O povo de Israel confessava sua fé recordando a história de
Deus com seu povo, conforme Dt 6.20-23. A própria confissão de fé é um relato
histórico, pois nosso Deus é um Deus que age no processo histórico da luta de
classes em andamento para acabar com a luta de classes, acabando com a
sociedade de classes e construindo uma sociedade sem classes sociais. Isso podemos
ver em Js 6-8. O povo cristão confessa a sua fé (pelo Credo Apostólico, Niceno
e outros) recordando e confessando que ele faz parte do processo histórico
insurgente da construção de uma nova sociedade não classista que é o Reino de
Deus. Esta é a mística que nos conduz na participação no processo
revolucionário da construção coletiva do Reino de Deus. A fé em Jesus Cristo a
partir de Pentecostes construiu um processo coletivo de resistência frente à
sociedade de classes da época que o povo chamou de Igreja, uma assembleia, um processo
coletivo, do povo de Deus para participar comunitariamente da construção do
Reino de Deus, se insurgindo contra e revolucionando a velha sociedade de
classes no sentido de eliminar as bases das relações de dominação e de
exploração de classe, que é a propriedade privada dos meios de produção e o
Estado. Foi o Estado, aliado à Religião, que assassinou a Jesus Cristo e a
milhares de cristãos no Império Romano; e foi o Estado e seus mantenedores
capitalistas, no campo e na cidade, que assassinaram milhares de pessoas no
processo de construção das ditaduras a serviço do imperialismo estadunidense
nos anos 60 a 80 no mundo; e o mesmo Estado que não viabiliza a justiça frente às
perseguições e os assassinatos dos pobres e lutadores/as do povo de hoje que
lutam para impedir a apropriação dos bens da natureza e da produção coletiva
pelo capital.
Toda celebração do povo de Deus estava ancorada no processo
histórico da luta de classes no processo histórico de acabar com a sociedade de
classes. O culto estava sempre embasado e partia de fatos históricos. Culto de
ritos e embasado em ritos da natureza somente é culto pagão. A base do culto
cristão é o processo histórico de lutas por justiça e paz (Rm 14.17) na qual a
comunidade está inserida na caminhada para construir uma nova sociedade que Jesus
Cristo chama de Reino de Deus.
Culto cristão está ancorado no processo na qual a Ceia do
Senhor se insere, que é a luta pelo Reino de Deus, uma nova sociedade não
classista e não capitalista onde não existe mais a propriedade privada dos
meios de produção e consequentemente não existe mais o Estado, que tem a função
de defender os interesses da classe economicamente dominante. Quando celebramos
a Ceia do Senhor estamos confessando que estamos inseridos no processo
insurgente e revolucionário do Reino de Deus que possibilita comida e bebida
para todos, o que requer uma sociedade não classista onde não haja mais o
controle privado sobre os meios de produção. A Ceia do Senhor lembra o processo
histórico da inserção de Javé a partir da classe camponesa, materializado
historicamente no camponês artesão sem terra marginal Jesus de Nazaré, para
revolucionar a sociedade em direção ao Reino de Deus. Comer o corpo e beber o
sangue de Cristo na Ceia é incorporar e assimilar fisicamente o projeto de Jesus
Cristo, o Reino de Deus; é incorporar fisicamente a insurgência revolucionária
do Reino de Deus na luta contra a sociedade de classes existente hoje, o
capitalismo, que é o oposto do projeto do Evangelho de Jesus Cristo.
Celebrar a Ceia do Senhor sem apontar para a utopia
revolucionária do Reino de Deus, uma sociedade não capitalista e não classista,
é minimizar a Ceia e reduzi-la ao mero rito individual, descomprometido do
processo revolucionário coletivo que ela propõe. Individualizar somente a
participação na Ceia do Senhor sem se sentir inserido no conjunto do processo
histórico da revolução do Reino de Deus é reduzir a Ceia a um mero rito
religioso, que nos leva à condenação (1 Co 11.28 Examine-se, pois, o
homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice; 29 pois
quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. 30 Eis
a razão por que há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que dormem.
31 Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos
julgados. 32 Mas, quando julgados, somos disciplinados
pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo.). À confissão de
pecados individuais devem se somar aos pecados estruturais da sociedade dos
quais participamos quando reproduzimos a sociedade de classes, ambos devem ser
confessados e ambos devem ser deletados (Mc 1.15). Também somos fruto dos
pecados estruturais da sociedade e os reproduzimos. A celebração da Ceia do
Senhor requer que estes pecados estruturais devem ser deletados, o que requer
uma inserção no processo histórico da luta de classes nos partidos políticos de
esquerda, no movimento sindical, nos movimentos populares, povos originários, pequenas
cooperativas de resistência e ONGs de esquerda para acabar com a sociedade de
classes.
Quando a pessoa cristã diz que não existe a possibilidade de
construir outra sociedade além da capitalista ela está se conformando com este
século e negando o conteúdo da Ceia do Senhor e do próprio Evangelho do Reino
de Deus anunciado por Jesus Cristo; está negando a confissão de fé, tanto do
povo de Deus do AT como do NT; está transformando o Evangelho revolucionário do
Reino de Deus em mera religião, que se reproduz através de ritos a-históricos e
da natureza. O Evangelho se reproduz no processo histórico da luta de classes
em direção a uma nova sociedade não classista, de irmãos/ãs, que Jesus Cristo chama
de Reino de Deus, que já começou com Jesus Cristo e continua a se viabilizar a
partir das classes subalternas no processo de luta contra a sociedade de
classes vigente.
Comunidade, que se diz cristã, não inserida no processo histórico
da luta de classes contra a sociedade de classes já se desprendeu da essência
evangélica, que é a participação no processo histórico coletivo da construção
dessa nova sociedade não classista que é o Reino de Deus. Jesus Cristo e
milhares de pessoas cristãs morreram assassinados, no passado e morrem
assassinados no presente, por causa de sua inserção nesse processo histórico da
luta de classes para acabar com a sociedade de classes, hoje chamada de
capitalismo. A luta contra o capitalismo faz parte da essência revolucionária
da pessoa cristã que alicerça sua luta no Evangelho de Jesus Cristo. O Projeto
deste Evangelho poderíamos resumir assim:
1. O Primeiro Projeto Camponês de Javé.
O primeiro modo de Javé construir seu projeto histórico
dentro do processo da luta de classes na sociedade começou no Êxodo (Dt
6.20-23; Êx 3). Ali no processo da luta de classes Javé faz a sua opção de
classe em favor da classe camponesa escrava hebreia contra a classe que
controlava o Estado e contra o próprio Estado para conduzir a classe camponesa
sem terra no processo coletivo de luta pela terra para as montanhas da
Palestina e ali acabar com o Estado (cidade-estado Js 6-8) e mudar o modo de
produção tributário para tribal onde o meio de produção, a terra, agora está
sob o controle da coletividade (o clã e a tribo) como proposta econômica de não
acúmulo privado (Êx 16), com isso também acontece o processo de participação
popular nas decisões políticas (Êx 18.13-27; Nm 27.1-11; Js 8.33-35), uma nova
relação de gênero (Gn 1.27;
2.24; Nm
27.1-11; Jz 4.1-9), de
etnia (Rt 4.18-22; Js 8.35), de
fé (Js 24.14-25) e assim assegurar a liberdade, uma sociedade não classista,
igualitária, e sem propriedade privada.
Segundo Nm 26.54 “À tribo mais numerosa darás herança maior,
à pequena, herança menor; a cada uma, em proporção ao seu número, se dará a
herança.” e Lv 25.25 “Se teu irmão empobrecer e vender alguma parte das
suas possessões, então, virá o seu resgatador, seu parente, e resgatará o que
seu irmão vendeu.” e Lv 25.23 “Também a terra não se venderá em perpetuidade,
porque a terra é minha; pois vós sois para mim estrangeiros e peregrinos.” Terra
é posse, herança, e, nunca, propriedade privada (1 Rs 21.2-3), pois a terra é
de Deus que a cedeu para o uso do camponês para sua sobrevivência.
2. A continuidade do Projeto Camponês de Javé em Jesus
Cristo (Lc 16.16).
Assim, o Projeto Camponês de Javé que ele inicia com a
classe camponesa no AT (Êx 1-15), continua, agora, por/em/com o camponês artesão sem terra
pobre palestino marginal Jesus Cristo, com o nome de Reino de Deus (Lc 16.16),
a partir das classes subalternas do império romano (mulheres e homens:
camponeses, artesãos, pescadores, escravos, estrangeiros, sem terra, diaristas,
plebeus,). O novo formato coletivo, agora, após Pentecostes, chamado de Igreja,
é um dos instrumentos coletivos que Deus usa para construir seu Reino a partir
de Jesus Cristo. A Igreja subversivamente começa a solapar, na prática da vida,
as bases do Império Romano Escravocrata da propriedade privada dos meios de
produção e da mão de obra, tornando pela fé e pelo batismo as pessoas iguais
dentro da Igreja. Isto fez com que sonhassem serem iguais também em todas as
relações da sociedade, como aponta Paulo em Gl 5.1. Assim, a semente subversiva
do Evangelho de Jesus Cristo vai minando aos poucos as bases da sociedade
classista escravocrata legitimada pela Religião. Com base na Religião o Estado
escravocrata movimenta os seus mecanismos de repressão contra a subversão
evangélica libertadora da Igreja condenando à morte as pessoas que eram
denunciadas como cristãs.
As pessoas cristãs e suas Igrejas são desafiadas hoje no
capitalismo, a partir da classe trabalhadora, classe camponesa e povos
originários, a permanecer nesse processo da construção subversiva do Reino de
Deus, a partir da fé em Jesus Cristo, do batismo e da celebração da Ceia do
Senhor, como convidados, porque
receberam a salvação de graça pela fé, que automaticamente as compromete e se
inserir nesse processo. Continuamos a lutar a partir da Igreja [e outras
religiões], dos Movimentos Populares, Sindicais, Partidos de esquerda, ONGs e
Povos originários pela construção desse Reino de Deus, uma sociedade sem
classes e sem propriedade privada onde a Religião (como instrumento de
dominação ideológica de classe) é superada pelo Evangelho insurgente e
revolucionário de Jesus Cristo que torna as pessoas livres (Gl 5.1,13-15) e com
vida abundante (Jo 10.10).
O Projeto de Deus, em resumo:
No AT, no processo da luta de classes entre o Estado e os
camponeses sem terra escravos, Javé opta pela classe camponesa e a guia na luta
coletiva pela terra que é conquistada após a destruição do Estado nas montanhas
da Palestina em que a seguir se muda o modo de produção de Tributário para
Tribal onde o meio de produção, a terra, passa ao controle da coletividade, a
tribo, sem propriedade privada dos meios de produção.
No NT Javé radicaliza e se torna classe camponesa em Jesus
de Nazaré com a proposta da construção do Reino de Deus, uma sociedade não
classista, igualitária, de irmãos/ãs, sem Estado, sem templo, onde os meios de
produção estão sob o controle da coletividade, sem propriedade privada dos
meios de produção. Este Reino de Deus já está em vigência desde Jesus Cristo, o
que faz com que o capitalismo procure neutralizá-lo e inviabilizá-lo
neutralizando e cooptando um de seus atores, a Igreja.