19 de dezembro de 2013

Classes e luta de classes

Classes e luta de classes: o início
Escrito por Wladimir Pomar  
Se há algo de positivo na propaganda sobre a nova classe média, ela consiste em haver despertado muita gente para o fato de que as classes sociais existem. O longo descenso da luta de classes no Brasil, desde meados dos anos 1980, e as novas formas que ela assumiu, levaram muitos a supor que as classes haviam deixado de ser os atores principais da sociedade. E fez com que esquecessem que a sociedade se move e se transforma, fundamentalmente, em virtude da luta entre elas.
Já as manifestações de junho de 2013 tiveram o mérito de colocar em pânico os formuladores da teoria da nova classe média, ao mesmo tempo em que impuseram a necessidade de discutir a estrutura de classes da sociedade brasileira e os caminhos que a luta entre elas pode seguir. Nesse sentido, o livro A “Nova Classe Média” no Brasil como Conceito e Projeto Político, organizado por David Danilo Bartelt, da Fundação Heinrich Böll, incentiva essa discussão, trazendo à tona diferentes abordagens.
Vários de seus autores frisam que, para a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) do governo, o conceito de classe média é apenas um instrumento analítico para hierarquizar a heterogeneidade das famílias brasileiras, de forma a identificar o grupo no meio da pirâmide social. Eliana Vicente, porém, reitera que existem várias metodologias para se classificar socioeconomicamente a população de um país. No caso brasileiro, a despeito das variações metodológicas, quase todas utilizam o critério renda, diferindo apenas a maneira como essa variável será operacionalizada.
Certamente por isso, Jessé Souza reitera que o tema da produção e reprodução das classes sociais no Brasil é dominado por uma leitura economicista e redutora da realidade social, que pressupõe que as determinações econômicas são as únicas variáveis realmente importantes para o conceito de classe. Segundo ele, a tese central de Márcio Pochmann seria a de que todo o movimento positivo da pirâmide social brasileira, na primeira década do século 21, na verdade teria envolvido postos de trabalho que se encontram na base daquela pirâmide. Portanto, afora uma diferença de tom, não existiria nenhuma diferença substancial com a análise da SAE, que adotou as conclusões dos estudos desenvolvidos pelo economista Marcelo Neri.
Apesar disso, em concordância com Pochmann e em oposição a Neri, uma série de autores utiliza o conceito de renda para analisar a evolução social. Waldir José de Quadros e outros asseguram que a constituição da nova classe média no Brasil ocorreu nos anos 1970, durante o milagre econômico que promoveu o emprego urbano baseado nas novas ocupações de colarinho branco. A classe C, símbolo do crescimento recente, estaria longe dos padrões e estilo de vida que teriam caracterizado aquela nova classe média como a novidade do século 20.
Ainda de acordo com eles, a alta classe média, incluindo ocupações típicas (médicos, professores do ensino superior, engenheiros, empresários etc.), conforme Wright Mills, seria o topo da estrutura social, dado que as pesquisas não captam adequadamente a representação social dos ricos.
Sonia Fleury, por sua vez, sugere que, ao dissociar a ascensão da classe C das condições de emprego e trabalho, opera-se uma descontextualização política e ideológica que impede a tematização da superexploração e endividamento dessa população. E Eliana Vicente reitera que chamar a população emergente de nova classe média parece demonstrar que o país está fundamentado na classe média e não na imensa massa de trabalhadores manuais, trabalhadores do setor de serviços, nos pobres e excluídos.
Reiterando que todas essas visões são economicistas, Jessé Souza adota a linha do sociólogo francês Bourdier, segundo a qual o conceito de capital não seria apenas uma categoria econômica, mas incluiria tudo que assegure acesso privilegiado aos bens e recursos escassos em disputa pela competição social.
Portanto, além do capital econômico, haveria um capital cultural e um capital social. Ascender socialmente só seria possível a quem logre as pré-condições para a incorporação de distintas formas de conhecimento e de capital cultural. Este capital cultural seria a porta de entrada em qualquer dos setores competitivos do capitalismo.
Nesse contexto, a ralé formaria uma classe social específica, reduzida a energia muscular, posto que não dispõe, mesmo em medida significativa, de pré-condições para a incorporação do capital cultural, indispensável no capitalismo moderno para o trabalho no mercado competitivo. Os batalhadores, por sua vez, representariam a fração das classes populares que lograram sair do círculo vicioso da ralé, constituindo uma nova classe trabalhadora, diferente da classe trabalhadora tradicional.
Cândido Grzybowski, no entanto, considera que não estamos diante de uma mudança de classes sociais. As classes sociais não seriam uma linha ascendente, mas uma estrutura de relações que as opõem umas às outras e as diferenciam. O esforço de ver classes sociais por nível de consumo seria politicamente direcionado, para ocultar a lógica que opera numa sociedade, onde para ser rico tem que ter pobre, patrão supõe empregado, dominante implica dominado.
Bem vistas essas e outras opiniões sobre o assunto, que é estratégico para qualquer política que pretenda transformar a sociedade brasileira, podemos dizer que nos encontramos diante de um enrosco de conceituações e metodologias. O que nos obriga ao uso de uma arqueologia que demonstre o surgimento e caracterização das classes sociais como um produto histórico.
Elas não existiram nos primeiros 150 mil a 200 mil anos de história da humanidade. Até por volta dos 5 a 10 mil anos atrás, todos os seres humanos sobreviviam da coleta e da caça. Suas forças produtivas rudimentares impunham a cada grupo de humanos uma colaboração produtiva natural para realizar seu metabolismo com a natureza. Ao mesmo tempo, os subordinava a um conflito feroz com outros grupos pelos territórios ou campos de coleta e de caça.
Nos grupos humanos a divisão do trabalho se firmou apenas como uma divisão sexual, relacionada com a propriedade natural de instrumentos de trabalho. Aos homens cabia a fabricação e uso dos instrumentos de caça. Às mulheres cabia a fabricação e uso de instrumentos de coleta e da casa. Com a promiscuidade sexual, a organização familiar tinha por base a mulher geradora, prevalecendo o sistema matrilinear.
O crescimento populacional levava à formação de clãs familiares e tribos, que se dividiam em novos clãs e tribos a partir de certo número de membros. Os produtos da coleta e da caça eram repartidos de modo relativamente igualitário entre os membros da família, clã ou tribo. Ao morrerem, homens e mulheres deixavam seus bens à família da mulher. Exemplos vivos desse estágio histórico ainda podem ser observados em diversas etnias indígenas amazônicas.
A divisão social só se instaurou quando os seres humanos de algumas regiões do globo, ricas em animais e plantas, aprenderam a domesticá-los. Na Mesopotâmia, Oriente Médio, Ásia Central, e nos vales dos grandes rios da China, Índia e Egito, as tribos aprenderam, além disso, a criar os animais capazes de fornecer-lhes leite e carne, dando origem à pecuária, e a semear as sementes de cereais, dando origem às lavouras. A criação da agricultura, compreendendo a pecuária e/ou as lavouras, representou uma profunda revolução nas forças ou meios de produção.
Os seres humanos passaram a produzir seus próprios alimentos, de forma organizada e regular. Essa revolução foi seguida da criação de novos instrumentos de trabalho de bronze e ferro. Num processo natural de desdobramento da propriedade anterior dos instrumentos, coube aos homens a propriedade do gado e das ferramentas produtivas. Às mulheres continuou cabendo a propriedade dos utensílios de coleta e caseiros. Na prática, os homens ficaram com a propriedade dos novos instrumentos, capazes de gerar riquezas até então desconhecidas.
Essa mudança na propriedade dos meios de produção introduziu desigualdades profundas nas relações dos homens com as mulheres. Num processo relativamente prolongado, erigiram-se conflitos em torno do direito de herança pela linha materna, da chefia da família, da instauração da monogamia, da exclusividade masculina sobre a religião familiar e da formalização da propriedade privada como regra. Esse processo perdurou por alguns milhares de anos nas sociedades agrárias primitivas daquelas regiões, e resultou no patriarcado antigo. Este consolidou a divisão social, subordinando as mulheres aos maridos, inclusive com o direito de vida e morte sobre elas. Todos os membros da família obedeciam ao patriarca, proprietário privado, pai, chefe, sacerdote e comandante. E a herança passou a ser transmitida por linha paterna.
A agricultura e o artesanato consolidaram-se como economia. E, com esta, surgiu a necessidade da escrita e dos números, para controle da produção, do consumo, dos bens hereditários e da troca dos bens produzidos. O escambo primitivo transformou-se pouco a pouco em comércio, criando a necessidade de criação de um produto que fizesse o papel de equivalente geral. Com a cristalização da propriedade privada dos principais meios de produção, estavam dadas as condições para desdobrar a divisão social entre homens e mulheres em novas classes sociais.
Portanto, como um relâmpago destrutivo numa situação de igualdade econômica, social e cultural, as classes sociais surgiram como resultado da criação de novas forças produtivas em algumas regiões do planeta. Elas introduziram, inicialmente, desigualdades de propriedade e de riqueza, e reviraram totalmente as relações de gênero e familiares, e as relações nos clãs e nas tribos. A partir daí a divisão em classes sociais, e a luta entre elas, passou a ter presença permanente na história dos seres humanos daquelas regiões, enquanto no resto do mundo a história andou mais lenta.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.

Classes e luta de classes: patriarcado e escravismo
Escrito por Wladimir Pomar  
O patriarcado antigo, nas regiões do mundo em que surgiu, representou um longo processo de transição. Transformou o sistema igualitário anterior, que Marx chamou de comunismo primitivo, num novo sistema econômico, social, político e cultural, por quase todos reconhecido como escravismo. No patriarcado, as famílias não se limitaram aos filhos do patriarca, que trabalhavam em comum as terras. Elas foram incluindo, durante algum tempo, indivíduos alheios, desagregados de outras famílias, que realizavam trabalhos como servos, ou aprisionados durante as guerras familiares e/ou tribais, incorporados como escravos.
Com o passar do tempo, os patriarcas constituíram uma nobreza de direito hereditário, hereditariedade nem sempre estendida a toda a família. Em geral, apenas os primogênitos tinham direito à herança e à nobreza, o que muitas vezes resultou no fracionamento da família. Por outro lado, os escravos assumiram, cada vez mais, todo o trabalho produtivo. Tornaram-se os sustentáculos de toda a produção agrícola e artesanal, enquanto os servos praticamente desapareceram como força de trabalho. Nesse processo, o crescimento da população e o constante fracionamento das famílias fez com que indivíduos livres ocupassem terras devolutas e se tornassem camponeses proprietários de pequenas extensões de cultivo.
A produção de excedentes agrícolas, assim como a busca de braços escravos, introduziu mudanças no antigo escambo, dando surgimento ao dinheiro, como equivalente geral, e a um sistema de trocas, realizado por uma classe de comerciantes, também proprietária de instrumentos de transporte e de escravos. Migrações populacionais, em geral armadas, transformavam o sistema primitivo de outros povos, ou simplesmente os escravizavam ou aniquilavam.
Essa diversificação das atividades humanas, produtivas, sociais e políticas, incluindo conflitos internos às famílias, clãs e tribos, e externos, em confronto com outras famílias, clãs e tribos, levou à formação de aglomerações urbanas e do Estado, este tanto como instrumento de proteção dos proprietários e de dissuasão dos conflitos internos, quanto como organizador das guerras por novos territórios e escravos.
O escravismo foi o sustentáculo econômico da permanência e reprodução do patriarcado como organização familiar, de clã e tribo. Porém, em termos sociais e políticos, o Estado necessário à consolidação e expansão do escravismo funcionou como elemento desagregador das relações gentílicas e tribais, tendendo a tornar o patriarcado uma reminiscência do passado. As constantes disputas em torno da propriedade fundiária, muitas vezes conduzindo à expropriação dos pequenos camponeses livres, se tornaram uma disputa geral em torno do Estado, como demonstraram muitas das reformas na Grécia antiga, na China e em outros Estados escravistas.
O escravismo transformou o trabalho numa atividade indigna aos homens livres e se conformou como uma divisão de classes, castas ou estamentos. Em seu topo estavam os que detinham a propriedade privada de terras e escravos como principal elemento de diferenciação ou divisão social. As castas sacerdotais, burocráticas e/ou guerreiras se tornaram proprietárias de terras e homens (forças produtivas), assim como as classes dominantes do Estado. Os comerciantes, em geral, possuíam propriedades diversas, mas eram considerados uma casta de segunda categoria. Apesar disso, podiam desfrutar do mesmo ócio que a propriedade de terras e escravos permitia aos proprietários fundiários, que se constituíram como classe nobre ou aristocrata.
Portanto, a divisão em castas e estamentos, em termos práticos, tinha o mesmo efeito. Legitimava a divisão social em torno da propriedade privada e colocava o Estado como palco de disputa a favor de uma ou outra das castas, ou frações de classe, proprietárias. No outro extremo social se encontravam os escravos. Embora constituindo a maioria da população, e sendo a base econômica da riqueza que propiciava o ócio da nobreza e dos comerciantes, sua relação com os escravistas era extra-econômica. Em termos modernos, era uma relação política, num processo em que os escravos produziam, mas os senhores se apropriavam de toda a produção, e direcionavam parte dela, a seu critério, para a reprodução da força de trabalho escrava.
Os escravos eram desconsiderados como seres humanos, sendo tratados apenas como força produtiva ligeiramente diferente dos animais e outros meios de produção. Sua vida e sua reprodução dependiam totalmente da vontade dos senhores, que tinham sobre eles poder de vida e morte. Em várias ocasiões, os escravos se levantaram em revoltas, algumas de repercussão histórica, o que os levou mais tarde a serem tidos como uma classe. Porém, como tal, nunca conseguiram sucesso na luta pela liberdade, nos tempos antigos, em especial porque pretendiam retornar ao igualitarismo comunitário, já superado pelas exigências das novas forças produtivas.
Entre a nobreza e os comerciantes, de um lado, e os escravos, de outro, existiam os demos, plebeus, ou outros termos que identificavam a classe de homens livres que, durante todo o escravismo, lutaram por ter o mesmo direito de viverem no ócio e se apropriarem de parte da riqueza criada pelo trabalho dos escravos. Em parte, como participantes das expedições de guerra para a captura e transformação de povos inteiros à escravidão, os pobres livres se apropriavam de parcela do botim de guerra. Mas isso era insuficiente, especialmente diante da riqueza apropriada pela aristocracia.
Foi, em geral, a luta de classes entre os homens livres pobres e a aristocracia proprietária que promoveu experiências como a fugaz democracia grega (que não incluiu os escravos) e a vasta propriedade camponesa chinesa. Ela também tornou economicamente ineficaz o escravismo. Embora este sistema tenha proporcionado um grande ápice da riqueza material e cultural, inclusive dando florescimento à filosofia, na China e na Grécia, entre os séculos 8 e 3 antes de nossa era, não foi capaz de sustentar toda a população livre e, ainda por cima, as despesas de guerra. Tornou-se, ao contrário, um peso para os escravistas, até chegar ao ponto em que estes soltavam os escravos e os obrigavam a sobreviver por conta própria.
Na China, esse processo de declínio escravista se intensificou durante os séculos 8 e 3 antes de nossa era, os denominados períodos de primavera e outono e dos reinos combatentes, com conflitos e guerras entre os diferentes reinos e entre os senhores de terras e escravos e os camponeses e outros homens livres. No Império Romano, algo idêntico ocorreu entre os séculos 2 e 7 de nossa era, com o agravante de que o escravismo romano foi atropelado pelas invasões dos povos bárbaros, principalmente germanos e normandos, que ainda viviam no comunismo primitivo e/ou no patriarcado.
Nesse processo conflituoso levaram vantagem os grandes proprietários fundiários. Estes constituíram exércitos próprios e aceitaram que a população errante se tornasse cliente em suas terras. Isto é, sob a proteção do latifundiário, as pessoas pobres podiam produzir como camponeses livres, mas com a obrigação de entregar ao proprietário fundiário parte de sua produção. Além disso, tinham que trabalhar alguns dias nas terras de usufruto do senhor e o acompanhar em suas guerras. Por outro lado, muitos camponeses se estabeleceram em terras devolutas, constituindo uma economia de camponeses livres, que combinava as lavouras em terras próprias com o uso conjunto de terras comunitárias.
Desse modo, foi se configurando um novo sistema econômico, social, cultural e político em que as forças de trabalho passaram a ser semi-livres, conformando uma relação de produção diferente do escravismo. Na base desse sistema se firmaram a economia camponesa e a economia artesanal. Mas a relação entre os camponeses e artesãos e os grandes proprietários fundiários continuou sendo de natureza extra-econômica.
Os proprietários fundiários, menos ainda do que durante o escravismo, não tinham qualquer participação no processo econômico de produção. No entanto, por serem proprietários da terra, ou terem o feudo cedido em concessão pelo monarca, quando este era o proprietário de todas as terras, detinham o direito de se apropriar de parte do que era produzido e cobrar outras obrigações dos camponeses e artesãos. Desse modo, foi se conformando na história o que conhece como feudalismo.
Wladimir Pomar é analista político e escritor.

Classes e luta de classes: feudalismo
Escrito por Wladimir Pomar  
O processo de transformação do escravismo em feudalismo ocorreu de forma generalizada na Ásia, Oriente Médio e Europa, mas não nas Américas, África e Oceania. Nestes continentes, pelo menos até o início do século 16, sobreviviam povos ainda nos estágios históricos anteriores, como o comunista primitivo, o patriarcal e o escravista.
As civilizações asteca, maia e inca já eram escravistas. Mas ao norte, no atual Estados Unidos e Canadá, viviam tribos organizadas segundo o sistema matrilinear comunitário. O mesmo ocorria entre as tribos que habitavam a Amazônia e o atual litoral brasileiro, inclusive entre aquelas que já praticavam a agricultura de coivara. Na África competiam tribos vivendo no comunismo primitivo, como os bosquímanos, com outras que haviam ingressado no escravismo, como os reinos de Abissínia, Darfur, Kaffa e Hausa. Na Oceania, os polinésios também viviam no sistema matrilinear.
As transições conflituosas do escravismo para o feudalismo, nas regiões do Oriente e do Ocidente em que ocorreram, transformaram um sem número de escravos e homens livres em servos da gleba, ao invés de servos diretos dos senhores fundiários. Isto é, ao contrário dos clientes ou servos do patriarcado, os servos feudais eram camponeses livres para produzir seus meios de vida, sendo proprietários de seus meios de produção, com exceção da terra. Porém, por pertencerem à gleba, não podiam migrar para outras terras. Por outro lado, formalmente, os senhores feudais também não podiam expulsá-los da terra a que pertenciam, mesmo em caso de venda da gleba a outro senhor feudal.
Muitos plebeus livres e escravos aproveitaram-se da situação conflituosa, que retirou parte do poder dos proprietários fundiários, para se transformarem em lavradores ou criadores livres, assim como em artesãos. Criou-se uma economia agrária que tinha os camponeses como base principal do processo produtivo, introduzindo uma transformação qualitativa no caráter da classe trabalhadora de então.
Ao contrário do período escravista, os trabalhadores deixaram de ser propriedade de homens livres. Em termos econômicos e sociais vingou a liberdade formal dos trabalhadores agrícolas e dos artesãos em relação aos senhores feudais. Eles conquistaram o direito de propriedade sobre seus meios de produção. Mas os camponeses servos eram subordinados não só à terra, mas também às várias obrigações que deviam observar diante dos proprietários ou concessionários feudais.
Essas obrigações incluíam a entrega de parcela de sua produção, no início em espécie, tanto ao senhor feudal quanto ao monarca. Incluíam, ainda, a corveia. Isto é, a prestação de trabalho gratuito nas terras ou benfeitorias do senhor feudal, ou a participação nas hostes armadas do feudo e/ou do monarca. Em várias regiões do mundo, como na Escócia, por exemplo, as obrigações também incluíam outros itens, como o direito de pernada, que constrangia as camponesas a se entregarem ao senhor na primeira noite de seu casamento. Os camponeses e os artesãos, por outro lado, eram proibidos de casar-se com pessoas alheias à sua classe social.
Na China, as guerras de transição do escravismo para o feudalismo levaram à constituição de uma monarquia feudal centralizada no século 2 antes de nossa era. Mas isso não impediu que revoluções, guerras e divisões monárquicas se sucedessem por séculos. Na Europa feudal, resultante dos conflitos promovidos pela decadência do Império Romano e pelas invasões bárbaras, por volta dos séculos 7 a 10 de nossa era, emergiu uma miríade de reinos feudais. Estes também viveram às turras por vários outros séculos, antes de alguns se unificarem nas nações atuais. Algo idêntico ocorreu na Índia, Japão, Ásia Central e Oriente Médio.
A consolidação do feudalismo, após o longo período de destruições causadas pelas guerras de transição do escravismo, foi acompanhada da recuperação da agricultura e do artesanato, do surgimento de novas técnicas, e do crescimento da população. O comércio voltou a ocupar um papel importante na destinação dos excedentes agrícolas e da produção artesanal. O Estado feudal tinha em seu ápice o rei ou monarca por desígnio divino, proprietário de todas as terras, ou apenas o maior proprietário fundiário. Sua corte era constituída pela nobreza, seja senhores de feudos cedidos pelo rei, seja de senhores proprietários de feudos menores.
Olhando-se com atenção, o feudalismo constituiu uma formação social e política conflituosa, não apenas em sua origem, mas também em seu desenvolvimento. Suas classes sociais, a nobreza, o campesinato, os artesãos e os comerciantes, mantinham relações extra-econômicas entre si, permeadas por contradições e conflitos constantes.
Os nobres viviam em constante pé de guerra com a realeza e entre si, seja para apropriar-se totalmente da riqueza gerada pelo campesinato e pelo artesanato, seja para dominar novos territórios, seja ainda para tornar-se o proprietário fundiário mais poderoso e dominar o Estado feudal. O campesinato, por sua vez, vivia em confronto com os senhores feudais, principalmente pela voracidade destes em apropriar-se das terras dos camponeses livres, de parcelas maiores da produção de camponeses servos, exigir mais corveias do que o que estava instituído nas obrigações, e praticar toda sorte de arbitrariedades. Também se chocava com os comerciantes em relação aos preços dos produtos agrícolas, que vendia a eles, e aos preços dos produtos artesanais, que comprava.
Os artesãos trabalhavam sob regras rígidas, vendo-se constantemente pressionados pelos senhores feudais e pela realeza, ao mesmo tempo em que procuravam explorar os camponeses. As atividades dos comerciantes, por outro lado, dependiam de licença real e do direito de passagem através dos feudos. Ou seja, pagavam tributos tanto ao rei quanto aos senhores feudais, numa intensidade que os transformou paulatinamente numa classe em revolta, embora explorassem os camponeses e artesãos o máximo possível.
Embora no feudalismo, como no patriarcado e no escravismo, a mobilidade social de uma classe para outra fosse extremamente difícil, isso não impediu que a luta de classes se desenvolvesse e criasse situações em que membros das classes consideradas inferiores ascendessem a classes consideradas superiores. Tanto no Oriente quanto no Ocidente, a necessidade do Estado e a luta de classes abriram brechas para tal ascensão política, social e econômica. Exemplo disso foi Liu Ban, um camponês livre que, no século 2 antes de nossa era, comandou a revolta vitoriosa contra a monarquia Qin e, após também derrotar seus aliados feudais, tornou-se o primeiro imperador da dinastia Han.
De qualquer modo, essa mobilidade pouco tinha a ver com as contradições que estavam sendo gestadas nas entranhas das próprias sociedades feudais e iriam modificar seu curso histórico, transformando as classes sociais existentes em novas classes e dando surgimento a novas formações sociais.
Wladimir Pomar é analista político e escritor.

Classes e luta de classes: mercantilismo
Escrito por Wladimir Pomar  
O desenvolvimento da agricultura e do artesanato feudal, tanto na China quanto na Europa, criou monarquias feudais ricas e desembocou num intenso comércio, tanto de âmbito regional quanto internacional. No interesse de aumentar as riquezas da realeza, várias monarquias passaram a proteger o comércio desenvolvido a partir de cidades, em especial litorâneas, contrapondo-se às taxas cobradas pelos senhores feudais à circulação dos comerciantes e de suas mercadorias.
Por volta dos séculos 12 e 13 de nossa era, Veneza e Gênova, então duas cidades-Estados independentes  do Mar Mediterrâneo, já haviam apoiado as cruzadas religiosas contra o domínio sarraceno no Oriente Médio e expandido seu comércio até o Império Bizantino e a Ásia Menor. As invasões tártaras e mongóis já haviam desbravado os caminhos que ligavam o Oriente ao Ocidente da Eurásia, dando lugar à chamada rota terrestre da seda. Os suecos, por sua vez, haviam atravessado os territórios eslavos de norte a sul, ligando o Mar Báltico ao Mar Negro. E as cidades comerciais germanas negociavam intensamente no Mar Báltico.
No Oriente, chineses e indianos já desenvolviam seu comércio marítimo no Pacífico oriental e no Índico. A essa altura, os chineses já estavam avançando rapidamente em invenções técnicas que lhes permitiam realizar a navegação oceânica e chegar à costa oriental da África e ao sul da Península Arábica. Os árabes, em especial, desenvolviam um intenso comércio com produtos da China e da Índia para a Península Ibérica, introduzindo na Europa não só os tecidos, porcelanas, chás e especiarias produzidas naqueles reinos, mas também vários dos inventos chineses e indianos, a exemplo da álgebra, do número zero e da pólvora.
Quanto mais o comércio se desenvolvia, mais intensos se tornavam a competição e os conflitos entre cidades mercantis, a exemplo das guerras entre as cidades da Liga Hanseática e as cidades dinamarquesas, e entre Gênova e Veneza. Acirrava-se também a luta de classes entre comerciantes e senhores feudais, e entre estes e as monarquias que apoiavam os comerciantes. Ao mesmo tempo, emergiam movimentos que apresentavam características nacionais, a exemplo da guerra de independência portuguesa contra a monarquia espanhola.
A independência portuguesa representou também a primeira aliança formal entre um Estado monárquico e sua classe comercial. Ela se deu em torno de um projeto mercantil para estruturar uma nação, tendo por base a exploração de riquezas de outros povos através da navegação oceânica. No final do século 14, a revolução de Avis não só expropriou grande número de senhores feudais, proibindo-os de trabalhos manuais, como libertou inúmeros servos, tendo em vista a constituição da força de trabalho necessária para as expedições marítimas.
No mesmo período, a manufatura de tecidos de lã havia se desenvolvido na região de Flandres, na Holanda. A expectativa de riquezas geradas pela criação de ovelhas e pela exportação de lã incentivou os proprietários fundiários ingleses a expulsar seus servos. Isso ocorreu através do cercamento (enclosure) das terras, da imposição do pagamento da renda da terra em dinheiro, ao invés de espécie, e da força armada. Os servos foram substituídos por criadores de ovelhas na forma de arrendamento pago em dinheiro. As terras livres e comunitárias também sofreram o mesmo processo de cercamento e expulsão dos camponeses.
Durante cerca de três séculos, a nobreza fundiária inglesa introduziu a curso forçado as relações monetárias no processo da produção pecuária de ovelhas. Ou seja, introduziu na exploração do solo as relações monetárias que até então só eram comuns na troca comercial. Seu resultado foi a emergência de uma nobreza feudal endinheirada e a expulsão, pelas ovelhas, de milhões de famílias camponesas expropriadas do principal meio de produção, o solo. Enquanto Thomas Morus, em sua Utopia, relatava ovelhas comendo homens, a rainha Elizabeth, logo a seguir, se viu na contingência de editar a primeira lei dos pobres, que transferia parte dos recursos reais para fornecer alimento às massas de vagabundos que inundaram as cidades inglesas.
Enquanto isso ocorria, na Holanda, Inglaterra e Portugal, as naus chinesas, providas de lemes, velas triangulares, cascos estanques e bússolas, não tinham concorrentes em termos de navegabilidade, velocidade, tamanho e capacidade de carga nos oceanos Pacífico e Índico. Elas intensificaram em muito o comércio marítimo da China com a Índia e com a península Arábica e, através desta, com a Europa. A tal ponto que a riqueza dos comerciantes chineses e suas atividades manufatureiras atingiram um patamar que se tornou intolerável aos senhores feudais, embora tenha elevado a dinastia Ming à monarquia mais rica de todo o mundo.
A luta entre feudais e comerciantes chineses dividiu a dinastia Ming. Esta, ao contrário da monarquia portuguesa, manteve sua fidelidade aos feudais. Proibiu o comércio marítimo, deixou sua frota ser consumida pelo fogo e pelo tempo e perdeu a oportunidade de participar nas descobertas marítimas dos séculos 15 e 16. Em meados do século 17, acabou sendo dominada pela pequena, mas militarizada dinastia feudal manchú Qing. Apesar de toda a riqueza acumulada, a China ficou presa nas malhas do seu feudalismo, com consequências que só se tornariam visivelmente desastrosas a partir de meados do século 19.
O período histórico que compreende os século 16 a 19 assistiu, assim, à expansão marítima dos reinos português, espanhol, holandês, inglês e francês sobre a África subsaariana, a Índia e outras regiões da Ásia, assim como a descoberta dos continentes americanos. Nesse processo, combinaram-se as mais esdrúxulas atividades mercantis. Primeiro, as trocas comerciais imensamente desiguais e mediadas por negociações diplomáticas e/ou canhoneiras. Depois, matanças e saques de populações inteiras, para apropriação de ouro, prata, pedras preciosas e quaisquer outros tipos de riqueza, a exemplo do pau brasil.
Paralelamente, todas as monarquias, em especial a inglesa, fizeram largo uso dos Merchant Adventurers, mais vulgarmente conhecidos como corsários, bucaneiros e piratas, para atacar, aprisionar e saquear naus de outras monarquias, transportando riquezas das colônias americanas. E todos, mas também especialmente os ingleses, dedicaram-se à caça, apresamento e transporte de peças escravas africanas para territórios de povoamento e produção em plantations agrícolas. Tudo isso misturado a colonizações povoadoras de novos territórios, tanto com populações excedentes das metrópoles, quanto com presidiários.
Na América do Norte, a colonização francesa e inglesa ocorreu com excedentes populacionais que se estabeleceram como pequenos proprietários agrícolas. No Caribe e no Brasil, as plantations açucareiras produziam com base no trabalho escravo africano, sob o comando de sesmeiros. Nas minas de algumas regiões da América do Sul foram utilizados escravos nativos.
Os diferentes métodos de exploração utilizados pelo sistema colonial permitiram transferir e acumular imensas riquezas nos reinos feudais europeus, especialmente ouro e prata, transformando-as em produtos comercializáveis e tornando-as riqueza monetária. Por volta do século 18, essa acumulação de riqueza monetária resultou em dois movimentos desconexos, que iriam marcar profundamente a futura evolução das sociedades humanas.
Na Espanha, ocorreu um brutal entesouramento, especialmente da prata explorada nas regiões que hoje constituem o México, Peru e Bolívia, causando um fenômeno monetário inflacionário até então desconhecido. Modernamente, em meados do século 20, fenômeno idêntico ocorreu na Holanda em virtude do entesouramento monetário resultante da exploração petrolífera do Mar do Norte, por isso recebendo a denominação de doença holandesa. Na verdade, tal doença não passou de variante do entesouramento espanhol dos séculos 17 e 18.
Na Inglaterra, porém, ocorreu algo diferente. Embora a riqueza acumulada tenha sido igual ou maior do que a espanhola, os comerciantes e a própria nobreza endinheirada aproveitaram a acumulação monetária para empregar no trabalho manufatureiro as grandes massas vagabundas. Libertadas brutalmente de seus meios privados de produção pela revolução agrária, iniciada no século 14, essas massas só detinham a propriedade de sua própria força de trabalho. Podiam, pois, vendê-la em troca de recursos monetários, com os quais podiam adquirir alimentos e outros meios de sobrevivência.
Foi essa situação histórica inglesa particular que deu surgimento, no interior do feudalismo, ao capital e ao trabalho assalariado massivo, embora tal relação já houvesse brotado, em pequena escala, nas manufaturas estatais romanas do século 10. Nasceu aí o capitalismo.

Classes e luta de classes: nascimento do capital
Escrito por Wladimir Pomar  
Os recursos monetários acumulados pela classe comercial e por parte da nobreza endinheirada inglesa só se transformaram em capital quando tiveram uma aplicação produtiva. Isto é, quando o dinheiro passou a comprar armazéns, ferramentas, equipamentos de trabalho, matérias primas e, principalmente, força de trabalho livre, dando início a um novo modo de produzir.
Utilizando forças humanas de trabalho, compradas livremente, que colocavam em funcionamento as ferramentas e os equipamentos de sua propriedade, os comerciantes conseguiam fazer com que as matérias primas fossem transformadas em produtos. Assim, apesar da acumulação de riqueza que levou ao capital ter sido realizada totalmente por meios extra-econômicos, a partir do momento em que tal riqueza se uniu ao trabalho, tudo tendia a funcionar estritamente através de regras econômicas. A rigor, não havia mais necessidade de outras ações que também não fossem econômicas.
O dinheiro, ou capital dinheiro, passou a ser o intermediário universal. Ele permitia adquirir ferramentas, máquinas, galpões, matérias primas e outros meios de produção, transformando-se em capital constante, ou bens de capital. Além disso, o dinheiro também passou a comprar a força humana de trabalho pelo tempo necessário para colocar em funcionamento as ferramentas e as máquinas, transformando-se em capital variável.
Durante o tempo pago pelo capital variável, o trabalhador transformava as matérias primas num número determinado de produtos vendáveis, adicionando a tais produtos um valor superior ao capital variável que lhe era pago. O que permitia ao comerciante, no ato de venda, não só recuperar o custo da amortização das ferramentas, máquinas e matérias primas, mas também extrair um lucro daquele valor extra adicionado pelo trabalhador.
Nessas condições, as relações entre trabalhadores sem-propriedade de meios de produção e comerciantes proprietários de meios de produção passaram a ser uma relação entre homens livres, mediada pelo salário, ou capital variável. Isto é, por uma quantidade de dinheiro supostamente equivalente ao trabalho (ou quantidade de produtos) realizado pela força humana. Tais relações eram qualitativamente diferentes das relações extra-econômicas existentes no escravismo e no feudalismo.
Portanto, sem ter qualquer consciência do que estavam gerando, os comerciantes ingleses que acumularam riquezas durante o período de expansão mercantil deram nascimento a uma nova forma ou modo de produzir, e a uma nova relação social. Isto representou uma revolução econômica, social, cultural e política mais profunda do que todas as ocorridas anteriormente. Mas tal revolução só foi possível porque, na Inglaterra, a acumulação de recursos monetários ocorreu paralelamente a uma profunda revolução agrícola no sistema feudal. Essa revolução, além de introduzir novas técnicas e relações sociais mediadas pelo dinheiro, expropriou massas populacionais imensas e as jogou na vagabundagem, isto é, as transformou em ralé.
A Espanha, a China e vários outros reinos europeus e asiáticos que haviam avançado no feudalismo, ao contrário, não realizaram qualquer revolução desse tipo. Mantiveram intocado seu sistema feudal, ou o reforçaram, intensificando a submissão das massas camponesas à terra e aos senhores fundiários. A França, no entanto, mesmo sem haver mudado o sistema feudal, ingressou rapidamente na produção manufatureira de bens de luxo. Nessas condições, o reino francês viu serem acirradas, de forma extremamente conflituosa, as contradições entre a necessidade de forças de trabalho livres para as manufaturas e a manutenção dessas forças amarradas aos feudos.
Certamente por isso, mais do que na Inglaterra, a necessidade de trabalhadores livres na França tenha se tornado uma bandeira radical de luta da burguesia comercial e manufatureira contra os feudais. Não por acaso, foi na França que os slogans de liberdade, igualdade e fraternidade foram empunhados pelos representantes ideológicos e políticos da incipiente classe burguesa. E que a reforma agrária, a extinção do feudalismo e a libertação do campesinato tiveram um caráter social e politicamente muito mais revolucionário do que na Inglaterra.
Apesar disso, seus efeitos foram idênticos. Isto é, criaram o mesmo novo modo de produzir, as novas relações de produção e as novas classes sociais, embora por caminhos diferentes. Na Inglaterra, os embates entre a classe burguesa comercial e a classe fundiária nobre, embates várias vezes atravessados pela interferência radical dos camponeses diggers e levellers, não levaram à extinção da nobreza fundiária. Esta já havia se tornado uma fração da burguesia mercantil, permitindo um acordo para a manutenção da monarquia constitucional. Na França, ao contrário, aqueles embates levaram à revolução política violenta para derrubar a monarquia, proclamar a república, implantar a ditadura da pequena-burguesia e instituir o terror para eliminar a nobreza feudal.
Porém, tanto na Inglaterra quanto na França, a burguesia comercial sofreu uma clivagem à medida que o sistema manufatureiro original desembocou no sistema industrial, com a revolução técnica da máquina e vapor e, depois, da eletricidade. Ocorreu uma importante divisão entre as atividades industriais, comerciais e financeiras, resultando no fracionamento na classe capitalista burguesa. A burguesia industrial passou a predominar sobre as demais frações. O mesmo tipo de fracionamento ocorreu na classe trabalhadora assalariada, com sua fração industrial predominando sobre as demais, seja em virtude da maior demanda da indústria por trabalhadores, seja pelo fato de que as fábricas ofereciam condições mais favoráveis para a conexão, a organização e a luta dos operários.
Olhando com atenção a experiência histórica de nascimento do capital e sua evolução em capitalismo, podemos concluir que a burguesia, isto é, a classe capitalista, surgiu da classe comercial presente no feudalismo. Essa classe comercial, em aliança com parte da nobreza feudal monárquica de alguns reinos, acumulou riquezas no processo de expansão marítima e predação de outros povos. Isso lhe permitiu ingressar na manufatura, aproveitando-se da massa ralé expropriada dos campos, seja pela ação da própria nobreza, seja pela extinção revolucionária dos feudos. No seu processo de evolução, a classe mercantil transformou-se em classe capitalista manufatureira e, depois, em classe capitalista industrial, financeira e comercial.
Já os excedentes populacionais provenientes do campesinato feudal transformaram-se em ralé, ou diretamente em classe trabalhadora assalariada. A ralé, ou parte considerável dela, por sua vez, também se transformou em classe trabalhadora assalariada à medida que a burguesia comercial se tornou burguesia manufatureira e industrial e demandou mais forças de trabalho.
Essas metamorfoses de umas classes em outras são típicas dos processos de evolução dos modos de produção e das formações sociais. E sempre estiveram relacionados com a propriedade dos meios de produção e com as relações de produção que cada propriedade específica gera. A propriedade fundiária do sistema escravista promoveu uma relação de produção baseada na propriedade privada sobre os trabalhadores, como se meios de produção fossem. A propriedade fundiária do sistema feudal promoveu uma relação de produção baseada na propriedade privada legal (real ou concedida) sobre o solo, mas não formalmente sobre os trabalhadores, que eram proprietários de meios de produção, mas não da terra.
O capitalismo subverteu tudo isso, ao restringir sua propriedade privada aos meios de produção e estabelecer uma relação de produção com homens livres proprietários de força de trabalho, mediada pelo salário, ou seja, por parte de seu capital. Isto, no entanto, que parece ser a base para a divisão social e para a definição das classes sociais sob o capitalismo, tem sofrido constantes tentativas de revisão.
Primeiro, porque o capitalismo, mesmo onde se desenvolveu mais rapidamente, não eliminou todas as classes anteriores. Muitas vezes as manteve como adereços econômicos, políticos ou culturais, a exemplo das nobrezas de vários países europeus que se tornaram capitalistas, e da persistência do patriarcalismo, mesmo modernizado. Depois, porque fez uso amplo de formas extra-econômicas de exploração de seus trabalhadores e de outros povos, inclusive utilizando-se do escravismo e de sistemas feudais ou aparentados, para obter lucros ainda maiores, em especial a partir da segunda onda de colonização imperial do século 19.
Finalmente porque a constante expansão do capitalismo pelo planeta tem se dado de forma extremamente desigual, descombinada e conflituosa, como veremos adiante.
Wladimir Pomar é analista político e escritor.

Classes e luta de classes: expansão capitalista
Escrito por Wladimir Pomar  
Ivo Poletto tem razão quando afirma que, nos últimos cinco séculos, nasceu, se consolidou e se tornou hegemônica a forma capitalista de produção e consumo, tendo por base a propriedade privada, a organização  do trabalho através de contrato e a produção de mercadorias. No entanto, infelizmente, ele não considerou que a expansão do modo capitalista de produção, circulação e distribuição se deu, e continua se dando, de maneira extremamente desigual, descombinada e conflituosa. Com isso, configurou uma miríade de capitalismos com características nacionais próprias, que apresentam problemas e possíveis soluções diferenciadas.
A expansão do capital conformou, durante os séculos 19 e 20, apenas alguns países capitalistas avançados, com alto desenvolvimento industrial, tecnológico, científico e cultural. Durante boa parte do século 19, esses países assistiram a uma intensa luta de classes entre a burguesia e os trabalhadores assalariados, assim como revoluções camponesas que prefiguravam a transformação desses trabalhadores rurais em proletários. Tais lutas levaram tanto a conquistas econômicas, a exemplo da jornada de 8 horas de trabalho, quanto a conquistas sociais e políticas, a exemplo do direito de sindicalização e do voto universal.
A rigor, a luta da classe trabalhadora assalariada impôs às sociedades direitos burgueses que a burguesia triunfante se negava a reconhecer. Por outro lado, a exploração colonial dos países subdesenvolvidos chegou a permitir aos capitalistas dos países desenvolvidos concessões que aburguesaram parte de sua classe trabalhadora assalariada. Nos Estados Unidos, através da promoção do consumo a crédito. Nos países europeus e no Japão, pela instituição de normas de seguridade social, em especial após a segunda guerra mundial.
A expansão da forma capitalista também propiciou a emergência de países medianamente desenvolvidos do ponto de vista industrial e tecnológico. Em alguns casos, como o da Coréia, promoveu um desenvolvimento industrial, tecnológico, científico e cultural relativamente elevado, com altas taxas de emprego. Em outros casos, como na periferia da Europa, combinou financiamento estatal e consumo a crédito, que permitiu altas taxas de emprego público e nos serviços, ao mesmo tempo em que corroeu as bases produtivas industriais e agrícolas de seus países.
Paralelamente, em vários outros países, durante os anos 1950 e 1960, promoveu o desenvolvimento industrial e tecnológico, ao mesmo tempo em que manteve a pobreza e a incultura de grandes massas da população, como ocorreu na África do Sul, México, Brasil e Índia. E, em muitos outros, os forçou a se manterem no atraso e apenas como fornecedores de matérias primas minerais e/ou agrícolas, a exemplo da maior parte da África, Ásia e América Latina. Tudo isso, associado a guerras mundiais, regionais e locais, instituição de ditaduras militares e civis, conflitos sociais, religiosos e étnicos, e revoluções políticas, trazendo à tona contradições e diferenciadas formas de lutas de classes.
Essa expansão desigual, descombinada e conflituosa, incluindo a concorrência intercapitalista, nacional e internacional, levou os países capitalistas avançados a elevar o conteúdo científico e tecnológico de sua produção, circulação e distribuição (o que abrange agricultura, indústria, comércio, finanças e serviços). Com isso, elevou a participação do capital constante, ou do trabalho morto, na composição do capital total, intensificando sua centralização. Reduziu a participação do capital variável, ou do trabalho vivo, intensificando o desemprego como algo estrutural, independentemente das crises cíclicas do capital. E introduziu uma séria contradição com a lucratividade, fazendo com que ela decaísse.
Essas contradições se intensificaram a partir dos anos 1970. José Waldir de Quadros e outros apontam que, nesses anos, a situação daqueles países desenvolvidos se transformou radicalmente graças à terceira revolução industrial, à crise de superacumulação, inevitável após décadas de crescimento acelerado, à guinada neoliberal e aos questionamentos à ordem social vigente na Golden Age.
Na verdade, a guinada neoliberal e os questionamentos ao período anterior decorreram da nova revolução industrial e da superacumulação de capitais, que elevaram brutalmente a participação do trabalho morto e impactaram intensamente a tendência de queda da taxa média de lucro, ou da lucratividade. Para contornar tal queda, o capitalismo desenvolvido intensificou a exportação de capitais, na forma de plantas industriais completas ou segmentadas, e na forma de capital-dinheiro especulativo, ao mesmo tempo em que designou esse processo de globalização.
Através de operações ideológicas e políticas, o capitalismo firmou a teoria de que a desindustrialização dos países periféricos seria idêntica à desindustrialização dos países capitalistas avançados. O mundo todo estaria ingressando numa era pós-industrial, em que os serviços e os conhecimentos substituiriam a indústria e, embora não liquidassem todas as classes, tendiam a fazer desaparecer a classe operária industrial.
Márcio Pochmann, por exemplo, reconhece que o deslocamento de plantas industriais do antigo centro do capitalismo para regiões periféricas, sobretudo asiáticas, esvaziou a produção industrial. No entanto, não especifica que esse esvaziamento ocorria no centro, enquanto renascia nas regiões periféricas asiáticas. Ao desconsiderar isso e acrescentar que outros países, como os da América Latina, mesmo sem completar plenamente sua industrialização, também teriam registrado sinais de esvaziamento da produção de manufatura, conclui que tudo se deu em meio à emergência da sociedade de serviços.
Ou seja, aceita a tese de que a desindustrialização seria a lei geral, mesmo nos países que não completaram o desenvolvimento de suas forças produtivas, enquanto o curso da industrialização em vários países asiáticos seria apenas tardio. A expansão do setor de serviços na economia seria predominante, implicando modificações substanciais no anterior padrão de mobilidade social.
Ainda segundo ele, essa transição da sociedade industrial para a de serviços, com o peso da indústria decaindo mais rapidamente, teria ocorrido concomitantemente com a expectativa de que a valorização do conhecimento fosse capaz de manter inalterada a estrutura social de classe até então existente. Apesar disso, ter-se-ia percebido uma gradual alteração no interior da estrutura social, compatível cada vez mais com o predomínio de novas formas do trabalho imaterial. O antigo movimento de estrutura do mercado de trabalho teria dado lugar a trajetórias de desemprego e emprego parcial, entre outras formas de trabalho precário.
Prefiro sustentar que o intenso processo de desindustrialização dos países capitalistas avançados, em especial dos Estados Unidos, tem raízes diferentes da desindustrialização dos países periféricos que ingressaram na onda neoliberal. Nos países avançados, a desindustrialização está relacionada ao alto estágio de desenvolvimento científico e tecnológico das forças produtivas, à queda da taxa média de lucro, à produção de dinheiro fictício, à superacumulação de capital e à exportação de capitais excedentes para países atrasados ou medianamente desenvolvidos.
Com isso, o capital pode aumentar a extração de taxas de mais-valia absoluta de trabalhadores de países com mão-de-obra mais barata e, paralelamente, obter altos lucros com a emissão de dinheiro fictício. O resultado tem sido uma intensa expansão mundial do capitalismo e uma maior superacumulação de capital, que tornou o desenvolvimento da forma capitalista ainda mais desigual, descombinado e potencialmente conflituoso do que no passado. A presente crise mundial desse capitalismo desenvolvido é uma expressão viva desse processo.
Embora os teóricos do capital desenvolvido tenham criado a teoria de uma transição civilizacional, da indústria para os serviços, e da transformação dos antigos trabalhadores industriais em trabalhadores dos serviços, na prática o que tem ocorrido é o agravamento do desemprego estrutural e da pobreza. Hoje há cerca de 50 milhões de estadunidenses vivendo abaixo da linha da pobreza. E na Europa os desempregados também se aproximam desse número.
Já em muitos países atrasados e medianamente avançados, a ação financeira dos capitais excedentes estrangeiros desestruturou parques industriais, reverteu o processo de industrialização para desindustrialização bem antes de esses países alcançarem um alto grau de desenvolvimento científico e tecnológico, e desnacionalizou e monopolizou a economia. Isso ocorreu na maior parte dos países da América Latina, inclusive no Brasil, em grande parte dos países da África e, de forma menos intensa, na periferia europeia. Neles também se disseminou a teoria da transição civilizacional e da transferência dos trabalhadores da indústria para os serviços. Mas, na prática, houve aprofundamento do desemprego, da pobreza e da miséria.
Ou seja, a desindustrialização dos países capitalistas desenvolvidos tem sido causada pelo alto desenvolvimento científico e tecnológico de seus meios de produção, circulação e distribuição. A desindustrialização dos periféricos foi causada pela avalanche financeira neoliberal, embora ambas tenham resultado na redução da classe operária industrial. Porém, nos desenvolvidos, o desemprego é estrutural, devendo agravar-se à medida que as ciências e tecnologias se incorporarem como novas forças produtivas. Apesar disso, o movimento da estrutura do mercado de trabalho não chegou a abolir o trabalho assalariado, e este é o ponto crucial para a reavaliação das classes sociais.
Nos países subdesenvolvidos, o desemprego é conjuntural, podendo ser revertido. Isso pode ser verificado especialmente em vários países periféricos da Ásia, uns atrasados e outros medianamente avançados, nos quais o Estado assumiu o processo de regulação dos capitais exportados pelos países capitalistas desenvolvidos, e a industrialização se intensificou.

Classes e luta de classes: questões de análise
Escrito por Wladimir Pomar  
No processo de globalização capitalista, as oportunidades de trabalho industrial foram ampliadas naqueles países que não seguiram as receitas do Consenso de Washington e aproveitaram os capitais excedentes no centro capitalista para industrializar-se. Esses países transformaram crescentes contingentes de sua classe camponesa em classe trabalhadora industrial e de serviços.
Embora alguns afirmem que a China e a Índia também estão entrando na transição da indústria para os serviços, se somarmos apenas as frações industriais das classes trabalhadoras assalariadas desses dois países, teremos mais de 500 milhões de operários. Em todo o mundo, essa fração industrial deve superar mais de um bilhão de trabalhadores assalariados, um número muito superior a toda a história anterior dessa classe surgida com o capitalismo.
Isso nos alerta para uma necessidade ainda maior de confrontarmos as teorias em voga com a realidade, de modo a não sermos apanhados de surpresa pelos fatos da luta de classes, o motor das mudanças históricas nos modos sociais de produzir e nas sociedades como um todo. É também esse confronto das teorias em voga com o processo histórico real que nos fornece a base para retomar o debate hoje em curso no Brasil a respeito da chamada nova classe média e das pretensas mudanças de paradigma para a análise das classes atuais.
Relembramos que tomamos como referência os textos contidos no livro A “Nova Classe Média” no Brasil como Conceito e Projeto Político. Num deles, de imediato nos confrontamos com a falsa ideia de que a análise de classes possui uma evidente marca “ocidentalcêntrica”, o que deveria nos deixar de sobreaviso perante quaisquer voluntarismos de sua aplicação dogmática. Na verdade, a análise de classes no Oriente é mais antiga do que a análise de classes no Ocidente, pelo fato de que a propriedade privada, o patriarcado, o escravismo e o feudalismo surgiram e se desenvolveram primeiro na Índia, China, Mesopotâmia e Pérsia. Mesmo no Ocidente, ocorreram primeiro no Egito e só depois na Grécia.
Os textos históricos deixados pelas gerações dessas regiões apontam que a situação das classes esteve sempre relacionada à sua posição diante da propriedade privada dos meios de produção e de recursos monetários, em especial da terra, assim como das relações de produção que tal propriedade impunha. Esses critérios foram modernamente incorporados à análise das classes por pensadores, filósofos e economistas políticos clássicos ocidentais, mesmo diante da emergência de meios de produção manufatureiros e industriais e da possibilidade da transformação do dinheiro em capital.
A discussão hoje existente, tanto no Brasil quanto em vários outros países, gira em torno da adoção de parâmetros diferentes da propriedade privada dos meios de produção e das relações de produção como critérios chaves para definir as classes. Marcelo Neri, por exemplo, mesmo negando que tenha adotado o critério de renda para a classificação social, na prática induziu vários setores, inclusive governamentais, a tratar as classes sociais a partir de tal critério.
Não por acaso, Lúcia Cortes da Costa alerta que a renda passou a ser o critério definidor para a identificação dos índices de pobreza, levando a que a manutenção do consumo se traduza como uma luta contra a pobreza. Seu alerta tem razão de ser porque a utilização da renda como critério para a análise das classes encobre o fato de que os pobres podem, eventualmente, incluir indivíduos de diferentes classes sociais, com interesses e demandas diferentes, a exemplo dos excluídos urbanos e dos camponeses miseráveis no Brasil.
Já Waldir José Quadros sustenta que o emprego é o alicerce da inserção do indivíduo em sociedades como a brasileira. Depois da propriedade, o emprego seria a base da desigualdade social. Ou seja, ele inverte a ordem dos fatores na esperança de que o resultado seja o mesmo. Na realidade, quem tem a propriedade de meios de produção (capital constante) não depende de emprego para se inserir na sociedade. Ele depende fundamentalmente de também ter capital variável para comprar forças de trabalho no mercado e, com elas, colocar seus meios de produção em funcionamento. Em sociedades capitalistas como a brasileira, quem depende de emprego é quem não possui a propriedade de meios de produção.
Jessé Souza, por seu turno, diz que a percepção da luta de classes exige os meios cientificamente adequados a isso. Exige tornar visível a formação e a gênese das classes sociais e, portanto, do conjunto de capitais que irão pré-decidir toda a competição social por recursos escassos, lá onde elas são constituídas de modo muito específico. Para tanto, ele considera a propriedade de três tipos de capital: o capital econômico, o capital social e o capital cultural. Eles seriam fundamentais para a classificação social, o capital cultural sendo essencial para a inserção em qualquer dos outros dois tipos de capital.
Como exemplo, ele afirma que a reprodução do que chama classes altas, que têm no capital econômico seu elemento principal na luta por recursos sociais escassos, dependeria em boa medida de outros capitais. Ao “rico bronco” estariam vedadas não apenas as importantes relações entre o capital econômico e o capital cultural, o qual possibilita a “naturalidade”, a “leveza”, o “charme pessoal”, tão importantes no mundo dos negócios como em qualquer outro lugar. Estariam vedadas também as relações com uma terceira forma de capital, o “capital social de relações pessoais”.
Essa suposição, porém, não condiz com a realidade de uma série considerável de capitalistas, reconhecidamente “broncos” do ponto de vista cultural e social, mas possuidores de capitais “econômicos”. Ao contrário do que pensa Jessé Souza, eles são muito bem tratados no mundo dos negócios e nos meios sociais adjacentes, justamente pela propriedade daqueles capitais “econômicos”. E só passam a ser maltratados quando perdem tal propriedade econômica. Exemplo notório no momento é o de Eike Batista. Por outro lado, existe uma miríade de gente culturalmente elevada, com a naturalidade, leveza e charme pessoal que a erudição pode proporcionar, que é simplesmente ignorada pelo mundo dos negócios e pelos meios sociais respectivos.
Isso só se modifica quando algum desses eruditos se torna, por um desses acasos da vida, serviçal do mundo dos negócios e tem a oportunidade de ingressar nele ao acumular capitais econômicos. Além disso, nem sempre as classes altas, proprietárias de capital (que pode ser industrial, comercial, agrícola, de serviços e financeiro, e também ser grande, médio ou pequeno), têm tal capital como elemento principal na luta por recursos sociais escassos. As classes altas dos países capitalistas desenvolvidos se confrontam hoje justamente com o contrário. Isto é, os enormes excedentes de capitais e de forças de trabalho em seus países as obrigam a operações especulativas e a exportações de capitais, que agravam ainda mais tais excedentes de recursos.
Assim, mesmo que o conceito de capital possa ser momentaneamente desfigurado para efeitos didáticos, o que é determinante para a aquisição de capital social e de capital cultural é o capital que Jessé Souza chama de econômico. Como, aliás, ele mesmo reconhece em certo trecho, mas talvez não tenha tirado as conclusões devidas a respeito. No mundo moderno, em que a mercadoria continua sendo a célula da sociedade, mesmo quando aparentemente travestida de imaterialidade cultural, a toda hora o capital-dinheiro está presente para nos lembrar que, sem ele, a própria vida corre o perigo de se esvair.
Tomar a propriedade dos meios de produção (basicamente, na sociedade capitalista, capital dinheiro e capital meios de produção, circulação e distribuição) como critério básico para a análise e classificação das classes sociais só se torna economicista se não forem tomadas na devida conta as peculiaridades históricas de cada uma dessas classes. Isto é, se não forem considerados seu grau histórico de participação na renda e na renda social acumulada, seu padrão de vida, nível educacional, qualificação técnica, nível cultural, nacionalidade, religiosidade, e igualdade de gênero, social, racial e política.
Não é possível, nem correto, por exemplo, supor que a fração operária da classe dos trabalhadores assalariados, em qualquer país do mundo, tenha renda, padrão de vida, nível educacional, qualificação técnica e outras características sociais idênticas às das frações operárias dos séculos 19 e 20. Isto, mesmo em comparação com os países capitalistas avançados de então. As únicas coisas que podem identificá-las como uma mesma fração de uma mesma classe é o fato de venderem sua força de trabalho no mercado, operarem meios de produção de propriedade dos capitalistas, e terem o salário como o elo de relação entre elas e os capitalistas.
O mesmo diz respeito à burguesia, à pequena-burguesia e a outras classes historicamente herdadas por quaisquer das sociedades que se examine. O fato de boa parte da burguesia atual, em praticamente todos os países do mundo, viajar em aviões particulares, e não mais na primeira classe de aviões de carreira, como na segunda metade do século 20, ou de carro ou trem, como na primeira metade do século 20, apenas mostra o enorme desenvolvimento das forças produtivas, promovido pela concorrência intercapitalista. O mesmo desenvolvimento que tornou possível baratear o preço dos automóveis, tornando-os acessíveis a operários qualificados.
Porém, nada disso mudou a natureza da propriedade do capital e as relações assalariadas. E, embora tenham permitido aos trabalhadores assalariados acesso a bens inatingíveis durante a maior parte do século 20, não conseguiram reduzir a distância entre a acumulação da riqueza dos capitalistas e a parte da renda social que cabe ao trabalho.

Classes e luta de classes: ainda as questões de análise
Escrito por Wladimir Pomar  
Confesso que vacilei em fazer um intervalo nesta série sobre classes e luta de classes em vista da prisão de ex-presidentes do PT, condenados pela AP 470. Revi meus comentários anteriores e cheguei à conclusão de que tinha pouco a acrescentar ao que já havia dito.
Aquela ação girou em torno de uma hipotética compra de deputados para a aprovação de projetos do governo. Se fosse verdadeira, a maioria do Congresso deveria estar no banco dos réus. Para piorar, a ação penal ignorou o fato real e criminoso do financiamento privado das campanhas eleitorais. Portanto, apesar de toda a cobertura midiática para demonstrar a firmeza de enfrentamento contra a corrupção, o supremo tribunal sequer arranhou o principal mecanismo de corrupção eleitoral e política do país.
Como muitos outros, instei aos réus petistas o reconhecimento do brutal erro de acharem ser possível praticar as mesmas ilegalidades de caixa dois dos políticos da burguesia, sem abrir flancos para seus ataques. E apelei que sua defesa, além do reconhecimento do erro cometido, deveria concentrar-se não no emaranhado jurídico da caótica legislação brasileira, mas na luta contra a judicialização e criminalização da política e por uma reforma política que desse fim à compra de votos nas eleições.
Como nenhuma dessas opiniões foi levada em conta, hoje nos defrontamos com uma crescente ofensiva da direita. E se alguém pensa que o PT é o único alvo, cometerá o mesmo engano para o qual Brecht alertava o povo alemão durante a ascensão do nazismo. Depois dos petistas, virão os demais esquerdistas. A seguir os democratas radicais e os democratas liberais. Muitos de nós já fomos atores forçados dessa mesma ilusão de classe. Portanto, mais do que antes é necessário deslindar essa questão.
Reiteramos que, para a definição das classes sociais, além de tomar como base a propriedade dos meios de produção e as relações de produção consequentes, é necessário considerar os fatores contemporâneos de renda anual, renda social acumulada, padrão de vida, nível educacional, qualificação técnica, nível cultural, nacionalidade, religiosidade, e igualdade de gênero, social, racial e política. Ou seja, qualquer classe social da atualidade do mundo capitalista, em cada país ou região, possui características comuns quanto à propriedade e às relações de produção, mas características diferentes, relacionadas com a história de desenvolvimento local do capitalismo e da luta de classes.
Jessé Souza tem razão, então, em se insurgir contra a utilização da renda como critério de definição das classes sociais. No entanto, desdenhar a renda como complemento a uma caracterização mais completa das classes, ou mesmo recusar-se a tomá-la como referência para ingressar no debate, talvez não seja a melhor tática para desfazer o enevoado sobre as classes sociais no Brasil. Nesse sentido, sua acusação de que Márcio Pochmann compartilha os fundamentos essenciais da análise de Neri, apenas acrescentando à análise deste um estudo mais detalhado das ocupações que ganharam dinamismo no último momento econômico, deixa de lado o fato de que Pochmann colocou em dúvida o esquema teórico de Neri.
É verdade que Pochmann toma como referência o conceito de mobilidade social, enquanto medida de mudança no interior das sociedades. Para ele, historicamente podem ser identificados dois tipos fundamentais de estruturação social. O primeiro estaria vinculado ao sistema de castas sociais, cuja existência de grupos hereditários se apresentaria praticamente impermeável às mudanças sociais. Este seria o caso das antigas sociedades agrárias, nas quais o estatuto social definido pela hereditariedade teria predominado até a consolidação do sistema de classes sociais, sobretudo com a emergência das sociedades urbanas e industriais a partir da segunda metade do século 18. Somente nas sociedades industriais capitalistas teria se generalizado a noção moderna de classe social.
Em outras palavras, ele não levou em conta que o conceito de mobilidade social pode ser útil para verificar a transferências de indivíduos, ou grupos de indivíduos, de uma classe para outra, mas não para analisar as mudanças históricas que transformam as classes sociais existentes em outras, qualitativamente diferentes. Desprezou a domesticação das plantas e animais e a revolução pecuária e agrícola realizadas pelos grupos matrilineares, conforme descrito no texto da semana de 09/10. Desprezou, portanto, o surgimento histórico da propriedade privada, da divisão social do trabalho entre homens e mulheres, do patriarcado e da herança como imposição da organização dos seres humanos em grupos patrilineares.
As castas só surgiram nesse processo de mudanças, como frações da classe fundiária dominante, à medida que o patriarcado evoluiu para o escravismo, de certo modo mantendo-se na evolução do escravismo para o feudalismo. Na Índia, as castas foram uma imposição pretensamente religiosa dos invasores ários, ou arianos, sobre os drávidas. Mas seu fundamento estava na divisão da propriedade territorial entre brâmanes e chatrias. Isto é, entre sacerdotes e guerreiros, divisão que permaneceu quando a sociedade indiana ingressou no feudalismo.
Neste, os membros dessas castas superiores tornaram-se rajás e marajás (pequenos e grandes senhores feudais). Já as castas inferiores se tornaram camponeses servos e camponeses livres, ou em pedintes. No império bizantino, as castas sacerdotal, burocrática e militar eram, antes de tudo, proprietárias de terras e de escravos. Secundariamente, eram também proprietárias de animais, plantações, prédios rurais e urbanos, carretas, embarcações, riquezas monetárias, ouro e prata. Esse conjunto de propriedades as unificava como classe dominante e, ao mesmo tempo, as fracionava e as mantinha em disputa constante.
Por outro lado, o sistema hereditário, ou da herança acumulada pertencer àquele ou àqueles que o proprietário delas designasse, se manteve no sistema de castas e de classes do escravismo e do feudalismo, e se conservou no capitalismo. Nesse sentido, todas as castas e classes proprietárias, a partir de sua consolidação como casta ou classe dominante, tornam-se impermeáveis às mudanças, dando a impressão de impermeabilidade do sistema. Nada muito diferente do que aconteceu com a burguesia quanto conquistou a hegemonia econômica e se tornou classe ideológica e politicamente dominante do capitalismo.
No entanto, como explicar as mudanças de dinastias durante o escravismo e o feudalismo, em toda parte em que se tornaram dominantes? Isso só pode ser explicado pela luta surda e/ou aberta entre as frações de classe e entre as classes como um todo. Basta dar uma breve olhada nas inúmeras revoltas e guerras que emergem das histórias chinesa, indiana, egípcia, grega, romana, bárbara e feudal europeia para se convencer dessa verdade simples, embora matizada pelas peculiaridades locais.
Exemplo interessante do rompimento dessa impermeabilidade é o dos chefes das tribos turcas escravizadas durante a expansão imperial árabe. Essas tribos foram transformadas em guardas reais e seus chefes foram mantidos como comandantes dessas guardas. Com o tempo, eles acabaram substituindo os califas árabes na Pérsia e na Índia, constituindo sultanatos próprios. Expropriaram as propriedades dos árabes e se tornaram senhores fundiários, sem que isso representasse uma mudança no sistema feudal já predominante nessas regiões.
Assim, ao contrário do que Pochmann supõe, a consolidação do sistema de classes sociais ocorreu muito antes da emergência das sociedades urbanas e industriais. O que se generalizou nas sociedades industriais capitalistas, como noção moderna de classe social, foi a igualdade formal entre os homens, todos livres para comprar e vender a força de trabalho no mercado. Ou seja, generalizaram-se as relações estritamente econômicas como base de funcionamento da sociedade.
O que não impediu a classe dominante capitalista de continuar utilizando procedimentos extra-econômicos na exploração de outros povos e terras e, algumas vezes, de seu próprio povo. Não esqueçamos que o escravismo sobreviveu paralelamente ao florescente capitalismo norte-americano até meados do século 19, sendo necessária uma guerra civil para extirpá-lo.
O conceito de mobilidade social não explica essas mudanças e transformações sociais relacionadas, na maioria das vezes, ao revolucionamento da base produtiva. As sociedades urbanas e industriais resultaram de transformações profundas nas formas anteriores de produzir. Deram surgimento a novas relações de produção e, com isso, à profunda transformação das antigas classes sociais em novas classes sociais, embora nem todas as anteriores tenham sido extintas no curto ou mesmo no longo prazo, como é o caso do campesinato.
Talvez por ficar amarrado àquele conceito, Pochmann tenha se visto forçado a considerar que a sociedade de serviços se generalizou nas economias capitalistas avançadas, promovendo uma transição do padrão de mobilidade social. Segundo ele, tal transição teria promovido um importante debate a respeito das limitações acerca da utilização das clássicas categorias de classe social, conformadas anteriormente para o capitalismo industrial. No entanto, como veremos, embora a realidade do capitalismo seja mais complexa, a utilização das clássicas categorias de classe social, tendo por base as relações de propriedade, continua em pleno vigor.

Classes e luta de classes: as realidades do capital
Escrito por Wladimir Pomar  
Sociedade individualizada, sociedade líquida, classes de serviço, sociedades sem classe, multidões, classes globais, entre outros termos, estariam sendo utilizados pela literatura especializada nos estudos sobre a transformação recente nas estruturas sociais no centro do capitalismo mundial. Nestes termos, se constataria o crescente paradoxo existente entre as possibilidades de uma nova estrutura social frente ao desenvolvimento da produção com menor participação do setor industrial e a aplicação dos conceitos tradicionais de classes sociais.
Porém, o que realmente mudou nas sociedades de economias capitalistas avançadas? Mudou o sistema de propriedade privada? A desindustrialização e a predominância relativa do setor de serviços naquelas sociedades modificaram a relação assalariada entre os proprietários privados dos meios de circulação e distribuição (nos quais se enquadram os serviços, ou a maior parte deles) e os proprietários de força de trabalho?
Em geral, aquela literatura especializada tem fugido de responder a essas perguntas extremamente simples, da mesma forma que enfrenta grande dificuldade para analisar as diferentes realidades do capitalismo atual, desigual, descombinado, apesar das aparências, e extremamente conflituoso, apesar das promessas de paz.
Nos países capitalistas desenvolvidos da atualidade, a propriedade privada dos meios de produção, circulação e distribuição se tornou ainda mais centralizada nas mãos de um pequeno número de grandes magnatas. Estima-se que 0,7% de sua população se apropriem de mais de 40% da renda mundial gerada a cada ano. Como já frisamos em textos anteriores, seus setores industriais foram, ou continuam sendo, deslocados para países e regiões agrárias ou agrário-industriais que oferecem mão-de-obra mais barata. Isto é, que oferecem a possibilidade de extrair maiores taxas de mais-valia absoluta, compensando a queda da lucratividade nos países desenvolvidos.
Porém, apesar da expansão para países atrasados, permitindo aumentar a acumulação de capitais excedentes, isto não soluciona o problema da lucratividade. Ao contrário. Aquela acumulação a agrava ainda mais, obrigando as grandes corporações transnacionais dos países capitalistas avançados não só a continuarem exportando capitais, mas também a transformarem grande quantidade desses capitais em instrumentos de especulação financeira, produzindo dinheiro fictício a partir de dinheiro acumulado. Nessas condições, as crises do capital tendem a se tornar ainda mais destrutivas.
A provável transformação daquelas economias em sociedades de serviços, supostamente capazes de empregar os trabalhadores excedentes das indústrias deslocadas, apenas procura mascarar a verdade de que o desenvolvimento científico e tecnológico no capitalismo tende a utilizar cada vez mais trabalho morto ao invés de trabalho vivo. Portanto, como Marx previra, tende a criar uma crescente contradição entre tal desenvolvimento e a capacidade de emprego. Tende a desempregar massas crescentes de forças de trabalho, aumentando de forma absurda aquilo que a literatura antiga chamava de exército industrial de reserva. Este deixa de ser tal exército para se conformar como uma crescente massa humana excedente, excluída do mercado e em confronto com a arrogante e desumana riqueza acumulada por uma minoria capitalista.
Em tais condições, a fração industrial da classe dos trabalhadores assalariados dos países capitalistas desenvolvidos tende a ser crescentemente reduzida. Momentaneamente, as demais frações dessa classe (agrícola, comercial e de serviços) parecem aumentar, seja de forma relativa, seja de forma absoluta. No entanto, essas frações também tendem a sofrer o mesmo destino da fração industrial, pelo simples motivo de que a agricultura, o comércio e os serviços tendem cada vez mais a serem modernizados pelas ciências e tecnologias, aumentando a utilização do trabalho morto em detrimento do trabalho vivo. A mecanização da colheita da cana no Brasil é um dos exemplos desse processo.
Em termos sociais, nada disso modificou qualitativamente as relações de produção existentes nos países capitalistas avançados desde o seu nascimento.
A burguesia apenas se tornou mais reduzida, no sentido inverso de sua acumulação de capitais, monstruosa e indecentemente elevada. Ela continua sendo proprietária privada dos meios de produção, circulação e distribuição, mesmo daqueles que foram transferidos para o exterior. Sua divisão interna entre frações industriais, agrícolas, financeiras, comerciais e de serviços vem sendo superada pela centralização do capital em grandes corporações, sob o comando da fração financeira, diante dos quais os antigos trustes e cartéis parecem crianças de colo. E ela continua comprando forças de trabalho no mercado, através do pagamento em dinheiro, independentemente de esse trabalho ser full time, part time, terceirizado, precário, ou outras formas que a criatividade capitalista possa promover.
Até mesmo o trabalho escravo ou semiescravo, praticado por médios e pequenos capitalistas nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, se vê obrigado a manter formalmente a relação salarial. O que, por outro lado, aponta para a expropriação crescente de pequenos, médios e mesmo grandes capitalistas, especialmente durante as crises do sistema.
Portanto, parte da burguesia, e também daquilo que classicamente se chamava pequena-burguesia (proprietários privados de pouco capital constante e pouco capital variável, trabalhando sozinhos, e/ou com a família e/ou com poucos assalariados) está sendo transformada em parte da classe dos trabalhadores assalariados, ou em parte da população excedente excluída do mercado.
É este tipo excluído de população que mais tem crescido nos países capitalistas desenvolvidos, introduzindo mudanças no antigo exército industrial de reserva. No entanto, isso não fez surgir qualquer outra relação econômica para a sua sobrevivência. Parte dessa população vive de biscates, que não é senão uma forma degradada de venda da força de trabalho em troca de dinheiro. Outra parte vive da mendicância, também intermediada pelo dinheiro. E outros vivem de expedientes extraeconômicos e extrassociais, incluindo prostituição, furto, roubo, tráfico e que tais, num processo extremamente fracionado e violento.
Nos países capitalistas em desenvolvimento e nos países capitalistas atrasados, ao contrário dos países desenvolvidos, ocorreram dois processos opostos durante o período inicial da globalização capitalista e da aplicação das políticas neoliberais. Os países cujas burguesias e Estados aceitaram as receitas do Consenso de Washington ingressaram numa desindustrialização perversa. Isto é, foram desindustrializados não por sua indústria haver alcançado alto nível de desenvolvimento científico e tecnológico, mas pelo fato de as políticas dos Estados e das grandes corporações transnacionais terem devastado seus parques industriais.
Em virtude disso, por exemplo, no Brasil parte da burguesia e da pequena-burguesia foi expropriada. Paralelamente, houve uma intensa redução da fração industrial da classe trabalhadora assalariada. E ocorreu uma redução menor das frações agrícola, comercial e de serviços, fundamentalmente porque esses setores serviam, em grande parte, às multinacionais, do país e do exterior.
Ao mesmo tempo se conformou uma enorme população excedente sem acesso ao mercado de trabalho, num processo que perdurou por mais de 20 anos. Influenciados pela aparente semelhança com o processo de desindustrialização dos países capitalistas desenvolvidos, muitos estudiosos caíram na esparrela de que a desindustrialização brasileira tinha a mesma natureza. Este talvez seja um dos motivos pelos quais a necessária reindustrialização brasileira parece se bater contra obstáculos teóricos e práticos intransponíveis.
Em sentido contrário, numa série de outros países pouco desenvolvidos, seus Estados decidiram impor condicionalidades à exportação dos capitais excedentes do capitalismo desenvolvido. Através disso, promoveram a industrialização e outros processos de desenvolvimento econômico e social. As políticas desses países, na contramão das políticas neoliberais aplicadas na América Latina e em outras regiões, levaram ao crescimento tanto da burguesia e da pequena-burguesia, quanto das diversas frações da classe dos trabalhadores assalariados, em especial da sua fração industrial. Calcula-se que esta fração, conhecida no passado como classe operária, esteja chegando próxima de um bilhão em todo o mundo, número muito superior à soma da classe operária da Europa e dos Estados Unidos no período áureo de sua existência.
Portanto, olhando o mundo como um todo, o capitalismo continua mantendo suas antigas relações assalariadas de produção. As tentativas de elevar os trabalhadores assalariados do comércio e dos serviços a uma categoria social diferente parecem apenas movimentos ideológicos e políticos, não só para esconder o grau das contradições a que o capitalismo desenvolvido está chegando, mas também para manter sua influência sobre setores pouco concentrados e mais afeitos a ouvir cantos de sereia.
O que, diga-se de passagem, não é novidade. Como frisou Waldir José de Quadros, desde os anos 1950 Mills cunhou o conceito de nova classe média para caracterizar a expansão do chamado emprego de colarinho branco. Com isso, utilizando o conceito de mobilidade social, virtualmente transformou assalariados de escritório numa pretensa classe média não-proprietária.
Porém, não conseguiu extirpar a propriedade privada do capital, nem as relações de produção assalariadas. Enquanto estas existirem, elas continuarão sendo os principais critérios para a análise das classes sociais, mesmo nos países capitalistas desenvolvidos.
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