18 de novembro de 2020

Apontamentos para uma Análise de Conjuntura da IECLB.

 

Com a unificação dos Sínodos em 1968 a direita do Sínodo Riograndense assume a direção da IECLB com o Karl Gottschald, que foi sucedido pelo Kunert que era de centro esquerda (em cujo mandato foram aprovadas muitas questões levantadas pela esquerda nos Concílios, mas não encaminhadas), quem o sucede é o Brakemeier de centro direita, quem o sucede é o Kirchheim de centro (pelas alianças que fez no processo da Reestrutração pode ser até de centro direita, pois viabilizou o projeto de Igreja da direita), quem o sucede é o centro esquerda Altmann, quem o sucede é de centro que é o Friedrich, quem o sucede é a Sílvia de centro esquerda. Essa é uma avaliação muito subjetiva minha. O Altmann e a Sílvia dirão que são de esquerda, para mim esquerda é ser comunista. Centro-esquerda é socialdemocracia. Para saber o que é a socialdemocracia é só estudar a Revolução Alemã de 1918/19 onde a socialdemocracia assassinou os revolucionários (entre eles a Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht) que queriam dar um salto para uma nova sociedade sem classes. É claro que a socialdemocracia é muito melhor que o neoliberalismo, mas não é a solução para os problemas que o Planeta enfrenta sob o capitalismo. Socialdemocracia é um capitalismo com outro penteado, melhor que o neoliberalismo, mas continua capitalismo.

Jean Ziegler, que fazia parte do comitê central da Internacional Socialista, em entrevista fala da socialdemocracia.

 

Por anos, fui membro do Conselho Executivo da Internacional Socialista. Seu presidente, Willy Brandt, dizia a nós jovens, como eu, Brizola e Jospin: não se preocupem. A cada votação, vamos avançar aos poucos e as pessoas vão se dar conta. Lei por lei, vamos instaurar uma democracia social, igualdade de oportunidades e justiça social. Mas isso não ocorreu. No lugar do progresso da democracia social, o que vimos foi a instauração da ditadura mundial de oligarquias do capital financeiro globalizado que dá suas ordens, mesmo aos estados mais poderosos. Desde a queda do Muro de Berlim em 1989, a liberalização do mercado e a perda do poder normativo dos estados avançou mais que nunca e, ao mesmo tempo, a desigualdade social aumentou. Mas Brandt também nos dizia: quando vocês falarem publicamente, é necessário dar esperança. O discurso deve ser analiticamente exato. Mas ele precisa ser concluído com uma afirmação de esperança. Caso contrário, é melhor ficar em casa.

Mas onde está essa esperança?

É a sociedade civil planetária. É a misteriosa fraternidade da noite, a miríade de movimentos sociais – Greenpeace, Anistia Internacional, movimento antirracista, de luta pela terra – que lutam contra a ordem canibal do mundo, cada qual em seu domínio. São entidades que não obedecem a um comitê central ou a uma linha de partido, e que funcionam por um só princípio: o imperativo categórico. ... O escritor francês George Bernanos escreveu: “Deus não tem outra mão que seja a nossa”. Ou somos nós que mudaremos essa ordem canibal do mundo, ou ninguém o fará. (CHADE, Jamil. A democracia representativa está esgotada. Entrevista com Jean Ziegler in www.ihu.unisinos.br de 21/05/2019)

 

A base comunitária e paroquial continua sob controle da direita desde sempre, com exceções, por isso a Reestruturação não mexeu na base paroquial, apenas eliminou o Distrito que a direita não controlava. A base comunitária e paroquial é controlada normalmente pela pequena burguesia, braço estendido do grande capital no local, que dá os rumos nas comunidades e paróquias, pois a pastorada está encagaçada, se isolando e com isso se suicidando teologicamente. Quanto mais isolado pior, pois aí é que de fato se está sob o controle da pequena burguesia conservadora e reacionária. Há um setor entre os pastores/as que é bem conservador e alguns são bem reacionários que se alojam no Encontrão e na MEUC. No Movimento dos Tradicionais (que não é um Movimento reconhecido e nem organizado) também há um grupo grande que é conservador.

Castelo[1] lembra que no nazismo "a base social do movimento de massa fascista é a pequena burguesia". Foi esta que no Brasil em 2018 votou em massa no Bolsonaro e apoiou o Golpe de Estado militar-empresarial-midiático-jurídico-parlamentar de 2016 dentro do processo de recolonização da América Latina pelos USA. Isso para termos uma ideia sobre quem manda na Igreja e procura impor sua teologia à Igreja.

Roberto Malvezzi comenta sobre o fascismo que brotou de nosso sistema escravocrata que durou quase 400 anos no Brasil e produziu a mentalidade escravocrata de nossa elite de hoje que dá sustentação ao Bolsonaro e seu colonialismo mental, que mantém o Brasil como subcolônia dos USA, levando de arrasto uma pequena massa de empobrecidos alienados.

 

“Não criei o fascismo, tirei-o do inconsciente dos italianos. Se não fosse assim, eles não teriam me seguido por vinte anos”. Benito Mussolini. ... Bolsonaro não inventou o bolsonarismo, ele apenas o extraiu do inconsciente do povo brasileiro. Esse é o nosso abismo. Por ter apoio no inconsciente brasileiro, esse pesadelo pode durar pouco, pode durar vinte anos – como muito sagazmente interpretou Mussolini -, ou pode durar muito mais. (MALVEZZI, Roberto. De Mussolini a Bolsonaro: trabalhando com os porões da alma humana in https://www.alainet.org de 20/04/2020)

 

Wrubel comenta da importância do cristo-fascismo que se propagou pelas igrejas como estratégia dos USA desde os anos 1980 para neutralizar a Teologia da Libertação.

 

– Você melhorou seu bem-estar durante os governos de Lula e Dilma? – Sim – responde um morador de uma favela.

– A quem se deve esse bem-estar que obteve?

– A Deus.

(Diálogo reconstruído por um militante do PT numa favela, enquanto fazia campanha para Fernando Haddad, contra Jair Bolsonaro). ...

A teóloga ecofeminista Nancy Cardoso chama esses fenômenos de “cristo-fascismos”, por sua exaltação aos militares, à ordem de Deus e à pátria. Tais espaços são oferecidos como refúgios a misóginos, machistas, racistas, homofóbicos, destacando a figura da família europeia e alimentando o ódio a um inimigo interno que ameaça ordem e valores: no Brasil, esses inimigos são o movimento feminista e a comunidade LGBTI; na Bolívia, são os povos originais. ...

Nesse sentido, devemos destacar os Documentos de Santa Fé, desclassificados pela CIA a pedido de Ronald Reagan, e que analisam a situação da América Latina e como ela propicia ações dos Estados Unidos para impedir o avanço da esquerda. Também se analisa o papel das Igrejas e como elas desempenham a função de polícias contrárias à transmissão de pensamentos progressistas, com a Teologia da Libertação e a luta cultural: “a política externa dos Estados Unidos deve começar a neutralizar (não reagir) à Teologia da Libertação, como é usada na América Latina pelo clero a ela vinculado”, diz o livro.

“O papel da igreja na América Latina é vital para o conceito de liberdade política. Infelizmente, as forças marxistas-leninistas passaram a usar a Igreja Católica como uma arma política contra a propriedade privada e o capitalismo produtivo, infiltrando a comunidade religiosa com ideias menos cristãs e mais comunistas”, complementa. (WRUBEL, Federico Pérez. Os Cristo-Fascismos in https://www.alainet.org de 05/12/2019)

 

A partir do final dos anos 80 a direita se articula para tomar a Senhor dos Passos e não consegue por causa dos Distritos onde a hegemonia da esquerda era evidente. Por isso a Reestruturação acabou com os Distritos, onde muitos estavam articulados com as lutas populares e contra a ditadura. Como a tomada de poder da direita não deu certo pelo alto ela se articula para viabilizar o processo da Reestruturação aproveitando a confusão que o Neoliberalismo gerou na pastorada que não sabia fazer análise de conjuntura e estrutura do capitalismo e da Igreja. Ainda hoje não se faz análise de conjuntura nos Sínodos, nem nos Concílios, como se vivêssemos numa sociedade harmônica sem luta de classes e nem exploração de classe. Somos cegos guiando cegos.

Como um Concílio da Igreja pode decidir sobre o futuro da Igreja se não faz analise de conjuntura e estrutura séria e concreta a partir da realidade da luta de classes que ocorre na Igreja e na sociedade? Somos um bando de ingênuos ou de tapados? Isso tudo nada tem a ver com ingenuidade, mas com a luta de classes da sociedade e da Igreja que precisa ser escondida. A ideologia explica isso. Com uma análise de conjuntura e estrutura séria se revelaria essa luta de classes existente na sociedade e na Igreja. A pequena burguesia que é o longo braço estendido do grande capital internacional no município quer tudo menos revelar como funciona a luta de classes e a exploração de classe na sociedade e na Igreja. Por isso nada de análise de conjuntura e estrutura do país e da Igreja. Isso foi feito uma vez quando ocorreu a Assembleia da FLM em Curitiba com a publicação do livro Raízes da Pobreza. Algo inédito. Mas aí a FLM estava por trás disso, não a IECLB?

É essa turma da pequena burguesia que acusa a esquerda de fazer política na Igreja, mas a direita quando faz política partidária na Igreja posa de mosca tonta. O pastor presidente Gottschald visitava o ditador general Geisel periodicamente e a direita nunca o acusou de fazer política. Pode procurar na internet que tem até foto dos dois juntos. Só o Matelândia não poderia ter visitado o Lula, pois isso foi fazer política. Haja demagogia. Ainda mais quando hoje se sabe, pela revelação do documento da CIA, que o ditador Geisel ordenou que o então general Figueiredo desse a ordem para o assassinato de opositores do regime presos após terem sido torturados barbaramente. Fazer política de direita não é fazer política, isso é o normal, sempre foi assim. O que não é normal na Igreja é defender os direitos do povo empobrecido pelo capital. Isso não pode, pois isso é fazer política e na Igreja não se faz política porque ela é neutra. É a neutralidade agarrada ao capital. O professor Oneide Bobsin nos revela que

 

Líderes da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) de então olhavam com desconfiança para as denúncias de violação dos direitos humanos feitas no exterior. Para aquelas lideranças a violação dos Direitos Humanos, por agentes do Estado Brasileiro, era propaganda de setores da mídia internacional. Destacamos algumas vozes dos entrevistados, iniciando por Werner Fuchs,

‘A leitura que a gente fazia era mais estrutural, de que era uma estrutura autoritária. Aí que o presidente da IECLB acabou convidando o presidente da república, general E. G. Médici, para fazer a abertura da V Assembleia. O general aceitou. Então começou a pressão internacional para transferir a assembleia.’

Hans B. Asseburg, também egresso da Faculdade de Teologia, doutorando na Universidade de Marburgo, por volta de 1967, traz de lá como depoimento de sua atuação no movimento estudantil o debate ocorrido em razão das violações aos direitos humanos não reconhecidos pelo então pastor presidente Karl Gottschald.

‘[...] quando se preparava a Assembleia Mundial Luterana [...] apareceu uma entrevista na imprensa do pastor presidente da IECLB, Karl Gottschald, que estava de viagem pela Alemanha. Os jornalistas fizeram perguntas sobre a situação da repressão no Brasil, sobre torturas e a respeito das notícias sobre matança de indígenas. Gottschald respondeu que nada disso estava acontecendo no Brasil, que tudo isto era mentira e invenção da imprensa. Essa entrevista repercutiu muito mal entre os estudantes de Teologia e em geral nos meios eclesiásticos da Alemanha. O dirigente da IECLB, que iria hospedar a Assembleia da Federação Luterana Mundial, simplesmente ignorava a repressão política de seu país.’ (BOBSIN, Oneide. Relatório de pesquisa direitos humanos, ditadura militar e igreja. São Leopoldo. 2015)

Isso que em 1967 saiu o Relatório Figueiredo, feito por Jader Figueiredo a pedido do Ministério do Interior, denunciando o genocídio indígena no Brasil e o mundo todo conhecia os relatos de tortura e execuções extrajudiciais de opositores do regime no Brasil. Ocultar isso não era fazer política para a direita, pois ocultar a realidade é o papel da direita e isso é normal. Podem baixar da internet o Relatório Figueiredo de 68 páginas, que é a síntese entregue ao Ministro (ao todo são 7 mil páginas com provas contra a atuação do SPI, que vai de exploração de mão de obra indígena, tortura, estupro, corrupção, escravidão a genocídio), é um horror o que ali se conta. Esse Relatório ficou desaparecido por 50 anos e foi redescoberto em 2012 pelo pesquisador Marcelo Zelic no Museu do Índio.

Nos anos 70-80 a esquerda na Igreja tinha o apoio de parte da pequena burguesia que estava no MDB que lutava contra a ditadura, mas não contra o capitalismo. Isso hoje acabou. Hoje a pequena burguesia está unida em torno de um projeto conservador de Igreja, com exceções. Em Palmitos a pequena burguesia em massa votou no Bolsonaro e apoiou o golpe de Estado de 2016. É esse povo que está dando a linha teológica na Igreja. Alguns pastores se iludem achando que ainda dão alguma linha teológica, mas é ilusão, estão imprensados contra a parede e forçados a falar o que essa pequena burguesia conservadora permite que se fale. Certamente ainda há exceções, que são exceções. Toda tática de recuar e tentar depois avançar é sinal de derrota já anunciada, porque na hora de você avançar novamente a direita avança também em sua pressão e você tem que recuar de novo para sobreviver e tudo fica na estaca zero.

Você dirá: Eu dou a linha teológica na paróquia, pois tenho alguma mobilidade. Você é que nem o governo Lula: tem a mobilidade que a burguesia permite, desde que você não questione o fetiche do capital. Como diz o Francisco de Oliveira após a reeleição do Lula em 2007:

 

O consentimento sempre foi o produto de um conflito de classes em que os dominantes, ao elaborarem sua ideologia, que se converte na ideologia dominante, trabalham a construção das classes dominadas à sua imagem e semelhança. ... Nos termos de Marx e Engels, da equação “força + consentimento” que forma a hegemonia, desaparece o elemento “força”. E o consentimento se transforma no seu avesso: não são mais os dominados quem consentem na sua própria exploração. São os dominantes – os capitalistas e o capital, explicite-se – que consentem em ser politicamente conduzidos pelos dominados, à condição de que a “direção moral” não questione a forma da exploração capitalista. É uma revolução epistemológica para a qual ainda não dispomos da ferramenta teórica adequada. Nossa herança marxista-gramsciana pode ser o ponto de partida, mas já não é o ponto de chegada. (OLIVEIRA, Francisco de. Hegemonia às avessas in Piauí. Edição 4. Janeiro de 2007)

 

Ou você enfrenta a burguesia e corre o risco consciente de poder ser expulso como um maldito herege da paróquia ou ela vai dar a linha teológica na paróquia e você como pastor/a vai ser um joguete nas mãos dela. Para enfrentar a pequena burguesia você tem que saber que está sozinho, não terá ajuda de ninguém e nem respaldo de ninguém (a não ser que tenha tempo de organizar os empobrecidos da paróquia capacitando-os teologicamente); a instituição não vai te defender. Pois é o Conselho Paroquial que te escolhe e te manda embora e este é controlado pela pequena burguesia conservadora. Os pobres até te dizem em particular: “Nós não queremos que você vai embora”, mas eles não abrem a boca no Conselho Paroquial para te defender, pois tem medo dessa pequena burguesia que tem boa lábia, tem formação, sabe se articular e se preciso for sabe fazer fofoca, contar mentira e levantar calúnias contra o pastor/a. A culpa disso é que não se tem um projeto claro de formação teológica com os pobres na paróquia para lhes dar conteúdo para poderem dar a linha teológica com o/a pastor/a na paróquia. Normalmente é assim. Já ouvi relatos de paróquia pobre onde os pobres camponeses enfrentaram a pequena burguesia da cidade e garantiram a permanência da pastora, mas isso é exceção.

Pregação pura do Evangelho na Igreja é o grande mito na IECLB. É um belo mito! Se não há liberdade de pregação do Evangelho então não existe a pura pregação do Evangelho na Igreja. Quando o pastor/a mede as palavras na pregação e cuida o que fala com receio da reação da pequena burguesia conservadora e dos trabalhadores e camponeses alienados é porque não há liberdade de pregação do Evangelho na Igreja, portanto a pura pregação do Evangelho foi para as cucuias. Assim a Igreja que se diz de Jesus Cristo deixou de sê-lo. O maior inimigo da Igreja de Jesus Cristo é a própria Igreja que se diz de Jesus Cristo quando impede a pura pregação do Evangelho de Jesus Cristo na Igreja e na sociedade e persegue os/as pastores/as e os pressiona para adaptar o Evangelho segundo as dinâmicas do modo de produção da vida material vigente, para justificá-lo e perpetuá-lo, o que desta forma tenta impedir o processo de construção do Reino de Deus conduzido por Jesus Cristo que se caracteriza por uma sociedade sem classes sociais, democrática (onde os meios de produção também foram democratizados e estão sob controle popular), de pessoas livres, iguais e irmãs. Sociedade sem classes sociais (Gl 3.28) significa uma sociedade sem propriedade privada e sem Estado. Essa é a insurgência evangélica inerente ao Evangelho que é uma ameaça à sociedade de classes capitalista que faz de tudo para impedir o anúncio deste Reino de pessoas libertas, iguais e emancipadas.

O Evangelho de Jesus Cristo é em sua essência revolucionário por isso a pequena burguesia, cão de guarda local do grande capital, precisa fazer de tudo para impedir a pregação desse Evangelho do Reino de Deus anunciado em oposição ao reino classista do mundo. O Evangelho de Jesus Cristo é uma ameaça direta ao capital, como capital e como fetiche, como o foi no tempo de Jesus, como nos fala Mc 1.1, que enfrenta o poder de Roma já no primeiro versículo, proclamando outro Evangelho a partir do Cristo, Filho de Deus, portanto o evangelho de Roma deixou de ser hegemônico e César não é deus. Jesus é o Kyrios. É a luta do Cristo, não proprietário, que traz a paz e a liberdade pelo amor, contra o César, deus falso, proprietário, que traz a paz pelo massacre da guerra para garantir a escravidão. Jesus no Pai Nosso, enfrenta Roma dizendo que Javé é nosso Pai e não o César de Roma, que se dizia Pai da Pátria, que transladava o seu poder ao Pai da casa escravocrata sobre a família, a propriedade e os escravos. Mc 1.1 de saída começa desmontando essa ideologia do Império para deixar claro para que veio: acabar com a sociedade de classes a partir dos não proprietários (Jesus era um não proprietário – Lc 9.58; Mt 11.25) para emancipar a humanidade no já agora. Assim hoje também o Evangelho do Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo desmonta o poder do fetiche do capital. Isso precisa ser impedido e é aqui que entra o papel da pequena burguesia conservadora (com o auxílio de trabalhadores alienados), braço local do grande capital, em controlar e impedir a pura pregação do Evangelho.

Conto um exemplo do tempo de Condor. A paróquia tinha um programa diário de 5 minutos na rádio local e de vez em quando eu fazia o programa de rádio também na rádio em Panambi. Em 2007 estava escrevendo o programa de rádio e estava redigindo a expressão “sistema deste mundo” e aí me flagrei que ninguém entenderia essa expressão e coloquei o termo correto “capitalismo”. O resultado não se fez esperar e alguns meses depois a Cooperativa do Agronegócio colocou um de seus técnicos agrícolas de Condor para fazer um abaixo assinado para me tirar da paróquia porque eu falava contra o capitalismo. Era o enunciado principal do abaixo assinado a ser entregue no Conselho Paroquial, mas três das comunidades de camponeses empobrecidas não assinaram. Só assinaram o presidente da comunidade que reunia os médios proprietários de terra e o presidente do centro que era cunhado do técnico agrícola. Como isso não funcionou e eu continuei a afrontar o capital em minha pregação o tal peão começou a fazer intrigas, fofocas e pressionar a diretoria do centro. A presidente da paróquia que era da pequena burguesia, mas era de esquerda, enfrentou o tal técnico agrícola e seus aliados não dando ouvidos às suas intrigas, mentiras e fofocas. É a tal exceção à regra. O tal peão da Cooperativa foi recompensado pelos seus bons serviços prestados ao capital e lhe deram a gerência da agência do Sicredi local para administrar. O capital recompensa seus aliados.

Acontece que ao encerrar a gestão da presidente da paróquia tivemos que achar alguém para a substituir o que foi difícil e por fim o vice presidente concordou em assumir. Aí que demos o grande furo por causa de nossa ingenuidade e burrice em não analisar a realidade a partir da luta de classes. O vice era médio proprietário com 250 ha de terra, mas sempre se mostrou uma pessoa aberta e não reacionária, e seu sogro, conservador e reacionário, tinha 300 ha de terra e eles eram membros da comunidade onde havia mais médios proprietários que o pressionaram, além dos patrões da cidade. Aí a pertença à classe dos proprietários prevaleceu e ele na primeira reunião da diretoria da paróquia disse que não renovaria o TAM porque estava sendo pressionado pelas pessoas que não gostavam do conteúdo de minhas pregações que não elogiava o capitalismo. A pertença e fidelidade à classe proprietária decidem na hora do vamos ver. Os proprietários sempre serão fiéis à sua classe e aos interesses dessa classe. Isso se sobrepõe ao Evangelho. Somente quem tem clareza teológica consegue fugir dessa determinação, como no caso da presidente da paróquia, que era da pequena burguesia, mas de esquerda.

Não foi à toa que Javé se fez pessoa em Jesus de Nazaré na classe camponesa como camponês sem terra artesão galileu palestino empobrecido e não proprietário. A revolução do Reino de Deus inicia pelas classes subalternas, por isso Javé se fez pessoa numa classe subalterna. No Êxodo Javé até convida o Faraó a participar do processo revolucionário (Êx 5) libertando os escravos, mas a sua pertença à classe dos proprietários o impede, como também mostra o texto de Mt 19.16-22 onde a pertença à classe proprietária impediu o jovem rico a seguir Jesus Cristo. A propriedade privada dos meios de produção, circulação e distribuição é o grande empecilho de participar da revolução do Reino de Deus. Romper a barreira do interesse de classe é difícil, poucos conseguem. Segundo os proprietários privados o Evangelho tem que se adaptar aos interesses da classe dos proprietários privados. Por isso é fundamental uma análise marxista da realidade para a gente acertar na análise. Análise errada conduz à prática errada. Foi o que aconteceu. A ingenuidade e a burrice cobram o seu preço.

Não é permitido dizer que o capitalismo é um dos instrumentos que o diabo usa para tentar impedir a construção da revolução do Reino de Deus conduzida por Jesus Cristo ao construir já agora uma sociedade não classista, democrática, igualitária de irmãos/ãs e sem propriedade privada (Mt 19.16-22; At 2 e 4) para emancipar e humanizar a humanidade. O fetiche do capital não permite tal afronta e a Igreja deve se curvar diante dos interesses do capital. É o capital que deve dar a direção teológica na Igreja e não o Evangelho revolucionário do Reino de Deus anunciado em oposição ao reino classista do mundo, hoje o reino do capital. Quem não se curvar diante do fetiche do capital vai ter que sentir o peso de seu castigo e será sacrificado.

E é a Igreja que realiza o sacrifício ao fetiche do Capital sacrificando seus obreiros “desobedientes” que não se curvam diante do deus Capital. No tempo da ditadura civil-empresarial-militar de 64 o pastor presidente da IECLB tentou até esconder os sacrifícios de sangue realizados em honra ao fetiche do capital dizendo que não havia genocídio indígena e tortura no Brasil. Confessa-se em alto em bom tom a fé em Jesus Cristo, mas se obedece as ordens do fetiche do capital no dia a dia e se canibaliza quem não se enquadra nas dinâmicas do fetiche do capital. Quem realiza o sacrifício da vítima desobediente numa orgia cúltica antropofágica simbólica é a própria Igreja segundo suas normas e ritos legais. É o canibalismo, hoje simbólico (nem sempre), de tradição cristã europeia civilizada que historicamente se realiza nas Américas desde 1492, pois na época da Conquista não era um canibalismo simbólico, mas real que sacrificou 70 milhões de pessoas. Esse canibalismo europeu não saboreou a carne de suas vítimas sacrificadas, apenas as sacrificou para poder ficar com seus territórios ricos em minerais e terras férteis para a agricultura viabilizada com trabalho escravo. A ideia, no geral, é a mesma hoje, enquadrar os que não se submetem às dinâmicas do fetiche do capital pela repressão pura. Isso sempre funcionou e continua funcionando muito bem hoje. Para não ser canibalizado numa orgia cúltica pública segundo os ritos eclesiásticos os/as pastores/as se curvam diante do fetiche do capital com a bênção da Igreja.

A grande contradição na Igreja é que os/as pastores/as são ordenados por Deus pela Igreja para pregar puramente o Evangelho do Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo na Igreja e na sociedade, como diz no Regimento Interno da Igreja (Art. 5º, § 1º), mas quando o fazem são expulsos da paróquia como malditos hereges pela Igreja que os ordenou e enviou. A Igreja é a primeira que persegue quem prega puramente o Evangelho, antes da sociedade envolvente. O TAM e a Avaliação são os principais mecanismos repressivos usados para forçar os/as pastores/as amaciar o Evangelho segundo os interesses da pequena burguesia para perpetuar as dinâmicas do capital, que virou o grande deus da e na Igreja. É a idolatria nossa de cada dia!

Somos forçados na economia a nos mover segundo as regras do capital, mas não precisamos defender o capital de forma intransigente como única forma de organizar a sociedade e a vida, como a maioria dos cristãos o faz. Quando isso ocorre é porque o capital como fetiche manda na Igreja e nas pessoas. Nossa proposta como Igreja é participar do processo de construção do Reino de Deus conduzido por Jesus Cristo e não da construção e preservação do capitalismo, reino do mundo, comandado pelo diabo.

As normas legais (Constituição, EMO, etc.) da nova Estrutura foram elaboradas segundo a concepção teológica dos advogados de direita que assessoravam a IECLB com a ajuda de pastores reacionários porque os/as pastores/as em geral são ingênuos e não sabem ler a realidade porque não estudaram o marxismo. Essa direita aproveitou a oportunidade para colocar a pastorada no seu devido lugar a ameaçando com o desemprego pelo TAM e Avaliação. Vitória de 7 a 1 da direita. Essa ideia de renovar o TAM para 3 a 6 anos é o suicídio missionário da IECLB, pois não há Projeto de Igreja nas paróquias e se o há o próximo pastor/a que vier o ignorará, pois a direção da paróquia nem está aí para qualquer projeto além de reproduzir o discurso do fetiche do capital. Muitas paróquias trocam de pastor/a a cada 3 anos, no máximo 6 anos o que é um suicídio missionário, pois a gente precisa no mínimo 3 anos para conhecer uma paróquia. Como um Projeto de Igreja não é algo desejado na paróquia então a gente não elabora um. Basta o/a pastor/a manter os grupos de convivência e os cultos e o resto não interessa. Lutar por justiça e paz com o Movimento Popular e Sindical como sinais do Reino como aponta Paulo em Rm 14.17 é coisa totalmente indesejável por ser subversivo. A linha teológica é dada pelo capital que se apresenta na Igreja com máscara de Jesus Cristo. A idolatria é a grande onda na Igreja. Denunciar o capitalismo como religião e como deus resulta em expulsão da paróquia. Normalmente nem se precisa chegar a tanto e já se é expulso da paróquia. O que sobra para sobreviver na Igreja? Sobra contar estorinhas e fábulas, pois estas o povo não esquece. O que o texto bíblico disse não é tão importante, isso não se precisa guardar.

Sugiro ler a tese de doutorado de Allan da Silva Coelho: CAPITALISMO COMO RELIGIÃO: Uma crítica a seus fundamentos mítico-teológicos. São Bernardo do Campo. Universidade Metodista de São Paulo. 2014. Pode baixar nesse endereço http://tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/324/1/AllanSilvaCoelho.pdf

A última tentativa da direita para tomar a Senhor dos Passos foi com o Nilo Cristmann que se aliou com o Encontrão, com a MEUC, com setores conservadores e com a ajuda entusiasmada de alguns ingênuos (ou oportunistas) da esquerda. Felizmente foram derrotados, por poucos votos, o que mostra o poder de articulação da direita.

No Sínodo Uruguai a direita via Encontrão tem um projeto de transformar o Sínodo num Sínodo do Encontrão e em dezembro tem chance de colocar o vice sinodal e daqui a dois anos vai tentar desbancar a atual Pastora Sinodal.

Com a saída da Sílvia da presidência, daqui a dois anos, a direita vai encontrar alguém para candidatar e ocupar a Senhor dos Passos, caso o Movimento dos Tradicionais, que é a grande maioria da pastorada, junto com a esquerda não conseguir impedir. O problema são os oportunistas que só pensam em si e cobiçam uma boquinha na Senhor dos Passos que podem ajudar a direita a vencer e levar toda a Igreja para a direita. Isso faz parte da luta de classes que há na sociedade. A mesma luta de classes da sociedade ocorre na Igreja, porém camuflada. Todos sabem da existência dela, mas todos a negam, pois a Igreja vive na ilusão da existência da harmonia social na Igreja. Fingimos sermos todos irmãos e irmãs enquanto estamos firmemente engajados na luta de classes na Igreja. Constava no convite da comunidade de Chapecó em pleno conflito com a pequena burguesia: “Venha almoçar conosco como se fossemos irmãos”. Fingimos sermos irmãos enquanto nos esfaqueamos. É a luta de classes camuflada na Igreja.

O Movimento dos Tradicionais não é um Movimento organizado, mas existente na Igreja. Por ser hegemônico não lhe caiu a ficha de que precisa se organizar se não quiser deixar o Encontrão aliado com a MEUC tomar conta da Igreja. A pastorada tradicional, do Movimento dos Tradicionais, não são todos de direita, mas há os de esquerda e de centro, são uma mescla e por isso de difícil organização. No Brasil normalmente o centro já é direita, vide o Centrão no Congresso Nacional.

A esquerda está esfacelada, desorganizada e sem projeto; os tradicionais não estão organizados e não tem projeto, mas o Encontrão tem um projeto de poder e o está viabilizando. A Reestruturação deu ao Encontrão e à MEUC, no apagar das luzes da antiga estrutura em 30 de dezembro de 1997 um centro de formação teológica para cada um para que se possa mudar o rosto teológico da Igreja no futuro. Foi o pagamento do acordo por votar em favor da Reestruturação. Voto dado, fatura paga. Tudo como no Congresso Nacional.

Os membros leigos do Conselho da Igreja e do Concílio, via de regra, são pessoas conservadoras. Se a pastorada não propor saídas não haverá saída a não ser a proposta pela direita, que não é saída.

Conservadorismo gera mais conservadorismo. Isso podemos aprender da Igreja Católica Romana que elegeu o papa Wojtyla em 1978. Em 1980 a Igreja Católica tinha no Brasil 90% do povo brasileiro como católicos e hoje tem menos de 65%. Resultado do conservadorismo que empurrou o povo para o pentecostalismo, como havia planejado a CIA nos anos 80 como reza no documento de Santa Fé.

O conservadorismo proposto pelo projeto da Reestruturação vai resultar que em 50 anos a IECLB terá somente a metade dos membros, pois a idade média hoje já é alta e a Igreja não cresce e com isso só diminuirá. Ou a Igreja enfrenta a direita ou vai murchar gradativamente, pois ela hoje não leva em conta a situação de exploração em que a classe trabalhadora e camponesa se encontra. O caminho que Jesus Cristo seguiu foi acolher os explorados e empobrecidos o que foi seguido pela primeira comunidade que cresceu apesar da perseguição por causa da prática missionária-diaconal.

 

Enviei os apontamentos abaixo para dois sínodos e ninguém reagiu como uma colega do Sínodo Noroeste havia me dito que ocorreria. Sinal de medo geral, indiferença geral, acomodação geral, resignação geral. Como entender que a colegada está sendo massacrada em seu ministério pelos mecanismos repressivos da Igreja e ninguém reage? Será que é somente autopreservação, falta de esperança ou endireitamento geral? Isso faz parte de todo o clima no qual os pastores estão, resignação e alienação. Ou esse povo acha que o Lobo é um bocó mesmo que fica procurando chifres em cabeça de cavalo? Nesta estrutura os/as pastores/as estão sendo desprestigiados, reduzidos a peões, sendo usados como capachos pela pequena burguesia e ninguém se levanta contra isso. Quem explica isso e como se explica isso? O cerne da tarefa da Igreja está sendo vilipendiada, a pregação pura do Evangelho, e ninguém faz nada. O fetiche do Capital já venceu essa parada ao se passar por Jesus Cristo e ser adorado com máscara de Jesus Cristo na igreja?

Hugo Asmann pergunta:

 

- Que implica o fato de que a natureza (recursos naturais) e o homem (trabalhador "liberado" e exposto ao "mercado de trabalho") sejam considerados como mercadorias? Significa que se incorporam ao Capital e à sua lógica. Já não se pertencem. Mesmo quando não utilizados, os recursos humanos e os recursos naturais já não "se pertencem". Sua incorporação ao Capital é tal que tudo pertence a ele, potencialmente. (ASMANN, Hugo. Os disfarces do processo vitimário na economia in ASMANN, Hugo e HINKELAMMERT, Franz J. A Idolatria do Mercado. Ensaio sobre Economia e Teologia. São Paulo. Vozes. 1989, p. 307)

 

O/a Pastor/a que é um assalariado, pois vende a sua força de trabalho no Mercado Religioso (é uma mercadoria), já não se pertence, ele pertence ao capital. Essa é a lógica da pequena burguesia, então ele não pode questionar o capital que é seu senhor. O pastor/a não se pertence, ele pertence a seu comprador, pois é mercadoria que foi comprada por uma SBO. Se questionar seu senhor e comprador então tem que ser afastado como mercadoria danificada; é devolvida à fábrica, a IECLB, que não sabe o que fazer com uma mercadoria danificada, com defeito de fabricação. Para resolver esse dilema existe o TAM e a Avaliação para lembrar à mercadoria “pastor/a” o seu lugar no processo produtivo e a quem de fato pertence. O seu tempo e a sua teologia pertencem ao comprador de sua força de trabalho para produzir mercadorias (teologia) segundo a necessidade do comprador, pois ele não mais se pertence, ele pertence ao capital. Afinal tudo é apenas uma mera relação comercial: a paróquia compra a mercadoria (teologia) produzida pela mercadoria (pastor/a), força de trabalho, se não gostar do produto se desfaz dessa mercadoria que produziu esse produto (teologia) defeituoso. Mais um cliente insatisfeito.

Coggiola diz que

 

O salário mantém a ficção de que o capitalista comprou apenas as operações da máquina, quando o que comprou, na verdade, é a própria máquina, a força de trabalho do operário, que deixou de lhe pertencer pelo período em que a vendeu ao capital, por ser aquela uma mercadoria que possui a característica única de criar mais valores do que aqueles necessários para produzi-la (e reproduzi-la): a diferença entre essas duas magnitudes é a mais-valia embolsada pelo capitalista. (COGGIOLA, Osvaldo. História do Capitalismo - das Origens até a Primeira Guerra Mundial. São Paulo. Ariadna Universitária. 2015, p. 21)

 

A mercadoria (teologia) produzida pelo pastor não lhe pertencem, pertencem ao comprador de sua força de trabalho e por isso deve ser conforme os interesses de seu comprador. Pastor vende a sua força de trabalho para produzir mercadorias conforme os interesses de seu comprador. Quando essa mercadoria (teologia) não atende aos anseios de seu comprador este demite o produtor dessa mercadoria defeituosa, pois não correspondeu ao acordado no livre contrato de trabalho (TAM – que não é tão livre assim porque se não o assina não trabalha) firmado entre vendedor de sua força de trabalho e comprador da força de trabalho. O tempo de trabalho não pertence mais ao vendedor de sua força de trabalho, ele pertence ao capital. Por isso ele deve ser fiel ao capital, seu senhor. O “mais-valor” (teologia alienada) produzido pelo pastor/a é a legitimação e reprodução do capital. Se isso não corresponde essa mercadoria (pastor) é demitida como mercadoria defeituosa que vai para o lixo, o desemprego. O Conselho Paroquial ao contratar o pastor/a é para falar o que este Conselho quer que fale: o conceito de Evangelho que este tem, que normalmente é a reprodução da ideologia dominante, do senso comum do que se entende por Igreja e de fé segundo a visão idealista cartesiana positivista europeia patriarcal colonialista capitalista de Deus de tradição judaico-greco-romana. Visão esta que se entende como neutra e a única verdadeira. Outra leitura não é permitida, pois ameaça o capital e a sociedade de classes que o sustenta e é sustentada por ele.

O Concílio decidiu que agora pastor deve ser chamado de ministro como reza nas leis do Estado na questão da previdência, segundo a sugestão da assessoria jurídica conservadora da IECLB e todo mundo já adota essa nomenclatura sem resistir. Isso faz parte da campanha de tirar o poder dos pastores/as que surge junto com a campanha pela Reestruturação no final dos anos 80, pois os pastores/as na época estavam dando a direção teológica na paróquia o que não agradava à pequena burguesia que era questionada em sua posição política. Mudar o nome de pastor/a para ministro/a parece pouca coisa, é só uma palavra diferente, mas não é. A palavra pastor/a carrega uma simbologia bíblica, histórica e de tradição na Igreja que a palavra ministro/a não tem.  O objetivo dessa mudança é esvazia a autoridade e o poder do pastor/a, que nos anos 70-80 estava inserido na luta contra a ditadura e inserido nas lutas por justiça e paz acompanhando o movimento popular e sindical. Isso era uma ameaça ao capital e ao imperialismo estadunidense como nos revela o Documento de Santa Fé. Então não é pouca coisa que está em jogo na Reestruturação, suas normas e na mudança do nome de pastor para ministro. Isso faz parte da luta de classes e parte do processo de recolonização da América Latina pelos USA. Esvaziar o poder de influência da Igreja no meio das lutas populares na América Latina propõe o Documento de Santa Fé para agregá-la aos interesses do imperialismo estadunidense. A Igreja na sua ingenuidade por se considerar neutra e supraclassista se deixou usar pelo fetiche do capital e esvaziou o Evangelho insurgente e revolucionário do Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo que ameaça o fetiche do capital.

A direção da Igreja da época em que se mudou o nome de pastor/a para ministro/a era de uma incompetência teológica extraordinária ao se deixar enrolar pela assessoria jurídica da direita que estava executando o seu plano de esvaziar o poder dos pastores/as para torná-los meros peões a serviço do fetiche do capital. Essa direita e a esquerda ingênua, que apoiou o processo da Reestruturação, estava a serviço do imperialismo estadunidense. A direita sabia que estava defendendo o fetiche do capital, a esquerda é que era ingênua, para não usar uma palavra mais feia. Na verdade poucos sabiam o que estava por trás do processo da Reestruturação (a direita o sabia) porque não estudamos o marxismo que nos dá os instrumentos para uma análise correta da realidade sob o capital. Fomos todos meros fantoches manipulados pelo fetiche do capital, que agora na maioria das paróquias dá a linha teológica da teologia do Denorex, parece Evangelho de Jesus Cristo, mas não é. E ninguém ousa denunciar essa armação do fetiche do capital e muito menos se livrar desse fetiche, que não existe, mas está na cabeça e na prática das pessoas, as dominando. As pessoas o criaram e agora lhe obedecem incondicionalmente. A criatura manda no criador e o criador adora a sua criatura como um deus onipotente e onipresente. É a idolatria nossa de cada dia.

O Estado que é um instrumento do capital, condicionado e a serviço do fetiche do capital, agora diz como a Igreja deve chamar seus obreiros. Em outras palavras é o fetiche do capital que deu o nome de ministro/a para os/as pastores/as. A Igreja sob as ordens do fetiche do capital. O fetiche do capital mandando na Igreja que se diz de Jesus Cristo. O diabo não dorme no ponto. Agora quem dá para valer a direção teológica na paróquia é a pequena burguesia conservadora (a serviço do fetiche do capital) com parca formação teológica influenciada pela ideologia da classe economicamente dominante.

E o Evangelho de Jesus Cristo? O que o Evangelho tem a ver com isso? Segundo a direita nada, pois ele está a serviço do fetiche do capital que é adorado na igreja com máscara de Jesus Cristo. Tornar os/as pastores/as meros peões, desmerecê-los, humilhá-los, tirando-lhes o poder de dar a direção teológica na paróquia para que não ameacem o capital em sua proclamação da Palavra de Deus como Lei e Evangelho foi o resultado do processo de Reestruturação. O interessante é que os/as pastores/as não reagem frente esse ataque da direita que se aprofunda diariamente. Não conseguem nem defender a sua honra de pastor, sua ordenação e vocação e assimilam automaticamente o termo ministro como algo mais normal do mundo. Pobres ovelhas. Haja alienação! A ideia era anular a ordenação dos pastores/as e inviabilizar sua vocação para que sejam peões a serviço do fetiche do capital. Daqui a pouco terão que pedir permissão para poderem fazer uma prédica no culto. Uma dessas ovelhas pastor (de direita, recém formado) até pediu para o Conselho Paroquial impedir que o colega fizesse transmissão de conteúdo teológico nessa pandemia pela internet entrevistando outros pastores. Como se pastor/a tivesse que pedir permissão para pregar o Evangelho. É muita alienação! Muitos pastores/as, alguns ingênuos e outros não, ajudaram nessa tarefa de se darem um tiro no próprio pé. Finalmente agora são belos peões a serviço do fetiche do capital e estão tão desnorteados que não conseguem reagir contra esse processo de impedir a pura pregação do Evangelho do Jesus Cristo na Igreja e na sociedade. Afinal, peão está aí para obedecer e não dar a linha teológica na paróquia. Dar a linha teológica na paróquia é coisa de patrão, não de peão. Lembro aqui o texto (que está na página Luteranos) da Introdução do Fórum de Avaliação da Reestruturação da IECLB feita em 2005 onde na abertura tem uma síntese dessa avaliação que coloca coisas que deveriam preocupar a Direção da Igreja e todos nós.

A missão não foi beneficiada pela nova estrutura. ...

Pergunta-se se todos têm a visão de um só corpo, ou de dezoito “igrejinhas” semi-independentes. Em vista das múltiplas tendências teológicas existentes, manifestadas em comunidades e nos três centros de formação, pergunta-se pela identidade luterana e pela unidade da igreja. A reestruturação é responsável direta pela quebra da unidade da igreja. ...

Houve um total esvaziamento da autoridade pastoral e eclesiástica, sendo que pastores se portam como funcionários e empregados dos presbíteros; pastores sinodais se tornaram reféns da "política administrativa" dos presbíteros; os pastores sinodais não estão mais próximos dos obreiros (o número crescente de conflitos pessoais e familiares o confirma).

Obreiros/as se sentem coagidos a agradarem a comunidade às custas do compromisso evangélico.

Houve "laicização empresarial", sendo que presbíteros não devidamente preparados transferem critérios empresariais para a administração da comunidade. ...

Comunidades e paróquias se imbuíram de poder tratar obreiros/as como funcionários/as (problema da autoridade e do poder). ...

A atual estrutura é mais cara e menos operativa. ...

A nova estrutura está mais cara, sendo que falta mais dinheiro para a missão. (HASENACK, Johannes Friedrich; BOCK, Carlos Gilberto, Org. Avaliação da Reestruturação da IECLB. Fóruns IECLB. Vol. II. Blumenau. Gráfica e Editora Otto Kuhr Ltda. 2006, p. 9, 11, 14-15, 18)

Estamos no que se poderia chamar de o cativeiro babilônico da Igreja já há mais de 20 anos. O povo de Israel ficou no cativeiro babilônico por quase 60 anos. Será que nós também ficaremos tanto tempo no cativeiro? Ao que parece vamos ficar mais tempo.

 

Apontamentos para discutir uma profunda mudança na estrutura da IECLB.

Igreja missionária é Igreja que tem esperança e não tem medo!

Igreja medrosa nunca será missionária.

1. Revogação da Reestruturação e elaboração de nova Constituição e com novo Regimento Interno para a IECLB.

2. Revogação no EMO - Estatuto do Ministério com Ordenação - do TAM e da Avaliação. (EMO Art. 28 eliminar a expressão "para um período de três a seis anos" e eliminar do Art. 33 o item I)

3. Revogação no Regimento Interno do

- Não direito ao voto do Pastor Presidente e vices e Secretário Geral no Conselho da Igreja e Pastor Sinodal no Conselho Sinodal (Revogação dos § 5° e § 6° do Art. 66 e do § 1° do Art. 44)

- Não direito ao voto do Coordenador Ministerial e do representante da Paróquia no Conselho Sinodal na diretoria da paróquia (Revogação do Parágrafo único do Art 26.)

- a não necessidade da participação dos outros pastores/as e demais obreiros na reunião da diretoria da paróquia (Revogação do Parágrafo único do Art 26.)

4. Valorização e dignificação da Ordenação.

5. Igualdade de direitos e deveres de membros e obreiros/as.

6. Garantia institucional do pastor/a poder dar a linha teológica na paróquia, que é seu papel.

7. Garantia institucional aos pastores/as e demais obreiros/as da livre e pura pregação do Evangelho na Igreja e verificação da correta administração dos Sacramentos.

8. Projeto de formação teológica continuada de obreiros/as coordenada pela EST à distância e presencial.

9. Projeto de formação teológica de membros para capacitá-los para o sacerdócio geral de todos os crentes e para serem presbíteros. Sem formação teológica mínima de cursos estipulados pela Igreja não pode ser presbítero.

10. Escola de Formação Teológica para leigos nos Sínodos com currículo mínimo elaborado pela EST juntamente com o Sínodo.

11. Maior participação de obreiros/as (mínimo de 1 obreiro/a por Sínodo além do pastor sinodal) e pessoas leigas da base comunitária no Concílio da Igreja na proporção de 75% da base por 25% da estrutura.

12. Construir um Projeto Nacional de Igreja para a IECLB, baseado no sacerdócio geral dos crentes, a partir da realidade social e cultural do país no lugar do Modelo de Igreja de Atendimento que está falido.

 

 

 



[1] CASTELO, Rodrigo. O SOCIAL-LIBERALISMO: uma ideologia neoliberal para a “questão social” no século XXI. Tese de doutorado. Rio de Janeiro. UFRJ. 2011, p. 89

O Projeto Global de Deus para com a Humanidade.

 

O marxismo, pelo materialismo dialético, segundo Lukács[1], pressupõe “a consideração de todos os fenômenos parciais como elementos do todo”, “o domínio universal e determinante do todo sobre as partes” e "A ciência burguesa - de maneira consciente ou inconsciente, ingênua ou sublimada - considera os fenômenos sociais sempre do ponto de vista do indivíduo. E o ponto de vista do indivíduo não pode levar a nenhuma totalidade".  Só é possível compreender a totalidade concreta pela dialética de Marx. A “Dialética, em sentido restrito, é - diz Lênin - o estudo das contradições contidas na própria essência dos objetos.”[2] Bogo[3] lembra que “A dialética, portanto, é a lógica de ver as coisas e o mundo no encadeamento das contradições que avançam e regridem”.  José Paulo Neto[4] diz que "não vê a totalidade como a "soma das partes", mas, sim, uma totalidade que se articula com "totalidades menores", movidas por contradições internas ativas e mediadas pela estrutura particular de cada totalidade." Segundo Enrique Dussel[5]: "O método dialético consiste em situar a "parte" no "todo", como ato inverso ao efetuado pela abstração analítica". Uma parte que não se liga ao todo não existe.

Kautsky[6] lembra da necessidade de reconhecer a totalidade e as contradições das conexões sociais, no espaço e no tempo, através do trabalho detalhado vinculando-o ao processo social no seu conjunto. Roberto Vital Anav[7] aponta que a dialética é "um método de abordagem de toda a realidade". Hegel "apresentou a realidade natural e social como uma totalidade onde tudo se relaciona a tudo. ... Os fatos se relacionam e se encadeiam em uma rede complexa, influenciando-se reciprocamente." ... Os fatos se relacionam e se encadeiam em uma rede complexa, influenciando-se reciprocamente." ... “para Marx são as contradições no mundo material que explicam todas as transformações, inclusive as mudanças nas ideias, nas religiões, no gosto artístico, na cultura, nas leis e nas formas políticas de cada época”. Os princípios dialéticos marxistas, segundo Althusser[8], para ler a realidade são: a totalidade, o movimento, a transformação da quantidade em qualidade, a contradição. Plekhânov[9] lembra que “Hegel diz: "A contradição leva avante". E para esta concepção dialética a ciência encontra uma confirmação notável na luta de classes. Se não se leva em conta esta última, nada se pode compreender da evolução da vida social e espiritual de uma sociedade dividida em classes.” O método de Marx nos ajuda a descobrir a totalidade do Projeto de Deus nos textos bíblicos. 

No exemplo do Êxodo vemos isso em que a exploração de classe (“as contradições no mundo material”) produziu, através de Javé, o processo da Revolução Agrária que culminou com um novo modo de produção nas montanhas da Palestina, sem propriedade privada, sem classes sociais, sem Estado e sem templo, apenas um altar (Js 8.30). Uma nova forma de entender Deus (“as mudanças nas ideias, nas religiões”) surgiu dentro do processo do Êxodo que culminou com a conquista da Terra Prometida. Um Deus que age, a partir das classes subalternas, dentro do processo histórico da luta de classes para eliminar a sociedade de classes.

Na explicação bíblica normalmente se esquece de mostrar o todo da qual a parte se compõe. É que o “todo” não está claro para a maioria e também muito subversivo para ser lembrado na explicação das partes (das perícopes). O Projeto Global de Deus (a visão da totalidade, a compreensão do todo) deve nortear o entendimento e a interpretação das perícopes que compõem os livros bíblicos. A perícope é uma parte do todo, mas tem a sua totalidade dentro da totalidade do Projeto Global de Deus.

O eixo central da pregação e ação de Jesus Cristo é o Reino de Deus (Mc 1.14-15, Lc 4.43) como ponto de partida e de chegada e este tema é o norteador para o todo da pregação do Evangelho a partir das perícopes com suas especificidades e contradições. Não dá para isolar as perícopes deste tema central como o faz a teologia idealista cartesiana positivista liberal da visão europeia patriarcal colonialista capitalista de Deus que nós aprendemos como a única possível e verdadeira. Todo o NT está norteado por esta questão central: o Evangelho do Reino de Deus (Mt 4.17, 23; Lc 4.43) anunciado e vivido por Jesus Cristo dentro do processo histórico da lua de classes em andamento para eliminar a sociedade de classes a partir de sua origem.

Como a teologia está contaminada pelo cartesianismo positivista o “todo” não está incluso na concepção teológica, pois interessa apenas a parte dirigida ao indivíduo isolado. Essa pregação enfoca o chamado à conversão individual (sem mencionar o arrependimento dos pecados estruturais a que estamos ligados pela vivência na sociedade de classes em permanente luta), enfoca a vida privada na família e na profissão desconectadas da luta de classes reinante na sociedade. A teologia está focada no discurso da salvação individual, desconsiderando a salvação da humanidade como um todo proposta por Deus (Jo 6.39). Plekhânov[10] lembra que “O ponto de partida da verdadeira filosofia não deve ser o eu, mas o eu e o tu. Só este ponto de partida permite chegar a uma justa compreensão das relações entre o pensamento e o ser, entre o sujeito e o objeto. Eu sou "eu" para mim mesmo e simultaneamente "tu" para um outro. Eu sou ao mesmo tempo sujeito e objeto.”

Jesus salva de que? Salva agora dos pecados individuais e coletivos advindos das estruturas injustas da sociedade de classes, que tem sua origem na propriedade privada, que por sua vez induzem aos pecados individuais e coletivos pela concorrência e competição produzidas pelo capitalismo, que geram as guerras, os assassinatos, o tráfico de pessoas e de entorpecentes, a violência das migrações, os refugiados, a acumulação de riquezas, os preconceitos, os genocídios, o patriarcado, o feminicídio, a exploração de classe, etc. Nem sempre os pecados individuais e coletivos tem sua origem na sociedade de classes. A escravidão do assalariamento gerado pela propriedade privada é um pecado estrutural da sociedade de classes, pois força os não proprietários à prostituição do assalariamento ao forçar a venda de seus corpos como força de trabalho, como mercadoria, no mercado de trabalho. Jesus salva da propriedade privada (dos meios de produção, circulação e distribuição), o pecado mor, que produz os principais pecados coletivos e individuais de nossa sociedade de classes. Com a ressurreição do corpo Jesus salva da morte eterna.

A parcialidade do discurso teológico cartesiano positivista, que se diz neutro e imparcial, impede uma visão do todo do Projeto de Deus. Essa “neutralidade” (que não é neutra, mas engajada na reprodução da sociedade de classes) e “imparcialidade” (que não é imparcial, mas ajuda a esconder a exploração de classe) ajudam a manter o capitalismo de pé. Kautsky[11] lembra da necessidade de reconhecer a totalidade e as contradições das conexões sociais, no espaço e no tempo, através do trabalho detalhado vinculando-o ao processo social no seu conjunto. Usando o método de Marx descobriremos a totalidade do Projeto de Deus nos textos bíblicos. A visão da totalidade do Projeto Global de Deus na Bíblia para com a humanidade nos mostra o movimento e o processo das contradições da sociedade de classes em permanente luta de classes que Deus quer eliminar pelo processo revolucionário evangélico do Reino de Deus a partir do já agora. A Igreja (ao menos uma parte dela) é uma das instituições, junto com o Movimento Popular, Movimento Sindical, Partidos de esquerda e ONGs de esquerda, que participam desse processo revolucionário do Reino de Deus conduzido por Jesus Cristo.

Qual é o Projeto Global de Deus para com a humanidade no AT e no NT? O que Ele quer afinal para e com a humanidade?

 

Resumindo o Projeto Global de Deus na Bíblia para uma visão de totalidade:

1. O Natal (Lc 2.1-20; Jo 1.14) é o ponto do reinício da revolução camponesa (Dt 6.20-23), agora internacionalizada pela insurgência evangélica do Reino de Deus (At 1.8; Mt 28.18-20), que Javé iniciou lá no Êxodo (Êx 3) a partir da classe camponesa escrava dentro do processo histórico da luta de classes contra a classe proprietária (Gn 47.20-24) que controlava o Estado e a Religião (Gn 47.22, 26) no Egito. A Religião dá a sustentação ideológica ao Estado e à sociedade de classes (1 Rs 5.1-5). Javé já rompe com isso em Gn 11.1-9. Javé se insere no processo histórico da luta de classes (a luta entre a classe que controla o Estado e a classe camponesa) organizando a classe subalterna (Êx 3.18; Js 8.35) para, a partir dela, acabar com a sociedade de classes, com seu processo de exploração e emancipar a humanidade para que tenha vida em abundância (Jo 10.10) eliminando a existência de pobres (Dt 15.4; Lc 18.18-23) a partir da eliminação da origem da pobreza, a propriedade privada [da terra] (Lv 25.23).

A classe camponesa hebreia organizada, orientada e conduzida por Javé, formada por vários grupos, que se uniram nas montanhas da Palestina por terem uma história e objetivos semelhantes, como o Grupo Sinaítico (Dt 33.2), o Grupo Abraâmico (Gn 11.31-12.9; Gn 13.5-12) e o Grupo Mosaico (Ex 1.8-14; Sl 105.1-45; Ex 5.6-14). A classe camponesa hebreia passou pelo longo processo de aprendizagem em construir uma nova sociedade não classista, liberta (Êx 16; 18; 20; 32), com uma nova linguagem (Gn 11.1-9), amparada no Poder Popular (Nm 27.1-11), na longa caminhada de uma geração pelo deserto (Nm 14.33-34; 32.13). Esse processo culminou com a conquista do poder político do Estado, pela eliminação das cidades-estados nas montanhas da Palestina (Js 6-8), para Javé implantar a partir dali o seu Projeto de emancipar e libertar a humanidade da sociedade de classes ao viabilizar o controle dos meios de produção – a terra – pelo Poder Popular das tribos (Nm 26.52-56), que tomavam as suas decisões em Assembleia Popular (Js 24), e acabar com a propriedade privada da terra (Lv 25.23).

1a - O Projeto de Javé no AT se caracteriza pelo fato de Javé ter iniciado e conduzido o processo revolucionário camponês (Êx 1-15) para criar uma sociedade sem classes sociais (Dt 15.4), sem Estado (Js 8.1), sem templo (Js 8.30) e sem propriedade privada da terra (Nm 26.52-56), onde o povo exerce o Poder Popular na Assembleia Popular (Js 24). Com o ressurgimento da propriedade privada da terra (1 Sm 25) e da luta de classes (1 Sm 22.1-2) os proprietários privados da terra e donos de bois (1 Sm 11.7) conduziram o processo de construção do Estado monárquico (1 Sm 8; 11.12-15) que os/as profetas denunciaram (Mq 3) como sendo uma agressão ao Projeto de Javé da Terra Prometida e tomar o lugar de Deus (1 Sm 8.7-8). As autoridades (Rm 13.1; Js 8.33-35) do Poder Popular (Nm 27.2; Js 24; At 6.1-7) foram instituídas por Deus (Êx 18.21-23), não o Estado, contra o qual Deus luta (Gn 11.1-9; Êx 3; Js 8), cujo poder vem do diabo (Ap 13). Frente esse desmonte do Projeto de Javé os/as profetas anunciam a vinda do Messias (Is 7.13-16) para reconduzir o povo e sua organização popular (Is 1.26) ao caminho da justiça (Is 11.1-10) e da paz (Is 9.1-7).

2. Jesus de Nazaré, o Cristo (Mc 1.1), é o cumprimento da profecia (Lc 4.16-21) e o ponto de chegada e de partida da retomada do Projeto de Deus, interrompido pela Monarquia (1 Sm 8), anunciado pelos profetas (Mq 3; Is 11.3-5), através da insurgência revolucionária evangélica internacional (sem fronteiras – At 1.8) do Reino de Deus (Lc 4.43; Mc 1.15). Is 11.1 mostra que o Messias tem suas raízes na classe camponesa: “Do tronco de Jessé sairá um rebento, e das suas raízes, um renovo”. Jessé, pai de Davi, era camponês. O camponês sem terra artesão palestino maldito (Dt 21.23) marginal (Mt 27.38 – “foram crucificados com ele dois [lestai] bandidos”) empobrecido (Lc 9.58) Jesus, o Cristo, dá continuidade à luta da classe camponesa (Jo 1.14 – Javé se fez carne [matéria] na classe camponesa e armou tenda [movimento, processo] no meio de nós) contra a sociedade de classes (Lc 4.18-19; Mt 25.14-30). Nele Javé se fez classe camponesa (Lc 2.7; Jo 1.45-46) para, a partir das classes exploradas (Mt 11.25-26) e excluídas (1 Co 4.9-13), através do trabalho de base (Lc 10.1-23) com formação teórica (Mc 6.30-44) das massas, acabar, pelo Reino de Deus, com o modo de produção classista (Gl 3.28), seu Estado (Ap 18) e o Templo (Religião – Jo 2.13-22) legitimador (Jo 11.47-53) da sociedade de classes (Lc 3.1-2; Lc 23.1-5), ao propor a expropriação (voluntária) dos expropriadores (Mt 19.16-22) como parte do caminho para a vida eterna dentro do discipulado de Jesus Cristo.

Paulo em 1 Co 1.28 fala do processo revolucionário do Reino de Deus dizendo que “Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são” pelo poder da fraqueza - 2 Co 12.9-10 - e pela loucura da pregação da palavra da cruz de Cristo - 1 Co 1.18, 25. Quem são os que nada são (1 Co 4.9-13) hoje, como os escolhidos por Deus, que vão ajudá-lo, como seus instrumentos sagrados (2 Co 6.16), a acabar com o que é, o capitalismo e seus mecanismos de sustentação (Estado, Igreja-Religião, ideologia), no processo de construção revolucionária evangélica do Reino de Deus conduzido por Jesus Cristo? São trabalhadores/as, camponeses/as, mulheres, jovens negros, mulheres negras, LGBTQI+, escravos, favelados, dalits, órfãos, empobrecidos, refugiados, migrantes, quilombolas, ribeirinhos, prostitutas (Mt 21.31), violentados, estuprados, sem terra, ambulantes, mendigos, indígenas, comunistas, desempregados, portadores de necessidades especiais, moradores de rua, ecologistas anticapitalistas, perseguidos políticos, sindicalistas, etc. Estes/as vão colocar e arriscar os seus corpos sagrados (1 Co 6.19; 2 Tm 1.14) na luta de classes pelo Reino de Deus (At 23-28) que vai humanizar e emancipar a humanidade da escravidão da sociedade de classes.

O camponês sem terra artesão palestino empobrecido (Mt 8.20) e marginal Jesus, o Cristo, em seu Programa Revolucionário Evangélico (Lc 4.16-22) propõe a extinção da sociedade de classes (Gl 3.28; Gl 1.4) pela libertação das classes escravizadas (Gl 5.1-6) e exploradas (Tg 5.1-6) dentro do Projeto de Humanizar e Emancipar a humanidade desumanizada (Mt 25.14-30; Lc 16.19-31) pela propriedade privada (Mc 10.17-22) e pelo seu mecanismo de legitimação e de reprodução, o Estado classista (Ap 13; 18).

Jesus, o Cristo, vai entregar a Deus Pai o Reino pronto quanto tiver eliminado o Estado e o poder encarnado nele [Ap 13; 18] (“quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder” – 1 Co 15.24), com a extinção das classes sociais (Gl 3.28) e da propriedade privada (Lc 18.18-23), e o último inimigo a ser eliminado é a morte (1 Co 15.24-26). Por causa de nossa fé (1 Jo 5.4) na ressurreição do corpo (1 Co 15.3-4) nos engajamos nesta luta revolucionária do Reino de Deus (2 Co 11.16-33) conduzida por Jesus Cristo que vai extinguir o reino classista deste mundo dentro do processo de viabilizar o Reino de Deus pelas lutas por justiça e paz para que haja alegria no Espírito Santo (Rm 14.17).

Essa luta é perpassada pela cruz (Mt 16.24), pois o reino classista do mundo não vai se entregar sem resistência (Ap 12), mas a vitória será do Cordeiro de Deus (Ap 17.14). A resistência da classe proprietária, de seu Estado e do Templo [Igreja-Religião] (Mt 2; Mt 17.22; Jo 7.1; 11.47-50) contra o Projeto do Reino de Deus, tanto ontem como hoje, se faz sentir pela tentativa permanente de calar o anúncio puro da Palavra de Deus como Lei e Evangelho pela cooptação, pela intimidação e pela perseguição pura e simples de quem a anuncia; isso é promovido pela sociedade de classes e pela Igreja por seus mecanismos internos de controle. As comunidades/paróquias são administradas normalmente pela pequena burguesia conservadora (aliada a trabalhadores alienados), que é o longo braço estendido do controle ideológico do grande capital no local, e pelas normas internas que controlam e intimidam os/as pastores/as e demais obreiros/as para não questionar e desmascarar o capital, como processo político-econômico e como fetiche, que manda na Igreja. O inimigo de Jesus Cristo está profundamente infiltrado na Igreja e se reproduz ali pela teologia escravizada idealista cartesiana positivista capitalista, que se entende como neutra.

A cruz de Cristo não é neutra, por ser instrumento de tortura do Estado até a morte, para inimigos da ordem imaginada oficial, fincada do lado de fora da cidade, no Gólgota, lugar social e político de malditos, bandidos e marginais. Mateus usa o termo lestai = rebeldes, bandidos em Mt 27.38 – Jesus foi crucificado ao lado de bandidos marginais que junto com ele ameaçam o poder constituído – Lc 23.1-5. Segundo Mt 27.37 Jesus foi condenado à morte por ser uma ameaça política ao Estado classista imperialista, visto como rei dos judeus. A fé na ressurreição do corpo (1 Co 15.3-4) anima para a luta (1 Co 15.32) contra este século (Rm 12.2; 1 Jo 5.4) perverso (Gl 1.4) da sociedade de classes (Mt 25.14-30). Como a cruz de Jesus Cristo não é neutra então a sua Igreja também não é neutra, mas inserida na luta revolucionária do Reino de Deus a partir dos fracos (2 Co 12.9-10), que nada são (1 Co 1.28), que lutam por justiça e paz (Rm 14.17) contra o reino classista do mundo (Mt 25.14-30) que se reproduz pela violência (Mt 2.16) da exploração de classe garantida pelo Estado e pelo Templo (Lc 2.1-2; 3.1-2).

2a - O Projeto de Javé (1 Jo 5.7) no NT, através de Jesus Cristo, se caracteriza por uma sociedade sem classes sociais (Gl 3.28), de pessoas libertas (Gl 5.1; 2 Co 5.17), com cidadania plena na assembleia (Igreja) do povo de Deus (Ef 2.19), sem Estado (Ap 13, 18), sem templo (1 Co 6.19-20; 2 Co 6.16; Ap 21.22) e sem propriedade privada dos meios de produção (At 4.32-37; Mt 19.16-29) no processo de condução da construção da revolução evangélica (Mc 1.15) do Reino de Deus por/em/com Jesus Cristo (Lc 4.43). A Igreja é o instrumento político, a organização política revolucionária criada pelo Espírito Santo (At 20.28), a partir das classes subalternas (Mt 11.25; 1 Co 1.28; 1 Co 4.9-13), conduzida por Jesus Cristo (Cl 1.18-20, 24) para organizar a resistência e a luta, aliada a outros setores revolucionários como o movimento popular, sindical, partidos e ONGs de esquerda, para eliminar o reino classista do mundo (Rm 12.2; Gl 1.4; Ap 18) através do engajamento por justiça e paz (Rm 14.17), dos que nada são (1 Co 1.28), em direção ao Reino de Deus para acabar com o que é (1 Co 1.28): a sociedade de classes (Mt 25.14-30) alicerçada na propriedade privada (1 Rs 21; Mt 19.16-22) e seus mecanismos de legitimação e reprodução (Gn 11.1-9): a ideologia (linguagem), o Estado, o fetiche do Capital, o mercado fetichizado, a igreja idólatra, o capitalismo como religião (1 Tm 6.7-11). Esse é o Reino de Deus em permanente processo[12] de luta (2 Co 11.16-33) no já agora que se completa com a volta de Cristo com a ressurreição [do corpo] dos mortos (1 Co 15) e com a vida eterna.

Disso concluímos que a Igreja também tem que fazer uma opção de classe, pelas classes não proprietárias (subalternas - que são a maioria das pessoas), para que estas deem a direção teológica na e da Igreja. A Igreja acolhe a todas as pessoas (proprietários e não proprietários), mas a direção teológica fica a cargo das classes não proprietárias, as quais participarão de um processo de formação teológica, a partir e dentro da realidade da luta de classes, unida às lutas populares por justiça e paz dentro do processo de eliminar a sociedade de classes para que todos sejam um em Cristo na comunhão dos santos. A Igreja de Jesus Cristo e a sociedade de classes são elementos antagônicos (Rm 12.2; Gl 1.3-4) em permanente conflito (Ap 6.9-11; 12; 18-19) até a volta de Cristo. Para entendermos isso precisamos estudar o marxismo aliado ao estudo da teologia.



[1] LUKÁCS, Georg. Rosa Luxemburgo como marxista in História e Consciência de classe. São Paulo. Martins Fontes. 2003, p. 105-107

[2] https://www.marxists.org/portugues/stalin/1938/09/mat-dia-hist.htm

[3] BOGO, Ademar. Organização Política e Política de Quadros. Expressão Popular, 2011, p. 169

[4] BOGO, Ademar. Organização Política e Política de Quadros. Expressão Popular, 2011, p. 170

[5] DUSSEL, Enrique. A produção teórica de Marx. Um comentário aos Grundrisse. São Paulo. Expressão Popular. 2012, p. 53

[6] KAUTSKY, Karl. A origem do cristianismo. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2010, p. 33

[7] ANAV, Roberto Vital. O retorno de Karl Marx. A redescoberta de Marx no século XXI. São Paulo. Fundação Perseu Abramo. 2017, p. 32, 38

[8] SAES, Décio Azevedo Marques de. Althusserianismo e dialética in PINHEIRO, Jair (Org.) LER ALTHUSSER. Marília. Oficina Universitária. 2016, p. 120

[9] PLEKHÂNOV, G. V. Os Princípios Fundamentais do Marxismo. São Paulo. Hucitec. 1978, p. 99

[10] PLEKHÂNOV, G.V. Os princípios Fundamentais do Marxismo. São Paulo. Hucitec. 1978, p. 13

[11] KAUTSKY, Karl. A origem do cristianismo. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2010, p. 33

[12] LUTERO, Martim. Obras Selecionadas. Vol 8. In Castelo Forte 2017. Dia 22 de maio. São Leopoldo. Editora Sinodal. 2016 (O ser humano está sempre no não ser, no vir a ser, no ser sempre em privação, na potencialidade, em processo)

3 de novembro de 2020

Modos de Produção

Modos de Produção Tribal, Tributário, Escravista, Feudal, Capitalista, Comunista

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