19 de janeiro de 2012

Sem insurreição, não há ressurreição.

O lema da Teologia da Libertação diz: "Sem insurreição, não há ressurreição".
Esta afirmação fala da salvação por obras? Eu me insurjo contra a opressão capitalista e por isso serei salvo? Não, ela fala da salvação de graça por meio da fé em Jesus Cristo. Como? Pelo fato de eu já ter sido salvo de graça pela fé é que me insurjo contra a nossa sociedade injusta e opressora. Fui liberto por Jesus Cristo (Gl 5.1) para me insurgir contra o capitalismo, por ser obra do diabo. Paulo diz em 1 Co 9.19: “Porque sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número de pessoas” para a insurreição contra o capitalismo como tarefa na participação na construção do Reino de Deus. Lutero conclui dizendo: “Um cristão é senhor livre sobre todas as coisas e não está sujeito a ninguém. Um cristão é servidor de todas as coisas e sujeito a todos”. Por que nos insurgimos contra o reino do mundo, hoje o capitalismo? Lutero lembrando Paulo diz que é por causa do amor:

“Em Rm 13.8: “A ninguém fiqueis devendo cousa alguma, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros”. O amor é, pois, serviçal e submete aquele em que está posto” (...) “Aqui responderemos a todos aqueles que, escandalizados com nossas afirmações, exclamam: Ah, se a fé é tudo e por si só bastante para a justificação, por que é que foram ordenadas as boas obras? Pois então vivamos a boa vida sem fazer nada! Não, meu caro, assim não. Seria assim se fosses apenas um ser espiritual e interior, coisa que não poderás ser antes do juízo final. Neste mundo tudo é começo e crescimento. O fim será concluído no outro. Por isso é que o apóstolo fala de “Primeiros frutos do espírito” (Rm 8.23). Cabe também aqui aplicar o que antes se disse: O cristão é servidor de todas as coisas e está sujeito a todos. Isto significa que, sendo livre, nada precisa fazer; sendo servo, deve fazer muitas e diversas. Vejamos como isto acontece: Ainda que a pessoa já esteja interiormente, isto é, no que respeita à alma, bastante justificada e de posse de tudo quanto necessita, continua, contudo, na vida corporal e há de governar seu próprio corpo e conviver com seus semelhantes. Aí é que começam as obras. A pessoa, deixando de lado a ociosidade, será obrigada a guiar e disciplinar moderadamente o seu corpo com jejuns, vigílias e trabalho. E exercitando-se a fim de sujeitar-se e igualar-se à pessoa interior e à fé, de modo que não seja impedida, nem faça oposição como acontece quando não se está obrigado. A pessoa interior está unida a Deus, feliz e alegre por Cristo que tanto fez por ela, e seu maior e único prazer é, por sua vez, servir a Deus com um amor desinteressado e voluntário”. (Lutero. Da Liberdade Cristã)

A insurreição é exigência do Evangelho que parte do amor e é conseqüência da fé e da salvação que já me foi dada de graça pela fé em Jesus Cristo. Insurjo-me contra o reino deste mundo, o capitalismo, porque não preciso ter medo de nada, pois já fui salvo de graça pela fé. Assim, a insurreição contra o capitalismo é exigência do Evangelho do Reino de Deus. Não se insurgir contra o capitalismo, que é o reino do mundo, é lutar contra o Reino de Deus e isto é lutar contra o próprio Deus que está construindo este Reino. Não lutar contra o capitalismo é trair a Jesus Cristo, como Judas o fez.

Paulo fala disto em Efésios 2.4-10 – destaco os v.v.: 8-10: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas”. A insurreição são as boas obras que brotam da fé e da salvação que já nos foram dadas de graça. Como diz Tg 2.22: “Vês como a fé operava juntamente com as suas obras; com efeito, foi pelas obras que a fé se consumou”. As obras são conseqüência da fé e se há fé é porque já houve a salvação que foi dada de graça por Jesus Cristo. As boas obras, não são o que entendemos por mera caridade distribuindo sopões aos pobres, para que continuem pobres e dependentes de nós e de nossa caridade farisaica e para que não se organizem contra o capitalismo, mas são o processo de entendimento da realidade e organização do povo em direção desta nova sociedade que Jesus chama de Reino de Deus. A salvação de graça é pura subversão, pois no capitalismo nada é de graça, tudo tem que ser pago.
Segundo o espiritismo, que legitima o capitalismo, até os pecados tem que ser pagos. Mas segundo o Evangelho de Jesus Cristo os pecados são perdoados de graça pelo arrependimento (Rm 3.24: “sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus”). Somos tornados justos diante de Deus, de graça. Somos salvos de graça pela fé como diz em Rm 3.28: “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei”. Isto tudo é uma agressão ao capitalismo onde nada é de graça e tudo se paga, pois ele visa o lucro. O Reino de Deus também é graça de Deus, pois não visa lucro, mas vida plena, livre e digna. Os povos de fala hispânica dizem para a palavra lucro: ganância. Esta é uma palavra bastante reveladora. A essência do capitalismo é a ganância (1 Tm 6.10). O capitalismo está construído em cima da ganância e a teologia da prosperidade legitima esta ganância. Com isto legitima todo massacre armado sobre a classe trabalhadora. Como se configura este massacre? Se configura desde os 47% do orçamento da união para 2012, que são destinados ao pagamento da dívida interna e externa e assim é retirado este valor, que poderia ser investido para melhorar a vida do povo, para os especuladores, e continua, por causa disto, na existência do trabalho escravo nas terras do agronegócio porque não há fiscais o suficiente para uma fiscalização mais rigorosa, e vai até a má qualidade do ensino, passando pelos 4 milhões de crianças que tem que trabalhar para a família sobreviver, não esquecendo que o Bolsa Família existe por causa disto e assim por diante.

Eu me insurjo contra esta sociedade capitalista opressora porque já fui salvo de graça pela fé. Eu me insurjo contra esta sociedade capitalista porque pela salvação que já me foi dada de graça pela fé eu luto pela construção do Reino de Deus e não pela manutenção das estruturas opressoras do reino do mundo: o capitalismo. Lutando pela construção do Reino de Deus eu inevitavelmente tenho que me insurgir contra o capitalismo e toda a sociedade construída em cima e a partir dele. Quem não se insurge contra o mundo, hoje o capitalismo, não participará da ressurreição. Aí entra a teologia da cruz: quem se insurge contra o mundo será perseguido (Mt 5.10-12). Por isso Paulo fala da loucura da pregação da cruz de Cristo (1 Co 1.18), pois ela é essencialmente insurreição. Só um louco se bota a lutar contra o poderoso capitalismo, mas Paulo também diz em 1 Co 1.25: “Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens”. Esta loucura da insurgência é construída por Deus a partir dos fracos que nada são: “Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são”, diz Paulo em 1 Co 1.28. Quais as coisas humildes, desprezadas e fracas? Paulo responde em 1 Co 4.11-12: “Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos”. Estas são “as coisas”. As pessoas tornadas “coisas” no processo produtivo. No tempo de Paulo os escravos, os camponeses, os estrangeiros, os diaristas sem terra não passavam de “coisas”. No capitalismo de hoje os trabalhadores também são meras “coisas” que se necessita para produzir o lucro. Além disto, “as coisas” podem ser descartadas quando não servem mais ao processo produtivo: quando ficaram aleijadas ou depressivas pelo trabalho embrutecido. Estas pessoas tornadas “coisas”, pelo sistema opressivo, é que vão fazer a grande insurreição do Reino de Deus. Esta é a loucura de Deus!

Marx diz em relação a isto no Manifesto Comunista: “A burguesia não só fabricou as armas que representam sua morte, como produziu também os homens que manejarão essas armas - o operariado moderno os proletários”. “Para continuar existindo e dominando, torna se imprescindível para a burguesia a acumulação da riqueza nas mãos de particulares, a formação e o crescimento do capital; e a condição essencial para existir esse capital é o trabalho assalariado. E este precisa exclusivamente da concorrência dos operários entre si. O desenvolvimento industrial, embora incentivado passivamente pela burguesia, vai substituindo o isolamento dos operários que se dividem pela competição e só se unem, através das associações próprias para sua luta revolucionária. Portanto, a evolução da indústria moderna abala as próprias bases em que a burguesia edificou seu sistema de produção e de apropriação. Desse modo, a burguesia produz seus próprios coveiros. Tornam se inevitáveis a queda e a vitória do proletariado”.

Para impedir isso faz-se necessário transformar o Evangelho em Religião! O Evangelho é insurgente e a Religião é alienante e, por isso, acomodadora. Para entender o papel da Religião sempre cito Napoleão Bonaparte:
“No que me toca, eu não vejo na religião o segredo da encarnação, mas o segredo da ordem social: A religião empurra a idéia da igualdade para o céu, o que impede que os ricos sejam massacrados pelos pobres. A religião é como uma espécie de vacinação, conseqüentemente uma vacina, que sempre beneficia os charlatões e vilões, pelo fato de satisfazer a nossa queda pelo milagroso. Os sacerdotes são mais valiosos que muitos Kants e todos os sonhadores alemães. Como se pode manter a ordem num Estado sem religião? A sociedade não pode subsistir sem uma desigualdade das riquezas, relativamente, de bens, e a desigualdade das riquezas, relativamente, de bens, não pode subsistir sem a religião. Se uma pessoa morre de fome enquanto que seu vizinho nada em fartura, então lhe é impossível achar uma explicação para esta desigualdade, se não há uma autoridade que lhe diz: Deus quer que assim seja; tem que existir ricos e pobres no mundo; mas na eternidade finalmente tudo será dividido de maneira diferente!”. (Casalis, Georges. Methodologische Überlegungen zu einer Theologie der Befreiung für Westeuropa. Página 77; in: Geschichte – Theorie – Praxisberichte. 5 ed. Münster, 1992)

A salvação de graça por meio da fé em Jesus Cristo é subversiva e revolucionária, pois leva à insurreição contra o capitalismo no sentido de participar da construção do Reino de Deus. Quem vai construir o Reino de Deus é o próprio Deus, nós apenas somos seus convidados especiais pela fé e pelo batismo. A missão do Evangelho do Reino de Deus é de Deus. Quem faz missão é Deus, nós apenas somos seus colaboradores nesta tarefa de insurgência contra o reino do mundo. É por causa da missão de Deus é que nós participamos de sua missão, pois a missão de Deus pelo Evangelho de Jesus Cristo nos converteu para o projeto do Reino de Deus. A minha conversão é obra de Deus, não obra minha. É heresia pura quando alguém diz: “Eu me converti no ano tal e no dia tal”. Dizer isto é entender que eu me salvo a partir da obra da minha conversão. Quem me converte é o Evangelho de Jesus Cristo. Paulo em I Co 1.18 diz que salvação por graça e fé é a “loucura da pregação do evangelho da cruz de Cristo”, pois coloca a salvação “extra nos” (fora de nós). Não temos poder sobre a nossa salvação, ela depende única e exclusivamente de Deus.

Por isso as prioridades da ação da Igreja de Cristo são três, segundo o P. Albrecht Baeske:
1ª prioridade da ação eclesial: é a tarefa da proclamação evangélica profética de que a pessoa e toda a sociedade são e permanecem pecadoras (Mc 1.15) e de que Deus justifica (Rm 8.33), salva (1 Co 1.21) e recria (2 Co 5.17) a pessoa arrependida (Rm 1.16-17) pela mediação verbal (Mc 2.1-12; Mt 9.22), e também, pela mediação palpável e degustável dos sacramentos em meio a comunidade (Mt 28.18-20; Mt 26.26-28);
2ª prioridade da ação eclesial: é a explicação e o estudo do significado do sacerdócio geral de todos os crentes com a comunidade, conseqüentemente também o ensaio e a execução, na própria comunidade, do sacerdócio das pessoas que crêem (I Pe 2.5 e 9) e foram batizadas, e, por isso, exercitam o sacerdócio comum (de todos os batizados crentes), mútuo (um é sacerdote para com o outro) e em conjunto (toda comunidade tem o ministério sacerdotal via batismo: o ministério da reconciliação - II Co 5.18-19; Jo 20.21-23);
3ª prioridade da ação eclesial: é toda luta por justiça em favor da construção desta nova sociedade que Jesus chama de Reino de Deus em que nós nos engajamos a partir da fé em Jesus Cristo porque já fomos salvos de graça pela fé e por isso nada temos a temer (Mt 10.28; Rm 8.33: “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica”; 1 Jo 2.1: “temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo”.). Este Reino de Deus já começou (Lc 17.21: “Porque o reino de Deus está no meio de vós”.), mas ainda não está completo e o será apenas na volta de Cristo no Dia do Juízo Final.

Nesta prioridade é que acontece a santa insurreição contra o capitalismo. Jesus foi crucificado por que se insurgiu contra o sistema deste mundo (Lc 23.2,5; Jo 11.47-48; Lc 13.31-32). Esta é a loucura da pregação do evangelho da cruz de Cristo (1 Co 1.18-21) que cabe a nós pessoas batizadas proclamar (Mt 28.18-20) e viver no processo da insurreição (Lc 4.18-19) contra o capitalismo, que é o instrumento que o diabo usa para tentar impedir a construção do Reino de Deus. Como diz Lutero: “Por isso o pregador deve conhecer o mundo muito bem e reconhecer que ele é desesperadamente mau, propriedade do diabo, na melhor das hipóteses”. Aí é que reside o problema, pois tem milhões de cristãos batizados, que se dizem convertidos, defendendo a propriedade do diabo com unhas e dentes. Não só isso, mas tendo, por isso mesmo, a prática do diabo em relação às pessoas (explorando-as no processo produtivo e até mesmo escravizando-as nos latifúndios do agronegócio) e em relação à natureza criada por Deus (exaurindo os recursos naturais e acabando com a biodiversidade tendo em vista apenas o lucro que é privado, mas o prejuízo é público). O povo através do Estado, que pelos impostos recolhidos, vai ter que custear a recomposição dos biomas depredados, alguns vão ser impossíveis de recompor como também a biodiversidade extinta, e pagar as contas das internações dos trabalhadores no SUS e das aposentadorias precoces por causa das lesões no trabalho insalubre, repetitivo e exaustivo a que estavam sujeitos no processo de produção das mercadorias, pois é neste processo que se cria o mais valor, o lucro, pela parte do tempo trabalhado e que não foi pago. Para aumentar este mais valor é que se aumenta o ritmo de trabalho com novas máquinas (novas tecnologias) e trabalho repetitivo. Se um trabalhador/a adoecer, se aposentar compulsoriamente devido a invalidez ou morrer neste processo explorativo põe-se outro no lugar, para isto existe o Exército de Reserva de Mão de Obra, os desempregados, que ainda ajudam a baixar o preço da mão de obra pela concorrência exercida entre eles. Tudo favorece ao capital! O capitalismo não existe sem este processo, mesmo o imperialismo baseado no setor financeiro especulativo, cuja origem vem deste processo.

Quando falamos da ressurreição estamos falando da ressurreição do corpo, como confessamos no Credo Apostólico. Esta história da ressurreição do corpo é pura insurgência contra o capitalismo, pois ela diz que o corpo é tão sagrado, por ser criação de Deus a sua imagem e semelhança, que o corpo todo vai ressuscitar. Se o corpo é tão sagrado que vai ressuscitar então não dá para agredir esta criação de Deus pela exploração no trabalho para gerar o mais valor para o capitalista e nem dá para escravizar o corpo, pois ele é sagrado e morada do Espírito Santo. Explorar o corpo e escravizar o corpo é, pois, explorar e escravizar o próprio Deus porque o corpo é santuário do Espírito Santo. Paulo diz em 1 Co 3.17: “Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o santuário de Deus, que sois vós, é sagrado”. Por isso Deus vai destruir o capitalismo, porque ele está destruindo os corpos da classe trabalhadora pela superexploração de sua mão de obra e pela escravidão que o capital sujeita esta classe. A maneira do capitalismo destruir o corpo das pessoas é pelo trabalho exaustivo e repetitivo, por tornar o corpo uma mercadoria, uma coisa, um objeto, destrói o corpo pela guerra, pela fome, pela destruição da natureza que Deus criou para que os corpos criados por ele pudessem ter vida plena, abundante e livre. Sem os corpos da classe trabalhadora o capitalismo não sobrevive. É a contradição inerente ao sistema: o mesmo corpo que é destruído pelo capitalismo este o necessita para se reproduzir e perpetuar. Assim como no escravismo o sistema matava de tanto trabalhar quem o sustentava: o escravo. Assim, a vida do sistema opressor se mantém a partir da morte. Por isso o sistema precisa do aparelho ideológico para iludir as pessoas para que não vejam e nem entendam como são exploradas e mortas. A Religião faz parte deste aparelho ideológico. O Evangelho, não, este se insurge contra o sistema produtivo e ideológico opressor.

Por isso urge que em nossas igrejas haja novamente no altar um crucifixo, pois este denuncia como hoje o corpo das pessoas é crucificado pela dinâmica do capital. O Cristo crucificado denuncia todo sistema opressor que crucifica as pessoas que se insurgem contra o mesmo. O crucifixo denuncia a opressão do reino do mundo, hoje o capitalismo. Como a grande maioria dos cristãos defende o capitalismo elas não querem que haja no altar um crucifixo que os denuncia em sua prática de opressão e legitimação do sistema sustentado pelo diabo. O crucifixo denuncia a crueza do projeto do mundo, que não hesita em usar o aparelho do Estado e usar a própria religião para torturar e matar para se reproduzir. O período da Conquista das Américas nos mostra isto de forma muito clara, como também o mostram as ditaduras militares implantadas a partir dos anos 60 pelos USA, que prenderam, perseguiram, torturaram e mataram quem à elas se opunha. Estas ditaduras foram apoiadas pela grande maioria dos cristãos, que por sua vez, crêem na ressurreição da alma, que legitima a opressão, a tortura e a matança daqueles que defendem a vida e crêem na ressurreição do corpo. Crer na ressurreição da alma é dizer que o corpo é menos importante que a alma, portanto pode ser usado para gerar o mais valor e se negar a isto pode ser torturado e assassinado, pois o importante é que a alma seja salva. O corpo se deixa para os capitalistas usarem a seu bel prazer. Crer na ressurreição da alma é negar todo o Evangelho de Jesus Cristo, pois o centro da fé cristã é que Jesus morreu pelos nossos pecados e ressuscitou com o corpo, como diz Paulo no credo de 1 Co 15.3-4. Mesmo após a ressurreição até a ascensão Jesus pregou o Reino de Deus à seus discípulos e discípulas (At 1.3: “A estes também, depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas provas incontestáveis, aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando das coisas concernentes ao reino de Deus.”).

A ressurreição do corpo é a insurreição de Deus contra o sistema deste mundo que tenta matar o próprio Deus para se eternizar. Na Páscoa Deus se insurge contra o Estado e o Templo de Jerusalém ressuscitando a Jesus Cristo dos mortos numa clara afronta à lei e ao direito romano. Lc 24.39 diz: “Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e verificai, porque um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho”. Lucas é claro em seu relato em falar da ressurreição do corpo de Jesus. Não estava diante dos discípulos um espírito, mas um corpo ressurreto, com carne e ossos. Na tentativa de acabar com o Projeto do Reino de Deus o próprio Império se corta na carne, pois a ressurreição do corpo é a proposta viva contra a escravidão que sustentava o Império. A ressurreição do corpo de Jesus coloca o corpo no centro da discussão. Pois é da escravidão do corpo que o sistema econômico vive. A ressurreição de Jesus Cristo liberta de todas as escravidões: das escravidões em vida e da escravidão da própria morte (1 Co 15.19-26). Se o corpo ressuscita é porque ele é sagrado e o sagrado não dá para profanar. A escravidão profana o corpo dos escravos: tirando-lhes a liberdade e usando os seus corpos para o enriquecimento individual pela exploração, rebaixando-os a objetos, a mercadorias. A ressurreição traz à luz a sacralidade do corpo das pessoas que se insurge contra a prática econômica escravista romana. A ressurreição se insurge, também hoje, contra a exploração capitalista que também transforma o corpo das pessoas em coisa, em mercadoria, comprado e vendido no mercado de trabalho para gerar lucro para o patrão.

No entanto, quando este corpo sagrado não age segundo os princípios do imperialismo estadunidense acontece o que publicou o jornal Brasil de Fato nº 463:
“Na virada do ano foi assinada a Lei de Autorização da Defesa Nacional (National Defense Authorization Act). Com este instrumento, os militares estadunidenses podem prender e manter presos quaisquer cidadãos por tempo indefinido, dentro e fora dos EUA, sem que seja necessário processo ou acusação formal. O que significa que Obama, ao invés de cumprir promessa eleitoral de fechar a base militar de Guantánamo, universalizou a sua lógica e institucionalizou os seus princípios”.
É a continuidade da política do Bush de: humanizar a tortura. O tigre, segundo a raça, muda a cor de sua pele, mas não perde o gosto pela matança. Um tigre é sempre um tigre. Nada de ilusões, mesmo que tenha ganho um Prêmio Nobel da Paz. É o Estado imperialista agindo como se fosse deus: tenho todo o poder e sou impune. Mas o Apocalipse desmonta esta teoria dizendo em 18.6-8: ”Dai-lhe em retribuição como também ela retribuiu, pagai-lhe em dobro segundo as suas obras e, no cálice em que ela misturou bebidas, misturai dobrado para ela. O quanto a si mesma se glorificou e viveu em luxúria, dai-lhe em igual medida tormento e pranto, porque diz consigo mesma: Estou sentada como rainha. Viúva, não sou. Pranto, nunca hei de ver! Por isso, em um só dia, sobrevirão os seus flagelos: morte, pranto e fome; e será consumida no fogo, porque poderoso é o Senhor Deus, que a julgou”.

Não esquecer, que somente Deus é eterno e imortal (1 Tm 6.15-16: “há de ser revelada pelo bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores; o único que possui imortalidade”). O capitalismo não é eterno, ele nasceu, se desenvolveu e vai morrer; também o imperialismo estadunidense. O capitalismo não é imortal como também a alma não é imortal, pois não dá para separar a alma do corpo, os dois são indivisíveis, são uma unidade. Alma significa a vida que há no corpo. Não há vida fora de qualquer corpo. Quando a pessoa morre, morre tudo: corpo e alma, pois a vida deixou de existir. Acaba a vida que há no corpo e tudo perece: vida e corpo. A ressurreição recria um novo corpo, recria uma nova vida, como lemos em 1 Co 15 (sugiro ler todo o capítulo várias vezes), que agora não mais morrerá e viverá eternamente no Reino de Deus agora já completo.

7 de janeiro de 2012

Luta de Classes por causa do Reino de Deus?

Palestra proferida por Helmut Gollwitzer que o P. Baeske achou nos seus arquivos em me enviou. No polígrafo diz Material de Estudo – Departamento de Migração. Deve ser do final dos anos 70.

Helmut Gollwitzer nasceu em 29 de dezembro de 1908 em Pappenheim no Altmühltal/Bayern e faleceu em 17 de outubro de 1993 em Berlim: era teólogo evangélico, escritor e socialista. Era pastor da Igreja Confessante - Bekennenden Kirche – desde 1934, que se opôs à Hitler, ao qual se aliou a Igreja dos Cristãos Alemães - Deutsche Christen.

O Evangelho tem como meta a vinda do Reino de Deus para este mundo. Ele visa a transformação deste mundo. E a cada qual de nós ele quer usar como colaborador nesta transformação do nosso mundo.
A mensagem do Reino de Deus e a mensagem de Jesus Cristo são idênticas. O conteúdo de ambas é o poderoso empreendimento de Deus no sentido de salvar a sua humanidade de uma perdição que ela mesma se infligiu. Como mensagem do Reino de Deus, o evangelho apresenta o objetivo do agir divino; como mensagem de Jesus Cristo, ele narra a forma de concretização do empreendimento divino. (Aqui devido ao nosso tema e em conformidade com o pensamente bíblico, apresentamos formulações antropológicas, negligenciando as dimensões cósmicas da perspectiva do Reino de Deus. Mesmo que estas dimensões, sejam relevantes para uma teologia que se defronta com a ameaça ecológica, não nos podemos ocupar com elas aqui e agora, uma vez que estamos perguntando pela dimensão social da mensagem do Reino de Deus.)
A identidade das duas formas do evangelho apresenta imediatamente uma importante conseqüência: ela impede que encaremos o Reino de Deus como uma grandeza meramente futura ou transcendente e que compreendamos o tempo presente como a esfera do penúltimo, do provisório ou até mesmo como o âmbito do “tanto faz como tanto fez". Lembremo-nos que para o Antigo Testamento o reinado de Deus já agora está em fase de implantação e em luta com aquilo que se lhe antepõe. Lembremo-nos que segundo Mt 12.28 par. a expulsão dos demônios representa nada menos que a vinda da basileia tou teou (Reino de Deus).
Lembremo-nos que, na proclamação de Jesus, o anúncio da vinda iminente do Reino de Deus está indissoluvelmente relacionado com a exortação a uma ação no agora, como conseqüência deste anúncio, ou/seja, como conseqüência atual do reino futuro de Deus: o metánoien(arrependimento).
Lembremo-nos, finalmente, do estranho fato de que na linguagem pós-pascal da cristandade primitiva a expressão “Reino de Deus” quase que desaparece e a mensagem do Reino de Deus é substituída pela mensagem de Jesus Cristo. Este fato significa para Rudolf Bultmann (Glauben und Verstehen, Vol. I, p. 201) “que Paulo vê aquilo que é futuro para Jesus como presente, respectivamente, como presente inaugurado no passado”, - ou como Eberhard Juengel (cf. seu livro “Paulus und Jesus” pp. 263-273) o expressa: Trata-se da “história da relação do eschaton com a história” (p. 268). A relação histórica do eschaton, tem ela mesma uma história, devido à peculiar relação do Reino de Deus com a história terrena de Jesus Cristo, com a vida, a cruz e a ressurreição de Jesus como o evento escatológico = como o rompimento do Reino de Deus na história, algo pelo qual Jesus ainda esperava, mas que para Paulo já pertencia ao passado.
Por que lembro todos esses fatos? Eles expressam algo decisivo para as nossas reflexões posteriores: Para o Novo Testamente o Reino de Deus não se opõe ao nosso “aqui e agora" como uma grandeza transcendente e futura, externa e estranha, como mero objeto de esperança, como o último que se segue ao penúltimo, mas o presente e o futuro do Reino de Deus se entrelaçam, caindo, portanto, também já sobre o agora a sombra das cousas últimas, o eschaton já agora intervém transformadoramente no nosso mundo. Este nosso mundo já não está sozinho consigo mesmo, ele já não tem a sua salvação apenas em si próprio. A força salvadora já está presente e atuando nele. A miséria do mundo e a salvação do além já não mais se encontram apenas antepostas uma a outra, mas já se encontram em combate; o presente - o nosso mundo - já não pode ser mais descrito unicamente como, o mundo perdido; (o final da primeira página está cortada e faltam no mínimo 3 linhas)
Segue na página 2
jornais, mas devemos compreendê-lo como uma arena de dois poderes, do poder da destruição e do da salvação. Exatamente por isso a história post Christum natum, crucifixum et ressurrectum não é um vácuo sem sentido entre o primeiro e o segundo advento de Jesus Cristo, mas uma história de transformações em que os cristãos devem ter o maior interesse, já que nestas participa - vitórias e derrotas - o evangelho do Reino de Deus.
A primeira e fundamental destas transformações é a proclamação e a fé, pois ambas são eventos que se processam neste mundo. Onde ocorre a proclamação, ali se objetiva a transformação deste mundo,
seja, a proclamação uma de graça ou uma de juízo. Se a proclamação suscita a fé, então a nossa vida foi transformada de uma forma profunda; e também ampla; pois só falamos corretamente da fé se também falamos do agir transformador. A distinção da Reforma entre a fé e as obras não significa que se deva falar exclusivamente da fé, desconsiderando as obras, mas esta distinção expressa algo sobre a relação evangélica entre fé e obras. Fides sola iustificat, sed nunquam est sola (Lutero); como cousa "ativa” a fé está sempre relacionada com a atuação do amor.
Se é verdade que os teólogos da Reforma nem sempre se expressaram adequadamente a relação entre fé e amor, entre transformação no sentido vertical e no horizontal, era-lhes, contudo, inevitável, se quisessem permanecer teólogos bíblicos; falar de ambas, da fé e das obras, da justificação e da santificação, e isto de uma forma equilibrada, ou seja; eles eram forçados a falar sobre esses elementos não em termos de
fundamental e acessório, mas em termos de elementos constituindo o centro e a periferia de um mesmo círculo.
No amor se revela a fé, ou em outras palavras: Trata-se da relevância social da fé. Através da ação, eu respondo a pergunta expressa ou inexpressa de pessoas que vivem ao meu redor: “De que nos servem as tuas dádivas recebidas e louvadas nos hinos de fé de gratidão? O Novo Testamento apresenta uma irreprimível tendência em direção ao próximo. Lutero diz em seu “Sermão sobre as boas obras”: “Quando exalto a fé e rejeito as obras sem fé, acusam-me de proibir boas obras, quando na verdade quero, de bom grado, ensinar as boas obras da fé." (Luthers Werke, ed. Buchwald, Vol.I, 905,p.7). E Ernst Fuchs afirmou, certa vez, de uma forma um tanto exagerada, mas precisa e impressionante: “O amor de Deus não vale propriamente para mim, mas para o homem ao lado de mim; apenas junto a ele posso encontrar o amor destinado também a mim, e para ele está destinado o amor concedido a mim. O fato de o homem ao meu lado poder cantar hinos de gratidão parece ao nosso Senhor mais importante do que os meus próprios hinos de gratidão” (cf. Mt 5.16: “Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus” Mt 18.23ss. A parábola do credor incompassivo, e Mt 25,31ss. O grande julgamento).
Eu gostaria de ratificar, portanto, as dúvidas que o meu amigo Jan Milic Lochman expressou recentemente nos Evangelische Kommentare (8º ano, 1975, p.253ss., - confira também Juergen Moltmann, "Kirche in der Kraft des Geistes”, 1975, p.46s. e 51) quanto à seguinte tese de Gerhard Ebeling: a justificação pela fé é o único conteúdo e o único objetivo do evangelho. Naturalmente, desde muito tempo, a boa teologia luterana vem falando assim do articulus stantis et cadentis ecclesiae, fazendo jus a importância fundamental do artigo da justificação. Mas o fundamento não constitui o todo nem a meta. O alvo é a casa - ou, sem falar em metáforas - o alvo é a cooperação com o Reino de Deus. A obra salvadora da palavra de Deus para cada qual de nós chegou ao seu termo com a justificação do ímpio, com a aceitação do pecador, com o consolo do perdão, mas tudo isto é apenas a base que possibilita o objetivo propriamente dito: A instituição do filho perdido e novamente achado como procurador (é este o significado da entrega do anel em Lc 15.22!), o chamado para a colaboração e o envio para o mundo, com intuito de atuar salvificamente através do poder de Pai (cf. Karl Barth em KD IV/3,p.553ss. §71, “Der Menschen Berufung”).

II – O Reino de Deus é uma Nova Vida Comunitária

Com esta tese retiro uma objeção que mantive por longo tempo contra Lutero e que estava relacionada com sua definição de Reino de Deus no Catecismo Menor. (Ali Lutero responde, na segunda parte de sua explicação da segunda petição do “Pai nosso” à pergunta “Como isto acontece?” da seguinte forma: “Quando o Pai Celeste nos concede o seu Espírito Santo, para que por sua graça creiamos em sua Sagrada Palavra e vivamos divinamente, aqui por algum tempo e lá eternamente”.) à primeira vista parece ocorrer aqui uma individualização e defuturização existencialista da esperança do Reino de Deus; efetivamente, estas foram as conseqüências que esta explicação teve e que Lutero talvez queria que tivesse. O Reino de Deus não parece ser mais aqui a grande visão do novo céu e da nova terra, a utopia absoluta de um mundo são, da sociedade humana como ela deveria ser quando do fim da obra redentora de Deus. Aparentemente o olhar não está mais voltado para a salvação do indivíduo em meio a um mundo resignadamente negado e sem perspectivas de mudança – portanto, uma escatologia interiorizada, sem esperança e impulso para o mundo e a história.
Mas também é possível ler as palavras de Lutero sem tais restrições. Então elas apontam para elementos importantes:
1) O Reino de Deus significa um acontecimento que parte de Deus, ele é uma ação de Deus e não um estado de coisas que pode ser desvinculado de Deus, uma espécie de “Schlaraffenland” em que desemboca a história da humanidade, uma sorte para aqueles que vivem até lá e um azar para os que morrem antes.
2) O Reino de Deus consiste em nosso comportamento, não em condições objetivas que Deus e (como se costuma enfatizar) apenas cria para nós através de uma transformação miraculosa o mundo. O Reino de Deus é idêntico à nossa atuação, ao nosso novo estilo de vida. Para o Reino de Deus vale (porque eles são basicamente idênticos) o que nós afirmamos teologicamente da fé, do amor e da liberdade: são realizações doadas e efetivadas pela graça de Deus, mas elas não deixam de ser nossas realizações. Graça é mexer-se e não ficar simplesmente acomodado. Podemos comparar este fenômeno com o processo de ser acordado: ser-acordado passivo é simultaneamente, se bem que em uma seqüência temporal irreversível, o acordar ativo. A ação de Deus consiste em minha ação; a atividade de Deus - inacessível a minha atividade, por isso passiva - consiste em minha atividade, ou seja, ela se concretiza em minha atividade. Onde quer que "creiamos e vivamos divinamente, ali ocorre o Reino de Deus”
Com isto se revela falsa a alternativa segundo a qual o Reino de Deus é criado por Jesus ou por nós, pois esta alternativa imagina o Reino de Deus como um estado de coisas. A verdade desta alternativa apenas no Não que a teologia da Reforma oferece justificadamente à pergunta se nós, homens não-livres, estamos em condições de nos colocar em tal estilo de vida “divino”. Mas deste não, (onde ocorre o Reino de Deus, não se deve concluir a nossa passividade frente ao Reino de Deus. Onde ocorre o Reino de Deus, onde a vontade de Deus está entrando em vigência) ali somos chamados de uma forma extremamente intensa à participação livre, ativa e responsável.
3) Com isto se relativiza de forma exitosa a diferença tão “temporariamente feita (sob o nome “reserva escatológica”) entre o “temporariamente aqui e o eternamente lá”. Assim como é verdade que Israel foi eleito, que Jesus Cristo já veio, que a comunidade dos discípulos já foi vocacionada, que a nossa fé, nosso amor e a nossa esperança já agora podem responder à Palavra de Deus, assim também é verdade que o Reino de Deus responde já agora, “aqui temporariamente.”
A diferença apresentada pelo “lá eternamente” consiste no fato de podermos esperar por uma “nova terra”. (Cf. explicação de Lutero para a terceira petição - "seja feita a tua vontade assim na terra como no céu", - na segunda parte de sua resposta à pergunta “Como acontece isto?”: "quando Deus quebranta e impede quaisquer tramas e vontades más, como as do diabo, do mundo e da nossa carne, as quais tentam impedir que o seu nome nos santifique e que seu reino venha a nós, mas fortalecendo-nos e mantendo-nos firmemente ligados a sua Palavra e Fé até o nosso fim. Esta é sua vontade boa e graciosa”). Nesta nova terra não é preciso quebrantar “tramas e vontades más”, pelo contrário, nesta nova terra "tramas e vontades más" foram eliminadas ao redor de nós e em nós, e todos nós formamos uma comunidade em que concretizamos com Deus, a partir de Deus e diante de Deus a “vida divina" como descrita da forma mais simples por Jesus na "lei áurea" (Mt 7,12): "Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a lei e os profetas”.
4) Lutero menciona o diabo, o mundo e nossa carne, como elementos cujas "tramas e vontades más” devem ser quebrantadas sempre de novo e, finalmente, de uma forma definitiva. Ignoro agora, por motivos de tempo, o primeiro destes elementos (e não porque ele seja aparentemente mitológico - lembremo-nos apenas com que insistência o velho Ernst Bloch formulava perguntas que tendiam para este assunto!). O terceiro elemento nos é bastante conhecido e para os teólogos de hoje ele é quase o único em que pensam, quando - de uma forma altamente idealista - tratam da libertação e da renovação do homem, como se o indivíduo necessitasse apenas de uma transformação espiritual interna para que ele confronte o mundo como um homem novo e - no contexto da reserva escatológica e das possibilidades históricas - melhore também a este. Mas o que Lutero quer dizer com o segundo elemento do mal, denominado “mundo”? Seria minimizá-lo pensar apenas na maldade dos outros homens; trata-se, penso eu, de algo mais objetivo, daquilo que hoje em dia se denomina de estrutura. Não somente a vontade má de outros homens - de um Hitler ou de um Stalin - quer impedir “que o nome de Deus nos santifique e que seu Reino venha a nós". Tal opinião se encontra exatamente entre os teólogos que preconceituosamente limitam o agente do pecado ao indivíduo, procedimento que lhes poupa o trabalho da pergunta pelo pecado estrutural, impedindo-os de compreender concreta e amitologicamente o “Basileúien” do pecado (Rm 5.21). Marx afirma que os homens fazem a historia, mas que esta obra dele o confronta com um poder objetivo, alheio e inescrutável. Exatamente este é o caso do "mundo", das estruturas da sociedade: o comportamento contrário à "Lei Áurea” - a segurança da vida às custas dos outros, a avareza, a fome de poder, etc. - está objetivada nas estruturas e reina sobre nós. Também o homem renovado não consegue viver à parte destas condições vigentes, pelo contrário, elas lhe são impostas, por mais que ele queira transformar seu comportamento no estreito âmbito de sua vida pessoal: o grito de Paulo pela libertação do corpo desta morte (Rm 7.24) atinge, não apenas nosso conflito interno entre saber o bem e fazê-lo, mas também o igualmente inevitável conflito entre o conhecimento e a vontade para o bem, de um lado (portanto, de minha nova liberdade) e a coação para a realização do mal, para a cumplicidade com o mal na prisão das más estruturas, do outro lado. Estas coações podem ser maiores ou menores, mas nenhum de nós está livre delas. Nós, os mais velhos, experimentamos a coação de viver e apoiar a guerra de Hitler. Vivemos hoje sob a coação da filiação àquelas instituições criminosas denominadas “países brancos industrializados". O que pode fazer um oficial da Unidade Atômica americana, um diretor da ITT, um ministro da Defesa, se lhe ocorre que as "tramas e vontades más” de sua “carne” são quebrantadas pelo Espírito de Deus e ele deseja "crer e viver divinamente" - também já “aqui temporalmente”?
Estes exemplos mostram que, mais do que em tempos passados, não apenas os que “estão por baixo", mas também, os que “estão por cima" são escravos das condições vigentes, prisioneiros das estruturas que não nos permitem "viver divinamente". Às vezes, há uma reduzida liberdade de escolha no sentido de isentar-se da co-autoria criminosa – Quando, eu, p. ex., consegui a minha transferência do setor das metralhadoras para o do saneamento, em conformidade com o meu propósito de não destruir vidas humanas naquela guerra. Mas eu não me desvinculara da cumplicidade com Hitler e das vantagens proporcionadas por seu uniforme, e a estrutura em si, esta coação objetiva para o pecado, de milhões de pessoas, esta estrutura ainda permanecia intacta.
A necessidade de transformar condições sociais não é, portanto, menor do que a de transformar corações humanos, se quisermos que homens “aqui temporariamente - vivam divinamente”. O evento do reino de Deus nos traz o conflito com as estruturas de nossa sociedade faz com que gemamos neste cativeiro "Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.24), e faz com que, confiantes na libertação prometida, não mais aceitemos o cativeiro sob as “relações ímpias”, deste mundo (Barmen II) como dadas pelo destino, mas que nos aliemos àqueles que lutam no sentido de transformar ou até mesmo abolir em definitivo aquelas estruturas mais carentes que existem em nossa sociedade.
Mas Lutero, em conseqüência do tradicional individualismo teológico, omitiu em sua explicação da segunda petição algo que agora devemos complementar, ou seja, devemos levar a sério o “nós” em seu texto: "viver divinamente” só é possível com um "viver divinamente” em conjunto. A terceira tese mostrará que com isso o conflito com o pecado estrutural ainda se torna mais veemente do que aquele exemplificado anteriormente com indivíduos.

III

A comunidade é aquele lugar em que se chocam a vida nova e a vida velha. Quanto mais evidente for este choque, tanto mais ela é autêntica comunidade cristã; quanto menos, tanto mais ela se revela ajustada ao mundo.
O choque atinge mormente o entrelaçamento da existência individual com as relações étnicas (nacionais) e sociais (classistas). Isto revela o quanto é ilusória uma separação da conversão individual e a transformação das estruturas (cf. Helmut Thielicke, Guenther Klein, etc.). Pois,
1) estamos soldados até o mais íntimo de nosso pensar e sentir por estes dois elementos (o nacional e o classista) e
2) somos, devido às posições de domínio proporcionadas por esta filiação étnica e social, sempre cúmplices do poder e da exploração. Uma “metánoia” (arrependimento, mudança) individual que não tende igualmente a abolir esta cumplicidade, é uma meia-conversão, refreada exatamente ali onde a conversão exige maior sacrifício e onde ela é mais necessária ao próximo.
A nova vida (cf. Gl 3.28 e Cl 3.11) quer tirar das diferenças étnicas o seu caráter antagônico e substituí-lo pela alegria com a peculiariedade do outro, ela quer fazer que a relação classista desapareça. Para tanto ela revela o mal suscitado por estes dois tipos de relacionamento, e isto principalmente nos dias de hoje. Pois a incapacidade
a) de criar organizações internacionais mais eficientes e
b) de desistir do sistema capitalista de exploração são as causas para o fim iminente da vida humana no saqueado planeta terra. As acima mencionadas palavras de Paulo vinculam estreitamente a missão da comunidade cristã e a atual situação apocalíptica do mundo.
Elas apontam para as filiações sociais em que vivemos e através das quais nos tornamos determinadas pessoas históricas. Elas colocam a filiação com Cristo - ou seja, o Reino de Deus já inaugurado - em conexão com a nossa filiação social, e esta conexão é tal que modifica a sociedade. Mas as citadas filiações diferem entre si:
1) a sexual 2) a nacional-cultural e 3) a social.
A primeira pertence à criação de Deus, a segunda à história de Deus conosco, através da qual a humanidade se diferencia entre si em povos e línguas diversas, a terceira, porém, pertence, à história de nosso pecado. Assim como o caráter destas filiações é diferente, assim também é diversa a transformação que sofrem pelo Reino de Deus. Esta transformação pode ser descrita, e esta descrição vale para as três filiações, como igualdade de direitos na família de Jesus Cristo. Judeus não mais possuem privilégios diante de não-judeus, a parede de separação foi derrubada (Ef 2.14). A superioridade dos gregos sobre os bárbaros não lhes oferece um direito mais amplo, um valor humano maior; a terrível barreira cultural deixou de existir; o privilégio da educação persiste unicamente como instrumento de serviço. A guerra dos sexos encontra o seu fim; a mulher se emancipou da tradicional opressão e entra em posse de seus direitos; ela é igual ao homem. Todos, porém, permanecem o que por natureza e história inevitavelmente são: homens, mulheres, gregos, judeus etc. Suas diferenças, até agora causa para soberba, desprezo e privação de direitos, são oportunidades para o enriquecimento dos dons na multifacetada família de Jesus Cristo.
Bem outro é o problema de senhores e escravos. Aqui não se trata de uma diferença inabolível, mas de uma diferença imposta de fora. Ela surge através da atividade humana contra outros homens, mais exatamente, da atividade contrária à vontade de Deus. Pois a Bíblia, em toda sua extensão, se mostra unânime em mostrar que Deus não criou nenhum homem como escravo e que ele é libertador da escravidão. Esta diferença, portanto, não é transformada pelo Reino de Deus em uma causa de enriquecimento mútuo, mas é abolida. Na família de Jesus continuam a existir judeus e não-judeus, gregos, bárbaros, homens e mulheres; mas senhores e escravos não mais existirão. Esta realidade é distorcida pelo fato de a comunidade primitiva não ter tido condições de abolir a instituição da escravidão. Ela só pôde eliminá-la em seu próprio meio, ela só pôde estabelecer a igualdade de direitos no âmbito da comunidade e nas relações entre os seus membros. Exteriormente, em termos jurídicos, eles permaneciam senhores e escravos; mas eles viviam juntos como irmãos.
Exponho todas estas cousas de uma forma tão ampla para tornar clara a extraordinária transformação social que ocorre no mundo com a inauguração do Reino de Deus em Jesus Cristo. De modo algum a sociedade permanece intocada, e suas inimizades étnicas e culturais e suas formas de opressão não deverem continuar até o final dos tempos. Pelo contrário, ela é atacada por Jesus Cristo, compreendendo-se Cristo não mais como uma pessoa individual, mas sempre conjuntamente com a comunidade que nELE é “UM”, uma grandeza coesa, a sociedade sem classes oposta e inserida na sociedade classista, pois ela não apenas rompeu com o comportamento e atitudes tradicionais, mas ela ataca, com sua existência peculiar e com sua confissão de Cristo, o comportamento agora vigente, como sendo contrário à vontade de Deus, colocando em seu lugar, como desejada por Deus, a sociedade fraterna dos que possuem direitos iguais.
Tudo isso, porém, não acontece automaticamente, mas deve ser elaborado e trabalhado pela comunidade. Nela ocorre o choque das reivindicações das antigas filiações, das velhas fidelidades com a reivindicação da filiação à família de Jesus Cristo. Em contínuas discussões a comunidade e seus membros devem decidir-se pela vida nova e em conformidade com o Reino de Deus e contra a vida velha. Rm 12.1-2 mostra como o homem aqui é reivindicado em toda a sua atividade e como a transformação do seu comportamento deve se estender a toda vida. Se esta pequena comunidade não consegue eliminar a escravidão lá fora, isto não significa que sua atitude fraternal frente aos escravos deva se restringir ao culto e unicamente aos escravos cristãos. O discípulo de Jesus Cristo não pode tratar homem algum como escravo, ou reduzi-lo à escravidão, não pode ser mais um caçador ou comerciante de escravos. Ele não deve mais compartilhar de justificações ideológicas para a escravidão, ele não pode mais deixá-las incontestadas. Se ele for homem de influência, ele deverá empregar a mesma para minimizar as leis escravagistas com o propósito de aboli-las definitivamente; ele deve lutar por uma coexistência mais pacífica e justa dos grupos étnicos. A comunidade e seus membros constituem um elemento subversivo e humanizante na sociedade na medida em que ela efetivamente tiver ultrapassado todas as diferenças e for “UM” em Cristo.
Mas isso, como eu já frisei, deve ser elaborado. Rm 12.1-2 apresenta a misericórdia de Deus como o lema para o trabalho necessário devido aos choques. Eu menciono os pontos principais:
1) Julgar: Necessário é o julgamento crítico e concreto da sociedade em que a comunidade se encontra, a análise inexorável das inimizades grupais, da opressão e da exploração muitas vezes disfarçadas. Onde se omite, por comodidade ou por medo, esta análise implacável, já se está no caminho de ajustamento.
2) Não participar: Também não aquilo que a etiqueta, a consciência de status etc. prescrevem e, ao mesmo tempo, estar consciente de que não podemos concretizar inteiramente esta não-participação. Não nos podemos retirar do mundo e da sociedade, nem podemos conduzi-los de vez a um novo modelo de vida. Encontramo-nos envolvidos nas guerras de nossos países (Cf. a história da ética da guerra!), nas estruturas classistas de nossa sociedade. Cada dia de novo nós precisamos decidir de novo como nós, assim entretecidos, podemos impor a nossa peculiaridade, nosso julgamento, nosso protesto, e como podemos trabalhar no sentido da transformação daquilo que existe. O nosso estar-inserido na sociedade nos tenta a moderar nosso julgamento e a ajustar nosso comportamento. Em vez disso, porém, ele nos deve estimular a romper todas as fraudes, a radicalizar o julgamento e a desenvolver alternativas políticas.
3) Começar já agora: desde o âmbito pessoal ao político, do comportamento privado à opção política.
4) Analisar: as formas concretas em que se objetiva a nossa vontade contrária a Deus, analisar os fatores concretos que se opõem à mudança ou os que podem ser explorados a seu favor.
5) Olhar de baixo: Isto significa que não devo olhar a mim mesmo, meu próprio comportamento, a realidade da vida comunitária, as reais condições sociais como normalmente o faço - a partir de minha própria posição com os privilégios e facilidades, mas colocar-me na posição dos membros menos favorecidos da família de Deus, na situação daqueles que ainda não são tratados com igualdade, daqueles para os quais o "Um em Cristo” é apenas uma palavra bonita que não transforma a sua real situação. Este “rebaixar-se” e ver-a-realidade-de-baixo é um elemento singularmente importante do processo da “metánoia” (arrependimento, mudança), sem o qual o “Um” em Cristo” permanecerá no ar, ou seja, uma ideologia confundida com fé.
6) Trabalhar com vontade e esperança na abolição de estruturas que nos forçam a pecar e que nos impedem de “viver divinamente". A “reserva escatológica" não deve ser usada como desculpa para nossa preguiça, nosso, fatalismo ou até mesmo para que continuemos a usufruir as vantagens proporcionadas pela estrutura injusta. O otimismo e a fantasia dos humanistas já envergonharam suficientemente o pessimismo dos teólogos e a falta de imaginação dos cristãos. Spiritus Sanctus non est scepticus (Lutero) também vale para este contexto.
É preciso falar da "abolição", porque o basileúein do pecado se manifesta de duas formas: no pecado da pessoa (“a vontade de nossa carne") e no pecado estrutural (“a vontade do mundo”). A segunda forma é conseqüência do emprego massivo da primeira forma. A primeira forma é a maldade de nosso coração, a segunda forma é a maldade de nossa obra. A primeira nós não podemos alterar a partir de nós, a segunda, como incorporação de nossa maldade, podemos modificar. (Este é o objetivo da distinção que Lutero fez dos dois usos da lei, o usus elechticus e o usus políticus). A libertação da primeira forma de pecado é a obra do Espírito Santo através do Evangelho; a abolição de qualquer manifestação da segunda forma de pecado é nossa obra de obediência através da criação de leis melhores para a regulamentação da vida comunitária. O reconhecimento da primeira forma faz com que nós, qualquer que seja nossa filiação nacional ou social, sejamos solidários na necessidade e no recebimento do perdão e através deste sejamos reunidos como pessoas.
O esforço no sentido de abolir a segunda forma de pecado, uma obra política a ser concretizada por nós, provavelmente nos envolverá em choques e disputas em que o julgamento (Cf. o primeiro dos pontos mencionados acima) indica o objetivo que constitui, simultaneamente, o critério. A reconciliação entre pessoas é válida apenas no âmbito da primeira forma de pecado, jamais para as estruturas resultantes da segunda forma. Existe reconciliação e perdão entre senhores e escravos, não existe reconciliação da comunidade com a escravidão. A fatalidade da Igreja através da história foi ela não ter distinguido entre a reconciliação correta (= a reconciliação entre pessoas) e a falsa e desobediente (com o pecado estrutural).

IV.

A História Eclesiástica é em grande parte o cativeiro babilônico da Igreja na sociedade de classes.
O que descrevemos na tese anterior foi a irrupção no mundo e na sociedade, na forma de Igreja, do Reino de Deus, através do qual as filiações sociais experimentaram uma profunda transformação que, por seu lado, é elemento de transformação assim se originou o movimento do Cristianismo; esta era a sua intenção; assim ela se apresentava em seus primórdios. Mas esta situação não permaneceu assim. A Igreja que deveria subverter, questionar, minar e transformar a realidade social com suas separações, suas ordens hierárquicas e seus privilégios, quase sempre e em quase todos os lugares existia paralelamente a ela, não a subvertendo, mas justificando-a e consolidando-a.
É verdade que a Igreja apenas em raros momentos se esqueceu de seu caráter internacional e transcendente de classes (o seu caráter internacional foi esquecido pelos Deutschen Christen, a sua transcendência de classes foi esquecida nos primeiros 200 anos da excravidão americana, quando ainda se excluía os escravos do ensino cristão e do batismo); a Igreja se oferecia a todos e se esforçava em ganhar a todos como seus membros. Mas no momento em que isto aconteceu sem que as estruturas sociais fossem tocadas, ao contrário do que acontece nas epístolas aos Gálatas e aos Colossenses, o objetivo intencionado se transforma em seu contrário. Se a familiaridade é reduzida ao direito de todos de participar no culto e no sacramento, ao “sede legais um com outro" no trato pessoal, à assistência caritativa dos pobres e à igualdade diante de Deus "na eternidade", então isto significa a limitação do Evangelho a certos aspectos de nossa vida, então permanecem intocadas pela metánoia aquelas condições sociais que determinam toda a nossa vida terrena, então o Reino de Deus não tem contrariamente ao Evangelho, uma realidade e eficiência terrena presente.
Apenas por pouco tempo esteve presente, no início da história do cristianismo e na sua radicalidade, o ataque do inaugurado Reino de Deus a estas condições fundamentais da sociedade. Logo em seguida ocorre a espiritualização do Evangelho através do helenismo, e a Igreja se tornou desde Constantino um instrumento ideológico que sanciona estas condições.
Quando falamos desta adaptação da Igreja à sociedade vigente, devemos considerar dois aspectos:
a) Devemos evitar uma consideração moralizante que censura a “Igreja” como se: fosse uma pessoa. A Igreja jamais foi uma hipóstase autônoma, mas é constituída de homens e mulheres com relações históricas. Somos nós que formamos a Igreja e que fazemos Igreja, ou seja: fazemos sempre da Igreja aquilo que satisfaz às nossas necessidades. Com o início da era constantiniana, chegaram ao poder eclesiástico as camadas aristocráticas e elas fizeram da Igreja o que satisfazia em termos de necessidades religiosas como políticas. E isto permaneceu assim até hoje. Não foi a Igreja que se ajustou, mas as pessoas ajustaram a Igreja às suas necessidades.
b) Existe na Igreja um momento de resistência a esta tendência de adaptação e ajustamento. Sem este momento a história eclesiástica não seria nada mais do que uma ratificação peculiarmente clara do materialismo histórico. Este, um momento, é o Evangelho. A História Eclesiástica não apenas revela a entrega do Evangelho à depreciação ideológica por parte de nós e de nossos interesses sociais, mas também revela felizmente a sua singularidade em resistir e atacar, pelo menos tentativamente, aquilo que existe. Os valdenses, Wiclif, Huss, a Reforma, os anabatistas, Herrenhut, etc. construíram tais manifestações do Evangelho através do cativeiro babilônico da Igreja nas suas conexões classistas, e não sobrestimamos os grupos cristãos da esquerda de hoje, quando os colocamos ao lado dos acima mencionados.
Excurso: Do resto, não me oponho, com esta observação sobre o poder peculiar do Evangelho, à posição do materialismo histórico. Este - se entendido corretamente - não reivindica o poder de explicar todos os fenômenos da vida espiritual exclusivamente a partir de causas econômicas, mas ele constitui a pergunta sistemática pela influência de fatores sociais, principalmente econômicos, no surgimento de fenômenos espirituais, e não existe nenhum motivo teológico que nos force a evitar esta questão. A expropriação de amplos círculos da pequena e da média burguesia, graças à qual também nós vivemos hoje da venda de nossa força de trabalho, a transformação da inteligência em forças técnicas de auxílio do capital, a experiência de duas guerras mundiais, o fascismo, os problemas ecológicos - tudo isso talvez nos tenha tornado inconscientemente mais sensíveis para as vítimas do capital, talvez nos tenha aproximado do proletariado e afastado da burguesia, tornando-nos, assim, mais atentos para as tendências crítico-sociais do Evangelho.
Não é fácil suportar e assimilar este reconhecimento. Sabemos que a Igreja desde Constantino sempre esteve ligada às camadas dominantes, sendo sustentada por estas camadas economicamente e apoiando a manutenção do sistema vigente, e isto não vale apenas para as grandes Igrejas confessionais, mas também para as congregações livres e a maioria dos grupos cristãos livres. Esta constatação não elimina o que ocorreu de verdadeiro trabalhe de fé nestas igrejas e grupos. Mas a nossa gratidão não pode suprimir o fato de que a confissão da fé encontrou os seus limites quando ameaçava tocar as condições vigentes na sociedade. Lembremo-nos que nas enúmeras rebeliões das oprimidas massas populares ocorridas durante a história européia, estas freqüentemente recorriam ao Evangelho, mas as igrejas oficiais ou a maioria dos crentes jamais estavam ao seu lado, aliando-se ao poder governamental que consideravam instituído por Deus ou acima dos partidos, sem que desconfiassem que estavam tomando partido na luta de classes. O que lhes parecia obediência à Palavra de Deus, era, em realidade inserção tradicional no tecido classista, e isto principalmente também porque o clero pertencia às classes superiores, e porque a educação clerical era e é simultaneamente, uma introdução à camada superior. Isto vale igualmente para os clérigos provenientes das classes mais baixas, que com a sua ascensão social deixavam para trás a sua classe de origem. Esta descrição continua válida para os dias de hoje. (Cf. "Kirche und Klassenbindung", ed. por Yorick Spiegel, 1974) A ascensão social para uma classe superior leva à lealdade para com ela e a conseqüente minimização das afirmações do Evangelho na medida em que estas questionarem os interesses da classe superior. O pastor, amigado à classe de cima, torna-se o ungüento da consciência da sociedade existente, primeiramente feudal e depois burguesa, quando deveria ser o seu espinho.

V.

O Reino de Deus não nos liberta “aqui temporariamente” da luta de classes, mas nos confere nela lugar, objetivo e métodos.
De uma forma mais geral podemos dizer: O Reino de Deus não nos liberta das lutas terrenas, mas ele nos indica no meio delas as nossas tarefas como cristãos. Pois, se bem que mandados como cordeiros para o meio de lobos, os discípulos de Jesus, como seres sociais, estão inseridos, de uma forma ou outra, nas lutas terrenas. Seria ilusório pensar que eles se podem colocar acima delas, que possam permanecer imparciais e que não participam da vitória ou da derrota de um ou outro grupo. Na ética de guerra esta inevitabilidade se tornou bem patente para os cristãos; mas isto é apenas um exemplo para o entrelaçamento em lutas e parcialidades as mais diversas possíveis.
É um claro sintoma da conexão classista das Igrejas, que elas tenham uma elaborada (e em todas as igrejas confessionais praticamente idêntica) ética de guerra, mas não tenham uma tradição doutrinária semelhante em questões da luta de classes e uma tradição doutrinaria apenas negativa quanto ao que concerne à revolução. Com a expansão da Igreja e desde Constantino as classes superiores, às quais pertencia o Estado, não mais podiam deixar a Igreja entregue ao seu pacifismo anterior. Tornados cristãos, elas precisavam para si, para os seus governados uma justificação para a guerra como um elemento essencial da existência e atividade estatal. Por isso era necessário que se discutisse freqüentemente o problema da participação na guerra e do pacifismo. Mas às classes superiores não interessava uma abordagem aberta dos conflitos e das lutas de classes. Pelo contrário, era necessário que se ocultasse o máximo possível a existência na sociedade de tal fenômeno. Por isso até hoje quase não se fala - e quando se fala, isto ocorre de uma forma negativa – da luta de classes na ética social cristã.

Respondemos, por isso primeiramente de forma sucinta as seguintes perguntas:
1) O que é sociedade de classes?
2) Vivemos aqui e agora em uma sociedade de classes?
3) O que é luta de classes?
4) O que é sociedade de classes?

1) O que é sociedade de classes?
Em um sentido mais amplo e menos específico queremos designar como sociedade de classes uma sociedade em que certas camadas têm, asseguradas pelo poder, em mãos a parte maior do produto social geral - uma sociedade estratificada hierarquicamente em termos de privi1égios materiais e políticos. Sociedade de classes em um sentido mais restrito é apenas a sociedade capitalista, porque se divide de uma forma cada vez mais acentuada, em duas classes antagônicas. Enquanto que nas sociedades de classes primitivas as classes e até mesmo os membros mais ricos e mais pobres de uma mesma classe podiam existir lado a lado sem se explorar, - por exemplo, o artesão ao lado do agricultor, o agricultor rico das planícies ao lado do colono pobre das montanhas - e as relações de exploração não eram uma forma de relação essencial, mas casual, ambas as classes da sociedade capitalista, a dos proprietários dos meios de produção e a dos “produtores diretos, ou seja, a dos trabalhadores, se encontram em relação fundamental: uma não pode existir sem a outra, apenas podem sobreviver se relacionando uma com a outra e, simultaneamente, em oposição, de modo que o que é paraíso para uma, é o inferno para a outra. “De uma forma cada vez mais acentuada" - assim o expressei - porque este tipo de relação de classes cresce cada vez mais, enquanto que a anterior, pré-capitalista, diminui cada vez mais. A causa desta relação antagônica está na oposição da posse dos meios de produção e a não-posse, algo que constitui uma clara relação de poder na medida em que o não-proprietário depende, para sobreviver, ainda mais do proprietário e de sua política salarial do que antigamente o agricultor ou artesão pobres, com seus poucos meios de produção, do agricultor ou artesã ricos. Contrariando a impressão superficial, segundo a qual a sociedade burguesa funciona como elemento nivelador, esta sociedade desenvolveu o antagonismo classista mais agudo desde a sociedade escravista.

2) Vivemos aqui e agora em uma sociedade de classes?
Se atribuirmos a descrição acima ao estágio inicial do capitalismo, é questionável, porém, a sua validade para o aqui e agora. Não é verdade que capitalismo, após aquela primeira fase que gerou uma rica alta-burguesia, uma camada média que vivia agradavelmente, e uma massa proletária miserável, teve uma função niveladora através da elevação do padrão de vida das massas, da padronização do estilo de vida, do interesse comum no lucro das empresas, da igualdade política e das conquistas sociais (se bem que muitas vezes também forçadas pelo proletariado)? A partir deste ponto de vista pensa-se ser possível dizer o seguinte: através da luta de classes (no século XIX e no início do século XX) chegamos hoje à reconciliação de classes e à participação igual de todos.
Qual desses dois pontos de vista se aplica à nossa sociedade? Esta é uma pergunta que não deve ser respondida pela Teologia, mas pela análise sociológica. Também anseios cristãos - porque seria bonito, assim deveria ser, porque a luta de classes é uma cousa feia, ela não deve existir - não devem ter a última palavra aqui, assim como também não é correto pintar as cousas mais pretas do que elas realmente são, só para que tenhamos oportunidades para atitudes revolucionárias. A função da Teologia não é nos dizer como é a realidade social, mas a função é apontar para as tarefas que temos no contexto desta realidade.
Neste esboço tão sucinto eu me restrinjo, por isso, à seguinte afirmação: Tanto o abismo entre países ricos e pobres (pois em uma época de comércio mundial e de interesses internacionais não podemos julgar a nossa sociedade apenas pelas condições nacionais), assim como as atuais crises e (desemprego, concentração de capital) e os métodos com que se lida com estas crises (onerarão das grandes massas através da economia estatal, impostos, inflação, redução salarial e ausências de reformas, mas com ofertas de incentivos para os empresários) mostram claramente que aquela nivelação era ilusão e as crises revelam de novo abertamente o caráter classista da sociedade capitalista. Mas isto também significa: ela mostra nua e cruamente que nesta sociedade a relação entre as duas classes é determinada pela luta o e classes.

3) O que é luta de classes?
Para o reconhecimento de situações que envolvem luta de classe é preciso esclarecer os seguintes pontos:
a) Em cada sociedade caracterizada pelos privilégios de classe reina a luta de classes; pois a manutenção do poder que assegura os privilégios materiais e só pode acontecer através da luta contínua.
b) Por isso a primeira forma de luta de classes, permanente e inevitável, é a luta desenvolvida pela classe dominante. Sem luta não é possível participar do poder, apenas da servidão. A luta de classes que parte de baixo é secundária, periódica e empreendida conscientemente.
c) A luta de classes não está relacionada com métodos e armas especiais. Nela, assim como na política externa, vale qualquer meio que atinja o fim desejado. Preferidos são aqui como lá os meios não-violentos e - na luta de classes que parte de cima - os métodos de encobrimento da luta e a manipulação do adversário.
d) Uma classe dominante não tem outro objetivo além da manutenção de seu poder, o resto são, no máximo, ilusões, sonhos e ideais dentro dos limites de seu poder, ela pode proporcionar amenizações na medida em que a segurança do sistema as permitir. Uma classe oprimida pode estabelecer para si, na luta de classes, três metas diferentes:
1) A deposição da classe até agora no poder (por exemplo, a burguesia na revolução francesa);
2) a substituição de uma sociedade de classes por uma sociedade sem classe (revolução);
3) melhoramento da situação da própria classe no âmbito da sociedade existente (reformas).

A luta por reformas no sistema existente pertence naturalmente à luta de classes. Esta luta se torna ‘Reformismo’ apenas quando o objetivo fundamental, ou seja, a sociedade sem classes, é suprimida pela meta objetivada a curto prazo. Para Marx a sociedade sem classes era a tarefa histórica da classe proletária. Contrariando lugares comuns muito difundidos, é preciso dizer o seguinte:
a) Uma sociedade sem classes não é o paraíso e não pressupõe pessoas sem pecado; ela é uma ordem terrena para homens pecadores que preenche melhor do que a sociedade capitalista, aquilo que Barmen V (no primeiro esboço de Barth) considera como tarefa de uma ordem social: “preocupar-se com a justiça, paz e a liberdade de um mundo ainda não redimido”.
b) Em seu tempo Marx considerava tal sociedade como possível e necessária. Esta convicção se revela hoje, cem anos depois, não uma fantasia, mas uma necessidade ainda mais premente do que naquela época: Se não conseguirmos substituir agora o sistema capitalista por um sistema mais humano, então será tarde demais; é superstição crer que o mesmo mal que destruiu o planeta, possa também salvá-lo.

O que deve fazer a comunidade cristã, determinada pelo Reino de Deus, frente à questão classista e ao capitalismo, se ela também aqui deve, segundo Barmen II, testemunhar ativamente o seu Senhor?
1) De forma alguma tentar esquivar-se, por exemplo, com distinções entre elementos principais e secundários, entre necessidades materiais e necessidades mais profundas, e minimizações semelhantes. “Meu próprio pão não é pergunta soteriológica, mas o pão de meu próximo o é”, diz Nik. Berdjajew (Cf, Tg 2.16). Além disso: o capitalismo se caracteriza exatamente pelo fato de que nele a economia domina tudo e é onipresente.
2) De forma alguma tentar permanecer neutro. A tentativa seria em vão e mera ilusão e autodecepção. Em qualquer sociedade de classes antagônicas cada um dos seus membros se encontra em um dos lados e é perguntado se quer permanecer neste lado ou se quer passar-se para o outro lado. Devido à forma de produção capitalista, isto também inclui os que não pertencem a uma das classes antagônicas, mas ao setor da prestação de serviços. Este ponto se torna claro exatamente na conexão classista da Igreja. Nós sempre nos encontramos de um ou de outro lado, também em nossa prédica ou poimênica.
3) De forma alguma nos iludir pensando que o caráter super-classista da Igreja segundo Gl 3.28 um elemento essencial da mesma, nos liberta do entrelaçamento com a luta classista. Jesus diz SIM a todos os homens, mas nem a todos os sistemas sociais. A comunidade reconcilia os homens separados pelos sistemas, mas não se pode reconciliar com um sistema racista, fascista ou escravagista. Jesus fala a todos os homens, mas ele diz cousas bem diferentes a opressores e oprimidos. O seu caráter super-classista não oferece à Igreja a possibilidade de se desinteressar pelas questões classistas - pelo contrário, a sua vida é a antecipação da definitiva comunidade humana universal e ela deve trabalhar, portanto, já agora no sentido de superar a sociedade de classes. Sem esta tendência revolucionária-social a Igreja estará a serviço da luta de classes, ela estará fortalecendo a separação através da camada dominante.
A pergunta não é, portanto, se nós, como Igreja e como cristãos, podemos participar na luta de classes, mas a pergunta é em que lado e de que forma nós participaremos desta luta em que já nos encontramos inevitavelmente envolvidos. Baseados naquelas seis referências que propusemos em conexão com a tese 2, apresentamos algumas "dicas":

1) Julgamento e análise
Se um sistema social é acusado de ser essencialmente desumano e quando se afirma que é necessário substituí-lo por um outro melhor, então esta discussão deve alarmar a comunidade cristã. Se a acusação for verdadeira, então ela deve ser de extremo interesse, e toda a simpatia deve ser canalizada para aqueles que tentam superar o sistema e para as alternativas mais adequadas. Aqueles que postulam tais alternativas não têm nada a provar, apenas os que consideram as mesmas desaconselháveis e inviáveis. Contra a vontade destes e levando em conta os limites do possível - mas sempre tentando ampliá-los - os cristãos se colocarão ao lado das sugestões mais moderadas, temendo sempre serem menos radicais do que o requerido. Principalmente no âmbito da comunidade cristã esta discussão será veemente, pois em discussão não estarão apenas interesses e idéias, mas trata-se aqui da obediência da comunidade diante do impulso transformador Reino de Deus. Para tanto serão úteis à comunidade quaisquer análises da realidade social, contanto que diagnostiquem os fatores e a doença desta realidade da forma mais apurada e racional possível.
Sei que sugiro o contrário do que aconteceu na Igreja e na Teologia desde o surgimento do capitalismo e do socialismo até os dias de hoje: contestação imediata e preconceituosa de qualquer acusação, extrema antipatia para com os que superavam o sistema, contestação precipitada da possibilidade de alternativas radicais através de uma miscelânea de argumentos teológicos e profanos, rígida limitação do possível, identificação do cristianismo com a moderação e - grotescamente - do radical com a posição “ideológica” (contrária à posição da fé), preferência do vigente ao necessário, utilização do ateísmo marxista como argumento cristão contra a análise marxista (em vez dos cristãos se envergonharem com o fato de eles próprios não ter produzido uma tal análise), constante procura de argumentos e esperanças em favor do sistema capitalista e contra as tentativas de concretização socialista, e nervosas rejeições de qualquer questionamento do capitalismo. Se é verdade que esta série de atitudes é compreensível logo que entendermos seus condicionamentos classistas, também não é menos verdade que não haverá renovação da Igreja sem que ela rompa com este sistema burguês que rejeita qualquer questionamento e quaisquer alternativas transformadoras. Karl Barth afirma na primeira edição de seu comentário aos Romanos, 1919, p.381): Dificilmente podereis posicionar-vos num outro lugar do que a extrema esquerda.

2) Ver as causas de baixo
Mas a atitude de rejeição existente em nossas comunidades também está relacionada com o tipo de informação que lhe é oferecida. Nossos meios de comunicação principalmente a imprensa local, se preocupa em encobrir o máximo possível a miséria que existe lá fora, entre nós, as causas da miséria, principalmente, as alternativas socialistas. Creio, e o digo com gratidão, que nos últimos dez anos mais cousa aconteceu neste sentido na Igreja, do que em qualquer outro lugar, sendo que os grupos ligados à Igreja são hoje provavelmente os mais esclarecidos da população. Não existe apenas a seqüência coração-cabeça-ação, mas também a seqüência cabeça-coração-ação. Primeiramente é preciso ver e conhecer a miséria antes que se possa senti-la. Esta é uma abordagem moral da questão social que é muitas vezes injustamente ignorada pelos marxistas. Pois à filiação à família de Jesus Cristo pertence inegavelmente um interesse vivo pelas condições de vida dos irmãos e das irmãs e pelo que obstaculariza as suas vidas, também a sua "vida divina". E exatamente aquele que se exercitou em ver as cousas solidariamente com os oprimidos, estará resguardado de subestimar obstáculos materiais e estruturais. Da autocrítica cristã, que pode ser estimulada pelo marxismo, também faz parte o reconhecimento de que a nossa avaliação dos problemas sociais e das sugestões solucionadoras está relacionada com o fato de nós não vivermos “lá embaixo” e abaixo de nós sempre se encontrarem muitos degraus da pirâmide social (Léo Tolstoi afirmou: Quem quiser julgar uma nação, deverá fazê-lo a partir de suas prisões.). Se no âmbito de nossas comunidades nos transladarmos para baixo, com o intuito de ver e observar a partir de baixo, movimento que se mostra em conformidade com o Novo Testamento, que indubitavelmente é um livro que vê o mundo de baixo, veremos que o nosso primeiro tema atualmente não é o socialismo, mas sim o capitalismo. As sugestões e as tentativas de concretização socialistas podem ser discutidas descomprometida e comodamente na cadeira de balanço e no salão paroquial, mas a miséria capitalista está patente aos nossos olhos e nos atinge a todos. As perguntas são, se esta miséria é, e se for, em sua medida, causada pela forma da produção capitalista, se e até que ponto esta forma de produção pode ser superada através de reforma, se esta forma de produção pode ser substituída por uma melhor, ou se queremos nos submeter as suas conseqüências extremamente destrutivas como que ao destino. Apenas quando estas perguntas não nos deixarem mais descansar, então também a pergunta pelo socialismo se tornará uma questão "quente” para nós.

3) Trabalhar já a partir de agora no sentido de abolir as condições vigentes.
Neste ponto a política, esta política suja e horrenda, se encontra com a comunidade cristã. É verdade que a comunidade não pode dar aos seus membros a resposta para as perguntas e acusações enumeradas anteriormente. Não é tarefa da comunidade decidir o que fazer, se a situação realmente for como descrita acima. O que a comunidade pode fazer é deliberar e discutir estas questões, mas cada membro deve dar suas respostas com os meios que tem à sua disposição. E não é a comunidade que deve efetivar concretização política, nas os grupos políticos constituídos por cristãos e não-cristãos. O que a comunidade pode fazer é, primeiro, oferecer os critérios para análise da realidade e as conseqüências daí resultantes, como o tentamos aqui parcialmente; segundo, ela pode oferecer os estímulos para que tal aconteça, é, igualmente, ela pode despertar na comunidade, através do evangelho, da vida do espírito, a esperança, a paciência e a disposição para o martírio (e principalmente esta última em uma época em que não a teologia imparcial e a religiosidade levam ao martírio real, mas sim a práxis socialista, seja ela levado a cabo por cristãos ou não cristãos)
Neste ponto, em que ocorre a transição do reconhecimento cristão para a análise racional e delineamento do programa político, gostaríamos de obter maiores informações do Evangelho, mas exatamente aqui ele nos coloca na responsabilidade autônoma, abandonando-nos ao fervilhar das correntes, de nossos dias, deixando-nos a responsabilidade da escolha. Mas também é verdade que, se discutirmos a práxis voltados para a prática, e não soubermos qual a direção a tomar como o experimenta em toda a sua extensão apenas o socialista, e se somos confrontados com tentações, o Evangelho em sua globalidade falará a nós e se revelará como o promete Lutero ao homem na tentação - como o “único consolo na vida e na morte”, e isto exatamente para aquele para quem o discipulado é impossível a não ser como socialistas.

4) Não-participação
Sobre esta “dica" não mais direi muita coisa; ela merece em si uma exposição à parte e mais ampla: como é possível a não participação em meio a um sistema de produção que, como capitalista, a tudo pervade e a tudo domina? Como é possível não participar de suas formas de pensar, de relacionamentos, interrelações e de suas reações?
Esta pergunta nos torna clara a velha pergunta formulada pela teologia Luterana a 1 Jo 3.6: "Todo aquele que permanece nele não vive pecando; todo aquele que vive pecando não ouviu, nem o conheceu!". Romper em sua própria maneira de pensar com a mentalidade até agora vigente de comércio, de concorrência e de privi1égios, com os critérios do milieu burguês, já é em si um processo longo e doloroso, quanto mais o deve ser o rompimento com as manifestações exteriores do sistema capitalista. E o que dizer dos necessários compromissos do dia-a-dia? Estas observações são suficientes para o tema: existência socialista como forma atual do "metaneia”. O divórcio entre a doutrina e a vida acompanha o cristianismo desde os seus primórdios; ele constitui um perigo que ameaça voltar sempre de novo, por isso deve ser diariamente superado.

2 de janeiro de 2012

O Evangelho Subversivo.

O Evangelho do Reino de Deus é a mensagem central de Jesus Cristo que tem o seu ponto alto na cruz e na ressurreição de Jesus Cristo. Este Evangelho se contrapõe à ideologia da classe economicamente dominante de hoje que controla o Estado para perpetuar o modo de produção capitalista. O Evangelho do Reino de Deus é a proposta do Deus encarnado na classe camponesa palestina em Jesus de Nazaré para combater e eliminar o reino do mundo, este século, em seu tempo chamado de o modo de produção Escravista controlado pelo Império Romano, e, hoje, capitalista, em sua fase Imperialista, controlado pelo setor financeiro e militarmente pelos USA. Assim, a teologia é hoje, como também foi no passado no Império Romano, o instrumento que a comunidade cristã usa para combater e eliminar o reino do mundo, hoje, o capitalismo, que é o instrumento que o diabo usa para tentar impedir a construção do Reino de Deus. Assim, o natal, a páscoa e a teologia da cruz são elementos teológicos subversivos dentro da dinâmica da construção do Reino de Deus que em sua essência sempre aponta para a construção de uma nova sociedade não capitalista. O Evangelho do Reino de Deus, em sua essência apontando para a construção de uma nova sociedade não classista, está subvertendo a ordem estabelecida que diz que não existe esta possibilidade da construção de uma nova sociedade não classista. A Ditadura do Pensamento Único para legitimar e reproduzir a Ditadura do Capital diz que não existe a possibilidade da construção de uma nova sociedade, muito menos não classista, pois o capitalismo é o fim da história e ele veio para ficar eternamente. Portanto, o futuro não existe, não há esperança, o futuro é o nosso presente e no presente há 1 bilhão de famintos no Planeta e algumas corporações que tem mais capital de giro que o PIB de muitos países dominam sobre a economia mundial. Não há saída, estamos condenados a viver o presente eternamente sob a Ditadura do Capital.

No entanto, a essência do Evangelho do Reino de Deus fala com esperança da volta de Cristo que completará a construção desta nova sociedade não classista que é o Reino de Deus, que já começou no Natal com o próprio Deus se tornando pessoa num camponês sem terra e sem teto: Jesus de Nazaré, o Cristo. O Evangelho do Reino de Deus é o Evangelho da esperança, pois aponta para a nova sociedade que já está no meio de nós, portanto o futuro já começou. Já agora podemos experimentar a vida a partir da proposta do Reino de Deus, portanto não estamos condenados a viver eternamente sob a sociedade opressora classista capitalista. O Evangelho do Reino de Deus é uma cunha fincada no sistema atual que nos possibilita já agora viver segundo a proposta do Reino de Deus em oposição ao capitalismo. Esta cunha vai se expandir e rebentar o sistema capitalista. No passado esta cunha se expandiu, tomou e rebentou o Império Romano, mas foi, no processo, cooptada, por falta de clareza teológica. O texto de 2 Pe 3.13 fala da esperança messiânica inerente à fé cristã: “Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça”. 2 Pe 3.10 aponta para a destruição completa desta sociedade atual com o advento da nova sociedade em sua forma final: “Virá, entretanto, como ladrão, o Dia do Senhor, no qual os céus passarão com estrepitoso estrondo, e os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as obras que nela existem serão atingidas”. Assim, a partir da fé em nosso Senhor Jesus Cristo afirmamos que toda obra humana será extinta na hora do Juízo Final. O capitalismo é obra humana e por isso é passageiro e assim como nasceu vai morrer, já muito e muito antes do Juízo Final, é só uma questão de tempo histórico.

O Modo de Produção Tributário (que é o primeiro modo de produção da humanidade em que há classes sociais: a classe do Estado e a classe camponesa, que é espoliada pelo pagamento de tributos ao Estado em forma de mercadorias e trabalho forçado) durou 2 mil anos, o Modo de Produção Escravista durou mil anos, o Modo de Produção Feudal durou mil anos e o Modo de Produção Capitalista já tem 500 anos. Os Modos de Produção não são sempre puros em si, pois ainda dentro deles podem subsistir outros Modos de Produção anteriores, como hoje no Capitalismo ainda subsiste o Escravismo, como forma de ajudar a concentrar capital, e também o Tribalismo, no meio de grupos indígenas isolados. Enquanto na Europa no final do século XV começava o Capitalismo os Incas e Astecas ainda viviam sob o Tributarismo, Marx o chama de Modo de Produção Asiático porque o estudou a partir da Índia. Assim como no tempo do Colonialismo o Modo de Produção Escravista foi usado para aperfeiçoar o Capitalismo que deu um salto de qualidade que resultou na chamada Revolução Industrial que desembocou no Imperialismo atual. As contradições do próprio sistema (a luta de classes) vão gerando a sua morte e nasce um novo Modo de Produção, essa tem sido a dinâmica da humanidade. Com isto desmontamos a ideologia capitalista que diz que o capitalismo é eterno: sempre existiu e sempre existirá. Eterno é somente Deus, o resto é mentira!

Para entender os Modos de Produção leia um resumo em meu Blog sob o título: Como Funciona a Nossa Sociedade http://comocalaravoz.blogspot.com/2011/08/como-funciona-nossa-sociedade.html. Entender a dinâmica dos Modos de Produção é fundamental para entender a Bíblia, pois eles nos mostram como funciona a luta de classes que é o motor da história e como Javé se insere nesse processo para construir o seu Projeto. Os textos bíblicos foram produzidos a partir da luta de classes existente, como resultado da luta de classes havida e mostram como Javé se meteu nesta luta de classes a favor dos oprimidos e contra o Estado, que é o instrumento da classe economicamente dominante para perpetuar a sua dominação sobre a classe camponesa. Por exemplo: na luta de classes entre o Estado egípcio e os camponeses sem terra escravos hebreus Deus se colocou a favor dos escravos e contra o Estado egípcio. Javé não apenas se colocou a favor da classe oprimida, mas pessoalmente organizou através de Moisés o processo de libertação. Não só isto, mas esta luta de classes muda o Modo de Produção Tributário para Tribal nas montanhas da Palestina. Javé é o protagonista na mudança de um Modo de Produção para outro na luta pela terra havida na Palestina. O Projeto de Javé é a construção de uma sociedade sem classes sociais, enquanto que o projeto dos deuses egípcios e cananeus é manter a sociedade de classes controlada pelo Estado divinizado. O credo histórico de Israel em Dt 6.21-23 fala disto. Como em nossa teologia, idealista, descontextualizada, ingênua e cooptada pelo capitalismo, fomos ensinados a não ver isto, não o vemos. Como dizia o velho Friedrich Nietzsche “se queremos criar escravos, não devemos educá-los como senhores”. Se queremos pastores/as subservientes ao capital não devemos lhes ensinar a ler a realidade da luta de classes que acontece hoje na sociedade e que aconteceu nos tempos bíblicos, pois poderiam tirar conclusões subversivas a partir disto. O estudo da teologia normalmente está a serviço do capital. A formação teológica ingênua, alienante e descontextualizada dos cristãos e seus pastores/as é propositadamente planejada? Até que não. Ela acontece dentro da dinâmica da ideologia a qual estamos todos submetidos. A classe economicamente dominante produz suas idéias, para legitimar a opressão e a exploração sobre as classes subalternas, e as repassa às classes subalternas por meio da família, escola, igreja, meios de comunicação, jornais, etc. Assim as classes subalternas pensam como a classe capitalista achando que estas idéias e práticas são suas, quando na verdade são apenas repetição das idéias da classe economicamente dominante. Os cristãos do tempo da Conquista estavam convencidos de que estavam fazendo missão cristã matando e escravizando os ‘bugres’, os pagãos, quando na verdade estavam apenas fazendo o que interessava à classe economicamente dominante, assim como os cristãos de hoje acham que estão fazendo missão cristã apoiando o capitalismo como única forma de organizar a sociedade. Isto justifica alguma coisa? Decididamente, não! Podemos olhar o mundo a partir do sofá da sala de estar onde tem ar condicionado ou a partir da área de serviço onde trabalha a empregada mal paga. Pensamos a partir da cabeça dos capitalistas e não a partir de onde temos os pés fincados. Javé fincou seus pés na luta de classes que acontece no estábulo e na cruz e a partir dali constrói o seu Reino. O texto bíblico é o segundo momento do processo. Primeiro vem a prática da luta de classes, depois vem o texto bíblico escrito sobre esta luta de classes e como Javé se meteu nesta luta de classes a favor da classe oprimida e contra a classe opressora, que é a teoria, que aponta para uma nova prática, que é a construção de uma nova sociedade não classista: no AT, a sociedade Tribal nas montanhas da Palestina antes da Monarquia, e no NT, o Reino de Deus. Prática-Teoria-Prática é a Metodologia da Bíblia, tanto no AT como no NT.

1. Por que o Natal é subversivo?
O Natal é subversivo porque ele traz consigo a esperança dentro do sistema opressivo romano que será superado pelo menino camponês empobrecido e fraco que nasceu numa estrebaria. O Natal é subversivo porque aponta que a saída para uma vida melhor que Deus usa parte da classe camponesa empobrecida oprimida. O Natal é subversivo porque aponta, uma vez, para a esperança que brota de dentro de um sistema opressivo e, em segundo lugar, mostra que a saída parte dos empobrecidos e oprimidos, parte da classe subalterna. Por que? Porque esta é a vontade de Deus. Não há saída para uma vida melhor dentro do sistema opressivo romano baseado na escravidão e nem a partir de seus aliados palestinos, como Herodes. Por isso Jesus não nasceu no palácio, como os magos esperavam (Mt 2.1-12), mas nasceu no local de trabalho dos camponeses, numa estrebaria (Lc 2.7), e numa família camponesa. Não é a primeira vez que Deus inicia um processo de libertação a partir do local de trabalho dos camponeses e a partir dos camponeses: ele já fez isto, como diz em Ex 3.1, com Moisés. O Êxodo e o Natal têm isto em comum: o local vivencial do camponês e a própria classe camponesa como protagonista de sua história. Dentro de um mundo onde a classe opressora dizia que trabalho era algo indigno, coisa para escravo e camponês, Deus se revela no local do trabalho camponês, mostrando que o trabalho é algo belo e, portanto, não deve estar sujeito à exploração. Isto nos remonta à Gn 1 onde o próprio Deus trabalha dizendo que o resultado do trabalho tem que trazer o descanso, o prazer, a satisfação e a realização pessoal. Um Deus que trabalha decididamente não é um Deus da classe opressora. Um Deus que trabalha é um Deus da classe que trabalha com as próprias mãos. Por isso a Bíblia mostra que a saída vem da classe oprimida e não da classe opressora. Paulo nos lembra disto em 2 Co 8.9 dizendo: “se fez pobre por amor de vós”. O capitalismo sempre nos quer convencer que a saída para a humanidade vem dos ricos, da classe capitalista, ela é a salvadora; enquanto que a Bíblia mostra que a saída vem de Deus a partir da classe que trabalha e não da classe que explora o trabalho da classe subalterna. Deus usa a classe que trabalha para, a partir dela, construir uma nova sociedade não classista onde todos trabalham e o trabalho é algo digno. Não existe saída a partir da opressão, como o capitalismo nos quer fazer crer a cada noite no noticiário mostrando que quando a bolsa de valores está em alta estamos salvos. A saída está em acabar com a opressão. Por isso Deus escolheu o camponês Moisés, sua irmã Miriã e seu irmão Arão para iniciar o processo de libertação da opressão do Egito e se fez camponês em Jesus de Nazaré para acabar com a maior de todas as opressões que é a morte.

Falando da ação de Moisés me lembro de dois fatos históricos onde a ação de uma pessoa ou de um grupo de pessoas desencadeou um processo de mudanças. Em 17 de dezembro de 2010 o tunisiano Mohamed Bouazizi, que não era nenhum revolucionário, decidiu que não iria dar mais dinheiro para policiais corruptos para ter se espaço de camelô para vender suas frutas na praça. Os policiais confiscaram seu carrinho de frutas, lhe deram um tapa na cara e cuspiram em seu rosto. Dirigiu-se à sede do governo para tentar reaver seu carrinho de frutas, mas não foi recebido. Aí ele foi ao posto de gasolina comprou gasolina e a despejou em si mesmo e acendeu um fósforo. De repente, o povo tunisiano viu nele o representante de seu povo humilhado por 23 anos de ditadura e explodiu a revolução que expulsou o ditador. Começa aí a Primavera Árabe que se espalhou pelo Egito e Líbia onde os governos foram depostos, além de gerar revoltas em uma dezena de países árabes ditatoriais. Evidentemente com muitos mártires como sói acontecer.

Outro fato parecido aconteceu na Bolívia em 1978 onde cinco mulheres (Domitila Barrios de Chungara, Angélica de Flores, Aurora de Lora, Nelly de Paniagua, Luzmila Rojas) resolveram fazer uma greve de fome contra a ditadura do general Hugo Banzer na porta da igreja e 23 dias depois caiu a ditadura militar porque o povo se juntou em massa com estas cinco mulheres. Quando ninguém mais agüenta a opressão um simples gesto pode mudar o rumo da história. O gesto de Moisés foi organizar os anciãos (Êx 3.16: com a organização popular Moisés começou o processo de libertação) a mando de Deus e a partir daí começou o processo de libertação. Neste processo Deus está inserido, porque ele é subversivo. A sua subversão é querer vida digna, livre e plena para todas as pessoas.

Assim, Deus quer acabar com o processo de morte que há na sociedade, havida pela opressão econômica e conseqüências dela decorrentes, e quer acabar com a própria morte. Por isso o Evangelho do Reino de Deus anunciado a partir do Natal está prenhe de esperança. Por outro lado no capitalismo não há esperança, pois ele se mantém e se reproduz a partir da exploração no processo de trabalho feito pela classe trabalhadora. A questão do poder no capitalismo se alterna entre ditadura ou democracia burguesa. Nenhuma delas vai libertar a classe trabalhadora da opressão capitalista porque tanto uma como a outra está à serviço do capital. No processo de exploração não há esperança, mas a esperança está em superar a sociedade que se baseia na exploração de uma classe sobre a outra. Esta superação só pode partir da classe oprimida com o apoio e direção de Deus e nunca da classe opressora. Por isso Deus parte da classe camponesa (Moisés e Jesus) para construir seu Projeto, tanto no AT como no NT, porque a classe camponesa era oprimida pela classe que controlava o Estado. Paulo fala também disto, quando aponta quem eram os cristãos da primeira comunidade cristã em 1 Co 4.11-13: “Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos”. A saída parte daqueles que trabalham com as suas próprias mãos, pois os nobres latifundiários senhores de escravos romanos não trabalhavam. Trabalho era coisa de escravo, coisa indigna. Para o cristão o trabalho é algo digno porque faz parte do processo de completar e continuar a criação de Deus para que toda a vida seja valorizada. No Natal Deus se fez pessoa na classe que trabalha com as próprias mãos, a classe camponesa. O Natal é subversivo por isso, por mostrar que a saída vem da classe que trabalha com as suas próprias mãos e não da classe que explora a mão de obra desta classe.

Como diz, em poesia, o Roberto Zwetsch:
“Uma estrela, um casal atônito, mas feliz,
uma criança envolta em trapos
e a simplicidade gritante de um estábulo.
Assim Deus se achega a nós,
ontem e hoje.
(É falso tudo o que vier a mais
ou a menos).
Assim se apresenta o AMOR divino”.

O Natal é subversivo porque a realidade em torno do nascimento do Deus menino camponês palestino sem terra e sem teto é uma denúncia das condições opressivas de vida da classe que trabalha com as suas próprias mãos. O Natal é subversivo porque ameaça o poder do Estado (Mt 2.13: Dispõe-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito e permanece lá até que eu te avise; porque Herodes há de procurar o menino para o matar.) que é o aparelho da classe economicamente dominante para perpetuar a sua opressão sobre a classe que trabalha com as suas próprias mãos. O Natal é subversivo porque Deus não é neutro, como o quer a classe dominante, mas toma partido contra os opressores, ficando do lado da classe oprimida, tornando-se oprimido no camponês palestino Jesus de Nazaré. Também por causa disto Herodes quer matá-lo. O Natal é subversivo porque tira da classe opressora o protagonismo da história. O Natal é subversivo porque nele Deus se faz classe camponesa e não classe economicamente dominante, hoje, capitalista. O Natal é subversivo porque Deus se torna classe trabalhadora (a classe camponesa junto com a classe escrava eram os que moviam a economia, mas não se beneficiavam dela; quanto mais trabalhavam mais rápidos morriam; como os trabalhadores hoje nos frigoríficos que tem uma vida laboral útil entre 5 a 10 anos; menos que a dos escravos do tempo do Império que duravam entre 15 a 20 anos; cujos patrões tanto destes últimos eram cristãos como daqueles também são cristãos batizados). O Natal é subversivo porque mostra que Deus não é neutro na luta de classes existente na sociedade. Ele toma partido e opta pela classe oprimida e para, a partir dela, construir uma nova sociedade sem classes sociais que Jesus chama de Reino de Deus. O Natal é subversivo porque a partir dele Jesus começa a construir uma sociedade sem classes sociais, onde as pessoas são irmãs (1 Co 1.10: Rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que faleis todos a mesma coisa e que não haja entre vós divisões; antes, sejais inteiramente unidos, na mesma disposição mental e no mesmo parecer.) e não patrões e empregados. Irmãos ‘na mesma disposição mental e no mesmo parecer’ (1 Co 1.10) na luta contra este século (Rm 12.2), hoje, o capitalismo. Não há capitalismo que resista contra isso.

2. Por que a Páscoa é subversiva?
A Páscoa é subversiva porque o fim da morte vem do Deus, que se fez classe camponesa em Jesus de Nazaré, o Cristo, na luta classista (para acabar com a sociedade de classes) entre Deus e o Império Romano e seu aliado o Templo de Jerusalém. A vida eterna vem do Deus camponês ressurreto. A salvação não vem do Estado, mas do camponês Jesus assassinado como herege pelo Templo e como subversivo pelo Estado. A saída parte das vítimas do sistema.

A Páscoa é subversiva porque revela o Templo de Jerusalém como Religião em luta contra o Evangelho. A Religião tem a função de legitimar a opressão e o Evangelho quer libertar da opressão. A Religião é acomodadora, alienadora e o Evangelho é subversivo e libertador. A Páscoa é subversiva porque revela que a Religião (Templo de Jerusalém) mata e o Evangelho liberta da morte, aqui e agora e depois da morte. A Páscoa é subversiva porque desmascara a Religião como instrumento a serviço da dominação político-econômica-ideológica.

A Páscoa é subversiva porque ressuscita o corpo e revela que corpo e alma são uma unidade. A ressurreição é subversiva, pois deslegitima o poder da Religião como geradora e mantenedora da vida e por isso os principais sacerdotes queriam matar Lázaro (Jo 12.9-11), que Jesus havia ressurreto, pois era uma testemunha do poder do Deus encarnado no camponês sem terra Jesus de Nazaré. Um camponês sem terra não pode ter todo este poder e por isso precisa ser morto (Jo 11.47-48). Porque a rude massa pensa conforme a classe dominante não consegue entender que um camponês tem sabedoria e poder, como diz em Mc 6.2-3: “Donde vêm a este estas coisas? Que sabedoria é esta que lhe foi dada? E como se fazem tais maravilhas por suas mãos? Não é este o carpinteiro, filho de Maria irmão de Tiago, José, Judas e Simão? E não vivem aqui entre nós suas irmãs? E escandalizavam-se nele”. A classe opressora sempre nos difundiu que a classe subalterna é incapaz e burra para, exatamente, impedir que ela se descubra com capacidade para se libertar. Sempre nos foi ensinado que a saída vem da classe opressora. Ele é rico e por isso é capaz e sabe; por isso pobre não vota em pobre e mulher não vota em mulher. Como agora Deus se faz classe oprimida para libertá-la da opressão, e pior ainda, construir a partir da classe oprimida uma nova sociedade sem opressão?

A Páscoa é subversiva porque ressuscita o corpo, colocando-o como sagrado, dentro de um sistema econômico escravista onde o corpo era objeto de exploração e desvalorizado, onde o corpo era mercadoria que se compra e se vende no mercado de trabalho. A Páscoa é subversiva porque desmistifica a teologia da ressurreição da alma que legitima a opressão do corpo da classe que trabalha com as suas próprias mãos. A Páscoa é subversiva porque ela mostra que para Deus o corpo é templo do Espírito Santo (1 Co 6.19) e não mercadoria que se compra e se vende no mercado de trabalho, tanto escravista como capitalista. Com a ressurreição do corpo Deus coloca a centralidade do corpo no espaço do sagrado. O corpo não é mercadoria, coisa, objeto, mas é tão sagrado que ressuscita, pois é criação de Deus à sua imagem e semelhança. A Páscoa é subversiva porque desmonta ainda hoje a filosofia/teologia grega presente na igreja cristã que divide a pessoa em corpo e alma. A alma é divina e vem dos deuses (os gregos tinham muitos deuses; o capitalismo tem a trindade: dinheiro, mercadoria e capital) e o corpo é mera embalagem da alma passível de exploração comercial e descartável, por ser mera embalagem da alma. Os gregos diziam, para legitimar a escravidão, que a alma era imortal e vem dos deuses e com a morte do corpo volta pra os deuses. O importante é salvar a alma, o corpo se deixa a cargo do mercado para ser vendido e comprado para ser explorado no processo produtivo para gerar bem estar e riqueza apenas para a classe opressora. A teologia da salvação da alma foi absorvida pela Religião Cristã (falo em Religião para diferenciar do Evangelho) porque legitima a exploração e opressão de uma classe sobre a outra. Como dizia o jesuíta Nóbrega em 1558 legitimando a exploração da mão de obra escrava no Brasil Colonial:

“... Se S.A. os quer ver todos convertidos, mande-os sujeitar e deve fazer estender aos cristãos por a terra dentro e repartir-lhes os serviços dos índios àqueles que os ajudarem a conquistar e senhoriar como se faz em outras partes de terras novas ... Sujeitando-se o gentio, cessarão muitas maneiras de haver escravos mal havidos e muitos escrúpulos, porque terão os homens escravos legítimos, tomados em guerra justa e terão serviços de avassalagem dos índios e a terra se povoará e Nosso Senhor ganhará muitas almas e S.A. terá muita renda nesta terra porque haverá muitas criações e muitos engenhos, já que não haja muito ouro e prata”. (Darcy Ribeiro. O povo brasileiro)

Ainda hoje pode perguntar à maioria dos cristãos sobre a ressurreição e eles dirão que crêem na ressurreição da alma. Por que? Porque a igreja (em minúsculo) pregou isto durante milênios para impedir que se compreenda o teor revolucionário da ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo que deslegitima qualquer exploração sobre qualquer pessoa humana criada à imagem e semelhança de Deus. O corpo é sagrado exatamente porque foi criado à imagem e semelhança de Deus. Com isto a ressurreição do corpo acaba com qualquer sistema econômico construído em cima e a partir de uma sociedade de classes. Pois existindo classes sociais existirá a opressão de uma sobre a outra e o Estado para legitimar a classe que oprime e explora o corpo das pessoas da classe subalterna no processo econômico. A partir da teologia da ressurreição da alma a igreja (em minúsculo) virou Religião e deixou de ser Evangelho. Pois, o Evangelho anuncia a ressurreição do corpo numa sociedade de classes para dizer que Deus é contra a opressão de classe que usa da teologia da ressurreição da alma para se legitimar como sociedade de classes como sendo da vontade de Deus. Esta sociedade de classes construída em cima da opressão de classe usa o Estado para financiar a Religião Cristã (não o Evangelho de Jesus Cristo) para legitimar toda a exploração da classe economicamente dominante sobre a classe subalterna. Assim se legitimou o massacre da Conquista e do Colonialismo pelo mundo afora, baseado na teologia da ressurreição da alma. A alma não ressuscita, o que ressuscita é o corpo indivisível. Na hora da morte morre alma e corpo, pois a alma é a vida que está no corpo e não existe vida fora de um corpo. A teologia da ressurreição do corpo deu coragem aos primeiros cristãos de serem subversivos e não se sujeitarem a ideologia/teologia do Estado romano dizendo que não sacrificam aos deuses do Estado e ao próprio Estado divinizado na pessoa do Imperador, pois crêem apenas e somente no Senhor Jesus Cristo ressurreto com o corpo na Páscoa. O primeiro a ser morto por causa da teologia da ressurreição do corpo como elemento altamente subversivo diante o sistema opressor foi Estêvão (At 7). Quem o matou foi a Religião do Templo de Jerusalém, assim como mais tarde a Religião Cristã matou milhares de pessoas, consideradas hereges, como Jesus, que se negavam a transformar o Evangelho em Religião legitimadora da teologia da ressurreição da alma que serve aos interesses exploradores dos dominadores. Não esquecendo que o Evangelho não separa a cruz da ressurreição; não dá para separar a Páscoa da Sexta-feira Santa e vice versa.

1 Tm 6.13-16 lembra: “Exorto-te, perante Deus, que preserva a vida de todas as coisas, e perante Cristo Jesus, que, diante de Pôncio Pilatos, fez a boa confissão, que guardes o mandato imaculado, irrepreensível, até à manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo; a qual, em suas épocas determinadas, há de ser revelada pelo bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores; o único que possui imortalidade, que habita em luz inacessível, a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de ver. A ele honra e poder eterno. Amém!” Aqui diz que o único que possui a imortalidade é Jesus Cristo, nós somos mortais. Portanto, a nossa alma não é imortal, como ainda dizem setores da Igreja Católica Romana. Quando a pessoa morre, morre tudo e Deus recria tudo pela ressurreição. Pois falando da alma imortal está se entrando na teologia/filosofia grega que justifica a escravidão a partir disto, pois para esta teologia/filosofia o que interessa é a alma imortal vinda dos deuses, o corpo deixa para a exploração pelos escravocratas. A teologia bíblica fala da unidade indivisível do ser humano e quando morre, morre todo o ser e ressuscita todo o ser. Pois, alma é a vida que há em nosso corpo e esta não dá para separar do corpo, nunca. Paulo fala em 1 Co 15 sobre a ressurreição do corpo.

Esta teologia da imortalidade da alma dá asas à teologia espírita, que cresce enormemente no Brasil, apoiada na teologia católica da imortalidade da alma. Falo disto porque se dizia no tempo da ditadura militar que a maioria dos militares era espírita e por isso a tortura a presos políticos não era um problema, mas solução. Segundo a teologia espírita a pessoa se salva fazendo boas obras e sofrendo. O sofrimento, não é castigo, mas apenas pagamento dos pecados de vidas passadas. Então a tortura é uma bênção para o torturado porque está pagando os seus pecados conforme combinado após a última desencarnação para reduzir as reencarnações futuras e se tronar um espírito superior. É tudo salvação por obras próprias que contradiz o que Paulo fala em Gl 2.16: "sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado"; e também em Ef 2.8-9: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie”. ). Para os espíritas a salvação eu a consigo por mim mesmo, por esforço próprio: por boas obras (por isso os espíritas tem hospitais de caridade) ou pelas obras do sofrimento, que são o pagamento dos pecados de outra reencarnação. A salvação vem de mim mesmo e não de fora de mim, o que contradiz as Escrituras Sagradas que falam que a salvação vem de fora de nós, de Jesus Cristo. Assim, segundo a teologia espírita, tortura é um favor que se faz ao torturado e não é nenhuma injustiça. Também se encaixa aqui toda e qualquer opressão e exploração ou tirania. Isto não é injustiça e nem tirania, apenas pagamento de pecados previamente combinado antes da reencarnação; é apenas o cumprimento de um acordo feito. Os espíritas dizem que o que aqui se faz aqui se paga. A Bíblia diz o contrário: pecados não se paga, são-nos perdoados de graça, como também a salvação não se conquista com próprio esforço, mas nos é dada de graça pela fé. Isto é subversão pura diante do que o mundo nos diz para justificar a opressão. O capitalismo sempre diz que quem faz (trabalha) consegue, o que é uma mentira porque o/a trabalhador/a faz (trabalha), e muito, e não consegue. Tudo depende de nosso trabalho e esforço, também a salvação. Quem tem é porque trabalhou. A Bíblia desmonta tudo isto dizendo que a salvação não é mérito e esforço nosso, mas é graça de Deus.

De um texto eclesiástico: “Confessamos que Deus, por graça, perdoa ao ser humano o pecado, e o liberta ao mesmo tempo do poder escravizador do pecado em sua vida e lhe presenteia a nova vida em Cristo (Mateus 26, 28). Quando o ser humano tem parte em Cristo na fé, Deus não lhe atribui seu pecado e, pelo Espírito Santo, opera nele um amor ativo. Ambos os aspectos da ação graciosa de Deus não devem ser separados. Eles estão correlacionados de tal maneira, que o ser humano, na fé, é unido com Cristo, que em sua pessoa é nossa justiça (I Coríntios 1,30): tanto o perdão dos pecados quanto a presença santificadora de Deus”. Isto quer dizer que não precisamos pagar os nossos pecados, mas somos salvos de graça pela fé. Isto desmonta a teologia espírita muito presente no meio do povo brasileiro. Paulo completa dizendo em Rm 3.23-26: “pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus.” A teologia da ressurreição da alma, da imortalidade da alma, da salvação por esforço próprio e da necessidade de se pagar os pecados nada tem a ver com a teologia bíblica. Isto serve apenas para justificar o massacre capitalista, como uma coisa boa e necessária, exercido sobre os povos originários e sobre a classe trabalhadora para garantir o lucro dos capitalistas. Vemos, assim, como a teologia está entrelaçada à ideologia capitalista. Isto mostra como a dominação é sutil e inteligente e perpassa todos os setores da vida das pessoas.

Faz pouco tempo que a Igreja Católico Romana tirou da cruz diante de seus templos os dizeres: “Salve a tua alma”. Heresia por falar a partir da teologia da ressurreição da alma e heresia porque concebe a salvação como obra própria e não como poder de Deus dado de graça pela fé. A IECLB não tinha a cruz diante de seus templos com estes dizeres, mas os seus fiéis ainda hoje crêem na ressurreição da alma que legitima a exploração capitalista sobre o corpo das pessoas, considerados coisa, objeto e mercadoria comprada e vendida no mercado de trabalho capitalista. Na IECLB a coisa é mais séria porque tem somente a cruz vazia em seus templos e quase não se encontram crucifixos em seus templos. Cruz vazia simbolizando a ressurreição de Jesus Cristo a partir da teologia da ressurreição da alma, na prática, não na teoria. O crucifixo ausente na maioria dos templos da IECLB tem sua origem na oposição à Igreja Católica Romana, segundo dizem, mas que na verdade quer esconder, esvaziar e anular a luta dos crucificados de hoje em dia por uma nova sociedade não classista. Num país de 55 milhões de empobrecidos vivendo do Programa Bolsa Família, portanto crucificados pelo capitalismo, não se justifica a ausência do crucifixo no templo. A ausência do crucifixo nas igrejas quer legitimar a crucificação dos 55 milhões de brasileiros/as empobrecidos pela sociedade classista capitalista que usa estes 55 milhões de corpos (na verdade 91 milhões da população economicamente ativa que fazem parte da classe trabalhadora e classe média, também explorada pelo capital, mesmo que normalmente aliada à ele) para se apropriar de parte do seu trabalho pela geração do mais valor, o lucro, durante o processo produtivo. Por isso tudo a Teologia da Cruz acentuada por Paulo e redescoberta por Lutero (e devidamente escondida pela teologia do dia a dia na IECLB) continua sendo subversiva.

3. Por que a Teologia da Cruz é subversiva?
A Teologia da Cruz é subversiva porque coloca na ordem do dia o desvendar a luta de classes na sociedade. Na cruz está pendurado para morrer como herege e subversivo um camponês palestino sem terra e sem teto que veio da margem da sociedade (Galiléia) porque ameaçou o poder do Templo de Jerusalém e do Estado Romano (Lc 23.1-5). Após o nascimento da ideologia neoliberal se diz que não há mais luta de classes na sociedade e que não se lê mais a realidade a partir da luta de classes numa tentativa de esconder a realidade da luta de classes que diariamente acontece e da qual cada um participa, normalmente não sabendo que está dela participando. A cruz revela o Deus tornado camponês morto pelo Estado dentro da luta de classes da sociedade palestina, subjugada pelo Império Romano que sustenta o modo de produção Escravista. A cruz de Cristo revela a luta de classes havida na sociedade da época e aponta para a sua superação a partir da ressurreição do corpo na Páscoa. A ressurreição do corpo aponta para a luta da superação da luta de classes e da sociedade de classes. Pois a partir da ressurreição de Jesus Cristo surge uma nova sociedade sem classes, igualitária, a comunidade cristã, onde todos são irmãos/ãs, portanto iguais, onde os meios de produção, a terra, são colocados à disposição do coletivo para a sobrevivência do coletivo (At 2 e 4). A ressurreição de Cristo (ressurreto com o corpo como diz em Lc 24.39: “Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e verificai, porque um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho”.) abre a porta para a formação desta nova sociedade não classista: a comunidade cristã. Assim, a Páscoa é duplamente revolucionária: pela ressurreição do corpo, que descarta qualquer possibilidade de exploração ou escravidão sobre o corpo, a vida, de qualquer pessoa porque a pessoa como um todo é sagrada por ser criação de Deus, e, em segundo lugar, inicia um processo de coletivização dos meios de produção em direção de uma nova sociedade não classista, sem templo (no início ainda freqüentavam o Templo de Jerusalém, mas depois as reuniões aconteciam nas casas) e sem Estado (vivem na realidade do Estado Romano, mas não tem a intenção de formar um ou tomar o Estado Romano, mas sonham com a destruição deste segundo o Ap 18). Isto se assemelha à sociedade construída nas montanhas da Palestina a partir de 1250 A.C. Esta realidade pós pascal, a igreja (em minúsculo) pós Constantino tenta eliminar num processo de cooptação, transformando o Evangelho em Religião. A função da Religião é explicar o mundo a partir do conceito e do entendimento da classe economicamente dominante que controla o Estado em seu próprio benefício legitimando a exploração econômica sobre a classe subalterna. O Evangelho desmonta esta farsa construída pela Religião, por isso Jesus entra em choque com o Templo de Jerusalém (Jo 2.13-22), dizendo que ele o destruirá e o reconstruirá em seu corpo em três dias. Isto faz parte desta nova sociedade sem classes, sem Estado e sem templo, pois o templo verdadeiro é corpo ressurreto do próprio Cristo ou no dizer de Paulo: cada pessoa batizada é templo vivo do Espírito Santo (2 Tm 1.14), portanto sagrada e livre e não deve estar sujeita à qualquer exploração.

Está correta a idéia de não haver crucifixo nas repartições públicas do Estado, pois isto serve para o processo de cooptação aos interesses do Estado que são os interesses da classe economicamente dominante, hoje, a classe capitalista. A origem da cruz está na prática de repressão do Estado e por isso ela não pode estar pendurada em repartições públicas e tribunais, pois isto legitima a ação repressiva do Estado sobre a classe trabalhadora. A cruz nas repartições públicas torna o Cristo que foi vítima do Estado como legitimador da causa de sua morte. A cruz, no período romano, era usada para castigar sob tortura até a morte opositores do Estado e escravos rebelados, que também eram considerados subversivos por colocarem em risco o processo econômico que favorecia os escravocratas.

É na cruz que o Deus tornado camponês se identifica com as vítimas da repressão do Estado a serviço do sistema econômico que explora a classe trabalhadora (na época camponeses e escravos) no processo produtivo para a obtenção do lucro. O lugar de Deus é estar ao lado dos oprimidos, literalmente ele se torna um na cruz. A jogada inteligente da parte do Estado é cooptar a cruz e mudar o seu significado para que legitime a sua repressão contra a classe dominada. Na Conquista a cruz foi virada de cabeça para baixo e virou espada que mata. Assim o Evangelho virou Religião que aliena e justifica a matança da Conquista. Hoje na ocupação do Iraque e do Afeganistão nas armas das forças de ocupação estadunidenses estão gravados nos visores e nos fuzis as referências bíblicas de Jo 8.12: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá a luz da vida.” e de 2 Co 4.6: “Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo”. Como no período da Conquista esta é uma guerra santa dos cristãos contra os pagãos que já matou 1 milhão e 300 mil iraquianos e 34 mil afegãos para se apropriar do petróleo. É o saque em nome da fé cristã. Estes dois povos pagarão a conta desta guerra com o massacre de suas populações e os custos financeiros da guerra, mas os invasores tiveram que se retirar vencidos, como no Vietnã. O deus capital continua exigindo sacrifícios de sangue em seu altar para que o capital se reproduza.

Retomar o verdadeiro significado da cruz, conforme Paulo em 1 Co 1.18, é loucura pura, pois desnuda a realidade da Cruz de Cristo, que foi morto pela Religião e pelo Estado. Retomar a Teologia da Cruz de Cristo hoje nos empurra como Igreja (em maiúsculo) para a atuação junto com o Movimento Popular, Sindical, Ecológico e Política partidária de esquerda, que sonha engajada na luta em favor de uma nova sociedade não capitalista. Mas, como a igreja (em minúsculo) é controlada pela direita tal postura evangélica se torna pouco viável, a não ser assumindo a cruz, pois a instituição não dará respaldo a tal atitude e se está sozinho. No entanto, há membros e pastores/as que assumem a postura da cruz. Uma liderança do MAB, que responde por 8 processos na justiça por lutar contra as barragens e defender os agricultores expropriados pelo capital, diz humildemente: “Isto faz parte da luta”. Esta é a postura evangélica a partir da cruz de Cristo, no entanto esta pessoa não é uma liderança da e na igreja local. Postura esta pouco encontrada no seio da igreja. Lideranças do Movimento Ecológico são assassinadas no Pará e na Rondônia por defenderem a floresta em pé como forma economicamente viável, mas que contradiz aos interesses do capital predador por princípio. A Igreja Cristã não fala destas nuvens de testemunhas (Hb 12.1; Ap 6.9-10), nem mesmo anônimas, em suas celebrações, porque não considera isto um trabalho eclesiástico: lutar pela preservação da natureza. Apesar de se falar disto, hipotética e teoricamente, em Temas do Ano, como o de 2010: Paz na Criação de Deus. Os testemunhos dos mártires da terra não são lembrados pela teologia oficial, pois estes testemunhos são essencialmente subversivos e apontam para a proposta da construção do Reino de Deus que aponta para a construção de uma nova sociedade não capitalista. Disto as pessoas, identificadas com o capitalismo, que dirigem a igreja não querem saber. Quando falo em pessoas que dirigem a igreja falo a partir das direções das comunidades até o Conselho da Igreja, com as suas honrosas exceções, que confirmam a regra. Mesmo as diretorias das comunidades mais pobres, em sua maioria, defendem o capitalismo como única forma de organizar a vida e a economia. Reclamam da exploração a que estão sujeitos como trabalhadores, mas não se animam a entrar na luta contra o sistema, pior, são contra as pessoas que fazem isto. Em Novo Xingu em 1992 quando uma mulher do Movimento de Mulheres Camponesas foi junto para Brasília para lutar pelo direito à aposentadoria da mulher camponesa foi criticada por isso por uma mulher camponesa da MEUC que disse que a pessoa cristã não se mete na luta da classe trabalhadora. No entanto, quando a aposentadoria foi aprovada, por causa desta luta, a tal pessoa que criticou foi a primeira a entrar na Previdência para requerer a sua aposentadoria. Isto se chama de hipocrisia farisaica, atitude típica dos movimentos pietistas e evangelicais, além de se juntar a moralismos, como, não poder beber cerveja, não fumar (que é de fato um atentado à saúde e não uma norma moral), não dançar e outras bobagens desse tipo que nada tem a ver com a salvação e nem com o Reino de Deus. O argumento da fé cristã é usado para a manutenção da opressão sobre os empobrecidos. Por que isto é assim? Por causa da Ideologia (que é o jeito de pensar da classe capitalista que é propagada para toda a sociedade como única forma de pensar e assumida pelo povo como se fosse o seu pensar) que se sobrepõe à Teologia. É a Ideologia Capitalista que diz o que a Teologia deve pensar, falar e fazer. É disto que Marx fala quando se refere às condições materiais que determinam a consciência das pessoas e não o contrário.

“O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode resumir-se assim: na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência”. Prefácio à "Contribuição à Crítica da Economia Política". Karl Marx. Londres 1859.

Quer dizer, é o modo de produção dominante que determina nosso jeito de agir, pensar e de fazer teologia. A fé em Jesus Cristo, por ser subversiva, é que quebra esta dinâmica e propõe um novo modo de produção e uma nova teologia: estas duas coisas andam juntas e estão interligadas. Foi assim no AT. Por causa disto Javé comandou a tomada das cidades-estado cananéias para tomar o poder político e depois mudar o sistema econômico, segundo Js 6-8. Um novo modo de produção traz consigo uma nova prática teológica. A fé em Javé exige a revolução num processo de construir um novo modo de produção que dá sustentação à uma sociedade não classista. Um modo de produção sem classes e sem Estado, onde os meios de produção estão sob o controle dos camponeses é a resposta de Deus para esta realidade. Jesus, no NT, sintetizou isto no Reino de Deus e a primeira comunidade cristã pôs isto em prática construindo uma sociedade de iguais, fraterna e solidária. Isto só foi possível depois da ressurreição de Jesus Cristo. A ressurreição de Cristo é subversiva por isso, ela começa a tornar viável uma sociedade igualitária onde os meios de produção são coletivizados e colocados à serviço do grupo que participa desta experiência. Quando os discípulos de Emaús reconheceram Jesus? No partir do pão. Partir o pão é repartir os meios para se conseguir o pão: a terra, as máquinas, as fábricas, os bancos.

O modo de produção Tributário requeria uma teologia que legitimava a teologia dos deuses da fertilidade e da natureza e a teologia da bênção de Deus sobre as riquezas controladas pela classe que controla o Estado. Os deuses/as cananeus: Astarote e baalins tinham muita influência sobre o povo camponês palestino. A religião era controlada segundo os interesses da classe que controlava o Estado; era o Estado que construía os templos e por meio deles [da religião] se cobrava os tributos e se explicava a compreensão e a realidade do mundo; era o rei, filho de deus, que era responsável pela estabilidade da vida; mexer com o rei, o Estado, era criar a instabilidade, a fome e a miséria, pois estava se mexendo com o divino ou representante deste. A partir do Templo de Jerusalém, construída pelo Estado, a teologia de Javé, um Deus que luta contra o Estado, pela terra e por uma sociedade sem classes, muda para um deus (minúsculo, pois este deus não é Javé) da natureza e da riqueza gerada como bênção. No processo da tomada da terra Javé acaba com este modo de produção e volta ao anterior (revoluciona), o modo de produção Tribal, que tem uma prática econômica baseada no coletivo: a terra (os meios de produção) é do coletivo, não há classes sociais, portanto, não há Estado, nem templo e as decisões políticas são tomadas pela assembléia popular onde todos participam, mesmo as mulheres (Nm 27.1-11). Em Js 6-8 (como também em Gn 11.1-9) Deus comanda a revolução contra o sistema econômico Tributário e acaba com ele e recria um novo modo de produção, o Tribal, que na verdade é o modo de produção anterior. Javé volta (faz revolução) ao modo de produção anterior, pois isto fecha com a sua teologia: uma prática econômica baseada no fato dos meios de produção pertencerem à coletividade (a terra é concessão de Deus à todas as pessoas: “a terra não se venderá em perpetuidade, porque a terra é minha; pois vós sois para mim estrangeiros e peregrinos”, Lv 25.23) e por isso não há classes sociais, nem Estado e nem templo. Assim a prática econômica determina o conceito teológico de Deus, por isso a primeira comunidade cristã de Atos volta à esta prática econômica, pois é esta a teologia de Javé, encarnado no camponês Jesus de Nazaré. As duas coisas se casam: prática econômica e fé em Deus. Prática econômica coletiva tem a ver com controle político pelo coletivo: o Poder Popular. A prática econômica que Deus quer é que os meios de produção estejam sob o controle do coletivo: todos trabalham nestes meios de produção e usufruem do produto do trabalho de todos, portanto, ninguém passa fome, é o que diz em Atos 4.32, 34-35: “Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum. ... Pois nenhum necessitado havia entre eles, porquanto os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes e depositavam aos pés dos apóstolos; então, se distribuía a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade”. Ainda não é uma sociedade de produção, apenas de consumo, por causa da conjuntura momentânea da esperança imediata da volta de Cristo.

A comunidade primitiva continuou com esta prática revolucionária solidária (que a Igreja chama de diaconia) Império Romano adentro com o passar dos anos:
I Co 16.1-2: Quanto à coleta para os santos, fazei vós também como ordenei às igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade, e vá juntando, para que se não façam coletas quando eu for.
I Tm 6.6-11: De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores. Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas; antes, segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão.
Aristides, cidadão romano (não cristão) de 125 d.C. escreve sobre os cristãos: “Eles andam em humildade e bondade: não existe falsidade entre eles; amam uns aos outros, se ouvem que alguém dentre eles é preso ou oprimido por causa do nome do seu Messias, todos providenciam para suas necessidades, e quando possível de ser liberto eles o libertam e se há alguém entre eles pobre e necessitado, jejuam dois ou três dias para suprirem-no com alimento de que precisa”. “Eles não desviam a sua atenção das viúvas, e os órfãos eles libertam de quem os violenta”.
Justino 67.1: “Nós, depois disso, (após terem sido batizados) recordamos constantemente para o futuro entre nós estas coisas; e os que possuímos bens socorremos todos os necessitados e sempre estamos unidos uns com os outros”.
Justino 67.6: “Os que possuem bens e quiserem, cada qual segundo sua livre determinação, dão o que lhes parecer, sendo colocado à disposição do que preside o que foi recolhido. Ele por sua vez socorre órfãos e viúvas, os que por enfermidades ou outro qualquer motivo se encontram abandonados, os que se encontram em prisões, os forasteiros de passagem; em uma palavra, ele se torna provedor de quantos padecem necessidade”.
Justino 62: “O diácono – se o presbítero não estiver presente – dará, em caso de necessidade, o signum aos enfermos com solicitude. Depois de dar-lhes quanto é necessário e receber o que for distribuído, dará graças e aí comerão. Todos aqueles que recebem devem dar com desvelo: se alguém receber algo para levar a uma viúva, a um enfermo ou a alguém que se dedique à Igreja, leve-o no mesmo dia; se o não fizer, leve-o no dia seguinte, aumentando com algo de seu o que havia – por ter permanecido na sua casa o pão dos pobres”.
Tertuliano pergunta sobre a situação de uma mulher cristã que está casada com um pagão: “Ele lhe permitirá ir rua por rua e penetrar em casas de estranhos e principalmente nos barracos dos mais pobres para visitar os irmãos?”

É a tentativa de resistir contra o modo de produção escravista romano explorador pela prática da solidariedade e da comunhão: isto é subversão. A diaconia é subversiva por princípio, portanto: diaconia não é só dar sopa e roupa velha aos pobres, mas é construir as bases do processo revolucionário do Reino de Deus a partir de uma nova prática revolucionária de vida com os oprimidos.

A economia determina o jeito de pensar e de expressar a fé e isto leva a maioria dos cristãos (também as igrejas) a se guiar pela ideologia capitalista e não pelo Evangelho de Jesus Cristo em sua prática de vida, no seu jeito de pensar e fazer teologia. Por isso a teologia e a leitura da Bíblia são determinadas pela compreensão de sociedade que o capitalismo impõe e temos muita dificuldade em compreender a Bíblia por causa disto. Mais ainda, porque a Bíblia propõe a construção de uma nova sociedade não classista, que é o Reino de Deus, o que não entra na nossa compreensão de mundo determinada pelo capitalismo que diz que a sociedade sempre foi assim e sempre será assim. O que é uma mentira, pois no Modo de Produção Tribal não havia classes sociais, nem propriedade privada dos meios de produção e nem Estado. A partir disto dá para entender a teologia da Conquista que servia para justificar a ganância capitalista dizendo que se veio à América para fazer missão cristã. O período da Conquista e do Colonialismo nas Américas, juntamente com o da África, Ásia e Oceania, via extermínio da população originária, escravidão, saque, pirataria e comércio monopolizado pela metrópole serviu para dar um salto de qualidade do capitalismo para a assim chamada Revolução Industrial que levou ao atual estágio Imperialista comandado pelo setor financeiro. A teologia era (e continua sendo) moldada conforme as necessidades de acumulação do capital contra toda a lógica do Evangelho. A pregação pura e reta do Evangelho na igreja, normalmente, é história para boi dormir. Normalmente prega-se somente o que o capitalismo permite, pois normalmente a nossa teologia é determinada pelo capitalismo. No entanto, alguns são subversivos e muitos morreram por isso, também no Brasil. Nossa lista de mártires no Brasil é grande, mas não contém o nome de nenhum luterano, que eu me lembre. Os/as mártires normalmente são leigos, assim como os profetas e profetisas do AT não eram sacerdotes em sua esmagadora maioria. Isto já explica alguma coisa.

4. Por que a Ceia do Senhor é subversiva?
A celebração da Ceia do Senhor incorpora e parte da Teologia da Cruz e aponta para a construção de uma nova proposta econômica e social baseada na proposta de uma coletividade fraterna e igualitária construída a partir da fé em Jesus Cristo onde a comida e a bebida estão para todos, conseqüentemente também os meios para ter uma vida digna, plena e abundante (Jo 10.10) a partir da comunhão plena com as pessoas e com Deus. A Ceia do Senhor incorpora no dizer de Lutero a ressurreição do corpo:

"Os antigos [pais da Igreja] disseram muito bem: ele [Jesus Cristo] não quis instituir o Sacramento [do Altar], a fim de que [somente] o coração o rece¬besse espiritualmente, e, sim, para que também [fosse recebido] corporal¬mente pela boca. Por isso, corpo e sangue de Cristo não deverão apenas redi¬mir a esta [a alma] dos pecados, e, sim, também o corpo, no qual ainda exis¬te muita imundície, a saber, pecado, morte. ... Desse modo ele [Jesus Cristo] dá alimento, para que [a pessoa inteira] seja alimentada pelo [via] corpo, para que não [fosse alimentada] apenas a alma, e, sim, o corpo, porque aqui nosso corpo participa do corpo de Cristo ... . No dia derradeiro, o que o verbo der¬radeiro operou e o que o corpo e o sangue [de Jesus Cristo] operaram será o¬perado também em meu corpo: força e vida, pureza, vida, e bem-aventurança, e o ser humano então se alegrará muito em Deus. Isso sucede em virtude do corpo e sangue de Cristo, quando o coração está alegre no Senhor ... então o corpo sente a alegria do coração - e transborda. Se isso ocorre a partir do corpo e do sangue de Cristo, o corpo [da pessoa que crê e comunga] já é meio espiritual, está renovado e livre da morte. Aí [a renovação, a libertação da morte] toma seu começo... Por isso se deve gostar de falar disso como de uma outra medicina contra a morte e o pecado, contra a [morte] da alma e do corpo." Martinho Lutero, D. Martin Luthers Werke - kritische Gesarntausgabe. 45 [1911/1964], 202.5-19.

Celebrar a Ceia do Senhor em memória de Jesus Cristo é trazer à tona a sua mensagem central, a luta pelo Reino de Deus, que faz parte do processo de salvação individual e coletiva, de todos os crentes coerentes em sua prática de vida segundo o Evangelho do Reino de Deus. Na verdade, participar da Ceia do Senhor é ter o gostinho antecipado da Ceia no Reino de Deus completo após o Juízo Final, onde, segundo o Apocalipse, não haverá mais luto, nem dor, nem choro, coisa usual numa sociedade de classes opressora. A volta de Cristo aponta para a superação total da estrutura social classista opressora. Isto está embutido na Ceia do Senhor em memória de Cristo. Está também embutida toda a ação contestatória de Cristo em seu ministério na Palestina, desde o nascimento ameaçando o reinado fantoche de Herodes, passando pela sua pobreza evangélica, pregação e sinais concretos de restauração da vida das pessoas com as quais teve contato neste processo de construção do Reino de Deus, incluindo a cruz e a ressurreição. Em memória de mim, embute toda a prática revolucionária do Reino de Deus feita por Jesus, que já está no meio de nós.

A Ceia do Senhor é essencialmente contestadora do capitalismo porque está projetando a esperança de uma nova sociedade igualitária, de irmãos, onde não há exploração, pois haverá comida e bebida para todos, e uma sociedade reconciliada, pelo perdão dos pecados, com seu Criador e com seu próximo. O capitalismo diz que não há esperança de haver uma nova sociedade, pois o capitalismo é o fim da história; vive-se apenas a opressão do presente eternamente, no máximo uma amenização da exploração (ou como diria o Bush: uma humanização da tortura) numa versão social democrata do Estado do Bem Estar Social, que não deixa de ser capitalista, portanto mantenedora da opressão de classe. Obviamente que a proposta do Estado do Bem Estar Social é melhor que a proposta Neoliberal que tentou desmontar esta proposta social democrata que concede mais direitos à classe trabalhadora, mas não deixa de ser uma proposta capitalista. Personalizando: entre o Lula e o FHC, fico com o Lula (que mesmo assim ignorou bandeiras históricas de seu partido e não fez mudanças estruturais, porque a social democracia não faz mudanças estruturais e também porque não se preocupou em organizar e formar ideologicamente as massas. Por que? Porque um partido social democrata só faz reformas e não encaminha revoluções.). A Ceia do Senhor remete à palavra da necessidade de se dar razão da esperança que há em nós (1 Pe 3.14-17). A Ceia do Senhor embute em sua celebração a esperança e a luta já aqui e agora pelo Reino e sua justiça que conduz à superação do capitalismo. Celebrar a Ceia do Senhor é se comprometer na luta contra o capitalismo, que é a antítese da proposta da Ceia do Senhor, pois o capitalismo está baseado na exploração do ser humano e da natureza para conseguir o lucro individual ou empresarial a qualquer custo, nem que isto ameace a existência da humanidade e de toda a biodiversidade no Planeta Terra. Na história do desenvolvimento do capitalismo já vimos isto no tempo do Colonialismo onde os capitalistas europeus exterminaram toda a população originária de ilhas inteiras (tanto nas Américas como na Oceania), também de aves, animais e plantas sem pestanejar, pois para os capitalistas europeus isto era uma necessidade para garantir o lucro; e este é sagrado, está acima de qualquer vida e requer todo e qualquer sacrifício, até dos próprios capitalistas menos eficientes e espertos que vão à falência devido às crises inerentes ao próprio sistema que tem a função de concentrar o capital sempre em menos mãos. Estamos assistindo a isto agora com as negociações sobre o Aquecimento Global onde as nações economicamente mais poderosas e mais poluidoras se negam a assinar qualquer compromisso em reduzir as emissões de CO², pois isto acarretaria menos lucro para as empresas, não prejuízo, apenas menos lucro e menos lucro para os capitalistas já é prejuízo. Esta é a insanidade do capital, que para se desenvolver ilimitadamente vai se autodestruir; só o diabo poderia inventar algo assim.

Hugo Penteado, autor do livro: Ecoeconomia Uma nova Abordagem, diz: “O problema climático está sendo tratado como uma questão isolada por quase todas as mentes pensantes, exceto os cientistas sérios da Terra. Os problemas ambientais planetários, que são vastos e ameaçadores, e que não se resumem apenas no aquecimento global, derivam das nossas ações diárias, do nosso comportamento em relação à natureza e da rota de colisão que decidimos traçar contra a Terra, guerra da qual não sairemos vencedores. Ecossistemas extremamente interligados estão em vias de passar por uma transformação brusca e não linear, caso essas ações diárias ligadas ao nosso modelo de produção e consumo não sejam abolidas”. Em outras palavras: o capitalismo está destruindo a possibilidade de se continuar mantendo a vida humana no Planeta. Nos anos 70 se dizia que as bombas atômicas iriam destruir a vida no Planeta, hoje sabemos que é o capitalismo que vai fazer isto, caso não o eliminemos. Ou acabamos com o capitalismo ou ela acaba com a humanidade! Só para lembrar: a social democracia não é a salvação, pois é um capitalismo apenas com outro penteado. Foi a direção da social democracia alemã que assassinou Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht em 1919.

Por isso Marx dizia que o capitalismo produz dentro de si o mecanismo de autodestruição que é a classe trabalhadora, mas esta para despertar precisa mais do que um chacoalhão, pois esta dorme sonhando com as migalhas que caem da mesa de seus amos. Dentro disto cabe a 1ª prioridade da ação eclesial que é a tarefa da proclamação evangélica profética de que a pessoa e toda a sociedade são e permanecem pecadoras (Mc 1.15) e de que Deus justifica, salva e recria a pessoa arrependida (Rm 1.16-17) pela mediação verbal (Mc 2.1-12; Mt 9.22), e também, pela mediação palpável e degustável dos sacramentos em meio a comunidade (Mt 28.18-20; Mt 26.26-28). Ao celebrar a Ceia do Senhor a pessoa assume, a partir do batismo e da fé, o projeto do Reino de Deus que quer eliminar o capitalismo por ser instrumento do diabo. Por isso ao participar da Ceia do Senhor e não estar disposto a lutar pelo Reino de Deus (que significa lutar contra o capitalismo e todo e qualquer sistema econômico opressivo ainda incorporado ao capitalismo, como o escravismo) é o mesmo que se destinar à condenação, pois tomamos a Ceia do Senhor para a salvação ou para a perdição. Assim também é com o Evangelho do Reino de Deus quando é pregado, ele sempre traz duas reações: aceitação ou rejeição.

A Ceia do Senhor é subversiva porque propõe não o individualismo capitalista, mas a comunhão fraterna entre irmãos/ãs, portanto, a convivência entre iguais e conseqüentemente uma sociedade não classista. A Ceia do Senhor é subversiva porque subentende a existência de uma comunidade e não de uma fé desvinculada da comunhão e luta coletiva em favor do Reino de Deus (e obviamente contra o capitalismo) das pessoas que crêem em Jesus Cristo. A Ceia do Senhor é subversiva porque subentende a salvação que vem de fora de nós, pois no capitalismo tudo depende da ação das próprias pessoas para subir na vida à custa dos outros. No capitalismo cada um se salva a si mesmo pela exploração dos outros, pois ser salvo no capitalismo é ser rico. Infelizmente, para os ricos e aqueles que o querem ser, Jesus não tem palavras muito amáveis a respeito da riqueza porque ele sabia como ela era gerada (Mt 19.16-30; Lc 6.24-26; 1 Tm 6.10; Ap 18.9-15). Os capitalistas sempre dizem, mentirosamente, ‘eu tenho porque eu trabalhei’, sabendo que o que eles têm veio do trabalho explorado da classe trabalhadora. Querem dizer que a sua riqueza é obra sua, quando ela na verdade foi gerada pela exploração da classe trabalhadora no processo de produção da mercadoria no qual está embutido um tempo de trabalho não pago, que gera o capital, o mais valor. Isto nos mostra que a origem do capital está no roubo, por isso ele é diabólico. No capitalismo a pessoa se ‘salva’ pela exploração dos outros conseguindo muita riqueza para se garantir na vida. Quando na verdade a única coisa que nos pode garantir é a fé em nosso Senhor Jesus Cristo (1 Jo 5.4), pois esta nos concede a salvação de graça. Somos totalmente dependentes da ação de Deus em Jesus Cristo na cruz para nossa salvação e não há nada que mude isto. O capitalismo não salva, somente a fé em Jesus Cristo salva. Os cristãos dizem que somente Jesus Cristo salva, mas vivem como se somente o capitalismo salvasse e a maioria deles não admite qualquer crítica e muito menos a luta pela eliminação do capitalismo, que consideram instrumento de Deus, quando na verdade é instrumento que o diabo usa para tentar impedir a construção do Reino de Deus.

A teologia de Paulo da salvação por graça e fé bate frontalmente com a ideologia capitalista que diz que somente se tem quando a gente se esforça e trabalha, o que é uma mentira, pois o/a trabalhador/a se esforça e se mata trabalhando e nunca tem nada. O capitalismo diz que a salvação vem das próprias obras, por isso é justificado aquele que tem posses e riquezas (está salvo, segundo a teologia do deus capital), é considerada pessoa de bem (mesmo sendo o maior pilantra e assassino) e quem não tem posses é preguiçoso e vagabundo, portanto, pessoa má e por isso longe de Deus e sem salvação. Dentro da teologia da prosperidade que é a teologia oficial do capital, pobre não tem salvação porque está longe de Deus. Se estivesse perto de Deus seria rico. Dentro disto o Natal é uma cacetada, pois desmonta isto radicalmente pelo fato de Deus ter se tornado pessoa em uma criança camponesa empobrecida e a cruz de Cristo continua na mesma linha. Tudo coisa ilógica para o sistema. No capitalismo a pessoa é justificada pelas suas obras que geraram sua riqueza, segundo ela diz, mas de fato ela tem porque alguém outro trabalhou para que ela tivesse estas riquezas. Isto o capitalista nunca vai aceitar como verdade. Ele vem então com esta conversa de como é difícil juntar dinheiro para poder pagar os empregados e os impostos (outra mentira espalhada pelos patrões de que eles pagam muitos e muitos impostos. Eles não pagam imposto algum, apenas o recolhem, pois os valores dos impostos estão embutidos no preço das mercadorias. Os únicos que pagam impostos são os consumidores.) e que o trabalhador não precisa se preocupar com nada enquanto que o capitalista perde o sono para garantir o salário do peão. No fim do expediente o trabalhador vai tranqüilo para casa enquanto que o capitalista não consegue dormir se preocupando em ter dinheiro no fim do mês para pagar os empregados e os impostos. Para este papo eu sempre digo: então faça a troca. Entrega a empresa para os trabalhadores administrar (coisa que eles já estão fazendo de qualquer forma) e seja um peão se isto é tão bom assim. Aí a farsa acaba, pois eles saltam longe.

O capitalismo, por ser obra do diabo, é cheio de mentiras, se mantém e se constrói em cima de mentiras. Desta forma a teologia da salvação por graça e fé é revolucionária porque desmonta a teoria capitalista da salvação por obras próprias, que na verdade nem obras próprias são, mas o capitalista jura de pés juntos que o que tem veio unicamente de seu trabalho e esforço. A compreensão de salvação no capitalismo se dá pela posse de bens e riquezas conseguidas com o seu esforço (o que é mentira), pois são consideradas bênçãos de Deus (o que também é mentira, porque roubo não é bênção de Deus). Se tenho é porque fui abençoado por Deus e se fui abençoado por Deus é porque já estou salvo. Sou salvo por obra própria, pelo meu trabalho. A salvação de graça pela fé nos empurra automaticamente para a luta em favor do Reino de Deus, que automaticamente quer destruir o capitalismo, por causa de sua exploração inerente a ele e por causa da divinização do próprio sistema; o que nos leva a falar do primeiro mandamento. Está inerente ao sistema a fetichização do dinheiro, da mercadoria e do capital, que são o trino deus do sistema; que querem tomar o lugar da Trindade (Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo). Além disso, o capitalismo é adepto da teologia da ressurreição da alma que justifica a exploração sem medida dos corpos da classe subalterna porque são descartáveis, pois o que importa é que a alma imortal esteja salva. Ressurreição da alma e imortalidade da alma andam de mãos dadas com o capitalismo, para legitimá-lo. Na Ceia celebramos que Cristo morreu por nós para o perdão dos nossos pecados, portanto a salvação não é obra nossa, mas de Cristo. Além do mais, o capitalismo não salva, como ele pretende nos fazer entender, só Jesus Cristo salva.

O capitalismo não é deus, por isso não pode salvar ninguém, apenas pode levar à perdição. Mas por outro lado, foi tornado deus pelos seus seguidores e criadores e por isso tem poder como de um deus sobre seus criadores, mesmo sendo falso e não existindo. Dinheiro, mercadoria e capital são obra e fabricação humana tornados deuses pelos seus próprios criadores para a sua própria perdição. O criador (trabalhador) torna a sua criação (a mercadoria, o dinheiro) divina que detém poder sobre seu criador, determinando a sua vida e a sua morte. Combater o capitalismo é combater a idolatria. A idolatria escraviza e mata. O livro de Juízes já nos fala disto dizendo que cada vez que o povo de Israel seguia falsos deuses se tornava vassalo dos cananeus. Cada deus tem seu projeto de sociedade. Lembrando que só existe um Deus (a Trindade), os outros deuses são falsos e inexistentes por serem criação humana para garantir a exploração de uma classe sobre a outra. Os falsos deuses são inexistentes de fato, mas reais na cabeça do povo que os adoram e determinam sua vida. O mais complicado acontece com os cristãos que dizem crer em Jesus Cristo, mas vivem segundo a dinâmica proposta pelo deus capital, jurando que não são idólatras. Esta é a confusão que o diabo cria: é o diabo sendo adorado na forma de Jesus Cristo por aqueles que se dizem inimigos do diabo. Todo deus tem um projeto de sociedade. O deus falso tem como projeto: a sociedade de classes (onde a classe que controla os meios de produção também controla o Estado (e a Religião via templo) para garantir a exploração da classe que não controla os meios de produção); Javé tem como projeto a sociedade sem classes, igualitária, sem estado, organizada sob o Poder Popular, sem templo e onde os meios de produção (terras, máquinas, bancos, indústrias, máquinas, tecnologias e conhecimentos) estão sob o controle de toda a sociedade. Quando uma pessoa que se diz cristã diz que não se pode combater o capitalismo para eliminá-lo ela está negando a sua fé em Jesus Cristo, tornando o capitalismo um deus, pois o capitalismo é obra humana e obra humana sempre é passageira e mortal.

5. Por que o Evangelho do Reino de Deus é subversivo?
O Evangelho do Reino de Deus é subversivo porque ele aponta para a construção de uma nova sociedade não classista em oposição à atual. O simples fato de Jesus dizer que ele foi enviado para anunciar o Evangelho do Reino de Deus (Lc 4.43) já por si só é subversão, pois está dizendo que o reino romano não serve e por isso Deus se fez pessoa em Jesus de Nazaré para propor como alternativa o Evangelho do Reino de Deus. Quando os cristãos querem participar da construção do Reino de Deus eles automaticamente querem destruir o capitalismo, pois ele é o instrumento que o diabo usa para tentar impedir a construção do Reino de Deus. Simples assim! No entanto, nem um pouco simples porque o capitalismo está dentro de nós como um vírus que nos destrói a partir de dentro (de dentro da própria comunidade cristã e da própria pessoa individual) e destrói toda a humanidade. Ou acabamos com o capitalismo ou ele acaba com a humanidade, pois este é o projeto do diabo: acabar com a humanidade por ser criação de Deus à sua imagem e semelhança. O pior é que os melhores aliados do diabo são exatamente os cristãos que defendem o capitalismo como a única forma de organizar a sociedade, negando o Evangelho de Jesus Cristo que está construído em cima da esperança do Reino de Deus. A história do Brasil nos mostra isto muito bem desde o passado da Conquista até o presente. O massacre dos povos originários, o massacre pela escravidão dos povos africanos, o massacre dos movimentos camponeses messiânicos ou não, o massacre dos operários que se organizavam em sindicatos e partidos que lutavam contra o capitalismo e o massacre da própria natureza tida como mercadoria inesgotável são a prova disto. Tudo feito em nome da fé cristã que faz parte da civilização capitalista ocidental.

Aí vem o Evangelho do Reino de Deus para desmontar toda a sociedade construída em cima do capitalismo dizendo ser possível um mundo novo, e não só isso, mas dizendo que é da vontade de Deus que este mundo, hoje, o capitalismo, seja desmontado para no seu lugar ser construído o Reino de Deus. Aí vem o Evangelho do Reino de Deus dizendo que há esperança e de que este mundo já foi vencido por Jesus Cristo na Páscoa (Jo 16.33). É o Deus tornado classe camponesa em Jesus de Nazaré que veio até nós, para, a partir da luta de classes existente, como no Êxodo, nos guiar para fora do capitalismo para esta nova sociedade não classista, igualitária, fraterna, onde os meios de produção pertencem ao coletivo e onde não há Estado, que Jesus chama de Reino de Deus. Mais radical que no Êxodo (Êx 3-15; Js 6-8), agora é o próprio Deus tornado pessoa na classe subalterna que comanda, orienta e guia a comunidade cristã na luta pelo Reino de Deus desmontando o atual sistema dominante opressor. Se este Deus não é subversivo, o que é então ser subversivo? É para esta luta que fomos batizados. Não é isto que nos é contado nos cursos de batismo. Assim como os primeiros cristãos eram preparados teologicamente para o martírio devemos preparar hoje as comunidades para o combate contra o capitalismo, que vai trazer de volta o martírio. Não que queiramos isto, como forma de nos salvar, mas isto será automático, pois o diabo não vai deixar barato. É a teologia da cruz que é muito esquecida que está de volta. Por isso está mais do que na hora de recolocarmos o crucifixo nos altares de nossas igrejas, porque na luta contra o capitalismo haverá muito martírio (como já houve e ainda há, mas não é visto como tal, como o martírio do Dinho na Rondônia, do casal ecologista Claudio e Maria do Espírito Santo no Pará em maio de 2011), pois o diabo não vai deixar barato a contestação ao seu sistema de dominação. É a luta de Jesus Cristo contra o deus capital.

Os termos: Evangelho do Reino de Deus, são termos tirados do sistema opressivo romano para combatê-lo: evangelho e reino. Marcos começa dizendo: “Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus”. Aqui começa a Boa Nova de Jesus Cristo em oposição ao evangelho do Império Romano. Como distinguir um do outro? Pelo seu resultado. Lendo o Evangelho segundo Marcos você verá a diferença, pois o Evangelho de Jesus Cristo promove a vida e o evangelho romano é a notícia da morte anunciada ao Senado em Roma de milhares pessoas nos campos de batalha e a morte futura pela escravidão, dos que foram aprisionados na guerra para conseguir escravos para alimentar a máquina escravocrata Romana. A diferença dos evangelhos é o resultado: o Evangelho de Jesus Cristo promove a vida, aqui, agora e eternamente, e o evangelho de Roma (hoje do capitalismo) promove a morte aqui, agora e sempre. Trocando e atualizando o Imperialismo Romano pelo Imperialismo Capitalista estamos no mesmo lugar em formatos semelhantes. Por que o Evangelho de Jesus Cristo promove a vida? Porque ele é Filho de Deus, coisa que o imperador de Roma não é, mesmo dizendo ser a encarnação da divinização do Estado, por isso seu evangelho promove a morte e a escravidão. Com o surgimento da República o Estado deixou de ser divino, mas continua tendo o mesmo papel de legitimar a opressão de classe. No Estado do Direito burguês (monarquista ou republicano) temos algo parecido com uma espécie de divinização que esconde a opressão capitalista. Agora vivemos no Estado do Direito e, portanto, chegamos à perfeição e não há outro modelo de poder além deste Estado de poder burguês representativo, onde a maioria dos representantes é da classe capitalista ou à serviço dela. Em 2010 elegemos para o Congresso Nacional 220 milionários e boa parte dos restantes foi financiado pelo capital e em 2006 foram eleitos pelo poder econômico 369 deputados e senadores. Isto se chama democracia burguesa, Estado de Direito, que sempre vai defender os interesses do capital e concederá somente via luta apenas migalhas aos trabalhadores. Com isto se está tentando dizer que chegamos ao fim da história e que não é possível construir o Poder Popular numa sociedade sem classes sociais e igualitária onde os meios de produção pertencem à toda a sociedade. A democracia representativa burguesa não é o fim da história, é apenas mais um mecanismo de controle sobre a classe trabalhadora. No primeiro versículo Marcos já deixa claro a que Jesus Cristo veio. Veio para anunciar a superação do sistema de morte promovida pelo Império Romano a partir do Evangelho de Jesus Cristo que tem como proposta o Reino de Deus: uma sociedade não classista composta de irmãos/ãs a partir da fé em Jesus Cristo confirmada no batismo e concretizada na vivência diária da Ceia do Senhor, já aqui e agora e completada plenamente na volta de Cristo.

6. Por que Deus é subversivo?
Porque ele, na luta de classes que há na sociedade do AT, se coloca do lado da classe oprimida para conduzir a luta por sua libertação num processo de construção de uma nova sociedade não classista em oposição ao Modo de Produção Tributário nas montanhas da Palestina, e mais, no NT, ele se torna classe oprimida em Jesus de Nazaré, um camponês palestino marginalizado sem terra e sem teto que é condenado à cruz como herege pelo Templo e como subversivo pelo Estado (Lc 23.1-5). Haja contradição, Deus, encarnado num camponês (o que para a classe dominante já é um ultraje imperdoável, porque Deus sempre tem que estar com a classe que controla o Estado para dominar melhor o povo pela teologia; deus (em minúsculo) sempre foi um instrumento à serviço da dominação, mas este Javé imperdoavelmente é um Deus de camponeses à serviço do interesses destes e não do Estado opressor), sendo condenado por falar de Deus de uma maneira falsa, segundo o entendimento da religião judaica que não se opunha ao modo de produção escravista vigente. Decididamente a fé em Deus não dá para separar da política (Êx 18) e esta não dá para separar da economia (Êx 16) e esta para funcionar bem à serviço da classe economicamente dominante necessita do Estado para controlar a classe que trabalha: pela política repressiva do aparelhos do Estado e pela religião. O inconcebível é que Javé é um Deus que não se deixa controlar pela classe que controla o aparato do Estado, pelo contrário se põe a lutar contra o Estado para aniquilá-lo, por ser um instrumento de dominação de classe. Aniquilando o Estado aniquila a sociedade de classes que sem o Estado não consegue subsistir (Js 6-8; 1 Sm 8). A partir daí temos a sociedade tribal israelita (Deus que luta) nas montanhas da Palestina. Uma sociedade onde todos trabalham, onde os meios de produção pertencem ao coletivo, onde não há classes sociais, onde não há templo e por isso não se precisa do Estado. Deus é subversivo porque luta contra o Estado (Dt 6.21-23), que é o instrumento de opressão da classe economicamente dominante para se perpetuar no poder e perpetuar o processo espoliatório sobre a classe subalterna, hoje a classe trabalhadora e a classe média (que normalmente é aliada à classe capitalista, porque quer ser igual a ela, o que é impossível porque ela não controla os meios de produção, nem o aparato do Estado e nem o processo ideológico capitalista). Deus é subversivo porque luta contra a sociedade de classes e luta para que os meios de produção pertençam à toda sociedade (“A terra não se venderá em perpetuidade porque ela é minha diz o senhor”, Lv 25). A natureza é de Deus para garantir a vida da humanidade e o Planeta Terra é um ser vivo, assim como as plantas e demais seres vivos existindo nele, portanto a Natureza não é mercadoria à serviço do capital, não é objeto, coisa, mas é criação viva de Deus. O capitalismo encara o Planeta Terra como mera mercadoria passível de extração de produtos para a fabricação de mercadorias, porque no processo de fabricação das mercadorias é que se extrai o lucro. O capitalismo vive da exploração do Planeta e da exploração do ser humano. Encarar o Planeta como um ser vivo, por ser criação de Deus, não passa na cabeça de nenhum capitalista. A dinâmica do Planeta Terra mostra que ele é um ser vivo. Você vai lá derruba a mata, queima, e o que acontece? Brotam das cinzas plantas cujas sementes estavam escondidas no solo. Você joga uma bomba atômica em Hiroshima e o que acontece? Brota uma árvore chamada ginkgo biloba. Nem a radioatividade pode matar a natureza criada por Deus. A vida está dentro do Planeta e ao redor dele. As pessoas e a natureza são de Deus, por isso são sagradas, e não mercadorias para serem compradas e vendidas segundo o preço do mercado. Assim, a essência do capitalismo está derrotada pelo Evangelho de Jesus Cristo, pois o capitalismo necessita tornar as pessoas e a natureza como mercadorias, como coisas, para obter o seu lucro. Pois é no processo de produção da mercadoria (cujas matérias primas são extraídas da natureza) que se produz o lucro pelo não pagamento de parte do trabalho à classe trabalhadora.

Enfim, Deus é subversivo porque não se fez pessoa na classe dominante, mas na classe camponesa dominada para acabar com a opressão econômico-político-cultural-ideológica-religiosa pela construção do Reino de Deus que é a nova sociedade que Deus quer. Deus é subversivo porque não reproduz a dinâmica da opressão do modo de produção vigente, mas quer acabar com a opressão que provém do modo de produção construindo um novo modo de produção a partir do oprimidos. Deus é subversivo porque o Evangelho do Reino de Deus é uma boa notícia de esperança aos oprimidos (Lc 7.18-23): não estamos condenados a viver eternamente na opressão capitalista, mas somos convidados por Deus para participar da construção deste Reino que acabará com as injustiças (2 Pe 3.13: Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça.) e construirá um mundo baseado no amor a Deus, acima de tudo, e ao próximo, como princípio de vida, como diz em Mc 12.33: “amar a Deus de todo o coração e de todo o entendimento e de toda a força, e amar ao próximo como a si mesmo excede a todos os holocaustos e sacrifícios”. Com isto o Evangelho supera e acaba com a Religião, que sempre precisa de sacrifícios.

7. Por que os cristãos são pelegos (em sua esmagadora maioria)?
A maioria dos cristãos são pelegos porque se conformaram com este século, hoje, o capitalismo. Não apenas se conformaram, mas o defendem com unhas e dentes. O capitalismo é seu deus, mesmo negando tal fato, pois a sua prática mostra isto de forma clara. Por isso Martim Lutero diz que devemos fazer análise permanente da nossa realidade para entendê-la para não sermos enrolados e cooptados pelo diabo:

“Se me fosse possível começar, hoje, a pregar o evangelho, eu o faria de modo bem diferente. Deixaria toda essa grande e rude massa de gente debaixo do regime do papa. Eles não se emendam mesmo, pelo Evangelho, mas só abusam de sua liberdade. Em vez disso pregaria o Evangelho e o consolo especialmente para as consciências temerosas, humilhadas, desesperadas e simples. Por isso o pregador deve conhecer o mundo muito bem e reconhecer que ele é desesperadamente mau, propriedade do diabo, na melhor das hipóteses. Eu é que fui estupidamente ingênuo, não sabendo quando comecei, como eram as coisas, pensando que o mundo seria muito piedoso e, tão logo ouvisse o evangelho, viria correndo para aceitá-lo com alegria. Mas agora descubro, com grande dor, que fui vergonhosamente enganado” (Reflexões em torno de Lutero’ vol. I uma Edição especial da Revista “Estudos Teológicos” de 1981, editado pela Faculdade de Teologia da IECLB em São Leopoldo).

Lutero tem razão em dizer que os cristãos são ingênuos, inocentes úteis e rude massa de manobra. Por que? Porque aprenderam teologia na igreja a partir do ponto de vista da ideologia capitalista (ou da teologia do deus capital) que os faz se conformar com este século e não enfrentá-lo para eliminá-lo. Por que se aprende a teologia desta forma? Porque são os capitalistas que mandam na igreja e determinam como se deve fazer teologia. É a dinâmica do capital que diz como se deve ler e entender a Bíblia e como se deve crer e viver a fé em Deus para que nada questione e anule o capital. Desta forma se transforma a teologia de Javé, o Deus da classe oprimida, em teologia do deus capital, o deus da classe opressora. Assim como foi no período da Conquista, onde a igreja oficial a serviço do capital autorizou a matança e a escravidão, continua sendo hoje, apenas de forma mais sutil e camuflada. Os cristãos na sua ingenuidade e cooptados pela ideologia capitalista não enxergam isto. Só para lembrar isto vai aqui uma parte da Bula Romanus Pontifex, de 8 de janeiro de 1454, do papa Nicolau V, que concedeu ao Infante D. Henrique o monopólio português das expedições marítimas, entendida como obra missionária, (escrita para legitimar a escravidão e o tráfico de mão de obra escrava, após Portugal ter iniciado, há dez anos, o comércio super lucrativo de escravos da África) onde diz o seguinte:

“Não sem grande alegria chegou ao nosso conhecimento que nosso dileto filho infante d. Henrique, incendido no ardor da fé e zelo da salvação das almas, se esforça por fazer conhecer e venerar em todo o orbe o nome gloriosíssimo de Deus, reduzindo à sua fé não só os sarracenos, inimigos dela, como também quaisquer outros infiéis. Guinéus e negros tomados pela força, outros legitimamente adquiridos foram trazidos ao reino, o que esperamos progrida até a conversão do povo ou ao menos de muitos mais. Por isso nós, tudo pensando com devida ponderação, concedemos ao dito rei Afonso a plena e livre faculdade, entre outras, de invadir, conquistar, subjugar a quaisquer sarracenos e pagãos, inimigos de Cristo, suas terras e bens, a todos reduzir à servidão e tudo praticar em utilidade própria e dos seus descendentes. Tudo declaramos pertencer de direito in perpetuum aos mesmos d. Afonso e seus sucessores, e ao infante. Se alguém, indivíduo ou coletividade, infringir essas determinações, seja excomungado”.

Após a invasão portuguesa de 1500 o termo ‘subjugar a quaisquer pagãos’ se aplicaria às populações brasileiras chamadas de “bugres”, que significa ‘pagãos’. Se forem pagãos então a gente pode escravizá-los e matá-los, pois temos ordens santas para isto. O Juízo Final para com a igreja (em minúsculo) de ontem e de hoje vai ser duro.

O que os cristãos acabam fazendo é igualando o capitalismo com o Reino de Deus. Como eles acreditam na propaganda capitalista que diz que não é possível outra sociedade além da capitalista concluem que fé cristã e ideologia/teologia capitalista é a mesma coisa. Esquecem, no entanto no dizer de Lutero, que o mundo é, na melhor das hipóteses, propriedade do diabo. O mundo é o capitalismo. Acreditam que ser cristão é o mesmo que ser capitalista. Assim, todo projeto capitalista para eles é a única possibilidade de desenvolver a sociedade. Por isso acreditam na conversa dos capitalistas que dizem que o progresso tem o seu preço e que necessita de sacrifícios. Por isso muitos cristãos defendem a construção de grandes barragens para a geração de energia elétrica, pois isto é progresso, e os atingidos têm que pagar o preço do progresso com o sacrifício de sua expulsão de seu lugar vivencial para que o grande capital possa ter muito lucro com a geração de energia barata para que as empresas capitalistas nacionais e estrangeiras possam produzir mercadorias baratas para poderem competir no mercado internacional. Os cristãos não conseguem ver neste processo qualquer injustiça, assim como eles não viram, no passado e nem hoje, qualquer injustiça na escravidão e na matança dos povos indígenas para lhes roubar a terra.

Os cristãos, dentro de sua ingenuidade (ingenuidade esta que advém da pregação alienante da igreja que é uma grande aliada e propagadora do capital), também não conseguem ver mal nenhum na chamada Revolução Verde que é um processo de escravidão em cima dos agricultores tirando-lhes a liberdade e submetendo-os à dinâmica capitalista de produção de alimentos onde se fechou o círculo da dependência: os agricultores compram as máquinas via empréstimos bancários, com juros (que é forma financeira de espoliação), que também lhes possibilitam a compra também de adubos químicos e venenos e, por fim, também, as sementes transgênicas e assim perderam o poder sobre todo o processo de produção e são empregados dos capitalistas sem carteira assinada. Hoje todo processo de produção agrícola é controlado pela empresas capitalistas. O camponês é mero peão (sem carteira assinada, sem direitos trabalhistas, sem férias, sem 13º e corre todos os riscos provenientes da natureza: pragas e intempéries, além de entrar com o capital: terra, máquinas e construções - não há escravo mais ideal e melhor do que este, pois ainda defende o modelo do agronegócio que o escraviza, achando ainda que é um ser livre e um produtor independente.) sem decisão alguma que produz segundo o pacote imposto pelo agronegócio, que, por sua vez, é controlado por menos de uma dezena de empresas multinacionais. Os cristãos não conseguem ver nenhum mal na aplicação sem controle dos venenos na agricultura, achando que não há opção aos venenos. Chegam a dizer, sobre o trigo ou feijão que antes de colher recebe uma aplicação do veneno Roundup (que apenas é chamado de secante, para ocultar que é veneno) para morrer mais rápido, pela absorção do veneno pela planta que também se aloja nas sementes (que as pessoas depois de comprar vão comer), para se ter uma colheita mecanizada mais fácil: “Isto não é para comer, é para vender”. Semelhante processo acontece com os porcos engordados em 4 meses pelos agricultores integrados aos frigoríficos. Disse-me o tesoureiro da Comunidade de Marrocas da Paróquia de Pratos que os técnicos do frigorífico lhe disseram: “Não mate um porco antes de três meses para comer, pois você vai morrer”. Por que? Porque a ração até lá está cheia de antibióticos, outros remédios, hormônios de crescimento e engorda e sei lá o que mais. Isso mata. Você acha que em apenas um mês com ração sem estas ‘porcarias’ este animal vai estar descontaminado? Com o leite acontece o mesmo. Um pastor me falou que numa exposição de gado leiteiro um criador ganhou um prêmio pela vaca que produziu 70 litros de leite por dia. Ele assistiu ao fato: o criador tirou o leite da vaca, pesou e jogou o leite fora. Alguém do lado disse: “Não faça isso, dê esse leite para as crianças da creche”. Ao que o criador respondeu: “Não dá, porque esse leite vai matar estas crianças”. Por que? Porque a vaca recebe injeções hormonais e sei lá o que mais para produzir tanto leite, mas esse leite é intragável, mas os criadores que fazem isto vendem este leite para os lacticínios e nós compramos este leite “envenenado” e o damos para nossos bebês. Quem faz isto são cristãos que assimilaram a dinâmica do mercado capitalista. Em outras palavras isto se chama de assassinato em câmara lenta. Não se vê nada de antiético em vender comida envenenada, isto porque o capitalismo não tem ética. A ética do capitalismo é não ter ética, pois para se obter o lucro do jeito como se obtém no capitalismo não se pode ter ética. Isto nos mostra como também a classe subalterna interiorizou a dinâmica do sistema. Este é o papel da ideologia: cooptar a classe subalterna, esconder a opressão e a luta de classes na sociedade.

Pois é,
Feliz 2012!