29 de novembro de 2015

Trabalho de Base



Sun Tzu em “A Arte da Guerra” diz que há 5 opções para ganhar uma guerra:
1. Disciplina; 2. Conhecer o Tempo (clima); 3. Conhecer o Espaço (a geografia e a realidade do país); 4. Doutrina (convicções); 5. Comando

Trabalho de Base: (O que nos move é a esperança: 1 Pe 3.15 antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós,)
1. Dizer para que veio.
Jesus Cristo disse em Mc 1.15 e Lc 4.43 para que veio: construir o Reino de Deus.
Dividir logo – não fazer acordos e conciliar, para saber logo quem é amigo e quem é inimigo.
Mt 10.34 Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada.
Mt 12.30 Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha.
2. Procurar quem ninguém quer.
1 Co 1.28 Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são;
Procurar quem não está nos Movimentos da Esquerda e Sindicatos.
3. “Fazer Milagre” – Realizar uma ação concreta. Para juntar a multidão tem que fazer algo: tirar prefeito, delegado, etc.
Revolução se constrói com enfrentamento não com conversa. Ações bem definidas conseguem convencer e se começa com o inimigo mais fraco. USA nunca ataca um país forte, sempre um fraco.
Fazer o que é possível e não o que a gente quer – Fazer o que a gente não quer por primeiro, mas que o povo quer. Padre no Nordeste insiste com o povo para cavar um poço para ter água. O povo queria arrumar e ajeitar o cemitério. Quando o padre topou arrumar o cemitério o povo depois foi cavar um poço.
4. Antes de chegar à Jerusalém tem que percorrer todos os povoados. Tem que conhecer a realidade do país e do povo.
5. Sem grupo ninguém tem medo de ti.
6. Todos têm talentos – cabe à liderança conhecer e descobrir.
7. Fugir quando querem endeusar a gente.
8. Grupo forma líder. Maior função de um líder é formar um grupo; ir de casa em casa.
Lc 10.1 Depois disto, o Senhor designou outros setenta; e os enviou de dois em dois, para que o precedessem em cada cidade e lugar aonde ele estava para ir.
A reunião faz a base – corpo a corpo com insistência e não desistir de conversar e insistir. Compreender as manias do povo, de sua resistência de não se envolver logo.
9. Não se faz luta com quem tem tempo, mas com quem precisa.
Mt 8.21 E outro dos discípulos lhe disse: Senhor, permite-me ir primeiro sepultar meu pai. 22 Replicou-lhe, porém, Jesus: Segue-me, e deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos. (Talmud diz que quem não vai ao enterro do pai perde a herança. Herança - propriedade privada dos meios de produção - é mais importante que seguir Jesus Cristo.)
10. Ninguém está no grupo por obrigação, mas por escolha.
Mt 19.27 Então, lhe falou Pedro: Eis que nós tudo deixamos e te seguimos; que será, pois, de nós?
A gente escolheu trabalhar com o povo, de fazer militância porque temos esperança, sonho – fizemos uma escolha – ter convicção – escolha de vida.
11. Perseguição faz parte do processo – cruz é resultado da luta.
Mt 16.24 Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.
12. Quem financia a luta é o povo.
Mc 6.38 E ele lhes disse: Quantos pães tendes? Ide ver! E, sabendo-o eles, responderam: Cinco pães e dois peixes. 39 Então, Jesus lhes ordenou que todos se assentassem, em grupos, sobre a relva verde.
Organizar o financiamento via grupos que descobre que tem a comida necessária.
O povo que não financia sua luta não vai entender a sua libertação.
13. Militante cumpre tarefa, nunca volta sem resultado.
Foi, não teve reunião – volta e faz visita de casa em casa e conversa com o povo.
14. Todo resultado deve ser divulgado.
Mc 1.40 Aproximou-se dele um leproso rogando-lhe, de joelhos Se quiseres, podes purificar-me. 41 Jesus, profundamente compadecido, estendeu a mão, tocou-o e disse-lhe: Quero, fica limpo! 42 No mesmo instante, lhe desapareceu a lepra, e ficou limpo. 43 Fazendo-lhe, então, veemente advertência, logo o despediu 44 e lhe disse: Olha, não digas nada a ninguém; mas vai, mostra-te ao sacerdote e oferece pela tua purificação o que Moisés determinou, para servir de testemunho ao povo. 45 Mas, tendo ele saído, entrou a propalar muitas coisas e a divulgar a notícia, a ponto de não mais poder Jesus entrar publicamente em qualquer cidade, mas permanecia fora, em lugares ermos; e de toda parte vinham ter com ele.
15. Só a multidão é capaz de enfrentar o poder. Revolução não se faz com vanguardas, mas com a massa. O momento é de convencer a multidão porque estamos numa democracia. Numa ditadura é mais difícil.
16. Todo trabalho deve levar os oprimidos caminhar com seus próprios pés. Nada de criar dependência, achar que a gente é insubstituível, é ter sede de poder, querer ser chefe.
Quanto mais pés, mais coices. Antes de Jerusalém tem que percorrer a Palestina para conhecer e convencer para a luta. Ao disputar o poder tem que derrubar cercas: caçar prefeito, etc.


Tentativa de Síntese Programática
WLADIMIR POMAR  
Estudando com atenção os diversos pontos apontados pelo documento “Mudar para sair da Crise...”, e tendo em conta possíveis adendos a ele, pode-se fazer uma tentativa de síntese programática, congregada em dois grandes eixos, um de adoção imediata e emergencial, e outro de longo prazo.

O eixo de adoção imediata e emergencial comporta três grandes políticas:
1. Contrapor-se a qualquer tipo de golpe institucional;
2. Mudar a atual política econômica;
3. Revigorar e democratizar o papel do Estado.

I. Contrapor-se a qualquer tipo de golpe
1.      Contra qualquer tipo de golpismo que ameace a vontade expressa pelo povo nas urnas e as liberdades democráticas;
2. Contra a criminalização dos movimentos sociais e da política, implícita nas manifestações abaixo:
2.1.     Redução da maioridade penal;
2.2.     Extermínio da juventude pobre e negra das periferias;
2.3.     Machismo e a homofobia;
2.4.     Racismo e violência que abate indígenas e quilombolas.
3. Pela retomada da bandeira de luta contra a corrupção exigindo:
3.1.     Paralisação dos vazamentos seletivos e a democratização das informações;
3.2.     Amplo direito de defesa aos acusados;
3.3.     Aplicação da proibição das contribuições privadas a partidos e candidatos a campanhas eleitorais.
4.   Pela unificação da esquerda em torno de:
4.1.     Manutenção e ampliação das liberdades democráticas;
4.2.     Mudança da política de ajuste recessivo para evitar o sacrifício da maior parte da população;
4.3.     Adoção de uma política econômica de desenvolvimento econômico e social.

II. Mudar a atual política econômica
1.   Derrubar a taxa de juros reais a um patamar que torne mais atrativo o investimento produtivo, ao invés do investimento financeiro;
2.   Combater a inflação fundamentalmente através do aumento da oferta de alimentos e bens industriais não duráveis para o mercado doméstico;
3.   Alongar o pagamento da dívida pública;
4.   Controlar o câmbio através de uma política administrativa que o torne favorável tanto às exportações quanto às importações de bens de capital;
5.   Cumprir integralmente o Orçamento;
6.   Impulsionar um plano de obras públicas prioritárias destinadas a resolver os problemas de:
6.1.     Transportes urbanos de massa;
6.2.     Saneamento e abastecimento de água;
6.3.     Habitação popular;
6.4.     Infraestrutura de saúde e educação;
6.5.     Criação de empregos.
7.   Regulamentar a atração de investimentos externos:
7.1       Impedir investimentos de curto prazo;
7.2       Criar obstáculos a investimentos que visem a compra de plantas industriais, comerciais e de serviços já existentes;
7.3       Estimular os investimentos em novas plantas industriais que adensem as cadeias produtivas nacionais e a infraestrutura logística.

III. Revigorar e democratizar o papel do Estado
1.   Adotar medidas para desfazer o sistema de cartel que predomina no setor de engenharia e construção:
1.1.     Garantir a ampla concorrência das empresas nas obras públicas, independentemente de seu tamanho;
1.2.     Recuperar a capacidade operacional, de gestão e de investimentos das corporações e demais empresas do setor;
1.3.     Manter o controle nacional sobre esses grupos.
2.   Definir um projeto nacional de reestruturação democrática de todos os setores monopolizados ou oligopolizados por corporações nacionais ou transnacionais:
2.1.     Estimular o crescimento do número de empresas que sejam capazes de incrementar a produtividade, nivelando-se ao padrão tecnológico internacional;
2.2.     Estimular o crescimento do número de empresas com produtividade média e baixa, capazes de garantir alto nível de emprego e reduzir a força de trabalho excedente;
3.   Transformar todas as estatais existentes, incluindo os bancos públicos, em operadoras e incentivadoras produtivas, cabendo a elas:
3.1.     Aumentar e aprofundar a articulação de apoio ao desenvolvimento das cadeias produtivas, estatais ou privadas, melhorando a capacidade de gestão das empresas, ampliando os serviços de desenvolvimento de projetos e produtos, e intensificando a inovação tecnológica em termos de máquinas e processos de trabalho;
3.2.     Criar mecanismos que garantam a sobrevivência e o desenvolvimento das micros, pequenas e médias empresas tecnologicamente defasadas, mas altamente empregadoras de força de trabalho;
3.3.     Criar um banco especializado no crédito às micros e pequenas empresas, com mecanismos garantidores adequados;
3.4.     Orientar as compras públicas para favorecer o desenvolvimento das micros, pequenas e médias empresas.
4.   Tratar adequadamente as peculiaridades de cada empresa estatal de modo a recompor o seu papel e garantir seu desenvolvimento:
4.1.     No caso da Petrobras: dar fim ao represamento dos preços; reduzir a alavancagem e os custos operacionais; manter os 30% de participação e a garantia de operador único no pré-sal; recolocá-la no centro da gestão da cadeia de fornecedores na área de petróleo e gás; acelerar projetos na área de refino e produção de derivados, tornando o Brasil autossuficiente nesses setores;
4.2.     No caso da Elétricas: reordenar os preços; dar-lhes autonomia para associar-se a fabricantes de equipamentos com o fim de montar a cadeia nacional de fornecedores de equipamentos e materiais; acelerar as áreas de energia hidráulica, eólica e solar; e jogar papel importante na gestão das águas e na utilização das vias fluviais.
4.3.     No caso das demais estatais, precisar suas funções e projetos no sentido de jogarem papel positivo no desenvolvimento industrial de fabricação de equipamentos e componentes no país, algo fundamental para o futuro do desenvolvimento.
4.4.     Criar mecanismos internos e externos de contenção da corrupção em cada uma das estatais.

5.   Consolidar os setores estatais de planejamento macroeconômico e de elaboração de projetos executivos estratégicos.
A adoção dessas políticas é essencial para retomar o crescimento, tendo por base uma nova estratégia de desenvolvimento econômico e social, a reurbanização e humanização das cidades, e a adoção de uma finalidade social à finalidade econômica da agricultura, itens que serão sintetizados nos próximos comentários.

2 de novembro de 2015

A Crise Brasileira

Armando Boito Jr.

1- Introdução
1.1- As dimensões da crise política
    Como diz a maioria dos observadores políticos, existem hoje duas crises no Brasil: uma crise econômica e uma crise política. Também como diz a maioria desses observadores, essas duas crises se retroalimentam, mas não da maneira como dizem esses observadores. A retroalimentação é diferente daquilo que aparece na fala e na pena dos jornalistas observadores políticos.
    A crise política propriamente é uma crise que tem duas dimensões que estão  interligadas, mas não são a mesma coisa. Existe uma 1) crise da frente política neodesenvolvimentista — frente política que congrega setores e classes sociais dos mais distintos e que deu sustentação aos Governos do PT e a sua política neodesenvolvimentista, que é um desenvolvimentismo fraco, um desenvolvimentismo possível dentro do modelo capitalista neoliberal, modelo com o qual os Governos do PT não romperam. Eles procuraram estimular o crescimento econômico por intermédio da intervenção do Estado, mas dentro de limites do modelo capitalista neoliberal. Sempre que esbarram em um desses limites, recuam. Essa é a primeira e mais importante dimensão da crise política. 
    A segunda dimensão é uma 2) crise do regime político existente no Brasil.  Não se trata de uma crise da democracia burguesa — nós temos no Brasil uma forma de Estado que é uma democracia burguesa. Dentro de uma democracia burguesa pode haver vários regimes políticos, como um regime presidencialista, um parlamentarista, uma monarquia constitucional parlamentarista, etc. No Brasil o que nós temos é um presidencialismo autoritário.
    Eu não aprecio nem um pouco o termo "presidencialismo de coalizão" porque é um conceito que dá uma importância indevida aos partidos políticos. Os partidos políticos no presidencialismo brasileiro tem uma participação muito marginal nas decisões de Governo. Nem o PSDB tinha participação importante no Governo FHC e nem o PT discute, decide e controla as medidas de política econômica, social, etc., do Governo Lula e do Governo Dilma. Não temos no Brasil Governo de Partido.
    O presidencialismo brasileiro é um presidencialismo autoritário, há situações em que o Presidente da República governa por medidas provisórias, foi assim com Sarney, FHC, Lula e vinha sendo assim com Dilma, agora sendo em parte contestado. A crise desse presidencialismo autoritário se dá devido a uma "rebelião" tanto no Senado quanto na Câmara, com motivações conservadoras dos mais variados tipos. 
1.2- A instabilidade da democracia burguesa no Brasil
    Temos algo menor que uma crise, mas que pode se aproximar de uma situação de crise e que podemos denominar de instabilidade. Nós vivemos um momento de instabilidade da democracia burguesa no Brasil. Não convém falar de crise porque não tem uma força social representativa no cenário político nacional propondo o fim da democracia e a implantação de uma ditadura. Existem grupos propondo essa solução, mas são pouco representativos.
    A instabilidade da democracia está representada pelo fato de que o partido perdedor das eleições não aceita a derrota, não aceita a regra da maioria, que é a regra de ouro da democracia. O PSDB faz pouco dos valores democráticos e as instituições que deveriam zelar pela democracia no Brasil também ameaçam o resultado das eleições, como por exemplo o TCU. A fragilidade da democracia acompanha o desenvolvimento do capitalismo dependente brasileiro. A gente pode por algum tempo ter sido tomado pela ideia, que é na verdade uma ilusão, de que superamos a ditadura militar e agora nunca mais. Essa instabilidade da democracia nos alerta para dificuldades muito grandes que poderemos encontrar mais na frente.
1.3- A crise econômica
    Seguindo muitos analistas, eu considero que a crise economia está em primeiro lugar associada à crise do capitalismo mundial. Essa crise do capitalismo é internacional surge com uma força maior ou menor em diferentes países tanto do norte quanto do sul. No Brasil, aspectos importantes dessa crise que contribuíram para a crise econômica brasileira foram a desaceleração da economia chinesa, a estagnação europeia, a recuperação fraca dos EUA e a queda dos preços das commodities.
    A crise econômica, entretanto, não é um resultado mecânico da crise internacional. O fato de ter sido mantido pelos Governos do PT o modelo capitalista neoliberal contribuiu muito para a crise econômica brasileira. Por que a queda dos preços das commodities bateu tão forte no Brasil? Bateu porque a exportação de matérias-primas, de recursos naturais, de produtos agrícolas adquiriu uma dimensão cada vez maior dentro desse modelo capitalista neoliberal regressivo ao qual estamos submetidos. Além disso, a política de juro e de administração da dívida pública reduz enormemente a capacidade de investimento do Estado, esteriliza parte significativa do orçamento da União, dos Estados e dos Municípios, reduz a capacidade de investimento do Estado e a sua capacidade de fazer política anticíclica. 
    É claro que essa crise econômica estimulou a crise política. Mas não é sempre que uma crise econômica provoca crise política. Nós tivemos uma crise econômica no Brasil em 2008/2009, ela não se desdobrou em uma crise política, o Governo Lula saiu com a maior apreciação positiva da história do Brasil republicano desde que há pesquisa de opinião. Da mesma forma, pode haver crise política sem que haja crise econômica, como na França em 1968. Agora, nós temos inúmeros exemplos no Brasil de crises econômicas que se articulam com crises políticas como a crise da ditadura militar na época do Governo Figueiredo e a crise do impeachment na época do Governo Collor. Não é fácil governar um país pilotando uma recessão.
2- A frente política neodesenvolvimentista
    Na medida em que a crise criou uma situação de dificuldades, na qual agora não é necessário apenas administrar a distribuição dos ganhos, mas administrar a distribuição das perdas, impondo cortes, é claro que nessa situação a frente política que sustentava o Governo e a política neodesenvolvimentista entra em um período de dificuldades. Ao mesmo tempo, estimula a oposição burguesa que pretendia restaurar o neoliberalismo ortodoxo. O que essa crise econômica propiciou foi aquilo que denomino uma ofensiva restauradora do capital internacional e da fração da burguesia brasileira integrada a esse capital, que nós podemos denominar burguesia associada — estou trabalhando aqui com um conceito de burguesia do qual não cabe a ideia de uma classe social homogênea com interesse único. O interesse geral da burguesia é um só, e ela está unificada em torno desse interesse, mas a burguesia na avaliação da política econômica do Estado no curto e no médio prazo na maioria das vezes se subdivide em frações.
    No caso da sociedade brasileira contemporânea, nós temos uma disputa pesada entre duas frações: 1) Um setor da burguesia brasileira que pretende manter e melhorar a sua posição no capitalismo dependente brasileiro e por isso possui alguns conflitos com o imperialismo,  embora vinculado a ele e sem ter aspiração anti-imperialista. Essa fração da burguesia eu denomino grande burguesia interna. Ela está presente na construção pesada — que agora é objeto de investigações e prisões na Lava-Jato; de cerca das 15 maiores empresas da construção pesada do país, 12 ou 13 são brasileiras e de propriedade familiar a maioria delas — ela está presente nos estaleiros navais — que foram reativados no Rio de Janeiro e ressurgiram no Rio Grande do Sul, em Pernambuco e mesmo na região norte — ela está presente no setor industrial — por exemplo na industria de máquinas e equipamentos — está presente no agronegócio — a JS Friboi e outras — e está presente também no setor bancário — Itaú, Bradesco, etc. que tem oportunidades muito fortes com a política financista do capital internacional, mas que sempre correm ao estado para solicitar proteção contra a internacionalização do setor bancário brasileiro, obra que FHC iniciou mas não conseguiu concluir e que retrocedeu sobre os Governos do PT. Então essa grande burguesia interna reúne segmentos econômicos distintos, cujo objetivo que permite que ela se unifique como uma fração é obter o mínimo de proteção do Estado brasileiro na sua concorrência, não na sua luta, não na sua oposição, mas na sua concorrência com o capitalismo internacional. Essa disputa é desigual porque o Governo capitalista neoliberal, nos seus pilares básicos, favorece a 2) burguesia internacional e a fração da burguesia brasileira integrada a essa burguesia internacional.
    Os Governos do PT foram criando mecanismos de moderar essas dificuldades e cedeu, portanto, um espaço maior para o crescimento dessa grande burguesia interna. Por exemplo, sobre a abertura comercial — que é o grande obstáculo para os negócios dessa grande burguesia interna— embora os Governos do PT não tenham acabado com a abertura comercial, criaram a política de conteúdo local, com a qual o Governo da prioridade para a compra de bens e serviços produzidos no Brasil. Isso foi responsável pela recuperação, por exemplo, dos estaleiros navais, pois causou um boom na produção de navios de calado, de plataformas, de sondas pela industria local no Brasil. À título de comparação, FHC entregou a construção naval com 5 mil postos de trabalho, no final de 2014 tinham 105 mil postos de trabalho na indústria da construção naval.
    A política de conteúdo local não revoga a abertura comercial, mas modera os efeitos da abertura comercial e favorece a grande burguesia interna. Um outro exemplo: a política de juro elevado, embora muito melhor que no Governo FHC e, no primeiro biênio do Governo Dilma, muito menor ainda, essa política de juro elevado se comparado com outros países foi mantida pelos Governos do PT. Isso favorece o capital importador de juro e encarece os investimentos. Os Governos do PT moderaram essa política de juro elevado em primeiro lugar, e em segundo lugar criaram um mecanismo substitutivo para a grande burguesia interna ter financiamento barato. O BNDES, que foi o banco da privatização do Governo FHC, teve o seu orçamento decuplicado durante os Governos do PT e passou a oferecer financiamento farto e subsidiado para as grandes empresas. A taxa de juro de longo prazo (TJLP) caiu pra cerca de 5% ao ano, taxa essa inferior à inflação (o juro subsidiado). 
    O Governo do PT foi encontrando mecanismos de moderar os efeitos dos pilares do modelo capitalista neoliberal e permitiu uma expansão dos negócios da grande burguesia interna. Na medida que o fazia, em primeiro lugar de maneira praticamente espontânea, já atendia alguns reclamos das classes trabalhadoras, porque na época do governo capitalista neoliberal ortodoxo a taxa de desemprego chegou a 13,5% (período FHC). Estimulando emprego na construção naval, na construção pesada, com o PAC (que abriu toda uma rede de negócios e investimentos para a grande burguesia interna), pela política de conteúdo local, o fato é que ao atender os interesses dessa grande burguesia interna, atendia também, ainda que me uma escala muito menor, os interesses de trabalhadores que encontravam emprego. Havia aí uma convergência quase espontânea entre os interesses da grande burguesia interna e os interesses mínimos e elementares da classe trabalhadora, mas que se encontravam em condições que os Governos do PSDB a tinham deixado. Outro exemplo é o programa Minha Casa Minha Vida que também atendia interesse de ambos. 
    Além dessa convergência espontânea, os Governos do PT tomaram algumas iniciativas que normalmente não eram de interesse estrito da grande burguesia interna, como por exemplo a política de transferência de renda e de valorização do salário mínimo. Ou seja, quando você estimula o investimento e o crescimento do capitalismo, os trabalhadores podem ganhar alguma coisa, é essa uma das razões que explica a formação dessa grande frente neodesenvolvimentista.
    Havia a grande burguesia interna, que era a força hegemônica dessa frente — hegemônica porque os seus interesses eram priorizados pela política econômica do estado — e um movimento sindical se beneficiando do emprego, do aumento do salário mínimo. Ganhou força e melhorou para o sindicalismo as condições de luta, as greves começam em um número de 312 greves por ano em 2003, e a coisa vai crescendo e em 2013 temos cerca de 2000 greves. Além do crescimento linear do número de greves, há um crescimento impressionante dos acordos e convenções coletivos de trabalho nos quais os trabalhadores obtém aumento real de salário — em 2003 isso foi na ordem de apenas 18% (apenas 18% obtiverem aumento real de salário), isso vai também em crescimento linear e em 2012 esse número chega em 95% dos acordos e convenções coletivas, de acordo com levantamento do DIEESE, obtiveram aumento real, 4% obtiveram um reajuste de acordo com a inflação, só 1% dos acordos e convenções perdeu.
    No ano de 2010, todas as centrais sindicais, exceção feita de uma ou duas, compreensivelmente, apoiaram a candidatura Dilma. Fizeram uma grande concentração no estádio do Pacaembu, tinham mais de 40 mil sindicalistas, e lançaram uma carta de apoio a candidatura Dilma apresentando, inclusive, algumas reivindicações gerais — que, alias, nunca foram atendidas, como redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, fim do fator previdenciário, regulamentação restritiva das terceirizações, dentre outras.
    Isso mostra que o sindicalismo estava sim integrado na frente neodesenvolvimentista,  que o sindicalismo ganhou sim alguma coisa com isso, ao contrário daqueles que falam em traição, cooptação pura e simplesmente dos sindicalistas, que teriam traído os trabalhadores. Eu não aceito essa tese. Eu acho que esse apoio do sindicalismo à frente neodesenvolvimentista tem uma base real. Agora, mostra também que ocupava uma posição muito subordinada nessa frente, porque suas reivindicações históricas e que apresentaram em um ato público com milhares de sindicalista à candidata Dilma nunca foram considerados e evidentemente que não foram atendidos.
    O sindicalismo no Brasil pega apenas os trabalhadores do mercado formal de trabalho, a estrutura sindical brasileira que é uma estrutura burocratizada controlada pelo Estado, que proíbe que os sindicatos associem trabalhadores sem carteira assinada, fato da maior importância, mas que muitas vezes é ignorado nas análises. Essa frente não ficou restrita a esse setor, essa frente pegou também os trabalhadores da massa marginal com os programas de transferência de renda, o bolsa família, o auxílio de prestação continuada — que não foi criação dos Governos PT, mas que estimularam e fortaleceram o programa — o luz para todos, são os trabalhadores da massa marginal, que não estão integrados de maneira sólida no mercado de trabalho, que se beneficiaram desses programa e que se converteram em uma jazida de votos fieis para os Governos do PT.
    A grande imprensa e os liberais costumam dar tratamento reacionário e moralista a esse fenômeno, mais ou menos como se os pobres fossem corrompidos pelo bolso. Quando houve a ação penal 470, chamada crise do mensalão e, apesar disso, o Lula se reelegeu, diziam que era porque os trabalhadores pobres não consideram a ética, não importa se o governo é corrupto ou não, votaram porque pensaram no bolso. Isso daí é mais ou menos como projetar o próprio ego em terceiros, primeiro porque os capitalistas e a camada abastada da classe média consideram muito o bolso na hora de votar, segundo porque eles também votam em corruptos quando esses corruptos atendem os seus interesses.   
    Essa frente neodesenvolvimentista contemplou também interesses dos movimentos de luta pela terra. Desapropriando terras? Não. A frente neodesenvolvimentista reduziu drasticamente as desapropriações. Mas eles investiram sim nos assentamentos já existentes — com o financiamento do PRONAF, com criação de mercado institucional para a produção da agricultura familiar, etc. Então parte do movimento camponês também foi integrado nessa frente.
    Percebam que se trata de um "frentão" cheio de contradições internas. E que era de se esperar que em uma condição mais difícil isso poderia começar a se esgarçar, porque nunca deixou de haver conflitos e contradições no interior dessa frente. 
2.1- A crise da frente política neodesenvolvimentista
    Tudo que falamos até agora se referia muito mais de 2003 até 2014. Desde então, vem uma crise econômica que redundou em perdas. O crescimento não ocorria mais, a grande burguesia internacional e sua aliada interna, apoiada na alta classe média, iniciaram aquilo que eu denomino uma ofensiva restauradora. Quem provocou a crise política foi a reação, não foi a luta popular contra o neodesenvolvimentismo.     O agente político da crise foi a reação imperialista, burguesa e da alta classe média de uma fração da burguesia, enquanto a outra fração da burguesia interna apoiava o governo do PT. Isso é fundamental.
    É verdade que as contradições no seio da frente neodesenvolvimentista, como eu acabo de dizer, existiam. É verdade que, na medida que o sindicalismo vai obtendo vitórias, suas aspirações se tornam maiores e mais difícil se torna absorve-las pela política da frente neodesenvolvimentista. Então, antigas contradições no seio da frente se desenvolvem —  como diria Mao Tse-Tung, o dirigente da revolução chinesa — e criam ao se desenvolver uma situação nova, novas contradições surgem, contradições que não existiam no início.
    Destaque-se um exemplo do surgimento de novas contradições: a juventude de classe média que teve acesso a universidade graças a política dos governos neodesenvolvimentsitas, por intermédio do REUNI, por intermédio do PROUNI — que financiou o ingresso desses jovens nas universidades privadas — por intermédio do FIES, puderam entrar mais facilmente nas universidades publicas. Os governos do PT investiram muito, a estudantada universitária saltou de 1 milhão e meio para 7 milhões. Essa juventude de classe média, principalmente de baixa classe média, foi se diplomando no ensino superior, só que não encontrou aquilo que esperavam encontrar uma vez de posse do seu diploma. Por que? Porque como os governos neodesenvolvimentistas abriram mão do objetivo de reindustrializar o Brasil, dos empregos criados (foram muitos os empregos criados) cerca de 95% exigiam baixa qualificação e pagavam uma remuneração muito baixa. Então esses jovens diplomados não encontravam uma colocação de acordo com aquilo que eles tinham expectativa de encontrar. Eu acho que isso é o motivo principal da manifestações de junho de 2013 — pelo menos da primeira fase das manifestações, porque logo em seguida ela foi reapropriada pela alta classe média e pela direita, que foi quem ficou nas ruas, enquanto as reivindicações progressistas que estavam presentes em junho de 2013 praticamente desapareceram.
    Há, então, contradições da frente que se agravam e há contradições novas que surgem. Outro exemplo de contradição que surgiu: no segundo Governo Lula, o setor do etanol era o setor privilegiado pela política de Governo. Recorde-se que os elogios públicos eram mútuos do Lula para com os usineiros, dos usineiros para com o Lula. O Lula dizia que os usineiros de vilões viraram heróis da economia brasileira. Só que, na medida que a política energética foi se descolando para o pré-sal e o preço da gasolina foi sendo usado para controlar a inflação, o setor do etanol foi sendo prejudicado. Assim, parte do setor do etanol se desprendeu e se afastou da frente. Eu creio que a candidatura do Eduardo Campos em Pernambuco tem muito a ver com isso. No interior de São Paulo, muitas usinas faliram ou entraram em regime de concordata. Observa-se que havia contradições no interior da frente que a tornava vulnerável.
    Há lutas populares no interior da frente. As manifestações de junho de 2013, o crescimento das manifestações sindicais, a insatisfação dos camponeses com a redução drástica das desapropriações de terra são lutas populares que desestabilizaram a frente, ou seja, existem lutas populares que contribuíram para o surgimento da crise política, mas não fora o fator determinante. O fator determinante foi a reação da burguesia internacional, do setor da burguesia brasileira integrado a essa burguesia internacional, e a reação da alta classe média contra os governos neodesenvolvimentistas.
    Essa alta classe média merece uma consideração especial. O capital internacional e a fração da burguesia brasileira a ele integrado tem como objetivo principal derrotar a política econômica do PT. O FHC, o Serra, todos os dirigentes políticos do PSDB, deputados e senadores do PSDB, que se manifestam na imprensa, sempre foram contra a política de proteção a produção local, argumentando que isso vai atrasar o desenvolvimento tecnológico da industria, e prejudicar a Petrobras porque ela paga mais caro por sonda, navio de grande calado, etc. Entretanto, na época do FHC a Petrobras importava até remo. Eles eram contra  a política de conteúdo local, eram contra a política do BNDES, diziam que isso agravava as contas publicas porque o Estado tomava dinheiro emprestado a uma SELIC entre 10 e 12% e emprestava no TJLP para as grandes empresas a 5%. Os empresários amigos do Governo — realmente esses empresários eram mais próximos do Governo, porque os empresários que eram privilegiados pelo Governo FHC tinham suas empresas em Tóquio, Nova York, Berlim, etc, não era em São Paulo, Salvador, João Pessoa, eram mais conhecidos de fato — diziam também que esse dinheiro podia ser usado em benefício da população. Eram contra a política do BNDES, eram contra todas aquelas medidas que moderavam os efeitos negativos do modelo capitalista neoliberal que eles tinham implantando.
    Então o problema da burguesia internacional é esse. Está aí agora o José Serra — que já tinha trocado telegramas com a Chevron como o Wikileaks mostrou — apresentando projeto para liquidar com a Petrobras, pra entregar o pré-sal para as grandes petroleiras internacionais, é isso que eles estão fazendo.  Agora o problema da alta classe média não é esse. O problema da alta classe média, na minha análise, é o problema da política social do PT. A política econômica do PT, em parte, beneficiou essa classe média, por exemplo o PT reabriu os concursos públicos. Quantos filhos de classe média não puderam arrumar bons empregos públicos de classe média e de alta classe média graças ao fato de os governos neodesenvolvimentistas terem descongelado os concursos públicos que o governo FHC tinha congelado? Nós que somos do meio universitário sabemos o que isso significou em termos de vagas para professores, técnicos, funcionários administrativos nas universidades brasileiras, o quanto cresceu o sistema universitário.
    O problema fundamental da alta classe média é que eles entendem que eles pagando imposto financiam toda a transferência de renda, toda a prestação de serviços que os governos neodesenvolvimentistas dirigem para as camadas mais pobres da população. O bolsa família pesa no bolso deles, eles entendem. O Mais Médicos, além de pesar no bolso deles, fere os interesses da corporação médica que quer controlar de maneira estreita e rigorosa o mercado da medicina para mantê-lo como um mercado altamente lucrativo, onde se faz fortunas às custas da saúde popular.
    O problema da alta classe média, dessa forma, é essa política social pelo lado econômico, mas também pelo lado ideológico, pelo lado simbólico. Aqui seriam necessárias muitas pesquisas de opinião, aplicando questionários, para os quais precisaríamos ter grandes institutos como o Datafolha. Nós não temos nada disso. Mas a gente pode a partir do levantamento que fazem nesses grandes institutos e, frequentando também as redes sociais, a gente tem uma fonte legitima de análise para escutar um pouco o sentimento dessa alta classe média, e a gente vê o que eles expressam nas redes sociais. Um exemplo é aquele artigo de uma jornalista no portal da globo —  que depois das reações foi retirado —  no qual ela falava sobre o pobre na clínica medica. Ali está expressa a ansiedade, a tensão e o incômodo que essa alta classe media sente quando vê indivíduos egressos de classes populares adentrarem em espaços que ele imaginava serem espaços exclusivos seus, isso vale para uma clinica médica, para um aeroporto, para uma escola, para uma vizinhança, etc. Essa alta classe média é a base social do imperialismo e da burguesia associada no Brasil e são os principais agentes dessa crise. Essa crise foi provocada pelo setor mais reacionário da sociedade brasileira.
    Qual foi a reação do governo diante dessa crise? É aí que a coisa começa a complicar mais para o movimento popular. O governo optou por recuar, e recuar em todas as frentes, na política econômica e na política social. Na política social a gente sabe como isso está ocorrendo — inclusive em nosso ambiente de trabalho, com os cortes nas universidades, o que é apenas um ponto de inúmeros outros que estão envolvidos nessa política. O sofisma é: implantar uma política recessiva para combater a recessão. Levy vem todo dia a público dizer o seguinte: "vamos apoiar firmemente nossas políticas recessivas porque assim rapidamente o crescimento vai voltar".
    Já houve crises políticas no Brasil em que os governos ensaiaram uma contraofensiva em vez de recuar. Como nós estamos falando do neodesenvolvimentismo, cabe lembrar o  velho desenvolvimentismo. Qual foi o primeiro movimento do Getúlio Vargas, no seu segundo Governo, quando as forças anti-industrialistas e baseadas na alta classe media — que na época eram profissionais liberais organizados na UDN — iniciou o cerco ao Governo. Ele ensaiou uma reação e decretou o aumento de 100% do salário mínimo em primeiro de maio de 1954, numa época em que a inflação rondava em 20% ao ano. Depois não teve sequência, ele não organizou uma resistência. Qual foi a reação de João Goulart? Ele organizou o Comício da Central do Brasil de 13 de março de 1964, ensaiou uma contraofensiva, mas também na hora do golpe ele se evadiu, ele também não organizou resistência. É interessante fazer comparações com a nossa história, porque podemos tirar alguma lição. Esses dois governos ensaiaram uma reação e imediatamente depois recuaram. O Governo Dilma não fez isso, ele começou recuando antes de iniciar o segundo mandato da Dilma. Os primeiros cortes foram contra os trabalhadores. Qual foi o resultado disso? O resultado disso foi que a ofensiva restauradora do capital internacional apoiada na alta classe media encontrou a frente desenvolvimentista em frangalhos, com as suas contradições internas aguçadas. De modo que hoje é difícil mobilizar os trabalhadores em defesa do Governo neodesenvolvimentista que os beneficiou até há pouco, mas agora reserva para eles cortes e cortes e cortes. Essa que é a dificuldade e a complexidade da situação.
3- A crise do presidencialismo autoritário
    No Brasil, a luta entre as frações burguesas é uma luta de alcance político, econômico e social restrito, porque são duas frações do grande capital. Nós não temos, por exemplo, uma organização das médias empresas pleiteando um programa de desenvolvimento do capitalista voltado pro consumo popular, fortalecimento e ampliação do mercado interno, para aumentar a produção de bens de consumo popular, como vestimentas, móveis, alimentação, que é o que produzem as pequenas e médias empresas. Tivéssemos isso, o conflito no interior da burguesia teria um alcance econômico e político muito mais amplo, mas não é isso, é uma contradição de dois setores do capital. Por que eu estou dizendo isso? Porque essa disputa intra-burguesa, ao se dar no interior do grande capital, seja no Governo do FHC ou seja no Governo do PT, priorizaram interesses localizados do grande capital — apesar das diferenças desses interesses que nós já vimos — o que significa que é muito difícil estabelecer uma hegemonia por intermédio do Congresso Nacional. O Congresso Nacional é muito heterogêneo. Desse modo, governar por medidas provisórias é uma necessidade, mesmo pra implantar a política neoliberal foi necessário muitas medidas provisórias porque quando ia pra votação no Congresso a coisa complicava, principalmente porque muitas das medidas exigiam votação com quorum de maioria qualificada.
    Nós seguimos essa etapa toda da historia brasileira na qual prevalece o modelo capitalista neoliberal, seja na sua versão pura do PSDB, seja na sua versão reformada dos governos neodesenvolvimentistas. Na medida que prevalece essa hegemonia do grande capital, é funcional para o grande capital concentrar o poder no executivo, na burocracia, na chefia da burocracia federal. Lá as decisões se tomam sem debate publico, lá é mais fácil uniformizar a equipe governamental e governar para uma parte mais restrita da população.
    Esse presidencialismo autoritário entrou em crise. Entrou em crise por boas e por más razões. As más razões são evidentes. Algo que não tem a ver diretamente com a luta econômica, com a luta distributiva entre as classes, influenciou muito nessa revolta da Câmara e do Senado, que é a luta em torno de valores democráticos, a defesa dos direitos das mulheres, a defesa dos direitos dos negros, a defesa dos direitos LGBT. A frente neodesenvolvimentista, embora não tenha tido uma política ousada — muito longe disso — para esses movimentos, ela tomou medidas mais avançadas do que aquelas que os governos FHC tomava. Basta ver as cotas raciais no serviço publico, nas universidades, basta ver as tentativas de garantir o direito ao aborto em determinadas situações previstas em lei, basta ver o apoio moral e político dado pelos governos e deputados do PT ao movimento LGBT, basta ver a posição das mulheres na Comissão Nacional de Direitos da Mulher. Ou seja, atendeu-se esses setores, e isso foi provocando uma reação dos setores muito conservadores ligados a várias igrejas católicas, pentecostais, cuja força foi crescendo na Câmara. A crise do presidencialismo autoritário se dá por boas e más razões, essas são as más razões daqueles que querem reimplantar obscurantismo na sociedade brasileira.
4- A instabilidade da democracia burguesa no capitalismo dependente brasileiro
    Eu falei da crise política, que é uma crise da frente política neodesenvolvimentista sob ataque de uma ofensiva restauradora e crise do presidencialismo autoritário. Mas tem algo que é menos que uma crise mas é importante, a  instabilidade da democracia.
    Já foi feita referência ao desrespeito a regra de maioria que é típico de um país de capitalismo dependente como o Brasil. A democracia burguesa é muito mais frágil no Brasil do que na Europa ocidental. A sociedade brasileira é uma sociedade em que a concentração da renda e do patrimônio — iate não paga imposto no Brasil, embora uma Brasília 79 que esteja circulando tem que pagar imposto, avião particular e helicóptero não paga imposto — fragiliza a existência da democracia burguesa. Qualquer crise pode contaminar os valores das instituições democráticas. E nós estamos vendo hoje políticos e intelectuais como FHC, José Serra e outros que enchiam o peito para falar de democracia e inclusive lutaram contra a ditadura militar, pessoas de cuja historia é de se esperar uma posição democrática, mas que estão desempenhando um papel que a historia lhes reservou como políticos do setor reacionário da política brasileira. Eles rompem como todo o seu passado com todas as suas declarações e partem para um golpe branco que é a proposta de impeachment. Só não vão de maneira mais consequente por medo do resultado que irão obter.
    Instituições como o Judiciário e o MP têm uma política favorável ao impeachment da presidenta da republica, a despeito de ela ter sido eleita há poucos meses. Isso se dá por dois motivos: primeiro porque são integrantes da alta classe media, que declarou guerra aos governos neodesenvolvimentistas, com grandes manifestações de massa como todos nós sabemos. O salário inicial dos juízes é de 30 mil reais, e o teto de 35 mil é desrespeitado de maneira total em todo o Brasil, porque eles tem auxilio alimentação, auxilio paletó, auxílio moradia, inclusive para quem é proprietário da própria casa. Recentemente, uma reportagem da Caros Amigos mostrou que para os juízes de direito o teto salarial é quase o piso, praticamente próximo do teto, e daí os salários chegam até 100 mil reais.
    São esses juízes que são contra a corrupção, como Sérgio Mouro. Os procuradores do MP a mesma coisa, pertencem a alta classe média. As regalias e o salário deles são muito altos, eles tem muito motivo como alta classe media para se voltar contra o neodesenvolvimentismo, e estão ligados àquilo que Pierre Bourdieu denominou de "o braço direito do Estado". Eles não são professores, eles não são assistentes sociais, eles são funcionários do Estado responsáveis pela manutenção da ordem burguesa no Brasil. A cabeça deles é a cabeça da ordem, são os juízes que emitem sentença de reintegração de posse, são os procuradores que processam qualquer sindicalista do PT, qualquer assentamento do MST e fazem vista grossas pra toda corrupção do PSDB e de seus pares. Por exemplo, tem um procurador do que mora na região da paulista que colocou nas redes sociais que a PM pode matar os manifestantes de esquerda da paulista que ele conhece o juiz daquela região e garante impunidade. (... defeito no vídeo...) O ministro da justiça que é um personagem debochado publicamente por um delegado da PF.
    Isso é instabilidade da democracia no Brasil. É uma instabilidade que permite um golpe branco, para usar a expressão corrente. Pode ser um golpe que não vai implantar a ditadura, por isso eu falo só em instabilidade. Vão implantar um novo Governo, mas é um golpe, isso mostra o quanto são frágeis os valores democráticos no brasil.
5- A reação do movimento operário e popular
    Diante dessa crise política de duas dimensões, crise da frente neodesenvolvimentista, crise do capitalismo autoritário, e diante dessa instabilidade da democracia, qual tem sido a reação do movimento operário e popular? Vou considerar três grandes orientações.
    1) A primeira reação é uma que, no meu modo de ver, despreza erroneamente a importância dos trabalhadores, na atual correlação política de forças, defenderem a democracia burguesa contra as ameaças golpistas que pesam no Brasil. Se trata de uma posição de neutralidade política diante do golpe branco que se desenha e que poderá eventualmente ser vitorioso. Uma posição de neutralidade é uma posição que favorece a marcha do golpe. Discutindo com companheiros que defendem essa posição, alguns chegam a dizer: "se o impeachment estiver iminente, nós vamos defender o mandato obtido nas urnas". Mas aí é como dizer o carro está indo em direção do muro e se chegar muito perto eu vou gritar. Se chegar muito perto não dá tempo de parar. Eu acho que uma posição equivocada. E essa neutralidade diante do golpe reacionário é normalmente acompanhada da proposta de um poder operário, de um poder popular, que eu entendo ser uma proposta inviável devido a correlação política de forças, devido ao atual estagio de organização, consciência das massas, uma proposta idealista na situação brasileira. O fim do governo neodesenvolvimentista na situação atual só pode significar a implantação de um governo neoliberal puro e duro. Não tem outra opção no momento atual.
    Existe uma segunda posição que consiste em defender o mandato obtido pela presidenta Dilma nas urnas, mas se abster de lutar contra a política econômica e social que esse Governo começou a implantar. Entendem que defender o mandato e combater a política é contraditório, e o principal agora é defender o mandato.
    A terceira posição, que eu acho a correta, é a posição que vem sendo esboçada pela Frente Brasil Popular. Essa Frente reúne setores que integram ou integravam a frente neodesenvolvimentista no período que essa frente não se encontrava em crise, no período de forças dessa frente neodesenvolvimentista. O que é que a Frente Brasil Popular imagina agora diante da crise política e da crise econômica é que é necessário que as organizações operarias resistam, combatam a política econômica e social recessiva e iniciem a construção de um programa novo. Mas avaliam, ao mesmo tempo, que não há força para implantação desse programa agora. Não se pode romper com a defesa desse governo porque o que viria seria muito pior. Então é sim uma política que trabalha com objetivos difíceis de serem conciliados, mas é a política que me parece mais correta nesse momento, que é o que vem procurando essa frente brasil. e
    No que diz respeito a instabilidade da democracia e a crise do regime de presidencialismo autoritário, a ideia existente, pelo menos em boa parte das organizações que integram a Frente Brasil Popular, é que é necessário recuperar a proposta da Constituinte para a reforma do sistema político, porque no momento de instabilidade da democracia, no momento de crise do regime de presidencialismo autoritário, é necessário que as forças populares e progressistas comecem a pensar uma proposta de organização do sistema político brasileiro, que entrou em uma espécie de curto circuito dessa crise. Então nós temos que ter uma posição, uma proposta pra isso. E eu entendo que a proposta de uma constituinte exclusiva e soberana para a reforma do sistema político é uma proposta que cabe.