31 de março de 2013

Eleições e democracia: como a mídia golpista falseia os fatos



29/03/2013 Informa CUT

Artigo de Paulo Cannabrava Filho denuncia como os grandes conglomerados privados de comunicação manipulam para impor uma visão unilateral



No enfoque dos diferentes processos eleitorais, palavras como democracia, ditadura, popular, populismo, opressão, liberdade de imprensa e censura, perdem totalmente seus significados etimológicos e são manipulados para confundir as mentes e impor uma visão unilateral dos fatos

PAULO CANNABRAVA FILHO*

Atualmente e não tão recentemente, têm havido eleições em várias partes do mundo e chama a atenção como os meios de comunicação tratam a cobertura desses eventos, seja no aspecto mídia-espetáculo, seja no aspecto conceitual, o que é muito mais importante.

O que mais salta à vista é o diversionismo ideológico explícito no enfoque desses diferentes processos eleitorais. Palavras como democracia, ditadura, popular, populismo, opressão, liberdade de imprensa, censura, perdem totalmente seus significados etimológicos e são manipulados para confundir as mentes e impor uma visão unilateral dos fatos. Um ato de guerra contra uma população desarmada, por exemplo, é terrorismo, contudo, na mídia os terroristas são as vítimas da agressão imperial.

Fica no ar a dúvida: o que é uma democracia? A de Atenas ou de Roma? A do Reino Unido ou da Itália? A dos Estados Unidos ou de Cuba?

É preciso refletir, repensar a democracia desde seus primórdios históricos. A queda da monarquia (e nem todas as monarquias caíram) deu lugar à criação de um sistema eleitoral que contivesse as massas oprimidas e assegurasse a hegemonia para a nova classe emergente.

O poder monárquico se confundia com o poder da Igreja de Roma, para garantir a sobrevivência da hegemonia ameaçada com atomização dos Impérios, desde Roma até os atuais. E nesse contexto a Igreja de Roma se configura como o mais antigo e poderoso dos conglomerados empresariais transnacionais.

Vale a pena uma reflexão, e o fazemos com intuito provocatório, sobre alguns dos processos eleitorais em evidência ou não tão em evidência na mídia.

VENEZUELA BOLIVARIANA

Desde 1999 a Venezuela já realizou 16 eleições de acordo com as regras que tipificam a chamada "democracia ocidental e cristã" com participação massiva da população. O ex-presidente Carter e outros observadores de peso, admitiram publicamente que o processo eleitoral venezuelano é o mais limpo e democrático. Ele não poderia falar nada diferente, pois é o tipo de eleição que seu país quer impingir ao mundo. Não obstante, como não deu resultado o marketing político e a campanha publicitária bilionária dos partidos tradicionais e foi eleito um adventício, ou seja, um de fora da corte, o governo legalmente eleito foi todo tempo demonizado.

Se tivesse sido eleito um oligarca branco ou um caboclo servil seria apresentado pelos meios como exemplo da democracia em nossa América. Mas, como foi eleito um caboclo, de origem humilde, é exemplo de populismo, de demagogia, de ditador castro-comunista. Só não acusaram Chávez de comedor de criancinhas.

Em abril a Venezuela realizará novas eleições para a presidência. Se eleito Maduro terá sido eleito por utilização da máquina governamental. Se Caprilles for eleito (quase impossível) será por manifestação democrática. E já não faltam os que estão semeando discórdia acusando Maduro de violar a Constituição, o que não é verdade.

Se a expressão das massas populares se transforma em força política, os conservadores entram em pânico por que se lhes fecha o caminho de retorno e reconstrução da hegemonia.

No caso da Venezuela não há dúvida de que o que sustentou Chávez 14 anos no poder foi a força política dessa expressão das massas. As fotografias e os audiovisuais sobre as manifestações de pesar pela morte de Chávez deixa ver nitidamente a cor da pele e a dimensão dessa multidão. Não obstante, a mídia dos conservadores trata por todos os meios desqualificar, demonizar essa democracia, por causa daquilo que ela tem de melhor: é popular, de massas.

Fato novo da Nossa América, os meios conservadores já não conseguem convencer às grandes massas, pois estas adquiriram saber, têm opinião própria, reconhecem a seus líderes e não se deixam mais conduzir pelos arautos do Apocalipse. Quase todos os meios impressos venezuelanos são de oposição. A televisão e as rádios ainda têm grande importância, mas, ao assumir um combate insano contra um governo e um líder que é do agrado das massas, perderam credibilidade. Paralelamente, surgem meios públicos e estatais de comunicação, porém, não vinculados a uma estratégia de comunicação revolucionária.

Sabiamente, a Revolução Bolivariana deu voz aos bairros organizados através das rádios comunitárias. E estão surgindo informativos impressos alternativos, além dos foros de discussão sobre o processo bolivariano por toda parte.

Isso não aparece nos meios, como tampouco aparecem as conquistas da Revolução, tais como: a erradicação do analfabetismo; nenhuma criança fora da escola; é o 5º país do mundo com maior taxa de matrícula escolar e universitária; saúde gratuita para todos; construção de 8.500 hospitais, etc.

Dados da ONU confirmam que, antes de Chávez, a Venezuela tinha 70% de pobreza, com 40% de pobreza extrema. Hoje a pobreza está em torno de 26% e a pobreza extrema foi reduzida para 6%. A inflação, que era de 103%, está hoje em 22,8%.

Tudo isso foi alcançado a duras penas, com erros e acertos. Os críticos apontam tão somente os erros e reclamam de ineficiência do setor produtivo. Se esquecem de que também em seus países os obstáculos para o desenvolvimento são os mesmos: ausência de infraestrutura, ausência de uma base produtiva prévia, ditadura do capital financeiro, e, fundamente, ausência de mão de obra qualificada.

IGREJA DE ROMA

No processo eleitoral do Vaticano 115 cardeais elegeram, entre eles, um novo papa. Alguém elegeu esses cardeais? Evidentemente que não. Eles conduzem uma Igreja de uns 400 mil presbíteros e quase um bilhão de seguidores (fiéis), entre os quais mulheres, que, apesar de maioria, são admitidas na igreja apenas como serviçais. Nenhum desses padres votou para eleger um bispo nem tem direito algum de opinar sobre os candidatos a papa. Vão dizer que no caso se trata de religião, coisas do espírito, tudo é diferente. Não é bem assim. O Vaticano é um estado e reconhecido como tal tem representação diplomática de vários outros estados. O Brasil, por exemplo, mantém embaixador no Vaticano. Tem também um banco central (o IOR) e uma disputa feroz pelo poder vacante.

Do ponto de vista das regras políticas que servem de paradigmas para definir as democracias ocidentais e cristãs, o Vaticano é a mais típica e prolongada das ditaduras. O cargo de bispo de Roma, que é também de pontifício ou Papa, além de ser escolhido por um punhado de "iluminados", é por toda a vida. Só perde o mandato por morte. No caso – muito raro - de renúncia, o direito canônico não prevê a perda da condição de representante de deus. Sendo o papa vitalício, após a fumacinha branca veio a proclamação: habemus papi.

O direito canônico (a constituição deles) determina a infalibilidade do papa. Isso significa que as ordens ditadas por ele têm que sem cumpridas sem discussão. Por isso, após a escolha, todos os seus eleitores juram se submeter à palavra do papa. Muito democrático, não é?

Nesta democracia do Vaticano, patriarcal e machista, quem desobedecer ou contrariar a palavra (leia-se vontade) do papa é imediatamente castigado, senão com a excomunhão, com "cale a boca e fique quietinho no seu canto", como ocorreu com o teólogo brasileiro frei Leonardo Boff. Não faz muito tempo, o castigo poderia ser bem maior. O museu da inquisição em Lima deixa qualquer pessoa, até mesmo da Operação Condor, horrorizada com a crueldade dos instrumentos de tortura. Para os mais recalcitrantes em aceitar a palavra infalível do papa, o castigo era a fogueira. Hoje existem outros métodos menos explícitos.

Apesar de minúsculo, o Vaticano possui uma das maiores fortunas do mundo. Suas propriedades se estendem por quase todos os centros urbanos, notadamente nas metrópoles cuja história se desenvolveu mais ou menos paralela à do Vaticano, ou Igreja de Roma. O IOR, ou Banco do Vaticano, é o banco preferido pela máfia italiana e por quantos se enriquecem com negócios ilícitos. Os investimentos do Vaticano estão no mercado financeiro, petróleo, comunicação, indústria bélica, aluguel de imóveis e tudo que possa gerar lucro. Os grandes especuladores financeiros e os portadores de dinheiro ilícito operam em paraísos fiscais como Bahamas, Luxemburgo, Mônaco, entre tantos, e o próprio Vaticano e seus bancos filiados (lembre-se do Banco Ambrosiano). Por que ninguém se atreve a levantar os ativos do Vaticano?

Toda a conquista territorial e política de extermínio das populações nativas de Nossa América foi feita em conluio com a Igreja de Roma. Ao longo da história, todas as ditaduras, das mais cruéis às mais brandas, massacraram seus povos com o beneplácito do Vaticano. Toda política de saqueio e genocídio do colonialismo europeu foi realizada com as bênçãos pontifícias. Que democracia é esta?

ESTADOS UNIDOS

Nos EUA, já sua primeira constituição dizia que os governantes deveriam ser brancos e ricos. O desenvolvimento capitalista que conduziu à potência que o país é hoje manteve esse princípio. Para se chegar ao estado de bem estar que deveria servir de modelo para o mundo, correu muito sangue dos trabalhadores reprimidos, perseguição ao diferente, exclusão social, racismo e saqueio das riquezas e da força de trabalho das nações em desenvolvimento.

Nos Estados Unidos, só tem chance de se eleger para qualquer posto executivo ou legislativo quem tem muito dinheiro e for ungido com o apoio de um dos partidos do status quo. O processo passou por aperfeiçoamentos que tornaram suas eleições bem mais democráticas que as do Vaticano, mas tão elitista quanto.

Lá, no dia da eleição, o cidadão que quiser comparecer às urnas, vai, vota no seu candidato, mas quem decide o vencedor não será o seu voto e sim o de um Colégio Eleitoral. Antes, para ser aceito como candidato por um dos dois partidos hegemônicos, terá de passar pelas prévias nos principais colégios eleitorais. Existem outros partidos, porém, o custo para uma campanha é tão alto que a realidade que se impõe é a de um bipartidarismo em que as únicas diferenças entre Democratas e Republicanos são de método ou de índole, nunca de princípios ou de concepção de estado e de governo.

Por exemplo, em 2000, George Bush perdeu a eleição para Al Gore pelo voto popular, ganhou no tapetão, isto é, por decisão do Colégio Eleitoral, que é o mesmo que dizer por fraude. O Colégio é integrado por 538 delegados, indicados pelos partidos nos estados, em número proporcional ao peso demográfico, e vence quem obter os votos de 270 delegados. Mas eles mesmos e nossa mídia insistem em que democracia é isso.

Esse modelo, em que dois partidos com a mesma proposta se alternam no poder é o que apregoam como paradigma para os povos de Nossa América. Tentaram impor pela força no Brasil, quando da ditadura civil militar (1964-1985), depois de ter fechado o Congresso e extinto cerca de 16 partidos, criaram o MDB e a ARENA.

ELEIÇÕES NO EQUADOR OBSERVADAS PELO MUNDO

Em meados de fevereiro, os equatorianos foram às urnas para eleger presidente e vice-presidente, os parlamentares à Assembleia Nacional e cinco representantes ao Parlamento Andino. Para vencer no primeiro turno, de acordo com a Constituição, é necessário mais de 40% dos votos e 10% a mais que outros colocados. Não alcançado este quociente, haveria segundo turno.

Tudo foi feito dentro das regras do jogo que qualificam a democracia formal. Fato inédito na história do Equador e de qualquer outro país de Nossa América, para garantir a lisura dessas eleições foram enviados mais de 600 observadores. Além da OEA e da Unasul, o Parlamento Andino, Liga Árabe, União Africana, Associação das Nações do Sudeste Asiático e a União Interamericana de Organismos Eleitorais, além de cerca de 60 personalidades políticas e intelectuais, compondo um contingente de cerca de 300 pessoas.

O presidente Rafael Correa foi reeleito com quase 60% dos votos (57,17%), 34,49% de diferença do segundo colocado, o banqueiro Guillermo Lazo, o preferido da mídia mundial. O empresário Álvaro Noboa Pontón, segundo favorito na torcida midiática, conseguiu 3,72% dos votos.

Confirmado pelo voto popular, Correa agora passou à categoria de "ditador eleito", tal como Chávez. Se a vitória fosse de Noboa, sem dúvida as manchetes diriam que foi "restaurada a democracia" no Equador.

Correa conquistou a confiança do povo por governar com decência, por utilizar os recursos advindos do petróleo e outras commodities em obras de infraestrutura e de redenção social, com ênfase nas áreas de educação e saúde, e também por ouvir as maiorias e minorias. As oligarquias de Nossa América não se conformam com que, enquanto os modelos por eles apregoados estão economicamente estagnados ou cresceram abaixo de 3% nos últimos seis anos, o Equador cresceu 4,3%.

Não é fácil superar os estragos provocados em décadas de desgoverno conduzidos por agentes do capital financeiro especulativo e dos saqueadores das riquezas nacionais. Tal o descalabro que até mesmo a moeda nacional foi substituída pelo dólar estadunidense. Tudo isso com apoio dos meios de comunicação. Meios que se transformaram em partidos e instrumentos da contrarrevolução e do entreguismo. Com tudo isso, a população de mais baixa renda que era de 37,6% em 2006 baixou para 27,3% em 2012.

Por pretender democratizar o sistema de governo e os meios de comunicação, por pretender garantir que cumpram com a Constituição e as leis, que as riquezas minerais e naturais sejam utilizadas em benefício da Nação, e por pretender dar voz às maiorias, e democratizar os meios de comunicação, Rafael Correa passou para a categoria de ditador, por nacionalizar o petróleo, comunista. Ou seja, está sendo tratado pela mídia como se inimigo fosse da democracia. Democracia para quem, cara-pálida?

ELEIÇÕES NA CUBA SOCIALISTA

Cuba realizou eleições para a Assembleia Nacional em janeiro, com mais de 90% de comparecimento. Todos os candidatos de todos os municípios foram eleitos. Em fevereiro, os 612 deputados eleitos elegeram o novo governo, com mandato de cinco anos.

Como o sistema eleitoral e de governo cubano não segue a cartilha da democracia ocidental e cristã, já descritas nos tópicos anteriores, os meios de comunicação, quando não ignoraram o fato, retiraram-lhe importância. Para a mídia, Cuba é simplesmente a ditadura dos Castro. Será mesmo?

Antes disso, em 2011, o VI Congresso do Partido Comunista de Cuba aprovou novas diretrizes para a estratégia de desenvolvimento do país, as quais vêm sendo seguidas pelo governo. Esse congresso revelou fatos de grande relevância que estão a ocorrer em Cuba e escondidos pelos meios de comunicação servis ao Império. O que mais me chamou a atenção foi o componente humano: 50% negros, 50% mulheres e 50% jovens. Fato realmente surpreendente, um grande avanço numa Cuba de origem social machista e elitista governada por brancos.

A composição da nova Assembleia Nacional e do novo governo revela o mesmo fenômeno de ascensão social e renovação etária. A idade média dos integrantes do Conselho de Estado é de 57 anos, 39% são negros ou mestiços e quase 42% mulheres. E percebe-se, tanto nos discursos como na prática cotidiana, que as mulheres se dispõem a aumentar ainda mais a presença nas entidades, em todas as instâncias do país.

Ao ser reconduzido à presidência, Raúl Castro anunciou que este é seu último mandato e que nenhum outro cubano poderá permanecer no poder, seja executivo ou legislativo, por mais de dois mandatos (dez anos). Essa e outras reformas, que dependem de reforma da Constituição, deverão ser aprovadas em plebiscito. Justificam com que há que dar lugar às novas gerações e estas não têm o carisma e a legitimidade dos que fizeram a Revolução vitoriosa de 1959.

Todos os meios especulam sobre o futuro de Cuba sem Fidel. O que será de Cuba? Para onde irá Cuba? São perguntas que devem ser formuladas às novas gerações que, formadas pela Revolução, estão ascendendo – sob o silêncio sepulcral dos grandes conglomerados de mídia - às direções dos organismos políticos e de governo.


* É jornalista e editor da revista virtual bilíngue Diálogos do Sul.

28 de março de 2013

O pacto social entre capital, trabalho e pobreza no Brasil.



Entrevista especial com Tales Ab'Sáber

Em dez anos de gestão petista, “se produziu um novo e raro pacto social entre capital, trabalho e pobreza no Brasil, em uma espécie de social democracia mínima, que levou à verdadeira hegemonia política lulista ao final de seu segundo mandato, em 2010”, diz professor da Unifesp.

Confira a entrevista.

“O Fla-flu político-ideológico para a manutenção do governo Lula, e para a afirmação de seu sucesso, desmobilizou um tanto das exigências sociais críticas da própria esquerda, que passou a nivelar expectativas e desejos por baixo, se aproximando fortemente da ordem conservadora, o que, para um país com déficits, como é o Brasil, não é bom. Além disso, a política, o manejo cotidiano da vida pública, regrediu abertamente a um estado generalizado de complacência com a corrupção e a incompetência; ou a esquerda se instalou finalmente na fratura exposta da política fisiológica brasileira”. A descrição é do professor da Unifesp, Tales Ab’Sáber (foto abaixo), em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Para ele, “dialeticamente, e curiosamente, a gigantesca crise do Partido dos Trabalhadores coincidiu com o tempo do governo de Lula – e, dada a contradição radical com sua própria história, creio que não poderia ser diferente –, o que precipitou sua efetiva renovação, e acabou fazendo com que o partido saísse um passo na frente na necessária renovação geral da vida política brasileira”. E conclui: “pela primeira vez o Brasil sentiu a força ideológica da soma de democracia, mercadoria e emprego, de modo que esta experiência, a do capitalismo integrado, vinda muito tardiamente e do todo, repercutiu sobre todo o povo brasileiro. Em termos políticos clássicos, o líder popular apoiado pelo que restou da esquerda, com vínculos sindicalistas fortes, comandou um imenso processo de aceitação da hegemonia – como dizia Gramsci – do modo de ser do capitalismo contemporâneo por estas bandas, cacifando a vida ruim dos pobres no Brasil com o acesso a celulares, tevês de plasma e carros populares, de modo que todos, trabalhadores e mercados, ficaram satisfeitos”.

Tales Ab’Sáber, psicanalista e ensaísta, é professor de Filosofia da Psicanálise na Universidade Federal de São Paulo – Unifesp. Formado em Cinema pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – USP, é mestre em Artes pela mesma instituição. Também é psicólogo pelo Instituto de Psicologia da USP, onde defendeu doutorado sobre clínica psicanalítica contemporânea. É membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. É autor de, entre outros, Lulismo, carisma pop e cultura anticrítica (São Paulo: Hedra, 2011) e A música do tempo infinito (São Paulo: Cosac Naify, 2012).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Passados 10 anos, como era o Brasil antes e como é agora, depois da passagem do PT pela Presidência da República?

Tales Ab’Sáber – Não há dúvida de que houve um pequeno salto de civilização no Brasil nestes dez anos. Mas acredito que, de fato, pequeno. O fato de o governo petista ter insistido, através de práticas econômicas e sociais de inclusão social, mas também através de uma política fortemente simbólica a respeito desta inclusão – principalmente nos dois governos Lula – no compromisso do Estado e da nação com a inserção social das massas pobres brasileiras, e os bons resultados econômicos e simbólicos destas políticas, que também dizem respeito ao lugar do Brasil no mundo, talvez tenham estabelecido como definitiva a necessidade de que o crescimento econômico nacional esteja atrelado e comprometido a uma simultânea dinâmica social de transformação e inclusão. Se isso for verdade, a irreversível dinâmica nacional de associar crescimento e integração social, o Brasil ganhou um ponto muito importante no processo de sua modernização real atrasada.

Crescimento com inclusão

Até muito recentemente não havia garantias políticas nem a perspectiva de que a máxima concentração de renda tradicional brasileira e o desprezo das elites brasileiras pela vida popular levassem a uma solidificação desta posição: a do crescimento com inclusão. As elites brasileiras conceberam por duzentos anos um país sem este tipo de veleidade civilizatória – e nos primeiros 66 anos do país ainda se deram ao grande luxo antimoderno de ser uma elite de senhores de escravo, em pleno século XIX – e, sendo assim, podiam manter a vida do país no regime da máxima concentração, como sempre foi, por que não? Esta conquista, que talvez seja a principal dos governos petistas, é fruto dos processos políticos competitivos da democracia de massas, que envolveram o próprio surgimento e desenvolvimento do PT, e da orientação popular, ou neopopulista de mercado, como escrevi sobre Lula, dos últimos tempos.

No entanto, tal inserção social ainda é muito incompleta e foi acompanhada de imensas mazelas, tanto políticas quanto culturais. De fato ela não está garantida, e pode ser revertida por um novo ciclo de acumulação capitalista no país. Ainda, por outro lado, a inserção dos pobres, exclusiva e preferencial via consumo, ilude com o acesso ao mercado e seu fascínio pelas coisas. O que seria, na prática, uma vida decente para os pobres no país, o que, se considerarmos as garantias básicas de direitos cidadãos, como educação, saúde, transporte e moradia decentes, absolutamente não é verdade. Também, o Fla-flu político-ideológico para a manutenção do governo Lula, e para a afirmação de seu sucesso, desmobilizou um tanto das exigências sociais críticas da própria esquerda, que passou a nivelar expectativas e desejos por baixo, se aproximando fortemente da ordem conservadora, o que, para um país com déficits, como é o Brasil, não é bom. Além disso, a política, o manejo cotidiano da vida pública, regrediu abertamente a um estado generalizado de complacência com a corrupção e a incompetência; ou a esquerda se instalou finalmente na fratura exposta da política fisiológica brasileira. Sem falarmos no rebaixamento cultural mais amplo e irrestrito, onde se insere inclusive, e principalmente, a classe média alta e os ricos nacionais, satisfeitos de modo caipira e bem desinteligente com um mundo imediato de consumo de quinquilharias do luxo mundial, e com a vida voltada para um hedonismo o mais barato concebível. Desse ponto de vista, a política geral das humanidades da esquerda no poder, de fato bem liberal, nos últimos dez anos, não pode ser considerada suficientemente boa.

IHU On-Line – Passados 10 anos, como era o PT antes e depois da passagem pela Presidência da República?

Tales Ab’Sáber – A história do PT depois da sua chegada ao poder federal é uma mistura de “uma montanha russa com uma casa dos horrores”. A transformação acelerada do PT em um novo tipo de partido tradicional brasileiro teve início com as decisões de real politique levadas a cabo para eleger Lula em 2003: alianças com partidos tradicionais, de centro e até de direita, para garantir uma coalizão governista e maior tempo de TV, e a aceitação de uma aberta política da imagem, da espetacularização dos atributos do líder Lula, para operar seu novo e alavancado carisma pop junto à vida popular, o que ocupou o lugar das antigas políticas de esclarecimento e exigências públicas críticas, que sempre distinguiram a atuação, iluminista e inteligente, do PT na política brasileira.

O PT ganhou a eleição exatamente no feitio, propagandístico e de espetáculo no lugar da política, que foi o de seus adversários de direita, Collor ou Fernando Henrique, em pleitos anteriores. E este modo de partir para os efeitos alienantes e acríticos da nova política da imagem, ancorada no potencial carismático do líder, já era, em meu entender, uma conversão política bem radical do Partido dos Trabalhadores aos novos tempos. No poder, o partido aceitou as decisões conservadoras sobre a política econômica, dando garantias de contratos ao grande capital, aceitou a gestão fisiológica, e mesmo corrupta, da máquina política de Brasília, expulsando inapelavelmente a esquerda do partido, e liberou Lula para ser o garoto propaganda, regressivo e fetichista, da imagem de seu próprio governo.

Aumento da renda com foco no consumo

Tudo isso era compensado pelo projeto de acelerar o aumento da renda dos pobres, orientado para o consumo. Em 2005, em um episódio de imensa incompetência no manejo dos compromissos assumidos, veio a crise grosseira do mensalão, escancarando publicamente a nova ordem de práticas, de fato as mais velhas conhecidas no Brasil, do novo PT do poder. José Dirceu caiu, e com ele todo o núcleo central do partido que orbitava junto a Lula. O partido saiu marcado por uma contradição realmente insolúvel para a sua história: ele era o novo grande promotor de práticas corruptas, e de apropriação de riqueza pública na política brasileira. Rompeu-se a última barreira, acelerou-se a montanha russa, surgiu, para mim e para muitos, a casa dos horrores. Lula saiu a campo para defender em um corpo a corpo de imagem seu governo combalido e que corria riscos, e neste momento a conversão à política do espetáculo foi de grande importância; o PMDB passou a ser o regulador da real política petista no congresso; Lula ficou maior que seu partido – cujos nomes principais tinham que se haver com polícia e tribunais – e após os sucessos de sua política de transferência de renda e crédito para os pobres, no segundo mandato, ele determinou, de modo meio imperial, mas com tino político perfeito, a renovação forçada do partido, sustentando a neófita política Dilma Rousseff e, no ano seguinte, o novíssimo quadro petista Fernando Haddad, em São Paulo. Dialeticamente, e curiosamente, a gigantesca crise do Partido dos Trabalhadores coincidiu com o tempo do governo de Lula – e, dada a contradição radical com sua própria história, creio que não poderia ser diferente –, o que precipitou sua efetiva renovação, e acabou fazendo com que o partido saísse um passo na frente na necessária renovação geral da vida política brasileira.

Nada disso impediu que uma parte significativa dos companheiros petistas, que escaparam à degola do mensalão, enriquecesse abertamente em um processo de franco aburguesamento com o período no poder. O caso de Antonio Palocci se recusando a declarar as empresas que lhe pagaram milhões por assessorias, nas vésperas de sua entrada para o governo Dilma, de modo que o político abriu mão do ministério, mas não do dinheiro e dos negócios, é bastante exemplar a este respeito. O da secretária de Lula indicando amigos para órgãos reguladores e demandando deles, muito à vontade, sucessivos favores em dinheiro, é outro. E neste processo, mais uma vez, os petistas apenas confirmaram o movimento mais geral e muito tradicional da política brasileira, o que quer dizer, em outras palavras, que outros partidos, incluindo aí o refinado PSDB, não fariam melhor.

IHU On-Line – Quais os mecanismos utilizados pelo PT para se manter tanto tempo no poder Executivo federal dentro de uma democracia direta? Qual a importância das alianças e da política de coalizão nesse sentido?

Tales Ab’Sáber – Creio que os mecanismos usados para o predomínio petista, que é a própria configuração do governo, foram as quatro posições assumidas pelo governo Lula:

1) aceitação da real politique fisiológica e arcaica brasileira,

2) manutenção dos contratos e dos preços do capitalismo financeirizado brasileiro de então, com autonomia e garantia de gestão pró-mercado do Banco Central brasileiro,

3) políticas de investimento e de aumento de renda, via transferência e via crédito, para os muitos pobres, visando a dinamização e o aumento do mercado interno e

4) aberta e calculada política da imagem de Lula, junto aos pobres e à indústria cultural global, ao ponto dele chegar a alcançar um novo nível de mistificação política, o do carisma pop. Com estas ações se produziu um novo e raro pacto social entre capital, trabalho e pobreza no Brasil, em uma espécie de social democracia mínima, que levou à verdadeira hegemonia política lulista ao final de seu segundo mandato, em 2010.

Sobre a política de coalizão: no Brasil ela coincide com a cessão, em regime de “porteira fechada”, de grandes “nacos” do poder público e do Estado, para a gestão privada, eu diria quase privatizada, do partido que faz parte da aliança governista e que recebeu a benesse nos jogos do poder, de modo que as ações destas verdadeiras partes autônomas do poder de Estado não estão sincronizadas ou afinadas com a política geral do governo majoritário. Nosso presidencialismo de coalizão produz uma política privatizada para os partidos, cuja gestão da coisa pública é, em geral, incompetente e fortemente corrupta. Esta estrutura institucional, da própria política, tem imensos custos para o país, e pode levar a grandes instabilidades e crises. Ela teria que ser redesenhada, mas todas as forças políticas se igualam e estão satisfeitas nela, desde que o PT passou a fazer parte e dar legitimidade para o clube da partilha do Estado. Lula estabeleceu este estado de coisas, não muito diferenciado do modo tucano de acolher o PFL em seu governo, e Dilma foi obrigada a fazer o teatrinho da faxina política, que apenas troca um gestor incompetente e corrupto de um dado partido, por outro igual, do mesmo partido.

IHU On-Line – O senhor afirma que “o mensalão é a instalação do PT na política de direita brasileira”. Desde quando o PT deixou de ser um partido de esquerda?

Tales Ab’Sáber – Desde quando o PT assumiu, de modo conservador, que sua tarefa histórica é a modernização do capitalismo brasileiro, buscando ser o fio da meada de um pacto social difícil, dada a imensa disparidade de poder entre as classes no país. Ao assumir esta posição, no governo, o PT liquidou o lugar histórico do PSDB – que era exatamente este, mas sem compromisso social forte – com o adendo de que o partido tucano seria o tampão para barrar, pelo centro, a chegada do PT, então sentido como anticapital, ao poder. E não por acaso o partido também se aburguesou, e se tornou corrompível no poder, o que tem muita lógica com o projeto assumido.

O sucesso amplo de tal posição política petista junto ao grande poder e ao grande dinheiro nacional também significou o rebaixamento geral das práticas, e mesmo das expectativas culturais exigentes, do velho PT ao ramerrão geral da baixaria, tradicionalmente própria das elites brasileiras. Este foi o outro pacto social: o do encontro da baixa cultura de elite com a regressão cultural petista satisfeita. Mas que pode significar isto, se os pobres estão satisfeitos no consumo, os ricos estão liberados e felizes, e os companheiros de Lula enriquecem com os bons negócios do Estado? A regressão cultural é, desse modo, hegemônica.

IHU On-Line – Quais os principais efeitos políticos regressivos que a “política do absurdo para salvar a própria pele”, como o senhor definiu a atuação do PT no mensalão, pode provocar?

Tales Ab’Sáber – Para mim o que houve de mais lamentável no inteiramente lamentável episódio histórico do mensalão foi a incapacidade total do PT, e do governo Lula, de politizar de modo afirmativo e verdadeiramente progressista o fato de homens do partido terem sido apanhados em práticas ilegais, e que eram, até então, endêmicas no país. O fato do partido se ver envolvido em práticas corruptas, de circulação de dinheiro não contabilizado, com origem em fontes públicas, para a gestão da política nacional, e de ser exatamente este o estado generalizado das coisas políticas entre nós, era forte o suficiente, expressivo o suficiente, exemplar o suficiente, para produzir uma ação política propositiva e transformadora deste estado de coisas, para precipitar, a partir do protagonismo histórico do PT, e sua autocrítica exigente, uma reforma política que banisse definitivamente tal estado de degradação e submissão da vida política nacional aos jogos e diretos do dinheiro.

O PT, por estar no centro do lugar em que todos estavam, e por sua grande história de negação ética destas mesmas coisas da política brasileira em que estava envolvido, podia, e eu diria, tinha mesmo a obrigação, de propor uma mudança na regra do jogo que corrompera o próprio partido, o que o instalou na política de direita brasileira. Mas isso não ocorreu. Que posição o partido e o governo tomaram? A que havia verdadeiramente de pior no espaço e nas tradições políticas brasileiras. Apanhados em graves ilícitos, com provas fartas a partir da denúncia de um político, de direita, participante ativo do esquema, o PT, sem nenhuma crítica ou autocrítica, produziu uma negação geral dos fatos, e demandou do Supremo a tradicional impunidade dos poderosos brasileiros... Não apenas o partido foi apanhado em ato de circulação de dinheiro ilegal – como um velho Maluf qualquer, digamos assim de modo metafórico – como ao negar explicitamente o inegável, e exigir a indevida impunidade, apostando na degradação institucional e política a favor do poder, o partido se comportou inteiramente, efetivamente, em toda a linha, como um Maluf qualquer... Não apenas as práticas, mas toda a ação simbólica foi de direita, e o resultado institucional e político do affaire, se estes políticos regressivos vencessem o jogo, seria a reafirmação da impunidade da justiça brasileira para os poderosos, um dos mais graves males de nossa democracia danificada...

O PT jogou inteiramente na regressão, contra sua história, e contra toda expectativa de vida política inteligente no partido, e contra o país, demandando a impunidade das elites, a mesma que degrada a vida da justiça e da política brasileira, tornando-as mafiosas, igualando-se a um Maluf qualquer, aquele que, condenado, continua dizendo nunca ter sido condenado. Por isso falei em “a aposta em uma política do absurdo para salvar a própria pele”, neste episódio lamentável em toda extensão e profundidade que podemos alcançar. Com estas ações públicas o PT se fez idêntico, em todos os passos, antes durante e depois, ao modo de ser da direita brasileira. E, por isso, há profunda coerência na foto, exigida pelo político de direita, de Lula cumprimentando Maluf no jardim de sua mansão, que revelou aos petistas escandalizados aquilo que cuidadosamente eles tentam ocultar de si mesmos. Uma atuação política pública desastrada em toda linha, horrível e lamentável, além de, não por acaso, incompetente e derrotada.

IHU On-Line – Qual é o partido que pode ser considerado de esquerda hoje no Brasil?

Tales Ab’Sáber – Se há alguma esquerda, que sustente algum grau de crítica ao modo de ser do capitalismo contemporâneo, ela está fragmentada e se tornou de fato irrelevante, pelas próprias más avaliações do mundo e do tempo. Um mínimo grupo de sindicalistas que anima um partido nanico, com segundos na tevê, como ocorre no Brasil, não é de fato uma esquerda digna das grandes tradições críticas e da intensidade política da tradição.

Além disso, temo fortemente pelo mal entendimento das práticas de poder e de alienação muito avançadas na técnica do mundo de hoje, que creio que a esquerda de fato não sabe conceber, realística e criticamente. Por não saber pensar estas coisas – a indústria da diversão, o poder do fetichismo da mercadoria, a submissão sadomasoquista à indústria cultural – a esquerda, quando se aproxima do poder, faz um pacto apressado e mimético com elas.

A única esquerda à altura do tempo efetiva entre nós, mas irrelevante para a política real e partidária, me parece ser a esquerda de alta exigência teórica e crítica que se protegeu na universidade. A voz desta vida intelectual de esquerda deveria poder alcançar de algum modo a vida pública mais ampla.

IHU On-Line – Como definir o que seria o pensamento de esquerda política em nossos dias?

Tales Ab’Sáber – Existe uma new left mundial que tem alguns parâmetros importantes para o pensamento de esquerda, como orientar o crescimento global e a crítica ao poder a favor das massas violentadas e alienadas em injustiça presentes em todo o mundo, ao mesmo tempo em que ela não cede da crítica racional e exigente às mazelas do capitalismo ali onde ele se tornou universal.

Esta esquerda mantém viva uma avaliação muito rigorosa das contradições e novas ordens de violência do momento atual de globalização do capital e dos mercados e de redução dos espaços de potencial democrático assim como das novas tecnologias de informação a espaços de mera circulação da mercadoria e de seu sistema do espetáculo, de imagem lixo, baixa informação e fofocas.

Em geral, trata-se de uma crítica independente e universitária, mas é uma reserva de racionalidade e exigência de valores humanos que pode ser ativada em algum momento de falência e de crise da acumulação do capital, o que ocorreu, por exemplo, em 2008. Obama, que chegou ao poder nos Estados Unidos por causa da crise real do capitalismo mundial, promovida pelos grandes terroristas de Wall Street, era alimentado e informado por parte desta esquerda acadêmica norte-americana. De todo modo, já é plenamente possível falarmos de uma verdadeira crise do pensamento político de direita em nossos dias.

IHU On-Line – Como se deu o processo da integração capitalista brasileira? O senhor continua achando que essa foi a grande obra de Lula na presidência, seu grande legado?

Tales Ab’Sáber – Certa vez Caio Prado Jr. disse que se tivesse que definir o Brasil em uma única palavra ele diria que é um país muito atrasado. A integração capitalista brasileira foi um processo extremamente atrasado e atravessado pelo déficit de cidadania e de relações econômicas e políticas entre as classes sociais que trabalhassem na direção da reparação social da escravidão original e da integração de todos na vida simbólica e material do presente. O Brasil atravessou o século XIX, o século do significante universal do progresso, com escravidão, o que significa integração social zero, e ainda no tardio 1964, por motivos internos que recebiam por aqui o influxo da guerra fria norte-americana, o país mergulhou em uma ditadura de extrema direita, autoritária e antipopular, que geriu de modo muito conservador o imenso crescimento econômico do século XX brasileiro. Mais uma aposta na não integração social. A democracia demorou a dar as caras e algum mínimo resultado por aqui.

Os dez anos de Sarney, Collor e Itamar foram praticamente perdidos para o efeito e a necessidade de integração das massas pobres na economia moderna e na plena cidadania. FHC, com o combate à inflação, criou as bases para o sucesso do governo petista, oito anos depois, mas com seu rígido controle monetário, corte total dos gastos públicos e grande elitismo, praticamente parou o país, efeito econômico deletério para os mais pobres. Sobraram para Lula as condições de reanimar a economia visando o mercado interno e um simulacro de um tipo de pleno emprego, sem o qual a ordem ideológica capitalista simplesmente não funciona, em nenhuma parte.

Pela primeira vez o Brasil sentiu a força ideológica da soma de democracia, mercadoria e emprego, de modo que esta experiência, a do capitalismo integrado, vinda muito tardiamente e do todo, repercutiu sobre todo o povo brasileiro. Em termos políticos clássicos, o líder popular apoiado pelo que restou da esquerda, com vínculos sindicalistas fortes, comandou um imenso processo de aceitação da hegemonia – como dizia Gramsci – do modo de ser do capitalismo contemporâneo por estas bandas, cacifando a vida ruim dos pobres no Brasil com o acesso a celulares, tevês de plasma e carros populares, de modo que todos, trabalhadores e mercados ficaram satisfeitos.

Para isso se rebaixaram as exigências críticas e éticas do PT, se aceitou a gerência global dos números do mercado financeiro local e pobres e ricos sintonizaram no projeto Lula, em um pacto não explicitado realizado em seu nome, aceitando o seu desenho e os seus limites. Evidentemente, ao contrário do que diz a propaganda geral, os ricos ganharam imensamente mais no processo. De resto, nos últimos tempos temos visto a grande dificuldade de Dilma Rousseff em governar o país de modo a produzir um verdadeiro maior desenvolvimento econômico, diminuindo os juros devidos pelo governo aos mercados, e a nova dificuldade política que esta primeira cisão histórica do governo petista com parte do capital vem produzindo.

IHU On-Line – Quais os rumos do PT depois que ele deixar o poder? Poderá ser novamente considerado um partido de esquerda quando voltar a ser oposição?

Tales Ab’Sáber – O PT se originou e tem um vínculo, hoje nada profundo, mas eficazmente simbólico, com a história da democratização brasileira após a violenta ditadura de extrema direita brasileira de 1964. Em sua fundação, em 1981, convergiram para um amplo projeto, que então tentava equacionar a ideia de um socialismo democrático, várias forças e estratos sociais brasileiros de esquerda, de algum modo reencenando no interior do partido a tentativa de aproximação entre as classe sociais que existiu no Brasil e que foi violentamente cortada em 1964. Estas forças heterogêneas, que viam na sua própria aproximação em um partido a possibilidade de um verdadeiro movimento de democratização social no país, que envolviam sindicalistas, intelectuais de esquerda, religiosos ligados à teologia da libertação latino-americana, passaram fortemente a investir na figura estratégica do grande líder popular, Lula. As intensas discussões democráticas do partido convergiam para o trabalho da liderança nacional de Lula, o que acabou, nos últimos tempos históricos, constituindo o carisma quase mítico do presidente.

Deste modo, o PT sempre vai poder, em tom de fábula, ou mesmo de farsa, recontar os tempos heroicos da congregação nacional das esquerdas que ele de fato significou, nos anos 1980 e 1990. E dado o imenso atraso cidadão e material de grande parte do povo brasileiro em relação à realidade do tempo do mercado e da cidadania plena, o partido sempre terá uma margem de não integração social para representar na política. Isso tranquiliza o seu patronato político que, se não forem presos, ou caírem na lei da ficha limpa, terão ainda longa vida para o poder.

Todavia, o importante é a adequação política ao jogo do poder brasileiro, como ele é, que deu imensos resultados para Lula, e que permite, à direita e ao capital no Brasil, receber do PT influxos sociais pró-capitalistas que eles próprios são incapazes de realizar.
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/o-pacto-social-entre-capital-trabalho-e-pobreza-no-brasil-entrevista-especial-com-tales-absaber/518766-o-pacto-social-entre-capital-trabalho-e-pobreza-no-brasil-entrevista-especial-com-tales-absaber

18 de março de 2013

O vale tudo pela manutenção da coalizão de governo


A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.

Sumário:

No lugar do embate ideológico, acertos
Ruralista na Comissão do Meio Ambiente
A agenda dos ruralistas
Homofóbico na Comissão dos Direitos Humanos
Ortodoxia da bancada evangélica
Agenda social e governabilidade

No lugar do embate ideológico, acertos

Nos 10 anos do PT no poder, o partido de Chico Mendes trocou as bandeiras da defesa do meio ambiente e das minorias pela governança política. As nomeações de Blairo Maggi para a Comissão do Meio Ambiente e de Marco Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos são demonstrações simbólicas e práticas de que vale qualquer tipo de aliança pela manutenção da coalizão de sustentação ao governo.

A tomada de assento pelas forças conservadoras e reacionárias em duas comissões historicamente hegemonizadas pelas forças progressistas e instrumentos importantes na defesa das minorias, revela que agora em primeiro lugar vêm os acordos políticos-eleitorais. O conteúdo e a temática das mesmas já parecem não ter importância significativa para a esquerda, ou ao menos para parte dela.

O governo calou-se. As ministras do Meio Ambiente Isabel Teixeira e dos Direitos Humanos Maria do Rosário não esboçaram reação, aceitaram as indicações dos parlamentares ‘motosserra de ouro’ e homofóbico. O PT na Câmara dos Deputados esboçou tímida reação, mas sucumbiu ao argumento que no pacto da distribuição do poder cabiam ao PR e ao PSC as indicações pelos cargos.

Não está distante o dia em que a bancada ruralista e a bancada evangélica tomarão conta dos Ministérios do Meio Ambiente e dos Direitos Humanos. Pelo ‘andar da carruagem’ e dos reiterados recuos – Código Florestal, PNDH3 – o governo e o partido dão mostras que se renderam ao pragmatismo. No lugar do embate ideológico, os acertos.

Blairo Maggi e o pastor Marco Feliciano, entretanto, não significam apenas adequações ao jogo do poder. São sintomas de algo mais profundo: Concessões na agenda de políticas públicas inclusivas para as minorias e desistência da agenda do meio ambiente como estratégica para um projeto de nação.

As nomeações do pastor Marco Feliciano e Blairo Maggi para as Comissões, as eleições de Renan Calheiros para a presidência do Senado e de Eduardo Henrique Alves para a Câmara dos Deputados e, ainda mais, a recém mini-reforma ministerial de Dilma Rousseff indicam que se trata de garantir a qualquer custo a manutenção do amplo leque de partidos na base de apoio do governo.

Na análise do Conselho Indigenista Missionário – Cimi, o cenário é ainda pior. Segundo a organização as eleições de Feliciano e Maggi “refletem simbolicamente no Legislativo a aproximação entre a presidenta Dilma Rousseff e a senadora Kátia Abreu no Executivo. Fica evidente que a ascensão destas forças de direita vem sendo alimentada e subsidiada pelas opções político-econômicas do governo brasileiro e dos principais partidos que lhe dão sustentação”.

Está em curso uma aliança estratégica entre as bancadas evangélica e ruralista com o objetivo de bloquear as reivindicações das "minorias" na Câmara dos Deputados e fazer avançar sua pauta no executivo. Assiste-se a uma aliança em que mutuamente se apoiam na defesa de suas agendas e fustigam a agenda dos setores progressistas.

O governo ao não reagir a essa articulação e ao abrir espaços às bancadas ruralista e evangélica paga um preço alto que é debitado para o conjunto da sociedade. O preço, entre outros, é o retalhamento da agenda ambiental, o abandono das causas indígenas e concessões na área de Direitos Humanos. Doravante essas agendas subordinam-se aos acertos políticos.

A agenda dos ruralistas

A chegada de Blairo Maggi, à presidência da Comissão do Meio Ambiente é demonstração de força dos ruralistas na defesa dos interesses do agronegócio.

Vitoriosos na flexibilização do Código Florestal e na aprovação de projeto que submete ao Congresso os critérios pelos índices de produtividade utilizados na reforma agrária, os ruralistas não escondem outros interesses.

Destacam-se, entre outros, a aprovação das PEC 38; PEC 237; PEC 215; apoio à portaria 303, revisão das leis do trabalho rural, revisão da PEC do trabalho escravo. Os ruralistas acompanham ainda com interesse o debate em torno do novo código de mineração.

Uma breve descrição dos conteúdos de interesse dos ruralistas:

PEC 38: De autoria do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) dá ao Senado Federal competência para aprovar processos de demarcação de terras indígenas e determina que a demarcação de terras indígenas ou unidades de conservação ambiental respeite o limite máximo de 30% da superfície de cada estado. Ao justificar a PEC, o senador afirmou que têm sido demarcados territórios desproporcionais às populações indígenas a que se destinam, o que torna amplas áreas dos estados brasileiros inaproveitadas para a exploração econômica. Ele disse que isso está inviabilizando o desenvolvimento de alguns estados.

PEC 237: De autoria de Nelson Padovani (PSC-PR) permite a posse indireta de terras indígenas por produtores rurais. A PEC acrescenta um parágrafo à Constituição para determinar que a pesquisa, o cultivo e a produção agropecuária nas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios poderão ocorrer por concessão da União, tendo em vista o interesse nacional. O argumento do deputado é de que “a vida financeira dos índios se deteriora cada vez mais. A miséria, as doenças, o tráfico de drogas e o consumo de álcool avançam em terras indígenas” e ao utilizarem o território indígena os ruralistas poderiam contribuir com a qualidade de vida dos mesmos com a geração de renda.

PEC 215: De autoria do deputado Almir Sá (PPB/RR), está entre as principais prioridades dos ruralistas. O projeto de emenda constitucional propõe transferir do Poder Executivo para o Congresso Nacional a demarcação e homologação de terras indígenas e quilombolas, além de rever os territórios com processo fundiário e antropológico encerrado e publicado. Caso aprovado significa o fim da demarcação das terras indígenas e quilombolas que se arrastam há mais de uma década. Segundo a Constituição de 1988, o processo de demarcação das terras indígenas no país deveria ter sido terminado em 1993. Até agora muito pouco foi feito.

Portaria 303: De iniciativa da Advocacia-Geral da União (AGU), a portaria coloca em vigor as 19 condicionantes pelo STF definidas para demarcação e direito de uso de terras indígenas após o julgamento da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol. Entre os pontos polêmicos da portaria, estão a proibição da ampliação de terras indígenas já demarcadas e a garantia de participação de estados e municípios em todas as etapas do processo de demarcação. A portaria também confirma o entendimento do STF de que os direitos dos índios sobre as terras não se sobrepõem aos interesses da política de defesa nacional, ficando garantida a entrada e instalação de bases, unidades e postos militares no interior das reservas. A expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas e de “riquezas de cunho estratégico para o país” também não dependerão de consentimento das comunidades que vivem nas TIs afetadas, de acordo com as regras. Ou seja, se colocada em prática, a portaria significa porteira aberta para os interesses do agronegócio.

Revisão das leis do trabalho rural: A bancada ruralista no Congresso Nacional começou a articular um trabalho para a revisão da atual legislação trabalhista rural, considerada por ela como atrasadas e impeditiva do desenvolvimento agrícola brasileiro. Atualmente, a Lei 5.889 de 1973 regula o trabalho rural. Para o que não está previsto naquela lei, aplica-se a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), de 1943. A ideia é rever alguns aspectos das duas e elaborar uma espécie de "CLT rural" específica para o setor. Para tanto, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) contratou um escritório de advocacia que fará um levantamento das propostas de interesse do setor e sugerirá novos projetos. É evidente o interesse dos ruralistas em flexibilizar os direitos dos trabalhadores rurais assalariados.

Revisão da PEC do trabalho escravo: Depois de 11 anos tramitando no Congresso a PEC do trabalho escravo foi aprovada estabelecendo que as propriedades rurais e urbanas onde forem localizadas a exploração de trabalho escravo ou culturais ilegais de plantas psicotrópicas [drogas] serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular. O projeto diz que os proprietários não terão direito a indenização e continuarão sujeitos às punições previstas no Código Penal. Os ruralistas nunca aceitaram a aprovação da PEC e reclamam que não há definição clara em lei sobre o que é trabalho escravo e que os proprietários de terras ficam à mercê dos fiscais do Ministério do Trabalho. "Vamos definir o que é trabalho escravo, trabalho degradante e jornada exaustiva e incrementar essas definições da proposta de emenda constitucional (PEC) do Trabalho Escravo, que está no Senado", defende o vice presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária – FPA, deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS). Segundo os ruralistas, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), se comprometeu a colocar os projetos na pauta.

Novo código de mineração: Os ruralistas acompanham com interesse o debate em torno da legislação da exploração mineral. Apoiam o Projeto de Lei 1610 de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR) que prevê a mineração em terras indígenas. Por outro lado, também tramita no Congresso o Projeto de Lei da criação do Estatuto dos Povos Indígenas que estabelece que a decisão sobre a extração dos recursos em terras indígenas seja dos próprios nativos. Depois do Código Florestal trata-se da “nova batalha anunciada”, como destaca Egon Heck.

Homofóbico na Comissão de Direitos Humanos

A eleição do deputado Marco Feliciano, do Partido Social Cristão (PSC), para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, assim como a nomeação de Blairo Maggi para a Comissão do Meio Ambiente, evidencia a total ausência de limites nas tramoias, conchavos, alianças e acertos políticos no Congresso Nacional.

Feliciano é pastor e presidente da Igreja Assembleia de Deus – Ministério do Avivamento. Popularizou-se por meio de uma leitura fundamentalista da bíblia, tornando-se homem de palestras e de pregações pelo país. Figura emblemática na bancada evangélica, o deputado acaba de protagonizar uma dura queda de braço com os parlamentares e militantes que lutam pelos direitos das minorias, uma vez que seu histórico em nada o credencia para presidir uma Comissão tão importante como esta.

Pesa contra Feliciano o conteúdo preconceituoso e racista de suas próprias palavras. Segundo reportagem de Mario Coelho, publicada no sítio Congresso em Foco, o deputado, em 2011, em seu Twitter, chamou os negros de “descendentes amaldiçoados de Noé” e contra os homossexuais afirmou que “a podridão dos sentimentos homoafetivos levam (sic) ao ódio, ao crime, à rejeição”. No início deste ano, o procurador geral da República, Roberto Gurgel, o denunciou por homofobia, isto sem contar que já é alvo de processo por estelionato no Supremo Tribunal Federal, em razão de faltar num evento pelo qual já havia recebido. Além de fechar a questão, sem chances para o debate, quando o assunto é o casamento igualitário e o aborto.

Feliciano costuma confundir o seu mandato parlamentar com a sua opção religiosa. Entre as muitas das suas polêmicas declarações públicas, já teria afirmado que encara o seu mandato político como extensão de seu ministério, “cuja responsabilidade maior é dignificar o nome de Jesus Cristo”. É autor de um projeto que obriga a Casa da Moeda a inscrever a expressão “Deus seja louvado” nas cédulas de real e, também, é o proponente de um projeto que cria o Programa Nacional Papai do Céu na Escola. Feliciano considera que é preciso “resgatar o ensino religioso em nosso País de maneira sábia, simples, coerente e contínua. Queremos ver os filhos desta Nação olhando para a imensidão do cosmos e dizendo: Há um papai do céu que cuida de nós”. Como se não bastasse, o deputado-pastor defende a internação de “estupradores contumazes”, com a possibilidade de castração química.

Ao defender o seu próprio nome para a presidência da Comissão, Feliciano já se comparou até mesmo com Martin Luther King, lembrando que este era um pastor pentecostal que lutava pelos direitos humanos. Considerando-se um perseguido religioso, vítima da “cristofobia”, Feliciano já havia dito, antes de sua nomeação, que desejava acabar com o que considera privilégios da comunidade LGBT na Comissão de Direitos Humanos, considerando que o país vive uma ditadura gay.

A verdade é que com a nomeação de Marco Feliciano, todo o Congresso Nacional só vê aumentar ainda mais a desmoralização nacional dos parlamentares. Se o país já conta com um ascendente processo de descrença em seu sistema representativo, nomear alguém que nada entende de Direitos Humanos, com suas posturas fundamentalistas, para ocupar uma função tão cara aos movimentos sociais é mais do que um insulto.

Sociedade civil e movimentos sociais reagem

Diante de uma nomeação tão esdrúxula, as manifestações contrárias aos acordos parlamentares não tardaram. O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) elaborou uma nota contra a nomeação do deputado, expressando “repúdio ao processo que levou à escolha do deputado Marco Feliciano (PSC), por suas declarações públicas, verbais e escritas de conteúdo discriminatório, de cunho racista e preconceituoso contra minorias, pelas quais responde a processos que tramitam no Supremo Tribunal Federal”.

O presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Carlos Magno, também lamentou a indicação de Marco Feliciano, considerando este fato “um retrocesso para o País”, já que a comissão é tida como estratégica para os gays.

Ainda mais profundo foi o posicionamento do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que considerou que a nomeação do deputado responde a “acordos pré-estabelecidos entre forças conservadoras e fundamentalistas, de diferentes matizes, presentes e fortalecidas no Congresso Nacional – ao contrário dos grupos que tradicionalmente buscam defesas e garantias de direitos e afirmação na Comissão de Direitos Humanos”. A preocupação do CIMI é a de que os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, camponeses, homossexuais, mulheres, negros, vítimas da ditadura militar, trabalhadores em situação análoga à escravidão, familiares de vítimas de grupos policiais de extermínio e defensores do meio ambiente sejam ignorados por um canal institucional que existe para defendê-los e não para ser ocupado por forças reacionárias e avessas ao reconhecimento da diversidade sociocultural.

Contudo, a cobrança dos movimentos não recaiu somente sobre o parlamento, um grupo de 47 organizações assinou um documento no qual cobram um posicionamento da Secretaria dos Direitos Humanos (SDH) frente à nomeação de alguém publicamente considerado racista, sexista e homofóbico. No parecer destas organizações, “a SDH deveria questionar interna e publicamente medidas do próprio governo que retrocedem na garantia dos direitos humanos e fortalecem o fundamentalismo religioso, em uma clara violação da laicidade do Estado”.

Os arranjos políticos e a ortodoxia da bancada evangélica

O deputado Marco Feliciano não se deixou intimidar pelas pressões da sociedade, sendo respaldado pelo seu partido. O PSC ratificou o nome do deputado, ignorando as pressões sociais e pautando-se na prerrogativa de direito à vaga, fruto de acordo feito entre lideranças partidárias que dividiram as 21 comissões permanentes da Câmara.

Todo este processo ocorreu com o aval do Partido dos Trabalhadores (PT), que tradicionalmente era responsável pela Comissão de Direitos Humanos. Crítico desta manobra, o deputado Jean Wyllys (PSOL) afirmou que tudo “leva a crer que houve um acordo de bastidor. Na véspera de uma eleição presidencial, em que há candidatos (da oposição) que não são favas contadas, o governo precisará dos evangélicos. A reeleição (de Dilma) não pode correr risco”.

Afora os interesses majoritários do PT, o secretário nacional de Movimentos Populares do partido, Renato Simões se posicionou contrário à nomeação de Feliciano, dizendo que este “se arrogou como propagandista de posturas político-ideológicas contrárias aos direitos humanos consagrados na Constituição e nos documentos internacionais do Sistema de Direitos Humanos referendados pelo Brasil”. Segundo Simões, o episódio deveria servir de lição ao PT para que “negociações interpartidárias levem em conta o perfil do partido e dos seus indicados para a presidência de uma instituição tão cara aos movimentos sociais”.

Como de costume, a interferência religiosa no campo político continua aparentando ser uma questão intransponível na cultura política brasileira. Nos últimos anos, tem se fortalecido ainda mais a instrumentalização religiosa para fins eleitorais. O pano de fundo da nomeação de Marco Feliciano está relacionado com a formação das alianças políticas de sustentação governista e com as costuras eleitorais para 2014. O governo não pode abrir mão do diálogo e parceria com a bancada evangélica, sob o risco de fracassar em muitas das suas ambições.

Na opinião do sociólogo Ricardo Mariano, “a presença e o ativismo político dos pentecostais vêm ganhando terreno a passos largos. Trata-se de um ativismo político recheado de moralismo e corporativismo e, desde a Constituinte, marcados por escândalos”. Em prol desta tese, Mariano destaca uma pesquisa feita pela ONG Transparência Brasil, revelando “que 95% dos membros da bancada evangélica estão entre os mais faltosos do Congresso Nacional e, em sua maioria, são objetos de processos judiciais, enquanto, segundo o DIAP, 87% deles constam entre os “mais inexpressivos”.

O sociólogo aponta ainda que “à medida que correm atrás de apoio, voto e legitimação providos por líderes e rebanhos religiosos, nossos políticos, partidos e governantes contribuem para reduzir a autonomia da política em relação aos poderes eclesiásticos e a seus rompantes moralistas, integristas e fundamentalistas”. Desta forma, impede-se que “questões públicas fundamentais sejam tratadas e debatidas a partir de visões de mundo, expertises e conhecimentos seculares radicados na ciência, na medicina, na saúde pública, nos direitos humanos e daí por diante. Impedem, portanto, a secularização do encaminhamento e tratamento de uma série de problemas”.

É bom lembrar que, junto a outras forças conservadoras da sociedade, a bancada evangélica sempre foi uma forte opositora ao Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PHN-3), fazendo uso político-eleitoral desta oposição. Em 2010, o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) precisou divulgar uma nota pública em defesa do Programa.  Na oportunidade, o MNDH salientou que a oposição ao PNH-3 deve-se ao fato do mesmo tocar “em temas fundamentais e substantivos que fazem com que caia a máscara antidemocrática destes setores”.

Assim, estas posições conservadoras podem ser entendidas como “posturas refratárias aos direitos humanos, ainda lamentavelmente tão disseminadas e que se manifestam no racismo que discrimina negros, ciganos, indígenas e outros grupos sociais; no machismo que mantém a violência contra a mulher; no patriarcalismo que violenta crianças e adolescentes; no patrimonialismo que quer o Estado a serviço de interesses e setores privados; no revanchismo de setores militares, que insistem em ocultar a verdade sobre o período da ditadura militar [...]; na falta de abertura para a liberdade e a diversidade religiosa que impede o cumprimento do preceito constitucional da laicidade do Estado; no elitismo que se traduz na persistência da desigualdade como uma das piores do mundo, enfim, na criminalização da juventude e da pobreza e na desmoralização e criminalização de movimentos sociais e de defensores de direitos humanos.

Quando alguém como Marco Feliciano ocupa uma cadeira tão importante como a da presidência da Comissão dos Direitos Humanos, percebe-se o quanto são fortes os interesses reacionários e que as investidas em favor dos direitos humanos e das minorias ainda são muito tímidas, já que a conciliação política sempre tem neutralizado o acesso aos direitos que a Constituição garante ou deveria garantir para todos.

Governabilidade e agenda social

Para não melindrar sua base de apoio político, o governo vai se desfigurando sempre mais. Tudo se tornou negociável. As nomeações de Blairo Maggi para a Comissão do Meio Ambiente e de Marco Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos é mais um capítulo das reiteradas concessões do governo aos setores conservadores.

Em outras análises já destacamos as contradições do governo. Uma dessas demonstrações, dentre outras, se deu com a nomeação do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) para o ministério das Cidades e a manutenção do ministro Fernando Bezerra de Souza Coelho (PSB-PE) no ministério da Integração Nacional após intenso tiroteio de acusações de corrupção. Os dois ministros, outros poderiam ser citados, são lídimos representantes das velhas oligarquias – como destaca o sociólogo Werneck Vianna, - que se mantêm no poder desde a época do coronelismo.

A porção do Brasil atrasado na coalizão do governo não se manifesta, porém, apenas através das oligarquias ligadas ao latifúndio. A camisa de força imposta pelo modo aliancista de governar adotado pelo PT se mostra ainda no retrocesso em outras temáticas como se viu no debate do kit anti-homofobia e do aborto.

O governo de coalizão, amplo, gelatinoso e de espectro ideológico diverso na base do governo Dilma Rousseff é justificado como necessária e indispensável para a manutenção da governabilidade. Nessa equação de poder perdem os setores mais vulneráveis e sem voz ativa e representativa no parlamento.

As nomeações do ruralista Blairo Maggi e do homofóbico Marco Feliciano indicam que o governo não quer briga com os grupos que considera importantes para a governabilidade. Via de regra os seus pedidos ou lobbies avançam junto ao governo. Já os grupos sociais como indígenas, sem terra, quilombolas e ambientalistas, entre outros, como não ameaçam a governabilidade podem esperar sempre um pouco mais.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/518492-conjuntura

Projeto de Igreja.





(Para nossa discussão no Sínodo Uruguai)

Houve tentativas no passado de elaborar a nível de Igreja um Projeto de Igreja no tempo do Pastor Presidente Augusto Ernesto Kunert - 1982-1986 - a partir de algumas prioridades embasadas na realidade brasileira na qual a IECLB está inserida, pois a Missão se faz dentro e a partir desta realidade, e da realidade interna da Igreja. A Missão é de Deus e ele nos convida a participar desta Missão a partir do lugar em que vivemos. Desconsiderar o nosso lugar vivencial é não entender o que é Missão, porque fazemos Missão contra a realidade que o mundo nos impõe, pois estamos construindo um novo Projeto que Jesus Cristo chama de Reino de Deus, em oposição ao reino do mundo. Se não conhecemos o mundo que nos rodeia seremos cooptados por ele e a nossa Missão está inviabilizada, pois fortalecerá o projeto do mundo e não o Projeto do Reino de Deus.
Martim Lutero falando sobre a pregação do Evangelho diz:
“Se me fosse possível começar, hoje, a pregar o evangelho, eu o faria de modo bem diferente. Deixaria toda essa grande e rude massa de gente debaixo do regime do papa. Eles não se emendam mesmo, pelo Evangelho, mas só abusam de sua liberdade. Em vez disso pregaria o Evangelho e o consolo especialmente para as consciências temerosas, humilhadas, desesperadas e simples. Por isso o pregador deve conhecer o mundo muito bem e reconhecer que ele é desesperadamente mau, propriedade do diabo, na melhor das hipóteses. Eu é que fui estupidamente ingênuo, não sabendo quando comecei, como eram as coisas, pensando que o mundo seria muito piedoso e, tão logo ouvisse o evangelho, viria correndo para aceitá-lo com alegria. Mas agora descubro, com grande dor, que fui vergonhosamente enganado” (Reflexões em torno de Lutero’ vol. I uma Edição especial da Revista “Estudos Teológicos” de 1981).

Prioridades da IECLB (1979-1982)
1.Unidade na Pluralidade
2.Evangelização
3.Índio
4.Reforma Agrária
5.Contribuição Proporcional
Na reedição destas prioridades da próxima gestão a expressão e prioridade Reforma Agrária desapareceu, sendo substituído por Comunidade Missionária na Realidade Rural e Urbana (não é tão agressivo, polêmico, inconveniente e é mais ampla, também mais soft! Mesmo que estas duas realidades não tenham nada de soft. Na realidade rural a UDR também tem vez, afinal, são filhos de Deus também. Não são?) e acrescentado o tema da Educação.

Prioridades da IECLB (1983-1986):
1.Confissão evangélico-luterana
2.Comunidade missionária na realidade rural e urbana
3.Educação
4.Índio
5.Contribuição Proporcional

(Neste período [1979-1986] os Concílios Gerais propuseram várias ações voltadas para a realidade do povo brasileiro com um trabalho de base na Igreja com os movimentos populares e sindicais.)

P. Dr. Gottfried Brakemeier - 1986-1994
Prioridades da IECLB (1987-1994):
1.Nossa identidade luterana
2.Edificar comunidade na área rural e urbana
3.Justiça e responsabilidade social
(Aqui as Prioridades foram reduzidas para três com propostas amplas e pouco concretas que não agridem os interesses da direita. Tem tudo a ver com a proposta teológica do P. Dr. Brakemeier que é um teólogo conservador da tradição teológica alemã tradicional. Aqui a prioridade Índio sumiu, deve ser subentendida na prioridade: Justiça e responsabilidade social. Aos poucos as questões sociais foram dando lugar à preocupação interna da Igreja somente.)

P. Huberto Kirchheim - 1994-2002
Prioridade da IECLB (1995):
1.Igreja solidária

Vemos aqui que as prioridades e as decisões conciliares gradativamente, com o passar dos anos, foram amenizadas e os temas conflituosos foram sendo substituídos por expressões mais amplas, mas mais vagas também, apesar do aumento dos conflitos de classe que ocorreram no país: luta pela terra dos sem terra e dos povos indígenas, greves gerais convocadas pelas centrais sindicais, saques em supermercados, luta contra as barragens, crise na agricultura, fortalecimento do movimento negro e das mulheres, privatização da estatais dentro do processo neoliberal, etc. Na verdade estas prioridades e decisões conciliares eram prioridades e decisões de papel, pois não havia um encaminhamento de uma pastoral popular que pudesse atender a estas demandas muito reais de nosso povo. Havia o Comin, o CAPA, o LACHARES, e tentativas localizadas de luta com os sem terra, contra as barragens e um envolvimento com a CPT, movimento das oposições sindicais da CUT e no movimento de mulheres agricultoras. Coisas localizadas em alguns distritos, mas desconectadas de uma articulação nacional. Havia lutas no Espírito Santo, no oeste do Paraná, no oeste catarinense, no Rio Grande do Sul, nas Novas Áreas de Colonização, mas sem uma coordenação geral e nem vontade política de coordenar estas ações.

Na gestão do P. Huberto Kirchheim começou o PAMI (I e II) - "Plano de Ação Missionária da IECLB" como proposta de Projeto de Igreja e no período do P. Dr. Walter Altmann - 2002-2010 - veio o Plano de Ação Missionária da IECLB "Missão de Deus - Nossa Paixão". Os dois são longos textos teológicos sem propostas práticas ancoradas na realidade, por isso também não deram em nada. Lembrando ainda que propostas concretas ancoradas na realidade brasileira não passam e se passam não são executadas por causa do conservadorismo teológico na IECLB; isto não quer dizer que não devam ser colocadas, pelo contrário.
Nos anos 90 e início dos anos 2000 a IECLB estava ocupada em discutir e se adaptar à Reestruturação neoliberal da Igreja capitaneada pela direita. Esta Reestruturação desmantelou em parte o trabalho existente nos Distritos com a unificação de vários Distritos diferentes entre si historicamente e se começou um processo de procura de um modelo eclesiástico através dos recém formados Sínodos, mas acabou-se ficando com o mesmo de sempre: a "Associação Cultural e Recreativa Alemã com fins Religiosos". A participação de obreiros/as da IECLB em Movimentos Populares e Sindicais foi desaparecendo aos poucos e ficou restrito à algumas pessoas. As leis repressivas contra a pastorada via EMO (TAM e Avaliação) foram aprovadas no final de 2002 e aí começou um processo mais intenso de introversão e de auto-proteção da pastorada que dura até hoje, mesmo que já havia poucos obreiros/as que ainda se inseriam no processo da luta popular como parte inerente da Missão na luta pelo Reino de Deus. Com o descenso do movimento popular nos anos 90 a nível de país ocorreu o mesmo descenso da participação da pastorada no movimento popular a nível de Igreja (mas não de nossos membros, cuja participação aumentou pelas necessidades econômicas opressivas dos anos 90, mas sem amparo e acompanhamento teológico de seus pastores/as) como se a preocupação pelo Reino de Deus fosse algo restrito apenas à Igreja e estivesse desvinculado da luta por vida plena e digna e ao respeito à criação de Deus.
Este é um breve histórico de tentativas de elaboração de um Projeto de Igreja para a IECLB e que evidentemente não deram em nada ou muito pouco de concretização nas paróquias porque estas propostas desestabilizam e desalojam obreiros/as e lideranças comunitárias em sua prática de Igreja como "Associação Cultural e Recreativa Alemã com fins Religiosos".

Proposta de Projeto de Igreja para o Sínodo Uruguai

(Concretamente deverá haver uma Coordenação Sinodal do Projeto de Igreja que encaminha, pensa, acompanha, propõe e avalia o desenrolar deste Projeto de Igreja nas paróquias e que está subordinada ao Conselho Sinodal. Esta coordenação tem a função de cobrar a discussão, o encaminhamento e a execução deste Projeto de Igreja do Conselho Sinodal e das Paróquias. Estas 4 Prioridades caminharão como linha norteadora para todas as atividades missionárias já existentes nas paróquias e comunidades, como OASE, Legião, Casais, Ensino Confirmatório, JE, etc., calçadas na realidade de nosso povo em nosso Sínodo. A participação da Igreja na construção do Reino de Deus se dá a partir da transformação da realidade do mundo e da própria Igreja - Rm 12.2; Lc 4.18-19; Ap 18; 2 Co 5.17; 1 Co 9.16: "Se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois sobre mim pesa essa obrigação; porque ai de mim se não pregar o evangelho!")

1. Luta pela Terra
- Lutar pela Reforma Agrária para que os/as filhos/as de camponeses com terra insuficiente e camponeses sem terra possam permanecer no campo e com isto fortalecer o comércio local e a indústria brasileira que produz para o mercado interno gerando renda e empregos.
- Lutar contra as Barragens que beneficiam o Hidronegócio, o Agronegócio e o Capital Internacional e expulsam os camponeses da terra e inviabilizam a produção de alimentos, o comércio e a indústria locais.
- Lutar contra a Migração campo-cidade e pela permanência dos camponeses na terra com a criação de pequenas cooperativas para produção, industrialização e comercialização da produção camponesa.
- Engajamento nas Lutas da Via Campesina e Movimento Sindical camponês para viabilizar a permanência na terra e fortalecer a Agricultura Camponesa em oposição à do Agronegócio dependente e excludente.
- Fortalecer e viabilizar a Pastoral da Cidadania, o Conselho do Direito à Terra e o CAPA.
- Questão Indígena - Se inserir na Luta dos Povos Indígenas e na Luta dos Camponeses atingidos por áreas indígenas.
- Engajamento na Agricultura Agroecológica para uma vida saudável junto com uma Pastoral da Saúde.
- Lutar contra a "Economia Verde" que pretende privatizar os bens da natureza que são de toda a humanidade.

2. Luta pela Emancipação Humana
- Constituir empresas cooperativadas e auto-gestionadas sob o controle dos/as trabalhadores/as financiadas pelo BNDES.
- Lutar contra a exploração desumana dos/as trabalhadores/as dos frigoríficos do Agronegócio e outras empresas do agronegócio com trabalho escravo.
- Construção de uma Cidade Humanizadora a partir de nossa participação nas lutas por melhorias urbanas.
- Participar da Luta Sindical e do Movimento Popular urbano.
- Fortalecer a educação para a Cidadania nas escolas, nas igrejas e na sociedade (ensino religioso).
- Facilitar o envolvimento no Movimento Ecumênico (CPT, CIER, Conic e diálogo Inter-religioso).
- Engajamento Político Partidário e no Movimento Popular e Sindical para a Emancipação Humana.

3. Formação Teológica
- Formação teológica para obreiros/as e leigos/as nas áreas da Bíblia, da Confessionalidade e da Realidade nas Paróquias e no Sínodo a partir de um Planejamento Estratégico do Sínodo e da IECLB.
- Lutar por uma formação teológica engajada a partir da realidade brasileira nos Centros de Formação teológica da IECLB enviando estudantes para estudar teologia e já os preparando no Sínodo anteriormente em cursos, práticos e teóricos específicos, para isto realizados a partir de campanhas vocacionais para pessoas que estão no Ensino Médio ou já o concluíram, havendo, assim, um acompanhamento das comunidades aos seus estudantes de teologia antes e durante o estudo teológico.

4. Sacerdócio Geral de Todos os Crentes
Segundo as Escrituras Sagradas, apontadas pelo P. Albrecht Baeske, as prioridades da ação da Igreja de Cristo são:
I - Missão e Evangelização
"Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que crêem; porque não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus". Rm 3.21-24
1ª prioridade da ação eclesial: é a tarefa da proclamação evangélica profética de que a pessoa e toda a sociedade são e permanecem pecadoras (Mc 1.15) e de que Deus justifica, salva e recria a pessoa arrependida (Rm 1.16-17) pela mediação verbal (Mc 2.1-12; Mt 9.22), e também, pela mediação palpável e degustável dos sacramentos em meio a comunidade (Mt 28.18-20; Mt 26.26-28);
II - Sacerdócio geral de todos os santos
"também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo. ...  Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia". I Pe 2.5 e 9-10
2ª prioridade da ação eclesial: é a explicação e o estudo do significado do sacerdócio geral de todos os crentes com a comunidade, conseqüentemente também o ensaio e a execução, na própria comunidade, do sacerdócio das pessoas que crêem (I Pe 2.5 e 9) e foram batizadas, e, por isso, exercitam o sacerdócio comum (de todos os batizados crentes), mútuo (um é sacerdote para com o outro) e em conjunto (toda comunidade tem o ministério sacerdotal via batismo: o ministério da reconciliação - II Co 5.18-19; Jo 20.22-23);
III - Diaconia
"Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo". Rm 14.17 
 3ª prioridade da ação eclesial: é toda luta por justiça em favor da construção desta nova sociedade igualitária de irmãos e de irmãs que Jesus chama de Reino de Deus em que nós nos engajamos a partir da fé em Jesus Cristo. Este Reino de Deus já começou (Lc 17.21), mas ainda não está completo e o será apenas na volta de Cristo no Dia do Juízo Final.