22 de junho de 2015

Recordar é viver!




O povo de Israel confessava sua fé recordando a história de Deus com seu povo, conforme Dt 6.20-23. A própria confissão de fé é um relato histórico, pois nosso Deus é um Deus que age no processo histórico da luta de classes em andamento para acabar com a luta de classes, acabando com a sociedade de classes e construindo uma sociedade sem classes sociais. Isso podemos ver em Js 6-8. O povo cristão confessa a sua fé (pelo Credo Apostólico, Niceno e outros) recordando e confessando que ele faz parte do processo histórico insurgente da construção de uma nova sociedade não classista que é o Reino de Deus. Esta é a mística que nos conduz na participação no processo revolucionário da construção coletiva do Reino de Deus. A fé em Jesus Cristo a partir de Pentecostes construiu um processo coletivo de resistência frente à sociedade de classes da época que o povo chamou de Igreja, uma assembleia, um processo coletivo, do povo de Deus para participar comunitariamente da construção do Reino de Deus, se insurgindo contra e revolucionando a velha sociedade de classes no sentido de eliminar as bases das relações de dominação e de exploração de classe, que é a propriedade privada dos meios de produção e o Estado. Foi o Estado, aliado à Religião, que assassinou a Jesus Cristo e a milhares de cristãos no Império Romano; e foi o Estado e seus mantenedores capitalistas, no campo e na cidade, que assassinaram milhares de pessoas no processo de construção das ditaduras a serviço do imperialismo estadunidense nos anos 60 a 80 no mundo; e o mesmo Estado que não viabiliza a justiça frente às perseguições e os assassinatos dos pobres e lutadores/as do povo de hoje que lutam para impedir a apropriação dos bens da natureza e da produção coletiva pelo capital.
Toda celebração do povo de Deus estava ancorada no processo histórico da luta de classes no processo histórico de acabar com a sociedade de classes. O culto estava sempre embasado e partia de fatos históricos. Culto de ritos e embasado em ritos da natureza somente é culto pagão. A base do culto cristão é o processo histórico de lutas por justiça e paz (Rm 14.17) na qual a comunidade está inserida na caminhada para construir uma nova sociedade que Jesus Cristo chama de Reino de Deus.
Culto cristão está ancorado no processo na qual a Ceia do Senhor se insere, que é a luta pelo Reino de Deus, uma nova sociedade não classista e não capitalista onde não existe mais a propriedade privada dos meios de produção e consequentemente não existe mais o Estado, que tem a função de defender os interesses da classe economicamente dominante. Quando celebramos a Ceia do Senhor estamos confessando que estamos inseridos no processo insurgente e revolucionário do Reino de Deus que possibilita comida e bebida para todos, o que requer uma sociedade não classista onde não haja mais o controle privado sobre os meios de produção. A Ceia do Senhor lembra o processo histórico da inserção de Javé a partir da classe camponesa, materializado historicamente no camponês artesão sem terra marginal Jesus de Nazaré, para revolucionar a sociedade em direção ao Reino de Deus. Comer o corpo e beber o sangue de Cristo na Ceia é incorporar e assimilar fisicamente o projeto de Jesus Cristo, o Reino de Deus; é incorporar fisicamente a insurgência revolucionária do Reino de Deus na luta contra a sociedade de classes existente hoje, o capitalismo, que é o oposto do projeto do Evangelho de Jesus Cristo.
Celebrar a Ceia do Senhor sem apontar para a utopia revolucionária do Reino de Deus, uma sociedade não capitalista e não classista, é minimizar a Ceia e reduzi-la ao mero rito individual, descomprometido do processo revolucionário coletivo que ela propõe. Individualizar somente a participação na Ceia do Senhor sem se sentir inserido no conjunto do processo histórico da revolução do Reino de Deus é reduzir a Ceia a um mero rito religioso, que nos leva à condenação (1 Co 11.28 Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice; 29 pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. 30 Eis a razão por que há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que dormem. 31 Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. 32 Mas, quando julgados, somos disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo.). À confissão de pecados individuais devem se somar aos pecados estruturais da sociedade dos quais participamos quando reproduzimos a sociedade de classes, ambos devem ser confessados e ambos devem ser deletados (Mc 1.15). Também somos fruto dos pecados estruturais da sociedade e os reproduzimos. A celebração da Ceia do Senhor requer que estes pecados estruturais devem ser deletados, o que requer uma inserção no processo histórico da luta de classes nos partidos políticos de esquerda, no movimento sindical, nos movimentos populares, povos originários, pequenas cooperativas de resistência e ONGs de esquerda para acabar com a sociedade de classes.
Quando a pessoa cristã diz que não existe a possibilidade de construir outra sociedade além da capitalista ela está se conformando com este século e negando o conteúdo da Ceia do Senhor e do próprio Evangelho do Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo; está negando a confissão de fé, tanto do povo de Deus do AT como do NT; está transformando o Evangelho revolucionário do Reino de Deus em mera religião, que se reproduz através de ritos a-históricos e da natureza. O Evangelho se reproduz no processo histórico da luta de classes em direção a uma nova sociedade não classista, de irmãos/ãs, que Jesus Cristo chama de Reino de Deus, que já começou com Jesus Cristo e continua a se viabilizar a partir das classes subalternas no processo de luta contra a sociedade de classes vigente.
Comunidade, que se diz cristã, não inserida no processo histórico da luta de classes contra a sociedade de classes já se desprendeu da essência evangélica, que é a participação no processo histórico coletivo da construção dessa nova sociedade não classista que é o Reino de Deus. Jesus Cristo e milhares de pessoas cristãs morreram assassinados, no passado e morrem assassinados no presente, por causa de sua inserção nesse processo histórico da luta de classes para acabar com a sociedade de classes, hoje chamada de capitalismo. A luta contra o capitalismo faz parte da essência revolucionária da pessoa cristã que alicerça sua luta no Evangelho de Jesus Cristo. O Projeto deste Evangelho poderíamos resumir assim:
1. O Primeiro Projeto Camponês de Javé.
O primeiro modo de Javé construir seu projeto histórico dentro do processo da luta de classes na sociedade começou no Êxodo (Dt 6.20-23; Êx 3). Ali no processo da luta de classes Javé faz a sua opção de classe em favor da classe camponesa escrava hebreia contra a classe que controlava o Estado e contra o próprio Estado para conduzir a classe camponesa sem terra no processo coletivo de luta pela terra para as montanhas da Palestina e ali acabar com o Estado (cidade-estado Js 6-8) e mudar o modo de produção tributário para tribal onde o meio de produção, a terra, agora está sob o controle da coletividade (o clã e a tribo) como proposta econômica de não acúmulo privado (Êx 16), com isso também acontece o processo de participação popular nas decisões políticas (Êx 18.13-27; Nm 27.1-11; Js 8.33-35), uma nova relação de gênero (Gn 1.27; 2.24; Nm 27.1-11; Jz 4.1-9), de etnia (Rt 4.18-22; Js 8.35), de fé (Js 24.14-25) e assim assegurar a liberdade, uma sociedade não classista, igualitária, e sem propriedade privada.
Segundo Nm 26.54 “À tribo mais numerosa darás herança maior, à pequena, herança menor; a cada uma, em proporção ao seu número, se dará a herança.” e Lv 25.25 “Se teu irmão empobrecer e vender alguma parte das suas possessões, então, virá o seu resgatador, seu parente, e resgatará o que seu irmão vendeu.” e Lv 25.23 “Também a terra não se venderá em perpetuidade, porque a terra é minha; pois vós sois para mim estrangeiros e peregrinos.” Terra é posse, herança, e, nunca, propriedade privada (1 Rs 21.2-3), pois a terra é de Deus que a cedeu para o uso do camponês para sua sobrevivência.
2. A continuidade do Projeto Camponês de Javé em Jesus Cristo (Lc 16.16).
Assim, o Projeto Camponês de Javé que ele inicia com a classe camponesa no AT (Êx 1-15), continua, agora, por/em/com o camponês artesão sem terra pobre palestino marginal Jesus Cristo, com o nome de Reino de Deus (Lc 16.16), a partir das classes subalternas do império romano (mulheres e homens: camponeses, artesãos, pescadores, escravos, estrangeiros, sem terra, diaristas, plebeus,). O novo formato coletivo, agora, após Pentecostes, chamado de Igreja, é um dos instrumentos coletivos que Deus usa para construir seu Reino a partir de Jesus Cristo. A Igreja subversivamente começa a solapar, na prática da vida, as bases do Império Romano Escravocrata da propriedade privada dos meios de produção e da mão de obra, tornando pela fé e pelo batismo as pessoas iguais dentro da Igreja. Isto fez com que sonhassem serem iguais também em todas as relações da sociedade, como aponta Paulo em Gl 5.1. Assim, a semente subversiva do Evangelho de Jesus Cristo vai minando aos poucos as bases da sociedade classista escravocrata legitimada pela Religião. Com base na Religião o Estado escravocrata movimenta os seus mecanismos de repressão contra a subversão evangélica libertadora da Igreja condenando à morte as pessoas que eram denunciadas como cristãs.
As pessoas cristãs e suas Igrejas são desafiadas hoje no capitalismo, a partir da classe trabalhadora, classe camponesa e povos originários, a permanecer nesse processo da construção subversiva do Reino de Deus, a partir da fé em Jesus Cristo, do batismo e da celebração da Ceia do Senhor, como convidados, porque receberam a salvação de graça pela fé, que automaticamente as compromete e se inserir nesse processo. Continuamos a lutar a partir da Igreja [e outras religiões], dos Movimentos Populares, Sindicais, Partidos de esquerda, ONGs e Povos originários pela construção desse Reino de Deus, uma sociedade sem classes e sem propriedade privada onde a Religião (como instrumento de dominação ideológica de classe) é superada pelo Evangelho insurgente e revolucionário de Jesus Cristo que torna as pessoas livres (Gl 5.1,13-15) e com vida abundante (Jo 10.10).
O Projeto de Deus, em resumo:
No AT, no processo da luta de classes entre o Estado e os camponeses sem terra escravos, Javé opta pela classe camponesa e a guia na luta coletiva pela terra que é conquistada após a destruição do Estado nas montanhas da Palestina em que a seguir se muda o modo de produção de Tributário para Tribal onde o meio de produção, a terra, passa ao controle da coletividade, a tribo, sem propriedade privada dos meios de produção.
No NT Javé radicaliza e se torna classe camponesa em Jesus de Nazaré com a proposta da construção do Reino de Deus, uma sociedade não classista, igualitária, de irmãos/ãs, sem Estado, sem templo, onde os meios de produção estão sob o controle da coletividade, sem propriedade privada dos meios de produção. Este Reino de Deus já está em vigência desde Jesus Cristo, o que faz com que o capitalismo procure neutralizá-lo e inviabilizá-lo neutralizando e cooptando um de seus atores, a Igreja.