28 de maio de 2012

Os Acabe e os Nabote de hoje



O povo empobrecido é expulso pelo agronegócio, pelas barragens, pela construção dos estádios para a Copa, pelas chuvas, enchentes e secas. Enquanto isso o agronegócio e os militares quer torturaram no tempo da ditadura ficam gritando que eles é que são os melhores brasieliros.

Segundo o Censo Agropecuário de 2006, a receita do setor agropecuário brasileiro somou R$ 122,63 bilhões. Os pequenos (área inferior a 100 hectares com uma área de 135.474.462 ha em 4.656.377 propriedades) geraram 47,13% deste total (R$ 57,79 bilhões), acima dos 25,49% (R$ 31,25 bilhões) dos médios com uma área de 113.879.805 ha em 380.584 propriedades e 26,62% dos Grandes com uma área de 318.904.739 ha em 130.515 propriedades (R$ 32,64 bilhões). Quando a variável em questão é a despesa, que somou R$ 111,29 bilhões no ano, há inversão: os grandes (área superior a 1.000 hectares) responderam por 38,29% (R$ 42,61 bilhões), os médios por 33,97% (R$ 37,81 bilhões) e os pequenos por 27,43% (R$ 30,52 bilhões). A pequena propriedade emprega mais mão de obra, produz mais e mais barato, mas é o agronegócio que fica gritando por aí que ele é que é o bom e o melhor.

Isto mostra que a pequena propriedade que tem a metade da terra em relação ao latifúndio produz o dobro deste além de gerar 80% da mão de obra no campo e 70% da comida que vai para a mesa dos brasileiros. Com uma Reforma Agrária que incorporaria mais 228 milhões de hectares de terras do latifúndio subutilizadas e não utilizadas, 40% do total das terras cadastradas do país, poderíamos produzir uma enormidade além do que produzimos hoje.

Aqui uma notícia divulgada pelo site IHU

Camponesa fala sobre sofrimento de viver sob ameaça de morte

Há pouco mais de uma semana, Nilcilene Miguel de Lima, 45, se viu obrigada a se desfazer repentinamente de sua lavoura no assentamento Projeto de Desenvolvimento Sustentável Gedeão, na zona rural de Lábrea (a 702 quilômetros de Manaus). A causa: a ousadia e a certeza da impunidade por parte de pistoleiros e madeireiros havia atingido também os policiais da Força Nacional de Segurança que a escoltavam havia seis meses.

A reportagem e a entrevista é de Elaíze Farias e publicada pelo jornal A Crítica, 26-05-2012.

A promessa de uma emboscada, que antes era restrita a Nilcilene (obrigada a usar permanentemente um colete à prova de bala), também havia chegado aos soldados enviados pelo Ministério da Justiça para proteger a agricultora. Sem dar outra alternativa, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), que pedira a escolta, a retirou do assentamento.

Perseguida e ameaçada de morte seguidamente desde 2009, quando começou a denunciar retirada de madeira de assentamentos e expulsões de extrativistas e pequenos agricultores de seus lotes pelos pistoleiros, Nilcilene hoje é uma mulher arrasada. Não consegue esconder sua contrariedade por ter perdido sua plantação de café, banana e pupunha e se afastar dos amigos e vizinhos, muitos dos quais inteiramente dependentes de sua liderança.

Mostra-se indignada por saber que suas denúncias foram em vão. Ninguém, nenhuma autoridade, foi ao local, verificar o que está acontecendo na área, comprovar a retirada de quase toda a madeira dos assentamentos e atestar se as licenças de plano de manejo são corretamente empregadas. E não apenas isso: se os detentores destes planos tinham, de fato, direito a eles.

A reportagem do jornal foi ao encontro de Nilcilene. Sua nova moradia deve ficar no sigilo. Sequer ela sabe se vai continuar morando ali - diz que tem certeza que será morta caso seu paradeiro seja descoberto.

Tudo em Nilcilene, da expressão facial que traduz ira e preocupação à voz embargada e ao mesmo tempo tomada de indignação, revela a desolação de alguém que não foi levada a sério, que foi sacrificada ao sair de sua terra e permanecer longe da família e dos amigos.

Eis a entrevista.

Como você se sente desde que foi obrigada a sair de sua terra?

Estou indignada. É uma tristeza. Eu falo assim, mas é com ódio. Havia sido tudo queimado e eu estava começando de novo. Agora tive que abandonar tudo e os bandidos, os pistoleiros, os madeireiros ficaram. Soube que fizeram festa quando saí de lá, mataram um boi. Isso deixa qualquer pessoa indignada. Eu acreditava que quem era para sair eram os grileiros e pistoleiros, não a pessoa que estava lutando realmente pelo meio ambiente e pela vida do ser humano. Mas quem saiu foi eu. Enquanto isso eles estão lá dando risada, tranquilos.

Que ameaças você vinha recebendo desde que passou a viver com escolta?

Eles diziam que meu corpo estava protegido, mas a minha cabeça não estava. Falavam que nem a Força Nacional podia com eles. Diziam “somos mais nós!”, para provocar.

O que você deixou na sua terra?

Deixei cinco mil pés de pupunha, 600 pés de banana, mais de 3,5 mil pés de café, plantei açaí. Sabe... (olhos marejados, voz embargada) As pupunhas estão boas de tirar, está produzindo. Dá pra tirar o palmito.

O que sentiu quando lhe comunicaram que tinha que sair? Você já previa isso?

Eu sentia isso com muito medo. Os soldados da Força Nacional avisavam que se houvesse uma emboscada não escapava ninguém, nem eles. E eles não queriam mais entrar (no assentamento). Me tiraram do assentamento e me levaram para outro lugar. Quando eu estava nesse outro local, me ligaram dos Direitos Humanos e avisaram que iria ter uma reunião. Na volta, virei uma prisioneira num quarto de hotel. Enquanto isso, os grileiros e os pistoleiros continuam tirando madeira.

Você ficou decepcionada com a solução dada pelo governo federal quanto à sua proteção?

Eu achava que iria ter alguma solução, uma investigação. Houve outra coisa que eu achei um absurdo. Na primeira reunião nos Direitos Humanos me falaram que tinham “concluído” a emboscada, que havia sido investigado. Mas na última reunião falaram que não tinha sido feito nada. Que não tinham enviado nenhum documento. Por que a Força não foi na delegacia e registrou uma queixa? É preciso uma investigação em cima da Força.

E depois da sua saída?

Soube que os assentados estão indo embora. Se tiver muito devem ser apenas 10 pessoas. Só os madeireiros estão vivendo dentro do assentamento Gedeão. Eles estão comandando. Se for feita uma vistoria, não tem mais madeira. Eles estão expulsando os seringueiros, embora muitos ainda estejam resistindo.

O que você gostaria que as autoridades fizessem na área?

Já pedi várias vezes que fizessem investigação. Pedi nos Direitos Humanos, em vários lugares. Tenho certeza que o Governo do Estado do Amazonas sabe. Eu queria que os governos olhassem para as comunidades. Que regulassem logo as terras. Queria que dessem valor aos seringueiros, que são os legítimos defensores da natureza. Eu falei com o Luiz Antonio (superintendente do Programa Luz Para Todos no Amazonas) de uma área de 100 mil hectares que está sendo vendida pelos grileiros. Ele disse que não poderia fazer nada. Hoje me sinto até doente. Se ele não pode, quem vai poder?

Sem a presença do Estado, quem ainda defende a região?

A gente não sabe por que dizem que tem esse tal de Meio Ambiente (se referindo ao órgão estadual). Esse Meio Ambiente não está defendendo o meio ambiente. Quem defende o meio ambiente são os seringueiros, os índios e os pequenos produtores. Mas muitos já perderam a vida. Tem que existir Meio Ambiente que defenda mesmo e que não seja só do papel. Que trabalhe, que faça fiscalização em todos os lugares, em todos os assentamentos.

Como os madeireiros invadem e expulsam os assentados?

Os pistoleiros vão lá com a arma e expulsam os pequenos produtores. Tem o caso da dona Antônia. O grileiro chegou, cercou a terra e ela teve que sair. Ela não tinha para onde ir. Vivia há dez anos na terra. E agora não tem direito a nada. Os seringueiros que aceitam sair dali vão para Califórnia (distrito de Rondônia) passar fome. Como aconteceu agora mesmo com o seu Francisco. Deram 24 horas para ele sair. E eles vão grilando e fazendo “plano de manejo”. Sabe por que isso acontece? Porque não tem presença do Estado. E quando tem, faz isso: aprova projeto de manejo em cima de grilagem. A gente queria mais o Ibama, quando agia. Mas a gente nem sabe o que ele faz.

Como os madeireiros têm acesso a esse plano de manejo?

Os grileiros expulsam e depois vão atrás dos planos de manejo. Eu acho isso um absurdo. O Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) aprova os planos de manejo em cima da terra da União, em cima da grilagem que os grileiros estão fazendo. Estão tirando madeiras, carradas e carradas. Já cansei de denunciar, mas eles não vão lá fiscalizar. Dentro do assentamento Gedeão tenho certeza que já retiraram todas as madeiras.

O que acontece com os que não aceitam a autoridade dos madeireiros?

Ou você trabalha para eles e acha que está protegido ou tem que ir embora. Os fazendeiros fizeram reunião com os produtores para eles pagarem a estrada com madeira. Por que o governo não faz estrada? A gente sabe que teve projeto para lá. Mas a gente não sabe para onde foi o dinheiro.

Como é feita a retirada das pessoas que não querem trabalhar para eles?

Os madeireiros botam para correr. Aconteceu com o tesoureiro da associação do assentamento Gedeão. Foi pressão demais. Um rapaz da Força Nacional perguntou o que tinha acontecido e ele disse que tinha sido ameaçado. Disseram “quem for mais próximo dela (Nilcilene) vai morrer”. Aconteceu uma coisa horrível com a mulher dele que não quero dizer aqui porque ela não fez boletim de ocorrência.

E o que aconteceu com as pessoas que fizeram estas ameaças?

São os mesmos caras que tinham ficado lá três dias para me matar, o Negão da Silvana e o Pit-Bull. Eles continuam lá, tirando madeira. Esse rapaz, tesoureiro, vinha preservando um cedro (árvore de madeira nobre) de 100 anos que estava no terreno da família. Foi a primeira coisa que eles (madeireiros) tiraram.

Quem são esses madeireiros que invadem as terras?

É um pessoal de Rondônia. Eles têm serrarias em Califórnia. E outras que continuam abrindo. Têm político grande que apoia eles, que não vou falar porque corro mais risco ainda. Eles dão cobertura para os madeireiros.

Para onde vai essa madeira tirada das áreas?

O que falam é que a madeira está indo para São Paulo.

Por que essas coisas acontecem tão facilmente naquela área?

Porque não tem presença do Estado e não tem fiscalização. Em 2011, o Ibama prendeu o caminhão do Pit-Bull, mas isso ocorreu porque passou por cima (sobrevoo de helicóptero) e os fiscais viram. Mas não que entraram para fazer apreensão de madeira. É uma coisa que não entendo. Por que a justiça, as autoridades, não fazem uma investigação?

Você tem notícias das outras pessoas que moram no assentamento?

Estão tudo indo embora. Só estão ficando os que ficam do lado dos madeireiros. Na linha 1, onde moro, só tem uma moradora. Penso nos outros que ficaram. Eles vieram chorando quando saí de lá. Eu não falei que iria embora. Disse que iria sair para me tratar, que não iria abandonar. Mas acho que eles não acreditaram. E meu marido continua correndo perigo, escondido por aí.

Como é a área do assentamento?

Tem a Linha 1, tem o Ramal dos Goianos, o Ramal dos Seringueiros, o Ramal da Castanheira. Tudo é um assentamento só. O nome vem de um líder que mataram no passado na luta por terra, Gedeão. Não tem nada lá. Não tem energia. Falam que não podem levar porque é área de conflito. Não tem nada a ver. Lá tem 90 crianças para estudar. Não conseguiram pessoas para trabalhar. As crianças estão sem estudar.

Desde quando você morava em Gedeão?

Quando eu vivia em Extrema (RO) conheci o finado Gedeão, que me chamou. Eu era louca para conseguir um assentamento, era meu sonho. E foi isso que eu fiz. Entrei em 2002, mas eu saí e tornei a voltar em 2004. Estou há sete anos em cima desta terra. Mas eu quero voltar. Espero que a justiça faça alguma coisa. Não abandonei. Realmente se eu soubesse que eles não iriam me matar torturando eu voltaria, porque só um tiro não dói tanto.

Em que momento e por que você passou a sofrer perseguições e ameaças?

Foi em 2009, quando denunciei a retirada de madeiras e quando comecei a ver eles tirando castanheiras também dentro do assentamento PDS Gedeão e na gleba Iquiri toda.

O que você espera fazer da sua vida agora?

Sei que os bandidos estão lá e eu tive que sair. Nem sei onde vou ficar. Caso eles saibam onde estou, sei que me matam. Estou doente, tomando remédio, com acompanhamento psicológico. Não sei nem o que te falar. Não tenho mais força para trabalhar. No dia da reunião dos Direitos Humanos perguntei se eu tinha direito à indenização. Me disseram que não. Café, pupunha, reflorestamento que eu fiz também... Não tenho direito a nada sobre tudo que deixei.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/509936-camponesa-fala-sobre-sofrimento-de-viver-sob-ameaca-de-morte

Por uma IECLB melhor!



Estamos lutando por uma IECLB melhor a partir de nossas fraquezas e de nossas limitações. Por isso lutamos contra o TAM e a Avaliação e as injustiças que por meio destas leis repressivas acontecem.

Conto aqui dois casos relacionados a estas leis repressivas que eu ouvi na última CO do Sínodo Uruguai. Contos estes casos por serem totalmente escandalosos, desumanos e de arrepiar o cabelo:
1. É normal que a gente tenha pessoas na paróquia que não vão com a nossa cara. No caso relatado, algumas pessoas foram falar com o pastor sinodal pedindo para mandar este pastor embora. Na próxima CO o tal pastor sinodal disse: Nós vamos continuar fazendo as Avaliações e, apontando para este pastor, disse: você vai ser o próximo. Como isto é lei então vamos lá. Só que ele não sabia que isto foi Avaliação encomendada para ferrar. Na comissão da paróquia o pastor sinodal excluiu uma mulher que era amiga do pastor e com isto só tinha gente ali disposta a ferrar. Resultado: o pastor recebeu do pastor sinodal uma carta após o processo de Avaliação comunicando que no dia 4 de julho ele tinha que entregar a casa e o carro, ponto. Estava na rua via Avaliação encomendada com a conivência e apoio do pastor sinodal.
Conseqüência: o pastor ganhou uma úlcera causada pelo stress, desgosto e raiva que necessitou de uma cirurgia, senão ele iria morrer de hemorragia interna.

2. No mesmo sínodo tem um colégio e uma faculdade e ali havia um pastor trabalhando na Pastoral Escolar. No dia 31 de outubro, não sei certo se foi a diretora ou a coordenadora pedagógica, fez um Dia do Halloween e o pastor reclamou que no dia 31 de outubro em colégio luterano a gente celebra o Dia da Reforma. Resultado: a tal coordenadora ofendida foi falar com o pastor sinodal e o campo de trabalho foi fechado e o pastor mandado embora. Viva o Dia do Halloween, como instrumento do diabo, defendido pela hierarquia eclesiástica.

E agora um exemplo como funciona a luta de classes na igreja. Eu sei que tem gente inocente que diz que isto não existe e que não existe direita e esquerda nem na igreja e nem na sociedade. Eles que fiquem na sua inocência!
Temos aqui no Sínodo Uruguai a Pastoral da Cidadania que fez uma moção à Assembléia Sinodal de 2012 para ser levada ao Concílio da Igreja para viabilizar a Pastoral da Cidadania em toda IECLB.

Na moção diz assim:
"Moção para o XXVIII Concílio da Igreja de 2012 em Chapecó
- Considerando que o Concílio Geral da IECLB de 1982 em sua Mensagem às Comunidades pede para:
“assumir e defender com responsabilidade evangélica as reivindicações dos movimentos sociais, fazendo um trabalho de base com associações de bairros, atingidos por barragens, colonos sem terra, bóias-frias, sindicatos, proteção ambiental, além de inúmeras outras formas de atuação onde o amor de Deus quer se tornar vivo e real entre as pessoas”.
- Considerando que o Concílio Geral da IECLB de 1984 em suas Conclusões diz:
“... Temos um compromisso. Eis algumas propostas de como atendê-los:
5.2.3 - no Brasil - Torna-se esperança uma Igreja que não passa de largo aos múltiplos sofrimentos dos injustiçados, famintos, explorados. Está marcada a nossa sociedade por corrupção, injustiça, violência. Lembramos em especial a injusta distribuição da terra, o genocídio no Nordeste, o descaso para com o meio ambiente, a marginalização do povo no processo político. Comunidade cristã, pelas misericórdias de Deus, deve aí levantar protesto e solidarizar-se com a causa justa de movimentos populares... Ninguém está, por Deus, isento de, dentro de suas possibilidades, engajar-se em favor do bem comum - uma forma de atender o mandamento do amor.”
- Considerando que o Concílio Geral da IECLB de 1986 em sua Mensagem às Comunidades diz:
“Estamos convencidos de que os frutos de uma tal atitude, motivada pela fé no Senhor Jesus Cristo, contribuirão para a transformação de nossa sociedade e mostrar-se-ão concretamente num apoio mais comprometido aos sem terra e casa, aos índios, aos negros, às mulheres, aos operários e aos pequenos agricultores, mostrar-se-ão em sinais concretos de justiça e de promoção de vida plena entre nós e no mundo que nos cerca.”
- Considerando que o XIII Concílio Regional da III RE aprovou como proposta missionária na Terceira Região Eclesiástica:
1. Celebração Comunitária na ótica da Comunidade solidária;
2. Integração do Movimento Popular na concepção do trabalho missionário;
3. Formação bíblica na ótica da leitura popular.
- Considerando que a Comissão do Direto à Terra foi criada, mas ainda não implementada.
- Considerando que estas decisões conciliares não tiveram um encaminhamento satisfatório.
- Considerando que na realidade do povo brasileiro continua existindo a necessidade dos empobrecidos, injustiçados e explorados se organizarem na luta por vida, dignidade e cidadania plena.
- Considerando que os membros de nossas comunidades se inserem nesta realidade de luta contra as injustiças políticas, sociais, culturais e econômicas: as famílias de pequenos agricultores não têm dinheiro para comprar terra para seus filhos e filhas e por isso migram para as cidades porque não se faz Reforma Agrária; a luta dos trabalhadores e das trabalhadoras por melhores salários e melhores condições de trabalho; os jovens no mundo todo estão se levantando em protesto como vítimas sem perspectivas que irão pagar os custos das crises econômicas geradas pela especulação financeira imoral e predatória; a luta dos agricultores e das agricultoras por preços justos pelos produtos agrícolas diante do aumento dos custos de produção dentro do atual modelo agrícola imposto à estes; as famílias de pequenos agricultores estão sendo expulsas de suas terras pelos projetos de construção de grandes barragens que também ameaçam o bioma destes rios; o movimento ecológico continua denunciando e tentando impedir a devastação do resto da Mata Atlântica, da Amazônia, do Pantanal, Caatinga e do Cerrado; as famílias de pequenos agricultores estão ameaçadas de perder suas terras devido às reivindicações de terra dos povos indígenas; os próprios povos indígenas lutam contra as injustiças seculares a que estão sujeitos; um grande número de membros da IECLB é sindicalizado, participa de movimentos populares, pequenas cooperativas e de ONGs na luta por justiça e dignidade; muitas mulheres agricultoras e muitas mulheres nas cidades estão organizadas em movimentos de mulheres e ONGs na luta por igualdade e justiça; um grande número de membros da IECLB começa a praticar a agricultura ecológica; muitos membros da IECLB vivem nas periferias das cidades e estão expostos à violência das drogas, ao desemprego e à exploração sexual; também em nossas famílias luteranas a violência doméstica se faz presente atingindo mulheres e crianças. O povo de nossa igreja está inserido neste mundo desumano e injusto e requer mecanismos diacônicos e missionários de acolhimento em seus sofrimentos e lutas por vida abundante, plena e digna.
Propomos que o XXVIII Concílio da Igreja crie e autorize o Conselho da Igreja a viabilizar e implementar concretamente através dos Sínodos uma Pastoral da Cidadania que, dentro da concepção do trabalho missionário e diaconal, possibilite e incentive as Paróquias e Comunidades da IECLB a se inserir e se engajar concretamente nas lutas e no trabalho de base dos movimentos populares, sindicais, pastoral da saúde, pequenas cooperativas e ONGs abrindo espaço dialogal e físico em nossas comunidades para as suas lutas por vida, amor e justiça em nosso país."

O pastor que faz parte da Pastoral da Cidadania do Sínodo levou a Moção à Assembléia Sinodal em abril para que o número estabelecido de assinaturas fossem colhidas. Entregou a folha para um delegado da Assembléia para que ele lesse e assinasse ou não e quando ele entregou a folha, a pessoa do lado disse, isto é algo muito perigoso. Mas o pastor deixou a folha para ser lida e assinada ou não e que ele a passasse adiante. Na hora de entregar as moções ele foi procurar onde ficara a folha com o texto da Moção e não a achou e só a achou quando não havia mais tempo para entregá-la à Comissão de Moções. A tal pessoa à qual ele havia entregue a moção simplesmente a enfiou na sua pasta, a escondeu e não a passou adiante, porque era coisa perigosa.

São pessoas como estas, que acham a Pastoral da Cidadania perigosa, que fazem parte das Comissões de Avaliação. Elas avaliam nosso trabalho, nossa teologia e dizem que a Pastoral da Cidadania não pode existir porque é perigosa. Perigosa para quem? Para o capitalismo, mas uma bênção para o Reino de Deus.
O que quer a Pastoral da Cidadania? Lutar por justiça e melhorar a vida do povo brasileiro a partir da prática e do anúncio do Evangelho do Reino de Deus anunciado e vivido por Jesus Cristo.

Temos dois lados na IECLB:
Um é este lado que falei até agora e o outro é o lado que é uma história onde um pastor tirou o crucifixo da igreja por conta própria e a comunidade na assembléia votou pela reposição do crucifixo na igreja. E o crucifixo voltou para igreja. É o exemplo em que a comunidade tinha clareza teológica e o pastor não. Quero dizer com isto que a pastorada não está sempre certa, ela faz muita cagada.

Precisamos de um mecanismo humano e teologicamente claro para acompanhar a pastorada. A pastorada não é perfeita, mas ficam piores se a instituição a ferra pelas leis repressivas e não a valoriza em seu ministério. O que a pastorada precisa é de alguém que se senta com ela para conversar, para ser ouvida para ajudar a construir um Projeto de Igreja para a IECLB. Este mecanismo não existe. A pastorada vive na solidão de Jó e nem pode sempre confiar nas pessoas dos presbitérios (e às vezes nem no pastor sinodal) porque eles às vezes são corruptos no que diz respeito ao Dízimo e não permitem um trabalho com os empobrecidos e injustiçados em direção à se organizarem para lutar por justiça no Sindicato ou Movimento Popular.

Os/as psicólogos/as fazem terapia um com o outro. Nós não temos com quem fazer terapia. O pastor sinodal não consegue ser o nosso terapeuta, pois é pastor da diretoria da paróquia e nosso pastor ao mesmo tempo. E na hora do pau, sobra para nós, pois ninguém nos consegue defender. Temos aqui um esquema esquizofrênico. O pastor Baeske sugere, a partir do Catecismo Menor, que façamos a Confissão Particular, que seria um bom mecanismo para ir ao encontro de nossos problemas terapêuticos. Mas como a maioria tem medo e raiva do Baeske porque ele sabe o que diz e tem posição clara, então o que ele diz não vale. Nesta igreja as pessoas têm medo e raiva de quem tem posição clara. Por que? Porque a maioria não tem uma posição e uma teologia clara. Bom pastor para as comunidades é aquele que fica em cima do muro, não tem clareza teológica e não se posiciona na luta de classes que acontece na sociedade, porque assim ele está do lado da classe que oprime. Apoiar o agronegócio assassino e escravocrata pode, apoiar a luta pela reforma agrária não pode, mesmo que a grande maioria de nossos jovens no campo sejam sem terra, pois os pais que são pequenos agricultores não tem dinheiro para comprar uma terra para eles.

Sugiro que a Secretaria com Ordenação juntamente com a Secretaria Geral façam uma moção para eliminar o TAM e a Avaliação do EMO e a encaminhem ao Conselho da Igreja para ele a enviar ao Concílio para mostrar que a Direção da Igreja se preocupa com a pastorada, de ir ao encontro dela. Além disso, falta-nos uma política de pessoal clara, que a Igreja disse que faria a dois anos atrás e não se viu nada ainda.

Se a Secretaria com Ordenação ou a Secretaria Geral não o fizerem sugiro que os/as pastores/as que fazem parte do Conselho da Igreja o façam. Tem uma moção da APPI, podem usar esta para levá-la à reunião do Conselho da Igreja ou então sugerir que o próprio Conselho da Igreja faça uma moção para eliminar os itens relacionados ao TAM e à Avaliação do EMO, o que seria melhor.

Aqui vai a moção da APPI:
"Moção ao Concílio da Igreja
Considerando que a maneira como a avaliação é realizada não condiz com a dignidade ministerial.
Considerando que o Termo de Atividade Ministerial (TAM) para um período mínimo de três anos cerceia a dignidade ministerial e transforma o ministro em funcionário.
Considerando que ministros/as cientes e conscientes de sua função não precisam ser avaliados, mas visitados por pessoas capacitadas para escutá-los, consolá-los, aconselhá-los e quando necessário também admoestá-los e mesmo repreende-los.
Considerando que ministros/as da IECLB precisam ser mais valorizados a partir da função para a qual foram ordenados e não podem ser tratados/as como meros empregados/as, funcionários/as ou colaboradores/as, cujo trabalho é medido pela produção.
Considerando que é necessário valorizar ministros/as que se sentem desvalorizados, acuados e com medo das leis como o TAM e a Avaliação.
Considerando que no processo de valorização de ministros/as é necessário possibilitar a formação permanente de todos/as os/as ministros/as.
Considerando que no processo de valorização precisamos ouvir – sem rancor e desarmado – o clamor de ministros/as, que acusam nossa IECLB de estar se transformando numa Empresa e que nela reina “um espírito empresarial”.
Considerando que as famílias de ministros/as, de todos os ministérios ordenados, precisam saber e sentir que elas são importantes para a nossa IECLB, que elas podem contar com sua Igreja em momentos dor, doença e crise.
Considerando que em avaliações houve fraudes nos questionários respondidos em que havia 3 a 4 folhas exatamente iguais em conteúdo e letra avaliando negativamente ministro/a que mostra que mais pessoas responderam várias folhas com o intuito de prejudicar o/a ministro/a e mandá-lo/a embora da paróquia.
Considerando que o TAM prevê um tempo determinado para ser renovado cria a insegurança e o medo que fazem com que ministros/as corram o risco de só falar o que acham seguro, para se garantir na paróquia, e não falem o que o Evangelho de Jesus Cristo exige.
Propomos que o Concílio da Igreja revogue os artigos dos capítulos V § 22; VII art. 23 I; VII Art. 26 § 1º até o § 8º do EMO para eliminar o TAM e a Avaliação que não condizem com a dignidade ministerial."

Isto não quer dizer que não é necessário fazer periodicamente uma avaliação do nosso trabalho e do trabalho da paróquia a partir de um Projeto de Igreja que está sendo viabilizado na paróquia ou outro campo de trabalho. O problema é que não temos um Projeto de Igreja nem a nível de IECLB e nem a nível de paróquia, além, é claro, da Associação Cultural e Recreativa com fins Religiosos, que é a prática geral na IECLB. Mas esta Avaliação que está no EMO está para ferrar a pastorada, juntamente com o TAM. Além do mais cada Sínodo faz esta Avaliação conforme o seu gosto. Por causa deste Projeto de Igreja, a Associação Cultural e Recreativa com fins Religiosos, a Pastoral da Cidadania não tem lugar porque mostra que existe a luta de classes na sociedade e na igreja e que esta sociedade, construída em cima de classes sociais em permanente luta, precisa ser eliminada como uma exigência do Evangelho de Jesus Cristo.

Como funciona a luta de classes na sociedade? Aqui vai um exemplo que me contou um pastor que andou pelo Mato Grosso afora e que trabalhava na CPT:
Um dia chega uma mulher e pede ajuda ao pastor, que trabalhava na CPT, para que ele a ajude a encontrar o seu marido que fora trabalhar numa fazenda e estava desaparecido já há 6 meses. O pastor liga para o promotor do ministério público, que por acaso era da IECLB, que foi investigar o caso. Resultado: o pastor como o promotor receberam um telefonema anônimo de ameaça de morte. O promotor foi transferido, por ordens superiores, para que não se investigasse o caso e o próximo promotor que o substituiu disse que não se meteria nisso por ser perigoso. Isto mostra o conluio do Poder Judiciário e o Estado com o latifúndio assassino e escravista. Caso encerrado.

Isto e o fato de dois membros na Assembléia Sinodal tentar inviabilizar a Pastoral da Cidadania é legitimar a ação do Estado em conluio com o latifúndio para esconder o assassinato e a escravidão do agronegócio. É tudo a mesma coisa. Os dois casos: o assassinato e a escravidão nas fazendas no Mato Grosso e demais estados pelo país afora e o fato de se esconder a Moção da Pastoral da Cidadania para que não seja votada tem a mesma origem: legitimar e viabilizar o capitalismo que se sente ameaçado pelo Evangelho do Reino de Deus que sempre aponta para a construção de uma nova sociedade não classista, mas, igualitária. Esconder a Moção da Pastoral da Cidadania é também legitimar o assassinato e a escravidão do latifúndio, pois legitima o sistema capitalista que está construído em cima da opressão e da exploração capitalistas. É a igreja fazendo o trabalho do diabo.

No entanto, a Igreja é presença de Deus no meio do mundo. Ela é um corpo estranho no meio do mundo, por isso é uma ameaça a ser eliminada ou cooptada. Por que? Porque a Igreja vai defender a vida plena de Deus o que o capital não vai poder tolerar porque vive da opressão, da exploração e da morte. Os cristãos capitalistas por isso fazem o trabalho para o diabo tentando impedir que a Igreja seja presença de Deus no mundo para transformá-lo pelo arrependimento e pela fé no Evangelho, como diz Jesus Cristo em Mc 1.15. O mundo está se defendendo de Jesus Cristo com o apoio dos cristãos.

Isto nos lembra de Jo 15.18-19: "Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia".

Jesus diz que o/a cristão/ã batizado/a não é do mundo porque está marcado pelo batismo pela Cruz de Cristo. Portanto, o/a cristão/ã não defende nunca o mundo, o capitalismo, mas sempre o Evangelho do Reino de Deus que se propõe a construir uma nova sociedade não classista, de irmãos e irmãs, portanto, igualitária. O/a cristão/ã que defende o capitalismo não sabe que ele defende algo que o odeia e está defendo seu inimigo e não só o seu inimigo, mas o inimigo de Deus. Tiago 4:4 lembra: "Infiéis, não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus". O/a cristão/ã a partir do batismo é propriedade de Deus e por isso não é do mundo, não é do capitalismo. Nós não somos do diabo, que se diz o senhor do mundo, somos propriedade de Deus. Se defendermos o mundo, o capitalismo, estaremos defendendo o projeto do diabo. Por mais que o diabo se diz senhor do mundo ele não o é, pois Deus é o Senhor do Universo e o Senhor da História, como nos lembra o livro do Apocalipse.

A falta de clareza teológica ou então a opção clara em favor do capitalismo, o projeto do diabo, faz com que cristãos (leigos e pastores/as) defendam o capitalismo contra o Evangelho do Reino de Deus. A falta de clareza teológica é tanto culpa da igreja como dos próprios membros. Da igreja porque não tem um projeto claro de formação de base e dos membros porque não querem participar de um processo de formação porque para eles Igreja é: Associação Cultural e Recreativa com fins Religiosos. É o que Lutero já diz:

“Se me fosse possível começar, hoje, a pregar o evangelho, eu o faria de modo bem diferente. Deixaria toda essa grande e rude massa de gente debaixo do regime do papa. Eles não se emendam mesmo, pelo Evangelho, mas só abusam de sua liberdade. Em vez disso pregaria o Evangelho e o consolo especialmente para as consciências temerosas, humilhadas, desesperadas e simples. Por isso o pregador deve conhecer o mundo muito bem e reconhecer que ele é desesperadamente mau, propriedade do diabo, na melhor das hipóteses. Eu é que fui estupidamente ingênuo, não sabendo quando comecei, como eram as coisas, pensando que o mundo seria muito piedoso e, tão logo ouvisse o evangelho, viria correndo para aceitá-lo com alegria. Mas agora descubro, com grande dor, que fui vergonhosamente enganado” (Reflexões em torno de Lutero’ vol. I uma Edição especial da Revista “Estudos Teológicos” de 1981).

Tem uma rude massa que segue a ideologia da classe dominante e não tem jeito, mas por outro lado, nós pastores/as, somos "estupidamente ingênuos", como diz Lutero, não sabemos fazer uma análise clara da realidade que nos cerca e não temos clareza teológica. Como ingênuos e cegos (não sabemos ver a realidade como ela é) nós pastores/as queremos pregar o Evangelho de Jesus Cristo para um mundo que não conhecemos e nos negamos a conhecer. Desta forma não somos muito diferentes dos membros que não querem participar de um processo de formação e de luta contra o capitalismo, que é um instrumento que o diabo usa para tentar impedir a construção do Reino de Deus.

"Proposta de Ação da Pastoral da Cidadania no Sínodo Uruguai.
I - Curso sobre a Realidade - 15 dias em 1 encontro ao mês
1. Modos de Produção (1 dia)
2. Capitalismo (2 dias)
3. Análise da Conjuntura Político-Econômica do Brasil (1 dia)
4. Metodologia da Bíblia (1 dia)
5. História das Lutas do Povo Brasileiro (2 dias)
6. A Luta pela Terra na Bíblia, na época da Reforma e no Brasil (2 dias)
7. História do Movimento Sindical no Brasil (2 dias)
8. Movimentos Populares no Campo (1 dia) – MST, MPA, MAB, MMC, Pequenas Cooperativas
9. Reino de Deus (2 dias)
10. Nova Sociedade proposta pela Classe Trabalhadora (1 dia)

Formas de realizar o curso
a) Núcleo (reunindo várias paróquias) ou Paróquia
b) Encontros mensais de 1 dia, das 9 horas até as 16,30 horas
Objetivo do Curso:
Capacitar teológica e teoricamente (Bíblia, Realidade, Confessionalidade) o nosso povo para que possa participar de forma mais eficaz na Igreja, no Movimento Popular, no Movimento Sindical, no Movimento Cooperativo e nas ONGs em seu município e região.

II - Encaminhar via deputados estaduais da situação do governo de Santa Catarina a Regulamentação da lei que prevê a indenização das terras para as famílias atingidas por áreas indígenas.
III - Fortalecer o trabalho do CAPA nas Paróquias do Sínodo.
IV - Manter contato com a Via Campesina e suas lutas na área do Sínodo e oferecer gratuitamente para suas reuniões, seus estudos e suas lutas os espaços físicos das comunidades.
V - Manter contato com pequenas cooperativas de agricultores e com o movimento sindical em nível da área do Sínodo e oferecer gratuitamente para suas reuniões, seus estudos e suas lutas os espaços físicos das comunidades.
VI - Manter contato com as organizações populares das cidades e oferecer gratuitamente para suas reuniões, seus estudos e suas lutas os espaços físicos das comunidades."
Queremos construir uma IECLB melhor! Essa é a nossa proposta.

Para entendermos melhor o nosso mundo sugiro ler o livro: "Memórias de uma guerra suja" de Claudio Guerra da editora TOPBOOKS que pode ser encomendado na Livraria Livros e Livros de Florianópolis, cujo email é: livraria@livroselivros.com.br, (ou pelo site http://www.estantevirtual.com.br/) custa R$ 38,00 mais porte do Correio. É um depoimento do tempo da repressão da ditadura militar de um integrante do sistema de repressão que tinha o papel de matar, hoje ele é pastor da Assembléia de Deus. Ele não torturava, apenas recolhia os torturados mortos ou os matava com um tiro de misericórdia e os enterrava em cemitérios clandestinos ou os incinerava no alto forno da usina de açúcar de propriedade do então vice governador do Rio de Janeiro Heli Ribeiro, além de outros atentados a bomba. Matava também, como queima de arquivo, sua própria gente dos aparelhos repressivos a mando dos militares como queima de arquivo, ele era da polícia civil do Espírito Santo. Ele conta como o Fleury foi assassinado pelos militares. É um livro de arrepiar o cabelo. Assim age o capitalismo para se autopreservar e se reproduzir. Apoiando o capitalismo apoiamos esta prática diabólica.

Páginas 69 a 71 do livro, para terem um gosto do conteúdo:
O AGENTE DA CIA
Um dos agentes da CIA no Brasil à época virou meu parceiro, mas desconfio também que tentou me matar. Chamava-se Jone Romaguera Trotte e me foi apresentado pelo Augusto Pinto Moreira, um dos donos do Angu do Comes. Era das mãos de Jone que eu recebia muitas das armas que eu usava ou fornecia para várias operações. A principal função dele no Brasil era trazer armamento. Fazia isso para a Polícia Federal, para o SNI, para muitas das nossas operações clandestinas, e provavelmente para outras sobre as quais não tenho informações. Tudo com o conhecimento do comandante Vieira, do coronel Perdigão e do delegado da Polícia Federal, Cláudio Barrouin.
Trotte não participava de tortura nem das operações. A função dele era fornecer as armas, não só para o governo, mas também para particulares. Um de seus clientes era o usineiro Heli Ribeiro, que comandou um grande esquema de receptação ilegal de armas. Essas armas iam para os fazendeiros que queriam proteger suas terras, temendo a reforma agrária. Ribeiro, um direitista radical, me ajudou a desaparecer com vários corpos de adversários do regime, como já relatei.
Eu fornecia carteiras do DOPS para os clientes civis do Jone, permitindo o porte de arma, o que criou um vínculo entre mim, o usineiro e os fazendeiros. Ajudei muito o negócio de armas do Jone Romaguera. Ele fornecia também material de escuta, dispositivos que ainda não existiam no Brasil; trazia pessoal preparado para dar treinamento, além de substâncias ilegais. A que seria aplicada para provocar infarto mortal em Baumgarten e a que foi usada no Faffe, por exemplo, foi ele quem trouxe.
No SNI, me diziam que o material da injeção era proveniente da Inglaterra, do MIR, mas quem trazia era o Trotte. E quem ensinava os torturadores brasileiros a utilizá-la, assim como a técnica de campana, eram os ingleses, na maioria das vezes no seu idioma, o que exigia a presença de um tradutor. A maior parte dos treinamentos se dava no batalhão da PM, ao lado do Campo dos Afonsos, uma área enorme, com vários alojamentos.
A pasta com uma metralhadora que Jone Romaguera trouxe do exterior ficou comigo durante muito tempo. Eu a guardava lá no SNI; era uma pasta comum, estilo 007, só que dentro dela havia uma metralhadora Ingra 38046 9mm, com silenciador. Você apertava um botão da pasta e ela disparava rajadas de tiro.
O esquema de entrada das armas no país envolvia alguns pilotos da Varig, dos voos que vinham do exterior. Naquela época a tripulação não passava por revistas nos aeroportos. Um dos pilotos era irmão de um famoso ator da Rede Globo, de quem não consigo lembrar o nome.

Sugiro ler também o livro "A Refundação do Brasil" de Luiz Gonzaga de Souza Lima da editora RiMa que pode ser encomendado pelo site http://www.estantevirtual.com.br/. O livro conta como nós, o Brasil, começamos, via Empresa Brasil, com a modernidade. A modernidade começou na periferia e depois foi para o centro: Europa. O livro explica como o capitalismo foi construído no Brasil, via empresa privada em terra privada apoiado pelo Estado, para produzir, com mão de obra escrava, o que o mundo não tinha: açúcar e depois outros produtos.

18 de maio de 2012

video Venezuela

Lex dura Lex!



Dizem que no Brasil é assim: Para os amigos, tudo, para os inimigos, a Lei. Assim, a Lei vale para alguns e para outros, não. Na IECLB, que fica no Brasil, é meio parecido. Algumas leis são aplicadas com rigor, outras, nem tanto. Como os/as pastores/as são considerados/as pela instituição "meio inimigas" porque podem processar a Igreja algum dia desses, então a Igreja tem que se ser duro com eles/as. É claro, não para todos, depende do caso.

No caso das leis repressivas do TAM e Avaliação para que a pastorada saiba o seu lugar e pregue apenas o que a direita permite se aplica a lei sem exceção. No caso do uso das vestes litúrgicas, normalmente, faz-se vistas grossas porque ninguém está a fim de enfrentar o Encontrão, que tem bastante votos nas Assembléias Sinodais e no Concílio da Igreja e gosta de posar como vítima de perseguição teológica, que neste caso não tem como usar este argumento. No caso da liturgia é a mesma coisa; usa-se qualquer coisa ou uma grande mistura de tudo um pouco ou coisa nenhuma e tudo fica como está. No caso da liturgia aprovada em Concílio não é só o Encontrão que normalmente não a usa, outros também não o fazem. Nestes casos nada de: lex dura lex. São as contradições do processo eclesial.

O argumento do Encontrão sobre o Talar é que ele foi instituído pelo rei da Prússia, Frederico Guilherme III, e por isso é considerado como elemento opressivo. Parece argumento de alguém da Teologia da Libertação. O que boa parte do pessoal do Encontrão usa? Terno e gravata ou na outra terminologia: fatiota. Qual a origem desta? Terno e gravata é a roupa da burguesia, dos capitalistas. O símbolo da burguesia é o terno e a gravata. Qual a prática da burguesia? Libertadora? Pelo que a história conta não o parece, pois no Brasil eram e continuam sendo escravocratas e assassinos dos povos indígenas, camponeses e ambientalistas além de reprimirem e perseguirem a classe trabalhadora organizada. No Brasil a burguesia é responsável pela ditadura militar e conseqüentemente pela repressão àqueles que lutavam pela democracia matando sob tortura e execução extrajudicial 451 pessoas, mais 370 camponeses, dois mil pessoas do povo indígena Waimiri-Atroari durante a construção da BR 174, torturaram 30 mil pessoas e processaram mais 50 mil. Não me parece nada libertador a prática dos que usam terno e gravata.

Em falando do Talar me lembro que na pintura de Lucas Cranach que está na igreja em Wittenberg onde aparece Lutero vestido de talar. Isto significa que Lutero usava talar quando celebrava culto. Não sou especialista em liturgia, pergunte para quem o é, para que explique isto melhor. Se alguém que lê este texto sabe isto favor informar melhor. Mas se não sabem, a IECLB tem outra veste litúrgica, que é a alba com a estola. Não a usam por que? Certamente dirão: porque parece coisa de padre. Vê se conseguem uma argumentação razoável pelo não uso das vestes litúrgicas. Além do mais se não gostarem de algo na igreja tem sempre a possibilidade de fazer uma moção e encaminhar ao Concílio da Igreja. Enquanto isso vale o que foi estabelecido pelo Concílio. E cumpra-se. Por isso nós ainda estamos nos ajustando e sujeitando às leis repressivas do TAM e da Avaliação até o Concílio anular estas questões via moção que queremos enviar. Se não gostar do talar faça uma moção ao Concílio com argumentos viáveis para justificar o terno e gravata como veste de origem libertadora e como símbolo eclesiástico libertador e de origem na teologia luterana, o que me parece muito difícil de fazer. Mas tente. Enquanto isso vale o talar e a alba com estola. Ponto. E na hora que a direção da igreja tiver coragem ela vai executar todas as leis que há na igreja. Por enquanto ela não tem esta coragem e continuará parcial e agirá conforme as conveniências.

No caso da corrupção na igreja é a mesma coisa. Tem corrupção na igreja? Tem. Onde? No roubo do Dízimo. Roubo? É, alguns falam em sonegação porque acham as palavras, roubo e corrupção, muito feias, muito agressivas. Afinal, estamos no Brasil onde o banqueiro quando preso não pode ser algemado, mas o pobre pode. Lembram do caso do Daniel Dantas? Até o senado se alvoroçou porque algemaram o pobre banqueiro corrupto, o delegado que o algemou foi processado e o presidente do Supremo Tribunal de Justiça concedeu o habeas corpus ao corrupto banqueiro, afinal é rico e lugar de rico não é na cadeia. Cadeia é para pobre. São as contradições de nosso país que também se espalham na esfera eclesial. Mas sonegação, roubo e corrupção são tudo a mesma coisa. Em relação ao roubo do Dízimo a Igreja faz vistas grossas. A Direção da IECLB diz: Isto é coisa da alçada dos Sínodos. Os Sínodos fazem de conta que não é com eles e assim a roubalheira continua. Tem exceções, é claro. Conheço uma. O Pastor Sinodal Renato Kuntzer junto com o Conselho Sinodal colocaram ordem na bagunça e fizeram uma Comissão de Finanças e visitaram todas as paróquias e o bicho comeu solto. Por exemplo, na Paróquia de Pratos de 7 comunidades apenas uma não estava roubando o Dízimo. Por que outros Sínodos não fazem uma Comissão de Finanças para acabar com a roubalheira? Está-se com medo de quem? Dos corruptos e ladrões nas comunidades?

Pastores/as que quiseram por ordem na roubalheira foram ameaçados com o TAM e a Avaliação por pessoas das diretorias das comunidades. Lindo, não? Por isso o TAM e a Avaliação precisam ficar e serem aplicados fielmente para que a pastorada saiba o seu lugar. Nada de pisar nos pés dos corruptos. Que é isso!?

Fala-se muito dos corruptos e ladrões nas esferas governamentais e dos nossos corruptos eclesiásticos não se pode falar e dar um basta nisso. Falta coragem ou falta moral? Onde o rabo está preso? E quem está com o rabo preso? Quem tem medo de quem? O pastor sinodal tem medo do conselho sinodal ou vice versa, ou o pastor sinodal tem medo das diretorias corruptas das comunidades ou os conselheiros sinodais tem medo das diretorias das comunidades que são corruptas? Ou porque os conselheiros sinodais estão metidos e acobertam a corrupção em sua comunidade? Alguém precisa ter medo da verdade? A verdade é a nossa força. A verdade liberta, diz Jesus.
É fácil: o Conselho Sinodal compõe uma Comissão de Finanças e esta visita todas as paróquias, uma por vez, e convoca todas as comunidades para trazerem seu livro caixa e seu livro de atas e é só comparar os dados fornecidos ao Sínodo com os dados lançados nos livros e a diferença, se a há, logo aparece. Simples e fácil. O que falta? Só coragem para enfrentar os corruptos? Nós já vimos este filme antes. Antes da reestruturação, em 1997, também havia a sonegação das cotas e por isso foi introduzido o Dízimo para se poder comparar com os dados concretos do livro caixa, mas ninguém fiscaliza o tal livro caixa.

Por que se rouba o Dízimo? Por causa da pastoral do tijolo. Precisa-se de dinheiro para aumentar o pavilhão para poder fazer grandes festas para ganhar dinheiro para poder aumentar o pavilhão para fazer festas maiores para poder aumentar mais o pavilhão para poder fazer festas maiores ainda. Tem ainda a churrasqueira que tem que aumentar conforme aumenta o tamanho do pavilhão e assim vai. Afinal a pastoral do tijolo é a base de nossa igreja junto com os 3X do alemão: xopp, xurrasco e xixo. Normalmente, sempre tem exceções.

Aí eu pergunto? Por que algumas leis se aplicam e outras não? Ou a gente não deveria fazer esta pergunta? Afinal, não somos pagos para fazer esta pergunta. Somos pagos para fazer e não para perguntar.

O Concílio da Igreja faz tantas normas e leis, porque não faz uma lei para que cada sínodo tenha a sua Comissão de Finanças para verificar a roubalheira do Dízimo? Afinal, isto não é só uma questão dos Sínodos, é uma questão de toda a Igreja.

Enquanto isso, discuta as questões relacionadas à anulação via moção conciliar do TAM e da Avaliação e da reposição salarial defasada entre 70% a 80% em comparação a 1997 nas Conferências de Obreiros. Após a discussão encaminhe uma moção ao Concílio da Igreja para tirar do EMO os itens relacionados a estas leis repressivas e se articule com outros sínodos. Não esqueça de discutir as questões da APPI, que é o nosso instrumento e ferramenta de organização, nas Conferências de Obreiros.

16 de maio de 2012

O Brasil e a escravidão mercantil: nossa dívida com a África


O artigo é de Luiz Carlos Fabbri e Matilde Ribeiro.

Após a promulgação da lei de 1831, que proibia o tráfico de africanos para o Brasil e a escravização de africanos após esta data, o Brasil permitiu a continuidade do tráfico por navios negreiros portando bandeira brasileira e o desembarque e escravização de 760 mil africanos, e assegurou a impunidade de traficantes e senhores de escravos durante décadas, que continuaram a subjugar ilegalmente gerações de escravos até 1888. Esta impunidade fundadora das elites imperiais tem reflexos na estrutura social e em formas de dominação política que prevalecem até hoje.

Luiz Carlos Fabbri e Matilde Ribeiro

1. O escravismo na formação do Brasil
O presente artigo tem por objetivo chamar a atenção sobre a atualidade política do regime escravista no Brasil e sobre a responsabilidade histórica do Estado brasileiro no tráfico transatlântico de escravos e na escravização de africanos ao arrepio da lei durante o Império. Com efeito, após a promulgação da lei de 1831, que proibia o tráfico de africanos para o Brasil e a escravização de africanos após esta data, o Brasil independente permitiu a continuidade do tráfico por navios negreiros portando bandeira brasileira e o desembarque e escravização de 760 mil africanos, segundo a estimativa de Alencastro (2010), e assegurou a impunidade de traficantes e senhores de escravos durante décadas, que continuaram a subjugar ilegalmente gerações de escravos até 1888.

Esta impunidade fundadora das elites imperiais tem reflexos na estrutura social e em formas de dominação política que prevalecem até os dias atuais. Assim como a ―invisibilidade‖ dos negros e das comunidades quilombolas constituiu um traço histórico marcante da realidade racial no Brasil, a invisibilidade do crime de lesa-humanidade praticado por traficantes brasileiros permanece grandemente ignorada até o presente. Nesses tempos em que se reconhece e se discute o direito à memória e à verdade acerca das violações de direitos humanos nos períodos ditatoriais recentes, a nação brasileira precisa tornar-se ciente de que o tráfico abjeto e o regime escravista foram em larga medida obra de nossos conterrâneos.

Hoje, esse salto evolutivo em nossa memória histórica é não somente necessário, mas emergente, graças à amplitude e lucidez da nova política africana desencadeada pelo Governo Lula, o ―mais africano dos presidentes, no dizer do ex-Ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim. No ano de 2011, comemoram-se dez anos da Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância, que teve lugar em Durban, na nova África do Sul, em agosto/setembro de 2001.

Em sua memorável resolução final, a Conferência reconheceu ―que a escravidão e o tráfico de escravos, incluindo o tráfico transatlântico de escravos, foram tragédias terríveis na história da humanidade, não apenas por sua barbárie abominável, mas também em termos de sua magnitude, natureza de organização e, especialmente, pela negação da essência das vítimas‖; reconheceu ainda que ―a escravidão e o tráfico de escravos são crimes contra a humanidade e assim devem sempre ser considerados, especialmente o tráfico transatlântico de escravos, estando entre as maiores manifestações e fontes de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata...

Durban foi um marco que galvanizou em todo mundo novos entendimentos e posturas, bem como movimentos sociais e políticas públicas sobre a problemática racial, particularmente com respeito aos afrodescendentes, como bem o ilustra, a declaração de 2011 como o Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes, em 2011 pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

Tudo isso é imensamente relevante em nosso país. Com efeito, segundo projeções do IPEA, devido à diferença nas taxas de fecundidade entre população branca e não branca, projeta-se para 2050 que ¾ da população brasileira estará constituída por negros e pardos. O Brasil, este povo majoritariamente afrodescendente, tem o direito de conhecer toda a verdade sobre sua história. Ao fazê-lo, deverá reconhecer sua dívida com respeito à África, independentemente do colonialismo europeu, do qual os dois continentes foram vítimas, mas devido à participação direta do Estado brasileiro, pós-Independência, na pilhagem da África.

2. A longa abolição da escravatura
Como é sabido, o Brasil foi o último país das Américas a libertar efetivamente seus escravos. No entanto, após a firma do tratado anglo-brasileiro de 1826, em troca do reconhecimento pelo Reino Unido da independência do Brasil, havia sido aprovada pela Câmara de Deputados do Império e promulgada em 1831, durante a Regência, uma lei que abolia o tráfico de escravos e criminalizava a escravização de africanos desembarcados no Brasil.

Apesar desta lei, que está na origem de expressão popular ―para inglês ver, os chamados negreiros brasileiros prosseguiram com o tráfico, servindo-se de uma rede de agentes instalados ao longo de toda a costa ocidental da África. Na verdade, com a abolição do trabalho escravo nos Estados Unidos, após a guerra da independência, o tráfico negreiro brasileiro ganhou inclusive um novo impulso, sem a concorrência de seus congêneres do norte.

Além do tráfico, a lei de 1831 proibia a própria escravização, não somente assegurando plena liberdade aos africanos introduzidos no país após esta data como considerando seqüestradores seus eventuais proprietários, sujeitos a sanções penais. Por reduzir à escravidão a pessoa livre que se achar em posse de sua liberdade, o Código em vigor à época impunha aos infratores uma pena pecuniária e o reembolso das despesas com o reenvio do africano seqüestrado para qualquer porto da África.

Pouco depois, em 1845, o governo britânico decretou o Bill Aberdeen, que proibia o tráfico de escravos entre a Europa e as Américas e autorizava a Marinha a aprisionar navios negreiros, mesmo, no caso, quando navegassem em águas territoriais brasileiras, provocando pânico, segundo se diz, em traficantes e proprietários de escravos e de terras no Brasil. Para a Grã Bretanha, potência hegemônica no período, o tráfico tinha deixado de ser rentável, tornando-se um obstáculo às suas necessidades de expansão imperialista e de conquista de novos mercados, embora suas reais motivações se ocultassem sob o véu de razões filosóficas e humanitárias.

Apesar do forte sentimento anti-britânico gerado na alta sociedade imperial, o governo brasileiro viu-se obrigado a aprovar uma nova lei em 1850, dita lei Euzébio de Queiroz, que extinguia o tráfico transatlântico para o Brasil e autorizava a apreensão dos negros ― boçais, que assim chamavam aos escravos recém-chegados que não dominavam o português. Mas, em contrapartida, a lei ignorava os escravos que haviam chegado ao país desde o tratado de 1826 e a lei de 1831, concedendo, de certa forma, um indulto aos seus infratores.

Com este gesto inaugural de impunidade, que viria a se incrustar a posteriori na sociedade brasileira, o governo brasileiro ―anistiava, a partir de 1850, os culpados pelo crime de seqüestro de africanos, fazendo vistas grossas ao crime correlato de escravização de pessoas livres. Com isso, os quase 800 mil africanos desembarcados até 1856 — e a totalidade de seus descendentes — continuaram sendo mantidos ilegalmente na escravidão até 1888, ao mesmo tempo em que aumentava o tráfico interno em direção ao Sudeste e ao Sul, que ganhavam novo dinamismo econômico em detrimento do Nordeste. Assim, boa parte das últimas gerações de seres humanos escravizados no Brasil não era escrava de jure.

Ou seja, o tráfico de escravos e a escravização de africanos durante o Império não eram somente condenáveis no plano ético: eram atos ilegais cometidos pelas elites brasileiras, que permaneceram ocultos e impunes nas dobras da história dos vencedores. Paralelamente, a elevada concentração fundiária ganhava por esta via uma sobrevida e se consolidava, ao mesmo tempo em que se reforçavam os fundamentos da desigualdade racial no Brasil.

3. O Brasil e o tráfico negreiro
O tráfico negreiro com destino ao Brasil sempre teve uma dinâmica própria. Já desde o século XVII, era gerido a partir de portos brasileiros, isto é, os grandes traficantes que garantiam a reprodução do sistema escravista no país estavam sediados em Recife, Salvador e Rio de Janeiro, e não em Lisboa. A partir de 1831, o tráfico passou integralmente ao controle de traficantes brasileiros e seus agentes em portos da África Ocidental. Os escravos eram trazidos da África, acorrentados em navios negreiros, com a bandeira brasileira hasteada em seus mastros, causando profunda dor em patriotas como Castro Alves, que em seu poema Navio Negreiro, de 1868, dezoito anos após a lei Euzébio de Queiroz, bradava enfurecido:

“Existe um povo que a bandeira empresta P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... E deixa-a transformar-se nessa festa Em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia? Silêncio. Musa... chora, e chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...

Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança, Estandarte que a luz do sol encerra E as promessas divinas da esperança... Tu que, da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha!...”

No Império, os traficantes brasileiros eram considerados empresários de sucesso e possuíam um status social elevado, armando embarcações com destino à África, servindo-se de uma rede de fornecedores e agentes comerciais em vários países e empregando muitas pessoas. Até 1831 estiveram entre os homens mais ricos do Império, com ligações estreitas com a Corte e representantes na Câmara de Deputados, além de contar com a conivência da polícia e das autoridades locais.

Somente após 1850, com a Lei Euzébio de Queiroz, eles começaram a ser qualificados como ―piratas, tendo muitas vezes que fugir para o exterior. No entanto, sob a proteção dos latifundiários, que como compradores de escravos jamais foram punidos, foram autorizados a voltar a viver no país já nos anos 1860 e incentivados a aplicar suas fortunas em outros negócios, como a agricultura. De certa forma, portanto, a participação de brasileiros no tráfico negreiro e as benesses que receberam fazem parte de um processo que ajudou a plasmar as elites brasileiras nas entranhas da sociedade escravocrata brasileira.

Segundo Alencastro, ―do total de cerca de 11 milhões de africanos deportados e chegados vivos nas Américas, 44% (perto de cinco milhões) vieram para o território brasileiro num período de três séculos (1550-1856). Somente após 1808, com a chegada da família real ao Brasil, teriam desembarcado mais de 1,4 milhões de escravos, aproximadamente ⅓ do total de africanos escravizados que aportaram em terras brasileiras.

Grande parte da decantada prosperidade econômica do Brasil imperial se baseou nesses enormes contingentes de escravos desembarcados durante o século XIX. Para citar um único exemplo, à persistência da escravatura se deveu o arranque da cafeicultura no Vale do Ribeira em São Paulo, que converteu o Brasil no maior produtor mundial do produto e viabilizou ulteriormente a industrialização do país.

O tráfico negreiro e o trabalho escravo no Brasil contribuíram poderosamente para a acumulação mundial de capital e a expansão econômica européia, tornando rentável a colonização da África. Em contrapartida, a África ficou estagnada, com grande parte de sua população dizimada ou deportada e com suas sociedades desestruturadas, ao mesmo em que se acentuavam os conflitos internos e as migrações massivas.

O caso de Luanda, bem documentado, ilustra as mudanças provocadas pelo tráfico nas sociedades africanas. De 1770 a 1840, seu porto permaneceu como o mais importante exportador de escravos da África Ocidental, mantendo-se nesta posição com respeito ao Brasil, mesmo após a primeira lei de abolição em 1831. Ao longo deste período, a população não só declinou fortemente como sofreu perdas significativas em sua mão de obra produtiva, para atender à demanda brasileira. Este processo, no entanto, jamais ocorreu sem resistências, sendo freqüentes as fugas e revoltas de grupos de população vulnerável para o interior e a criação em meados do século XIX de ―quilombos ou ―motolos, que costumavam se armar e atacar a cidade de Luanda.

Esta rapina abjeta de seres humanos reduziu o potencial de desenvolvimento e maculou o ethos civilizatório do qual a África era portadora. Visto da perspectiva do continente africano, o tráfico de escravos não foi, portanto, uma empresa exclusiva de colonizadores europeus, mas também, e diretamente, de traficantes brasileiros atuando com o beneplácito do Estado brasileiro, quando o país já havia se tornado independente.

4. A dimensão política de nossa dívida com a África
Quando falamos da dívida brasileira com respeito à África, não devemos restringi-la ao incomensurável aporte dos africanos à construção da nação brasileira ou, muito menos, igualar o Brasil à potência colonizadora. A colonização africana resultou do expansionismo europeu e, desta perspectiva, tanto Brasil como África padecemos solidariamente dos seus males. Mais precisamente: o Brasil não colonizou a África e nós não temos porque assumir uma responsabilidade histórica que não nos cabe diretamente.

A verdadeira dívida brasileira está espelhada no tráfico negreiro realizado por traficantes brasileiros, principalmente ao longo do Império, atuando ilegal e impunemente, sob a égide do Estado brasileiro, ou seja, refere-se a um período histórico de pouco mais de meio século, num contexto em que o Brasil e outros países do continente americano já haviam deixado de ser colônias, tornando-se independentes.

Com efeito, foram traficantes brasileiros, em associação com grandes latifundiários, ou seja, as elites econômicas imperiais, que tomaram as rédeas do tráfico para o Brasil. Embora o país tenha evoluído desde então, os herdeiros dessas elites, e em alguns casos inclusive seus descendentes diretos, continuam tendo um enorme peso na vida política e na economia do país. A atualidade do tráfico negreiro reside, contudo, mais além das chagas sociais que nos legou, no desafio que nos coloca sobre o imperativo de ampliar continuamente nossos horizontes democráticos e construir uma sociedade que respeite a dignidade humana.

A discriminação e o racismo contra o negro no Brasil têm na escravatura sua matriz principal e fundadora. O tráfico necessitava uma justificativa no plano ideológico, que reduzisse o "homem de cor" a um ser inferior, degradado, próprio a ser tratado como uma coisa, uma mercadoria. O racismo cresceu à medida que se expandiu o tráfico negreiro e se incrustou nas instituições brasileiras principalmente a partir do Império. Mesmo depois de abolida a escravidão, o racismo prosseguiu e prosperou, como parte de uma cultura dominante abraçada pelo Brasil independente, a mesma que tornou possível e aceitável o saque colonial, o imperialismo e, nos dias atuais, o neocolonialismo. No caso do Brasil, esta cultura ainda dominante se traduz na submissão, com freqüência servil, aos interesses das classes dominantes do mundo dito civilizado.

O governo Lula inaugurou uma reviravolta nesta triste herança histórica, ao assumir a dívida histórica do Brasil com respeito à África, e ao reafirmar, a um só tempo, o peso da África e dos afrodescendentes na formação social brasileira. Contrariando as pretensões primeiro-mundistas das elites tradicionais, pediu publicamente perdão aos africanos e fez da África uma prioridade para a nova inserção internacional do Brasil, mediante uma visão de largo prazo dos interesses nacionais. Conferiu assim uma nova legitimidade e um cunho popular à política externa brasileira, valorizando o componente africano de nossa sociedade e a sua contribuição decisiva para a afirmação da nossa cultura. Para a África, o Brasil de governo Lula tornou-se um poderoso aliado na conquista de maior autonomia e integração, ajudando-a a superar a situação de dependência e marginalização em que se encontra.

No plano interno, contudo, nesses tempos em que se discute o direito à verdade e à memória na perspectiva dos oprimidos, cabe ainda desvendar o quanto a forma que assumiu o escravismo no Brasil determinou seu desenvolvimento ulterior e, em particular, porque o Brasil permanece até hoje como a única grande economia agro-exportadora que não realizou uma extensa reforma agrária.

O ocultamento da verdade com respeito ao papel de brasileiros no tráfico negreiro contribui também, certamente, à perpetuação do trabalho escravo no Brasil até o presente, esse crime de lesa-humanidade, considerado imprescritível pela Constituição de 1988.

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, de 1995 até agosto de 2010, foram resgatados quase 38 mil escravos. Por sua vez, a Comissão Pastoral da Terra estima que cerca de 25 mil brasileiros se tornam escravos a cada ano, passando a viver em barracões de chão batido, separados de suas famílias e subjugados por dívidas impagáveis e crescentes. Segundo Monteiro Filho da ONG Repórter Brasil, que se especializou no trabalho escravo contemporâneo, ―os empregadores que utilizam mão de obra escrava são, na maioria das vezes, grandes latifundiários [...] quando não são congressistas, membros dos Legislativos estaduais ou do Poder Judiciário‖. Segundo este autor, ―a maioria dos casos de utilização de mão de obra escrava é registrada... nas fazendas de gado‖. O Brasil, como maior produtor e exportador de carne bovina do mundo, e grande produtor agrícola, tem no poderoso agronegócio a marca do trabalho escravo contemporâneo.

Assumir a responsabilidade histórica pela enorme dívida que temos com a África não é, portanto, uma atitude passadista, porém tem um claro rebatimento em componentes estruturais de nossa realidade como nação e em alguns de nossos principais desafios atuais. Esclarecer e discutir este tema representa um direito da sociedade brasileira e de sua maioria afrodescendente em especial. A política externa e a de cooperação com a África precisam incorporar continuamente esta dimensão como fundamento incontornável de enfoques inovadores e emancipatórios, baseados no respeito à dignidade e à liberdade humana.
http://www.agenciacartamaior.com.br/templates/index.cfm?alterarHomeAtual=1

10 de maio de 2012

Para não dizer que não falei de flores.



Repasso o que o Cristov me repassou. Isto mostra que nem eu e nem a APPI estamos falando no e do vazio e nem fora da realidade. Estamos vivendo uma doença eclesiástica no geral em todas as igrejas cristãs. Não adianta o povo da Sr. dos Passos fazer cara feia sobre a questão do PAM e Avaliação que isto é apenas parte da doença. Não é mantendo a postura de não ouvir as dores da pastorada e se manter firma na legislação repressiva que as coisas vão mudar e nem melhorar. Precisamos de leis para regulamentar a vida eclesial, mas se estas leis atrapalham elas precisam ser eliminadas.
Sugiro que a Secretaria com Ordenação (que é a que se ocupa com as dores da pastorada) encaminhe uma moção para ser encaminhada via Conselho da Igreja para o Concílio da Igreja pedindo a eliminação do TAM e da Avaliação do EMO. Não remendando e ajeitando o que há, mas eliminando. Um gesto destes partindo da Sr. dos Passos a valorizaria e a tiraria da postura de ser alvo. É meramente um encaminhamento administrativo, mas com conseqüências benéficas para a igreja.
É uma sugestão que estou dando.
Caso contrário vamos deixar que os dois trens vindos em alta velocidade e de direções opostas se chocarem para ver no que dá, o que não acho muito sábio.
Tenho ouvido muita repercussão positiva da iniciativa da APPI sobre a reposição salarial e eliminação do TAM e Avaliação entre a pastorada. A coisa está sendo discutida no meio da pastorada, em particular e nas COs. Um gesto de vir ao encontro por parte da Sr. dos Passos viria bem.
Um abraço
Lobo

Pessoal!
Repasso o que o Clóvis Lindner encaminhou. Talvez alguém tenha recebido já dele. Li o texto. E concordo com o Clóvis: podemos colocar os nossos nomes nos nomes mencionados; podemos colocar a sigla da nossa igreja nas siglas das igrejas mencionadas.
Precisamos urgentemente recuperar a APPI.
Precisamos urgentemente romper com o ativismo frenético imposto pela produtividade exigida pelo TAM e pelas avaliações.
Precisamos encaminhar a moção apresentada de extinguir o TAM e as avaliações.
Precisamos de cuidado!
A PPL propôs, anos atrás, a proposta eclesiológica/missionária/de libertação "Igreja do Cuidado". Poucos/as abraçaram a idéia. Na verdade, precisamos deitar no divã e reconhecer que somos fracos.
Bom, na verdade queria apenas recomendar a leitura do texto. E sugerir que possamos usar o texto nos nossos encontros menores (núcleo, setor, "distritos"), pois penso que é nos grupos pequenos que a coisa começa a ficar grande.
Abraços
Cristov

Gente querida,

O texto abaixo, que pesquei no http://cristianismohoje.com.br/index.php, é um impressionante retrato também da realidade ministerial dentro da nossa IECLB. Leiam com muita atenção e sincera preocupação pastoral com os nossos colegas ministros e ministras. Peço que especialmente os pastores sinodais, o pastor presidente (“cuidar bem do bem da IECLB”), a secretaria-geral, bem como os presbitérios paroquiais olhem a atividade ministerial com novos olhos e fiquem atentos ao alto grau de risco embutido no exercício do ministério. Tem cada vez mais gente capotando no meio do caminho e a gente vai deixando, passando de largo, achando que é só mais um que desiste. O que tem de gente que se preparou e está fora do ministério na IECLB dá mais que um avião lotado... Entre voluntários/as, licenciados/as e outras situações há, só no Prontuário, 160 nomes relacionados. Dessa lista não constam dezenas de ex-ministros/as que hoje atuam nas mais diversas atividades, em universidades, escolas, empresas e profissões liberais. O texto de Marcelo Brasileiro (abaixo) é uma análise magistral de toda essa realidade ministerial em nosso país, mesmo sem citar a IECLB. Boa leitura.
Paz e bem,
Clovis Horst Lindner,
ex-pastor de paróquia (1978 a 1988),
ex-pastor em função específica (1989 a 1993),
pastor sem púlpito regular e sem paróquia desde 1993,
que já foi licenciado e é voluntário sem atribuição definida (o velho talar é tirado do cabide não mais que meia dúzia de vezes ao ano), experimentou angústias, dúvidas e muitas noites em claro no processo de transição do pastorado regular para sobreviver como micro-empresário (19 anos de autonomia financeira), hoje adaptado ao novo papel que escolheu viver como comunicador (diretor de redação do jornal O Caminho, editor da revista Novolhar e blogueiro: http://clovishl.blogspot.com), mas continua sempre pastor, na formação, na índole e no desejo de dar conta da vocação que abraçou desde a juventude, embora hoje de modo alternativo.


Pastores feridos
Pastores que abandonam o púlpito enfrentam o difícil caminho da auto-aceitação e do recomeço.

Por Marcelo Brasileiro

Desânimo, solidão, insegurança, medo e dúvida. Uma estranha combinação de sensações passou a atormentar José Nilton Lima Fernandes, hoje com 41 anos, a certa altura da vida. Pastor evangélico, ele chegou ao púlpito depois de uma longa vivência religiosa, que se confunde com a de sua trajetória. Criado numa igreja pentecostal, Nilton exerceu a liderança da mocidade já aos 16 anos, e logo sentiria o chamado – expressão que, no jargão evangélico, designa aquele momento em que o indivíduo percebe-se vocacionado por Deus para o ministério da Palavra. Mas foi numa denominação do ramo protestante histórico, a Igreja Presbiteriana Independente (IPI), na cidade de São Paulo, que ele se estabeleceu como pastor. Graduado em Direito, Teologia e Filosofia, tinha tudo para ser um excelente ministro do Evangelho, aliando a erudição ao conhecimento das Sagradas Escrituras. Contudo, ele chegou diante de uma encruzilhada. Passou a duvidar se valeria mesmo a pena ser um pastor evangélico. Afinal, a vida não seria melhor sem o tal “chamado pastoral”?

As razões para sua inquietação eram enormes. Ordenado pastor desde 1995, foi justamente na igreja que experimentou seus piores dissabores. Conheceu a intriga, lutou contra conchavos, desgastou-se para desmantelar o que chama de “estrutura de corrupção” dentro de uma das igrejas que pastoreou. Mas, no fim de tudo isso, percebeu que a luta fora inglória. José Nilton se enfraqueceu emocionalmente e viu o casamento ir por água abaixo. Mesmo vencendo o braço-de-ferro para sanar a administração de sua igreja, perdeu o controle da vida. A mulher não foi capaz de suportar o que o ministério pastoral fez com ele. “Eu entrei num processo de morte. Adoeci e tive que procurar ajuda médica para me restabelecer”, conta. Com o fim do casamento, perdeu também a companhia permanente da filha pequena, uma das maiores dores de sua vida.

Foi preciso parar. No fim de 2010, José Nilton protocolou uma carta à direção de sua igreja requisitando a “disponibilidade ativa”, uma licença concedida aos pastores da denominação. Passou todo o ano de 2011 longe das funções ministeriais. No período, foi exercer outras funções, como advogado e professor de escola pública e de seminário. “Acho possível servir a Jesus, independentemente de ser pastor ou não”, raciocina, analisando a vida em perspectiva. “Não acredito mais que um ministério pastoral só possa ser exercido dentro da igreja, que o chamado se aplica apenas dentro do templo. Quebrei essa visão clerical”. Reconstruindo-se das cicatrizes, Nilton casou-se novamente. E, este ano retornou ao púlpito, assumindo o pastoreio de uma igreja na zona leste de São Paulo. Todavia, não descarta outro freio de arrumação. “Acho que a vida útil de um líder é de três anos”, raciocina. “É o período em que ele mantém toda a força e disposição. Depois, é bom que esse processo seja renovado”. É assim que ele pretende caminhar daqui para frente: sem fazer do pastorado o centro ou a razão da sua vida.

Encontrar o equilíbrio no ministério não é tarefa fácil. Que o digam os ex-pastores ou pastores afastados do púlpito que passam a exercer outras atividades ou profissões depois de um período servindo à igreja. Uma das maiores denominações pentecostais do país, a Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ), com seus 30 mil pastores filiados – entre homens e mulheres –, registra uma deserção de cerca de 70 pastores por mês desde o ano passado. Os números estão nas circulares da própria igreja. Não é gente que abandona a fé em Cristo, naturalmente; em sua maioria, os religiosos que pedem licença ou desligamento das atividades pastorais continuam vivendo sua vida cristã, como fez José Nilton no período em que esteve afastado do púlpito. É que as pressões espirituais e as demandas familiares e pessoais dos pastores, nem sempre supridas, constituem uma carga difícil de suportar ao longo doa anos. Some-se a isso os problemas enfrentados na própria igreja, as cobranças da liderança, a necessidade de administrar a obra sob o ponto de vista financeiro e – não raro – as disputas por poder e se terá uma ideia do conjunto de fatores que podem levar mesmo aquele abençoado homem de Deus a chutar tudo para o alto.

A própria IPI, onde José Nilton militou, embora muito menor que a Quadrangular – conta com cerca de 500 igrejas no país e 690 pastores registrados –, teria hoje algo em torno de 50 ministros licenciados, número registrado em relatório de 2009. Pode parecer pouco, mas representa quase dez por cento do corpo de pastores ativos. Caso se projete esse percentual à dimensão da já gigantesca Igreja Evangélica brasileira, com seus aproximadamente 40 milhões de fiéis, dá para estimar que a defecção dos púlpitos é mesmo numerosa. De acordo com números da Fundação Getúlio Vargas, o número de pastores evangélicos no país é cinco vezes maior do que a de padres católicos, que em 2006 era de 18,6 mil segundo o levantamento Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais. Porém, devido à informalidade da atividade pastoral no país, é certo que os números sejam bem maiores.

FERIDOS QUE FEREM

O chamado pastoral sempre foi o mais valorizado no segmento evangélico. Por essa razão, é de se estranhar quando alguém que se diz escolhido por Deus para apascentar suas ovelhas resolva abandonar esse caminho. Nos Estados Unidos, algumas pesquisas tentam explicar os principais motivos que levam os pastores a deixar de lado a tarefa que um dia abraçaram. Uma delas foi realizada pelo ministério LifeWay, que, por telefone, contatou mil pastores que exerciam liderança em suas comunidades eclesiásticas. E o resultado foi que, apesar de se sentirem privilegiados pelo cargo que ocupavam (item expresso por 98% dos entrevistados), mais da metade, ou 55%, afirmaram que se sentiam solitários em seus ministérios e concordavam com a afirmação “acho que é fácil ficar desanimado”. Curiosamente, foram os veteranos, com mais 65 anos, os menos desanimados. Já os dirigentes das megaigrejas foram os que mais reclamaram de problemas. De acordo com o presidente da área de pesquisas da Life Way, Ed Stetzer – que já pastoreou diversas igrejas –, a principal razão para o desânimo pode vir de expectativas irreais. “Líderes influenciados por uma mentalidade consumista cristã ferem todos os envolvidos”, aponta. “Precisamos muito menos de clientes e muito mais de cooperadores”, diz, em seu blog pessoal.

Outras pesquisas nos EUA vão além. O Instituto Francis Schaeffer, por exemplo, revelou que, no último ano, cerca de 1,5 mil pastores têm abandonado seus ministérios todos os meses por conta de desvios morais, esgotamento espiritual ou algum tipo de desavença na igreja. Numa pesquisa da entidade, 57% dos pastores ouvidos admitiram que deixariam suas igrejas locais, mesmo se fosse para um trabalho secular, caso tivessem oportunidade. E cerca de 70% afirmam sofrer depressão e admitem só ler a Bíblia quando preparam suas pregações. Do lado de cá do Equador, o nível de desistência também é elevado, ainda mais levando-se em conta as grandes expectativas apresentadas no início da caminhada pastoral pelos calouros dos seminários. “No começo do curso, percebemos que uma boa parte dos alunos possui um positivo encantamento pelo ministério. Mais adiante, já demonstram preocupação com alguns dilemas”, observa o diretor da Faculdade Teológica Batista de São Paulo, o pastor batista Lourenço Stélio Rega. Ele estima que 40% dos alunos que iniciam a faculdade de teologia desistem no meio do caminho. Os que chegam à ordenação, contudo, percebem que a luta será uma constante ao longo da vida ministerial – como, aliás, a própria Bíblia antecipa.

E, se é bom que o ministro seja alguém equilibrado, que viva no Espírito e não na carne, que governa bem a própria casa, seja marido de uma só mulher (ou vice-versa, já que, nos tempos do apóstolo Paulo não se praticava a ordenação feminina) e tantos outros requisitos, forçoso é reconhecer que muita gente fica pelo caminho pelos próprios erros. “O ministério é algo muito sério” lembra Gedimar de Araújo, pastor da Igreja Evangélica Ágape em Santo Antonio (ES) e líder nacional do Ministério de Apoio aos Pastores e Igrejas, o Mapi. “Se um médico, um advogado ou um contador erram, esse erro tem apenas implicação terrena. Mas, quando um ministro do Evangelho erra, isso pode ter implicações eternas.”

Desde que foi criado, há 20 anos, em Belo Horizonte (MG), como um braço do ministério Servindo Pastores e Líderes (Sepal), o Mapi já atendeu milhares de pastores pelo país. Dessa experiência, Gedimar traça quatro principais razões que podem ser cruciais para a desmotivação e o abandono do ministério. “Ativismo exagerado, que não deixa tempo para a família ou o descanso; vida moral vacilante, que abre espaço para a tentação na área sexual; feridas emocionais e conflitos não resolvidos; e desgaste com a liderança, enfrentando líderes autoritários e que não cooperam”, enumera. Para ele, é preciso que tanto os membros das igrejas quanto as lideranças denominacionais tenham um cuidado especial com os pastores. “Muitos sofrem feridas, como também, muitas vezes, chegam para o ministério já machucados. E, infelizmente, pastor ferido acaba ferindo”.

Quanto à responsabilidade do próprio pastor com o zelo ministerial, Gedimar é taxativo: “É melhor declinar do ministério do que fazê-lo de qualquer jeito ou por simples necessidade”. A rede de apoio oferecida pelo Mapi supre uma lacuna fundamental até mesmo entre os pastores – a do pastoreio. “É preciso criar em torno do ministro algumas estruturas protetoras. É muito bom que o líder conte com um grupo de outros pastores onde possa se abrir e compartilhar suas lutas; um mentor que possa ajudá-lo a crescer e acompanhamento para seu casamento e família e, por fim, ter companheiros com quem possa desenvolver amizades e relacionamentos saudáveis e sólidos”, enumera.

EXPECTATIVAS

Juracy Carlos Bahia, pastor e diretor-executivo da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil (OPBB), sediada no Rio de Janeiro, conhece bem o dilema dos colegas que, a certa altura do ministério, sentem-se questionados não só pelos outros, mas, sobretudo, por si mesmos. Ele lida com isso na prática e sabe que o preço acaba sendo caro demais. “Toda atividade que envolve vocação, como a do professor, a do médico ou a do pastor, é vista com muita expectativa. Quando se abandona esse caminho, é natural um sentimento de inadequação”. Para Bahia, o desencantamento com o ministério pastoral é fruto também do que entende como frustrações no contexto eclesiástico. Há pastores, por exemplo, que julgam não ter todo seu potencial intelectual utilizado pela comunidade. “Às vezes, o ministro acha que a igreja que pastoreia é pequena demais para seus projetos pessoais”, opina. Isso, acredita Bahia, estimula muitos a acumularem diversas funções, além das pastorais. “Eu defendo que os pastores atuem integralmente em seus ministérios. Porém, o que temos visto são pastores-advogados, pastores-professores, enfim, pastores que exercem outras profissões paralelas ao púlpito”, observa.

No entender do dirigente da OPBB, esse acúmulo de funções mina a energia e o potencial do obreiro para o serviço de Deus. A associação reúne aproximadamente dez mil pastores batistas e Bahia observa isso no seio da própria entidade: “Creio que metade deles sofra com a fuga das atividades pastorais para as seculares”. Contudo, ele acredita que deixar o ministério não é algo necessariamente negativo. “A pessoa pode ter se sentido vocacionada e, mais adiante na vida, por meio da experiência, das orações e interação com outros pastores, é perfeitamente possível chegar à conclusão que a interpretação que fez sobre seu chamado não foi adequada e sim emotiva”.

Quando, já na meia idade, casado e com dois filhos, ingressou no Seminário Presbiteriano do Norte (SPN), na capital pernambucana, Recife, Francisco das Chagas dos Santos parecia um menino de tanto entusiasmo. Nem mesmo as críticas de parentes para que buscasse uma colocação social que lhe desse mais status e dinheiro o desmotivou. “A igreja, para mim, é a melhor das oportunidades de buscar e conhecer meu Criador para que, pela graça, eu continue com firmeza a abrir espaço em meu coração para que ele cumpra sua vontade em mim, inclusive no ministério pastoral”, anotou em sua redação para o ingresso no SPN, em 1998. Ele formou-se no curso, foi ordenado pastor em 2003 e dirigiu igrejas nas cidades de Garanhuns e Saloá.

Hoje, aos 54 anos, Francisco trabalha como servidor público no Instituto Agronômico de Pernambuco. Ainda não curou todas as feridas e ressentimentos desde que, em 2010, entregou seu pedido de desligamento da denominação. Ele lamenta o tratamento recebido pelos seus superiores enquanto foi pastor. “Minha opinião sobre igreja não mudou. Nunca planejei um dia pedir licença ou despojamento do ministério. Mas entendo que somos o Corpo de Cristo, e, se uma unha dói, todos nós estamos doentes”, pondera. “Não é possível ser pastor sem pensar em restaurar vidas – e existem muitas vidas precisando de conserto, inclusive entre nós, pastores”.

A vida longe dos púlpitos ainda não foi totalmente sublimada e Francisco sabe bem que será constantemente indagado sobre sua decisão de deixar o ministério. “A impressão é que você deixou um desfalque, que adulterou ou algo parecido”, observa. Ele não considera voltar a pastorear pela denominação na qual se formou, porém não consegue deixar de imaginar-se como pastor. “Uma vez pastor, pastor para sempre”, recita, “muito embora as pessoas, em geral, acreditem que seja necessário um púlpito.”

Porta de saída

Pesquisa realizada nos Estados Unidos traçou um panorama dos problemas da atividade pastoral...
70% dos pastores admitem sofrer de depressão e estresse
80% deles sentem-se despreparados para o ministério
70% afirmam só ler a Bíblia quando precisam preparar seus sermões
40% já tiveram casos extraconjugais
30% reconhecem ter reduzido as próprias contribuições às igrejas após a crise financeira

... e avaliou as conseqüências disso:

1,5 mil pastores deixam o púlpito todos os meses
5 mil religiosos buscavam emprego secular no ano de 2009, mais do que o dobro do que ocorria em 2005
2 a 3 anos de ministério é o tempo médio em que os pastores deixam suas igrejas, sendo em direção a outras denominações ou não
Fontes: Barna Group, Christian Post, The Wall Street Journal, Instituto Francis A. Schaeffer e Instituto Jetro

Rebanho às avessas

A maioria dos pastores que se afastam de suas atividades ministeriais não abandona a fé em Cristo. Cada um deles, a seu modo, mantém sua vida espiritual e o relacionamento pessoal com Deus. Mas há quem saia do púlpito pela porta dos fundos, renegando as crenças defendidas com ardor durante tantos anos de atividade sacerdotal. Para estes – e, é bom que se diga, trata-se de uma opção nada recomendável –, existe a Freedom from Religion Foundation (“Fundação para o fim da religião”), entidade criada por ninguém menos que o mais famoso apologista do ateísmo da atualidade, o escritor britânico Richard Dawkins, autor do best-seller Deus, um delírio. Ele e um grupo de céticos lançaram o Projeto Clero, iniciativa que visa a apoiar ex-clérigos – pastores, padres, rabinos – no reinício da vida longe das funções religiosas. “Sacerdotes que perdem sua fé sofrem uma penalização dupla. Eles perdem seu emprego e, ao mesmo tempo, sua família e a vida que sempre tiveram”, argumenta Dawkins, no site do projeto. Não se tem notícia confiável de quantos ex-líderes aderiram ao Projeto Clero, mas parece óbvio que a ideia do refúgio ateu não é apenas abraçar sacerdotes cansados da vida religiosa, mas também engrossar o rebanho crescente daqueles que repudiam a possibilidade da existência de Deus.

Mudança difícil

Não foi uma escolha fácil. Quando o ex-pastor batista Osmar Guerra decidiu que seu lugar não era mais o púlpito, logo foi fustigado por olhares de decepção das pessoas que estavam ao seu redor e acreditavam em seu trabalho espiritual. Afinal, desde menino ele era o “pastorzinho” de sua igreja em Piracicaba, no interior paulista. Desinibido e articulado, o garoto, bem ensinado pelos pais na fé cristã, apresentava uma natural vocação para o pastorado. Por isso, foi natural sua decisão de matricular-se Faculdade Teológica Batista de São Paulo e, após os anos de estudo, assumir a função de pastor de adolescentes da Igreja Batista da Água Branca (IBAB), na capital paulista.

Começava ali uma promissora carreira ministerial. Osmar dividia seu trabalho entre as funções na igreja e as aulas de educação cristã, lecionadas no tradicional Colégio Batista. Tempos depois, o pastor transferiu-se para outra grande e prestigiada congregação, a Igreja Batista do Morumbi. Mas algo estava fora de sintonia, e Osmar sabia disso. Toda sua desenvoltura na oratória, sua capacidade de mobilização e seu espírito de liderança poderiam não ser, necessariamente, características de uma vocação pastoral. E, como dizem os jovens que ele tanto pastoreou, pintou uma dúvida: seu lugar era mesmo diante do rebanho? “Eu era um excelente animador. Mas me faltava vocação, e fui percebendo isso cada vez mais”.

O novo caminho, ele sabia, não seria compreendido com facilidade pela família, pelos amigos e pelas ovelhas. Mas ele decidiu voltar a estudar, e escolheu a área de rádio e TV. E, mesmo ali, não escapou do apelido de “pastor”, aplicado pela turma. Quando conseguiu um estágio na TV Record, percebeu que ficava totalmente à vontade entre os cenários, as produções e os auditórios. Com seu talento natural, Osmar deslanchou, e o artista acabou suplantando o pastor. Depois de pedir demissão da igreja, em 2005, ele galgou posições na emissora e hoje é o produtor de um dos programas de maior sucesso da casa, O melhor do Brasil, apresentado pelo Rodrigo Faro.

“Durante muito tempo, fiquei em crise”, reconhece hoje, aos 31 anos. “Tive medo de tomar a decisão de deixar de ser pastor. Mas, hoje, sinto-me mais confiante e honesto comigo mesmo e perante os outros”, garante. Longe do púlpito, mas não de Jesus, Osmar Guerra continua participativo na sua igreja, a IBAB, onde toca e canta no louvor. De sua experiência, ele se acha no direito de aconselhar os mais jovens. “Defendo que, antes do seminário, as pessoas busquem formação em outras áreas, ainda mais quando são novas”, diz. Isso, segundo ele, pode abrir novas possibilidades se o indivíduo, por um motivo qualquer, sentir-se desconfortável no púlpito. Contudo, ele não descarta o valor de um chamado genuíno: “Se, mesmo assim, a vontade de se tornar um pastor continuar, isso é sinal de que o caminho pode ser esse mesmo.”
http://cristianismohoje.com.br/materia.php?k=854

9 de maio de 2012

Somos pobres!



A APPI - Associação de Pastoras e Pastores da IECLB - está desencadeando uma luta pela reposição da Subsistência Ministerial defasada desde 1997 entre 70% a 80%. Em 1997 a Subsistência Ministerial com o Adicional Previdenciário estava em 9,1 salários mínimos e hoje está em 4,8 salários mínimos, deste valor já estão comprometidos de 40% a 50% para o INSS, Imposto de Renda, AMA, Reserva Ministerial, Previdência Privada e devolução, para os novos, para o Fundo de Bolsas da igreja. Sobram para viver com a família de 50% a 60% do valor recebido. A APPI está pedindo uma reposição salarial de 20% para 2013 e mais 20% em 2015. Posso muito bem imaginar as reações nos Conselhos Paroquiais onde as pessoas dirão: "Não podemos repor estas perdas salariais porque isto vai onerar demais os nossos membros, pois somos uma paróquia pobre e os nossos membros são pobres!"

Se os membros da IECLB são em sua maioria pobres, o que é de fato verdade, então a sua paróquia está fazendo um trabalho de base com estes pobres para acabar com a sua pobreza e a pobreza em geral, atacando as raízes da pobreza?

A sua paróquia está fazendo um trabalho de base com o MST - Movimento dos Sem Terra - na luta pela Reforma Agrária para que os/as filhos/as dos pequenos agricultores, que não tem condições de comprar terra para seus filhos/as, possam ser assentados no programa de reforma agrária do governo federal? Não?

A sua paróquia está fazendo um trabalho de base com o MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores - na luta pelas sementes crioulas para baixar o custo de produção no plantio e contra as sementes transgênicas que nos subordinam aos interesses das multinacionais das sementes e dos venenos? Não?

A sua paróquia está fazendo um trabalho de base com o MMC - Movimento de Mulheres Camponesas - para lutar pela igualdade de gênero, salarial e iguais condições de vida para todos e todas e pela preservação das sementes crioulas para ficarmos independentes dos interesses das multinacionais, do veneno e das sementes transgênicas, que nos exploram e ameaçam a biodiversidade? Não?

A sua paróquia está fazendo um trabalho de base com o MAB - Movimento de Atingidos por Barragens - para lutar contra a expropriação das terras dos pequenos agricultores à beira dos grandes e médios rios onde o grande capital quer construir barragens para lucrar com a venda da energia e para as grandes empresas capitalistas poderem produzir mercadorias baratas para poderem competir no mercado internacional à custa da expulsão dos pequenos agricultores de sua terra? Não?

A sua paróquia está fazendo um trabalho de base com o Movimento Sindical, tanto da cidade como no campo, para que haja preços justos para os produtos agrícolas, para que haja produtos que não ameacem a saúde dos consumidores e para que haja um salário digno para os/as operários/as e condições dignas, saudáveis e humanas de trabalho? Não?

A sua paróquia está fazendo um trabalho de base com as pessoas e organizações populares que estão organizando a economia solidária, como alternativa ao sistema capitalista? Não?

A sua paróquia está fazendo um trabalho de base com os movimentos ecológicos na luta contra o agronegócio escravocrata que quer destruir o ecossistema Amazônico, o Cerrado, o Pantanal, a Caatinga e o que resta da Mata Atlântica? Não?

A sua paróquia está fazendo um trabalho de base com a CPT - Comissão Pastoral da Terra - na luta contra o trabalho escravo, promovido pelo agronegócio, e pela reforma agrária? Não?

A sua paróquia está fazendo um trabalho de base com o MTD - Movimento dos Trabalhadores Desempregados - para que haja emprego digno e dignamente remunerado para todas as pessoas? Não?

A sua paróquia está fazendo um trabalho de base com o MTST - Movimento dos Trabalhadores Sem Teto - para que haja moradia digna para todas as famílias neste país? Não?

A sua paróquia está fazendo um trabalho de base com o movimento agroecológico pela reforma agrária, pela produção de alimentos saudáveis e contra os agrotóxicos? Não?

A sua comunidade coloca o espaço de seu pavilhão ou de sua igreja gratuitamente à disposição do MST, MPA, MMC, CPT, MTST, MTD, etc. para que possam se reunir, estudar, se organizar e lutar pelos direitos básicos de dignidade e vida plena reservados à todas as pessoas? Não?

Então eu não entendo este argumento de que a sua paróquia é pobre e que os membros da IECLB são pobres se não estão fazendo nenhum trabalho de base para acabar com a pobreza e as suas raízes encravadas no sistema econômico capitalista predador. Por que não estão fazendo um trabalho de base, com os membros pobres e não membros pobres, para acabar com as raízes da pobreza se a maioria dos membros de sua paróquia são pobres? Não lhes parece contraditório? Ou será por medo, covardia, preguiça, acomodação ou por apoiar velada e abertamente as causas da pobreza? Isto seria uma agressão ao Evangelho de Jesus Cristo.

O Concílio Geral da IECLB em 1982 já ordenou para se fazer um trabalho de base na paróquia com os pobres para acabar com a pobreza e as injustiças neste país e a sua paróquia ainda hoje, 30 anos depois, não tem nenhum trabalho de base com o movimento popular e sindical que ataque as causas da pobreza. Para relembrar a ordem deste Concílio a cito e também o que diz parte da Mensagem deste Concílio:

"Para que todos possam usufruir das dádivas do Criador, agindo responsavelmente diante delas, propomos o seguinte:
- realizar campanha de ampla informação e conscientização dos problemas agrários e urbanos:
- apoiar o agricultor na sua luta pela permanência no campo:
- assumir e defender com responsabilidade evangélica as reivindicações dos movimentos sociais, fazendo um trabalho de base com associações de bairros, atingidos por barragens, colonos sem terra, bóias-frias, sindicatos, proteção ambiental, além de inúmeras outras formas de atuação onde o amor de Deus quer se tornar vivo e real entre as pessoas."

Cito também parte das decisões deste Concílio:
"Apoio engajado e consciente ao pequeno agricultor e à pequena indústria, dentro da perspectiva de um modelo simples de vida, decorrente do próprio Evangelho. Por isso apoiar:
a) Movimentos populares, associações de bairro, órgãos de classe, sindicatos dos trabalhadores rurais, cooperativismo sadio.
b) Projeto de CAPA (Centro de Aconselhamento ao Pequeno Agricultor), LACHARES, grupos em defesa da ecologia e ambiente natural
c) Movimentos no espírito de não violência
d) As prioridades de ação da IECLB e confessionalidade luterana".

Se depois de 30 anos a sua paróquia ainda não tem nenhum trabalho de base com os movimentos sociais e sindicais que ataque frontalmente as raízes da pobreza então os seus argumentos não passam de farisaísmo demagógico e sem vergonha. Por que? Porque na verdade na sua paróquia só tem pobres no exato momento, e tão somente, enquanto se discute o orçamento da paróquia para o ano seguinte. O argumento da pobreza só existe para conseguir baixar os custos da contribuição dos membros e não há nenhuma preocupação com os pobres e com um trabalho de se acabar com a pobreza e suas raízes históricas. Após esta discussão orçamentária do final de ano no Conselho Paroquial que dura somente uma hora os pobres e a preocupação com eles desaparecem. Isto é demagogia e farisaísmo.

Não só isso, mas isto é traição ao santo Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo que ordena acolhermos as vítimas do sistema deste mundo, como está escrito claramente em Mt 25.31-46.

Pior ainda: aposto que se o/a pastor/a quisesse ou estivesse fazendo um trabalho de base com o MST, MPA, MMC, CPT, MTST, MTD, etc. a paróquia não renovaria o seu TAM e na Avaliação este/a pastor/a receberia, como conseqüência de seu trabalho com o movimento popular e sindical, a resolução de ser afastado desta paróquia porque os membros não admitem que seu/sua pastor/a faça um trabalho de base com os pobres que vá além da distribuição de roupas velhas e de alguns alimentos, como mera descarga de consciência.

Então, não me venham com esta conversa demagógica e farisaica, somente na hora de fazer o orçamento, de que a Igreja tem que olhar para os pobres, se a sua paróquia nunca olhou para os pobres, nem os acolheu, nunca se interessou pelos seus problemas e com isto os desprezou e nunca fez e nem deixou fazer nenhum trabalho de base para ajudar nas organizações dos pobres através de suas entidades de classe para em conjunto com eles lutar contra as raízes da pobreza, para acabar com a pobreza, para que haja vida abundante para todos, como Jesus diz em Jo 10.10.

Palmitos, 1° de maio de 2012.
Pastor Günter Adolf Wolff.