7 de maio de 2012

O mundo do trabalho brasileiro: Avanços, persistências e desafios

Conjuntura da Semana.
O mundo do trabalho brasileiro: Avanços, persistências e desafios

A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.

Sumário

O mundo do trabalho no Brasil
Sociedade do pleno emprego?
Indicadores salariais
Terceirização, rotatividade, doenças, acidentes
A ameaça da desindustrialização
Agenda da flexibilização volta à tona
A falácia da terceirização
Nova versão do ‘negociado sobre o legislado’?
Movimento sindical e a atual conjuntura
Sindicatos em declínio?
Fragmentação do movimento sindical
Uma agenda para o mundo do trabalho
Ganhos no 1º de maio. Apenas para a “elite operária”?


Eis a análise.

O mundo do trabalho no Brasil. Pleno emprego?

A economia e o trabalho brasileiros estão de vento em popa. O crescimento econômico, a diminuição do desemprego, o aumento real dos salários, a falta de mão de obra qualificada em alguns setores, o crescimento da chamada classe C, o aumento do consumo... são indicadores que fundamentam um sentimento generalizado de otimismo.

Otimismo manifestado pelo ministro Gilberto Carvalho nos palanques do 1º de maio ao afirmar: “Estamos felizes. No 1º de Maio na Europa, os trabalhadores estão fazendo protestos e aqui o clima é outro, de pleno emprego, economia crescendo e distribuição de renda”. Estaríamos, segundo esta visão, no último degrau da entrada no paraíso! Não que isso não seja parcialmente verdadeiro. Entretanto, esta visão um pouco ufanista pode escamotear as situações de precariedade vividas pelos trabalhadores/as no seu dia a dia. Sem negar a primeira, queremos chamar a atenção para a segunda. Senão vejamos.

1) Desemprego, informalidade x pleno emprego? É inegável a diminuição do desemprego no Brasil nos últimos anos. Como constata Clemente Ganz Lucio, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos – Dieese, “nós saímos de uma média da ordem de 22% de desemprego e estamos com uma taxa inferior a 10%. Portanto, é uma redução muito significativa do desemprego em geral, incluindo postos de trabalho formais e informais. O que tem de importante também nesse processo é que predomina a oferta de postos de trabalho assalariados, com carteira de trabalho assinada. Hoje, dependendo da região, de cada 10 postos de trabalho gerados, de 7 a 9 são formais, com carteira assinada e com sistema de proteção social vinculado”, diz ele.

Em entrevista exclusiva à IHU On-Line, dedicada ao tema do trabalho, Clemente Ganz Lucio fundamenta seu otimismo, comparando a situação atual com a década de 1990, “quando tínhamos baixíssimas ofertas de postos de postos de trabalho e nela predominavam postos informais. De cada 10, seis eram informais e quatro eram formais. Há uma mudança de qualidade em relação à carteira de trabalho e à proteção social”.

Embora outros estudiosos da área concordem, ressaltam outros elementos que nos desautorizam a falar em pleno emprego. É o caso de Fernando Augusto Mansor de Mattos, professor da Universidade Federal Fluminense também entrevistado pela revista do IHU. Segundo ele, "há muitas ocupações precárias e muito desemprego disfarçado. São aquelas pessoas que entram nas estatísticas como ocupadas, mas que, na verdade, estão em situação precária, procurando novas ocupações, percebendo rendimentos do mercado informal, e muitas vezes nem recebendo o dinheiro. (...) Há o setor informal, que está sujeito a várias intempéries e oscilações da economia ou situações fortuitas, o que não garante regular pagamento de rendimento do trabalho e também não garante o usufruto dos direitos sociais. Acredito que o Brasil ainda tem uma parcela muito expressiva de pessoas no mercado informal, embora isso tenha se reduzido. (...) Então, o Brasil ainda tem bolsões de informalidade e precariedade do mercado de trabalho...”, constata.

Também José Dari Krein, do Cesit/Unicamp, destaca a existência de alta informalidade no Brasil. “O primeiro aspecto a destacar é que há um contingente muito grande de pessoas que estão inseridas de forma bastante precária, sem proteção social e recebendo baixo rendimento. Assim, ainda temos um excedente estrutural de força de trabalho ainda por ser incorporada no mercado de trabalho”, referindo-se, por exemplo, ao elevado número de domésticas (cerca de 7 a 8 milhões), ao um terço dos trabalhadores não cobertos pela Previdência Social, ao desemprego juvenil... em nosso país.

Para Fernando de Mattos, embora a informalidade venha caindo, há formas veladas de desemprego, como aquele classificado como “oculto de trabalho precário”. O conceito de desemprego oculto “foi cunhado para designar aquela pessoa que tem algum tipo de ocupação na semana de referência das pesquisas, porém está procurando algo a mais e melhor para fazer. Essa situação é diferente daquela na qual a pessoa não tem qualquer tipo de ocupação na chamada semana de referência. Esse é o desemprego aberto. O desemprego oculto é assim nomeado pelo trabalho precário. Pensemos num jardineiro, que vai passando pelas ruas e batendo às portas pedindo o que fazer. Muitas vezes, essa pessoa consegue trabalho assim, e por isso devemos compreender que ela não tem uma ocupação, ou seja, vive uma situação de desemprego oculto pelo trabalho precário”.

Por fim, segundo o economista Márcio Pochmann, presidente do IPEA, também em entrevista à IHU On-Line, “é um equívoco usar esse termo para a realidade brasileira. A ideia do pleno emprego desenvolvida por Keynes sustenta que não significa que não haveria pessoas desempregadas, mas que a capacidade de produção da economia seria suficiente para absorver a todos os trabalhadores. Nem todos seriam empregados por várias razões: problemas de intermediação de mão de obra, por incompatibilidade de capacitação e qualificação, etc. Então, a ideia do pleno emprego pressupõe a capacidade da economia em contratar a todos, o que não é uma verdade no Brasil de hoje. Além disso, essa ideia pressupõe um mercado de trabalho estruturado, com todos assalariados. E realmente ainda temos uma parte importante dos nossos ocupados ainda informais, à margem da legislação social e trabalhista”.

Por tudo isso, não se pode realmente concordar também com a frase ufanista – “O Brasil vive em pleno emprego desde 2008” – dita pelo secretário nacional de Economia Solidária, subordinada ao Ministério do Trabalho e Emprego, Paul Singer, durante o programa Roda Viva, que foi ao ar no dia 23 de abril passado. Mesmo quando alega, em defesa da sua tese, de que “os empresários não encontram mão de obra”, o que, aliás, revela também o lugar social a partir de onde analisa.

2) Recomposição salarial x salários baixos. É inegável também que tenha havido nos últimos anos uma recomposição salarial. Mesmo com a redução do crescimento da economia, categorias profissionais com data-base para renovação de acordos e convenções coletivas nos primeiros quatro meses deste ano estão conseguindo conquistar aumentos reais de salários que chegam a superar os níveis registrados em igual período de 2011. Assim mesmo, nos encontramos em patamares ainda anteriores a 1980, ao considerarmos a participação dos salários no PIB, segundo os dados reportados por Márcio Pochmann em sua entrevista. “Em 1980, os salários respondiam por 50% da renda nacional. E em 2000 os salários começaram a responder por 38% da renda nacional. (...) Hoje estimamos que em torno de 46% da renda nacional seja formada por salários”.

Isso acontece porque os postos de trabalho ofertados são de baixa remuneração: são, em sua maioria, de até dois salários mínimos. “Mais de 90% das ocupações criadas nos anos 2000 é de até 1,5 salário mínimo”, precisa Dari Krein. Essa situação é ainda mais grave tendo-se presente que “o salário mínimo é ainda um forte referencial para os trabalhadores (47 milhões deles recebem este valor). Apesar dos aumentos conquistados nos últimos anos, ele ainda está muito longe do que prevê a constituição federal. Seu valor atual é de R$ 622,00, enquanto o Dieese prevê o valor de R$ 2.323,21, ou seja, quatro vezes menor do que deveria ser”, denuncia a Mensagem da Pastoral Operária Nacional por ocasião do Dia dos Trabalhadores e das Trabalhadoras.

Portanto, apesar da elevação recente, os salários no Brasil continuam muito baixos e a renda é muito desigual.

3) Terceirização. A terceirização é um fenômeno em crescente expansão no Brasil. E ele contribui fortemente para a precarização do trabalho. “A terceirização se expressa de forma muito diferenciada de um segmento para outro. A Petrobras tem quase 300 mil trabalhadores terceirizados e 70 mil efetivos. Então, para cada trabalhador efetivo, há quatro trabalhadores terceirizados. Os terceirizados atuam em várias áreas, desde serviços de apoio, área administrativa, até em áreas que não são passíveis de terceirização. A Vale do Rio Doce também tem um número expressivo de terceirizados. No setor bancário, há uma vastidão de trabalhos realizados por esses funcionários. As casas lotéricas, que hoje prestam serviços bancários, também são uma forma de terceirização”, relata Marilane Teixeira, doutorado em Economia Social na Universidade de Campinas – Unicamp e que atua como assessora técnica da Confederação Nacional do Ramo Químico – CNQ, em entrevista especial à IHU On-Line.

A terceirização é responsável, segundo Marilane Teixeira, por salários de entre 40% a 60% menores que os seus colegas não terceirizados, realizando as mesmas tarefas. Além disso, cria discriminações entre os próprios trabalhadores. “Há um volume bastante grande de trabalhadores que são contratados por empresas terceiras, muitas vezes com o objetivo primeiro de redução de custos, o que rebate sobre os salários e condições de trabalho nas empresas que prestam serviços para outras”, analisa Clemente Ganz Lucio.

“A terceirização fragmenta e cria uma segunda categoria de trabalhador, ou seja, o terceiro é um trabalhador de segunda categoria: menos qualificado e está mais submetido a um processo de rotatividade. Os terceirizados precisam trabalhar três anos para contribuir doze meses com a previdência por conta da rotatividade a que estão submetidos”, avalia Marilane Teixeira.

Com relação à terceirização, vale destacar que há um Projeto de Lei (de Sandro Mabel), que já foi aprovado pelo Congresso, com vistas a regulamentar a terceirização. Entretanto, analisando a composição do Congresso e a força de pressão do movimento sindical, é de se temer a orientação que essa lei poderá ter. Retornaremos a esse tema.

4) Rotatividade. O Brasil tem uma das taxas de rotatividade no trabalho mais altas do mundo. A mobilidade é tanta que 62,82% dos trabalhadores sem carteira assinada mudaram de posição em um período de apenas 12 meses, segundo estudo inédito do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV). Os trabalhadores por conta própria — cuja atividade é, na maior parte das vezes, precária — vêm em seguida, com rotatividade de 31,85%. Apesar do vínculo e dos benefícios, os funcionários com carteira assinada demonstram um pouco mais de estabilidade no emprego, mas, ainda assim, apresentam taxa considerada acima do aceitável: 17,47%.

A alta rotatividade, no entanto, não é exclusividade dos sem carteira de trabalho. Um estudo feito pela Universidade de Brasília (UnB), baseado em dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego feita anualmente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) referentes ao Distrito Federal e à região metropolitana de São Paulo entre 1992 e 2006, revela que metade dos trabalhadores brasileiros do setor privado que têm carteira assinada fica menos de dois anos no emprego.

As razões são diversas e algumas vezes não negativas: demissões, más condições de trabalho e de salário, obtenção de um emprego melhor...

5) Acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. A integridade física do trabalhador brasileiro está em perigo. Diariamente está exposto a múltiplas situações que atentam contra o seu corpo. As condições precárias de trabalho acidentam anualmente cerca de 500.000 trabalhadores, chegando a 2.500 mortos. Algumas categorias são mais expostas que outras a diferentes tipos de acidentes.

Por exemplo, na construção civil, entre janeiro e outubro de 2011, pelo menos 40.779 trabalhadores foram vítimas de acidentes graves de trabalho, dos quais 1.143 morreram, segundo o Ministério da Saúde. O número é 10% maior que em igual período do ano passado (37.035). O estudo reconhece que os acidentes são mais frequentes entre os trabalhadores terceirizados. No setor sucroalcooleiro do Estado de São Paulo, em 2005, morreram 416 trabalhadores.

Um estudo bem recente dá conta de que pelo menos de 20 mil a 25 mil casos de câncer registrados todos os anos estão relacionados à ocupação do paciente. O levantamento do Instituto Nacional do Câncer (Inca) lista 19 tipos de tumores malignos – entre os de pulmão, pele, fígado, laringe e leucemias – que podem ser provocados pela exposição a produtos químicos e falta de equipamentos de segurança adequados.

6) Desindustrialização. Outro fator que apresenta implicações para o mercado de trabalho brasileiro diz respeito à desindustrialização. Os melhores salários encontram-se na indústria de bens manufaturados, é nesse setor que as categorias de trabalhadores e os seus sindicatos conquistam convenções coletivas mais avançadas, o que "puxa" a pauta de reivindicações do conjunto dos trabalhadores "para cima".

Estima-se que o peso da indústria de transformação na economia nacional já foi na ordem de 30% nos anos 70 e hoje estaria na ordem de 20% nas avaliações mais otimistas. Proporcionalmente ao encolhimento da indústria junto ao PIB brasileiro, assiste-se ao crescimento da economia baseada em produtos primários, a denominada commoditização ou ainda reprimarização da economia, com o avanço do agronegócio e da mineração. A pauta de exportações brasileira é feita, sobretudo, de produtos básicos, de commodities e mercadorias de baixa tecnologia, por outro lado, cresce a pauta de importação de bens manufaturados.

Economia desindustrializada significa perda de competitividade no mercado internacional. É na indústria de transformação que se desenvolve pesquisa e tecnologia o que possibilita ganhos para o conjunto da economia de um país.

A preocupação com a crescente desindustrialização fez com que o governo anunciasse recentemente o plano Brasil Maior - um conjunto de medidas para frear a perda de competitividade da industria nacional e preservar empregos.

Agenda da flexibilização volta à tona

As tentativas de flexibilização do mundo do trabalho persistem. Vira e mexe, retornam propostas que sob o argumento de gerar mais empregos precarizam e flexibilizam as relações de trabalho. Desde os anos 80, particularmente nos anos 90, assistiu-se a uma ofensiva do capital frente ao trabalho que se manifestou no trinômio flexilibilização, terceirização e precarização.

Nos anos dourados do neoliberalismo no Brasil as tentativas de desregulamentar direitos dos trabalhadores foram sistemáticas. O argumento, o mesmo utilizado agora na Europa, era o de que para superar a crise e reaquecer o mercado de trabalho fazia-se necessário reduzir os custos do trabalho e deixar frente a frente trabalhadores e capital sem a interferência do Estado. A partir desse argumento uma série de mecanismos foi introduzida com o objetivo de ampliar o poder do empregador e suas condições de uso, contratação e remuneração do trabalho.

Viu-se a proliferação de modalidades que permitem contratos temporários, intermitentes, especiais, atípicos; mecanismos que facilitam a demissão; mecanismos de flexibilização da jornada de trabalho como banco de horas, trabalho aos domingos, hora extra e mecanismos de remuneração variável como a PLR.

O fato incontestável é que a flexibilização e a desregulamentação não melhoraram o mercado de trabalho. Márcio Pochmann em entrevista exclusiva para a revista IHU On-Line afirma que hoje “temos o reconhecimento de que as teses neoliberais dos anos 1990 estavam equivocadas”. Segundo ele, “as teses diziam que a CLT era um anacronismo, um obstáculo para as gerações de postos de trabalho e que a indústria não geraria mais emprego no Brasil. Sem falar que os direitos sociais trabalhistas eram considerados um impeditivo ao avanço da ocupação no Brasil”. No entanto, afirma Pochmann, “o país voltou a gerar empregos assalariados”.

O que melhora o mercado de trabalho não é a flexibilização e desregulamentação de direitos, mas sim o aquecimento da economia. O discurso da flexibilização e desregulamentação esconde os interesses do capital em reduzir a remuneração que cabe ao trabalho.

A falácia da terceirização

O debate da flexibilização e desregulamentação retornou a agenda do mundo do trabalho. Tramita no Congresso o projeto de Lei 4.330 que pretende regularizar o mecanismo da terceirização. O discurso do capital é que a terceirização propicia maior liberdade para a contratação da mão-de-obra, reduz custos e, como contrapartida, gera mais empregos. Por outro lado, o mesmo capital quer com a regularização da terceirização a adoção de mecanismos que anulem ações trabalhistas.

Na opinião dos sindicatos, a terceirização precariza as condições de trabalho, aumenta número de acidentes e adoecimentos, reduz salários, amplia a jornada de trabalho, aumenta a rotatividade e desrespeita direitos trabalhistas. Os trabalhadores terceirizados, dizem os sindicatos, sofrem ainda com os empecilhos à criação de identidades coletivas nos locais de trabalho.

Na opinião da pesquisadora Ana Tércia Sanches em entrevista a revista IHU On-Line, o projeto de Lei 4.330 “representa uma ameaça aos direitos que os trabalhadores construíram ao longo desses anos, que foi consolidado tanto na CLT como também nos acordos coletivos de trabalho que as categorias mais organizadas conquistaram”. Segundo ela, “é certeza que, se nós tivermos uma lei que prevê a terceirização em qualquer tipo de atividade, seja ela fim ou meio, vamos conseguir fazer ruir esse processo. Se nós quisermos ser mais rigorosos, podemos dizer que esse projeto do deputado Mabel destrói a CLT”.

A pesquisadora cita um exemplo: “Os trabalhadores terceirizados trabalham em empresas, em que a taxa de rotatividade é extremamente elevada. Ela consegue ser o dobro ou o triplo do que se vê em rotatividade de outras empresas que são constituídas nos diversos setores da economia. Isso significa dizer que o trabalhador terceirizado está a todo o momento alterando seu posto de trabalho, pois ele precisa de emprego. E, muitas vezes, o que acontece é que ele trabalhou em uma empresa, mas não conseguiu gozar férias e acaba automaticamente entrando em outra empresa, porque ele precisa se manter empregado. Quando faz isso, ele deixa de exercer o direito que possuía, que era o de férias. Além disso, abandona o direito de recolher os encargos para o fundo de garantia e perde o do décimo terceiro salário”.

Segundo Ana Tércia, “os empresários, toda vez que pensam em terceirização e na revisão da CLT, usam um falso discurso, que é o da modernidade”. Para ela, esse discurso normalmente vem acoplado à ideia de que a terceirização gera emprego: “Tudo isso é mentira e não se sustenta nem técnica nem empiricamente, tampouco pelas estatísticas. Essa é uma reforma trabalhista às avessas porque é o contrário do que os empresários dizem, de que é moderna, que gera mais empregos”.

O mesmo pensa Miguel Pereira, secretário de Organização da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT). Segundo ele “a terceirização foi ‘vendida’ à sociedade como algo moderno para a organização e divisão do trabalho, que gera postos de trabalho, que ajuda na especialização do trabalho, e por tudo isso é irreversível. Tudo mentira”, diz ele.

De acordo com o sindicalista na entrevista à IHU On-Line, “a disputa para aumentar a lucratividade e a produtividade, que é apropriada por poucos, em detrimento da geração de postos de trabalho melhores, com menor rotatividade, com menos mortes, etc., constitui um debate que é uma falácia. Os empresários buscam mesmo é redução dos custos com a mão de obra e todos os estudos, dados e informações minimamente sistematizadas apontam para todo tipo de precarização”.

Segundo Ana Tércia, a terceirização “é uma reforma que, pelas medidas que podem ser tomadas pelas empresas e pela forma de gerir o capital (fazer gestão das organizações através da terceirização), consegue atender aos interesses dos empresários, visando redução de custos, mas fazendo isso a custa dos trabalhadores, porque as margens de lucro se mantêm bastante elevadas”. Então, diz ela, “o que vemos é um favorecimento dos empresários, que conseguem ter mais acúmulos de poder, rentabilidade e lucratividade, em detrimento dos trabalhadores, que empobrecem”, afirma.

A pesquisadora acrescenta ainda que “se for aprovada a terceirização, nós também teremos um cenário ruim, que não é apenas para os trabalhadores. É para a sociedade em seu conjunto, porque se são rebaixados os custos da composição de um produto e de um serviço pela força de trabalho, também será atingida a qualidade dos serviços ofertados”.

Nova versão do ‘negociado sobre o legislado’?

De forma discreta e pouco comentada, avança a criação de uma figura nova na legislação trabalhista denominada de Acordo Coletivo Especial. O tema teria sido objeto de conversas entre o secretário Geral da Presidência da República Gilberto Carvalho e sindicalistas no 1º de maio. A proposta vem sendo gestada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e tem como objetivo estabelecer acordos coletivos entre sindicatos e empresas para adequação de situações específicas não previstas em leis ou mesmo para alterar acordos feitos. Ou seja, um mecanismo que permitiria negociações entre cada empresa e seus trabalhadores.

Apenas estarão habilitados para tal negociação, os sindicatos que possuírem uma espécie de “comitê de fábrica” composto de no mínimo dois e no máximo trinta e dois membros. A proposta, portanto, teria como contrapartida a organização sindical no local de trabalho.

Segundo o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, o projeto vai permitir que sindicatos e empresas possam negociar, entre outras coisas, por exemplo, a divisão das férias em três períodos, o que hoje é proibido na iniciativa privada ou a redução do descanso de uma hora dos trabalhadores para almoço para 45 minutos, com alguma compensação e a volta gradual das mães ao trabalho após a licença-maternidade, com um período de meio expediente até completar os seis meses.

Embora não tenha esse objetivo, a proposta pode acabar servindo de cunha para o retorno do princípio em que o negociado prevalece sobre o legislado – uma iniciativa apresentada pelo governo Fernando Henrique Cardoso e que tinha o claro objetivo de flexibilizar a CLT. A diferença é que o projeto atual fixa parâmetros mais rígidos para que isso ocorra, como a exigência de que os sindicatos tenham habilitação prévia do Ministério do Trabalho e instalem comitês dentro das fábricas, eleitos pelos trabalhadores e que farão a negociação direta.

“As relações de trabalho no Brasil estão sujeitas a uma legislação extensa e detalhada, nem sempre adequada à realidade dos trabalhadores e das empresas”, diz a exposição de motivos da proposta. O projeto vem sendo costurado pelo ministro Gilberto Carvalho (secretário da Presidência da República) e aguarda o aval dos técnicos da Casa Civil ao texto final para ser enviado ao Congresso.

A proposta é interessante para sindicatos fortes, com forte representação e organização no local de trabalho. O risco é que o Acordo Coletivo Especial acabe migrando para outras categorias de fraca representação e abram precedentes para a derrogação, redução ou flexibilização de direitos.

Movimento sindical e a atual conjuntura

Sindicatos em declínio?

O movimento sindical sempre exerceu um protagonismo importante na sociedade brasileira. Mesmo antes da formação tardia do capitalismo brasileiro, os sindicatos já exerciam um forte papel na conjuntura do país. A modernização da sociedade brasileira só fez aumentar a importância dos sindicatos. No período Vargas, mesmo sob a tutela do Estado, os sindicatos tiveram destacado papel nas tensões que se produziram na conjuntura da época.

Recentemente, foi um dos principais atores no processo da ruptura com o regime autoritário a partir das grandes mobilizações do final dos anos 70 e uma das principais forças de resistência ao modelo neoliberal implementado a partir dos anos 90. Nessa mesma década, ao lado de outras forças sociais, catapultou a candidatura operária de Luiz Inácio Lula da Silva, egresso do movimento sindical, à presidência da República.

A reconstituição da história da sociedade brasileira não pode ser vista e interpretada sem o movimento sindical. Ultimamente muito se fala do declínio dos sindicatos, da perda de sua força e influência sobre a conjuntura socioeconômica e política. A realização do 1º de maio nos últimos dias é revelador da perda da força dos sindicatos e do seu poder de mobilização. As mobilizações massivas ficaram condicionadas ao uso do artifício de shows e distribuição de prêmios.

O propósito aqui não é fazer uma análise da história, contradições, contribuições e limites do movimento sindical. Apenas, e tendo presente, a análise anterior abordar brevemente como tem se comportado e pautado o movimento sindical na atual conjuntura. Para essa análise referenciamo-nos na entrevista do pesquisador e professor José Dari Krein do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho – CESIT/Unicamp concedida à revista IHU On-Line que tem como tema central “As mutações do mundo do trabalho. Desafios e perspectivas”.

Corroborando a análise da perda da influência dos sindicatos junto à sociedade, Dari Krein afirma que “o sindicalismo não recuperou o seu protagonismo na sociedade brasileira, no sentido de influir de forma mais decisiva em colocar na agenda nacional as reivindicações de interesse dos trabalhadores”. Segundo ele, apesar dos avanços visíveis em torno do aumento salarial, os sindicatos “não conseguiram mobilizar a sociedade em torno da bandeira da redução da jornada de trabalho”, e as “principais conquistas ocorreram não pela capacidade de mobilização, mas pela relação mais próxima com o governo”.

Na análise do pesquisador do Cesit, “por um lado, os sindicatos obtiveram algumas conquistas, especialmente nas negociações salariais, o que deve aumentar a sua representatividade junto aos trabalhadores de base de representação em relação às questões mais corporativas”. Ou seja, diz ele, “os sindicatos estão conseguindo colocar mais dinheiro no bolso de seus representados”.

Mas, alerta Dari Krein, “fortalece-se nas ações corporativas, levando a defender bandeiras que são bastante problemáticas para pensar uma sociedade mais justa e equitativa e um Estado com capacidade de desenvolver políticas universais, tais como a luta recente pela isenção do imposto de renda para o bônus recebido em forma de PLR (Participação nos Lucros e Resultados)”. De acordo com ele, se trata de “uma bandeira que pode levar os trabalhadores nos setores mais organizados a ter mais dinheiro no bolso, mas prejudica a sociedade na perspectiva de construir políticas universais e gerais para toda a população”, afirma.

Por outro lado, diz o professor da Unicamp, “o sindicalismo não recuperou o seu protagonismo na sociedade brasileira, no sentido de influir de forma mais decisiva em colocar na agenda nacional as reivindicações de interesse dos trabalhadores” e cita como exemplo a luta pela redução da jornada de trabalho: “Os sindicatos não conseguiram mobilizar a sociedade em torno da bandeira da redução da jornada de trabalho. Algumas categorias conseguiram reduzir a jornada de trabalho, mas a campanha pública pelas 40 horas semanais, que era a grande bandeira dos centrais sindicais há dois anos, não está na agenda política”, diz Dari Krein.

Na análise do pesquisador, “se olharmos do ponto de vista das centrais sindicais, as principais conquistas ocorreram não pela capacidade de mobilização, mas pela relação mais próxima com o governo”. Em sua análise, entre as conquistas, na aproximação com o governo destaca-se a política de valorização do salário mínimo: “Sem dúvida nenhuma, do ponto de vista social, da distribuição de renda, do combate à pobreza, essa foi a principal política pública brasileira no período recente. Até, porque, boa parte das políticas de transferência de renda e de seguridade social está vinculada ao salário mínimo”.

Fragmentação do movimento sindical

Um dos fatores que dificulta uma ação mais contundente do movimento sindical brasileiro é a sua fragmentação. A divisão do movimento sindical em varias centrais está relacionada a concepções diferenciadas de enxergar o papel dos sindicatos ou, mesmo, a interesses da manutenção do poder político de determinados dirigentes.

Prova da grande fragmentação e disputa por espaço entre as centrais manifestou-se faz poucos dias com a indicação do novo ministro do trabalho. Logo após a indicação começou a disputa pela indicação dos postos chaves no ministério.

Existem atualmente cinco centrais sindicais formalmente reconhecidas, que conseguiram atingir os critérios que lhe garante exercer as prerrogativas sindicais e ter acesso ao imposto sindical. Alem disso, existem outras, entre as quais podem ser destacadas a CSP/CONLUTAS e as Intersindicais.

O pesquisador do Cesit, José Dari Krein em sua entrevista à IHU On-Line faz uma breve apresentação das centrais e dos seus interesses:

Força Sindical: “Do ponto de vista político, tem uma aproximação maior com o PDT, mas possui correntes vinculadas a outros partidos políticos. A caracterização da Força Sindical não se dá pela sua vinculação político-partidária, apesar de o PDT ser um partido mais de esquerda e de ter um certo legado do trabalhismo brasileiro. A Força Sindical é absolutamente pragmática. A característica fundamental da sua origem é ser oriunda do chamado sindicalismo de resultados em que não questiona o sistema capitalista, mas busca, de uma forma muito pragmática, meios para conseguir colocar mais dinheiro no bolso do trabalhador. Com o tempo, a Força Sindical passou a adotar uma postura muito centrada na figura de seu presidente. Em alguns momentos critica a economia, faz alianças com outros setores empresariais em nome da preservação do emprego, depois defende o governo, e disputa o controle do Ministério do Trabalho”.

Nova Central Sindical dos Trabalhadores - NCST: “Não tem uma vinculação política partidária clara. É formada por vários partidos diferentes. O que a caracteriza é o fato de ter sido constituída em 2005 com a finalidade de defender a estrutura sindical existente no país, defender o legado da CLT, tanto do ponto de vista dos direitos existentes como do ponto de vista da estrutura sindical. Está baseada fortemente nas estruturas oficiais federais. O seu presidente, por exemplo, preside também a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria. O trabalho fundamental dela é defender a atual Estrutura Oficial”.

União Geral dos Trabalhadores - UGT: tem tendências internas na sua composição, oriundas dos grupos que a compuseram (PPS, que é a antiga unidade sindical, CGT e dissidência da Força Sindical). A unidade da UGT ocorreu para para viabilizar uma central sindical que pudesse preencher os critérios de representatividade exigidos pela lei que cria as centrais sindicais. A sua concepção é bastante aberta. O seu presidente é filiado ao PSD (partido do Kassab).

Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil - CTB: “Surgiu de um racha na CUT. Sua principal influência é dada pelo PCdoB. Está crescendo no cenário nacional em aliança com setores que não têm uma concepção mais próxima do sindicalismo oficial, como a Federação dos Trabalhadores da Cultura do Rio Grande do Sul. O que a diferencia em relação à CUT é a sua visão sobre a estrutura sindical, pois ela é favorável ao imposto sindical e defende o princípio da unicidade e apresenta a estratégia de construir uma política de maior unidade entre as diferentes centrais sindicais”.

Central Única dos Trabalhadores - CUT: “É a principal central sindical brasileira. Boa parte das principais greves e lutas ainda é desenvolvida por ela. A partir de 2011 está buscando construir uma estratégia de reafirmar suas bandeiras históricas e se diferenciar das outras centrais. Mantém uma concepção classista, apesar de parte de sua bela estar praticando um velho sindicalismo. Também tendo preso nos principais setores econômicos”.

O pesquisador do CESIST/Unicamp destaca ainda as “centrais” CSP/CONLUTAS e a Intersindical (Instrumento de Luta e Organização da Classe, 2006). Segundo ele, “são dois agrupamentos que saíram da CUT, em função do posicionamento desta em relação ao governo Lula. São organizações mais a esquerda e com um posicionamento de transformação mais radical da sociedade. A Intersindical rachou em dois agrupamentos. Uma parte (mais próxima de algumas correntes do PSOL) tentou fazer uma negociação para se unificar com o CONLUTAS, mas ele não concretizou, pois houve racha no congresso chamado para esse fim em 2010. A outra continuou com o propósito de ser uma articulação de sindicatos sem a pretensão de ser e constituir uma central sindical”.

Depois, continua o pesquisador, “tem o Conlutas, que mudou o nome para Central Sindical Popular – CSP/CONLUTAS, após tentativa frustada de unificação com parte da Intersindical. O CSP/Conlutas é hegemonizada pelo PSTU, mas o CSP/Conlutas não tem o número mínimo de sindicatos para ser reconhecido formalmente como central sindical, de acordo com a lei brasileira. De todo modo, é uma organização que tem sua base principal no setor público federal. Ela tem como estratégia diferente em relação a todas as outras centrais, pois aglutina na mesma organização não somente a sua base sindical, mas também os movimentos sociais e estudantis”.

Existem outras centrais sindicais que não são expressivas, destaca Dari Krein, “tais como CGTB - Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (1983), que rachou recentemente e vai perder o acesso aos recursos do imposto sindical, a CSP – Central Sindical de Profissionais e a UST - União Sindical dos Trabalhadores”.

Conclui o pesquisador do Cesit: “É importante destacar a existência de pluralismo na cúpula sindical, em que as diferenças de concepção sindical são pouco demarcadas e muitas vezes tem relação mais com projetos dos dirigentes que estão a sua frente e estratégia de agrupamentos políticos para buscar ter alguma base entre os trabalhadores”.

Uma agenda para o mundo do trabalho

Indagado sobre quais poderiam ser as prioridades de uma agenda sindical no atual momento, José Dari Krein afirma que pensando na perspectiva do mercado de trabalho, “a primeira questão a destacar é que as ocupações a serem geradas têm relação direta com o modelo de desenvolvimento social e econômico que o país for adotar. Um modelo econômico baseado no agronegócio tende a criar postos de trabalho de baixos”.

Portanto, diz ele, a agenda do trabalho está diretamente vinculada com o debate sobre os projetos de país. Nesse sentido, o pesquisador destaca quatro desafios:

1) A capacidade de gerar ocupação em setores com maior grau de complexidade do ponto de vista tecnológico, o que implica investimento em ciência e tecnologia e uma política ativa na forma de inserção do país na globalização, preservando e estimulando certos setores;

2) Adoção de políticas que de fato desenvolvam, por exemplo, a saúde e educação, saneamento, sistema de transporte coletivo etc, para superar o grande gargalo da atual infraestrutura física e social;

3) Favorecer um crescimento sustentável do ponto de vista ambiental, não é possível pensar o futuro sem considerar a dimensão ecológica;

4) A promoção da inclusão social. Um modelo de desenvolvimento com essas características tende a gerar pontos de trabalho de maior qualidade.

O pesquisador destaca também a importância da retomada da luta sobre a redução da jornada de trabalho. Segundo ele, “pelo progresso técnico há um aumento progressivo da capacidade de produzir bens e serviços com um número menor de pessoas, o que coloca a necessidade de redistribuir o trabalho útil na sociedade, acompanhada de uma redefinição no padrão de consumo e das formas de sociabilidade. Na mesma linha, é importante discutir formas de retardar a entrada de jovens no mercado de trabalho, proporcionando uma escola de qualidade”.

O professor chama ainda a atenção para o desafio do movimento sindical “resistir às iniciativas de flexibilização – vistas anteriormente -, que tende a gerar maior precarização, tais como o projeto em discussão no Congresso de regulamentação da terceirização, que se for aprovada nos termos que se encontra será um grande retrocesso na legislação social e trabalhista no país”.

Por último, afirma o pesquisador do Cesit “não existe sociedade democrática sem a presença sindical. Portanto, é importante ter uma agenda que contribua para o fortalecimento dos/as trabalhadores/as no Brasil, especialmente introduzindo mecanismos contra a dispensa imotivada, o direito de organização sindical no local de trabalho e estimule a existência de sindicatos representativos e fortes”.

Ganhos no 1º de maio. Apenas para a “elite operária”?

Nos palanques do 1º de maio, tanto da CUT como da Força Sindical, o secretario Geral da Presidência da República Gilberto Carvalho – que faz a ponte entre o governo Dilma Rousseff e o movimento social – apresentou um “mimo” para o movimento sindical: a isenção de Imposto de Renda (IR) sobre a Participação sobre os Lucros e Resultados (PLR) paga aos trabalhadores com carteira assinada.

Os sindicalistas cobram a isenção do imposto para os valores até R$ 20 mil, o governo oferece uma isenção para as PLRs de até R$ 11 mil. De acordo com as centrais, a maior parte das PLRs distribuídas pelas empresas no Brasil está entre R$ 6 mil e R$ 12 mil. Os trabalhadores, entretanto, que recebem PLR são poucos e pertencem as categorias mais organizadas, com maior poder de mobilização e pressão como metalúrgicos, petroleiros e bancários.

Por ora, o “presente” do 1º de maio – ainda não confirmado - para os trabalhadores é para parcela pequena e inclui apenas a “elite operária” do país.

O mecanismo da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) é uma relativa "novidade" no mundo do trabalho brasileiro. A PLR foi regulamentada no começo do Plano Real, em 1994. Segundo o pesquisador do Cesit/Unicamp, José Dari Krein, sua adoção serviu para: 1) ajudar a viabilizar a subordinação da remuneração ao plano de estabilização dos preços, oferecendo uma válvula de escape a possíveis pressões por melhoria nos vencimentos, sem que implicasse a concessão de reajuste salarial e, 2) introduzir a remuneração variável, dentro de um projeto de flexibilização das relações de trabalho coadunado com a lógica liberal hegemônica nos anos 90.

Desde o início a PRL se tornou interessante para as empresas e para os trabalhadores. Para as empresas, o programa foi uma forma de tornar a remuneração variável de acordo com o seu desempenho, de estimular o aumento da produção e da produtividade e de reduzir custos, principalmente porque a PLR não incide sobre os direitos trabalhistas e tampouco representa percentagem a ser nominalmente acrescida ao salário. Trata-se de um bônus pontual.

Além disso, destaca Krein, "a PLR também passa a ser utilizada como elemento da política pessoal da empresa, envolvendo estratégias organizativas e de negócios, em que a remuneração variável torna-se um fator de engajamento e de compromisso com os objetivos da empresa - no linguajar empresarial significa "vestir a camisa’ do time".

A PRL se tornou sedutora para os trabalhadores que veem a possibilidade de um ganho rápido e imediato. A PRL ganhou tal importância que hoje mobiliza mais do que as próprias campanhas salariais, como destacou o sindicalista Anselmo Ruoso em uma entrevista ao IHU: "Hoje, chegamos a um absurdo, porque existem trabalhadores que ganham numa PRL mais do que ganhariam o ano inteiro de salário; é a remuneração variável dominando. Como é que se controla isso? Fica complicado, ainda quando a inflação está beirando 4% ao ano. Entre os trabalhadores, qual é a escolha? Receber um montante - que são doze meses de salário dele - ou ficar fazendo greve por 2% ou 3% de aumento? Hoje, é muito mais fácil fazer uma greve pela PRL do que uma greve por um reajuste salarial. Chegou-se a esse absurdo".

Nesta perspectiva, a PRL significa um ganho "ilusório", que se esvaí e não se incorpora aos ganhos reais e duradouros, porém dado o seu volume a ser percebido de uma vez só seduzem os trabalhadores e os mobilizam intensamente.

Por outro lado, e esse é o seu caráter mais perverso, a PRL é para poucos e redunda em "elitização" e apartação de determinadas categorias em relação as demais, principalmente aquelas que se encontram na economia de serviços e/ou possuem fraca representação sindical. Numa mesma planta industrial, por exemplo, de uma automotiva ou refinaria, ganha a PRL apenas os trabalhadores contratados da empresa, os terceirizados que ganham bem menos não são contemplados. A PRL do ponto de vista de classe é desagregadora.

Nessa perspectiva, é triste perceber que a elite sindical brasileira tenha jogado peso numa bandeira que não é de toda a classe trabalhadora.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/509211-conjuntura-da-semana-o-mundo-do-trabalho-brasileiro-avancos-persistencias-e-desafios

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