26 de janeiro de 2013

Projeto de Igreja.





(Para nossa discussão no Sínodo Uruguai)

Houve tentativas no passado de elaborar a nível de Igreja um Projeto de Igreja no tempo do Pastor Presidente Augusto Ernesto Kunert - 1982-1986 - a partir de algumas prioridades embasadas na realidade brasileira na qual a IECLB está inserida, pois a Missão se faz dentro e a partir desta realidade, e da realidade interna da Igreja. A Missão é de Deus e ele nos convida a participar desta Missão a partir do lugar em que vivemos. Desconsiderar o nosso lugar vivencial é não entender o que é Missão, porque fazemos Missão contra a realidade que o mundo nos impõe, pois estamos construindo um novo Projeto que Jesus Cristo chama de Reino de Deus, em oposição ao reino do mundo. Se não conhecemos o mundo que nos rodeia seremos cooptados por ele e a nossa Missão está inviabilizada, pois fortalecerá o projeto do mundo e não o Projeto do Reino de Deus.
Martim Lutero falando sobre a pregação do Evangelho diz:
“Se me fosse possível começar, hoje, a pregar o evangelho, eu o faria de modo bem diferente. Deixaria toda essa grande e rude massa de gente debaixo do regime do papa. Eles não se emendam mesmo, pelo Evangelho, mas só abusam de sua liberdade. Em vez disso pregaria o Evangelho e o consolo especialmente para as consciências temerosas, humilhadas, desesperadas e simples. Por isso o pregador deve conhecer o mundo muito bem e reconhecer que ele é desesperadamente mau, propriedade do diabo, na melhor das hipóteses. Eu é que fui estupidamente ingênuo, não sabendo quando comecei, como eram as coisas, pensando que o mundo seria muito piedoso e, tão logo ouvisse o evangelho, viria correndo para aceitá-lo com alegria. Mas agora descubro, com grande dor, que fui vergonhosamente enganado” (Reflexões em torno de Lutero’ vol. I uma Edição especial da Revista “Estudos Teológicos” de 1981).

Prioridades da IECLB (1979-1982)
1.Unidade na Pluralidade
2.Evangelização
3.Índio
4.Reforma Agrária
5.Contribuição Proporcional
Na reedição destas prioridades da próxima gestão a expressão e prioridade Reforma Agrária desapareceu, sendo substituído por Comunidade Missionária na Realidade Rural e Urbana (não é tão agressivo, polêmico, inconveniente e é mais ampla, também mais soft! Mesmo que estas duas realidades não tenham nada de soft. Na realidade rural a UDR também tem vez, afinal, são filhos de Deus também. Não são?) e acrescentado o tema da Educação.

Prioridades da IECLB (1983-1986):
1.Confissão evangélico-luterana
2.Comunidade missionária na realidade rural e urbana
3.Educação
4.Índio
5.Contribuição Proporcional

(Neste período [1979-1986] os Concílios Gerais propuseram várias ações voltadas para a realidade do povo brasileiro com um trabalho de base na Igreja com os movimentos populares e sindicais.)

P. Dr. Gottfried Brakemeier - 1986-1994
Prioridades da IECLB (1987-1994):
1.Nossa identidade luterana
2.Edificar comunidade na área rural e urbana
3.Justiça e responsabilidade social
(Aqui as Prioridades foram reduzidas para três com propostas amplas e pouco concretas que não agridem os interesses da direita. Tem tudo a ver com a proposta teológica do P. Dr. Brakemeier que é um teólogo conservador da tradição teológica alemã tradicional. Aqui a prioridade Índio sumiu, deve ser subentendida na prioridade: Justiça e responsabilidade social. Aos poucos as questões sociais foram dando lugar à preocupação interna da Igreja somente.)

P. Huberto Kirchheim - 1994-2002
Prioridade da IECLB (1995):
1.Igreja solidária

Vemos aqui que as prioridades e as decisões conciliares gradativamente, com o passar dos anos, foram amenizadas e os temas conflituosos foram sendo substituídos por expressões mais amplas, mas mais vagas também, apesar do aumento dos conflitos de classe que ocorreram no país: luta pela terra dos sem terra e dos povos indígenas, greves gerais convocadas pelas centrais sindicais, saques em supermercados, luta contra as barragens, crise na agricultura, fortalecimento do movimento negro e das mulheres, privatização da estatais dentro do processo neoliberal, etc. Na verdade estas prioridades e decisões conciliares eram prioridades e decisões de papel, pois não havia um encaminhamento de uma pastoral popular que pudesse atender a estas demandas muito reais de nosso povo. Havia o Comin, o CAPA, o LACHARES, e tentativas localizadas de luta com os sem terra, contra as barragens e um envolvimento com a CPT, movimento das oposições sindicais da CUT e no movimento de mulheres agricultoras. Coisas localizadas em alguns distritos, mas desconectadas de uma articulação nacional. Havia lutas no Espírito Santo, no oeste do Paraná, no oeste catarinense, no Rio Grande do Sul, nas Novas Áreas de Colonização, mas sem uma coordenação geral e nem vontade política de coordenar estas ações.

Na gestão do P. Huberto Kirchheim começou o PAMI (I e II) - "Plano de Ação Missionária da IECLB" como proposta de Projeto de Igreja e no período do P. Dr. Walter Altmann - 2002-2010 - veio o Plano de Ação Missionária da IECLB "Missão de Deus - Nossa Paixão". Os dois são longos textos teológicos sem propostas práticas ancoradas na realidade, por isso também não deram em nada. Lembrando ainda que propostas concretas ancoradas na realidade brasileira não passam e se passam não são executadas por causa do conservadorismo teológico na IECLB; isto não quer dizer que não devam ser colocadas, pelo contrário.
Nos anos 90 e início dos anos 2000 a IECLB estava ocupada em discutir e se adaptar à Reestruturação neoliberal da Igreja capitaneada pela direita. Esta Reestruturação desmantelou em parte o trabalho existente nos Distritos com a unificação de vários Distritos diferentes entre si historicamente e se começou um processo de procura de um modelo eclesiástico através dos recém formados Sínodos, mas acabou-se ficando com o mesmo de sempre: a "Associação Cultural e Recreativa Alemã com fins Religiosos". A participação de obreiros/as da IECLB em Movimentos Populares e Sindicais foi desaparecendo aos poucos e ficou restrito à algumas pessoas. As leis repressivas contra a pastorada via EMO (TAM e Avaliação) foram aprovadas no final de 2002 e aí começou um processo mais intenso de introversão e de auto-proteção da pastorada que dura até hoje, mesmo que já havia poucos obreiros/as que ainda se inseriam no processo da luta popular como parte inerente da Missão na luta pelo Reino de Deus. Com o descenso do movimento popular nos anos 90 a nível de país ocorreu o mesmo descenso da participação da pastorada no movimento popular a nível de Igreja (mas não de nossos membros, cuja participação aumentou pelas necessidades econômicas opressivas dos anos 90, mas sem amparo e acompanhamento teológico de seus pastores/as) como se a preocupação pelo Reino de Deus fosse algo restrito apenas à Igreja e estivesse desvinculado da luta por vida plena e digna e ao respeito à criação de Deus.
Este é um breve histórico de tentativas de elaboração de um Projeto de Igreja para a IECLB e que evidentemente não deram em nada ou muito pouco de concretização nas paróquias porque estas propostas desestabilizam e desalojam obreiros/as e lideranças comunitárias em sua prática de Igreja como "Associação Cultural e Recreativa Alemã com fins Religiosos".

Proposta de Projeto de Igreja para o Sínodo Uruguai

(Concretamente deverá haver uma Coordenação Sinodal do Projeto de Igreja que encaminha, pensa, acompanha, propõe e avalia o desenrolar deste Projeto de Igreja nas paróquias e que está subordinada ao Conselho Sinodal. Esta coordenação tem a função de cobrar a discussão, o encaminhamento e a execução deste Projeto de Igreja do Conselho Sinodal e das Paróquias. Estas 4 Prioridades caminharão como linha norteadora para todas as atividades missionárias já existentes nas paróquias e comunidades, como OASE, Legião, Casais, Ensino Confirmatório, JE, etc., calçadas na realidade de nosso povo em nosso Sínodo. A participação da Igreja na construção do Reino de Deus se dá a partir da transformação da realidade do mundo e da própria Igreja - Rm 12.2; Lc 4.18-19; Ap 18; 2 Co 5.17; 1 Co 9.16: "Se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois sobre mim pesa essa obrigação; porque ai de mim se não pregar o evangelho!")

1. Luta pela Terra
- Lutar pela Reforma Agrária para que os/as filhos/as de camponeses com terra insuficiente e camponeses sem terra possam permanecer no campo e com isto fortalecer o comércio local e a indústria brasileira que produz para o mercado interno gerando renda e empregos.
- Lutar contra as Barragens que beneficiam o Hidronegócio, o Agronegócio e o Capital Internacional e expulsam os camponeses da terra e inviabilizam a produção de alimentos, o comércio e a indústria locais.
- Lutar contra a Migração campo-cidade e pela permanência dos camponeses na terra com a criação de pequenas cooperativas para produção, industrialização e comercialização da produção camponesa.
- Engajamento nas Lutas da Via Campesina e Movimento Sindical camponês para viabilizar a permanência na terra e fortalecer a Agricultura Camponesa em oposição à do Agronegócio dependente e excludente.
- Fortalecer e viabilizar a Pastoral da Cidadania, o Conselho do Direito à Terra e o CAPA.
- Questão Indígena - Se inserir na Luta dos Povos Indígenas e na Luta dos Camponeses atingidos por áreas indígenas.
- Engajamento na Agricultura Agroecológica para uma vida saudável junto com uma Pastoral da Saúde.
- Lutar contra a "Economia Verde" que pretende privatizar os bens da natureza que são de toda a humanidade.

2. Luta pela Emancipação Humana
- Constituir empresas cooperativadas e auto-gestionadas sob o controle dos/as trabalhadores/as financiadas pelo BNDES.
- Lutar contra a exploração desumana dos/as trabalhadores/as dos frigoríficos do Agronegócio e outras empresas do agronegócio com trabalho escravo.
- Construção de uma Cidade Humanizadora a partir de nossa participação nas lutas por melhorias urbanas.
- Participar da Luta Sindical e do Movimento Popular urbano.
- Fortalecer a educação para a Cidadania nas escolas, nas igrejas e na sociedade (ensino religioso).
- Facilitar o envolvimento no Movimento Ecumênico (CPT, CIER, Conic e diálogo Inter-religioso).
- Engajamento Político Partidário e no Movimento Popular e Sindical para a Emancipação Humana.

3. Formação Teológica
- Formação teológica para obreiros/as e leigos/as nas áreas da Bíblia, da Confessionalidade e da Realidade nas Paróquias e no Sínodo a partir de um Planejamento Estratégico do Sínodo e da IECLB.
- Lutar por uma formação teológica engajada a partir da realidade brasileira nos Centros de Formação teológica da IECLB enviando estudantes para estudar teologia e já os preparando no Sínodo anteriormente em cursos, práticos e teóricos específicos, para isto realizados a partir de campanhas vocacionais para pessoas que estão no Ensino Médio ou já o concluíram, havendo, assim, um acompanhamento das comunidades aos seus estudantes de teologia antes e durante o estudo teológico.

4. Sacerdócio Geral de Todos os Crentes
Segundo as Escrituras Sagradas, apontadas pelo P. Albrecht Baeske, as prioridades da ação da Igreja de Cristo são:
I - Missão e Evangelização
"Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que crêem; porque não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus". Rm 3.21-24
1ª prioridade da ação eclesial: é a tarefa da proclamação evangélica profética de que a pessoa e toda a sociedade são e permanecem pecadoras (Mc 1.15) e de que Deus justifica, salva e recria a pessoa arrependida (Rm 1.16-17) pela mediação verbal (Mc 2.1-12; Mt 9.22), e também, pela mediação palpável e degustável dos sacramentos em meio a comunidade (Mt 28.18-20; Mt 26.26-28);
II - Sacerdócio geral de todos os santos
"também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo. ...  Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia". I Pe 2.5 e 9-10
2ª prioridade da ação eclesial: é a explicação e o estudo do significado do sacerdócio geral de todos os crentes com a comunidade, conseqüentemente também o ensaio e a execução, na própria comunidade, do sacerdócio das pessoas que crêem (I Pe 2.5 e 9) e foram batizadas, e, por isso, exercitam o sacerdócio comum (de todos os batizados crentes), mútuo (um é sacerdote para com o outro) e em conjunto (toda comunidade tem o ministério sacerdotal via batismo: o ministério da reconciliação - II Co 5.18-19; Jo 20.22-23);
III - Diaconia
"Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo". Rm 14.17 
 3ª prioridade da ação eclesial: é toda luta por justiça em favor da construção desta nova sociedade igualitária de irmãos e de irmãs que Jesus chama de Reino de Deus em que nós nos engajamos a partir da fé em Jesus Cristo. Este Reino de Deus já começou (Lc 17.21), mas ainda não está completo e o será apenas na volta de Cristo no Dia do Juízo Final.

18 de janeiro de 2013

As Lições de Chávez


Brasilia, 16 de janeiro de 2013, por Beto Almeida,
jornalista

Desde que foi eleito em 1998, o presidente Hugo Chávez vem estimulando uma série de debates, seja em razão das amplas transformações sociais que promove na Venezuela, seja em razão do medo pânico que causa nos governos imperiais e nas oligarquias de cada país, vassalas e zeladoras dos interesses deste imperialismo em cada país. Certamente, sobre cada um destes aspectos é possível retirar profundas lições.

No caso brasileiro, a mídia do capital que jamais se preocupou em oferecer um mínimo de informação objetiva sobre as mudanças em curso na Venezuela, agora, em razão do infortúnio da enfermidade de Chávez, esta mídia supera-se.  Promove uma comunicação necrológica, havendo inclusive  comentarista de veículos das Organizações Globo,  que chega mesmo ao grotesco de torcer  pela desaparição do mandatário venezuelano.

Sobre isto devemos tirar lições, seja aquelas amargas , a partir do comportamento medieval da mídia empresarial  sobre a trágica enfermidade de Chávez, enfermidade que, óbvio,  pode alcançar a qualquer um de nós, mas também sobre o que este mandatário já realizou mudando a face de seu país e ajudando a mudar a face da América Latina. Por um lado, fica claro que para aqueles comentaristas globais, a ideologia está por cima de qualquer conceito básico de humanidade ou solidariedade, que sustentariam desejos de restabelecimento e de superação deste azar pessoal. Mas, o que se observa é ainda mais grave:  para além do desejo pessoal da morte alheia, as  concessões de serviço público de radiodifusão estão a ser utilizadas para a propagação destes   desejos mórbidos  em grande escala de difusão,  violando  a Constituição Brasileira, que, em seu artigo 221,  estabelece como princípio a ser observado, “o respeito aos valores éticos e sociais, da pessoa e da família”, sem qualquer manifestação da autoridade responsável. É como se fosse autorizado aos concessionários de serviços públicos de abastecimento de água, distribuir água contaminada e suja à sociedade.

Para que serve a mídia?

Será que isto estaria se tornando uma tendência?  Há alguns meses, quando cientistas iranianos foram  assassinados  em atentados que , segundo o noticiário da época,  teriam sido organizados por comandos israelenses  -   os mesmos que assumem agora terem participado na eliminação de Yasser Arafat   -   num programa televisivo, Manhattan Conexion ,  também veiculado por empresa das Organizações Globo,  comentaristas chegaram a defender que aqueles cientistas iranianos mereciam mesmo ser  assassinados. Apologia do homicídio!


Tanto num caso, como em outro,  Venezuela e Iran, são países com os quais o Brasil possui  relações de amizade e cooperação, aliás crescentes, em benefício mútuo notório. Qual seria a reação do Itamaraty, do Governo Federal, caso emissoras de tv da Venezuela ou do Irã  passassem a hostilizar autoridades brasileiras, e, chegassem a torcer pela reincidência do câncer em Dilma ou em Lula, e para que eles não resistissem? Ou se estas emissoras defendessem a morte de cientistas brasileiros, pois, como sabemos, o Brasil também possui   -  de modo soberano    - seu próprio  programa nuclear, como EUA, Rússia, China, Israel e Irã?


Pra que servem os meios de comunicação social, afinal de contas?  Para hostilizar e desejar o pior,  de modo incivilizado, embrutecido, desumano e antidemocrático,  a  personalidades de outros países, com o que se desrespeitam povos com os quais temos relações de cooperação e amizade? Será mesmo admissível que concessões de serviço público sejam utilizadas para insuflar, propagandear e celebrar o desejo de morte de seres humanos, simplesmente por não comungar de suas ideias?  Esta prática não seria equiparável àquelas que Goebels denominava de “razões propagandísticas”, e que precederam os ataques nazistas a outros povos?

Estranho “ditador”


As notas que a mídia brasileira divulgam sobre Hugo Chávez  atentam contra a prática basilar do jornalismo. Críticas e discordâncias são absolutamente normais e devem ser praticadas. Mas, desinformação, distorção e inverdades grotescas são  atributos rigorosamente alheios ao jornalismo.
Um dos aspectos mais utilizados nesta cruzada midiática de anos é a tentativa de rotular Hugo Chávez como ditador.  Estranho “ditador” este que chegou ao poder pelas urnas e, em 14 anos, promoveu 16 eleições, referendos e plebiscitos,  dos quais venceu 15 pelo voto popular e respeitou, democraticamente, o resultado do único pleito em que não foi vencedor. Estranhíssimo “ditador” esse Chávez que introduziu na Constituição Bolivariana  -   ela também referendada pelo voto popular  -  o mecanismo da revogabilidade de mandatos,  utilizado pela oposição que, no entanto, não conseguiu  a vitória nas urnas.

Auditoria eleitoral

Na Venezuela, para dar ainda mais segurança às eleições, estas não são julgadas pela mesma autoridade que as organiza. Além disso,  as urnas possuem mecanismo de impressão do voto,  possibilitando ao eleitor conferir se o voto que teclou foi realmente o voto registrado pelo computador. De posse deste voto impresso, o eleitor, no mesmo momento da votação, o deposita em urna anexo. Isto possibilita que haja plena auditoria do voto, o que não ocorre no Brasil, onde, conforme já demonstraram especialistas da UnB, as urnas eletrônicas são vulneráveis a interferência externa sobre seus programas, além do que, na existe a possibilidade do voto material em papel para eventual necessidade de recontagem.

 Estranho “ditador” este Chávez, que ampliou a segurança eleitoral dos cidadãos, lembrando que lá na Venezuela o voto não é obrigatório, tendo sido registrada, na eleição de outubro de 2012, uma participação superior a 86 por cento do colégio eleitoral. O revelador aqui é que as Organizações Globo, tão empenhada em rejeitar e criticar a democracia venezuelana, é aquela que  apoiou o a supressão do voto popular no Golpe de 1964, apoiou a Proconsult contra a eleição de Brizola em 1982 e foi contra a Campanha Diretas-Já, em 1984, uma das mais belas páginas da consciência democrática do povo Brasil. E, ainda hoje, a Globo insiste em difamar e combater a instituição do voto impresso na urna eletrônica brasileira,  cuja vulnerabilidade tem lhe causado a rejeição por mais de 40 países, exceção para o Paraguai, a quem o TSE regalou tais equipamentos......

Povo ignorante?


Esses comentaristas da Globo  tentam passar a imagem de que a Venezuela é um país de atraso cultural, para o que se valem , novamente, do expediente corriqueiro da desinformação massificada, repetida sistematicamente. Vamos aos fatos: enquanto a Venezuela já foi declarada oficialmente, pela UNESCO, como “Território Livre do Analfabetismo”, o Brasil ainda não tem sequer uma meta segura para erradicar esta mazela social, apesar de terem nascido aqui os geniais Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire.  Lá, para a erradicação do analfabetismo, além da utilização de um método super- revolucionário elaborado em Cuba, o “Yo Si Puedo”,  houve uma tremenda mobilização do governo, das massas, das instituições, mas  também dos meios de comunicação públicos, que, existem, informam e possuem uma programação cultural educativa elevada ao contrário daqueles sintonizados com os ditames prepotentes do Consenso de Washington.

 Aliás, vale lembrar que foi exatamente por meio deste método que o Deputado Tiririca foi alfabetizado em prazos relâmpagos e foi capaz superar as ameaças elitistas da autoridade eleitoral que queria lhe cassar o mandato. Tiririca aprendeu a ler e  escrever em poucas semanas. Com também foram alfabetizados campesinos, índios, povo pobre na Venezuela, na Bolívia e no Equador. Em breve será a Nicarágua a ser declarada também, oficialmente,  pela Unesco,  Território Livre do Analfabetismo.

Como contraponto, vale lembrar que o programa Telecurso Segundo Grau, produzido pela Fundação Roberto Marinho, é exibido em horário da madrugada pelas emissoras que empregam esses comentaristas, apesar dos volumosos recursos públicos  despendidos para a sua produção e veiculação. A escolha do horário é apenas demonstração da baixa preocupação e vontade dos concessionários de serviços públicos de radiodifusão  em contribuir para a elevação do nível educacional e cultural do nosso povo. Contrariando a Constituição.

O que é notícia?

Aqueles comentaristas são incapazes de informar sobre tudo isto, bem como sobre o papel dirigente de Hugo Chávez ao formar com estes países e outros a ALBA  -  Aliança Bolivariana para o Progresso,  numa iniciativa em que colocou o petróleo com instrumento da elevação das condições de vida não apenas dos venezuelanos, mas também do progresso social conjunto destes povos. A isso chamam de ingerência, trocando solidariedade por intromissão. Graças aos recursos do petróleo, milhares de latino-americanos, estão recuperando a plena visão, por meio de cirurgias gratuitas realizadas pela Operación Milagro, um esforço comum entre Cuba e Venezuela.  Esta operação humanitária, jamais divulgada adequada pelas Organizações Globo, nasce quando a OPAS alertou para a possibilidade de que pelo menos 500 mil latino-americanos perdessem a visão à curto prazo, vítimas de catarata, uma tragédia perfeitamente evitável. As cirurgias são feitas tanto em Cuba, como na Venezuela, e agora também na Bolívia, no Equador, seja por médicos cubanos, ou locais. Isto não se informa, mas um dia destes , fiquei tomei conhecimento, pelo Jornal Nacional, da edificante informação de que a esposa do Príncipe Willians, a tal duquesa de Cambridge,  está sofrendo  muito enjoo na  sua gravidez. Cuba e Venezuela decidiram operar 6 milhóes de latino-americanos, gratuitamente, em 10 anos. O que é notícia?

Índios lêem “Cem anos de solidão”

Aí temos outra lição de Chávez: depois de erradicar o analfabetismo, Chávez criou a Universidade Bolivariana, pública e gratuita, a Universidade das Forças Armadas,  e um programa para elevar a taxa de leitura do povo venezuelano. Por meio deste programa foram editados, dando apenas  alguns exemplos, a obra “Dom Quixote”,  com uma tiragem de 1 milhão de exemplares que foram distribuídos gratuitamente nas praças públicas, e também a obra “Contos”, da Machado de Assis, pelo mesmo programa, com uma tiragem de 300 mil exemplares, tiragem que o genial escritor do Cosme Velho jamais mereceu aqui no Brasil, onde não apenas  o analfabetismo persiste , mas a tiragem padrão de nossa indústria editorial arrasta-se na melancólica marca de 3 mil exemplares. Além disso, algumas tribos indígenas da Amazônia venezuelana,  que, até Chávez, ainda desconheciam a escrita,  já tiveram seu  idioma sistematizado, e, como primeira obra publicada no novo sistema de escritura, tiveram o belíssimo “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel Garcia Marquez.  No entanto, apesar de tudo isto, para estes comentaristas da Globo,  que agridem Chávez no leito de um hospital, na Venezuela há um “povo ignorante”, dirigido por um “ditador”.... Como explicar, então,  a realização destas mudanças marcantes? Vale contar um caso: o senador Cristovam Buarque, ex-Ministro da Educação de Lula,  foi à Venezuela para a solenidade de Declaração de Território Livre do Analfabetismo. Escreveu num papelucho um endereço e saiu pelas ruas perguntando ao acaso aos transeuntes, que lhe orientassem como chegar ao destino marcado. “Falei com pessoas indistintamente, camelôs, donas-de-casa, jovens ou não, ninguém me disse que não sabia ler e davam a informação”, contou. São as lições de Chávez que a Globo não possui aptidão para aprender....

Petróleo a preço de água

Antes de Chávez, quando 80 por cento dos venezuelanos viviam na miséria absoluta, o petróleo era regalado aos EUA, enquanto a burguesia local era conhecida por ser a maior consumidora de champanhe do mundo, depois da francesa, e pela elevadíssima importação de caviar para pequenos círculos oligarcas. Eleito, Chávez cumpriu promessa de campanha de acabar com a farra imperialista com o petróleo venezuelano regalado.  Recuperou gradativamente o controle sobre a PDVSA e também fez uma cruzada internacional para acordar a OPEP de seu sonho colonizado. Na época, o preço do petróleo estava em 7 dólares o barril  -  ou seja, muito mais barato que água mineral ou Coca-Cola  -  e hoje,  avança pela casa dos 100 dólares. Eis a razão do ódio dos EUA a  Chávez.

Evita Perón  e Vargas

Este ódio imperial se expressa como uma ordem, uma sentença de morte, dada pelos falcões norte-americanos para que seja alcançada,  por meio do câncer, aquela meta mórbida contra qualquer mandatário que não seja talhado para vassalagem, para submissão.  Não é a primeira vez na história que isto ocorre. Quando Evita Perón foi acometida por  um câncer, este jornalismo mortífero se expressou sem qualquer escrúpulo. O ódio que os círculos imperiais nutriram por Evita fez com que ele saltasse das páginas da imprensa portenha para os muros de Buenos Aires, nos quais a oligarquia festejava sua podridão moral escrevendo “Viva el Câncer!”. Os imperialistas jamais perdoaram Evita por ter armado os trabalhadores da CGT para resistir aos golpes que frequentemente se organizavam contra Perón. Chegou mesmo a advertir Perón, que lhe criticou pela distribuição de armas, da qual ela nunca se arrependeu, que ele estava preparando as condições   -  desmobilizando os trabalhadores   -  para não ter capacidade de resistir ao golpe, que chegou em 1955, 3 anos depois da morte de Evita. Ela bem que avisou.

Depois foi contra Getúlio Vargas, quando sua saída da vida para entrar na história foi comemorada em círculos manipulados pelo capital externo, que não suportavam a criação da estatal Petrobrás, dos direitos laborais inscritos na CLT e da lei da remessa de lucros ao exterior. Não por acaso, o povo expressou sua tristeza e sua fúria, pranteando Vargas, mas também  empastelando os símbolos daquele ódio contra o popular presidente,  entre os quais os jornais Tribuna da Imprensa, Globo, e, até mesmo do jornal do PCB, Tribuna Popular, que no dia do suicídio de Vargas trazia desorientada entrevista de Prestes pedindo sua renúncia. Assustados e envergonhados, os dirigentes comunistas recolhiam os exemplares do jornal que ainda estavam nas bancas. Mas, não tiraram conclusões históricas do porquê também foram alvo da fúria popular contra seus inimigos, sobretudo porque Vargas havia convidado Prestes para ser o chefe militar da Revolução de 30, aquela que em apenas 24 horas alistou mais de 20 mil  voluntários para pegar em armas e combater  a República Velha. Prestes inicialmente aceitou o convite, mas a ordem stalinista foi para que se afastasse de Vargas, enquanto que, na mesma época, em sentido contrário,  Leon Trotsky escrevera que tanto Vargas como o mexicano Cárdenas, eram expressão de um bonapartismo sui generis, com potencial revolucionário, e que deveriam  receber o apoio tático dos revolucionários.

O Levante de 4 de Fevereiro de 1992

Processos revolucionários começam sob formas mais inesperadas, normalmente com rupturas da legalidade instituída quando esta acoberta iniquidades, sob a forma de insurreições, armadas ou não. A partir das revoluções outra legalidade é constituída. Assim foi a Revolução de 30. Assim havia sido a Revolução Francesa, Assim foi a revolução em Cuba, na Nicarágua  ou na Argélia. A Revolução Iraniana, por exemplo, desde 1979, de quatro em quatro anos promove eleições diretas, o que ainda não foi conquistado pelo povo dos EUA, onde o voto é indireto e apenas os candidatos que podem pagar aparecem na mídia para defenderem suas ideias. A Revolução Bolivariana começa com um levante insurreicional  - o 4 de fevereiro de 1992   -   destinado a convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, cujo objetivo era retirar a Venezuela da condição de colônia petroleira.  Evidentemente, os comentaristas que seguem orientação imperial não suportam qualquer forma de rebeldia contra hegemonias colonizadoras. Na prisão, Chávez se transforma no homem mais popular da Venezuela,  aquele capaz de traduzir e promover a identidade de seu povo com a sua história, com Bolívar, com a sua identidade cultural, sua  mestiçagem negra e índia, como são os venezuelanos.
A Revolução Bolivariana começa com um levante armado e transforma-se em processo institucional por meio da aprovação do voto popular. Mas, diante das constantes ameaças golpistas imperiais e também das provocações desestabilizadoras da oligarquia, Chávez mesmo declarou que “esta é uma revolução pacífica, pero armada” , como a expressar a consciência do golpismo que sempre esmagou processos democráticos de transformação social na América Latina. Não lhe sai da lembrança que Allende morreu de metralhadora na mão...

Jornalismo de desintegração

As lições de Chávez estão aí aos olhos do mundo,  mesmo que esta mídia golpista, praticando o mais vulgar jornalismo de desintegração, queira ocultar. A parceria Brasil-Venezuela multiplicou em mais de 500 por cento o comércio bilateral em poucos anos e hoje estão atuando na pátria de Ali Primera a Embrapa, a Caixa Econômica e muitas empresas brasileiras. Realizam obras de infra-estrutura indispensáveis para que o país dê um salto em seu desenvolvimento, o que sempre foi  sabotado pelas oligarquias do período pré-Chávez. Agora  Venezuela constrói ferrovias, metrôs, teleféricos, estradas, hidrelétricas, pontes, e a participação brasileira nisto, com financiamento estatal, via BNDES, traduz bem o pensamento de Lula de que integração significa “todos os países crescendo juntos”. Os comentaristas da Globo não informam nada disso, até porque apoiaram quando o Brasil, na era da privataria neoliberal, demoliu um terço de suas ferrovias, além de ter destruído sua indústria naval, que agora, recuperada, tem inclusive  27 encomendas para a construção de navios petroleiros da PDVSA, a serem feitos aqui.

Solidão do Uniforme

Além da integração, Chávez recuperou para o centro do debate o conceito de socialismo, além de propor a organização de uma nova Internacional, indignando-se com a cruzada da morte que o imperialismo organizou contra o Iraque, a Líbia e também contra Síria. Muito longe de resolver o desemprego galopante que assola a França, o governo de Hollande lança-se em mais uma empreitada imperial contra. Só sabem guerrar. Chávez recupera o debate sobre uma nova função social para os militares, retirando-os da solidão do uniforme,  unindo-os ao povo e às causas mais preciosas para viver com dignidade, com soberania e como democracia e justiça social. Recuperou até mesmo a função histórica do General José Ignácio de Abreu e Lima, pernambucano que lutou ao lado de Bolívar e que foi o primeiro a escrever sobre O Socialismo na América Latina, o que, em boa medida era desconhecido até mesmo pelas esquerdas brasileiras. Hoje os militares venezuelanos cumprem função libertadora e resgatam a função das correntes militares progressistas e antiimperialistas na história e seus representantes como Velasco Alvarado, Torres, Torrijos, Perón, Prestes, Nasser, Tito, a Revolução dos Cravos.....São lições de Chávez.



Os comunicadores que ignoram os fatos objetivos alardeiam a existência de desabastecimento alimentar quando a Unicef  comprova que a Venezuela teve reduzida drasticamente a  desnutrição e sua mortalidade infantil. O que há é boicote da indústria alimentar, o que levou o governo a montar uma rede estatal de mercados, fixos e móveis, que chegam a vender alimentos ao povo a preços até 70 por cento mais baratos, já que supera a especulação dos oligopólios. Na semana que passou, para as autoridades venezuelanas confiscaram 3 mil toneladas de alimentos que estavam escondidos pelos oligopólios, numa operação casada com a mídia para fazer a campanha de que “falta alimento”, operação da qual participam, vergonhosamente, os comentaristas globais e sua grotesca desinformação. Segundo estatísticas da FAO, o consumo de alimentos na Venezuela aumentou em 96 por cento  no período de 2001 a 2011, Era Chávez, enquanto a Cepal atesta que este país é hoje o menos desigual da América  Latina, além de pagar o maior salário mínimo do continente, o equivalente a 2440 reais, informação que a Globo jamais noticiará.

MST, sem veneno

Antes de Chávez, a Venezuela não possuía economia agrícola, ou melhor, tinha apenas uma “agricultura de portos”,  todo alimento era importado, até alface vinha de avião de Miami.  Hoje o país, graças à integração e à cooperação promovidas incansavelmente por Chávez, já tem uma pecuária leiteira, já produz metade do arroz que consome e recebeu até a solidariedade do MST que lhe doou toneladas de sementes criollas de soja não transgênica. Aliás, Chávez organizou convênio com o MST, o então governador Roberto Requião e a Universidade Federal do Paraná para montar escolas de agroecologia aqui no Brasil, abertas à participação de estudantes de toda a América Latina.

Jornais populares e diversidade

Essas são algumas das generosas lições de Chávez, atacado pela Globo daqui,  como pela de lá, exatamente porque existe plena liberdade de imprensa na Venezuela. Ou, como disse Lula, “o problema da Venezuela é excesso de democracia”. Vale contar episódio de jornalista brasileira que antes de viajar para lá me perguntou como poderia ter acesso a imprensa não controlada pelo governo, segundo frisou. Eu lhe disse, vá às bancas de jornal. Ela desconfiou, mas foi. E me contou; “pedi ao jornaleiro imprensa de oposição ao Chávez. Ele apontou para toda a sua banca e disse-me. minha filha, isso aí tudo é contra o governo, que poderia escolher á vontade”, relatou-me surpreendida. A diferença é que essas grosseiras distorções e manipulações que se lançam aqui contra Chávez, lá têm respostas pois foi constituído um sistema público de comunicação, inclusive com jornais populares distribuídos gratuitamente ao povo nos metrôs e rodoviárias, o que ainda não temos aqui. O povo brasileiro eleva seu padrão de consumo, mas não tem um jornal com o qual  possa dialogar e refletir sobre as mudanças sociais em curso aqui. Continua “dialogando” com as xuxas da vida....

Caminhando e cantando e seguindo a lição....

Diante de tantas lições civilizatórias, democráticas, transformadoras e marcadas pelo humanismo que está sendo aplicado pelo governo bolivariano da Venezuela, a conclusão de um comentarista global de que Chávez iria tomar o poder no além, é apenas  e tão somente confissão de um desejo golpista macabro e atestado da estatura moral desta mídia teleguiada de Washington. O que desejamos é que Chávez possa se recuperar, concluir a sua obra, na qual está a meta de construir e entregar 380 mil novas moradias em 2013, equipadas com móveis e eletrodomésticos, em terrenos localizados também em bairros nobres, e não numa periferia longínqua ou à beira de precipícios que desmoronam com as chuvas.

Quanto a nós, que aprendamos algumas destas lições, especialmente quanto à necessidade de fortalecer, expandir e qualificar um sistema público de comunicação, para que tenhamos acesso ao que está em nossa Constituição, a pluralidade e a diversidade informativas, e um jornalismo como construção de cidadania e de humanidade.

16 de janeiro de 2013

Artigos sobre as perspectivas para 2013 na economia e politica brasileira.


Turbulências à vista
   
ESCRITO POR WLADIMIR POMAR  
QUI, 03 DE JANEIRO DE 2013, CORREIO DA CIDADANIA.


As perspectivas para 2013, qualquer seja o ângulo de que se olhe, não são as mais desejáveis. Em âmbito internacional, nada indica que amainará a crise que assola os Estados Unidos e os países da Europa, tanto os centrais, como Alemanha, França e Inglaterra, quanto os periféricos, como Grécia, Espanha, Portugal, Itália e demais. Talvez ainda custe muito antes que os países capitalistas desenvolvidos parem de tentar descarregar os custos da crise sobre os salários e o bem estar de suas populações, e sobre os países do resto do mundo. Mesmo porque a globalização capitalista, ao invés de resolver os problemas decorrentes da enorme concentração e centralização do capital, da imensa elevação da produtividade e da decorrente tendência de queda da taxa de lucratividade do capital, só fez agravá-los, ao desindustrializar países centrais, industrializar países periféricos e acirrar a concorrência entre eles.

Nessas condições, apesar ou por causa de seu declínio relativo, os Estados Unidos devem continuar procurando reaver sua posição de hegemonia através de aliados que representam o que há de mais conservador e reacionário no mundo atual, como as monarquias árabes e o governo de Israel. O que pode lhe render alguns sucessos, como parece ter sido o caso da Líbia, ou pode ser o caso da Síria, mas pode agravar suas contradições com muitos outros países do mundo, e inclusive com algumas outras potências capitalistas. A proclamada decisão de tomar a Ásia como principal foco estratégico, o que na geopolítica norte-americana pode incluir o Irã, intensifica os perigos de uma guerra de grandes proporções. É difícil supor se, nessas condições, os Estados Unidos poderão dar à América Latina a atenção que gostariam de dar, embora seus aliados locais estejam cada vez mais agindo no sentido de reverter as derrotas sofridas diante da ascensão de forças de esquerda.

A derrubada supostamente legal de governos dirigidos pela esquerda pode ganhar conotações diversas, variando de país de país, e se tornar o padrão da contraofensiva tentada por oligarquias latifundiárias e burguesias de diversos países latino-americanos. Essa situação pode se agravar se as forças de esquerda não conseguirem encontrar formas concretas e viáveis de desenvolvimento econômico e social, conquistando os trabalhadores das cidades e dos campos, assim como a maior parte das classes médias urbanas, dividindo as oligarquias e as burguesias e isolando os setores aliados do capital corporativo norte-americano. Como sempre, a questão prática consiste em dar base econômica e social a essas ações de estratégia política.

O Brasil talvez se transforme, em 2013, no epicentro dessa disputa. Muitos indicadores apontam para uma situação em que a grande burguesia já não suporta um governo dirigido pelo PT. Apesar de suavemente, e após um prolongado período defensivo, o governo Dilma começou a baixar juros e a ferir a lucratividade do sistema financeiro. O governo também está pressionando a maior parte da burguesia a investir no sistema produtivo, o que, para uma parcela considerável dela, é o mesmo que colocar em risco o capital que está acostumada a ganhar no mercado financeiro e nos aluguéis indexados. E o governo também dá indícios de que, diante das resistências à elevação da taxa de investimentos, estaria disposto a intervir de forma mais ativa na economia, de modo a obter um crescimento do PIB que proporcione um desenvolvimento sustentado.

Tão grave quanto isso, aos olhos da grande burguesia, é a teimosia do governo em realizar uma distribuição de renda menos extremamente desigual, e em aumentar a participação e o controle democrático das camadas populares nos três poderes, nas comunicações e na economia. Está sonhando quem pensa que a burocracia estatal desses poderes, desde muito atrelada ao domínio e aos métodos da burguesia, aceitou democraticamente o acesso às informações, a luta contra a corrupção, mesmo que cortando na própria carne, e as tentativas de realização de uma reforma política que pelo menos rompa com a privatização da política. Desde antes da vitória da presidenta Dilma, estava em curso um processo que tinha como alvo associar o PT e Lula à corrupção. Aquela vitória demonstrou que, pela luta política normal, não era possível atingir tal alvo.

A partir de então, a estratégia da direita sofreu uma inflexão paulatina, com duas vertentes principais. Por um lado, através do adesismo de forças de direita ao governo, de modo a impedir uma maior unificação dos setores de esquerda, e minar a direção do PT nos assuntos governamentais. Por outro, aproveitando a defensiva do PT em travar uma luta sem trégua contra o uso de recursos privados nas campanhas eleitorais, o chamado caixa dois, transformou tal prática em crimes de compra de votos parlamentares, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e outros delitos penais, e colocou o STF no comando da operação.

O supremo tribunal do país já vinha assumindo progressivamente o papel de legislador, frente a um congresso pouco transparente e sob tiroteio desmoralizante do partido da mídia. Estava, pois, em condições de assumir um duplo papel: forjar um novo procedimento legal, sob aparente adesão aos códigos jurídicos, criar uma comoção nacional no julgamento dos chamados mensaleiros, encurralar o PT e criar condições para um posterior golpe fatal em Lula.

Como na Idade Média, em que a Inquisição precisou de um Torquemada para enviar inúmeros pensadores e pessoas do povo à fogueira, aqui não faltam imitadores capazes de cumprir missão idêntica. Em tais condições, os cinco meses de julgamento do suposto mensalão representaram apenas a primeira batalha da nova guerra para destruir Lula e o PT através da criminalização judicial da política. Os novos casos envolvendo a chefe do gabinete da presidência em São Paulo, e a pronta entrega da íntegra do novo depoimento de Marcos Valério ao Estadão, talvez pelos mesmos procuradores que mantiveram na gaveta o caso Cachoeira por ausência de indícios concretos, apenas apontam para a escalada do processo.

Além disso, o partido da mídia e a oposição conservadora se esmeram numa campanha continuada para demonstrar que Lula e o PT nada têm a ver com a melhoria das condições de vida do povo brasileiro nos últimos anos, a fim de transformar fatos positivos em negativos e sabotar os programas de crescimento e desenvolvimento. Com um pouco de atenção é possível vislumbrar as inúmeras outras ação articuladas que apontam a operação estratégica para desmoralizar o PT e Lula como questões estratégicas para encerrar a experiência democrática de governos, mesmo de coalizão, dirigidos pela esquerda.

Nessas condições, há dois cenários políticos possíveis em 2013, ambos dependentes da posição que o PT e Lula assumirem. O primeiro pode ser o de continuidade da defensiva passiva, que em parte decorre de resistências a assumir publicamente o erro de aceitar acriticamente as regras ambíguas de uso de recursos privados em campanhas eleitorais - regras aceitas e praticadas por todos os partidos, há dezenas de anos, sem que nunca os tribunais tenham se preocupado em coibir tal prática. Essa defensiva passiva, a continuar, pode levar o PT a uma situação muito mais grave do que a enfrentada em 2005.

O segundo cenário pode se conformar se o PT e Lula conseguirem transformar a defensiva passiva em uma defensiva ativa, como base para passar à contraofensiva. Essa transformação depende do reconhecimento público daquele erro e da criação de uma campanha de mobilização popular pelas reformas políticas que deem fim aos financiamentos privados eleitorais, estabeleçam o financiamento e o controle público das campanhas eleitorais, imponham a fidelidade partidária e restabeleçam uma divisão clara dos poderes da República. Lula e o PT possuem uma vasta experiência de mobilização popular, incluindo as caravanas da cidadania, e outras ações de diálogo e debate com as grandes camadas do povo brasileiro. É lógico que, para concretizar essa mobilização e virar o jogo político, o PT terá que retomar o tipo de ação militante que marcou suas participações nas Diretas Já!, nas Campanhas Presidenciais de 1989, 2002 e 2006 e em outras mobilizações sociais.

É evidente que essas mudanças políticas no comportamento petista estão atreladas, em grande medida, ao desempenho do governo, em especial na área econômica. Se o governo Dilma não conseguir resolver as questões chaves da elevação rápida da taxa de investimento, da redução mais intensa da taxa de juros, do uso eficaz da taxa de câmbio como instrumento de competição industrial, do aumento substancial da produção de alimentos pela agricultura familiar, da qualificação das forças humanas sem condições atuais de acesso ao mercado de trabalho e da elevação da concorrência nos setores monopolizados ou oligopolizados, será mais difícil para o PT e para Lula enfrentarem o atual movimento da direita política.

Vistas as coisas desse modo, 2013 promete ser um ano carregado de turbulências, desafios e emoções.

Wladimir Pomar é escritor e analista político.


Tempos estranhos
   
ESCRITO POR LUIZ ANTONIO MAGALHÃES  
QUI, 03 DE JANEIRO DE 2013


O ano de 2012 foi surpreendente, daqueles para desmoralizar a crença em todo e qualquer tipo de vidência. Sim, porque, se em dezembro de 2011 alguém afirmasse que ao final deste ano que ora se encerra José Dirceu e mais boa parte da cúpula do PT estariam condenados a dezenas de anos de prisão, ou que a identidade de uma “amiga íntima” do ex-presidente Lula seria revelada e que tal amiga seria indiciada por formação de quadrilha e outros crimes, qual seria a reação de dez entre dez analistas políticos? Risos, provavelmente.

Mas não é só isto, tem mais: e se um hipotético vidente vaticinasse que o Catão do Senado Federal, o implacável defensor da moral e dos bons costumes, seria cassado por ligações com um bicheiro, como ocorreu com Demóstenes Torres em julho, liquidado politicamente por ter colocado seu mandato a serviço de Carlinhos Cachoeira? Ou ainda, se previsse também que José Serra, recém-saído das urnas com mais de 40 milhões de votos, seria derrotado por um neófito na política, sem nenhuma eleição no currículo, em pleno auge do julgamento do mensalão?  E se dissesse que a presidenta Dilma Rousseff manteria, mesmo com a economia andando de lado, a estratosférica popularidade, despontando nas pesquisas de opinião como candidata imbatível na eleição de 2014?

Provavelmente, pela soma das previsões, o vidente seria considerado louco varrido, merecedor de internação imediata no primeiro hospício ao alcance.

No entanto, tudo aconteceu, e não foi só: o Corinthians venceu a Libertadores e o Mundial de Clubes... Sem a menor sombra de dúvida, 2012 foi um ano diferente, muito diferente e, sobretudo, estranho. O que nos leva então a um exercício de interpretação complexo. Afinal, o que está acontecendo no Brasil?

Se a resposta é difícil, a velha e boa técnica da eliminação das alternativas ajuda a pensar. É possível perceber com razoável grau de certeza o que NÃO está acontecendo.
Oposição paralisada

Em primeiro lugar, não existe, nem de longe, um movimento organizado da oposição para desestabilizar o governo ou atingir Lula, Dirceu, Genoino e outros integrantes da cúpula do PT.

Ao contrário, na verdade a oposição só se debilitou nos últimos anos, parte dela capitulando cada vez mais ao regime petista. Estão aí o DEM de ACM Neto e o PSD de Gilberto Kassab, ambos praticamente em vias de integrar a amplíssima base do governo Dilma. Ainda mais emblemático é o exemplo do governador tucano das Alagoas, Teo Vilela, que participou de recente desagravo ao ex-presidente Lula, convescote que reuniu em São Paulo quase uma dezena de governadores de estado.

No fundo, a oposição partidária se resume hoje a uma parcela, cada vez mais diminuta, do PSDB e PPS, à direita. E às pequenas agremiações de esquerda (PSOL, PSTU, PCB etc.), que lutam, com grande dificuldade, para ter alguma voz no debate público, e que têm também as suas próprias contradições, como ficou claro na disputa interna do PSOL em Belém, que acabou tirando uma eleição quase certa de Edmilson Rodrigues, candidato do partido à prefeitura da capital do Pará.

De toda maneira, resta claro que nenhuma dessas forças está por trás dos movimentos que culminaram no julgamento do mensalão, na condenação dos mensaleiros, Operação Porto Seguro e o “Rosegate”.
Elites e movimentos sociais

Também não há sinais de qualquer movimentação organizada das chamadas “elites”, como Lula gostava de se referir. Salvo uma parcela do setor de mídia, em especial a Editora Abril, sobre a qual trataremos mais adiante, não é possível perceber qualquer sinal de apoio do empresariado a tentativas de desestabilizar o governo ou o PT. Ao contrário, o que mais se vê é o aplauso à política econômica de Guido Mantega, em que se pesem algumas críticas pontuais em aspectos absolutamente laterais e que na verdade têm muito mais a ver com os pleitos de determinados segmentos da economia do que com uma crítica abrangente sobre a condução da política econômica nacional.

Por fim, não existe qualquer movimentação, organizada ou desorganizada, nas ruas. Os movimentos sociais, urbanos ou rurais, andam um tanto ausentes do debate público de forma geral, uma parte porque está de fato cooptada pelo governo, outra parte talvez enfraquecida ou cansada de não conseguir se fazer ouvir. Mesmo as tentativas de líderes petistas de utilizar os “seus” movimentos sociais para pressionar por alguma forma de “resistência” às penas estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do mensalão também não surtiram, até aqui, efeito algum, o que apenas demonstra, com sinal trocado, a inapetência desses movimentos por qualquer tipo de mobilização neste momento.

Ora, se vimos acima o que NÃO ESTÁ acontecendo, voltamos então à pergunta inicial: o que ocorreu para que tantos fatos estranhos na política nacional tenham acontecido em 2012?
Jogo nas sombras

Aparentemente, e por isto é tão complicada a análise, o jogo político relevante está se desenrolando nas sombras e dentro do governo, dentro do Partido dos Trabalhadores. Todos os indícios levam a crer que há uma guerra interna, bastante importante, sendo travada no interior do regime, envolvendo a divisão do poder (cargos e recursos, obviamente) e interesses bastante difusos.

Seria um simplismo enorme falar em “dilmistas”, “lulistas” e “dirceuzistas”, porque a configuração é evidentemente muito mais complexa e envolve disputas não apenas de grupos do PT, mas também os aliados que compõem a vasta aliança montada por Lula desde 2002 e que teve continuidade com Dilma.

A questão de fundo, na verdade, parece ser 2014, ano em que o país terá mais uma eleição geral, com o Planalto em disputa. E, ao contrário de 2006 e 2010, quando Lula disputou a reeleição e ungiu sua candidata, agora a sensação é de que tudo está em aberto, criando assim um vácuo de poder. Lulistas espalham que o ex-presidente pode ser o candidato do PT de novo, mas Dilma parece ter gostado da experiência e tem a seu favor muitos argumentos para pleitear a reeleição.

Na base aliada, o PSB reforçado com diversas vitórias nas eleições deste ano parece se movimentar para ocupar a vice-presidência, porém há um PMDB no meio do caminho, e quem há de governar sem o PMDB?

Em meio a este clima de incertezas e vazio de poder, muita coisa pode acontecer, e já aconteceu. O Rosegate parece ser expressão acabada deste jogo confuso, em que a Polícia Federal aparece com uma autonomia sem precedentes na história recente. Este ambiente permitiu que Carlinhos Cachoeira, velho conhecido do PT, do PSDB, do DEM, do PMDB e de todas as agremiações que já estiveram no centro do poder ou em torno dele gravitaram, fosse apanhado e encarcerado como um criminoso sem qualquer trânsito junto aos poderosos. O mesmo vale para o ex-senador Gilberto Miranda, cuja influência em diversos negócios, públicos e privados, data de décadas, sem jamais ter sido de fato incomodado.

Demóstenes Torres, o Catão do Senado, tornou-se vítima, digamos assim, deste mesmo ambiente, com sinal trocado, é claro, e foi rapidamente abandonado por seus aliados, como é comum acontecer. Vide os casos de José Roberto Arruda e mesmo de Antonio Carlos Magalhães, embora este, com maior robustez e base política, tenha conseguido se reerguer.
Mídia conservadora e o mensalão

Mais difícil é interpretar o julgamento do mensalão, porque o vácuo de poder não explica totalmente o que se assistiu no STF. Afinal, dos 11 ministros que terminaram o julgamento, oito foram indicados por Lula ou Dilma, inclusive o relator, Joaquim Barbosa, que terminou o ano com status de celebridade. A expectativa inicial era de que, de alguma maneira, os advogados de defesa conseguissem protelar ou desmembrar o julgamento. Não aconteceu. Depois, dizia-se que muitos seriam absolvidos por falta de provas. Também não aconteceu. Outro palpite que não se concretizou dizia respeito à aplicação das penas, que deveriam ser pequenas. Foram penas duras, com multas altas e dezenas de anos de prisão para os condenados, impossibilitando que eles possam cumpri-las em regime semiaberto.

Neste particular, a mídia conservadora, em especial a revista Veja, da Abril, talvez tenha tido um papel relevante ao criar um ambiente de pressão pela condenação dura dos envolvidos. Cobertura extensa e diária, na internet, com blogs de colunistas cobrando diuturnamente uma postura agressiva dos ministros, pode ter criado uma zona de desconforto para os ministros que talvez estivessem propensos a não acompanhar o relator. A demonização dos votos do revisor, Ricardo Lewandowski, foi outra estratégia para evitar que o resultado fosse diferente de uma condenação efetiva do núcleo político do esquema, mesmo diante de provas eventualmente frágeis.

E, já ao final do processo, Veja publicou como furo de reportagem novas “revelações” do publicitário Marcos Valério, peça chave do esquema, àquela altura já condenado a mais de 40 anos de prisão e em busca de alguma forma de reduzir a sua pena. Sem aspas efetivas do protagonista, a revista tentou envolver o ex-presidente Lula, que, sim, saberia e teria autorizado os empréstimos para a empresa de Valério.

Tudo somado, o ambiente político permitiu e proporcionou a condenação de líderes petistas da magnitude de José Dirceu e Genoino. Não é pouca coisa e fica para 2013 o momento da prisão de todos os condenados e também uma possível nova ação da Procuradoria Geral da República, tendo em vista os novos fatos relatados por Valério.
Ventos de mudança ou de continuidade?

Para finalizar, cabe então a pergunta: o que esperar de 2013 tendo em mente esses tempos estranhos que vivemos? Neste novo ano que se inicia, o espaço para palpites parece pequeno, visto que os do ano anterior foram todos desmoralizados pelos fatos. O que dá para afirmar com tranquilidade é que a turbulência deve continuar, e o jogo deve prosseguir nas sombras, naquelas áreas que o público geral pouco conhece, em que a informação é escassa e privilégio dos muito bem informados.

Mesmo em um ambiente tão turbulento, porém, não dá para vaticinar que ventos de mudança estão chegando, como atesta a eleição do petista Fernando Haddad, contra tudo e contra todos, em São Paulo. Dilma continua extremamente popular, mesmo com um PIB fraco. É preciso lembrar que o Brasil vive um inédito momento de pleno emprego e que o crédito continua turbinando o consumo interno. Para os mais pobres, a vida segue melhorando, e todos sabemos que a economia conta muito para a (im)popularidade dos mandatários da nação.

Para a sorte do regime petista, a oposição, de direita ou de esquerda, não parece ter forças para aproveitar a turbulência e consolidar um nome, um projeto, ideias gerais que sejam, alternativos ao programa petista para o Brasil. Desta forma e apesar das crises políticas, o espaço da mudança parece continuar reduzido à ocorrência de um cataclisma econômico que mude radicalmente o humor dos brasileiros em relação aos seus governantes. Ou a uma verdadeira reviravolta, a partir de terremotos políticos de alto grau. Tendo em vista o que aconteceu em 2012, nenhuma dessas hipóteses pode ser descartada. Como palpite, no entanto, este colunista acha que é possível, mas não provável.

Previsão mesmo, daquelas que o leitor pode cobrar no final de 2013, apenas uma: o Corinthians não ganha outro Mundial... E ficam então aqui já os votos de um ótimo ano para todos, com muitas realizações.

Luiz Antonio Magalhães é jornalista, foi editor do Correio da Cidadania, do Observatório da Imprensa e do Diário do Comércio, Indústria e Serviços (DCI).

Perspectivas da economia brasileira para 2013       
ESCRITO POR GUILHERME C. DELGADO  
QUI, 03 DE JANEIRO DE 2013

É necessário separar as singularidades que caracterizam o tempo histórico para analisar qualquer fenômeno intercorrente no tempo. Assim, 2013 está cheio de singularidades; eleitorais, esportivas e até estatísticas, que o credenciam para um determinado crescimento econômico, maior que o do biênio precedente, sem que isto possa ser utilizado como argumento forte na linha da recuperação econômica. Mas é ponto de partida, que pode ou não ser confirmado, caso haja estratégias políticas e econômicas delineadas. Vamos, pois, partir da premissa de que as singularidades de 2013 – baixo crescimento pretérito, necessidade de “mostrar serviço” dos chefes de executivo que se candidatam à reeleição em 2014 e calendário esportivo – são eventos extra-econômicos, com forte incidência pró-crescimento conjuntural no ano que se inicia.

Razões estatísticas, eleitorais ou esportivas são, por sua vez, argumentos e justificativas pobres para fundamentar um pequeno ensaio de perspectivas econômicas. É necessário ir além, sob pena de a ênfase incidir na superficialidade dos fenômenos elencados, sem pretensão de desvendá-los.

Vejamos o tema das “Perspectivas” sobre outra ótica, qual seja, o arranjo diferencial da política macroeconômica do governo Dilma, ora em curso (política econômica conjuntural), face ao arranjo de economia política (sentido estrutural da acumulação de capital e da repartição da renda social que se persegue). Tudo isso se movendo num cenário de forte dificuldade de previsão sobre o futuro, provocado pela crise financeira externa.

A política macroeconômica diferencial do governo Dilma inovou em 2012, relativamente aos governos Lula e ao seu próprio, no primeiro ano, com a adoção de certo arranjo fiscal, monetário, cambial e de determinados preços públicos (tarifa elétrica e dos derivados do petróleo) - com objetivo explícito de favorecer um ‘boom’ de investimentos privados, que de fato não ocorreu, mas que o governo espera ver em 2013.

Segundo o ministro Mantega (artigo no caderno econômico do jornal ‘O Estado de São Paulo’ de 23-12-2012), em 2012, houve desonerações tributárias da ordem de 45 bilhões de reais (correspondentes a 1% do PIB), que serão mantidas em 2013, acrescidas das reduções tarifárias na energia elétrica e pela ampliação das desonerações patronais previdenciárias para 42 setores industriais e de serviços.

Este verdadeiro ‘baú da felicidade’, direcionado ao setor empresarial, supostamente se viabilizaria, segundo a versão oficial, pelo espaço fiscal aberto com a redução dos juros internos, principalmente da taxa SELIC, incidente sobre grande parte da Dívida Líquida do Setor Público.

Fora isso, há duas outras inovações praticadas: a virtual adoção da “banda de câmbio” acima dos dois reais por dólar, com informal abandono do regime flutuante sem controle de capitais; e a redução da tarifa elétrica em 20%, parcialmente arbitrada na renovação dos contratos de concessão vencidos, parcialmente complementada com recursos orçamentários, cada uma delas contendo ingredientes específicos, que não cabe aqui analisar.

No conjunto, a projeção que o governo federal faz é de que desonerações, reduções de tarifa, queda de juros e melhoria no câmbio constituem um importante incentivo para investir, o que declaradamente espera que ocorra nos vários setores da indústria de transformação, mais afetados pela estagnação.

Vejamos o outro lado da questão: o arranjo de economia política, no sentido das alianças ou acordos tácitos de grupos e classes sociais, que dariam sustentação virtuosa a essa pretensão da política macroeconômica de promover o crescimento econômico, mais além do evento circunstancial da conjuntura.

Observe-se que a política econômica diferencial que enunciamos brevemente altera determinados acordos tácitos sobre repartição dos lucros e das remunerações do trabalho no conjunto da economia, que vigoraram nos dois governos Lula. Vou tentar utilizar uma linguagem simples, recorrendo a um recurso didático, que tomo emprestado do amigo já falecido, Tamás Szcmrecsanyi.

Segundo o discurso oficial, o tripé clássico de acumulação de capital junto ao Estado brasileiro – banqueiros, usineiros e empreiteiros – teria sido preterido no primeiro caso (banqueiros), em benefício do demais, a quem se recalibrariam incentivos para crescer. Quanto aos assalariados, aparentemente nada teria mudado, visto que a mudança distributiva teria caráter de redivisão do lucro bruto dos capitalistas. Mas isto é um mero encadeamento de conjecturas e intenções declaradas, sem maior apoio nos fatos.

Na verdade, o jogo de economia política que se opera no presente, se de fato reduz a fatia do lucro extraordinário percebido pelos rentistas financeiros, clientes da dívida pública, e pelos monopólios do setor elétrico, por outro lado os compensa em parte no próprio pacote da política econômica. Desonerações fiscais seletivas e desonerações patronais na Previdência Social para amplo setores, adicionando o presente ao setor financeiro que é a Lei dos Fundos de Previdência do Servidores Públicos (Funpresp), sancionada em meados de 2012, são compensações de praxe servidas ao sistema. Mas neste caso é a política social que paga a conta.

Desonerações e renúncias fiscais na magnitude daquilo que ora vem sendo anunciado e implementado não se operam com base no “espaço fiscal” aberto pela queda dos juros. Isto não tem o fundamento empírico e legal que se apregoa. Mas são os recursos da seguridade social e de outras políticas sociais que entram direta e indiretamente em jogo com o apelo às desonerações previdenciárias. Ademais, por este mecanismo abre-se espaço à linha de tiro do coro conservador – sobre o recrudescimento do déficit ou do ‘rombo’ da Previdência, como preferem vociferar.

O único segmento integralmente beneficiado pela política econômica diferencial é aquele que detém e aprofunda uma estrutura produtiva fortemente apoiada no monopólio de recursos naturais – o agronegócio, a mineração e a exploração de petróleo e gás natural, ainda que este último sofra consequência da política de preços internos dos combustíveis.

Em síntese, em resposta à crise do crescimento externo, o sistema econômico recalibra suas estratégias de defesa, agora cada vez menos encadeadas com uma política social distributiva e cada vez mais concentradas com os segmentos do setor primário-exportador.

Aposta-se demasiado numa fantasia verbal – “o espírito animal dos empresários” – em detrimento do argumento da igualdade social, este sim um bom princípio do Estado Social, inteiramente compatível com as idéias de John Maynard Keynes, aparentemente em curso de desmontagem. Sem o argumento da igualdade, seriamente considerado nas políticas social, tributária e agrária, os experimentos de crescimento que ora se perseguem apresentam durabilidade do voo de galinha.

Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

8 de janeiro de 2013

O dilema da Reforma Agrária no Brasil do agronegócio




O governo ainda não entendeu a natureza e a gravidade dos problemas sociais no campo
POR JOÃO PEDRO STEDILE
A sociedade brasileira enfrenta no meio rural problemas de natureza distintos que precisam de soluções diferenciadas. Temos problemas graves e emergenciais que precisam de medidas urgentes. Há cerca de 150 mil famílias de trabalhadores sem-terra vivendo debaixo de lonas pretas, acampadas, lutando pelo direito que está na Constituição de ter terra para trabalhar. Para esse problema, o governo precisa fazer um verdadeiro mutirão entre os diversos organismos e assentar as famílias nas terras que existem, em abundância, em todo o País. Lembre-se de que o Brasil utiliza para a agricultura apenas 10% de sua área total.
Há no Nordeste mais de 200 mil hectares sendo preparados em projetos de irrigação, com milhões de recursos públicos, que o governo oferece apenas aos empresários do Sul para produzirem para exportação. Ora, a presidenta comprometeu-se durante o Fórum Social Mundial (FSM) de Porto alegre, em 25 de janeiro de 2012, que daria prioridade ao assentamento dos sem-terra nesses projetos. Só aí seria possível colocar mais de 100 mil famílias em 2 hectares irrigados por família.
Temos mais de 4 milhões de famílias pobres do campo que estão recebendo o Bolsa Família para não passar fome. Isso é necessário, mas é paliativo e deveria ser temporário. A única forma de tirá-las da pobreza é viabilizar trabalho na agricultura e adjacências, que um amplo programa de reforma agrária poderia resolver. Pois nem as cidades, nem o agro-negócio darão emprego de qualidade a essas pessoas.
Temos milhões de trabalhadores rurais, assalariados, expostos a todo tipo de exploração, desde trabalho semiescravo até exposição inadequada aos venenos que o patrão manda passar, que exige intervenção do governo para criar condições adequadas de trabalho, renda e vida. Garantindo inclusive a liberdade de organização sindical.
Há na sociedade brasileira uma estrutura de propriedade da terra, de produção e de renda no meio rural hegemonizada pelo modelo do agronegócio que está criando problemas estruturais gravíssimos para o futuro. Vejamos: 85% de todas as melhores terras do Brasil são utilizadas apenas para soja/ milho; pasto, e cana-de-açúcar. Apenas 10% dos proprietários rurais, os fazendeiros que possuem áreas acima de 500 hectares, controlam 85% de todo o valor da produção agropecuária, destinando-a, sem nenhum valor agregado, para a exportação. O agronegócio reprimarizou a economia brasileira. Somos produtores de matérias-primas, vendidas e apropriadas por apenas 50 empresas transnacionais que controlam os preços, a taxa de lucro e o mercado mundial. Se os fazendeiros tivessem consciência de classe, se dariam conta de que também são marionetes das empresas transnacionais,
A matriz produtiva imposta pelo modelo do agronegócio é socialmente injusta, pois ela desemprega cada vez mais pessoas a cada ano, substituindo-as pelas máquinas e venenos. Ela é economicamente inviável, pois depende da importação, anotem, todos os anos, de 23 milhões de toneladas  de fertilizantes químicos que vêm da China, Uzbequistão, Ucrânia etc. Está totalmente dependente do capital financeiro que precisa todo ano repassar: 120 bilhões de reais para que possa plantar. E subordinada aos grupos estrangeiros que controlam as sementes, os insumos agrícolas, os preços, o mercado e ficam com a maior parte do lucro da produção agrícola. Essa dependência gera distorções de todo tipo: em 2012 faltou milho no Nordeste e aos avicultores, mas a Cargill, que controla o mercado, exportou 2 milhões de toneladas de milho brasileiro para os Estados Unidos. E o governo deve ter lido nos jornais, como eu... Por outro lado, importamos feijão-preto da China, para manter nossos hábitos alimentares.
Esse modelo é insustentável para o meio ambiente, pois pratica a monocultura e destrói toda a biodiversidade existente na natureza, usando agrotóxicos de forma irresponsavel. E isso desequilibra o ecossistema, envenena o solo, as águas, a chuva e os alimentos. O resultado é que o Brasil responde por apenas 5% da produção agrícola mundial, mas consome 20% de todos os venenos do mundo. O Instituto Nacional do Câncer (Inca) revelou que a cada ano surgem 400 mil novos casos de câncer, a maior parte originária de alimentos contaminados pelos agrotóxicos. E 40% deles irão a óbito. Esse é o pedágio que o agronegócio das multinacionais está cobrando de todos os brasileiros! E atenção: o câncer pode atingir a qualquer pessoa, independentemente de seu cargo e conta bancária.
Uma política de reforma agrária não é apenas a simples distribuição de terras para os pobres. Isso pode ser feito de forma emergencial para resolver problemas sociais localizados. Embora nem por isso o governo se interesse. No atual estágio do capitalismo, reforma agrária é a construção de um novo modelo de produção na agricultura brasileira. Que comece pela necessária democratização da propriedade da terra e que reorganize a produção agrícola cm outros parâmetros. Em agosto de 2012, reunimos os 33 movimentos sociais que atuam no campo, desde a Contag, que é a mais antiga, MST, Via campesina ,até o movimento dos pescadores, quilombolas, etc., e construímos uma plataforma unitária de propostas de mudanças. É preciso que a agricultura seja reorganizada para produzir, em primeiro lugar, alimentos sadios para o mercado interno e para toda a população brasileira. E isso é necessário e possível, criando políticas públicas que garantam o estímulo a uma agricultura diversificada em cada bioma, produzindo com técnicas de agroecologia. E o governo precisa garantir a compra dessa produção por meio da Conab.
A Conab precisa ser transformada na grande empresa pública de abastecimento, que garante o mercado aos pequenos agricultores e entregue no mercado interno a preços controlados. Hoje já temos programas embrionários como o PAA (programa de compra antecipada) e a obrigatoriedade de 30% da merenda escolar ser comprada de agricultores locais. Mas isso está ao alcance agora de apenas 300 mil pequenos agricultores e está longe dos 4 milhões existentes.
O governo precisa colocar muito mais recursos em pesquisa agropecuária para alimentos e não apenas servir às multinacionais, como a Embrapa está fazendo, em que apenas 10% dos recursos de pesquisa são para alimentos da agricultura familiar. Criar um grande programa de investimento em tecnologias alternativas, de mecanização agrícola para pequenas unidades e de pequenas agroindústrias no Ministério de Ciência e Tecnologia.
Criar um grande programa de implantação de pequenas e médias agroindústrias na forma de cooperativas, para que os pequenos agricultores, em todas as comunidades e municípios do Brasil, possam ter suas agroindústrias, agregando valor e criando mercado aos produtos locais. O BNDES, em vez de seguir financiando as grandes empresas com projetos bilionários e concentradores de renda, deveria criar um grande programa de pequenas e médias agroindústrias para todos os municípios brasileiros.
Já apresentamos também ao governo propostas concretas para um programa efetivo de fomento à agroecologia e um programa nacional de reflorestamento das áreas degradadas, montanhas e beira de rios nas pequenas unidades de produção, sob controle das mulheres camponesas. Seria um programa barato e ajudaria a resolver os problemas das famílias e da sociedade brasileira para o reequilíbrio do meio ambiente.
Infelizmente, não há motivação no governo para tratar seriamente esses temas. Por um lado, estão cegos pelo sucesso burro das exportações do agronegócio, que não tem nada a ver com projeto de país, e, por outro lado, há um contingente de técnicos bajuladores que cercam os ministros, sem experiência da vida real, que apenas analisam sob o viés eleitoral ou se é caro ou barato... Ultimamente, inventaram até que seria muito caro assentar famílias, que é necessário primeiro resolver os problemas dos que já têm terra, e os sem-terra que esperem. Esperar o quê? O Bolsa Família, o trabalho doméstico, migrar para São Paulo?
Presidenta Dilma, como a senhora lê a CartaCapital, espero que leia este artigo, porque dificilmente algum puxa-saco que a cerca o colocaria no clipping do dia.


CARTA CAPITAL
Edição da semana de 05/01/2013