remédios retrovirais. Ainda assim, muito resta por ser feito, sobretudo no acompanhamento humano e pastoral das pessoas que vivem com Aids. A FLM também criou um serviço de assessoria e coordenação para as igrejas luteranas da América Latina. Como Igreja aderimos também à Mensagem das Igrejas, Organizações e Programas no Dia Mundial do HIV/Aids, que enfoca principalmente em que medida as mulheres, muitas vezes jovens mulheres, são vítimas do preconceito, da exploração e do abuso sexual. Também esse documento é anexado a esta carta pastoral.
Na IECLB, o Departamento de Diaconia realizou este ano um importantíssimo Seminário Nacional sobre HIV/Aids. A participação de todos os sínodos, bem como setores e entidades já envolvidos na prevenção e no cuidado, atesta a importância que o assunto tem na vida de nossas comunidades. E este é, sem dúvida, um dado muito positivo. Inclusive, a participação abrangeu os mais diversos setores e movimentos com orientações teológicas diferenciadas. Os/as participantes do seminário, no final do encontro, aprovaram uma declaração, que foi encaminhada às comunidades da IECLB pelo Departamento de Diaconia (IECLB nº 87591/04). Na seqüência, citamos parte desta carta:
“Reunidos em Rodeio, Santa Catarina, nos dias 29 de agosto a 2 de setembro, sob o tema ‘Quebrar o Silêncio. Restaurar a Dignidade’, nós, representantes dos sínodos e departamentos da IECLB e de organizações e setores da sociedade civil que trabalham com pessoas que vivem com Aids, refletimos sobre o tema e constatamos que a Igreja necessita quebrar o silêncio sobre HIV/Aids, não por causa do vírus, mas por causa das pessoas e do evangelho de Jesus Cristo. Reconhecemos, contudo, a nossa dificuldade de falar sobre HIV/Aids. Confessamos que existe preconceito e falta de solidariedade para com pessoas que vivem com Aids. Também constatamos que tudo isso, associado à falta de informação e de compreensão, pode agravar a enfermidade e impedir a melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV. Por isso, como Igreja, precisamos pedir perdão a todas as pessoas que vivem com Aids pelo nosso silêncio que, certamente, contribuiu para a exclusão e o preconceito e fez aumentar o seu sofrimento e de seus familiares nestes mais de 20 anos da epidemia.
Contudo, como pessoas acolhidas por Deus e feitas um em Cristo Jesus no batismo (Gálatas 3.23-29), assumimos, agora, o compromisso de ser Igreja que serve, acolhe, ampara, consola, orienta, profetiza (Lucas 4.18-21). Isso implica no resgate de valores éticos cristãos como a fidelidade, a solidariedade, a esperança e o amor nos relacionamentos humanos. (...) Também em nossas comunidades há pessoas que vivem com HIV/Aids. Por isso, as comunidades e seus membros são desafiados a abordar o tema transversalmente nos grupos de Ensino Confirmatório, de Jovens, de Mulheres, de Casais, de Terceira Idade, na OASE, nos presbitérios, entre outros”.
No domingo passado, no âmbito já usual de motivos comuns para intercessão, nossas comunidades, em todo o país, intercederam em culto, nos seguintes termos: Deus, ajuda-nos a ser solidários com pessoas portadoras de HIV/Aids e suas famílias. Esta carta quer estimular as comunidades e seus setores organizados a tornar ainda mais realidade aquilo por que intercedemos, ou seja, desenvolvermos programas e serviços de solidariedade para com pessoas portadoras de HIV/Aids. Por que não incentivar, por exemplo, a que se constitua um grupo permanente na comunidade com esse propósito?
Devo ainda referir-me a um importante aspecto teológico para nossa motivação evangélica nesse engajamento. O Seminário realizado na IECLB, acima referido, teve, à parte de um grande consenso de propósito e compromisso, também um momento de tensão que se refletiu em debates posteriores na IECLB. O documento final deveria fazer menção ao sexto mandamento (Não adulterarás) e à interpretação de Martim Lutero no Catecismo Menor? A proposta foi, por fim, rechaçada, limitando-se à referência ao duplo mandamento do amor, com o qual Jesus resumiu o sentido da lei. O episódio deixou os proponentes da referência ao sexto mandamento desapontados. Não se poderia mais falar de fidelidade matrimonial? Houve protestos posteriores via internet.
De parte da Presidência devo primeiramente lamentar que num seminário de tal importância, e que no mais transcorreu num espírito de grande identidade de propósitos, não tenha sido possível elaborar uma declaração consensual nesse assunto. Adicionalmente, a questão suscita algumas considerações que têm a ver com a necessária distinção entre lei e evangelho. Quais são os frutos do evangelho? Onde estão os limites do que se pode alcançar com a lei?
Não há, nem pode haver, qualquer dúvida de que a proclamação e o ensino dos dez mandamentos (Êxodo 20) é parte integrante e irrenunciável da prática da IECLB. Igualmente é sabido que Jesus Cristo resumiu todos os mandamentos no duplo mandamento do amor a Deus e ao próximo (Mateus 22.34-40). De nossa confissão luterana sabemos que o cumprimento da lei de Deus não se dá por nossas próprias forças, mas apenas a partir da graça de Deus. Assim, o cumprimento do primeiro mandamento, reconhecer que Deus está acima de todas as coisas, é a base para o cumprimento de todos os demais mandamentos. Por isso, em sua explicação dos mandamentos, no Catecismo Menor, Lutero, iniciou todos eles com “Devemos temer e amar a Deus, para que...” Ou seja, o pleno cumprimento dos mandamentos se dá apenas no temor e amor a Deus, em fé, sob a orientação do Espírito Santo.
Assim, não podemos pressupor que a proclamação dos mandamentos por si só possa levar ao seu cumprimento. Concretamente, isso significa que a fidelidade matrimonial, fruto do evangelho, deve ser sempre proclamada em conjunção com a proclamação do senhorio de Deus, mas não pode ser transformada em programa social. Na esfera pública, temos que ter em conta a realidade assim como ela se apresenta e aí servir em solidariedade e amor. Como sabemos, hoje impera em larga escala a permissividade nas relações sexuais, o que é alentado, não por último, por programas de grande audiência na televisão. É bem verdade que um casal mutuamente fiel e soronegativo não corre risco de ser infectado pelo vírus do HIV através de suas relações sexuais, e devemos proclamar essa verdade. Mas essa não pode ser a base de uma política pública de prevenção ao HIV e à Aids. Nos casos em que apenas um dos parceiros é fiel (e muitas vezes supõe que a outra parte também o é) a pessoa fiel corre grande risco de contrair a enfermidade através do parceiro que não mantém a fidelidade. Infelizmente muitas pessoas – particularmente mulheres – são assim infectadas por seus parceiros. Tampouco podemos assumir que todas as pessoas que abraçaram a fé tenham um comportamento irrepreensível na área sexual. O pecado, obviamente, se faz sentir também nesta área.
Na esfera pública, pois, será preciso, empenhar-se por modalidades de prevenção mais eficazes, como seja a promoção do uso do condom (“camisinha”) nas relações sexuais. É terrível que paire hoje sobre essa dádiva maravilhosa da criação de Deus, a sexualidade humana, em cujo exercício toda vida humana tem sua origem, o espectro de que possa ser também o veículo transmissor de uma enfermidade para a morte, enfermidade para a qual ainda não dispomos de cura. A ciência deve dedicar esforços ainda maiores e os governos alocar recursos ainda mais substanciais, na busca de meios para superar em definitivo esse insidioso mal. Enquanto isso somos chamados a de todas as formas possíveis minorar o mal e apoiar as pessoas que sob ele padecem.
Não devemos, porém, esquecer tampouco que há outras modalidades de contrair o vírus da Aids, não apenas através de relações sexuais, mas também através do contato sangüíneo ou pela transfusão de sangue. Por exemplo, muito acentuada é a contaminação através do uso múltiplo de seringas, por usuários/as de drogas injetáveis. Recente pesquisa no Rio Grande do Sul indicou que praticamente dois terços dos consumidores de drogas injetáveis contraem o vírus do HIV. O dado é alarmante e revela quão grandes esforços, educacionais e de saúde pública, devem ser desenvolvidos na prevenção do consumo de drogas. Em boa medida, todos conhecem em suas relações exemplos de vidas destruídas pela drogadicção. Esta é outra área de importante ação diaconal para as comunidades.
Animo, pois, nossas comunidades e setores de serviço a constituir grupos de interesse e ação, bem como a desenvolver programas voltados para a prevenção do HIV/Aids e para o cuidado das pessoas soropositivas e que vivem com a Aids. Importante será, nesse particular, desenvolver parcerias com o setor público, seja da área da educação quanto da saúde.
Como comunidade de fé, nos conscientizamos uma vez mais e nos motivamos renovadamente à ação quando nos recordamos da palavra de Jesus: “Os sãos não necessitam de médico, e sim os doentes. Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórcia quero e não holocaustos; pois não vim chamar justos, e sim pecadores.” (Mateus 9.12-13)
Na espera confiada, neste período de Advento, da vinda de Jesus Cristo, que carregou sobre si todas as nossas iniqüidades e sara todas as nossas enfermidades, saúdo-os fraternalmente.
Walter Altmann
Pastor Presidente


DIRETRIZES TEOLÓGICO PASTORAIS PARA ATOS E DIÁLOGOS INTER-RELIGIOSOS  #
INTRODUÇÃO
A IECLB, segundo o artigo 5.º da sua constituição, é de “natureza ecumênica”. Essa ecumenicidade se refere explícita e exclusivamente a igrejas “que confessam Jesus Cristo como único Senhor e Salvador”, em correspondência com os termos que definem a base do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) e do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), dos quais a IECLB é membro. Contudo, entre as atribuições do Pastor Presidente também se encontra a de “exercer as relações da IECLB com outras entidades religiosas e civis e com os órgãos públicos” (Art. 35, VII, da Constituição), o que no cenário religioso brasileiro inclui, além da prática do ecumenismo com outras igrejas cristãs, a questão da relação com outras religiões, como as afro-brasileiras, as indígenas, o espiritismo, o judaísmo, o islã, o hinduísmo, o budismo, entre outras.
Há, de fato, no Brasil uma diversidade de matrizes religiosas que muitas vezes co-existem paralelamente, mas não raro também interagem entre si, por vezes até mesmo no interior das próprias igrejas. Há membros de igrejas, também na IECLB, que têm de fato uma afiliação ou prática religiosa dupla, por exemplo, da fé cristã e do espiritismo. Tomando a sério essa realidade, o Pastor Presidente incumbiu o Grupo Assessor para Ecumenismo com a tarefa de elaborar diretrizes para o diálogo e a cooperação inter-religiosos, importantes também como orientação para a atuação de obreiros e obreiras ao participarem de atos públicos inter-religiosos.
Entendemos por atos públicos inter-religiosos aqueles convocados pelo poder público, por instituições de ensino, pela mídia ou por entidades da sociedade civil com uma finalidade específica, visando ao bem da sociedade. Para a participação em tais atos, é mais e mais comum chamarem-se representantes não apenas da Igreja Católico-Romana, como era uso até um passado não muito distante, mas uma variedade de igrejas cristãs e, inclusive, de outras religiões. Costuma-se denominar tais atos de “ecumênicos”, apesar de se tratar, com freqüência, de atos civis com participação multirreligiosa. De qualquer forma, está sendo reconhecido o pluralismo religioso cada vez mais evidente em nosso país. O “interesse” pelo religioso – e o espaço a ele dado – não pode deixar de ser visto como algo positivo, ainda que também haja nisso uma boa dose de ambigüidades e alguns riscos a considerar. Assim, convites para formaturas, celebrações e orações em prol do bem comum não deveriam ser recusados sem fortes argumentos em contrário.
Contudo, muitas vezes faltam critérios orientadores para o grau de envolvimento, por exemplo quando se trata de eventos pontuais multirreligiosos que não permitem um real diálogo inter-religioso. As falas nestas ocasiões tendem mais para uma seqüência de afirmações religiosas, não poucas vezes abusadas para a autopromoção de determinada entidade. Também não pode ser objetivo de tais eventos o nivelamento das diferenças religiosas, como se todas as religiões pudessem (ou devessem!) ser fundidas em um grande caldeirão. Portanto, é preciso ter sabedoria e cautela ao aceitar tais convites e ao conceber e executar uma participação significativa, em sintonia com as necessidades da sociedade contemporânea e enraizada na nossa tradição evangélico-luterana.
O termo “ecumênico”, a partir da sua raiz etimológica, pode ser estendido tanto ao serviço no mundo (diaconia) como ao diálogo entre religiões. Contudo, os órgãos ecumênicos organizados, como o CMI e o CONIC, convencionaram usar o termo para a busca da unidade das igrejas cristãs no uno e único Corpo de Cristo. Em contrapartida, o termo inter-religioso diz respeito ao diálogo, ao intercâmbio e à cooperação entre religiões diferentes. No linguajar cotidiano brasileiro, contudo, denominações cristãs e entidades de outras religiões são designadas ora como “igreja”, ora como “religião”, dando a impressão como se ambos os termos fossem sinônimos. Tornou-se, inclusive, comum usar o termo “macroecumenismo” para a dimensão inter-religiosa. É necessário, portanto, clarear a terminologia. Nas presentes proposições, a locução “diálogo inter-religioso” é considerada simultaneamente a mais adequada e neutra, uma vez que não carrega um peso histórico comprometedor.
Estas orientações pretendem servir dois objetivos: por um lado, os obreiros e as obreiras da IECLB deverão, assim esperamos, sentir-se animados e animadas a participar de tais eventos, observadas as orientações aqui delineadas. É bom que participem, pois o empenho, inclusive a oração (que partindo de pessoas cristãs é sempre direcionada ao Trino Deus) pela paz, pela justiça social ou outra finalidade visando ao bem de toda a sociedade precisa da colaboração de todos os setores. As religiões dispõem de recursos específicos para motivar esta cooperação e mobilizar os seus membros. Por outro lado, providenciamos indicações sobre a forma e os limites dentro dos quais essa participação deve acontecer para não dar lugar a mal-entendidos. Os obreiros e as obreiras devem estar conscientes do fato de que, com a sua aparição pública, emitem, tanto para fora como para dentro, uma mensagem que facilmente pode ser mal-interpretada. Tanto a presença quanto a ausência da IECLB em determinados atos públicos com representação multirreligiosa podem ser interpretadas de forma negativa por representantes de outras religiões ou pela própria membresia da IECLB.
O presente texto está organizado em quatro capítulos, acrescidos de um glossário e uma pequena bibliografia. No primeiro capítulo, buscamos demonstrar situações concretas nas quais surge o desafio de participar de um ato público inter-religioso. O segundo quer descrever o contexto religioso atual em sua pluralidade, tornando necessária a ampla cooperação entre as religiões em prol do bem comum. No terceiro capítulo, exploramos bases bíblicas e teológicas como fundamento da participação evangélico-luterana em atos públicos inter-religiosos. E, por fim, propomos orientações para a participação concreta em tais atos.
Esperamos que estas reflexões e orientações permitam uma participação tranqüila e significativa em atos públicos inter-religiosos, sem dar lugar a mal-entendidos ou sem deixarmos de lado a nossa base bíblica e confessional. Que sejam abençoados pelo “Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que há neles; o qual, nas gerações passadas, permitiu que todos os povos andassem nos seus próprios caminhos; contudo, não se deixou ficar sem testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando-vos do céu chuvas e estações frutíferas, enchendo o vosso coração de fartura e de alegria” (At 14.15-17).
O presente documento é emitido pela Presidência da IECLB, consultada a Conferência de Pastora e Pastores Sinodais. Expressa-se o agradecimento a quem colaborou em suas versões:
P. Harald Malschitzky
P. Meinrad Piske
P. Dr. Rudolf von Sinner
Est. Daiana Ernest
P. Yedo Brandenburg
P. Em. Ervino Schmidt
Pª Lic.Vânia Moreira Klen

1. SITUAÇÕES INTER-RELIGIOSAS
Passou o tempo em que somente a Igreja Católico-Romana e, em alguns lugares, representantes de igrejas históricas do mundo protestante eram convidados para momentos solenes de instituições públicas ou datas especiais (nacionais ou municipais) nas grandes cidades. Cresce a freqüência de serem convidados líderes de outras religiões, por exemplo do islã, do budismo, de religiões de origem afro. É quase regra geral, também, que não se chega a saber com antecedência como será a composição do grupo celebrante, o que impossibilita encontros de preparação.
EXEMPLOS
1. Por ocasião da posse de um dos prefeitos de Porto Alegre, estava representada quase uma dezena de entidades religiosas. Cada uma tinha dois a três minutos para usar a palavra. No final, o líder das religiões afro convidou a todos para que, de mãos dadas, rezassem o Pai-Nosso. A grande platéia atendeu ao convite.
2. O banco de alimentos organizou uma festa na semana do Natal. Haveria, no início, uma celebração religiosa. Presentes estavam um sacerdote católico, um pastor da IECLB, um líder muçulmano e um líder judeu. O início atrasou muito, tanto que o sacerdote e o líder judeu foram embora, não sem pedir que o muçulmano e o pastor os representassem, falando também em seus nomes.
3. Um pastor relata: “Eu participei em uma oportunidade da Celebração das Águas. [...] O programa não apresentava nenhuma explicação do que significava o evento. Na minha lembrança está o fato de que essa celebração às margens do Guaíba era uma espécie de manifestação conjunta das diversas religiões no sentido de conscientizar o povo da sua responsabilidade pela preservação da água e da vida que dela depende. Era muito mais uma manifestação ecológica do que religiosa. Naturalmente, houve manifestações típicas da religiosidade popular no sentido de exaltar uma divindade do mundo das águas, tipo ‘Rainha do Mar’, Mãe d'Água’.”
Cresce também o número de convites para participar de mesas-redondas na mídia, sempre ao vivo. Nesses casos, quando muito, se consegue descobrir quem foi convidado a participar, o que não significa necessariamente que irão participar. Assim, também aqui, o espaço para uma eventual preparação é muito pequeno, além de quem participa estar na dependência do moderador do respectivo programa.
EXEMPLOS
1. Num programa de rádio, na semana de Natal: presentes um sacerdote católico, um rabino, um líder budista, um pastor da IECLB. O tema não poderia ser outro: o significado do Natal e a sua mensagem. Rapidamente se enveredou pelo tema da paz em sentido mais geral, perdendo-se até a chance de falar do significado em sua origem e em termos teológicos.
2. Num outro momento, na semana de Páscoa: presentes um sacerdote católico, um pastor da IECLB e um líder espírita. Houve espaço para expressar as visões quase opostas do sofrimento de Jesus. A discussão mais profunda ficou reservada para a saída.
3. Num programa de TV: dois pastores da IECLB e dois espíritas estão presentes. A proposta era conversar sobre o que há de comum e diferente entre igreja e espiritismo. Os espíritas foram muito hábeis em apresentar a sua doutrina (não-religiosa, segundo eles) e da sua importância para os seres humanos e a sua saúde. Aos dois pastores não restou outra alternativa senão apresentar a sua igreja e falar do cristianismo, mas não aconteceu um diálogo ou até uma discussão. Foi, muito mais, um diálogo de surdos.
Em outro patamar estão grupos de diálogo inter-religioso. Em Porto Alegre existe um destes grupos. Participam dele um pastor da IECLB, um líder muçulmano, um budista, um hindu, um judeu, um representante das religiões afro, um bahá’í, um sacerdote católico, uma pastora anglicana e um representante da Federação Espírita do Rio Grande do Sul. Esse grupo se reúne uma vez ao mês em reunião-almoço, quando são tratados temas de cada uma das religiões (a título mais informativo) e temas de preocupação comum. Segundo informações de um pastor, esse grupo é convidado muitas vezes coletivamente, em lugar de se fazerem convites individuais às religiões, para eventos públicos.
Nos dois primeiros casos, por sua própria natureza, ocorrem, no máximo, tolerância mútua e respeito recíproco. Aliado a isso, a brevidade do tempo, muitas vezes, leva a uma diluição dos traços característicos de cada instituição religiosa. A bem da paz e do entendimento próprios do momento opta-se por assuntos mais gerais e menos polêmicos.
Já o grupo de diálogo inter-religioso dá um passo a mais. No entanto, como se reúne, em geral, em reuniões-almoço, é provável que assuntos polêmicos não sejam apreciados, a exemplo do que acontece em reuniões-almoço entre empresários tanto no âmbito católico como no luterano: quando os temas são religiosos, eles não são polêmicos.

2. O CONTEXTO RELIGIOSO ATUAL
No Brasil, religiões, especialmente as de origem indígena e africana, durante séculos, viveram sob o teto da Igreja Católico-Romana. Se bem que oficialmente proibidas, permaneceram fortemente enraizadas em práticas religiosas e na consciência do povo, propiciando a criação de identidades religiosas múltiplas. Contribuiu para isso também o fato de que a “cristianização” do continente não veio acompanhada de uma efetiva educação religiosa. Por conseguinte, desde os inícios até hoje, ficaram em primeiro plano a veneração dos santos, lugares de romaria, rituais e objetos religiosos, enquanto o entendimento doutrinário dos conteúdos da fé cristã ficou largamente oculto atrás dessas práticas populares.
Ainda hoje, muitas pessoas se consideram católicas e simultaneamente adeptas de religiões de matriz indígena ou africana, sem verem nisso qualquer incompatibilidade. Contudo, entre autoridades religiosas não-cristãs, especialmente de cunho afro-brasileiro, atualmente há crescente tendência de se manifestarem como religião própria, independente do catolicismo.
Quanto às igrejas evangélicas históricas, dentre elas a IECLB, a maioria dos seus membros demonstra atitude de perplexidade ou ceticismo e mesmo de rejeição com relação às religiões afro-brasileiras e indígenas. No contato com povos indígenas, o COMIN (Conselho de Missão entre Índios) vem realizando uma tarefa importante ao se empenhar por compreensão e entendimento. Recomendamos acolher e acompanhar o processo de reflexão que vem da missão junto aos povos indígenas.
Também no seio das igrejas históricas existem tendências de religiosidade popular, como, por exemplo, a procura de benzedeiras, as quais, usando elementos cristãos, fazem rezas, pronunciam fórmulas e realizam determinados toques físicos. Na classe média urbana, também entre membros da IECLB, não raramente se encontra uma variedade de elementos religiosos de diferentes origens, que introduz no horizonte religioso elementos orientais e esotéricos, entre outros.
Portanto, ao tratar de um diálogo inter-religioso, também se deverá falar de um diálogo “intra-religioso”, isto é, do diálogo de várias linhas religiosas dentro da mesma pessoa. O diálogo inter-religioso, que exige certo grau de clareza sobre a própria posição, poderia contribuir significativamente para o esclarecimento de identidades pouco definidas e múltiplas. Portanto, esse diálogo não apenas desafia a nossa identidade religiosa, mas nos ajuda a percebê-la melhor e, de certa forma, a fortalecê-la.
Diálogo inter-religioso no Brasil há de levar em consideração, como já foi mencionado, em primeiro lugar as religiões afro-brasileiras e indígenas. Mas também o islã, o hinduísmo e formas religiosas esotéricas, presentes, sobretudo, nas grandes cidades, e que ganham espaço e se tornam cada vez mais visíveis entre a intelectualidade. Tal acontece, especialmente, por ocasião de conflitos internacionais como o atentado em 11 de setembro de 2001 nos EUA ou da guerra no Iraque, momentos em que também a opinião pública se interessa pelo islã e quer saber a sua posição em relação à guerra e ao terrorismo.
Conforme o censo de 2000, os cristãos evangélicos entrementes perfazem 15,4% da população, com média maior na Rondônia (27,8% da população) e no Espírito Santo (27,5%), estados onde há também significativa presença da IECLB. Entre os evangélicos, pelo menos dois terços são pentecostais e neo-pentecostais. Chama a atenção que o número dos sem-religião dobrou para 7,3%, com números mais expressivos no Rio de Janeiro (15,5%) e novamente na Rondônia (12,5%). Assim, tornou-se inevitável concluir que o Brasil é um país multirreligioso, e não tanto um país “católico”, não obstante que as pessoas em sua maioria (73,6%) continuem se declarando católicas. O censo de 2010 registrará, presumivelmente, novo crescimento percentual de cristãos evangélicos e diminuição de cristãos católicos, acentuando-se a pluralidade religiosa.
Na IECLB, há membros que vêem no pluralismo interno, na convivência de tendências diferentes (tradicionais, progressistas, evangelicais, carismáticas) dentro da nossa igreja, o desafio ecumênico por excelência. Outros, no que diz respeito ao ecumenismo, pensam mais no diálogo e na cooperação entre igrejas protestantes; e mais outros, na Igreja Católico-Romana como principal parceira ecumênica. Mas além dessas modalidades, já constitui um desafio concreto para a IECLB arriscar ir para além das igrejas cristãs, passando para o diálogo e a cooperação com outras religiões, pois vivemos num país em que a pluralidade cultural e religiosa é uma realidade.

3. BASES BÍBLICAS E TEOLÓGICAS
Ao longo do Antigo Testamento se constata a exclusividade do Deus de Israel (cf. Êx 20.4, a proibição de se ter imagens de Deus; Dn 2 e 7, o anúncio da destruição dos impérios do mundo; Is 60.4; 62.10-12, a salvação de todos os povos em torno de Jerusalém).
No entanto, Israel em toda a sua história sempre conviveu com outros povos e seus deuses e, muitas vezes, de forma pacífica (cf. Gn 14.18-24, Melquisedeque abençoou Abrão; 2Rs 5.19, o comandante do exército da Síria é curado; Jn 1.5 relata com naturalidade como cada marinheiro clama a seu deus).

A partir de uma história pontuada por conflitos, Israel acolhe estrangeiros e os protege ( Ex 23.9; Dt 24.19-21). Em sua teologia se repete que Deus é o criador do universo, de todos os povos (Gn 1.27-28) e que tudo continua pertencendo a Deus (Sl 24.1). Nas grandes visões proféticas, os outros povos estão incluídos (Mq 4.1-5; Is 56.6-7; 60.1-3).
Pode-se constatar uma tensão entre exclusividade e universalidade. Esse fato é um constante desafio no sentido de nos deixarmos envolver com outros povos e suas religiões, sem temermos a perda da nossa própria identidade.
Também no Novo Testamento vamos encontrar essa relação de tensão. A exclusividade se expressa em muitos textos, dos quais citamos alguns: Jo 14.6 - Jesus é o caminho; At 4.12 - o testemunho de Pedro da salvação unicamente em Jesus.
Ao mesmo tempo, encontramos passagens que rompem as barreiras do exclusivismo. São magos do Oriente que vêm ver o menino Jesus (Mt 2.1-2); Jesus cura a filha de uma cananéia (Mt 15.21-28); Jesus elogia a atitude de um samaritano (Lc 10.29-37); Jesus cura o filho de um centurião romano (Mt 8.5-13); Jesus afirma que Deus ouve a oração de um publicano (Lc 18.9-14).
O Novo Testamento não deixa dúvida quanto à salvação em e através de Jesus Cristo. No entanto, caberá ao próprio Cristo, e não aos cristãos, julgar todos os povos (Mt 7.1-5). Olhando a prática de Jesus e dos apóstolos num contexto pluricultural e multirreligioso, é imperioso concluir que somos desafiados a buscar o diálogo e a cooperação com outras religiões.
Muitos cristãos têm tido dificuldades em aceitar a realidade de outras tradições religiosas ou em relacionar-se de forma criativa com elas. Como cristãos, entretanto, acreditamos que o Espírito de Deus opera de formas que não estão ao alcance do nosso entendimento (cf. Jo 3.8). A atividade do Espírito está além das nossas definições, descrições e limitações. Deveríamos tentar discernir a presença do Espírito onde houver “amor, alegria, paz, paciência, benevolência, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio” (Gl 5.22-23). O Espírito de Deus está gemendo com o nosso espírito. O Espírito opera no sentido de realizar a redenção de toda a ordem criada (Rm 8.18-27). (Conselho Mundial de Igrejas, Orientações para o diálogo e as relações com pessoas de outras religiões, 1979, p. 8).
Nossa tradição confessional está centrada na pessoa e obra do Cristo que nos propiciou a justificação mediante graça e fé. Portanto, a salvação passa pela paixão e ressurreição de Cristo, Filho de Deus Pai, em quem cremos pelo poder do Espírito Santo. Como pessoas cristãs de tradição luterana, não podemos prescindir dessa afirmação central. Assim, confessamos o Crucificado e o Deus-Trindade, o que marca uma diferença decisiva em relação também às religiões “monoteístas” do judaísmo e do islamismo.

Contudo, não podemos emitir juízo sobre quem tem fé e quem não tem, pois é o Espírito Santo que opera a fé “onde e quando lhe apraz” (Confissão de Augsburgo, artigo 5). É verdade que, para tal, usa os meios da pregação da palavra e os sacramentos. Para nós, como crentes, são referências imprescindíveis. Mas isso não significa que o Espírito não possa atuar de forma inesperada, fora dos limites visíveis da Igreja. Lutero contava com a presença de um conhecimento natural de Deus fora da revelação bíblica (Obras Selecionadas, Vol. 8, pp. 188, 261s, 439; Rm 1.19-20), contudo sem abrir mão da salvação somente por Cristo, o Verbo pré-existente com Deus, através do qual tudo foi criado (Jo 1.1-3; Cl 1.16-17).
Diante desse desafio, é possível enxergar a ênfase luterana no “somente por graça” (sola gratia), com referência à graça de Deus, como algo que, quando bem entendida, vai muito além da nossa percepção doutrinária e das limitações teológicas com as quais a oneramos, como afirma o teólogo luterano da Índia, Paul Rajashekar (apud Junghans 2001, p. 132). Esse depoimento é de especial importância, pois é feito por alguém que vive num país multirreligioso, onde os cristãos somam apenas 2,7% da população. O diálogo inter-religioso, naquele contexto, impõe-se não como opção, mas como necessidade.

Também no Brasil a situação contemporânea não deixa outra opção, pois uma postura exclusivista, que se nega ao diálogo, dá apoio, pelo menos de forma indireta, à intolerância e até à violência entre religiões, embora não necessariamente as promovam. O diálogo inter-religioso propõe-se ao partilhar de sabedoria, ao testemunho de experiências positivas e à promoção de convivência pacífica a partir da fé, inclusive com pessoas pertencentes a outras igrejas e religiões ou que não confessam religião alguma. Com os seus corpos discentes e docentes, mistos em termos de religião, a Rede Sinodal de Educação afirma no seu 5º Plano de Trabalho (2005): “Tendo essa identidade confessional (luterana) definida e atuante, a proposta educacional integra o caráter comunitário, transdisciplinar, ecumênico e participativo no diálogo inter-religioso, ampliando a partilha e a inclusão” (p. 9s). É um belo testemunho da contribuição luterana à paz e ao bem comum e que está em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996).

A base principal do diálogo é a nossa confiança em Deus, o que é outra maneira de dizer “fé”. Precisamente ao comentar o mandamento “não terás outros deuses” (Êx 22.3), no seu Catecismo Maior, Lutero afirma que
“Deus designa aquilo de que se deve esperar todo o bem e em que devemos refugiar-nos em toda apertura. Portanto, ter um Deus outra coisa não é senão confiar e crer nele de coração. (...) Fé e Deus não se podem divorciar. Aquilo, pois, a que prendes o coração e te confias, isso, digo, é propriamente o teu Deus”. (Livro de Concórdia, p. 394s.)..
Nossa confiança é baseada na boa nova da justificação por graça e fé, sendo que a “salvação pertence a Deus” (CMI 2005, p. 9).
Da nossa parte, proclamaremos, sempre, a palavra do Evangelho, cuja principal palavra é a do amor, em continuidade à palavra de orientação do Antigo Testamento:
“E eis que certo homem, intérprete da Lei, se levantou com o intuito de pôr Jesus à prova e disse-lhe: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? Então, Jesus lhe perguntou: Que está escrito na Lei? Como interpretas? A isto ele respondeu: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Então, Jesus lhe disse: Respondeste corretamente; faze isto e viverás”. (Lc 10.25-28)
4. ORIENTAÇÕES GERAIS E ESPECÍFICAS
Na carta pastoral de 24 de outubro de 2005, o pastor presidente Dr. Walter Altmann afirma:
De um lado, como IECLB, temos um claro compromisso ecumênico que deriva de nossa própria confessionalidade luterana. De forma alguma podemos abdicar desse compromisso pelas dificuldades que lhe são inerentes. Naturalmente, ele deve ser regido pelo Evangelho como contido na Escritura e interpretado em nossas confissões, e ser desenvolvido a partir de nossa identidade luterana e sempre em abertura e respeito para com o diferente. De outro lado, quem se engaja nesse diálogo (e todos/as deveriam fazê-lo), em particular quando obreiro ou obreira da IECLB, deverá esmerar-se, ademais, na necessária sensibilidade pastoral, consciente de que suas palavras, seus gestos e suas ações serão vistos como representativos de sua Igreja. Essas questões deverão ser tidas em conta quando aceitamos convites ou deles declinamos. Analogamente, isso também deve ser levado em conta quando convidamos representantes de outras igrejas, denominações, organismos ecumênicos e interdenominacionais para eventos no interior da IECLB, o que ocorre com não pouca freqüência. Também aí podemos ser enriquecidos pela experiência ecumênica, mas igualmente confundidos por influências conflitantes com nossa confessionalidade. (Altmann 2005, p. 2)
As orientações que seguem querem afirmar a abertura das pessoas cristãs evangélico-luteranas para o diálogo inter-religioso, animar a cooperação por paz e justiça e a participação em atos públicos inter-religiosos, inclusive com momentos de oração, desde que não se esconda ou se desrespeite a identidade pertinente a cada um, havendo, nessas ocasiões, um compromisso de colaboração para o bem comum.
Trata-se de orientações que não têm nem pretendem ter o caráter de “decreto”. São frutos de uma proposta do Grupo Assessor de Ecumenismo da Presidência, discutida com os demais Grupos Assessores e a própria Presidência, proposta revisada ao longo deste processo e compartilhada com a Pastora e os Pastores Sinodais. Estas orientações, cuja intenção é ajudar membros, presbíteras e presbíteros e principalmente obreiras e obreiros da IECLB na sua atuação, não podem nem devem encerrar a discussão. Antes, querem fomentar um “processo de reflexão, diálogo e deliberação no interior da Igreja”, conforme consta na carta pastoral sobre “Ecumenismo e diálogo inter-religioso”, de 2005 (Altmann 2005, p. 2).
1. Encoraja-se a criação de grupos de diálogo inter-religioso, com o objetivo de conhecer-se mutuamente e quebrar barreiras de preconceito e medo, criando um clima de respeito e confiança mútuos e de solidariedade.
2. Incentiva-se a aceitação de convites para participar em celebrações inter-religiosas públicas, observando-se:
a) que seja garantida a liberdade de expressão de cada participante dentro da sua tradição religiosa;
b) que seja respeitada a identidade religiosa de cada participante, evitando-se afirmações que venham a desprezá-la;
c) que o evento com participação inter-religiosa não se torne um espaço de demonstração de superioridade ou autopromoção;
d) que seja expressão de um objetivo comum (a paz, a justiça, a reconciliação, a integridade da criação, o bem da cidade, etc.) e que este esteja claro no momento do convite;
e) que não sugira a criação de uma religião sincretista;
f) que não seja um mero subterfúgio religioso.
3. Tal celebração não deveria ser um evento isolado, mas ser fruto de um processo de preparação e de diálogo continuado, onde se trabalham medos, desconfianças e preconceitos, bem como se facilita o conhecimento mútuo.
4. É aconselhável que celebrações inter-religiosas sejam realizadas em espaços públicos, não pertencentes a uma religião específica, para evitar constrangimentos e para não privilegiar uma das religiões presentes. Isto não impede atos de hospitalidade inter-religiosa.
5. Recomenda-se que, nas celebrações inter-religiosas, os obreiros e as obreiras da IECLB usem traje civil com distintivo da IECLB ou colarinho clerical. Se o ato ocorrer numa igreja cristã, também podem ser usados o talar ou a alba com estola.
Porto Alegre, Quaresma de 2009.
Walter Altmann
Pastor Presidente

ANEXOS
1. GLOSSÁRIO
Ecumenismo vem da palavra grega oikoumene, significando “a (terra) habitada”. O sentido principal é geográfico-político (cf. Lc 2.1; At 11.28), às vezes com conotações culturais (cf. At 19.27). No âmbito teológico, destaca-se que a terra pertence a Deus (Sl 24.1), que mandou seu Filho ao mundo (Hb 1.6); que a missão se estende por ele (Mt 24.14; Rm 10.18) e que será sujeito ao julgamento (At 17.31). Ao chamar Nicéia (325) de “concílio ecumênico”, o Concílio de Constantinopla (381) introduziu o termo no uso eclesiástico, designando doutrinas e costumes de validade universal na Igreja. O sentido moderno da palavra foi introduzido pelo filósofo alemão Leibniz, no final do séc. XVII, e designa o empenho pela unidade das igrejas cristãs. É assim que é usado hoje pelas igrejas ligadas ao Conselho Mundial de Igrejas-CMI e ao Conselho Nacional de Igrejas Cristãs-CONIC.
Macroecumenismo é um termo que entrou em uso a partir da chamada “Assembléia do Povo de Deus”, realizada em Quito/Equador em 1992 como articulação própria ao comemorar os 500 anos da conquista do continente americano. Contou, entre outros, com o apoio de
entidades ecumênicas, como a Federação Universal dos Movimentos Estudantis Cristãos
(FUMEC) e a Comissão Latino-Americana de Educação (CELADEC). O termo foi divulgado no Brasil, entre outros, pelo monge beneditino Marcelo de Barros Souza e pelo 8º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), em Santa Maria/RS (1992). Pretende ultrapassar os limites da fé cristã para incluir outras religiões, como indígenas e afro-americanas.
Diálogo inter-religioso quer resgatar o intuito do “macroecumenismo”, mas prefere reservar o termo “ecumenismo” para o diálogo entre as igrejas cristãs (católico-romana, anglicana, protestantes, pentecostais etc.), conforme o uso moderno da palavra acima exposto. Trata-se, portanto, do diálogo em diferentes níveis – na convivência, na cooperação prática, na experiência espiritual, no diálogo sobre a doutrina, entre outras formas – entre diferentes religiões, como o cristianismo, religiões indígenas, religiões afro-brasileiras (candomblé, umbanda), espiritismo, islã, budismo etc.
Teologias das religiões são tentativas, dentro do cristianismo ou de outra religião (ali talvez sob outro nome), que tentam compreender as possibilidades e formas como Deus atua em outras religiões, e o caráter salvífico deste agir de Deus. Há três posturas básicas, cada uma com muitas variações: 1. “A minha religião é a única religião verdadeira”, o que significa uma postura exclusivista. 2. “Há elementos da verdade em outras religiões, mas a minha está mais próxima da verdade, ela é a mais verdadeira”, o que significa uma postura inclusivista. 3. “Todas as religiões são igualmente verdadeiras”, o que significa uma postura niveladora.
Sincretismo significa a mistura de religiões ou elementos destas, pela incorporação de tais elementos numa religião (por exemplo, a data de Natal no dia 25 de dezembro foi adotada no cristianismo a partir da festa do Deus-Sol, pré-cristã) ou pela criação de uma nova religião a partir de elementos de diferentes religiões (por exemplo, a umbanda reúne elementos africanos, indígenas, espíritas e cristãos). O termo em geral é usado de forma polêmica nas igrejas, querendo defender a pureza da própria religião contra influências de fora. Contudo, numa visão mais sóbria, não há dúvida de que cada religião incorpora ao menos elementos de outras religiões, que recebem um novo significado a partir deste processo.

2. BIBLIOGRAFIA
ALTMANN, Walter. Ecumenismo e diálogo inter-religioso. Carta da presidência aos membros, comunidades e paróquias, setores, departamentos e instituições, obreiros e obreiras da IECLB. IECLB Nº 105899/05. Porto Alegre, 24 de outubro de 2005.
BRANDT, Hermann. „Eu sou o caminho, a verdade e a vida“: A exclusividade do cristianismo e a capacidade para o diálogo com as religiões. Estudos Teológicos. a. 42, n. 2, p. 5-22, 2002.
______. Identidade luterana: ética, missão, diálogo das religiões. In: WACHHOLZ, Wilhelm (Coord.). Identidade Evangélico-Luterana e Ética. Anais do III Simpósio sobre Identidade Evangélico-Luterana. São Leopoldo: EST, 2005. p. 45-67.
BRAKEMEIER, Gottfried. Fé cristã e pluralidade religiosa – onde está a verdade? Estudos Teológicos. a. 42, n. 2, p. 23-47, 2002.
______. Preservando a Unidade do Espírito no Vínculo da Paz: um curso de ecumenismo. São Paulo: ASTE, 2004. 130p.
CONSELHO DE MISSÃO ENTRE ÍNDIOS. Convite à reflexão a partir da ação e revelação de Deus entre diferentes povos e culturas. Documento da Assembléia do COMIN, 17 de dezembro de 2005.
CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS. Orientações para o diálogo e as relações com pessoas de outras religiões. Genebra: CMI, 2005. 16p.
EVANGELISCHE KIRCHE IN DEUTSCHLAND. Christlicher Glaube und nichtchristliche Religionen: Theologische Leitlinien. Ein Beitrag der Kammer der EKD für Theologie. EKD-Text 77, 2003. Disponível em: http://www.ekd.de/EKD-Texte/44619.html, 08 set. 2006.
JUNGHANS, Helmar. A teologia de Lutero no diálogo inter-religioso e intercultural. In: Temas da Teologia de Lutero. Trad. Ilson Kayser et alii. São Leopoldo: Sinodal, 2001. p. 121-139.
LIENEMANN-PERRIN, Christine. Missão e diálogo inter-religioso. Trad. Walter O. Schlupp. São Leopoldo: Sinodal; CEBI, 2005. 164p.
[LUTERO] MARTINHO LUTERO. Obras Selecionadas. Vol. 8: Interpretação Bíblica: Princípios. 1 ed. São Leopoldo e Porto Alegre: Sinodal e Concórdia, 2003. 470p.
SINNER, Rudolf von. Diálogo inter-religioso. In: Confiança e Convivência. São Leopoldo : Sinodal, 2007. p. 119-132.

João Calvino – 500 anos #
O Reformador de Genebra é parte de nossa história

Introdução

A IECLB é uma igreja de confissão luterana e se alegra com essa identidade confessional. Mas ela tem também um preito de gratidão para com João Calvino, reformador de Genebra. Junto com Lutero, ele é reconhecido como um dos grandes reformadores da Igreja no século 16.

Alguns dados acerca da vida e da obra de Calvino

João Calvino nasceu em Noyon, na França, em 10 de julho de 1509. Celebram-se, pois, os 500 anos de seu nascimento. Calvino teve formação humanista, conhecendo à fundo os escritos da antiguidade, os pais da igreja, especialmente Agostinho, e os métodos da interpretação bíblica. Esta formação lhe conferiu, entre outras capacidades, uma extraordinária precisão na linguagem. Sua titulação foi na área do Direito, o que explica a importância que deu ao direito e à ordem eclesiásticos. Embora quase 26 anos mais jovem do que Lutero, foi contemporâneo dele, sem, porém, tê-lo conhecido pessoalmente. Chegou a interagir, no entanto, intensamente com o colaborador de Lutero, Felipe Melanchthon. Entre 1533 e 1534, Calvino aderiu intimamente ao movimento da Reforma iniciado por Lutero, fato que posteriormente ele viria a classificar como uma “conversão inesperada”, semelhante à de Paulo em Damasco, conversão esta que atribuiu à providência divina.

Ao longo de sua vida trabalhou, em diferentes versões, cada vez mais detalhadas, em sua obra máxima, as Institutas da Religião Cristã. Trata-se de uma súmula da fé cristã, um dos escritos teológicos mais relevantes de toda a cristandade. Inicialmente com estrutura semelhante à dos Catecismos Menor e Maior de Lutero, a primeira edição surgiu em 1536, e a última, já extremamente volumosa e transformada em tratado dogmático, em 1559. Nessa obra ele rejeita, à semelhança de Lutero, a “justiça das obras”, para apegar-se à “justiça de Cristo”, apreendida pela fé, pela qual o ser humano pecador aparece à vista de Deus como um ser humano justo.

Por essa opção Calvino teve que recorrer ao exílio, buscando refúgio em cidades-livres, como Genebra, Basiléia e Estrasburgo, que se inclinavam para a Reforma. Exortado veementemente por Farel, o qual se empenhava em introduzir a fé evangélica em Genebra, Calvino foi por ele convencido a permanecer nessa cidade, em vez de prosseguir a Estrasburgo como intencionava. Calvino atuou então em Genebra a partir de 1536, como professor e, ainda que fora autodidata teológico sem ordenação ministerial, também como pregador. Formulou as ordenanças eclesiásticas sobre a organização da igreja, entre outras prevendo uma celebração mensal (não semanal) da Santa Ceia, o canto de salmos no culto e uma rígida disciplina moral e eclesiástica. Sendo esta assunto polêmico, Calvino chegou a ser expulso da cidade, o que o obrigou a instalar-se em Estrasburgo até 1541, quando retornou a Genebra por solicitação de novos magistrados na cidade, para ali permanecer até sua morte em 1564. Aí liderou a Reforma e o processo de organização da igreja reformada e da própria sociedade genebrina. Na organização da igreja, deu participação decisiva a presbíteros e diáconos leigos, na organização da sociedade incutiu a observância de preceitos cristãos.

Sob a influência de Calvino, o culto passou a estar nitidamente centrado na pregação do Evangelho. Notáveis comentários bíblicos foram por ele escritos. A vida comunitária e a moral tinham um rígido regramento disciplinar. A dedicação do domingo ao culto e a proibição de imagens nos templos eram observados de forma consequente. A doutrina da dupla predestinação, para a salvação e a condenação, tem suscitado controvérsias até hoje, mas sua exposição por demais simplista, algumas pessoas predestinadas para a salvação, outras para a condenação, não faz jus à profundidade da teologia de Calvino, cujo interesse consistia acima de tudo em enfatizar a soberania de Deus sobre todas as pessoas e sobre o mundo, bem como a livre eleição pela graça divina.

A influência de Calvino na Igreja

A influência de Calvino se estendeu para muito além de Genebra, tendo sido decisiva no surgimento e desenvolvimento das igrejas reformadas e presbiterianas na Europa, nos Estados Unidos e, posteriormente, em todo o mundo. A comunhão das igrejas reformadas compreende hoje cerca de 75 milhões de fiéis em 214 igrejas congregacionais, presbiterianas, reformadas e unidas em 110 países. A maioria dessas igrejas assume um claro compromisso ecumênico e de responsabilidade social profética.

No Brasil, há várias igrejas presbiterianas e reformadas, sendo a maior delas a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), fundada em 1862 (data oficial 1859, com a vinda do primeiro missionário). A IECLB teve estreita parceria com a IPB no âmbito da antiga Confederação Evangélica do Brasil e intercâmbio entre suas respectivas faculdades de teologia em São Leopoldo e Campinas, até o golpe militar em 1964, quando embates teológicos e ideológicos levaram a rupturas internas naquela igreja. De outra parte, a IECLB tem mantido relações fraternas com a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPIB), criada em 1903, com a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil (IPU), criada a princípio como federação em 1978, e com a Igreja Cristã Reformada, com as quais compartilha membresia, seja no Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), no Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI) e no Conselho Mundial de Igrejas (CMI).

A influência de Calvino na sociedade

Desde a obra clássica de Max Weber, Ética Protestante e Espírito do Capitalismo (1904-1905), o nome de Calvino tem sido associado, de forma bastante simplificada, tanto às conquistas quanto às mazelas do capitalismo. Certo é que ele defendeu um sentido de vocação no trabalho e na ação social, com grande disciplina, associada a um estilo de vida bastante regrado, e assim contribuiu para o desenvolvimento da modernidade. Combinou o zelo na obtenção de lucro com a restrição no seu usufruto para fins pessoais, favorecendo seu re-investimento na empresa. Sua visão da sociedade e de sua organização política contribuiu para o desenvolvimento da democracia.

Assim como em Lutero, nem todas as ações de Calvino podem hoje ser justificadas. O episódio mais controvertido foi o papel de Calvino na condenação de Miguel Serveto à morte na fogueira em Genebra, em 1553, por heresia, ao rejeitar a doutrina da trindade. Contudo, desqualificar a obra de Calvino à base desse episódio, por mais deplorável que seja, revelaria desconhecimento dos processos históricos mais abrangentes. Não pode haver qualquer dúvida quanto à importância da obra de Calvino em seu todo e em suas repercussões. Em obra recente acerca de Calvino, o romancista e teólogo Klaas Huizing descreve sua contribuição com os termos reformador, organizador, arquiteto da fé, advogado de Deus, disciplinador e frutificador, realçando o legado que deixou até os dias de hoje.

O legado de Calvino e a IECLB

A IECLB é devedora do legado de Calvino também num sentido histórico bem específico. Ela tem sua origem na vinda de imigrantes evangélicos alemães, suíços, austríacos e de outros países europeus. Entre eles havia não apenas luteranos, mas também reformados (calvinistas e zwinglianos) e unidos (de luteranos e calvinistas). A mais antiga comunidade membro da IECLB, a de Nova Friburgo / RJ (maio de 1824), era constituída, em boa medida, de reformados. A maioria das comunidades da IECLB designa-se até hoje como “evangélica”, termo que caracteriza o centro da teologia tanto de Lutero quanto de Calvino. Se a IECLB, ao longo de sua história, se definiu mais e mais como sendo de confissão luterana, nunca o fez em antagonismo a Calvino ou à tradição reformada. Ao contrário, entende que as duas tradições se sabem irmanadas na fé em Cristo e na proclamação do evangelho da graça de Deus, pelo qual o ser humano, através da fé, é justificado. Diante dessa convicção comum no centro da fé, diferenças em outros tópicos teológicos podem ser reconciliadas como ênfases peculiares de cada uma das tradições, sem se excluírem mutuamente. Isso vale também no tocante à compreensão da Ceia, em que diálogos oficiais entre luteranos e reformados puderam remover o mal-entendido de que o calvinismo concebesse uma presença apenas simbólica de Cristo na Ceia.

A concordância básica alcançada nos diálogos referidos ficou expressa claramente, na Europa, na chamada Concórdia de Leuenberg (1973). Essa Concórdia elabora a compreensão comum do evangelho sobre a seguinte base: “A Igreja está fundamentada tão-somente sobre Jesus Cristo, o qual a congrega e a envia através da dádiva de sua salvação na proclamação e nos sacramentos. Segundo a compreensão reformatória, para a verdadeira unidade da Igreja é necessária e suficiente a concordância na reta doutrina do evangelho e na reta administração dos sacramentos.” Assim, as igrejas signatárias luteranas, reformadas, unidas, valdenses e dos irmãos moravos, se reconhecem em plena comunhão de púlpito e altar (palavra e sacramentos) e reconhecem mutuamente a ordenação de seus ministros. No Brasil, não temos tido um processo de diálogo entre luteranos e reformados com o objetivo de adesão à Concórdia de Leuenberg, mas a IECLB se sabe irmanada àquelas igrejas reformadas que compartilham dessas convicções fundamentais.

Conclusão

Nesse sentido, a IECLB se congratula com as igrejas presbiterianas e reformadas no Brasil pela passagem dos 500 anos do nascimento do Reformador João Calvino e reconhece a data comemorativa como parte significativa de sua própria história. Assim como queria o próprio Calvino, também a IECLB expressa “glória a Deus somente” (soli Deo gloria).

Porto Alegre 10 de julho de 2009.

Walter Altmann
Pastor Presidente da IECLB
Eleições 1989 #
Carta Pastoral da Presidência da IECLB
Ano: 1989
Presidência: P. Dr. Gottfried Brakemeier
A 15 de novembro do corrente ano, o Brasil comemora o centenário da Proclamação da República que deu início a regime democrático no País.
A data vem atender, após longa espera, um ardente anseio da Nação:
Volta a ser eleito, por voto popular, o Presidente da República. O evento se reveste da mais alta importância, também para a comunidade evangélica de confissão luterana. Ela faz parte da sociedade e, conseqüentemente, tem um compromisso político. Eis a razão desta carta.
As eleições ocorrem em momento particularmente tenso, marcado por sérias ameaças. O clamor por mudanças e melhores dias adquiriu intensidade sem precedentes. Caso for ignorado, a fúria dos que, mais uma vez, vêem frustadas as esperanças, pode detonar horrivelmente. Já agora o flagelo da violência assola o País. É de temer que há de agravar-se, caso não forem tomadas medidas urgentes em favor da elevação e proteção dos salários, de mais justiça, de melhor distribuição de renda e propriedade.
A consciência cristã deve o alerta a governantes, candidatos e eleitores. Não pode conformar-se com o crescimento da miséria e seus nefastos efeitos colaterais. Exige uma política social, econômica e agrária que seja responsável diante de Deus e da Nação, voltada, em especial, às necessidades dos segmentos desprivilegiados. É o que deverá determinar o comportamento eleitoral do cristão e de toda pessoa de boa vontade. Vai resistir a promessas enganosas, meramente demagógicas, traidoras dos justos reclamos do povo.
Como evangélicos de confissão luterana temos motivos para insistir em alguns importantes princípios:
1. Também a política está sob a exigência divina. Não é campo neutro, alheio à fé. Muito embora a Igreja não possa constituir-se em partido político ou grupo ideologicamente definido, cabe-lhe publicamente lembrar a vontade de Deus, válida para cristãos e não cristãos.
Vai priorizar a ética, opondo-se à corrupção, ao crime, ao fisiologismo, enfim à brutalidade que tantas vítimas faz. Candidato à Presidência deve ser sensível frente a sofrimento humano, saber enfrentar as forças que o produzem e empenhar-se na moralização das instituições públicas.
2. É espantosa a fragilidade da democracia no País. Sempre de novo é declarada ameaçada. Entendemos ser o regime democrático merecedor de compromisso especial por parte dos cristãos em nossos dias. Oferece as melhores chances de corrigir as distorções sociais e de superar a injustiça. Valoriza o cidadão e simultaneamente o responsabiliza. Cumpre assim o que a Bíblia diz sobre a dignidade do ser humano em sua qualidade de criatura amada por Deus. O espírito democrático não permite à Igreja privilegiar candidatos ou partidos de sua simpatia. Aposta na maturidade e responsabilidade dos eleitores. Não os sujeita a tutela eclesiástica. Pela mesma razão espera-se que candidato à Presidência da República saiba respeitar a instituição democrática e a soberania política do povo que lhe confere o mandato.
3. Política, além da ética, exige o bom senso, a sobriedade, o realismo. Deve ser livre de obsessões ideológicas causadoras de prejuízo à democracia, à paz social e ao bem comum. Nas campanhas eleitorais, o que interessa não é a polêmica, o apelo emocional, a mera oposição à situação vigente. Importante mesmo é a proposta de governo. Candidato à Presidência deve prestação de contas de seu programa e da maneira como pretende alcançar os objetivos.
As eleições deste ano representam, outra vez, um tênue fio de esperança no sombrio horizonte político brasileiro. Seria ilusório esperar milagres do novo Presidente. Vai necessitar da cooperação do povo, do congresso, dos partidos, dos meios de comunicação. Mas o esforço não admite delonga. Passos enérgicos deverão ser dados em direção a mais paz e mais justiça, mais credibilidade e melhores condições de vida.
A comunidade evangélica de confissão luterana no Brasil conclama eleitores e eleitoras a pesarem o seu voto, a participarem da conscientização democrática e a colaborarem na construção de um futuro melhor.
É o que Deus espera. Irresponsabilidade está sob seu juízo. Sua bênção, tão almejada, pressupõe o nosso esforço.
Porto Alegre, 24 de agosto de 1989


Eleições 1992 #
Carta Pastoral da Presidência
Ano: 1992
Presidência: P. Dr. Gottfried Brakemeier
Democracia não se decreta de cima nem se instala por simples determinação legal. Exige a vontade popular e uma prática de participação responsável na condução dos destinos da Nação. Quer ser aprendida. Nesse processo, também a Comunidade de Jesus Cristo, chamada ao serviço à vida, cumpre importante função. É este o motivo da presente manifestação.
Aproximam-se as eleições municipais. Acontecem em clima político e social agitado, decisivo para o futuro da Nação. O povo, no exercício da cidadania, se mobiliza para recuperar a dignidade das instituições políticas, para ver respeitados seus direitos sociais e para coibir a corrupção, o abuso do poder e o desprezo ao bem comum. Há sinais promissores de mudança. Importa não resignar, e, sim dar continuidade ao movimento. O anseio por governo honesto, por punição do crime e por reversão do quadro de miséria que nos horroriza não permite ser novamente frustrado.
A luta por este nobre objetivo deve prosseguir em todos os níveis, sendo as eleições a 3 de outubro próximo mais um privilegiado momento para tanto. O dever ético impõe a necessidade do voto responsável. Por isto importa:
1. Privilegiar candidatos e candidatas de comprovada integridade moral e de competência administrativa.
2. Repudiar a compra de votos por favores pessoais e meros presentes eleitorais.
3. Insistir na apresentação de programas e metas por quem aspira um cargo público.
4. Examinar a credibilidade, a autenticidade bem como o compromisso com a justiça social por parte das pessoas que disputam os cargos.
5. Cobrar de quem se elegeu o cumprimento das promessas e o bom exercício do mandato. Julgamos que o voto em branco não é solução. Nem o são a apatia e o desinteresse político. Sob a perspectiva evangélico-luterana, assumir responsabilidade pela causa pública é exigência do próprio Deus e uma maneira de render-lhe culto. Não tem o direito de queixa quem se esquiva dessa responsabilidade. Importa dar um “basta!” à politização da ética. Urge, pelo contrário, a moralização da política. Comunidade evangélica é convocada a contribuir para tanto, ensaiando o exercício da democracia através de ação criteriosa.
Que Deus assista ao povo brasileiro no pleito a realizar-se em breve, para que, mais e mais, a paz e a justiça venham a prevalecer na sociedade brasileira.
Porto Alegre, 04 de setembro de 1992


Plebiscito 1993 #
Carta aberta às Comunidades
A 21 de abril do corrente o povo brasileiro irá às urnas para decidir para decidir sobre a forma e sistema de Governo. Dada a importância que o assunto tem para o futuro da Nação, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) sente-se na obrigação de dirigir-se às suas Comunidades e aos demais segmentos da sociedade, a fim de alertar para a necessidade do voto responsável e consciente. Cabe ao povo dizer se o País deverá continuar sendo uma República ou voltar a ser uma Monarquia. E em permanecendo a República, a decisão a ser tomada é entre Parlamentarismo e Presidencialismo.
Há condições a serem cumpridas para o bom funcionamento da democracia.
A lembrança dessas premissas faz parte do mandato diaconal e pastoral da Igreja de Jesus Cristo
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana, por tradição e convicção, se abstém de tutelar a liberdade dos e das votantes. Embora atribua às questões políticas grau de extrema relevância e veja no exercício dos deveres civis um compromisso inerente ao próprio Evangelho, insiste na soberania do povo e na condução da causa pública por ele mesmo. Entretanto, há condições a serem cumpridas para o bom funcionamento da democracia. A lembrança dessas premissas faz parte do mandato diaconal e pastoral da Igreja de Jesus Cristo.
Com respeito ao plebiscito a realizar-se em breve, constatamos e recomendamos, pois:
1. É imprescindível ampla e sólida informação sobre a matéria em questão. Encorajamos as Comunidades e a todos os cidadãos a buscarem os subsídios correspondentes e a promoverem o debate. Aos membros da Igreja Evangélica de Confissão Luterana permitimo-nos chamar a atenção às cartilhas lançadas pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER) e pelo Instituto de Estudos Sócio-Econômicos (INESC), bem como, à edição do Jornal Evangélico nº 3 deste ano, entre outros.
2. Deve ser repudiada uma propaganda que usa inverdades e confunde as opções políticas com mercadorias a procura de comprador. Tal propaganda, ao apelar a emoções muito mais que ao juízo promove a desinformação. Convém a vigilância crítica com referência às propostas.
3. Embora a Igreja, ao longo de sua história, tenha convivido com muitas formas e sistemas de Governo, entendemos que, do ponto de vista cristão, deva merecer preferência o modelo que assegure mais democracia e melhor controle do povo sobre quem governa. A Nação brasileira tem um direito à justiça, à participação na definição dos rumos políticos e ao respeito à dignidade da vida. É o critério a nortear a opção a tomar.
4. Por ser assim, a responsabilidade do povo não se resume ao voto no dia 21 de abril. Importa acompanhar atentamente a regulamentação da decisão que saiu vitoriosa. Essa regulamentação, que está a cargo do Congresso e obedece a dispositivo constitucional, será tão importante ou mais quanto o próprio plebiscito.
5. Seria ilusório, porém, esperar de uma decisão apenas formal, a reversão do quadro aflitivo da sociedade. Ela não é fórmula mágica a solucionar os problemas nacionais, nem permite subtrair a atenção dos mesmos. O plebiscito é uma medida administrativa que será exitosa somente se inserida no amplo combate à miséria e angústia reinante no País.
6. Continua urgente no Brasil a campanha pela ética na política. A corrupção, as distorções sociais, a falta de credibilidade das instituições do Estado persistem e exigem a mobilização do povo em demonstração de sua inconformidade e vontade. O crime não pode permanecer impune e a igualdade de direitos é bandeira a ser empunhada energicamente por toda a Nação, ansiosa que está por paz, dignidade e bem-estar geral.
O plebiscito de 21 de abril será mais uma oportunidade de exercício da democracia e cidadania.
Exigirá continuidade num esforço conjunto por um futuro mais auspicioso. A Comunidade Evangélica, juntamente com todas as Igrejas e entidades sociais, são chamadas a emprestarem seu apoio a tanto. E rogamos a Deus queira conduzir o País no caminho do bem e da justiça.
A Presidência e os Pastores Regionais da IECLB
Florianópolis (SC), 18 de março de 1993


Eleições 1994 #
Carta Pastoral da Presidência
Ano: 1994
Presidência: P. Dr. Gottfried Brakemeier
A 3 de outubro do corrente ano, o povo brasileiro voltará às urnas para expressar, mediante voto, sua vontade política. É o que motiva a Presidência da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil a lembrar às comunidades evangélico-luteranas e, por extensão, a todo cidadão e cidadã do País, compromissos inerentes à responsabilidade diante de Deus e da sociedade.
1. O exercício da cidadania é direito e dever outorgado ao ser humano por Deus. Documenta sua dignidade e dela decorre. Eis por que a democracia merece a absoluta preferência entre os sistemas políticos. É o único a garantir aos membros da sociedade a plena participação e a co-responsabilização pelos assuntos públicos. As eleições que se avizinham representam mais outra oportunidade para fortalecer a democracia, ainda jovem e frágil no País, e tomar influência nos rumos da Nação. A não-participação seria equivalente a grave omissão.
2. É inadmissível querer manter a comunidade cristã alheia à questão política. O bem da criatura está em jogo, seus mais legítimos interesses, princípios éticos. Deve ser rejeitada, pois, a tese da incompetência política da comunidade cristã. A prece pelo pão de cada dia incumbe o povo cristão a trabalhar pelo bem-estar da sociedade, aliás, em cooperação com todas as pessoas de boa vontade. Deus não permite ao ser humano o arbítrio, razão pela qual as eleições, as campanhas, o desempenho político das autoridades interessam à comunidade cristã, inclusive sob a ótica da fé. Assuntos políticos têm relevância religiosa, e a Igreja e seus fiéis possuem um mandato político.
3. Importa, porém, não misturar a política e as políticas partidárias. Há um compromisso comum válido para todos os partidos e todos os segmentos sociais, a saber: empenhar-se em favor da paz social, da justiça, da proteção à vida e ao meio ambiente. Mas os respectivos programas permanecem discutíveis e necessitam ser detalhados em propostas partidárias. Não existe programa político capaz de ser qualificado como "cristão". Todos devem sujeitar-se a exame crítico à base de princípios éticos, demonstrar sua eficiência e competir na obtenção de apoio popular. Resulta daí:
a. A Igreja não deve prescrever a seus membros a opção partidária a tomar. Seria extremo paternalismo. A Igreja encoraja os/as eleitores/as a avaliarem as plataformas dos/as candidatos/as e os programas partidários, para então tomarem sua decisão.
b. A Igreja não pode consagrar determinado programa partidário nem certos/as candidatos/as. Em consonância com sua tradição, a comunidade evangélico-luterana se opõe a todo tipo de messianismo político, que no fundo é anti-democrático. Existem, isto sim, propostas partidárias melhores e outras piores. Descobri-lo é tarefa do/a eleitor/a. Mas não existem programas absolutos ou sagrados, isentos de exame e responsabilização humana.
4. Em termos concretos, a consciência cristã insiste em ver cumpridas as seguintes exigências democráticas:
a. Que seja feito uso condigno do direito e dever do voto. Para tanto é premissa não só a boa informação sobre os/as candidatos/as e sua respectiva plataforma, mas também o combate à vergonhosa venda e compra de votos por favores ou outros motivos. Tal prática subverte a democracia.
b. Que a atividade política do povo não se limite ao momento da eleição. Abrange a livre manifestação, o acompanhamento atento do exercício dos mandatos, a participação na responsabilidade coletiva. Democracia requer cidadãos e cidadãs conscientes bem como governantes prontos à pública prestação de contas.
c. Que se torne amplo e geral o repúdio aos escândalos que envergonham e atormentam a Nação. O Estado de Direito, meta implícita na boa democracia, não pode conviver com a corrupção, a impunidade, a injustiça, a pobreza e a violência. Importa fortalecer a inconformidade popular com estas e outras chagas da sociedade e mobilizar forças para seu enérgico combate. É o que deverá unir o povo eleitor, os partidos políticos, as instituições estatais, as organizações não-governamentais - entre elas as Igrejas - e, não por último, os/as candidatos/as a cargos públicos.
d. Que seja fomentada no País uma nova concepção do que seja política. Sob a perspectiva ética, os mandatos obtidos em pleito público se destinam a servir ao bem comum, não à promoção individual ou corporativista. A visão da sociedade maior e de suas necessidades deve pautar a atuação do governo, das instituições e organizações sociais, bem como de cada pessoa individualmente. Isto inclui a opção por um modelo econômico que prometa melhores condições de vida a toda a população, sem excluir do benefício nenhuma parcela da mesma.
e. Que haja intenso debate pré-eleitoral no País, com o fim de testar as propostas, oportunizar a participação popular em sua definição e contribuir para a conscientização da importância de que o dia 3 de outubro próximo se reveste. Conclamamos as comunidades evangélico-luteranas a tomarem, também elas, iniciativas correspondentes.
O Brasil, por entidades internacionais, é considerado país sob ameaça de uma convulsão social. Os numerosos conflitos, a crescente violência, a realidade da fome e da doença, a flagrante falência de muitas instituições estatais confirmam o alerta. A situação atual do País fere os propósitos de Deus, zeloso do bem da criatura. Exige-se, pois, reação imediata e incisiva, a fim de que a paz social - pré-requisito da saúde de uma Nação - seja assegurada. Cumpre-nos rogar a Deus para que nos assista neste esforço.
Porto Alegre, 15 de julho de 1994


Eleições 2004 #
CARTA PASTORAL – ELEIÇÕES MUNICIPAIS 2004
Em momentos determinantes da sociedade brasileira, a IECLB, no exercício de sua responsabilidade pública, tem dirigido a suas comunidades, em particular a seus presbitérios, e aos integrantes de seu quadro de obreiros e obreiras, sua mensagem de estímulo ao compromisso com a nossa realidade.
O pleito eleitoral é um destes momentos, visto que se reveste sempre de profundo significado e pode abrir caminho para respostas às grandes questões que afetam o desenvolvimento de um país e o futuro de seu povo e instituições. Nesse processo, renova-se a esperança por mudanças que assegurem novas possibilidades de vida numa conjuntura favorável às transformações há tanto reclamadas pelos setores mais desprivilegiados de nossa sociedade.
Qual a responsabilidade da comunidade cristã nas eleições e nos processos políticos? Pelo amor, as pessoas cristãs são servidoras umas das outras (Gálatas 5.13), e esse servir inclui a política. Assim, às vésperas de novas eleições municipais, reafirmamos a nossa responsabilidade, como Igreja de Jesus Cristo, nos assuntos políticos e sociais de nossa pátria, e chamamos a atenção para alguns pontos decisivos no atual cenário político brasileiro.
Eleições: uma questão de todos nós
A importância do processo democrático na ótica e vivência luteranas
Eleições são significativas em uma democracia. Elas são parte fundamental na construção do pacto social que determina os caminhos sociais, econômicos e ambientais no dimensionamento da qualidade de vida de toda a população.
Historicamente, nos mais diferentes países, a comunidade luterana colaborou em muito para que a sociedade tivesse o direito de escolher seus dirigentes. Eleições estão, de certa forma, implícitas na compreensão evangélico-luterana de comunidade como “sacerdócio de todas as pessoas” ou como corpo de Cristo, conforme a compreensão apostólica. Na prática luterana, e também na vivência da IECLB, há eleições para a escolha de obreiros e obreiras nos campos de trabalho, de pessoas integrantes dos presbitérios nas comunidades, bem como para os cargos de Direção da Igreja.
Martim Lutero defendeu o direito das comunidades tomarem suas próprias decisões, enquanto os países e territórios ainda eram governados por reis e príncipes, que não eram escolhidos pelo povo. Eleições são, portanto, preciosos espaços para a comunidade luterana. Esta compreensão foi colocada em prática pelos protestantes ainda no Brasil Império, quando aqui se fixaram a partir de 1824, há 180 anos. Eleições são um importante instrumento para a construção de uma sociedade livre e democrática, com um pacto social consistente, que promova a liberdade, a justiça e a paz.
Hoje, muitas pessoas se mostram indiferentes em relação às eleições. Certamente, esta postura não contribui para a democracia e para o pacto social. No entanto, estamos sendo chamados para o testemunho, também no campo da política, e não podemos nos omitir. Não é possível deixar o destino de um município, estado ou da própria nação na mão de um pequeno grupo, mesmo que este afirme que quer fazer o melhor pelo povo. A visão e a consciência de um pequeno grupo são sempre parciais e limitadas; por isso, devem ser motivo de constante alerta e atenção. Nesse sentido, eleições são um instrumento do amor cristão para libertar a nação de visões e consciências viciadas. Para tanto, pessoas cristãs e não-cristãs atuam no âmbito da política, da economia e da ordem social, mediante o uso da razão. No entanto, essas áreas da vida humana em sociedade, conforme Lutero, estão submetidos às exigências da vontade de Deus, e tudo o que nelas se fizer, mediante a razão, deverá estar a serviço do amor, do atendimento às necessidades humanas do povo, do estabelecimento do direito e da promoção da justiça. Para que este propósito se cumpra, a razão deve ser libertada de seus interesses em proveito próprio e ser capacitada para servir.
O crescimento do “voto evangélico”
Um novo cenário no processo eleitoral
Entre os eleitores no país (hoje cerca de 120 milhões), há um expressivo e crescente número de “votos evangélicos” (aproximadamente 20 milhões de votos). Estes podem, em várias circunstâncias, ser determinantes na consagração de candidatos a cargos públicos. Isso torna os evangélicos um segmento cobiçado do colégio eleitoral, criando o risco de alianças comprometedoras e prejudiciais para o futuro e a credibilidade de nossas instituições sociais, reduzindo o nosso voto a interesses particulares e em benefício de projetos institucionais e paroquiais. Isso significa a distorção de nosso compromisso maior – empenhado, no conjunto da sociedade brasileira, com as necessidades básicas de nosso povo, sem distinções de natureza confessional ou ideológica. Como evangélicos, membros da comunidade luterana, estamos inseridos na realidade social e na política, e não podemos deixar de exercer plenamente o nosso direito e dever de votar com a consciência voltada para a grandeza de uma nação, por sua vez inserida no contexto internacional, como uma voz nova e atuante no clamor universal para um novo mundo de justiça e de paz.
Antigas realidades – permanentes desafios
Promessas e fatos: até onde vai o poder dos candidatos
Em períodos eleitorais, a propaganda dos mais diferentes candidatos e partidos tende a ressaltar as mesmas grandes questões locais e nacionais, prometendo soluções muitas vezes fora de suas capacidades legais ou pessoais.
Uma análise de eleições anteriores demonstra que, tantas vezes, são feitas promessas posteriormente abandonadas ou impossíveis de serem cumpridas na prática. Em conseqüência, a política e o mandato público são vistos, mais e mais, de forma negativa pelo povo. Há temas, por certo, indispensáveis no contexto de nossa realidade. Não é possível esquecer que elementos necessários para a construção democrática de uma nova sociedade são os direitos humanos e a cidadania. E cidadania requer ações como luta contra a miséria, a fome, a doença e o desemprego; esforço para extirpar a violência e a corrupção, as desigualdades sociais e a destruição do meio ambiente; empenho em favor de educação e moradia para todos, de reforma agrária, de libertação do trabalho escravo e de um novo destino para as crianças de rua.
São estes, entre tantos outros, os mesmos velhos e desafiadores problemas que atravessam a nossa história e afetam profundamente o processo de reconstrução do país. Na medida em que buscarmos sua solução ou superação, estaremos contribuindo não apenas para renovar radicalmente a nossa sociedade, mas para oferecer ao mundo uma nova id de qualidade de vida – e vida em abundância (João 10.10). E, se parece que entramos no mundo da utopia, devemos lembrar que no horizonte de novos céus e uma nova terra, segundo a promessa de Deus (2 Pe 3.13), devemos inserir também nosso sonho libertador guiados pelo Senhor Jesus, que deu a sua vida em favor da humanidade (Jo 3.16), e nos convida e desafia a segui-lo em fé, esperança e amor (1 Co 13.13).
Devemos cuidar também para que esses desafios vitais da realidade humana, resumidamente indicados, não fiquem no terreno de meras promessas, não cumpridas talvez por falta da constante vigilância que o momento exige de todos nós. Isso porque nossa atuação na política e na sociedade não termina com o voto. Muito pelo contrário, é com ele que começa e se aprofunda a nossa responsabilidade pública como pessoas cristãs.
Pontos de partida para a mudança
Olhando para a realidade dos municípios brasileiros
As eleições municipais – e sua significação para o poder local - estabelecem um parâmetro fundamental para o exercício da cidadania, preparando-nos para outras instâncias da prática democrática, predominantemente em termos nacionais. Agora, porém, como cidadãos e cidadãs responsáveis, temos a oportunidade de enumerar os problemas mais graves e urgentes em nosso município e na cidade onde vivemos.
Pensando em cada um dos nossos municípios, podemos levantar uma série de perguntas que poderão guiar nosso discernimento político e nossa decisão de voto. Seguem alguns exemplos: Será que estamos no bom caminho? A cidade está arborizada? Nossas ruas, rios e córregos estão limpos? O trânsito é tranqüilo e ordenado? É possível circular de bicicleta sem risco de perder a vida? E em cadeira de rodas? É possível conversar sem competir com propagandas gritadas e carros de som? As festas terminam sem violência? Todas as crianças e jovens estão na escola? As pessoas recebem prontamente o adequado atendimento à saúde? Todos os adultos têm trabalho e ocupação dignos? (Cf. Luis Felipe Cesar, Ponte Velha). Se a resposta a essas perguntas for não, estamos pelo menos melhorando? As leis e os projetos públicos estão na direção certa? A política é transparente? A população pode participar nos processos de decisão e nos programas ou é mero objeto?
Estas e muitas outras perguntas, de acordo com cada realidade, podem servir de base para um oportuno diálogo com as candidatas e os candidatos, principalmente os de origem evangélica, dando-lhes a assessoria possível, fazendo-lhes sentir as expectativas da população e as exigências do próprio Senhor da vida. Cada comunidade saberá, nos limites de seus municípios e cidades, quais as maiores e mais urgentes necessidades do povo – e as formas de culto e de conscientização que estimulem os seus membros –, sem esquecer a influência que exerce na própria sociedade local, na reivindicação das soluções adequadas a cada situação.
A responsabilidade pública da comunidade cristã não se esgota com a participação nas eleições. Ela se estende ao longo do mandato das pessoas eleitas. Nesse tempo ela adquire a id da vigilância e da consciência crítica. Cabe-nos vigiar e contestar as autoridades, sempre que descumpram os seus compromissos e deveres para com o povo e a sociedade, como ainda dizia Lutero: “Não é subversivo criticar a autoridade quando ocorre livre, pública e honestamente no ministério ordenado da palavra de Deus. Ao contrário, é uma rara virtude louvável e nobre, até mesmo um serviço a Deus especialmente grande.”
Responsabilidade pública dos cristãos
A política como instrumento para a promoção da vida digna
A palavra “política”, na sua origem, tem o significado de “administrar as coisas públicas em favor de todos os cidadãos”. Isso significa que o amor ao próximo usa a prática política como instrumento eficaz para solucionar os problemas do nosso povo e promover a renovação da vida em todas as instâncias sociais. E assim chegaremos ao município e à cidade que desejamos, ao mundo melhor com que sonhamos.
Lutero colocava o Evangelho acima de todas as coisas. Ainda assim, não se descuidava dos assuntos políticos, econômicos, sociais, culturais – como expressões da responsabilidade provinda da fé, diante de Deus e do próximo. Podemos entender a relação entre fé e política, a partir de suas colocações, como uma prática sob a soberania de Deus, Senhor tanto da Igreja como do Estado. Na Igreja alimentamos nossa fé pela palavra e pelos sacramentos. Em nossa vida pública exercitamos a justiça e o cuidado para com os mais fracos como propósito divino contra a tentação das injustiças e das exclusões. Através da política e do Estado (leis, programas, movimentos sociais, partidos e governos) exercitamos nosso amor para com o próximo, atendendo o povo em suas necessidades e anseios por uma vida digna.
Porto Alegre, 11 de agosto de 2004
Walter Altmann
Pastor Presidente da IECLB


Eleições 2006 #
Carta Pastoral da Presidência
Ano: 2006
Presidência: P. Dr. Walter Altmann
POR UM PROJETO PARA O BRASIL
Eleições fazem parte da história de nossas comunidades. Temos eleições de presbitérios, nos sínodos e para a direção nacional da Igreja. Eleições são, pois, de grande importância para a vida de nossa igreja. Imaginem então que importância têm as eleições para nossos estados e para o nosso país! Votar é algo que faz parte de nosso compromisso social como pessoas luteranas. Lutero foi alguém que não se descuidava dos assuntos políticos e tinha uma palavra de orientação evangélica para essa área. A política deve contribuir para a paz, o bem-estar e a justiça sociais. Conclamamos nossos irmãos e irmãs a refletirem sobre esse assunto e a ajudarem outras pessoas a pensar a respeito:
De certo modo, estas eleições são diferentes de outras. Constatamos, com inconformidade, que grande parte das esperanças do povo brasileiro num governo e instituições democráticas comprometidas com a justiça social e a dignidade humana foram frustradas. Uma grave crise ética se abala sobre a Nação. O povo brasileiro sempre suspeitou de que tem havido corrupção bastante generalizada no país, em todos os níveis. Mas ela agora apareceu escancarada a nossos olhos. A decepção é muito profunda. Novamente encontramo-nos em uma situação de crise que gera, por parte da população, a descrença nas instituições e na ação política, seduzindo-a a abster-se de votar ou a anular o seu voto.
Tudo isso é doloroso, mas talvez seja um preço necessário para colocarmos um fim na história de impunidade no país. Ainda assim, quando olhamos para as eleições, o país precisa também discutir questões mais de fundo. Vamos continuar indefinidamente com uma injusta distribuição de suas riquezas, das mais injustas do mundo, inclusive com a destruição de nossos bens naturais, como a floresta amazônica? Precisamos de novo sistema tributário, democratização do acesso à terra e uma reforma urbana, democratização e controle dos meios de comunicação, distribuição de riquezas, utilização de recursos para a geração de empregos, novo modelo agrícola e agrário, uma escola pública de qualidade em todos os níveis, fim da impunidade dos corruptos e daquelas pessoas que violam os direitos humanos, e, não por último, de uma reforma política.
Como comunidade cristã, em obediência ao mandato de nosso Senhor Jesus Cristo somos desafiados a refletir sobre o país que somos e a democracia que desejamos. Na medida em que buscarmos a solução ou superação dos problemas que marcam a nossa história no momento, estaremos contribuindo não apenas para renovar radicalmente nossa sociedade, mas também para oferecer ao mundo um novo projeto de qualidade de vida. Nessa reflexão, pedimos a orientação do Espírito Santo.
Precisamos reaprender que grande não é quem se serve, mas quem está disposto e disposta a servir. “O maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve” (Lucas 22.26). Algo dessa importante dimensão do servir experimentamos no aumento da participação das igrejas cristãs em programas sociais, a convite do governo, no povo organizado que re-inventa a democracia e ocupa novos espaços públicos de participação com alternativas de vida e de sobrevivência, e não por último na esperança motivadora que nos vem da promessa de um “novo céu e uma nova terra nos quais habita a justiça” (2 Pedro 3.13).
Dentre nossas tarefas como pessoas que seguem a Jesus Cristo no mundo em que vivemos, está o ato de votar conscientemente. Esta tarefa não se esgota no voto consciente, mas nos leva também a uma participação em movimentos populares, sindicatos, ONGs, conselhos municipais (por exemplo, na área da saúde e da educação).
Para as eleições, sugerimos e apelamos:
- Vote! Não anule o seu voto! Valorize sua opinião e convide outras pessoas a fazerem o mesmo.
- Verifique quem são as pessoas que disputam seu voto, busque conhecer o histórico de cada qual. Elas estão ou já estiveram envolvidas em casos de corrupção?
- Lembre-se: nem todos os políticos são iguais. Examine bem e busque os melhores e mais confiáveis!
- Confira quem financia o seu candidato ou a sua candidata. Você acha que ele ou ela vai trabalhar em favor da sociedade ou de quem deu o financiamento?
- Política não pode ser desenvolvimento de projetos pessoais ou de grupos privilegiados. Procure dar seu voto a quem busca o bem geral do povo, em particular as pessoas de maior necessidade.
- Busque conhecer o projeto do seu candidato ou de sua candidata, e também de seu partido. E pergunte-se: é apenas discurso ou realmente compromisso?
Não se esqueça: o exercício do voto consciente também faz parte do amor ao próximo!
Porto Alegre, 7 de setembro de 2006, Dia da Independência


Eleições 2008 #
CARTA PASTORAL
ELEIÇÕES 2008
Uma palavra da IECLB
As eleições municipais se aproximam. Informações e propaganda chegam de todo lado. Os candidatos nos apresentam propostas e promessas. Às vezes é difícil distinguir uma promessa da outra, principalmente quando elas são apenas velhos chavões e não muito concretas. Diante disso, temos como nos orientar?
A essa pergunta respondemos com um decidido sim, fundamentados na Escritura. “Que cada qual use o seu próprio dom para o bem das demais pessoas.” Essa palavra apostólica (1 Pedro 4.10) vale também para quem está na política. Trata-se de um importante espaço para servir. Mas, bem sabemos, a política também pode ser desvirtuada em espaços nos quais as pessoas buscam vantagens próprias, esquecendo-se do bem do povo.
Em verdade, há entre o povo muita decepção com políticos. Não são poucas as pessoas que falam até em deixar de votar ou em votar em branco, pois, assim se diz, “do mesmo vai ficar tudo igual”. De fato, quanto mais tomamos conhecimento de casos de corrupção, tanto mais aumenta o desânimo. No entanto, não votar ou votar em branco é favorecer justamente aqueles candidatos que não deveriam ser eleitos e o gesto acaba sendo um voto de apoio ao que se quer evitar. Por isso, votar é preciso! Além disso, como o voto é obrigatório, muitas dessas pessoas acabam votando, sim, e como não se informaram antes, votam muito possivelmente em candidatos que não merecem sua confiança, mas atraíram sua atenção.
Felizmente, nem todas as pessoas que atuam na política são iguais. E a política é também o caminho para obtermos melhores serviços públicos, mais atenção à saúde, à educação, à segurança. Através do nosso voto assumimos a co-responsabilidade política e exercemos cidadania. O voto, além de ser o meio de escolher nossos governantes, é também uma espécie de passaporte para fiscalizar nossos administradores. Atualmente existem sempre mais maneiras de exercer esse cuidado, porque as informações circulam mais e estão mais disponíveis. Verdade que temos um grande desafio: distinguir informações falsas e até calúnias de informações verdadeiras. Por trás das informações há interesses que precisamos descobrir.
Como seja, o voto é um instrumento fundamental da democracia. Se todos levarmos a sério a importância do voto consciente, os males e as desigualdades serão diminuídos e teremos mais paz e justiça em nossa sociedade.
Quais são os critérios que devemos observar na escolha de nossos governantes? Antes de mais nada, é preciso conhecer os candidatos. Procure conhecê-los pessoalmente. Busque, também por outros meios, todas as informações possíveis. Quem são? Em que ocupação ou cargo já atuaram? Como se saíram? Como lidam com as pessoas e com qualquer patrimônio que lhes é confiado? As promessas que fazem, são realizáveis? Irão beneficiar a quem? Que visão os candidatos têm do seu município? Suas propostas levam em conta a diversidade característica do seu lugar? Os projetos que apresentam favorecem à população como um todo ou apenas a alguns grupos? O que pensam acerca de segurança pública, saneamento e moradia? Que projetos têm para melhorar as áreas mais pobres do município?
Quanto aos candidatos que buscam reeleição, eles já têm uma grande vantagem sobre os demais por serem geralmente mais conhecidos. Nesse caso é muito importante olhar para como foi a sua administração tanto nas chamadas áreas nobres da cidade como na periferia e no interior. Que cuidados tiveram com as vias públicas e áreas de lazer, com a distribuição de água, com o transporte público, que projetos sociais concretizaram em seu governo? Como estão o hospital e os postos de saúde? E as escolas e creches do município? Apoiaram as associações de moradores e os movimentos sociais existentes?
Em se tratando da Câmara de Vereadores, é preciso perguntar qual o tipo de legislação que os candidatos e as candidatas pretendem defender e quem será beneficiado por ela. Tratando-se de candidatos à reeleição, é bom descobrir se foram assíduos ou gazeteiros, se usaram dinheiro público para finalidades próprias, se beneficiaram parentes e amigos distribuindo cargos, ou se seu mandato não serviu apenas para propor uma infinidade de honrarias e sessões solenes. De outra parte, bons candidatos, quando eleitos, são representantes diretos do povo, podem defender seus legítimos anseios e gestionar seu atendimento por parte da Prefeitura. Se isso ocorreu, deve ser valorizado.
Em relação a qualquer candidato é preciso fazer a pergunta por demandas na justiça. Se há processos contra eles, de que natureza são? Qual a sua origem? Nossa legislação infelizmente ainda permite que pessoas condenadas em primeira e segunda instância se candidatem, mas elas não deveriam receber nosso voto, a não ser que haja firme e fundamentada convicção do eleitor de que tenha havido injustiça na condenação.
Há ainda a questão do patrimônio pessoal de quem se candidata. Em caso de candidatura à reeleição: durante o mandato anterior, qual foi a alteração em seu patrimônio? Em caso de candidatura a primeiro mandato: que caminhos tem usado até agora para constituir e aumentar o seu patrimônio?
Também existe um critério para que o próprio eleitor possa se auto-avaliar: dando o meu voto, o que quero? Estou buscando algum favorecimento pessoal? Estou pensando no todo da sociedade? Já me satisfaço se a minha rua e o meu bairro forem atendidos? “Vendo” o meu voto a determinado candidato ou candidata em troca de uma promessa que me beneficiará? Sabemos que infelizmente há candidatos e há eleitores que fazem esse jogo. Mas esse jogo não condiz com a mensagem cristã de amar ao próximo.
Votar é preciso para o bem do meu município e da minha sociedade, pois é o jeito de ajudar na administração do mundo criado por Deus e confiado aos seres humanos. É vontade do criador que todas as pessoas, criadas à imagem de Deus, possam viver com dignidade. É neste horizonte que devemos votar, pois injustiça, miséria, mentira, egoísmo são afrontas a Deus e à vida humana.
Votar com consciência é dever cristão. A política não é pecado, como muitas pessoas pensam, mas infelizmente ela é usada muitas vezes a serviço do pecado humano. Já uma política exercida com capacidade, em responsabilidade, honestidade e retidão, é um nobre e elevado exercício do dom de servir ao próximo e à sociedade.
Examinem, informem-se, reflitam, dialoguem, decidam-se e votem. Boas e abençoadas eleições!
Walter Altmann
Pastor Presidente

Eleições 2010 #

Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
Igreja Evangélica Luterana do Brasil

ELEIÇÕES 2010

Estamos mais uma vez diante de eleições majoritárias em nosso país. Em breve iremos às urnas para ajudar a escolher presidente/a, governadores/as, senadores/as, deputados/as estaduais e federais. Trata-se de um exercício de cidadania dos mais importantes. No entanto, a oferta de partidos, propostas e candidatos é grande. Como escolher? Em que proposta votar? Como cristãos podemos ajudar neste processo?
O voto é um dos elementos centrais da democracia. Cada pessoa com idade preestabelecida na lei tem direito a um voto. Ninguém tem mais, ninguém tem menos. Maravilha, não é? Mas nem sempre foi assim. Houve tempo, nem tão distante em nosso país, em que algumas pessoas decidiam pelo povo. Já pensaram se ainda vivêssemos sem poder votar? Felizmente, esses tempos são idos. Mas não está tudo resolvido. O processo eleitoral ainda tem seus problemas. A falta de interesse, a indiferença e o desânimo de boa parte dos eleitores ainda são desafios a serem superados. Como também o é a ganância pelo poder de pessoas que colocam em primeiro lugar seus interesses pessoais ou corporativos.
Não se pode subestimar a diferença que um simples voto pode fazer. Quem vota se torna co-responsável pela proposta que apoiou. Se votou em quem não tem proposta, terá que conviver com isso pelo tempo do mandato da pessoa eleita. Ou, pior ainda, se votou em quem já demonstrou desonestidade, será em parte responsável por mais desonestidade. O voto pode ser comparado a um cheque assinado em branco. Precisamos saber muito bem a quem estamos confiando esse cheque.
Uma das definições mais simples e profundas diz que política é a arte de fazer o bem comum. Se todas as pessoas que ocupam cargos públicos eletivos seguissem essa máxima, com certeza não haveria políticos escondendo maços de dinheiro em meias, bolsas ou peças íntimas. O simples fato de tais denúncias serem levadas ao público revela em si um avanço que, se ainda pequeno, tende a crescer a partir da indignação popular e da busca por justiça.
Toda igreja que confessa Jesus Cristo como Senhor e Salvador possui grande responsabilidade pública. Isto porque a atuação do próprio Jesus teve reflexos importantes para dentro da sociedade em que se encontrava. Pregava a conversão espiritual, de cunho pessoal, mas também propunha mudanças radicais na maneira como nos relacionamos com nosso próximo e como nos organizamos em comunidade. Estruturas materiais de poder lesivas ao interesse comum foram radicalmente criticadas. A atuação de Jesus e a proclamação acerca de Jesus como Senhor tiveram claros reflexos para dentro da sociedade e da política.
Como membros da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB e da Igreja Evangélica Luterana do Brasil - IELB, representando aproximadamente 90% dos luteranos no país, não queremos nem podemos fugir da importante tarefa de votar. Somos igreja de Jesus Cristo no Brasil e, portanto, corresponsáveis por aquilo que aqui acontece. Cremos que nossa fé atua no amor, e que este se traduz em ações em favor de tudo o que é preciso para uma vida digna. Muito daquilo que faz parte dessa vida digna depende de decisões políticas. Assim, fé e ação política não se excluem. A ação política dos cristãos é decorrente de sua fé. E o exercício do voto é de extraordinária importância na ação política. Quem acha que não faz política já está fazendo-a através de sua omissão, que sempre favorece quem ocupa o poder, muito possivelmente não em favor das necessidades do povo. Segundo Lutero, um “bom governo” faz parte do “pão nosso”, pelo que Jesus nos ensinou a interceder. Com nosso voto podemos ajudar a constituir um bom governo.
Uma igreja não tem nem pode ter partido político; no entanto, ela não é apolítica. Todo o seu trabalho e sua atuação têm implicações políticas. Um dos papéis da igreja é justamente trabalhar para que toda a sociedade, incluindo os partidos políticos, se empenhe para que a vontade de Deus em favor das pessoas seja feita também na esfera social e política.
Como cidadãos luteranos, integrantes de um país, somos pessoas politizadas. Podemos e devemos ser sal e luz no mundo (Mateus 5.13 e 14) e, diga-se de passagem, “mundo” é ali onde vivemos, em casa, na escola, no nosso trabalho, no bairro, na cidade etc. Portanto, antes de votar, ouça, pesquise, indague, questione, proponha, selecione. Escolha quem você realmente crê que irá desenvolver um bom mandato, em favor de uma vida digna para todas as pessoas, em favor de uma sociedade solidária e justa.
Porto Alegre, 19 de agosto de 2010
Walter Altmann Pastor Presidente da IECLB
Egon Kopereck Pastor Presidente da IELB


CARTA PASTORAL ACERCA DA CEIA DO SENHOR #

(Apreciada e aprovada na reunião da Presidência com a Pastora e os Pastores Sinodais, realizada em São Leopoldo, em 10/03/2010)


1.    Base nas confissões luteranas

“A igreja é a congregação dos santos, na qual o evangelho é pregado de maneira pura e os sacramentos são administrados corretamente.” (Confissão de Augsburgo, versão latina, art. VII)
   
“Da ceia do Senhor ensinam” [isto é, as igrejas da Reforma] “que o corpo e sangue de Cristo estão verdadeiramente presentes e são distribuídos aos que comungam na ceia do Senhor.” (Idem, art. X)
   
“Que proveito há nesse comer e beber? Resposta: Isso nos indicam as palavras: `Dado em favor de vós` e `derramado para remissão dos pecados`, a saber, que por essas palavras nos são dadas no sacramento remissão dos pecados, vida e salvação. Pois onde há remissão dos pecados, há também vida e salvação.” (Martim LUTERO, Catecismo Menor, terceira pergunta acerca do sacramento do altar)

    As palavras acima deixam clara a centralidade da palavra e dos sacramentos na eclesiologia luterana, bem como a compreensão luterana de que a Ceia do Senhor é meio de graça que concede perdão dos pecados, vida e salvação às pessoas que creem na promessa divina.


2.    Alguns questionamentos levantados à teologia e à prática na IECLB

    Têm sido levantadas perguntas críticas em relação ao Livro de Culto em vigor na IECLB, se ele na sua compreensão da Ceia do Senhor não teria deixado de lado a dimensão do perdão dos pecados, o que também ficaria evidenciado pelo fato de que as palavras de instituição da Ceia sugeridas na liturgia-modelo são a versão paulina, que não contém referência explícita à remissão dos pecados (em vez de empregar a combinação, tradicional na IECLB, das versões sinóticas e da paulina, adotada por Lutero no Catecismo Menor). Com isso – assim pode ser a crítica –, o Livro de Culto teria se afastado da base bíblica e confessional da IECLB, à qual ela deveria “retornar” (assim uma moção apresentada pelo Sínodo Brasil Central ao último Concílio da Igreja, realizado em Estrela / RS, em 2008).

Esse afastamento também transpareceria em “publicações e propostas litúrgicas oficiais da IECLB, bem como no ensino, na pregação e na prática comunitária”. Assim está expresso em carta recebida pela Presidência em final de janeiro passado e subscrita por um regular número de ministros e ministras da IECLB, bem como alguns membros, carta essa que pede esclarecimentos da Presidência acerca das questões acima arroladas. A moção do Sínodo Brasil Central também fazia alusão ao “ofertório”, incluído pelo Livro de Culto como elemento litúrgico na Ceia do Senhor, o que deixaria “dúvidas se a Ceia do Senhor é a dádiva do Senhor ou obra humana”.

    São naturalmente afirmações de grande peso, que merecem a atenção e o exame de parte de todas as instâncias da IECLB. Não deve pairar dúvida de que o estudo, o diálogo e, mesmo, o debate em torno da Ceia do Senhor são salutares para a vida da Igreja. Nesse sentido, todas as manifestações são bem-vindas. O próprio Concílio da Igreja, de Estrela, ao apreciar a moção e acolhendo parecer da Presidência, animou a um amplo estudo e debate em torno do assunto, não referendando, no entanto, a tese do “afastamento da base bíblica e confessional da IECLB”, pois esta tese, como parece óbvio, não pode ser acolhida sem que ela própria seja bíblica e confessionalmente evidenciada. 

    Essa observação não significa que o Concílio ou esta Presidência estivessem convictos de que tudo esteja bem na IECLB no tocante à Ceia do Senhor, seja em sua compreensão teológica, seja na prática eucarística. Há ainda muito, entre nós, uma concepção individualista da Ceia, negligenciando a dimensão comunitária, o que se reforça quando o recebimento da Ceia se dá em “fila indiana”, ao invés de em grupos ou em círculos. Cálices individuais, justificados em situações de risco de contágio de enfermidades, desvalorizam simbolicamente a Ceia, quando são descartáveis. Nos casos de risco, pode-se usar a modalidade da intinção, em que a hóstia é colocada em contato com o vinho no cálice comum pela pessoa comungante. Há muitas vezes também uma compreensão um tanto mágica da Ceia, como se ela produzisse seus efeitos salvíficos, independentemente da fé que acolha suas promessas.

De outra parte, há entre nós também celebrações da Ceia em que pessoas que dela livremente querem participar são excluídas, produzindo rupturas na comunhão. O cuidado com a seriedade da Ceia não nos autoriza a sermos juízes da fé alheia, o que é sempre reservado ao próprio Deus. Em contraposição, se hoje a Ceia, comparando-se à prática do passado, é celebrada com mais alegria e espírito festivo, gerados pela dádiva de Deus, essa percepção correta não pode significar que se deixe de lado a dignidade que deve caracterizar a celebração de toda e qualquer Ceia. Ela não é um piquenique comunitário! Desleixo no preparo da liturgia, abandono de vestes litúrgicas, lida descuidada com o pão e o vinho, bem como inobservância de elementos essenciais da Ceia não são admissíveis num exercício ministerial responsável. Assim, não se faz necessário apenas o estudo da Ceia do Senhor, mas também um constante exame de nossa prática eucarística.
  
Entretanto, as preocupações e críticas acima mencionadas não se voltam apenas contra aspectos isolados da prática eucarística e do Livro de Culto, mas, a rigor, à sua concepção mais ampla. Por isso, o estudo a que o Concílio da Igreja conclamou deve incluir exame do Livro de Culto da IECLB, não por último em sua fundamentação teológica na parte I e na análise de toda a liturgia, parte por parte, cada elemento, na parte II. Há, muitas vezes, falta disso nas manifestações críticas. Parece haver em certos círculos na IECLB uma posição negativa pré-concebida em relação ao Livro de Culto, gerando uma resistência ao estudo de sua fundamentação e, consequentemente, uma rejeição das práticas litúrgicas ali recomendadas.


3.    O XXVI Concílio da Igreja (Estrela / RS, 2008)

    Por tudo até aqui exposto, fica reiterado, para fins de clareza, o que a Presidência manifestou no Concílio da Igreja de Estrela / RS (2008), num sentido alternativo, quando a moção referida foi apreciada:

“1 – Sejam incentivados o estudo e o exame permanente da fundamentação bíblico-confessional da Ceia do Senhor e da liturgia em vigor na IECLB.

2 – Seja fomentada uma coerente conscientização, estudo e vivência da Ceia do Senhor em todas as instâncias e instituições da IECLB.

3 – Seja dado especial estímulo à pregação e ao ensino acerca da Ceia do Senhor nas comunidades da IECLB.

4 – Seja dada ênfase na prática pastoral e comunitária à dádiva da confissão e à absolvição dos pecados.”

    Essa formulação foi aceita pelo Concílio da Igreja e, portanto, a exortação nela contida continua válida para toda a igreja.


4.    O processo de adoção oficial do Livro de Culto

    À apreciação das questões arroladas é preciso, ainda, para dirimir dúvidas, antepor uma observação quanto ao processo que levou à adoção do Livro de Culto pela IECLB. Sem considerar as várias iniciativas anteriores no seio da IECLB, o processo oficial, que levou à adoção do Livro de Culto pela IECLB, em novembro de 2003, teve início quase 15 anos antes, em 1990, quando o então denominado Concílio Geral decidiu que “chegara a hora de a IECLB oferecer às suas comunidades orientações mais concretas e mais claras sobre o culto” (Livro de Culto, p. 22). Assim surgiu, primeiramente, o prontuário Celebrações do Povo de Deus. Desde 1992, os Concílios da IECLB tiveram como um de seus pontos altos (assim sempre avaliado) as celebrações, marcadas pela liturgia que veio a ser a liturgia que está no Livro de Culto.

Nesses anos todos houve numerosos cursos de liturgia, promovidos por Paróquias e Sínodos. Conferências de ministros e ministras estudaram liturgia. A EST criou a cadeira de Culto Cristão. Foram publicados cadernos de estudo. Houve vários seminários nacionais que estudaram o culto cristão e que foram formatando o que veio a ser a liturgia oficial da IECLB. Concílios, como o de Chapada dos Guimarães / MT (2000), ocuparam-se com a liturgia (lá foi analisada a edição provisória do que veio a ser o Livro de Culto). O Concílio seguinte, em Santa Maria de Jetibá / ES (2002), deu aprovação à conclusão do projeto que foi publicado, como dito, em novembro de 2003. Aliás, já na Apresentação ao Livro de Culto, tive oportunidade de chamar a atenção para o longo processo de reflexão, estudo e prática que levou, por fim, à sua publicação – mais de vinte anos ali mencionei, contando as iniciativas ainda anteriores a 1990. É lamentável o frequente desconhecimento desse processo e dessas iniciativas ou a perda de sua memória.


5.    Revisão do Livro de Culto?

Como vimos, tem sido levantada a tese ou a demanda por uma revisão do Livro de Culto da IECLB. No Concílio da Igreja de Estrela (2008) a Presidência também manifestou em seu parecer:

“O Livro de Culto tem servido para renovar e animar as celebrações litúrgicas em muitas comunidades da IECLB. [...] Em suas 370 páginas, o Livro de Culto apresenta diversos recursos litúrgicos, bem como a fundamentação bíblico-teológica dos mesmos. O estudo e a utilização do Livro de Culto na vida das comunidades da IECLB é um processo em andamento que não deveria ser interrompido.

Naturalmente, a revisão de um Livro de Culto oficial da IECLB sempre é um empreendimento possível, mas não pode ser feito à base de considerandos muito sumários e de juízos não fundamentados bíblica e confessionalmente [...]. Tal revisão precisa ser calcada em estudos muito mais amplos, acompanhados de processos de discussão nas comunidades, nas Conferências de Obreiras e Obreiros, nos sínodos, etc. Deveriam ser examinadas detidamente a necessidade teológica e a conveniência eclesial de uma tal revisão.”

    Nesse contexto, acrescento ainda, como consideração prática, que a liturgia “oficial” da IECLB não é nenhuma camisa de força que devesse ser tomada em espírito fundamentalista. É perfeitamente possível que uma liturgia em vigor venha a ser revista, assim como o Livro de Culto veio a substituir, com muitas vantagens deve-se observar, o Manual do Culto anteriormente em uso. Tal revisão haverá de ser resultado de um meticuloso processo de estudo, diálogo, consulta, discernimento e, por fim, decisão dos órgãos constituídos da IECLB. Enquanto isso – não devemos esquecer –, o próprio Livro de Culto propõe, com toda clareza e repetidamente, que toda liturgia deve ser moldada. Esse esforço de “moldagem”, por conseguinte, não apenas dá margem para ênfases específicas, também teológicas, bem como adequações às necessidades e contextos particulares, como inclusive as sugere e recomenda. Naturalmente, essa “moldagem” também tem seus limites; ela deve ocorrer sempre sem ferir a concepção essencial de que no culto é Deus quem nos serve por sua palavra e seus sacramentos, cujas promessas acolhemos em fé e a elas respondemos em gratidão, louvor, testemunho e serviço de amor ao próximo. 


6.    Questões teológicas e litúrgicas de fundo

Abordemos agora, sem de longe esgotar o assunto, as principais preocupações e questionamentos, em sua substância.


6.1.Ceia do Senhor e perdão dos pecados

No parecer apresentado ao Concílio da Igreja de 2008, a Presidência expôs, de forma resumida, como naquele contexto precisava ser, o seguinte:

“No Livro de Culto a Confissão de Pecados” [isto é, como passo específico] “não consta como elemento imprescindível da liturgia (p. 28). Porém, o Pai-Nosso e o Gesto da Paz constam como imprescindíveis. Lendo (e estudando!) a explicação dada a cada elemento litúrgico (a seção II), ver-se-á, à p. 41 do LC,  que o Pai-Nosso é visto como momento para também articular ´o pedido de perdão que conduz à reconciliação`. Há outros aspectos mencionados, mas este do perdão/reconciliação é um deles.

O Gesto da Paz (p. 41) aponta para a paz que vem a nós pelo sacrifício de Cristo pro nobis [isto é, em favor de nós]; da paz `que promove o perdão e articula a reconciliação`. Trata da `força transformadora desse gesto`. Assim, a Confissão de Pecados está, de fato, contida na liturgia pela via do Pai-Nosso e do Gesto da Paz. Contudo, de outra parte, a Ceia do Senhor não deve ser reduzida à questão da confissão de pecados.”

    Acrescento aqui que, estudando-se o Livro de Culto, encontramos, no tocante ao perdão dos pecados, à página 34, por exemplo, a possibilidade de que o voto inicial em todo culto, portanto também no culto eucarístico, possa ter a forma de confissão de pecados. Aliás, essa possibilidade é aqui reforçada, recomendando-se que sempre esteja presente quando temos a celebração da Ceia. Mas no Livro de Culto são aventadas também outras opções: celebração da penitência comunitária, ofício da absolvição individual; o momento do gesto da paz como espaço propício para a confissão e a reconciliação. “Uma música, uma canção do coral, um hino podem servir de estímulo para este momento. Pode ser útil um instante de silêncio para a confissão individual.” (p. 34)

    Em síntese: o Livro de Culto contempla a dimensão de perdão dos pecados em relação à Ceia (e em outros espaços litúrgicos e na prática poimênica), mas não limita seu sentido ao perdão dos pecados, o que não seria teologicamente sustentável. À página 25, segunda coluna, lemos:

“Na Ceia do Senhor recebe-se o Cristo inteiro. Isto significa que a Ceia reafirma e concede o benefício inteiro [realce no texto original] do sacrifício de Jesus.” A seguir temos, até a p. 26, primeira coluna, uma descrição do benefício que nos traz a Ceia, em suas múltiplas dimensões. Entre elas estão arroladas “remissão de pecados e reconciliação: Cristo morreu por nós [realce no texto original]. Esse sacrifício concedeu perdão dos pecados. Fomos reconciliados com Deus mediante o sacrifício de Jesus (Rm 5.10).”

São palavras claras que aqui só podemos relembrar e enfatizar.


6.2    As palavras de instituição da Ceia do Senhor   

Tendo observado acima que o Livro de Culto não exclui a compreensão de que a Ceia do Senhor é “para remissão dos pecados” (embora essa dimensão não esgote o benefício que nos é conferido na Ceia), a questão das palavras da instituição pode ser resolvida mais facilmente. Entre os quatro relatos da última Ceia de Jesus com seus discípulos (Mateus 26.26-30; Marcos 14.22-26; Lucas 22.14-20; 1 Coríntios 11.23-26) não há qualquer hierarquia. Não deixa de chamar a atenção, porém, que apenas o evangelista Mateus tem em seu relato a expressão “para remissão de pecados” (Mt 26.28). Embora, segundo boa técnica exegética, se possa reconhecer a expressão como acréscimo a uma versão anterior mais breve, em que a cláusula não se encontrava, como é o caso em Marcos (evangelho mais antigo), isso de modo algum desqualifica a expressão em Mateus como “inautêntica”. Bem ao contrário, ela expressa uma compreensão essencial do sentido da Ceia que Jesus celebrou com seus discípulos e legou a nós.

No entanto, seria absurdo se alguém quisesse concluir, numa estranha inversão de papéis com os autores bíblicos, que Marcos, Lucas e Paulo estariam distantes da base confessional da IECLB, pelo fato de em seus relatos não constar a expressão “para remissão dos pecados”! Por que, então, tirar precisamente essa conclusão em relação ao Livro de Culto, quando ele emprega a versão paulina das palavras de instituição, se, além do mais, o livro deixa absolutamente claro na fundamentação teológica que o perdão dos pecados e a reconciliação são dimensões inerentes à Ceia do Senhor, como acima exposto? O “por vós” (“em favor de muitos”) identifica o benefício recebido na Ceia. O “perdão dos pecados” está incluído nessa expressão usada por Paulo e também o está quando essas palavras são proferidas segundo a liturgia-modelo constante no Livro de Culto. Por que estaria incluído no texto bíblico, mas não mais quando as mesmas palavras são proferidas na celebração da Ceia?

Carta recebida pela Presidência em janeiro também manifesta “inquietação com a prática crescente de substituição das palavras da instituição por canções, paráfrases ou outras formulações”, porque, assim o argumento, “abre caminho à arbitrariedade e às interpretações teológicas individuais”. De fato, o uso de canções, paráfrases ou outras formulações em lugar das palavras de instituição é de todo desrecomendável. Essa desrecomendação não se aplica quando as próprias palavras de instituição são cantadas, mas a paráfrases ou canções com letra diferente das palavras de instituição. Alguma paráfrase, normalmente cantada, pode, isto sim, ser usada durante a comunhão ou, eventualmente, cantada após as palavras de instituição terem sido pronunciadas. Hinos que podem ser cantados durante a comunhão são, por exemplo, o texto da Missa Salvadorenha e o da Comunidade de Taizé, além de outros hinos referentes à Ceia contidos nos dos volumes do Hinos do Povo de Deus, hinário oficial da IECLB.

No entanto, a discussão em torno de quais palavras de instituição devemos recitar denota, paralelamente a uma legítima preocupação, também uma certa expectativa quase mágica de que o emprego das palavras “certas” pudesse garantir que as comunidades viessem a compreender e, talvez, sentir o “verdadeiro” significado da Ceia. Se o não mencionar as palavras “para remissão dos pecados” pode contribuir para “esquecer” essa dimensão da Ceia, a sua acentuação unilateral não pode ter contribuído para uma compreensão nitidamente individualista da Ceia, negligenciando sua dimensão de comunhão? Como seja, mais importante é termos presente que sempre que celebrarmos a Ceia, será preciso fazê-la acompanhar, no culto, da pregação quanto ao seu significado e alcance. Ou seja, deve-se evitar celebração da Ceia em que não haja pregação da palavra ou a pregação não faça referência à Ceia a ser celebrada. 

Por isso mesmo, tampouco há qualquer razão para considerar-se a versão paulina como a “única verdadeira”. Nem é essa a pretensão do Livro de Culto ao empregar a versão paulina, talvez sim a de abrir a compreensão para o sentido mais amplo da Ceia. Não se veja, pois, nisso uma questão dogmática, mas, antes, empregue-se o princípio da liberdade evangélica. Onde se considerar que é oportuno (ou mesmo necessário), por razões pastorais, consideradas suscetibilidades de membros da igreja, dar-se ênfase especial à dimensão do perdão dos pecados, é perfeitamente legítimo empregar-se outra versão bíblica ou, mesmo, a composição dos vários textos bíblicos empregada por Lutero no Catecismo Menor, pois reconhecemos nela uma interpretação correta da mensagem bíblica no tocante à Ceia do Senhor. Não se transforme, porém, a questão do emprego do texto paulino num tópico essencial de nossa confessionalidade ou de cumprimento do compromisso de ordenação do ministério pastoral.


6.3     O Ofertório como resposta à dádiva divina

    A inclusão do ofertório na liturgia oficial da IECLB tem gerado desconforto entre membros e ministros e ministras. É óbvia e felizmente muito forte nossa consciência cunhada pela redescoberta do evangelho por parte de Lutero, de que nossa justificação vem exclusivamente pela graça de Deus e a recebemos tão-somente pela fé. Nada que possamos ofertar tem qualquer serventia para nossa salvação. Então, como poderíamos incluir legitimamente um “ofertório” na liturgia da Ceia do Senhor?

    Reconhecendo essa dificuldade, o próprio Livro de Culto diz explicitamente que “precisa haver cautela no processo de recolocar o Ofertório na liturgia, para que não dê margem ao mal-entendido de que se trata de obra meritória humana” (Livro de Culto, p. 28, nota 18). Seria, porém, um mal-entendido, sim.

O Ofertório é parte do todo de uma liturgia, de um culto. (É o que de resto deve ser dito em relação a qualquer elemento do ordo). Embora sendo parte do todo, o Ofertório não está no início do culto! Ele está antes da instituição da Ceia, é verdade, mas está colocado após a confissão de pecados (onde reconhecemos que somos pessoas pecadoras e que a salvação não é mérito algum nosso), o anúncio da graça (quando é reiterado o que Deus fez e faz em favor de nós), o Credo (onde confessamos nossa fé) e especialmente após as leituras bíblicas e a pregação (que nos falam da salvação por graça e não pelas obras da lei). Portanto, o Ofertório é encarado e pode ser visto tão-somente como resposta ou reação à ação primeira e graciosa de Deus. É por isso que um culto nunca pode iniciar com o Ofertório e é adequado ter bastante no início a confissão de pecados.
Como entender, então, que o Ofertório venha antes das palavras de instituição da Ceia?  Já realçamos que no contexto do culto ele constitui resposta ao que veio antes dele. Porém, o Ofertório não é um elemento isolado, posto antes da Ceia, mas é parte de outro todo, a saber, a Ceia enquanto refeição.
A argumentação de fundo é a exposta a seguir. A Ceia é composta por quatro atos: 1) Jesus tomou (pegou) o pão e o vinho; 2) Jesus abençoou; 3) Jesus partiu o pão; 4) Jesus deu. Eram os quatro atos de uma refeição judaica tradicional. E a última ceia de Jesus com seus discípulos foi uma refeição segundo essa tradição. Aí se deu a instituição da Ceia. A novidade está no significado novo que Jesus atribuiu a ela, sobretudo ao alimento: isto é meu corpo e meu sangue. Desses quatro atos derivaram e se desenvolveram quatro ações litúrgicas: 1) do “tomou/pegou”, o levar dos alimentos e preparar a mesa, que dá origem ao Ofertório; 2) do “abençoou”, a instituição como tal, que hoje está traduzida na Oração Eucarística (e não somente nas palavras de instituição!); 3) do “partiu”, a Fração; 4) do “deu”, o momento da comunhão propriamente dita.
O Ofertório, portanto, não é uma ação nossa para receber ou merecer a ação de Jesus de dar-se a nós na Ceia. O Ofertório é (a) nossa resposta ao amor de Deus por nós proclamado e reafirmado na Palavra e (b) é parte do todo da refeição eucarística. É parte do todo que não dá margem para obra meritória nossa, mas que é sempre obra misericordiosa e gratuita de Deus “por nós”. Nossa “obra”, derivada da Ceia, e ela própria fruto da graça divina, será entender, acolher na fé e assumir o Ide, e servi ao Senhor com alegria!, proferido ao final do culto, após a bênção.
Não dá para esquecer que o Ofertório, não como obra ou ação, mas sempre como parte da nossa reação ou de nossa ação diaconal em resposta ao amor de Deus, ajuda a sublinhar a dimensão mais ampla da Ceia. A Ceia do Senhor tem a ver com comida repartida (ou não repartida) – lembremos de 1 Co 11.17ss, outra vez um texto paulino! A Ceia tem a ver com irmos juntos ao redor de uma mesa, estabelecendo comunhão muito estreita uns com os outros. A Ceia tem a ver com uma refeição (Livro de Culto, p. 39, “Preparo da mesa”). A Ceia tem a ver com a nossa vida, nua e crua. Daí que os alimentos usados na Ceia não são de origem mágica, mas são parte daquilo que Deus já nos deu; e que nós reunimos para que Deus use e venha a nós como presença real. Em suma: aqui convém lembrar o hino bem conhecido: Tudo vem de ti, Senhor. E do que é teu te damos. Amém. (Hino baseado em 1 Cr 29.14 e citado no Livro de Culto, p. 352)

Assim, o Ofertório não está voltado para a Ceia que vem, mas deriva da Palavra que já foi lida e pregada. Ele é resposta diaconal (cf. Livro de Culto, p. 39-40). Em relação à Ceia, ele é parte dela. Nesse sentido, a lógica litúrgica e teológica é que pelo Ofertório, sempre em resposta ao amor de Deus, flua a contribuição dos membros, inclusive a monetária das ofertas, e se visibilizem (através de produtos ou de símbolos) a ação ou as ações diaconais da comunidade.


7.    Conclusão

Reitero a recomendação do Concílio da Igreja de 2008, no sentido de que “seja dado especial estímulo à pregação e ao ensino acerca da Ceia do Senhor nas comunidades da IECLB”. Trata-se de elemento central de nossa prática comunitária e vivência de fé. É um tesouro preciosíssimo que temos. Devemos dar-lhe toda atenção e todo cuidado. Afinal, através dela, crendo nas promessas de Deus, recebemos o próprio Cristo e, com ele, “remissão dos pecados, vida e salvação”.


Porto Alegre, Quaresma de 2010.

Walter Altmann
Pastor Presidente


 “DISCIPULADO PERMANENTE - CATECUMENATO PERMANENTE” #

 Introdução
A Igreja de Jesus Cristo, por natureza e incumbência, é uma realidade dinâmica neste mundo. Anunciando e vivendo o Evangelho, ela é porta-voz das maravilhosas obras de Deus em favor da justificação, libertação e salvação de Sua criatura. A IECLB, através do seu compromisso com o Evangelho, participa desta missão. Grata pelo amor de Deus em Cristo que lhe deu e continua dando existência, ela se sabe devedora de todos os homens, mormente dos do seu ambiente imediato, convidando-os a serem co-herdeiros do reino de Deus que se manifesta em fé, justiça, amor, esperança e liberdade.
A IECLB bem como qualquer Igreja está constantemente ameaçada de se tornar sal insípido, luz sob o alqueire, devedora insolvente. Ela pode trair o Evangelho, não sendo suficientemente Igreja ou comunidade e assim negar o que ela por natureza é. A Igreja pode morrer, ainda que o seu organismo estrutural continue funcionando. Em razão disso cabe a IECLB o constante exame de si mesma no que diz respeito à fidelidade a seu Senhor. Se Ele é a ressurreição e a vida, a Sua comunidade, a rigor, não pode ser morta e inerte.
Com vistas a esta constante ameaça a expressão “Discipulado Permanente” designa basicamente uma teologia orientadora, uma concepção fundamental do trabalho na igreja e refere-se ao desencadeamento de um processo de ação concreta.
A necessidade de uma reflexão neste sentido originou-se na verificação da insuficiência do ensino confirmatório na IECLB. Jesus Cristo, ao convocar discípulos, quis que a vida na sua companhia e sob o seu senhorio fosse discipulado permanente. O ensino confirmatório, a despeito de seu inegável valor, é incapaz de, por si só, atender a esta exigência. Com a sua limitação a uma só faixa etária e com métodos por vezes conflitantes com a essência da aprendizagem da fé, o ensino confirmatório necessita tanto de uma redefinição como também de uma complementação no sentido do discipulado permanente. Sem embaraço algum podemos constatar um grave déficit na vivência do discipulado entre nós membros da IECLB.
Ultrapassando a idéia inicial de um programa de instrução permanente a “Consulta sobre o Ensino Confirmatório e Confirmação”, realizada em julho de 1974, constatando a necessidade do envolvimento da pessoa em um processo de aprendizagem em confronto constante com o Evangelho, pretendendo oportunizar a participação ativa das pessoas na missão de Cristo e objetivando possibilitar autêntica vivência do discipulado, em testemunho e serviço no mundo, propôs que no âmbito da IECLB se promovesse o “Catecumenato Permanente” como “processo de atuação da Igreja que visa a maturidade do cristão isto é, a sua libertação integral em Cristo, para vivência do Evangelho em comunhão e conseqüente ação responsável no mundo”. Encaminhada esta proposição como moção ao IX Concílio Geral da IECLB, a mesma foi aprovada, após o que o Conselho Diretor constituiu uma comissão de estudos.
Mediante o presente documento, a comissão faz depoimento dos frutos de seu trabalho. Logo evidenciou-se à comissão a grande amplitude e o extraordinário alcance do assunto, ambos arraigados na própria natureza do ser discípulo de Jesus.
Sendo mais do que uma questão de métodos e de organização, sendo também mais do que a preocupação com um determinado setor de trabalho na IECLB, Catecumenato Permanente, diz respeito à vida do cristão como discípulo e, à vida da comunidade na totalidade do seu ser, isto é, ao “Discipulado Permanente”. 
1. Definição
1.1 - O cristão como discípulo
No Novo Testamento o termo discípulo é apenas uma designação dos seguidores de Jesus, ao lado da qual existem outras. Paulo prefere falar em santos, chamados, amados de Deus, etc. quando se reporta aos que crêem. Na primeira carta de Pedro os cristãos são chamados eleitos, sacerdócio real, nação santa. Outros títulos mais poderiam ser enumerados. Apesar desta variedade, o termo discípulo ocupa uma posição de destaque, particularmente nos quatro evangelhos. Considerando passagens como Mt 28,18s; João 8,31; Atos 6,1; etc. torna-se evidente ser “discípulo” um sinônimo importante da palavra “cristão”.
No entanto, o significado deste termo não se obtém mediante a simples tradução verbal, pois o que o discípulo vem a ser em sentido cristão, isto se define adequadamente apenas a partir de seu mestre Jesus Cristo. O Novo Testamento é unânime em afirmar que o mestre é aquele que, pelo mundo e por isto também pelos seus discípulos, deu a sua vida. Logo ele é mais do que um professor, instrutor ou pedagogo. Ele é, muito antes, o salvador, redentor. Conseqüentemente os discípulos de Jesus não podem ser caracterizados apenas de alunos, estudantes ou aprendizes. Eles recebem mais do que ensinamento, eles recebem o perdão dos seus pecados, a liberdade, a esperança, eles recebem o Espírito Santo e a filiação divina, recebem novidade de vida, são feitos novas criaturas. A obra de Cristo determina o que são os seus discípulos.
É claro que em sentido literal o termo “discípulo” não cobre este conteúdo. Aliás, nenhum termo é capaz de reunir em si a plenitude do que é a existência cristã. É preciso respeitar a complementariedade das designações encontradas no Novo Testamento, pois elas individualmente ressaltam apenas certas dimensões do ser cristão e necessitam, por esta razão, da consideração do pano de fundo integral, que é o Evangelho, para serem inequívocas e precisas. O mesmo ocorre com o termo “discípulo” que fixa um elemento constitutivo da existência na fé sem que isto permitisse desconsiderar as demais peculiaridades da mesma, decorrentes da natureza do senhor e mestre de todos.
O específico a ser expresso pela designação “discípulo” naturalmente consiste em ser o cristão envolvido num processo de aprendizagem, permanente por definição. No entanto, cabe atentar para o tipo de aprendizagem, condizente com o Evangelho e o senhorio de Jesus Cristo. São vários os seus aspectos:
a) Logicamente Jesus tem uma mensagem, ou seja, também doutrina, a transmitir. Os seus discípulos são instruídos nos ministérios do reino e intimados a guardarem e ensinarem todas as coisas que lhes ordenou.
Também a Igreja desenvolveu uma doutrina, na qual ela procurou coordenar a sua confissão e dar expressão às verdades da fé. Esta doutrina, seja a de Jesus, seja a da Igreja, encontra-se codificada na Bíblia, no Catecismo, nos escritos confessionais e em outra literatura cristã. Portanto, existem conteúdos do Evangelho a serem aprendidos e adquiridos. Seja enfatizado, porém, que esta instrução engloba não só a recitação de textos, mas também a reflexão crítica com o objetivo de garantir verdadeira compreensão dos mesmos. Aprendizagem cristã não dispensa o homem da necessidade de adquirir conhecimentos nem do esforço intelectual.
b) Mas o cristão deve aprender não só conteúdos, ele deve aprender o próprio ato da fé. Trata-se da assimilação existencial da salvação proporcional por Jesus. Crer implica em transformação da pessoa, em mudança de mentalidade, em nova visão de Deus, homem e mundo, enfim, em novidade de vida. Se no item anterior prevaleceu o aspecto instrução, está sendo focalizada agora a educação, orientada em criar a conformidade do homem com a oferta salvífica do Evangelho. É a aprendizagem resultante da confrontação do Evangelho com a existência do pecador. O dom de Deus deve corporificar - se em atitude e ação do homem, ou seja, o homem deve aprender o amor, a esperança, a liberdade e as demais dimensões da fé.
c) A esta educação pertence intrinsecamente o aspecto da maturação, respectivamente da aprovação da fé na vida cotidiana. A fé fez experiências na realidade vivencial, quer positivas, quer negativas. Seguir a Jesus pode dar a sensação de imensa felicidade, mas pode ser também caminho áspero, cheio de obstáculos, de sofrimento e provação. Ambas as experiências não se excluem na verdade só em conjunto promovem o amadurecimento e o crescimento do Cristão. É a aprendizagem resultante da confrontação da fé com a realidade do mundo e da necessidade de uma contínua confirmação do batismo pela conduta.
d) Todos estes aspectos confluem e, de certo modo, alcançam o seu ápice num último: Ser discípulo significa aprender o cumprimento da missão cristã. Deus não quer apenas a nossa salvação individual, ele quer a salvação do mundo (!). Por isto Jesus envia os seus discípulos para serem arautos do reino de Deus, sal da terra e luz do mundo. Salvação é oferta universal, razão pela qual Jesus reservou uma tarefa a seus discípulos que os faz devedores de todos os homens. O desempenho desta missão requer:
- Amor ao mundo e à criação de Deus. Isto significa que o cristão deve aprender a ser reflexo do amor com que ele mesmo, por Deus, é amado. Este amor inclui responsabilidade pelo mundo, o empenho em conservá-lo e em relembrar-lhe a libertação que Deus lhe destinou. Isto não será possível sem a denúncia das injustiças e dos pecados por um lado e o anúncio da obra redentora de Deus por outro.
- Tradução da mensagem evangélica em testemunho autêntico. Existe o testemunho pela palavra e o testemunho pela ação. Testemunho autêntico é o conjunto de ambos.
- Interpretação correta do Evangelho. Visto que Jesus não deu a seus discípulos um código de leis suscetíveis de serem aplicadas mecanicamente em qualquer situação, mas uma nova mentalidade e uma nova orientação, ele exige dos seus discípulos considerável trabalho, a saber, buscar em responsabilidade própria as respostas aos problemas atuais a partir do espírito do Evangelho que é o Espírito Santo.
- Análise do mundo, ao qual o Evangelho se destina. Este mundo é, antes de mais nada, o ambiente imediato em que o cristão, respectivamente a comunidade se encontra. Os discípulos não serão entendidos e o seu serviço, ainda que bem-intencionado, será ineficaz, de atuarem num mundo existente unicamente na sua imaginação. Neste caso estará sendo impedida a encarnação do Evangelho que, por isto mesmo, não se comunica.
- O cristão é convocado a aprender a concreticidade do Evangelho. A mensagem salvífica se projeta para dentro de todos os setores da vida humana, ela possui conseqüências na esfera espiritual e corporal e tem por meta a salvação do homem todo, isto é, a eliminação e superação de todos os males que o aflige. A manifestação desta concreticidade do Evangelho exige coragem e intrepidez por parte dos discípulos.
Os aspectos mencionados nos itens a) a d) estão estreitamente ligados entre si e não toleram ser divorciados. Onde a ênfase recair de modo unilateral em um deles, surge o perigo de o Evangelho ser adulterado e a Igreja sofrer sério prejuízo. Aprendizagem cristã é um processo complexo, incapaz de ser atendido por alguns cursos, concluído com certa idade e encerrado com uma série de experiências espirituais. Do mesmo modo, porém, a referida complexidade não encontra atendimento adequado na solidão do indivíduo. Jesus congrega os seus discípulos em comunidades. A vinculação dos discípulos entre si constitui outra componente essencial do discipulado, razão pela qual ela merece especial atenção.
1.2 Discipulado e comunidade
O que vale para o indivíduo cristão, de uma ou de outra forma, também vale para a comunidade. Ela é, como corpo coletivo, seguidora de Jesus, e, a maneira de cada um dos seus membros, não pode eximir-se da aprendizagem própria daqueles. Os aspectos do discipulado, frisados acima, se transplantam necessariamente para o nível da coletividade. Não só o indivíduo cristão, também a comunidade como um todo está sujeita ao contínuo processo da instrução, educação, maturação e é enviada ao mundo para desincumbir-se da sua missão. O fato de a comunidade ser composta de discípulos, ou seja, o fato de os discípulos formarem comunidade é significativo tanto para a concepção de comunidade como também para a concepção do discipulado.
a) Ninguém na comunidade, nem ela mesma em sua qualidade supra-individual, pode arrogar a si a função de mestre. “Um só é vosso mestre, e vós todos sois irmãos” (Mt 23,8). Esta afirmação exclui uma hierarquia entre os discípulos bem como o magistério infalível de qualquer autoridade humana na Igreja. Muito pelo contrário, onde todos são discípulos, ali só pode haver aprendizagem conjunta de todos.
b) Não obstante, há discípulos de diversos graus de adiantamento ou com diversas especialidades dentro da mesma comunidade. Isto, sem dúvida, fundamenta autoridades na Igreja, autoridade esta que provém da qualificação para o exercício de determinadas funções. Ainda que todos sejam discípulos, os membros da comunidade são diferentes entre si. No entanto, estas diferenças não justificam nem permitem o domínio de uns sobre os outros. A própria natureza complexa da aprendizagem cristã se opõe a isto. Pois, para citar apenas um exemplo, o perito em teologia pode ser um leigo na experiência colhida pela fé no campo da política. Autoridade na Igreja se limita a certas áreas de competência e jamais pode reivindicar o monopólio nos assuntos da fé.
c) Exatamente esta diferença entre os discípulos assegura o dinamismo da vida eclesial. Pois onde existem diversos níveis de formação, onde existe variedade no crescimento, na experiência, nos carismas, etc. pode ocorrer ajuda mútua e complementação de um pelo outro, sendo preservado ao mesmo tempo e em princípio a igualdade de todos diante de seu senhor. Evidentemente existem membros mais fracos e outros mais fortes. Todavia, estes termos são relativos e deveriam ser antes um desafio ao amor da comunidade do que autorização para a constituição de classes ou a discriminação. Na realidade, todos participam do mesmo processo de aprendizagem ainda que em estágios, lugares e sob condições diferentes.
d) O referido já deixou entrever que a aprendizagem cristã necessita da comunidade. Considerando que não existe comunhão com Deus sem comunhão com os homens, considerando que o amor de Deus não pode deixar de manifestar-se no amor ao próximo, considerando ainda que fé sempre se traduz em comportamento social, não existe discipulado à parte da comunidade. Jesus Cristo cria comunhão. Embora se deva falar, com justas razões, no discipulado do indivíduo, compete respeitar que toda existência cristã se processa dentro do corpo de Cristo. Entre indivíduo e comunidade existe uma relação dialética:
- Por um lado, a comunidade existe em função do indivíduo. A comunidade deve responsabilizar-se pelo membro, promovendo nele o processo da aprendizagem da fé, carregando as suas fraquezas e acolhendo-o em sua vivência de fé. Isto significa concretamente que o membro deve encontrar na comunidade o Evangelho pregado e vivido. Experimentado na fraternidade dos irmãos a justificação pela graça, a concessão da liberdade, auxílio nas suas necessidades físicas e nos seus problemas existenciais, em suma, experimentando na comunidade a força real do Evangelho, o membro aprende o que é vida na fé e é capacitado para o exercício de sua missão. Assim a comunhão dos membros reverte em decisivo fator da aprendizagem cristã. A comunidade tem a função de equipar, treinar, motivar e de fortalecer o indivíduo. Nesta sua função ela é insubstituível.
- Por outro lado, porém, vale também o inverso: O discípulo de Jesus existe em função da comunidade. Ele é chamado a responsabilizar-se por ela, tornando-se membro contribuinte em sentido mais amplo. O testemunho do membro, nas suas experiências e os seus conhecimentos, mas também as suas dificuldades e perguntas, o seu amor, seu tempo e o seu dinheiro, de certo modo, constituem a comunidade e fornecem as condições para que ela possa existir em função do membro. Porquanto a comunhão é que perfaz a natureza da comunidade, esta tem necessidade de pessoas engajadas, prontas para o indispensável sacrifício financeiro e dispostas à colaboração. Se o discípulo não existe em função da comunidade, a comunidade não pode existir em função do discípulo.
Em resumo, discipulado se realiza na simultaneidade de dar e receber. Por isto aprendizagem cristã possui forte cunho comunitário e praticamente se extingue juntamente com a dissolução da comunhão dos membros.
e) Juntamente com os seus membros a comunidade está em contínuo processo de aprendizagem. Definindo o objetivo desta aprendizagem, cabe dizer: Ela tem por meta o autêntico culto a Deus no mundo. Isto significa que a comunidade não é um fim em si, ele antes possui função instrumental. Também a realização subjetiva e a felicidade particular do indivíduo não podem ser considerados como alvo primário do discipulado. Paradoxalmente tanto a comunidade como também o seu membro acham a sua realização e experimentam a salvação, que abrange também a felicidade, se sua existência for culto a Deus, e isto nas mais diferentes oportunidades da vida. Neste culto a Deus se resumem os demais objetivos da aprendizagem cristã, quais sejam a comunhão, o perdão, a esperança, a liberdade, etc. Os motivos são os seguintes:
- Culto a Deus, em palavra e ação, exclui o culto a outros pretensos deuses. Ele implica em cumprimento do primeiro mandamento e é demonstração de liberdade neste mundo.
- Culto a Deus, em louvor e adoração, é expressão da gratidão da comunidade, dispensada da necessidade de ela mesma ser a sua fonte de vida.
- Culto a Deus, em obediência e sacrifício, é serviço ao reino de Deus e sua justiça. Ele se manifesta em respeito à vontade divina e em defesa dos direitos que Deus tem na sua criatura.
- Culto a Deus, em resposta a seu amor, é trabalho crítico e construtivo entre os homens. É a eliminação das estruturas da injustiça, é o combate à violência e à escravidão, é a promoção da paz e do bem dos homens.
- Culto a Deus, em oração e prece, é a articulação da esperança por um novo céu e uma nova terra. Ao mesmo tempo, porém, ela é a antecipação parcial do reino dos céus, pois onde Deus se torna Senhor, o mal está sendo vencido e a salvação dos homens se aproxima.
É o culto a Deus que a comunidade deve ao mundo, e servir a seu Senhor é sua sublime missão. Uma comunidade, ensaiando o culto a Deus, será fermento na sociedade a despeito de sua própria imperfeição. Ela será um sinal, convidando a participar dos seus ensaios para assim viver salvação em plena terra. Onde homens estão em condições de render culto a Deus no sentido exposto, salvação se torna visível. Ser discípulo de Jesus, a rigor, não é outra coisa do que aprender este culto a Deus e ser o facilitador neste processo para outras pessoas.
f) Para alcançar este objetivo é imprescindível examinar as estruturas da Igreja quanto a sua adequação. A comunidade não pode viver sem estruturas, isto é, sem organização e distribuição de serviços. Ela será sempre uma instituição com a aparência de uma sociedade religiosa. Concomitantemente, porém, ela é mais do que isto. Ela é, a rigor, um acontecimento, impossível de ser institucionalizado, ela é comunhão e vida que não podem ser criadas por estatutos. A instituição Igreja tem a função de oportunizar a comunhão dos crentes e de oferecer as estruturas externas para a vida que nela surge e cresce. Por isto importa que as estruturas cumpram realmente a referida função, correspondam à natureza da comunidade e estejam em conformidade com a missão que Jesus Cristo lhe reservou. Elas devem ser transparentes para o testemunho da comunidade e ser sujeitas à revisão, onde obstruírem discipulado permanente. Em especial hoje, numa época pobre em comunicação, necessitamos de estruturas que favoreçam a comunhão dos membros, contribuindo assim para uma melhor realização daquele culto salvífico a Deus.
g) Comunidade, aliás, se apresenta em vários níveis.
Em primeiro lugar, a comunidade é a Igreja universal, o corpo de Cristo, ao qual pertencem todos aqueles que crêem em Jesus e são verdadeiramente seus discípulos. Neste sentido comunidade, é sinônimo de cristandade, Infelizmente este corpo e dilacerado, o que constitui grave culpa humana, devendo nós empreendermos esforços ecumênicos em prol da unidade deste corpo. Em segundo lugar, porém, comunidade é sinônimo daquilo que chamamos Igreja. A comunidade de Cristo sempre se concretiza em determinado organismo, seja num país, numa região, etc. Assim nós somos comunidade evangélica de confissão luterana no Brasil. O terceiro nível, em que a comunidade se apresenta, é a congregação local. As nossas paróquias e comunidades se situam neste nível. Em quarto lugar porém, também há comunidade, onde dois ou três estão reunidos em nome de Cristo. Grupos dentro da comunidade, a família cristã, qualquer forma de comunhão de pessoas é comunidade, desde que estas estejam reunidas em nome do triuno Deus. Em todos estes casos devemos falar em comunidade e em todos estes níveis a comunidade de Cristo acha a sua representação legítima.
Seria, pois, errôneo contrapor uma forma de comunidade a outra. Em cada um destes níveis acontece comunhão específica. Se paróquias assumirem uma tarefa, comum, como por exemplo a formação de obreiros, isto é expressão de uma comunhão em nível supra-paroquial, no nosso caso em nível de IECLB. No entanto, a comunhão básica acontece no encontro e no convívio pessoal dos membros, e, evidentemente, reside aí uma das principais deficiências da nossa Igreja, prejudicando o nosso discipulado, p.ex. em “núcleos de comunidade”.
1.3 - Aspectos didático-pedagógicos do discipulado cristão
Da enorme envergadura do discipulado e de sua natureza comunitária, ambas destacadas acima, resultam diretrizes didático-pedagógicas concretas. A semelhança das estruturas eclesiais, a didática, respectivamente a pedagogia é importante não só como meio para garantir um máximo de eficiência no trabalho, mas também como uma maneira de testemunhar o Evangelho. Didática é a forma em que promovemos a aprendizagem conjunta, forma esta que deve ser evangélica assim como o devem ser os métodos e os modelos da organização de nosso convívio em comunidade. Também a didática é transparente para o que somos e confessamos.
Por esta razão não se deveria falar do ensino evangélico em termos de “doutrinação”. Onde prevalecer esta concepção, é altamente grande o perigo de o doutrinado permanecer mero objeto da aprendizagem, comparável a um recipiente, no qual são despejados os conteúdos da mensagem cristã. Esta didática deixa de envolver o homem todo, despreza a liberdade dos educandos, quebra a solidariedade de todos os discípulos e, quando muito, faz jus a uma só parcela daquele bloco, do qual em verdade aprendizagem cristã consiste. O freqüente fracasso deste tipo de ensino não deveria ser lamentado.
A fim de corresponder às implicações do discipulado deveriam ser observadas as seguintes exigências:
a) Todo esforço didático-pedagógico deverá ser norteado pelo objetivo de conduzir o homem a tornar-se, ele próprio, o sujeito de sua aprendizagem. Esta é, por excelência, o encontro de dois sujeitos que são o discípulo e seu mestre Jesus Cristo. Em outros termos, o homem, seja ele jovem, adulto ou velho, deverá ser levado a compreender que a aprendizagem é a sua (!) causa, pela qual deverá responsabilizar-se. Mediação por parte de pastores, professores e irmãos da fé naturalmente é necessária, mas ela jamais deve reverter em dependência. Antes é pretendida a libertação de todas as instâncias intermediárias que cumprem apenas função auxiliar. Educação cristã, é educação para a liberdade, de sorte que na comunidade convivem pessoas livres, imediatamente responsáveis pela sua fé. A aprendizagem na companhia de Jesus visa a uma comunidade de pessoas adultas na fé, ou seja, a maioridade da Igreja de Cristo.
b) Em decorrência disto, a didática da educação cristã deve objetivar o despertamento das potencialidades, das capacidades criadoras, em suma, do carisma do indivíduo. Comunidade cristã é essencialmente comunidade de membros carismáticos. Isto significa que a graça de Deus concedida ao homem, se traduz em serviços específicos. Ela não uniformiza, antes aproveita os dons individuais, transformando-os em meios de servir a Deus e ao próximo. Educação cristã tem a tarefa de contribuir para a descoberta do carisma individual e para o uso adequado do mesmo.
c) Isto implica em que os métodos da aprendizagem necessariamente terão em vista a integração do indivíduo na comunidade e a integração de todos os seus componentes. Colaboração, complementação mútua, ação coletiva, correção de um pelo outro assim como também o respeito do grupo ao indivíduo perfazem metas orientadoras da didática condizente com a aprendizagem do discípulo de Jesus.
d) Aprendizagem cristã tem caráter dialogal. O monólogo é típico para o estilo autoritário, assinalando dominação e escassez de comunicação. Uma vez que, entre os discípulos, os papéis de professor e aluno, de educador e educando não podem ser definitivamente distribuídos, eles permanecem relativos e exeqüíveis unicamente em constante permuta. Já foi frisado que existem evidentes conteúdos de ensino. E não obstante, o diálogo é próprio da aprendizagem cristã por exprimir o caráter inacabado da mesma, por fazer jus á personalidade do educando e por conferir a este participação ativa no processo de seu crescimento bem como no da comunidade.
e) A didática do ensino cristão não pode abstrair do fato que o Evangelho sempre é ouvido e aprendido por pessoas ligadas a um determinado contexto social. O discípulo de Jesus vive no espaço e no tempo, ele é filho de sua época, traz consigo grande bagagem de experiências, feitas na família, na sociedade e sua realidade, ele é influenciado por pessoas e costumes. Tudo isto lhe imprimiu o seu cunho e, de certo modo, o condiciona. Aprendizagem cristã não pode realizar-se fora deste mundo. Se o mundo é vencido pela fé, como o Novo Testamento afirma, todas estas realidades devem ser incorporadas na aprendizagem, pois é nelas que a fé deve ser aprovada e a liberdade ser vivida. Para tanto o cristão precisa de ajuda e de apoio por parte de outros. Esta ajuda deve ser a mais concreta possível, caso contrário não poderá ocorrer a equipação do cristão para o exercício de sua missão e para um testemunho convincente.
f) No ensino cristão temos a liberdade de sermos flexíveis e de buscarmos os meios que maior êxito prometem. Logo não há justificativa para a fixação em certos métodos tradicionais e o desprezo de técnicas modernas bem como de qualquer instrumentário pedagógico aproveitável. A igreja, porém, ciente de Deus ser o protetor da dignidade de suas criaturas, fará uso responsável destes meios, repelindo os abusos dos mesmos e recusando-se a qualquer forma, de manipulação. Atrás de todo esforço didático-pedagógico da comunidade, quer na escola, quer na Igreja ou nos lares, deve tornar-se visível um pouco daquela salvação, justificação e libertação, destinadas ao homem por Deus através de Jesus Cristo.
2. Objetivos
Ninguém irá questionar a validade nem a necessidade de uma maior preocupação em torno do nosso discipulado. As últimas discussões na IECLB sobre a comunidade missionária, sobre a formação de lideranças, sobre a nossa identidade de Igreja Evangélica de Confissão Luterana e outros temas congêneres demonstram, a um só tempo, uma lacuna e o esforço por superá-la exatamente no campo aqui visado. Relembrado seja que a moção relativa ao catecumenato permanente surgiu em conseqüência da constatação da insuficiência do ensino confirmatório na IECLB. O ato da Confirmação significa,em muitos casos, despedida da Igreja, ainda que permaneça a filiação formal à comunidade. Certamente os problemas se apresentam de modo diverso nas diferentes áreas e regiões da IECLB. Mesmo assim existem alguns fenômenos que parecem ser quase características gerais da IECLB. Entre eles sejam mencionados: As queixas sobre a falta de definições na IECLB, a fraca vivência comunitária nas paróquias, a insegurança (não só de membros leigos) no que diz respeito ao que cremos e confessamos, a precariedade de projeção da IECLB para dentro da sociedade brasileira apesar do potencial que para tanto teria, a deficiência de nossa união, a existência de mentalidades não condizentes com o Espírito vivo do Evangelho, etc. Uma vez que estas coisas devem ser motivo de nossa preocupação, somos levados forçosamente ao reestudo do discipulado e a um maior envolvimento no processo da aprendizagem desencadeada por Jesus naqueles que querem ser os seus seguidores.
Pergunta-se, porém, se o assunto permite ser concebido num programa de ação e ser atacado mediante um planejamento metódico. Renovação e aperfeiçoamento do discipulado realmente significa nada menos do que reavivamento da Igreja, tomada de consciência do que somos e busca assídua do cumprimento de nossa missão. Discipulado permanente não designa algo que se pudesse “fazer” ao lado de outras atividades, ele é antes uma meta do nosso crescimento e uma teologia orientadora do nosso trabalho em geral. Portanto, discipulado permanente pode ser objeto de uma programação?
Com efeito, o tema exige que sejamos modestos nas nossas pretensões. Não se pode tratar de assumir a si a obra do Espírito Santo. Sabendo, além disto, da limitação a que está sujeita a eficácia de métodos e planos, seria demasiadamente atrevido esperar de uma programação milagres e prodígios. A despeito disto, também é verdade que a falta de fantasia da nossa parte e o desleixo no que se refere às nossas responsabilidades, podem obstaculizar a ação do Espírito de Deus e ser uma forma de a comunidade esquivar-se a seu senhor. Não possuímos fórmula mágica apta para solucionar de imediato todos os problemas, temos, isto sim, nossas energias, nossa gratidão e nossa criatividade a serem colocadas, como sacrifício vivo à disposição de Deus e dos homens. Por isto cabe unir à modéstia que nos convém, a coragem dos que têm a liberdade para se corrigirem onde necessário for, e para se empenharem em reformas. Discipulado permanente sempre será mais do que um programa técnico. Não obstante, alguma coisa pode ser programada com o objetivo de fomentar a aprendizagem dos discípulos de Jesus. O nosso programa poderá consistir do seguinte:
2.1 - Promover, em âmbito da IECLB, profunda reflexão sobre o nosso discipulado. O programa é, antes de qualquer coisa, um convite externado a todos os membros da IECLB no sentido de participarem da preocupação, manifestada pelo IX Concílio Geral, quando da aprovação da moção relativa ao catecumenato permanente. A referida reflexão, de forma alguma, deveria resumir-se no estudo do presente documento. Este quer ser apenas o estímulo para a reflexão sobre o que somos, queremos e devemos na nossa qualidade de cristãos evangélicos no Brasil. Discipulado permanente é um processo dinâmico que sem amplo apoio e sem participação criativa estará fadado a fracassar. Por esta razão, o primeiro objetivo consiste na busca de uma consciência geral no que diz respeito aos problemas, às chances e às tarefas do nosso discipulado hoje.
2.2 - Incrementar a formação teológica tanto dos pastores e obreiros como também de todos os demais membros da IECLB. Teologia é a reflexão e a meditação da nossa fé no confronto com a realidade da vida. Ela não é privilégio de certo grupo na Igreja. Embora teologia seja promovida em níveis diferentes e embora a comunidade jamais possa prescindir de especialistas teológicos, ela se destina a todos e está a serviço de um melhor desempenho do discipulado. Treinando o juízo da fé, elaborando critérios de ação e favorecendo a integração da fé no mundo e vice-versa, a teologia é uma das mais importantes incumbências do discípulo de Jesus. Sem o devido cuidado para com a teologia, a IECLB não estará preparada para enfrentar o impacto da realidade brasileira com as suas múltiplas facetas. Basta lembrar o desafio que nos advém do complexo fenômeno religioso ou social no Brasil, da evolução da técnica com os seus benefícios e também com suas conseqüências desumanizantes, etc.
Deve ser ressaltado que nem a Faculdade de Teologia em São Leopoldo e nem qualquer outra instituição na IECLB é e pode ser detentora do monopólio na formação teológica. Esta cabe a qualquer órgão ou pessoa de liderança, enfim a cada membro da IECLB. Há compromissos que não podem ser delegados. Um deles é a formação teológica, para a qual todos, ainda que de modos diferentes, podem contribuir com a sua parcela. Daí decorre a necessidade de valorizar o membro “leigo” na IECLB. Falta-nos muitas vezes a coragem de incumbir os assim chamados leigos de responsabilidade teológica. Assim perdemos amplo cabedal de experiências que iriam enriquecer a nossa teologia e a vida da comunidade.
2.3 - Desenvolver e testar estruturas eclesiais propiciadoras e promotoras da comunhão entre os membros. Muito individualismo, a falta de verdadeira acolhida do membro em sua comunidade e a pobreza de diálogo são apenas alguns sintomas da precariedade de nossa comunhão. Aliás, as nossas formas de vivência social - e é isto que chamamos de estruturas - são mantidas por determinadas mentalidades. Renovação das estruturas começa pela renovação das mentes. Isto não vale apenas para hoje. A constituição de comunidade cristã sempre foi uma questão de transformação de mentalidade. Por outro lado, porém, estruturas existentes também podem bloquear a necessária transformação da mentalidade, razão pela qual é possível haver a urgência de questioná-las e sujeitá-las a um exame crítico. No entanto a mudança e o desenvolvimento de estruturas jamais é uma simples questão de organização, é uma questão de conversão e de aprendizagem.
Na IECLB se torna mister inventar formas e achar modalidades que possibilitem um melhor encontro e convívio dos membros. Os contatos superficiais não são suficientes para a formação de verdadeira comunhão. É preciso descobrir o grande proveito da comunhão, para o que deverá ocorrer uma abertura da pessoa para o compromisso que, no corpo de Cristo, um tem para com o outro. Somente assim será promovida a aprendizagem individual e grupal; e a comunidade será habilitada a ser o sal da sociedade.
Uma vez que as paróquias e as comunidades da IECLB excedem numericamente o limite, dentro do qual a comunhão imediata é realizável, e uma vez que, na esmagadora maioria das vezes, os membros moram demais espalhados para poder ser garantida a sua comunhão também fora dos cultos, urge planejar a criação de parcelas comunitárias menores. Á semelhança da sociedade, a comunidade está ameaçada da massificação que a transformaria em simples empresa religiosa, abastecendo um determinado mercado de consumo. A procura por novas formas de comunhão se nos coloca como imperativo.
Tais parcelas de comunidades, ou seja, núcleos de comunidade, em parte, já existem. A ordem auxiliadora de senhoras, grupos de juventude, corais, grupos de estudos bíblicos, etc. devem ser mencionados neste contexto. É preciso, porém, que tais núcleos realmente se entendam como comunidade, aprofundando a sua comunhão e transformando-se em multiplicadores de comunidade. Além dos núcleos existentes podem ser criados outros, como por exemplo, grupos-tarefa, grupos de reflexão sobre assuntos de seu especial interesse (moradores de uma vila, grupos profissionais - médicos, professores, agricultores), etc. As possibilidades são muitas, no entanto, a criação de tais núcleos requer habilidade, qualificação e motivação. Para tanto deverá haver orientação e material subsidiário. Há necessidade do treinamento de especialistas, de literatura do tipo “teologia para leigos”, há necessidade de material que informe tanto sobre métodos relativos à criação de tais parcelas comunitárias e à maneira de como conduzí-las, como também de material sobre conteúdos da fé evangélica e sobre sua configuração dentro da nossa realidade.
Discipulado permanente, isto é lógico, não está condicionado a determinados métodos - também não ao método da criação de núcleos de comunidade. Possivelmente existam ainda outras maneiras de intensificar a vida em comunhão dos membros. As situações na IECLB são diferentes. Mas é obvio que o nosso discipulado sofre sérios danos, onde faltar a vivência do cristão como membro vivo no corpo de Cristo vivo.
2.4 - Proceder a uma revisão crítica dos métodos do nosso trabalho quanto à sua contribuição ao discipulado permanente de todos os membros da IECLB. Aprendizagem cristã não fica restrita às aulas de religião, ao ensino confirmatório, a estudos bíblicos ou a outras promoções desta categoria. Também a prédica, a poimênica, enfim todos os tipos de trabalho na comunidade são fatores de aprendizagem por servirem, de uma forma ou outra para a edificação da comunidade e para o seu testemunho no mundo. O programa do discipulado permanente não pretende ser inovação no sentido de proclamar a abolição do que tem sido feito até agora para substituí-lo por algo absolutamente novo. Tão pouco se intenciona dar preferência a um ramo de trabalho, que seria a catequese, em detrimento de outros. Muito pelo contrário, o programa persegue o objetivo de examinar todas (!) as atividades da Igreja sob o critério decisivo da contribuição à vivência do discipulado hoje. O nosso trabalho favorece ou impede o surgimento de uma comunidade adulta?
2.5 - Intensificar e aperfeiçoar a diaconia para a qual somos chamados e libertados. Esta diaconia pode ter muitas formas. Ela pode ser a assistência direta de um membro a outro em qualquer necessidade, pode ser o trabalho social organizado dentro e por responsabilidade de uma comunidade, pode ser o serviço de aconselhamento, o cuidado para com os órfãos, pobres, doentes, velhos, presos, etc. Mas diaconia evangélica tem ainda outro aspecto: É a denúncia de injustiças, é a voz profética da comunidade que critica o desrespeito à dignidade do homem, é a manifestação pública da vontade de Deus em defesa de sua criatura. Por este motivo não só a esfera particular, mas também a política é campo de atuação cristã. Cabe à Igreja ser uma espécie de consciência da sociedade, criticando e advertindo, onde necessário for, e colaborando, onde o bem do homem for promovido. A Igreja não se dará por satisfeita com a cura das enfermidades da sociedade e do indivíduo, ela se empenhará também na eliminação das raízes dos flagelos atuais. A execução desta diaconia, porém, pressupõe olhos dispostos e treinados a enxergar a miséria dos irmãos, clara consciência no que diz respeito aos perigos e às ameaças da nossa sociedade, ela pressupõe ampla visão das nossas tarefas cristãs, sensibilidade e realismo frente aos inúmeros problemas que atormentam o mundo e motivação evangélica para levantar a voz e usar os braços. Comunidade diacônica e comunidade vigilante.
2.6 - Formar uma equipe incumbida da redação do material subsidiário supra referido. Este material que deverá fazer jus a um sólido embasamento teológico em conexão com concreticidade prática e habilidade pedagógica, oferecerá, além de informações sobre a fé, ajuda metódica e será um veículo de experiências. Não se trata de substituir, pelo material, o trabalho próprio dos que o usam, mas de estimular a articulação autônoma da fé dos membros no seu respectivo lugar e na sua respectiva situação.
Não admite dúvidas que os objetivos indicados nos itens acima não poderão ser alcançados dentro de breve espaço de tempo. Educação, crescimento, maturação, arrependimento, em suma, o processo de aprendizagem da fé, são coisas que exigem paciência. Além disto, não podemos fazer mais do que realmente está em nossas forças. Por esta razão o discipulado permanente é também um programa permanente. Impaciência levará a frustração. Por outro lado, porém, isto não pode significar permissão para protelar o programa e capitular frente à multiplicidade de afazeres. Malgrado a limitação de nossas forças é possível realizar muito, desde que o façamos no Espírito do nosso senhor, que nas nossas fraquezas se torna forte. Desânimo, preguiça, falta de coragem e indiferença não são desculpas válidas diante de Deus. Apesar de o programa do discipulado exigir longos prazos, existe uma série de coisas a serem atacadas já. A pergunta cardeal é se queremos (!) ser discípulo de Jesus ou se preferimos ficar na margem sem compromissos, mas também sem chances de usufruir as riquezas com as quais ele é capaz de nos beneficiar. Naturalmente, discipulado não começa a existir juntamente com este programa. Sempre houve discípulos de Jesus, também na IECLB, e eles existem hoje. Mas no que compete a nós, deveríamos aperfeiçoar nosso discipulado para assim aproveitarmos melhor as riquezas do evangelho em nosso benefício e do mundo.


Seminário Soberania e Segurança Alimentar
16 a 18 de novembro 2010 – São Leopoldo, RS, Brasil
CARTA ÀS COMUNIDADES
A Palavra se tornou um ser humano e passou a morar entre nós. (João 1.14a)
A encarnação de Deus em seu filho Jesus Cristo é a expressão mais clara de que este é o mundo que temos para viver nossas vidas de maneira plena, capaz de englobar uma existência saudável no aspecto físico, mental, social, psicológico e espiritual. No entanto, uma vida digna e plena para a qual Deus nos criou não é o que muitas pessoas experimentam ao redor do mundo.
No centro das preocupações de nossa fé sempre esteve também a alimentação. Assim, um dos importantes sacramentos da vida comunitária é uma “Santa Refeição”. Jesus em seu ministério se preocupou em alimentar e ter profunda comunhão de mesa com as pessoas: multiplicou alimentos, reuniu pessoas, sentou-se à mesa com todos e todas e tornou uma refeição o meio de perdão e de salvação. Além disso, ensinou-nos a orar pelo pão diário como dádiva cotidiana de um Deus que alimentou e alimenta seu povo.
Uma das esferas mais importantes dos direitos humanos é o direito à alimentação. Por inúmeras razões, ainda há milhões de pessoas que não têm acesso à comida e/ou água potável. Fome e alimentação de baixa qualidade nutricional são realidades constantes. Isso causa tristeza e indignação, sentimentos que podem levar à apatia ou à ação. Uma possível mudança neste cenário depende também de articulações contundentes dos movimentos, organizações sociais e igrejas. Para tanto, é preciso partilhar informações, apropriar-se dos temas inerentes a estas questões e reforçar nossas redes de cooperação.
Assim, a partir da experiência do seu trabalho no dia a dia, o Consórcio CAPA (Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor), o COMIN (Conselho de Missão entre Indígenas), a FLD (Fundação Luterana de Diaconia), a Faculdades EST e a IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil) organizaram e convocaram o seminário Soberania e Segurança Alimentar.
Dois conceitos fundamentais direcionaram os trabalhos:
Segurança alimentar é a garantia do acesso de todas as pessoas a alimentos adequados, em quantidade suficiente e seguros em termos nutricionais (qualidade, quantidade e variedade) para uma vida ativa e saudável. Soberania alimentar é o direito que as pessoas, comunidades e países têm para definir suas próprias políticas agrárias, agrícolas, de trabalho, de pesca e de alimentação, que sejam ecológica, social, econômica e culturalmente apropriadas a seu contexto específico.
Um está diretamente vinculado com o outro. É preciso privilegiar segurança alimentar dentro de um plano de ações e políticas orientadas pela noção de soberania alimentar, pois ela além de garantir o direito a uma alimentação nutritiva e saudável também garante os direitos dos povos e comunidades tradicionais de preservarem e fortalecerem sua cultura e seus saberes.
No seminário igualmente aprendemos que:
Das comunidades indígenas vem a ideia da sacralidade da alimentação. Apreendemos que o alimento não nutre somente o corpo, mas também o espírito.
Todas as formas de vida, incluindo as plantas e os animais, têm direito à segurança alimentar.
A discussão sobre soberania e segurança alimentar necessariamente vincula-se à reflexão de gênero. Constata-se que as mulheres, as crianças e as pessoas idosas são as que mais sofrem com a falta de segurança alimentar e nutricional.
A garantia da soberania e da segurança alimentar passa pelo acesso aos meios de produção (terra, acesso e partilha dos conhecimentos, políticas agrárias e crédito agrícola). Ressaltamos que nos últimos anos houve grandes avanços no campo da agroecologia. A IECLB, por meio de suas comunidades e das organizações que promovem este evento, também assumiu este compromisso, desempenhando um importante papel no desenvolvimento da agricultura familiar ecológica e na defesa do meio ambiente.
Assim, conclamamos as comunidades a:
• Apoiar iniciativas da agricultura familiar e da agroecologia, comprando e consumindo os alimentos por ela produzidos.
• Adotar a prática do consumo consciente, evitando comprar e consumir produtos nocivos à saúde, que produzam lixo em excesso e que sejam de baixo valor nutricional.
• Empenhar-se em ações de educação alimentar, incentivando e fortalecendo hábitos de alimentação adequada e suficiente, de base agroecológica (orgânica e oriunda da agricultura familiar). Entenda-se por alimentação adequada aqueles alimentos livres de contaminantes e Organismos Geneticamente Modificados (OGMs).
• Esforçar-se na criação de espaços para comércio justo e direto entre agricultores, agricultoras e suas organizações e consumidores e consumidoras, como as feiras de  agricultura familiar e as cooperativas de consumo.
• Compreender e respeitar as diferentes concepções culturais acerca da alimentação.
• Denunciar violações do direito humano à alimentação, buscando auxílio do ministério público e de órgãos competentes.
• Inserir-se em fóruns de discussão, conselhos de segurança alimentar e elaboração de políticas públicas, no que se refere ao direito humano à alimentação adequada.
• Redescobrir e valorizar a refeição comunitária como espaço de comunhão, de partilha, de solidariedade, de reconciliação.
• Promover o resgate e a garantia da biodiversidade e de sementes crioulas como base da preservação da vida e da autonomia das comunidades. Reafirmamos que as diversas formas de vida não necessitam de organismos geneticamente modificados e agrotóxicos para a garantia da segurança, soberania e suficiência alimentar e nutricional.
• Propor e exigir políticas públicas que beneficiem e fortaleçam a agricultura de base agroecológica e reconheçam a função social da terra na produção de alimentos.
• Apropriar-se do tema da IECLB para 2011, “Paz na Criação de Deus”, como chave para a reflexão continuada em torno do assunto segurança, soberania e suficiência alimentar. Propomos que o tema “terra” volte para a reflexão em 2012 como tema do ano da IECLB.
Participantes do Seminário Soberania e Segurança Alimentar
São Leopoldo, RS, 18 de novembro de 2010.
Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA)
Conselho de Missão entre Indígenas (COMIN)
Fundação Luterana de Diaconia (FLD)
Faculdades EST
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
Parceria
Serviço das Igrejas Evangélicas na Alemanha para o Desenvolvimento (EED)
Apoio
Campanha da Fraternidade Ecumênica