11 de agosto de 2022

O Projeto Político Revolucionário Global de Deus para a Humanidade.

 


Kublai pergunta para Marco:

— Quando você retornar ao Poente, repetirá para a sua gente as mesmas histórias que conta para mim?

— Eu falo, falo — diz Marco —, mas quem me ouve retém somente as palavras que deseja. Uma é a descrição do mundo à qual você empresta a sua bondosa atenção, outra é a que correrá os campanários de descarregadores e gondoleiros às margens do canal diante da minha casa no dia do meu retorno, outra ainda a que poderia ditar em idade avançada se fosse aprisionado por piratas genoveses e colocado aos ferros na mesma cela de um escriba de romances de aventuras. Quem comanda a narração não é a voz: é o ouvido. Ítalo Calvino

CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. 2ª ed. São Paulo. Companhia das Letras. 2002, p. 80

 

A leitura bíblica aqui realizada é feita a partir da teoria da luta de classes e do ponto de vista da totalidade. É uma leitura marxista, parcial e unilateral como todas as demais leituras da Bíblia. Toda leitura da Bíblia é parcial, ideológica, classista, étnica e sexista! A classe capitalista prefere a leitura da Bíblia a partir da visão europeia patriarcal e colonialista de Deus (a qual todos aprendemos como sendo a única, que também é classista e parcial, dizendo-se neutra) porque individualiza e coloca apenas a pessoa perante Deus (desconsidera todas as demais relações que existem na sociedade), privatiza a salvação, não questiona a sociedade de classes e não leva em conta e não faz a pergunta pela visão global do Projeto Político de Deus para a humanidade.

Quando a classe dos escravos na Babilônia selecionou e reuniu os textos que formam a maior parte do AT tinha em vista um projeto coletivo para o povo de Israel, não para a pessoa individual desconectada de um coletivo (Êx 3.7; Jr 30.3; 31.1). O NT tem em vista um coletivo, pois diz: “Ela dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles”. Mt 1.21. Os textos do NT (uma visão coletiva do Projeto Revolucionário do Reino de Deus) foram escritos para serem lidos no coletivo comunitário (1 Co 1.1-3), pois a Igreja insurgente e revolucionária de Jesus Cristo é um instrumento político coletivo criado pelo Espírito Santo para viabilizar, junto com os aliados do movimento popular, do movimento específico (mulheres, negros, indígenas e comunidade LGBTQIA+), do movimento sindical, das ONGs de esquerda e dos partidos políticos de esquerda, a revolução internacional do Reino de Deus conduzida por Jesus Cristo. O Reino de Deus é um processo revolucionário coletivo sem fronteiras, como a Igreja, seu instrumento. A visão europeia de Deus, conforme o interesse e a filosofia do capitalismo, individualizou o conteúdo bíblico para esvaziar seu caráter revolucionário. Ninguém é uma ilha, todos estamos inseridos numa classe social ou num povo. A salvação não se resume ao indivíduo isolado do processo histórico revolucionário do Reino de Deus. A Bíblia visa salvar a Humanidade da destruição.

Existem ainda outras leituras da Bíblia: a da comunidade LGBTQIA+ (Queer), a negra, a fundamentalista, a indígena, a sociológica, a marxista, a dalit, a histórica-crítica, a feminista, a leitura popular da Bíblia. Nenhuma destas leituras é neutra. Não existe leitura neutra da Bíblia! O relato bíblico sobre o Êxodo nem o relato bíblico sobre a cruz de Cristo são neutros! Deus não é neutro, mas se insere no processo histórico da luta de classes a favor e com as classes subalternas para acabar com a sociedade de classes, que hoje está prestes a exterminar a Humanidade pelo Colapso Planetário que está sendo gera do pelo aquecimento global, pela perda da biodiversidade, pelo ciclo do nitrogênio, pelo ciclo do fósforo, pelo uso global da água doce, pela mudança do uso da terra, pela carga de aerossóis, pela poluição química, pela acidificação dos oceanos, pela destruição do ozônio estratosférico.

 

A seguir conceitos marxistas fundamentais que ajudam na leitura e compreensão da Bíblia e da realidade. Bíblia e Realidade sempre estão conectadas, pois a Bíblia foi escrita a partir da luta de classes que aconteceu na realidade para mudá-la. Estes conceitos ajudam a entender e compreender melhor o Projeto Político Revolucionário Global de Deus para a Humanidade.

 

1 - O conceito da teoria da luta de classes no Materialismo Histórico:

 

No texto Karl Marx, publicado em 1878, Engels relata sobre as duas mais importantes descobertas de Marx.

“Entre as numerosas e importantes descobertas com que Marx inscreveu seu nome na história da ciência, só duas queremos destacar aqui.

A primeira é a revolução que realizou em toda a concepção da história universal. ... Marx demonstrou que toda história da humanidade, até hoje, é uma história de lutas de classes que todas as lutas políticas, tão variadas e complexas giram unicamente em torno do poder social e político de umas e outras classes sociais; por parte das classes novas, para conquistá-lo. ...

A segunda descoberta importante de Marx consiste em haver esclarecido definitivamente a relação entre o capital e o trabalho; em outros termos, em haver demonstrado como se opera, dentro da sociedade atual, com o modo de produção capitalista, a exploração do operário pelo capitalista.”

ENGELS, Friedrich. Karl Marx. In Karl Marx e Friedrich Engels. Textos. Vol. 2. São Paulo. Edições Sociais. 1976, p. 207-209

 

Engels aponta que

“A principal máscara, sob a qual se disfarçava o capitalismo, caiu por terra com a descoberta da mais-valia. Esta descoberta revelou que o regime capitalista de produção e a exploração dos operários que dele se origina tinham, como base fundamental, a apropriação do trabalho não pago. ... Desde então, o processo da produção capitalista e o da criação do capital já não continham nenhum segredo. Estas duas descobertas: a concepção materialista da história e a revelação do segredo da produção capitalista que se resume na mais-valia são devidas a Karl Marx.

ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring. 2ª ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1979, p. 24.

Com a descoberta do mais-valor Marx desmascara o discurso capitalista de que o patrão paga o salário ao peão, mas mostra que o peão com o seu trabalho produz o valor de seu salário e de seus respectivos encargos sociais durante um período de tempo e após isso trabalha de graça para o patrão durante o resto do mês. Patrão nunca pagou salário para ninguém e nem paga impostos, recolhe impostos, que é outra coisa.

 

Engels diz

“Mas a velha concepção idealista da história, que ainda não havia sido removida, não conhecia lutas de classes baseadas em interesses materiais, nem conhecia interesses materiais de qualquer espécie; para ela a produção, bem como todas as relações econômicas, só existiam acessoriamente, como um elemento secundário dentro da "história cultural". Os novos fatos obrigaram à revisão de toda a história anterior, e então se viu que, com exceção do Estado primitivo, toda a história anterior era a história das lutas de classes, e que essas classes sociais em luta entre si eram em todas as épocas fruto das relações de produção e de troca, isto é, das relações econômicas de sua época; que a estrutura econômica da sociedade em cada época da história constitui, portanto, a base real cujas propriedades explicam, em última análise, toda a superestrutura integrada pelas instituições jurídicas e políticas, assim como pela ideologia religiosa, filosófica, etc., de cada período histórico. Hegel libertara da metafísica a concepção da história, tornando-a dialética; mas sua interpretação da história era essencialmente idealista. Agora, o idealismo fora despejado do seu último reduto: a concepção da história -, substituída por uma concepção materialista da história, com o que se abria o caminho para explicar a consciência do homem por sua existência, e não esta por sua consciência, que era até então o tradicional.”

ENGELS, Friedrich. DO SOCIALISMO UTÓPICO AO SOCIALISMO CIENTIFICO in F. ENGELS, A. TALHEIMER, J. HARARI e L. SEGAL. Introdução ao Estudo do Marxismo. Rio de Janeiro. Editorial Calvino Limitada. 1945, p. 47

 

... “os seres humanos, antes do mais, têm primeiro que comer, beber, abrigar-se e vestir-se, antes de se poderem entregar à política, à ciência, à arte, à religião, etc.; de que, portanto, a produção dos meios de vida materiais imediatos (e, com ela, o estádio de desenvolvimento econômico de um povo ou de um período de tempo) forma a base, a partir da qual as instituições do Estado, as visões do Direito, a arte e mesmo as representações religiosas dos homens em questão, se desenvolveram e a partir da qual, portanto, têm também que ser explicadas.”

Friedrich Engels em seu discurso no enterro de Karl Marx em 17 de Março de 1883. https://www.marxists.org/portugues/marx/1883/03/22.htm

 

Guiorgui Plekhânov lembra em resumo o que Marx descobriu:

A ideia fundamental de Marx se reduz ao seguinte: As relações de produção determinam todas as outras relações que existem entre os homens na sua vida social. As relações de produção são determinadas, por sua vez, pelo estado das forças produtivas.

PLEKHÂNOV, Guiorgui. A concepção materialista da história. 6ª ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1980, p. 33

 

“O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode resumir-se assim: na produção social da sua vida, as pessoas contraem determinadas relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência da pessoa que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência.”

MARX, Karl. Prefácio à “Contribuição à Crítica da Economia Política” in MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Textos, vol. III. São Paulo. Edições Sociais. 1977, p. 301

 

“A ideia fundamental que atravessa todo o Manifesto – a saber, que em cada época histórica a produção econômica e a estrutura social que dela necessariamente decorre constituem a base da história política e intelectual dessa época; que, consequentemente (desde a dissolução da antiga posse em comum da terra) toda a história tem sido a história da luta de classe, de luta entre classes exploradas e classes exploradoras, entre classes dominadas e classes dominantes, nos diferentes estágios do desenvolvimento social; que essa luta, porém, atingiu atualmente um estágio em que a classe explorada e oprimida (o proletariado) não pode mais se libertar da classe exploradora e opressora (a burguesia) sem libertar ao mesmo tempo e para sempre toda a sociedade da exploração, da opressão e das lutas de classes – essa ideia fundamental pertence única e exclusivamente a Marx.”

ENGELS, Friedrich. Prefácio à edição alemã de 1883 do Manifesto do Partido Comunista in Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis. Vozes, 1988, p. 45-46

 

Netto e Braz resumem a pesquisa de Marx assim:

“Marx jogou toda a força da sua preparação científica, da sua cultura e das suas energias intelectuais numa pesquisa determinada: a análise das leis do movimento do capital; essa análise constitui a base para apreender a dinâmica da sociedade burguesa (capitalista), já que, nessa sociedade, o conjunto das relações sociais está subordinado ao comando do capital. ...

Das pesquisas de Marx resultou que a sociedade burguesa não é uma organização social “natural”, destinada a constituir o ponto final da evolução humana; resultou, antes, que é uma forma de organização social histórica, transitória, que contém no seu próprio interior contradições e tendências que possibilitam a sua superação, dando lugar a outro tipo de sociedade – precisamente a sociedade comunista, que também não marca o “fim da história”, mas apenas o ponto inicial de uma nova história, aquela a ser construída pela humanidade emancipada.”

NETTO, José Paulo e BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo. Cortez Editora. 2012, p. 34-35

 

Marx lembra nos Manuscritos Econômico-Filosóficos que

“O comunismo é a posição como negação da negação, e por isso o momento efetivo necessário da emancipação e da recuperação humanas para o próximo desenvolvimento histórico. O comunismo é a figura necessária e o princípio energético do futuro próximo, mas o comunismo não é, como tal, o termo do desenvolvimento humano - a figura da sociedade humana.”

MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo. Boitempo Editorial. 2008, p. 114

 

Segundo Harari

“A dialética da História - Cada regime econômico cumpre o seu papel progressista, pois, ao mesmo tempo que se desenvolve, vai desenvolvendo em seu seio a sua negação, que originará outro regime econômico superior, e, no desenrolar histórico, se produz revolucionariamente a síntese: um novo regime econômico e social. ...

A evolução - desenvolvimento dialético - não se detém nem mesmo no regime socialista. O regime socialista, dirigido pelo proletariado, evolui. Ao coletivizar a produção, ao resolver as contradições sociais, ao elevar a cultura, vai destruindo as classes sociais e, entre elas, o próprio proletariado como classe, criando as premissas para uma sociedade sem classes, a sociedade comunista, em que todos serão igualmente trabalhadores, sem distinção de manuais ou intelectuais. Terminará aí o processo histórico? Não. Terminarão, sim, as lutas de classes, com o desaparecimento das mesmas, mas perdurarão as contradições: Forças humanas e Forças naturais, Ignorância e Ciência, Paixão e Raciocínio, etc., continuarão provocando, já agora, numa evolução pacífica, novos e maiores progressos.”

HARARI, J. Introdução à economia política in F. ENGELS, A. TALHEIMER, J. HARARI e L. SEGAL. Introdução ao estudo do marxismo. Rio de Janeiro. Editorial Calvino Limitada. 1945, p. 223-225

 

“A história de toda sociedade até hoje é a história de lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestres e companheiros, numa palavra, opressores e oprimidos, sempre estiveram em constante oposição uns aos outros, envolvidos numa luta ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou sempre ou com uma transformação (Umgestaltung) revolucionária de toda a sociedade, ou com o declínio comum das classes em luta.”

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis. Vozes. 1988, p. 66

 

“Foi precisamente Marx quem primeiro descobriu a grande lei do movimento da história, a lei segundo a qual todas as lutas históricas, quer se desenvolvam no terreno político, no religioso, no filosófico ou noutro terreno ideológico qualquer, não são, na realidade, mais do que a expressão mais ou menos clara de lutas de classes sociais, e que a existência dessas classes, e portanto também as colisões entre elas, são condicionadas, por sua vez, pelo grau de desenvolvimento da sua situação econômica, pelo caráter e pelo modo da sua produção e da sua troca, condicionada por estes.”

ENGELS, Friedrich. Prefácio à terceira edição alemã de 1885 de 'O 18 Brumário de Luís Bonaparte' in MARX, Karl. A Revolução antes da revolução, vol. 2. São Paulo. Expressão Popular. 2008, p. 204-205

 

2 - O conceito de totalidade no Materialismo Dialético:

 

Marx no Posfácio da 2ª edição d’O Capital ao falar do seu método dialético diz que “o ideal não é mais do que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ela interpretado”.

MARX, Karl. O Capital. Livro 1. Vol. 1. 6ª ed. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1980, p. 16

 

A “Dialética, em sentido restrito, é - diz Lênin - o estudo das contradições contidas na própria essência dos objetos.” (Lênin, "Cadernos filosóficos", pág. 263, ed. russa). https://www.marxists.org/portugues/stalin/1938/09/mat-dia-hist.htm

 

Rosa Luxemburgo diz

“Mas se a sociedade humana, no seu conjunto, se envolve continuamente em contradições, não caminha por isso para o seu fim, pelo contrário, são as contradições que a fazem avançar. A contradição na vida da sociedade resolve-se sempre em evolução, em novos progressos da civilização. O grande filósofo Hegel disse: "A contradição é o que faz avançar". Este movimento por contradições é o verdadeiro modo como a história humana evolui.”

LUXEMBURGO, Rosa. Introdução à economia política. Martins Fontes. São Paulo, p. 280

 

Segundo Thalheimer

“Pode-se definir a dialética como sendo a ciência das relações gerais que existem tanto na natureza como na história e no pensamento. O contrário da dialética é a observação isolada das coisas unicamente quando se acham em estado de repouso. A dialética somente considera as coisas em suas relações mais gerais, de dependência recíproca, não em estado de repouso, mas de movimento. ... Somente seguindo o caminho da dialética, não perdendo jamais de vista as inumeráveis ações e reações gerais do devenir e do perecer, das mudanças de avanço e retrocesso, chegamos a uma concepção exata do universo, do seu desenvolvimento e do desenvolvimento da humanidade, assim como da imagem projetada por esse desenvolvimento nas cabeças dos homens.”

TALHEIMER, A. Introdução ao Materialismo Dialético. Fundamentos da Teoria Marxista in F. ENGELS, J. HARARI e L. SEGAL. Introdução ao estudo do marxismo. Rio de Janeiro. Editorial Calvino Limitada. 1945, p. 34, 47

 

Lukács aponta para “o conhecimento da totalidade do processo histórico”.

“... a unificação hegeliana - dialética - do pensamento e do ser, a concepção de sua unidade como unidade e totalidade de um processo, formam também a essência da filosofia da história do materialismo histórico. ... o método dialético trata sempre do mesmo problema: o conhecimento da totalidade do processo histórico.”

“... a essência do método, isto é, o ponto de vista da totalidade, a consideração de todos os fenômenos parciais como elementos do todo, do processo dialético, que é apreendido como unidade do pensamento e da história, foi salvaguardado. O método dialético em Marx visa ao conhecimento da sociedade como totalidade.”

LUKÁCS, Georg. História e Consciência de classe. São Paulo. Martins Fontes. 2003, p. 116-117

 

 “Não é o predomínio de motivos econômicos na explicação da história que distingue de maneira decisiva o marxismo da ciência burguesa, mas o ponto de vista da totalidade. A categoria da totalidade, o domínio universal e determinante do todo sobre as partes constituem a essência do método que Marx recebeu de Hegel e transformou de maneira original no fundamento de uma ciência inteiramente nova.”

LUKÁCS, Georg. Rosa Luxemburgo como marxista in História e Consciência de classe. São Paulo. Martins Fontes. 2003, p. 105-107

Hegel entendeu que a verdade está no todo e que tudo é um processo, um movimento. Só é possível compreender a totalidade concreta pela dialética de Marx.

 

“José Paulo Netto, ao expor o método em Marx, diz: "Articulando estas três categorias nucleares - a totalidade, a contradição e a mediação -, Marx descobriu a perspectiva metodológica que lhe propiciou o erguimento do seu edifício teórico". Este "edifício teórico", assim chamado por ser concreto na sua dinâmica de aplicação, não vê a totalidade como a "soma das partes", mas, sim, uma totalidade que se articula com "totalidades menores", movidas por contradições internas ativas e mediadas pela estrutura particular de cada totalidade.”

BOGO, Ademar. Organização Política e Política de Quadros. Expressão Popular, 2011, p. 170-172

 

“O método dialético consiste em situar a "parte" no "todo", como ato inverso ao efetuado pela abstração analítica. ... O concreto é concreto porque é a síntese (Zusammenfassung) de múltiplas determinações, portanto unidade do diverso.”

DUSSEL, Enrique. A produção teórica de Marx. Um comentário aos Grundrisse. São Paulo. Expressão Popular. 2012, p. 53-54

Entendemos as partes a partir do todo. Se não entendemos o todo vamos ter dificuldades em entender as partes, no caso da Bíblia, as perícopes. Uma parte que não se liga ao todo não existe.

 

---------------

 

A Bíblia é uma totalidade composta por duas totalidades: o AT e o NT, que por sua vez se compõem de outras totalidades que são os livros que compõe cada Testamento, que por sua vez são compostos por muitas outras totalidades que são as perícopes, nas quais aparece o movimento das contradições, das mediações, dos avanços, dos recuos, dos conflitos da luta de classes da sociedade. Somente entendemos corretamente as perícopes e os livros que compõem se temos uma visão da totalidade do Projeto Político Global de Deus na Bíblia para a Humanidade.

Na explicação bíblica normalmente se esquece de mostrar ou não se sabe o todo da qual a parte se compõe junto com o movimento de suas contradições, avanços e retrocessos. O método histórico-crítico até aponta para o conjunto do livro, mas não para o Projeto Político Global da Bíblia. O Projeto Global de Deus (a visão da totalidade, a compreensão do todo) deve nortear o entendimento e a interpretação das perícopes que compõem os livros bíblicos.

Sabendo qual é o Projeto Político Global de Deus para a Humanidade entenderemos melhor as perícopes, que normalmente são lidas ignorando o Projeto Global de Deus que as norteiam. Isso muda radicalmente a leitura da Bíblia. A leitura europeia da Bíblia na qual fomos treinados não nos fala disso, pois é idealista cartesiana positivista liberal. Não parte da teoria da luta de classes (são as contradições que fazem a história avançar – no exemplo do Êxodo são as contradições da luta de classes que fizeram a história avançar para a construção de uma sociedade não classista nas montanhas da Palestina), nem leva em conta a totalidade do Projeto de Deus e não leva em conta o condicionamento do modo de produção da vida material vigente na época e de hoje.

 

Duas Sínteses para ajudar a compreender o Projeto Político Revolucionário Global de Deus para a Humanidade na Bíblia. Estas sínteses nos ajudarão a compreender o papel das Igrejas e de toda a sociedade na revolução sem fronteiras do Reino de Deus conduzida por Jesus Cristo em sua luta contra a sociedade de classes que hoje está prestes a exterminar a Humanidade pelo Colapso Planetário gerado pelo Capitalismo com o apoio tácito das Igrejas por se omitir da luta contra o Capital. Há um casamento sólido e duradouro entre Igrejas e Capital. Ai de quem questionar essa união.

Leia e tire a suas conclusões.

 

Primeira Síntese

 

1. Antigo testamento

O Projeto Político Revolucionário de Javé da Terra Prometida é um Projeto político classista para emancipar a classe camponesa espoliada e expropriada pela classe-estado (Êx 5), proprietária privada de terra e de bois (1 Sm 11.7; Gn 47.16-18), controladora do Estado e do templo - religião do Estado - (Gn 47.13-26). Esse Projeto político classista insurgente e revolucionário é viabilizado pela Revolução Agrária conduzida por Javé pela classe camponesa, após Ele ter feito uma opção de classe, pela classe camponesa (Êx 3.10, 18), na luta de classes contra a classe-estado no Egito e na Palestina.

Javé se insere no processo revolucionário histórico da luta de classes, opta unilateralmente pela classe camponesa na luta de classes contra a classe-estado (Javé não é neutro diante da luta de classes e da opressão de classe - Êx 3.7-10), e liberta a classe camponesa da escravidão do Egito e a conduz pelo deserto para a Terra Prometida a ser conquistada pela Revolução Agrária conduzida por Ele (Js 6-8).

Segundo a leitura teológica da classe dos camponeses escravos no AT, a partir da luta de classes (Dt 6.20-23), Javé se opõe à sociedade de classes sustentada pelo Estado e seu exército (Dt 6.20-23, Êx 1-15) e pelos templos (sacerdotes) no Egito e na Palestina dedicados aos vários deuses, como Religião do Estado (Gn 47.22, 26; Êx 23.13, 24, 32-33). A classe-estado é composta pelos proprietários privados de terra e de bois da qual fazem parte também os sacerdotes, os líderes do exército, a nobreza e a família do Faraó. A classe-estado controla o Estado do Egito em seu benefício expropriando a classe camponesa de sua terra (Gn 47.20-21), espoliando-a pelos tributos cobrados - Gn 47.24-26 - e escravizando uma parte dessa classe, os hapiru (Êx 1-3; Gn 47.21),

Por causa dessa exploração e opressão de classe Javé retira a classe camponesa escrava hapiru do Egito e a prepara na caminhada pelo deserto (Êx 16; 18; 20; 32) para construir uma nova sociedade não classista, sem propriedade privada da terra, sem classes sociais, sem luta de classes, sem exploração e expropriação de classe, sem Estado e sem templo (Religião do Estado) nas montanhas da Palestina.

Javé derruba e extingue nas montanhas da Palestina a sociedade de classes garantida e legitimada pelo Estado (Js 6-8; 24) e pela Religião do Estado (Js 24.14-15; Jz 2.3; Êx 23.24, 32; Dt 4.28) ao tomar o poder político do Estado e destruí-lo pelo processo revolucionário viabilizado pela classe camponesa. Esse processo revolucionário viabiliza o controle coletivo da terra pela tribo (Nm 26.52-56; Lv 25.23), impedindo a propriedade privada da terra e com isso extingue a sociedade de classes. No local físico do culto à Javé (em frente ao altar diante da Tenda da Congregação itinerante, que abriga a Arca da Aliança), o Poder Popular (Êx 18) é exercido em Assembleia Popular (Nm 27.1-11; Js 24). Fé, política e luta de classes são inseparáveis.

No Projeto Político Revolucionário de Javé da Terra Prometida a terra (meio de produção) está sob controle popular, da tribo (Nm 26.52-56), não é propriedade privada, mas posse tribal para uso coletivo, pois Deus a criou (Sl 24.1) para toda a humanidade poder usufruir dela. Terra não é mercadoria, não se vende (1 Rs 21.1-3; Lv 25.23).

Com o decorrer do tempo criam-se contradições na terra conquistada, gerando empobrecidos sem terra e escravos (1 Sm 22.2) e latifundiários (1 Sm 25), que levam os proprietários privados da terra e de bois (1 Sm 8; 11) a querer reconstruir o Estado para defender seus interesses de classe. Javé (1 Sm 8.9-20) e setores do campesinato (1 Sm 11.12; Jz 9.1-21) são contra a retomada da reconstrução do Estado via proprietários privados de terra e de bois liderados por Saul (1 Sm 11) na Palestina (Jz 9; 1 Sm 12.19).

Javé também é contra a construção do templo (2 Sm 7.1-12), como Religião do Estado, para legitimá-lo como mecanismo de opressão de classe (Mq 3; Am 7.10-13; 2 Rs 23; 2 Cr 34), propõe apenas um altar (Js 8.30-31) e a Tenda da Congregação onde fica a Arca da Aliança (Êx 31.7; 1 Rs 8.9, 21), símbolo de sua presença junto à classe camponesa na luta pela terra, contra o Estado, pela sociedade não classista pela extinção da propriedade privada da terra (Nm 26.52-56).

O movimento profético camponês (Am 7.14) é o caminho adotado por Javé para denunciar o Estado - o rei, a monarquia e o Templo - (Mq 3; Jr 26) pelo abandono do Projeto Político Revolucionário da Terra Prometida. A luta de classes ocorria entre a classe camponesa e a classe-estado.

Frente o desmonte do Projeto Político de Javé da Terra Prometida pela classe proprietária privada de terra e de bois (1 Sm 11), que reconstruiu o Estado na Palestina para garantir seus interesses de classe, os/as profetas anunciam a vinda do Messias (Is 7.13-16) para reconduzir o povo e sua organização popular (Is 1.26: “Restituir-te-ei os teus juízes, como eram antigamente, os teus conselheiros, como no princípio”) ao caminho da justiça (Is 11.1-10) e da paz (Is 9.1-7).

A partir do exemplo da luta da classe camponesa hebreia (Dt 6.20-23) na construção de um Projeto político para emancipar a Humanidade Javé quer espalhar o seu Projeto Político da sociedade sem classes para todos os povos (Is 42.6; 49.6) até os dias de hoje. O texto bíblico tem essa função teórica revolucionária insurgente de lembrar que Javé continua hoje se inserindo no processo revolucionário da luta de classes para construir a partir e com as classes subalternas uma sociedade sem classes emancipada.

Javé também, no período do Exílio a partir da Babilônia, se opõe à sociedade de classes sustentada pelo Estado (Gn 1; 6-9; 11) e legitimada pela religião do Estado assentada na adoração aos deuses Sol e Lua (Gn 1.14-19) para legitimar o Modo de Produção Tributário expropriador da classe camponesa e dos povos conquistados saqueados.

No Pós-exílio usa-se o Templo de Jerusalém como instrumento político institucional de resistência nacional (Ag 1) contra ocupação militar persa e grega na luta pela independência de Israel contra as potências colonialistas estrangeiras (1 Macabeus 1-2; 2 Macabeus 8).

 

 

2. Novo Testamento

Afixou-se nos textos do NT (Lc 1.1-4), a partir da memória da classe dos escravos, da classe dos artesãos e da classe dos camponeses e demais setores marginais não cidadãos da sociedade escravocrata romana, mulheres, estrangeiros, diaristas, sem terra e sem casa, a leitura teológica de que Deus se opõe pelo Evangelho do Reino de Deus (Lc 16.16; Mc 1.1), anunciado por Jesus Cristo (Mt 4.17; Lc 4.43), à sociedade de classes (Lc 20.25; Mt 25.14-30;) segundo o Modo de Produção Escravista sustentada e legitimada pelo Estado (Lc 3.1-2; Jo 11.47-50; Ap 13; 18) e pelo Templo de Jerusalém na Palestina (Jo 11.47-50).

Essa leitura classista, parcial e unilateral do NT, a partir da cruz de Cristo e do ponto da vista das classes subalternas espoliadas pelo Império Romano e pelo Templo de Jerusalém, mostra que o Evangelho da Igreja de Jesus Cristo e a comunhão dos santos, propõem uma sociedade sem classes sociais (Gl 3.28; 1 Ts 5.25-27), sem propriedade privada dos meios de produção (Mt 19.16-22; At 4.32-37), sem opressão, exploração e expropriação de classe (Mt 25.14-30), sem Estado (Mc 1.1; Rm 13.8; Ap 18; 21-22) e sem templo como Religião do Estado (Jo 2.19; Ap 21.22). Deus propõe como organização política partidária classista (1 Co 1.26-28; 4.9-13) o Poder Popular através da Assembleia Popular (At 6; 15) para organizar a luta e a vida no Reino de Deus no já agora.

Para Jesus Cristo o Reino de Deus, seu Projeto Político Revolucionário central (Lc 4.43), é o oposto da realidade diária de opressão, de exploração, de pobreza, de saque, de humilhação, de doença, de escravidão e de fome na qual as classes subalternas (hoje a Classe Trabalhadora, a Classe Camponesa e os Povos Originários) vivem, mas é como uma festa (Mc 2.15-20), um banquete (Lc 14.12-24; 5.29-35) ou um casamento (Jo 2.1-11; Mt 22.1-14) onde tem comida, bebida, comunhão, alegria algo muito escasso e ausente nas classes subalternas não proprietárias espoliadas pela classe proprietária. Ele também mostra o que atrapalha (os inimigos) a festa do Reino - o Templo (Jo 2.13-22) e a sociedade de classes mantida pelo Império Romano (Lc 2.1-2; 3.1-2; Mt 2.13-16; 25.14-30) - hoje a Igreja/Religião do sistema e o Capitalismo imperialista -, que por isso precisam ser eliminados pelo processo revolucionário evangélico sem fronteiras do Reino de Deus conduzido por/em/com Jesus Cristo.

A Igreja Evangélica (do Evangelho) Insurgente de Jesus Cristo é esse instrumento político revolucionário partidário classista que vai ajudar a encaminhar, junto com o Movimento Popular, o Movimento Específico (mulheres, negros, indígenas e comunidade LGBTQIA+), o Movimento Sindical, as ONGs de esquerda e os Partidos políticos de esquerda, a eliminação do que atrapalha (hoje o capitalismo) a festa do Reino de Deus (Jo 2.1-11) junto com o Movimento de Massas gerado pelo Trabalho de Base, pela Formação teológica e política do povo e pelas Lutas por justiça e paz (Rm 14.17); para isso ela foi criada pelo Espírito Santo. A Igreja de Jesus Cristo (Assembleia, organização política partidária revolucionária classista sem fronteiras de Jesus Cristo) de hoje e de sempre tem a tarefa, a partir da salvação lhe concedida por graça e fé (Ef 2.8), de se engajar na viabilização dessa revolução evangélica internacional conduzida por/em/com Jesus Cristo no processo revolucionário de construção do Reino de Deus para salvar a Humanidade de sua extinção, cujo processo está em pleno andamento, provocado pelo capitalismo predador, instrumento do diabo.

Salvação, vida eterna e discipulado de Jesus Cristo como processo coletivo da insurgência evangélica sem fronteiras do Reino de Deus, no já agora, conduzido por Jesus Cristo, segundo Mt 25.1-46, exigem na luta política revolucionária pelo Reino de Deus contra o capitalismo (reino do mundo, instrumento do diabo) uma opção de classe (Mt 25.44), pelas classes subalternas (os que tem fome e sede, etc.), como Javé o fez no Jesus camponês artesão palestino (Jo 1.14; Lc 2.7). Isso ocorre na inserção automática, pelo batismo e pela fé, no processo coletivo da luta revolucionária evangélica por justiça e paz (Rm 14.17), a partir da Igreja, do Movimento Popular, do Movimento Sindical e dos Partidos de esquerda, na luta contra a sociedade de classes e as estruturas injustas e opressoras criadas e sustentadas por ela (Rm 12.1-2; Gl 1.4).

A sociedade de classes cria a fome, a sede, etc., a partir de sua base a propriedade privada dos meios de produção e seus mecanismos de sustentação e de reprodução, o Estado e o Templo (Religião do Estado ou do sistema econômico, hoje o capitalismo como religião). Por isso a salvação, a vida eterna e o discipulado de Jesus (Lc 14.33) exigem a extinção da propriedade privada dos meios de produção, circulação e distribuição (geradora da sociedade de classes e seus mecanismos de reprodução) pela autoexpropriação dos expropriadores (Mt 19.16-22) para eliminar a sociedade de classes e com isso suas causas opressivas que desumanizam o ser humano: a fome, a sede, a doença, pessoas sem direitos, etc.

A burguesia e a pequena burguesia vão dizer: Não dá para fazer o que a Bíblia diz! Não dá ou não se quer fazer o que a Bíblia diz? O que Mc 1.15 diz vale para todos.

 

-----------

 

A Bíblia é fruto da luta de classes para acabar com a luta de classes ao construir uma sociedade sem classes sociais e sem expropriação de classe pela extinção da propriedade privada dos meios de produção (Nm 26.52-56; Mt 19.16-22). A Bíblia é a Teoria da luta de classes na qual Javé se inseriu para acabar com a sociedade de classes ontem e hoje. Antes da Bíblia ser escrita houve a luta de classes, que ela reproduz em seus textos, para iluminar e fortalecer a luta de classes contra a sociedade de classes de hoje, para extingui-la.

O objetivo de relatar a revolução de Javé na Bíblia é para viabilizar essa revolução javista hoje para acabar com a sociedade de classes pela extinção da propriedade privada dos meios de produção, circulação e distribuição. A Bíblia reproduz a realidade da luta de classes na qual Javé se inseriu para acabar com a sociedade de classes em permanente luta. O texto bíblico aponta para o hoje onde Javé continua se inserindo nesse processo revolucionário de construção de uma sociedade sem classes para salvar a Humanidade da extinção provocada pelo Colapso Planetário, já em andamento, produzido pelo capitalismo. É de nossa responsabilidade como Igreja, a partir do batismo e da fé em Jesus Cristo, acabarmos com o capitalismo ou ele acabará com a Humanidade e a vida criada por Deus no Planeta Terra pelo Colapso Planetário já em andamento.

 

--------------

 

Segunda Síntese

 

Síntese do Projeto Político de Javé no AT.

O Hexateuco (os seis primeiros livros da Bíblia) faz uma construção teológica do processo histórico de construção do Projeto Político Global de Javé para a Humanidade. Gerhard von Rad descobre em 1938 que o credo do povo de Israel em Dt 6.20-23 mostra a chave de leitura desse Projeto Político de Javé que é o processo histórico da luta de classes ocorrido no Êxodo comandado por Javé.

Dentro do processo histórico da luta de classes no Egito Javé se insere nele para se colocar do lado e com a classe camponesa escrava. Javé, para construir seu Projeto Político Global para a Humanidade, escolhe a classe camponesa escrava no Egito que quer outra sociedade. Javé faz uma opção de classe, pela classe camponesa, contra a classe que controla o Estado (Dt 6.22). Durante o processo da luta de classes Javé descobre que a classe do Estado (classe-estado) no Egito não quer outra sociedade (Êx 5), mas quer manter a sociedade de classes desigual e opressora de cujo trabalho vive.

O Êxodo (Êx 3) nos conta que Javé vê a aflição, ouve o clamor, conhece o sofrimento da classe camponesa escrava e desce para libertá-la para lhe dar a liberdade, que só existe se ela controla o meio de produção, a terra. Classe que não controla os meios de produção é escravizada. Javé organiza a classe camponesa a partir das lideranças já existentes no meio do povo (Êx 3.16) e enfrenta o Estado e retira a classe camponesa escrava do Egito e a conduz pelo deserto num processo de aprendizagem para construir uma nova sociedade sem classes na Palestina.

O tempo no deserto serve como processo de aprendizagem e de construção desta nova sociedade sem classes a ser construída no processo de luta pela Terra Prometida que requer outra compreensão de sociedade. Êx 16 mostra que Javé quer uma sociedade sem acúmulo (o acúmulo é podre e fede); Êx 18 mostra que é necessário democratizar o poder; Êx 20 lega à nova sociedade leis para proteger a vida e Êx 32 ensina que Javé é Deus e não o boi dourado, cópia do deus Boi Ápis do Egito. Nessa caminhada no deserto já se exerce o Poder Popular em Assembleia Popular no local do culto (Nm 27.1-11; Js 24), em frente à Tenda da Congregação onde fica a Arca da Aliança, símbolo da presença de Javé na luta pela Terra Prometida e contra o Estado e sua sociedade classista. Fé e política não se separam.

Em Js 6-8 se relata que Javé organiza, comanda e conduz o processo da tomada do poder político pela Revolução Agrária, ao destruir as cidades-estado, controladas pelo rei (monarquia) e seu exército, e toma a terra, que agora não é mais propriedade privada (Lv 25.23), mas está sob controle popular da tribo (Nm 26.52-56). Com o controle coletivo da terra pela tribo se extingue a sociedade de classes (que tem sua origem na propriedade privada da terra) e se constrói uma sociedade sem classes, sem luta de classes, sem exploração, opressão e expropriação de classe, sem Estado e sem templo (Religião do Estado para legitimar a sociedade de classes e o Estado). O Estado como instrumento de classe (da classe proprietária privada da terra e dos bois – 1 Sm 11.7, 15; Gn 47.13-26) foi abolido pela Revolução Agrária comandada por Javé. A Revolução Agrária de Javé aboliu o Modo de Produção Tributário e reintroduziu o Modo de Produção Tribal.

Javé, nesse processo, é o motor da luta de classes. Em Êx 3 Javé faz a leitura da luta de classes existente (Estado X Classe Camponesa Escrava Hebreia), faz uma opção de classe, pela classe camponesa, inicia o processo organizativo da classe camponesa via Moisés e as lideranças camponesas escravas, fortalece e anima a luta contra o Estado e retira com mão forte, ao enfrentar o Estado, os camponeses escravos do Egito e conduz a classe camponesa pela Revolução Agrária para a conquista da Terra Prometida nas montanhas da Palestina. Ali constrói uma sociedade sem classes sociais pelo controle popular da terra.

O Movimento de Massas camponês palestino, sob a orientação, direção e condução de Javé, tomou o poder político do Estado, o eliminou, e pôs a terra sob controle popular da tribo; isso criou uma sociedade sem classes sociais onde todas as pessoas têm acesso ao meio de produção coletivo, a terra, para viver livre nessa sociedade igualitária (Dt 15.4).

A Revolução Agrária comandada por Javé pela classe camponesa palestina (Js 8.33) extinguiu primeiro o Estado (Js 6-8), ao tomar o poder político das cidades (cidades-estado), controladas pelo rei (monarquia), seu exército e o templo, para depois tomar posse da terra, colocá-la sob controle popular da tribo e viabilizar uma sociedade sem classes sociais pelo controle coletivo da terra. A luta de classes se dava entre a classe-estado, moradora da cidade (Gn 11.1-9), e a classe camponesa. O Estado como instrumento de classe (da classe proprietária privada da terra e dos bois – 1 Sm 11.7, 15; Gn 47.13-26) foi abolido pela Revolução Agrária comandada por Javé (Js 6-8). A Revolução Agrária de Javé aboliu o Modo de Produção Tributário e reintroduziu o Modo de Produção Tribal.

O templo representa a Religião do Estado para legitimar a sociedade de classes alicerçada na propriedade privada. No Projeto de Javé não há templo, só o altar (Js 8.30-31) e a Arca da Aliança itinerante, símbolo da presença de Javé na luta de classes pela terra e por uma sociedade sem classes, que circula entre as tribos para animar na luta pela terra e para garantir a terra conquistada (Js 8.33) e a emancipação da sociedade. O templo faz parte do aparelho do Estado para exercer o controle e a dominação ideológica sobre o povo (1 Rs 5-6; Gn 47.13-26) para perpetuar a sociedade de classes com sua expropriação de classe.

O Poder Popular é exercido em Assembleia Popular na frente da Tenda da Congregação (Nm 27.1-11), espaço de culto e de exercício político do Poder Popular – fé e política não se separam. A Tenda da Congregação abriga a Arca da Aliança (que circulam entre as tribos), símbolo da presença de Javé no meio da classe camponesa na luta pela terra, contra a sociedade de classes, contra o Estado e contra o que o originou: a propriedade privada da terra (Lv 25.23; Sl 24.1). Javé armou Tenda, não Templo, diz em Jo 1.14.

O culto, frente um altar, celebra a luta histórica concreta da luta de classes pela terra, contra o Estado e contra a religião do Estado dos deuses falsos para construir e manter uma sociedade igualitária, livre e emancipada. O culto à Javé celebra as lutas históricas concretas do campesinato por uma sociedade não classista. A fé em Javé está intimamente ligada às lutas da classe camponesa contra a sociedade de classes (Dt 6.20-23). Culto desligado das lutas por justiça e paz das classes subalternas produz o efeito da cachaça enevoa a realidade e aliena o povo. O culto aos deuses do Estado (também na monarquia no Templo de Salomão) celebra os eventos da natureza (plantio, colheita), a prosperidade, o aumento dos bens, chuva e sol, boa colheita, aumento do rebanho, família numerosa, legitima o Estado e sua origem, a propriedade privada da terra.

O sacerdócio é exercido pelos levitas sem terra pobres que são mantidos pelo dízimo (Nm 18.24; Dt 12.6; 26.12) da colheita e do gado (ovelhas, cabras, vacas) para manter pura a teologia de Javé. A classe camponesa mantém seus sacerdotes (levitas) e com isso dá a linha teológica. Hoje as classes subalternas mantêm os pastores/as e padres, mas a linha teológica é dada pela pequena burguesia conservadora para garantir os interesses do capital com máscara de Jesus Cristo.

Segundo o Credo da classe camponesa hebreia (Dt 6.20-23) Javé se inseriu no processo histórico da luta de classes contra o Estado (Egito e Estados cananeus), fez uma opção pela classe camponesa hebreia (classe subalterna) – Êx 3.10, 18 - para viabilizar o seu Projeto Político para a Humanidade, uma sociedade não classista, livre, igualitária e emancipada. A partir dessa opção de classe Javé conduziu a classe camponesa no processo de libertação para construir nas montanhas da Palestina uma sociedade sem propriedade privada da terra (meio de produção), sem classes sociais, sem luta de classes, sem expropriação de classe, sem Estado, sem exército permanente e sem templo (Religião do Estado – Dt 4.28; 7.25; 12.2-3), mas com a Arca da Aliança na Tenda da Congregação como local do exercício do Poder Popular e do culto à Javé.

O Projeto Político de Javé para a Humanidade no AT, conhecido como a Terra Prometida, é uma sociedade sem propriedade privada da terra (meio de produção), que está sob controle coletivo, da tribo (Nm 26.52-56), portanto não há classes sociais (proprietários e não proprietários), nem exploração e expropriação de classe via tributo (em mercadoria e trabalho forçado – 1 Rs 4.21-28; 5.1-18) cobrado pelo Estado e pelo templo (Religião do Estado), que foram extintos pela Revolução Agrária na Palestina comandada por Javé (Js 8). O Estado tem o papel de garantir, pelo exército permanente e pela religião, a continuidade da sociedade de classes e a expropriação de classe alicerçada na propriedade privada da terra.

Segundo Êx 5 Javé através de Moisés e Arão entra em contato com o Faraó para pedir a libertação do povo, mas o Faraó nega esse pedido. O processo do Êxodo nos mostra que as classes subalternas sempre começam a revolução de forma pacífica com um pedido de libertação, que sempre é negado. Frente o processo revolucionário pacífico das classes subalternas a classe proprietária via Estado responde com a violência das armas e das leis do Estado desencadeando um processo repressor violento (Êx 5). A violência sempre parte por primeiro da classe proprietária pela exploração de classe e pela repressão de classe. A revolução é resultado dessa violência para acabar com essa violência. Javé inicia, incentiva, organiza e conduz o processo revolucionário das classes subalternas contra a sociedade de classes que desumaniza a sua criação. Javé é essencialmente revolucionário. A fé nele é a dinâmica da revolução para libertar a humanidade da sociedade de classes violenta para construir uma sociedade não classista pacífica e emancipada.

Frente o Estado na Palestina Javé não negocia mais, ordena tomar o Estado pela força das armas sem diálogo (Js 8), pois este é em vão. A classe dos proprietários que controla o Estado não vai desistir de seus privilégios de expropriar a classe camponesa. Portanto, a única via é tomar o poder à força e mudar o modo de produção, assim como hoje a burguesia mantém o poder pela força das armas das Forças Armadas e pela ideologia.

Êx 5 nos conta de forma clara: a classe proprietária privada, a classe-estado, usa o Estado classista, para empregar a violência (Êx 3.19) contra as classes subalternas, para impedir qualquer ameaça aos seus privilégios. A violência primeira está na propriedade privada, que exclui as classes subalternas de controlar os meios de produção e de se beneficiar deles. A classe proprietária usa da violência do Estado para garantir a sua propriedade privada dos meios de produção e a exploração de classe. A sociedade de classes está construída em cima da violência e não existe sem ela. A classe a classe proprietária chama a revolução promovida pelas classes subalternas de violenta porque quer acabar com a violência de classe.

 

Síntese do Projeto Político de Javé no NT.

O Reino de Deus, Projeto político central classista revolucionário sem fronteiras de Jesus Cristo (Lc 4.43; 16.16), se caracteriza por uma sociedade sem classes sociais (a comunhão dos santos - 1 Co 1.2 -, todos são livres - Gl 5.1 -, irmãos e irmãs - Cl 1.1-2 -, um em Cristo - Gl 3.28), que pressupõe a extinção da propriedade privada dos meios de produção, circulação e distribuição como exigência da vida eterna e do discipulado de Jesus Cristo (Mt 19.16-22; At 4.32-5.11; 1 Co 11.17-34) pela (auto)expropriação dos expropriadores.

Jesus, como camponês artesão empobrecido e não proprietário privado (Mt 8.20), com seus discípulos e discípulas vive na comunhão dos santos, onde Judas é o tesoureiro do grupo (Jo 12.4-6), que administra os bens colocados para uso coletivo pelas mulheres (Lc 8.1-3), que sustentam o Movimento de Jesus. Este movimento messiânico camponês era composto por 4 círculos ao redor de Jesus: os 12 discípulos empobrecidos (Mt 19.27), o grupo das mulheres, que servia com seus bens, o grupo dos 70 discípulos enviados como pobres (Lc 10.1-4) para pregar o evangelho do Reino de Deus às cidades da Palestina e sempre rodeado por uma grande massa de empobrecidos (Mc 1.33; 3.32; 6.34, 45). A primeira comunidade cristã se espelha nesta comunhão dos santos do Movimento de Jesus ao colocar a propriedade privada da terra em comum como vemos em At 2.42-47 e 4.32-37. A instituição da Ceia do Senhor vem para coroar essa comunhão dos santos na qual se partilha radicalmente com todos a comida e a bebida (Mt 26.26-28; 1 Co 11.20-29). Isso requer também a partilha dos meios de produção (o fim da propriedade privada dos meios de produção, segundo Mt 19.16-22) para por fim à sociedade de classes para que todos tenham comida e bebida diariamente.

O Reino de Deus é uma sociedade política sem classes sociais, sem luta de classes, portanto sem expropriação, exploração e opressão de classe, de etnia e de gênero (incluso hoje o fim do preconceito contra a comunidade LGBTQIA+) que põe fim ao patriarcado (Gl 3.28 – nem homem nem mulher). O Reino de Deus (que é luta por justiça, paz e alegria no Espírito Santo - Rm 14.17), no já agora, é uma sociedade não classista e sem propriedade privada dos meios de produção, não existe nele um Estado e nem um templo, como Religião do Estado, como aparelho ideológico legitimador da sociedade de classes. Isso se completa com a ressurreição do corpo e com a vida eterna do corpo com a volta de Jesus Cristo, quando então o Reino de Deus estará completo.

Jesus fala a partir da classe social camponesa explorada e da classe dos escravos, como nos relata Lc 4.18-19, para mudar a realidade de exploração e expropriação de classe ao eliminar a sociedade de classes e seus mecanismos de reprodução. Deus escolheu se tornar ser humano na classe camponesa desumanizada para humanizar e emancipar toda a humanidade pelo processo revolucionário evangélico insurgente sem fronteiras do Reino de Deus conduzido por/em/com Jesus Cristo dentro da luta de classes contra o reino classista do mundo para eliminá-lo ao edificar uma sociedade não classista, democrática, livre, emancipada, gerenciada politicamente pelo Poder Popular, sem propriedade privada dos meios de produção, sem exploração de classe, sem Estado, sem templo (como Religião do Estado e da sociedade de classes), de pessoas livres, emancipadas, santas, sacerdotes (1 Pe 2.5, 9), irmãs e iguais pela fé e pelo batismo.

Deus armou tenda no meio de nós, diz em Jo 1.14, apontando que Javé em Jesus Cristo está nesta tenda itinerante no meio do povo camponês, não no Templo, como Ele estava na Tenda da Congregação representado pela Arca da Aliança no processo de luta pela terra e por uma sociedade não classista no AT. Jesus Cristo, como presença de Javé no meio da luta de classes, substitui a Arca da Aliança. Agora é o próprio Deus Vivo, tornado classe camponesa em Jesus de Nazaré, que está no meio da luta de classes dentro do processo de construção da insurgência revolucionária evangélica sem fronteiras do Reino de Deus.

O Projeto Político do Reino de Deus se viabiliza pelo instrumento político revolucionário classista criado pelo Espírito Santo, a santa Igreja evangélica insurgente revolucionária sem fronteiras de Jesus Cristo (caracterizada em 1 Co 1.28; 4.9-13; 2 Co 11.23-33), que concretiza, viabiliza e encaminha as lutas por justiça e paz (Rm 14.17) pelo Reino de Deus conduzido por/em/com Jesus Cristo na luta de classes contra o reino do mundo, hoje o capitalismo. Na luta de classes pelo Reino de Deus Jesus Cristo conduz pela Igreja e seus aliados do movimento popular, sindical, ONGs de esquerda e partidos de esquerda (comunistas) o processo revolucionário da luta de classes contra a sociedade de classes, seu Estado e a Religião do Estado (capitalismo como religião).

O culto cristão está intimamente ligado e construído em cima e a partir das lutas por justiça e paz que incluem as lutas do Movimento Popular, do Movimento Específico (mulheres, negros, índios, comunidade LGBTQIA+), do Movimento Sindical, das ONGs de esquerda, dos Partidos Políticos de Esquerda (comunistas) que se engajam no processo revolucionário de eliminar o capitalismo, inimigo n°1 do Reino de Deus. Culto celebrado desligado das lutas coletivas concretas por justiça e paz é alienação pura, é cachaça. Comunidade que não se insere na luta de classes ao lutar por justiça e paz junto com o Movimento Popular, Sindical e Partidos de esquerda (comunistas) se autoexclui da Igreja de Jesus Cristo (é Templo de Jerusalém). O movimento comunista internacional é um grande aliado na construção do Reino de Deus em sua luta contra o capitalismo (Mt 25.34-40 – a prática como critério da verdade – 2ª Tese de Marx das Teses sobre Feuerbach).

A salvação neste Reino de Deus por graça e fé se dá dentro do processo revolucionário evangélico insurgente de luta coletiva contra o reino do mundo, o capitalismo, e a favor do Reino de Deus, a comunhão dos santos, no qual pela fé e pelo batismo as pessoas se engajam automática e espontaneamente como escravas voluntárias de Jesus Cristo (Rm 1.1) na luta de classes contra a escravidão do capital. Não existe salvação individual desvinculada e isolada desse processo revolucionário insurgente evangélico coletivo internacional contra o capitalismo e a favor do Reino de Deus, isso é ilusão e enganação (Rm 1.1; 1 Co 9.19), é o evangelho transformado em cachaça. O sacerdócio real de todos os crentes (1 Pe 2.9) conduz e preserva a teologia pura do Evangelho do Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo.

 

-----------

 

O Projeto Político Revolucionário Global de Deus para a Humanidade, para o já agora, segundo a Bíblia, é uma sociedade onde os meios de produção, circulação e distribuição são de posse e controle coletivos, sob controle popular (não há propriedade privada dos meios de produção), por isso não existem classes sociais (proprietários e não proprietários), nem luta de classes, nem opressão, exploração e expropriação de classe, o Estado se extinguiu porque não há classes para reprimir ou privilegiar e não existe a Religião do Estado ou do modo de produção vigente (capitalismo como religião), para legitimar, garantir e reproduzir a propriedade privada dos meios de produção que gera a sociedade de classes e os seus mecanismos de reprodução. O Poder Popular é exercido pela Assembleia Popular.

O Reino de Deus se caracteriza por ser uma sociedade sem classes sociais e sem luta de classes porque não há a propriedade privada dos meios de produção, circulação e distribuição, mas posse coletiva e controle popular sobre estes, portanto sem expropriação, exploração e opressão de classe, de etnia e de gênero (incluso o fim do preconceito e opressão contra a comunidade LGBTQIA+). O Reino de Deus ainda vai por fim ao patriarcado (Gl 3.28), extinguir a propriedade privada dos meios de produção (Mt 19.16-22; At 4.32-5.11; 1 Co 11.17-34), o Estado (Ap 18) e o templo (Religião estatal e do modo de produção vigente como cachaça, hoje o capitalismo como religião, onde o deus Capital com máscara de Jesus Cristo é adorado na igreja como se fosse Jesus Cristo).

 

Palmitos, 25 de julho de 2022

Dia de luta da classe camponesa

 

Günter Adolf Wolff