1 de julho de 2013

Poder, Geopolítica e Desenvolvimento


Por José Luís Fiori

O capitalismo nasceu associado com um sistema de poder específico, o sistema interestatal europeu. E desde o início, foi um dos principais instrumentos de poder dos estados que se impuseram, dentro e fora da Europa, transformando-se nas primeiras “grandes potências” do sistema. Durante os cinco séculos seguintes, o desenvolvimento destas “grandes potências” exerceu um efeito gravitacional e expansivo sobre todo o “sistema interestatal capitalista”, que foi ampliando suas fronteiras de maneira contínua, como se fosse um “universo em expansão”. Dentro deste “universo”, foram sendo criados e incorporados sucessivamente novos estados e economias nacionais que competem e se hierarquizam dinamicamente, podendo ser classificados em três grandes grupos:

i. Num primeiro grupo, situam-se os estados e as economias nacionais que adotam estratégias de integração direta, com relação às potencias líderes. Fala-se em “desenvolvimento a convite” ou “associado” para referir-se a estes países com acesso privilegiado aos mercados e aos capitais das grandes potências, obtidos em troca da submissão à sua política externa e à sua estratégia militar global. Como foi o caso do Canadá, Austrália e Nova Zelândia, antes e depois de sua independência e também, da Alemanha, Japão e Coréia, depois da Segunda Guerra Mundial, na condição de protetorados militares dos EUA.

ii. Num segundo grupo, situam-se os países que questionam a hierarquia internacional e adotam estratégias de mudança do status quo e de crescimento acelerado, com o objetivo de mudar sua participação na distribuição internacional do poder e da riqueza. São projetos nacionais que podem ser bloqueados, e podem não conseguir superar as “barreiras à entrada” do “núcleo central”, impostas pelas grandes potências. Mas que também podem ter sucesso e dar origem a uma nova potência regional ou global, como foi o caso dos EUA, na primeira metade do século XX, e da China, neste início do XXI.

iii. Por fim, num terceiro grupo, incluem-se todos os demais países do “andar de baixo” ou a “periferia” política e econômica do sistema. São estados e economias que podem ter fortes ciclos de crescimento e ter indústrias, mas que não têm condições ou não se propõem desafiar a ordem estabelecida, e aceitam sua posição política subalterna, dentro do sistema internacional de poder; e se mantêm como fornecedores de commodities e bens industriais específicos, com é o caso do Chile, Colômbia e Peru, entre muitos outros.i

Na outra ponta do sistema, o pequeno grupo das grandes potencias “ganhadoras” também é hierarquizado e reproduz internamente – num outro patamar de poder — a mesma dinâmica competitiva de todo este universo. Mas mesmo assim, é possível identificar duas grandes regularidades na sua trajetória “vitoriosa”:

1º. Todos enfrentaram, em algum momento, invasões externas, guerras civis ou rebeliões sociais, e estes acontecimentos contribuíram, de uma forma ou outra, para o fortalecimento de suas identidades nacionais e para a mobilização de suas sociedades em torno de grandes projetos de defesa e/ou de projeção internacional. Por estarem situados dentro de tabuleiros geopolíticos altamente competitivos, estes países também compartiram um sentimento constante de “cerco” e de ameaça externa, que explica a centralidade dos seus sistemas de defesa na definição de suas politicas de desenvolvimento e industrialização, e sua permanente preocupação com a conquista e o controle monopólico das “tecnologias sensíveis” que foram decisivas para o seu sucesso de toda a sua economia nacional.

2º. Todos seus estados e seus grandes capitais privados “desrespeitaram” sistematicamente as regras e instituições competitivas de mercado que devem ser obedecidas obrigatoriamente pelos que estão situados nos degraus inferiores do sistema. Neste ponto, pode-se formular uma lei quase universal: quem liderou a expansão vitoriosa do capitalismo foram sempre os estados e os capitais que souberam navegar com sucesso na contramão das “leis do mercado”, ou seja, os “grandes predadores” que conseguem manter e renovar permanentemente o seu controle monopólico das “inovações”, e dos “lucros extraordinários”.

Este caminho dos “ganhadores” está aberto para todos os países? Não, porque a energia que move este sistema vem exatamente desta luta contínua, entre estados, economias nacionais e capitais privados, pela conquista de posições e de monopólios que são desiguais, por definição. Mesmo assim, alguns estados podem modificar sua posição relativa dentro deste sistema, dependendo do seu território, dos seus recursos e da sua coesão social. E da existência de uma elite política capaz de assumir as grandes pressões sociais e o aumento dos desafios e provocações externas, como sinal de amadurecimento de um país que já está preparado para sustentar uma estratégia de longo prazo, de questionamento do status quo internacional, e de desenvolvimento com mobilidade social generalizada.

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