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13 de Maio – NEP
Índice
I - COMO SE DÁ A EXPLORAÇÃO
1. Burgueses e proletários
2. A mercadoria e seu valor
3. O processo de produção das mercadorias. Salário.
Mais-valia
3.1. Capital 3.2. Força de Trabalho
3.2. 1. Trabalho
necessário
3.2.2. Trabalho excedente
4. O aumento da exploração e a acumulação de capital
4.1. Jornada de trabalho. Ritmo de trabalho. Mais-valia
absoluta. Mais-valia relativa
4.2. A superexploração da força de trabalho
5. A luta econômica dos trabalhadores
5.1. Os sindicatos
5.2. As greves
II - CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CAPITALISMO
1. A livre empresa
2. A anarquia da produção
3. As leis do capitalismo
3.1. A concentração e centralização dos capitais e a
proletarização crescente dos produtores
3.2. O aumento da proporção do capital constante e a
tendência de a taxa de lucro médio cair
4. As crises cíclicas da economia capitalista
4.1. Características das crises
4.2. Causas das crises
4.3. Como a burguesia enfrenta as crises
III - CAPITALISMO MONOPOLISTA E CAPITALISMO DEPENDENTE
1. Fases do capitalismo
1.1. Acumulação primitiva do capital (pré-capi1ismo)
1.2. Revolução industrial e capitalismo competitivo
1.3. A formação dos monopólios
2. As colônias do capital monopolista
3. O neocolonialismo
4. O atual capitalismo subdesenvolvido e dependente
4.1. A exportação de indústrias
4.2. As transnacionais e multinacionais
4.3. Os superlucros
4.4. Subdesenvolvimento e dependência
5. A dependência do capitalismo brasileiro
5.1. O modelo agrário-exportador
5.2. O modelo de substituição de importações
5.3. O modelo de desenvolvimento associado
IV - CAPITALISMO E ESTADO
1. Estrutura e superestrutura da sociedade
2. Para que serve o Estado
2.1. Origem do Estado
2.2. Funções políticas e técnicas do Estado
2.3. Função do Estado burguês
3. Como domina o Estado burguês
3.1. A teoria da raposa e do leão
3.2. As leis
3.3. As forças armadas e a polícia
4. A questão da estatização da economia
5. O Estado a serviço do imperialismo
6. A luta política dos trabalhadores
V - CAPITALISMO E IDEOLOGIA
1. Esconder, justificar, universalizar e fragmentar
2. Os instrumentos da dominação ideológica
3. Os princípios liberais
4. A ideologia a serviço do imperialismo
5. A luta ideológica dos trabalhadores
VI - A PROPOSTA DO
SOCIALISMO
1. A passagem para o socialismo
1.1. Condições objetivas
1.2. Condições subjetivas
2. A organização da economia no socialismo
2.1. As forças produtivas na
economia socialista
2.2. As relações sociais de produção na economia socialista
2.2.1. Fim da contradição capital X trabalho: propriedade
coletiva dos meios de produção
2.2.2. Fim da anarquia da produção: planificação econômica
global
2.2.3. Remuneração individual. Auto-administração
2.2.3.1. Remuneração individual
2.2.3.2. Auto-administração
3. A organização política no socialismo
3.1. O Estado dos trabalhadores
3.2. A participação política dos trabalhadores. O
internacionalismo proletário
4. A consciência socialista
5. O projeto de uma sociedade pós-socialista
5.1. A palavra "comunismo"
5.2. As relações econômicas no pós-socialismo
5.2.1. As forças produtivas no pós-socialismo
5.2.2. As relações sociais de produção
no pós socialismo
5.3. As relações políticas no pós-socialismo
5.4. A consciência social no pós socialismo
6. As experiências socialistas
I - COMO
SE DÁ A EXPLORAÇÃO
1. Burgueses
e proletários
2. A
mercadoria e seu valor
3. O processo de produção das mercadorias. Salário.
Mais-valia
3.1. Capital
3.2. Força de trabalho
3.2.1. Trabalho necessário
3.2.2. Trabalho excedente
4. O aumento da exploração e a acumulação de capital
4.1. Jornada de trabalho. Ritmo de trabalho. Mais-valia
absoluta. Mais-valia relativa
4.2. A superexploração da força de trabalho
5. A luta econômica dos trabalhadores
5.1. Os sindicatos
5.2. As greves
1. BURGUESES E PROLETÁRIOS
Vivemos
numa sociedade capitalista.
Na
sociedade capitalista, existem muitas desigualdades. Basta ter olhos para ver.
Uma minoria de pessoas concentra grande quantidade de bens materiais em seu
poder: dinheiro, propriedades, mansões, carros, muita fartura e luxo. Por outro
lado, a maioria das pessoas tem apenas o mínimo, e às vezes menos que o mínimo,
para sobreviver. Vivemos apertados em matéria de alimentação, casa, roupa, transporte,
escola, saúde e lazer etc. Vemos também tantas consequências trágicas desta sociedade: subnutrição, mortalidade
infantil, doenças endêmicas, menores e idosos abandonados, desemprego,
prostituição, analfabetismo, criminalidade, acidentes de trabalho, favelas.
Ë
verdade que entre os dois grupos existem camadas médias, que costumamos chamar
de "classe média". Mas esta "classe média" não é uma
classe fundamental, quer dizer, não é ela que determina a natureza da sociedade
capitalista.
Na
sociedade capitalista as classes
sociais fundamentais são: a burguesia e o proletariado.
A
burguesia é a classe dos donos das fábricas, das fazendas, das mi nas, do
grande comércio, dos bancos etc. Enfim, são os proprietários particulares dos meios de produção, isto é, são os
donos do capital. Por isso se chamam capitalistas. Estes meios de produção
constituem um capital, porque são utilizados dentro de uma relação de
exploração, como veremos adiante.
O nome
de burguesia se deve ao fato de que, quando esta classe se formou, no fim do
feudalismo europeu, tratava-se de comerciantes e pequenos industriais que
viviam nas pequenas cidades (burgos). Não eram nobres, nem eram mais servos que
lavravam a terra nos feudos.
Eram
um tipo de classe média que depois se transformou na classe dominante.
O
proletariado é a classe dos que, não sendo proprietários dos meios de produção,
só possuem como propriedade sua força
de trabalho, que eles vendem por certo tempo à burguesia, em troca de
um salário.
É
verdade que, dentro do proletariado, existem trabalhadores que ganham mais que
outros. Por exemplo: um ferramenteiro ganha mais do que um ajudante. Mas tanto
um como o outro vivem do seu trabalho. Se pararem de trabalhar, nem um nem o
outro têm como sobreviver. Por isso, os dois são proletários.
O nome
proletário já era dado na antiga Roma às pessoas que não possuíam nada, a não
ser sua prole, isto é, seus próprios filhos. No início da sociedade
capitalista, o proletariado se formou de antigos servos que saíam dos feudos e
vinham para os burgos sem nada possuir, e também de artesãos que não tinham
mais condições de competir com as máquinas dos burgueses. Assim, os proletários
são homens livres em dois sentidos: não estão mais presos aos feudos, e também
não têm mais nada de seu, a não ser a sua própria força de trabalho.
Portanto,
na sociedade capitalista existe uma separação entre o capital e o trabalho.
Quem trabalha diretamente não possui os meios de produção, e quem possui os
meios de produção não trabalha diretamente. A burguesia usa a força de trabalho
dos proletários para fazer funcionar seus meios de produção, e assim produzir
mercadorias para obter lucros. Com esse lucro, além de viver com muito conforto
e luxo, os burgueses melhoram em quantidade e qualidade seus meios de
produção, para produzir mais mercadorias e obter mais lucros.
Esse
processo repetido todos os dias é o processo de acumulação de capital. O proletariado, pelo contrário, não
acumula nada, vendendo-se todos os dias no mercado de trabalho, para poder
viver, ou sobreviver, geralmente
muito mal, com muitas dificuldades.
Os
burgueses, portanto, contratam os proletários para trabalhar em suas empresas,
por determinado salário, durante tantas horas por dia, e em certas condições
previamente tratadas. Os trabalhadores concordam formalmente com este
"livre" contrato de trabalho. Qual é o jeito? Eles não possuem os
meios de produção, estão livres deles. Também não estão amarrados por
obrigação a nenhum senhor ou terra, isto é, são formalmente livres. Livres para
vender sua força de trabalho no mercado de trabalho, ou então, se não quiserem
fazer isso, livres para morrer de fome.
Esse
"livre" contrato de trabalho, feito individualmente, é um contrato
que se faz entre duas pessoas que ocupam posições muito diferentes dentro da
sociedade. O burguês, proprietário dos meios de produção, está numa situação
privilegiada: ao procurar a mercadoria força de trabalho, encontra uma
abundância de oferta. Se um trabalhador não aceita suas condições, há vários ou
muitos outros, concorrendo entre si, que certamente a aceitarão. O êxodo rural
que, por diversos motivos, sempre acompanha o surgimento da produção
capitalista encarrega-se de formar um excedente de oferta de força de trabalho,
um verdadeiro EXÉRCITO INDUSTRIAL DE RESERVA.
O
proletário, proprietário apenas de sua força de trabalho, encontra-se numa
posição bastante desvantajosa: fica entre a cruz e a espada, isto é, entre a
exploração do patrão e a miséria do desemprego. Esta é a "liberdade"
do trabalhador na sociedade capitalista. Mas, para o burguês, o livre contrato
de trabalho é uma liberdade sagrada dentro de sua economia de livre empresa.
Estas
duas classes, a dos burgueses e a dos proletários, têm interesses que são
objetivamente contrários e antagônicos, quer dizer,INTERESSES INCONCILIÁVEIS.
"Objetivamente"
significa que isto não depende da boa ou má intenção das pessoas. Os interesses
destas duas classes são inconciliáveis porque se uma ganha, a outra obrigatoriamente
perde. O que é bom para uma classe é prejudicial para a outra. A burguesia, que
tem interesse em conservar sua situação privilegiada, tenta obscurecer o fato
da divisão da sociedade em classes de interesses inconciliáveis, acenando para
a ASCENSÃO SOCIAL, dizendo que o operário de hoje pode ser o patrão de amanhã.
Mas a gente sabe que é quase impossível para o trabalhador assalariado
conseguir a quantia necessária para montar uma pequena empresa. Além disso, mesmo
que alguns operários individualmente mudassem de classe, nem por isso deixaria
de existir a divisão da sociedade em classes de interesses inconciliáveis.
Desde
que surgiu o capitalismo, muita gente percebeu que esse sistema produz grandes
desigualdades e injustiças. Perceberam também que quanto mais a minoria
burguesa vai enriquecendo, tanto mais a maioria proletária vai afundando na
pobreza e miséria. Enfim, muitas pessoas perceberam e denunciaram a exploração.
Mas qual é o mecanismo pelo qual se dá a
exploração? Isto
não aparece logo à primeira vista. Foram necessários muito estudo e pesquisa
para responder a esta pergunta. Quem conseguiu desvendar o mistério foi Karl
Marx. Nos próximos itens veremos como.
2. A MERCADORIA E SEU VALOR
Na
sociedade capitalista, vivemos rodeados de mercadorias. Alimentos, roupas,
eletrodomésticos, arte, diversões, e até as próprias pessoas estão aí para ser
comercializadas.
Mas
como é a natureza da mercadoria? Como é que mercadorias que são tão diferentes
entre si, como, por exemplo, arroz e sapatos, podem ser trocadas umas pelas outras,
em certas proporções?
A
mercadoria, antes de tudo, é um objeto que tem um duplo valor: valor de uso e o
valor de troca.
O valor de uso se baseia na qualidade
própria da mercadoria, depende da necessidade e até do gosto de cada pessoa.
Por isso, o valor de uso não dá para ser medido.
O valor de troca, pelo contrário, não se baseia na qualidade própria da
mercadoria, e pode ser medido. Por exemplo: um par de sapatos que é trocado por
20 quilos de arroz. O que indica esta troca? Indica que um par de sapatos tem
um valor de troca equivalente a 20 quilos de arroz. Mas o que existe de comum
entre estas duas coisas tão diferentes? O que existe de comum entre sapatos,
arroz ou qualquer outra mercadoria é que todas elas são produtos da FORÇA DE
TRABALHO do homem. Só pela ação da força de trabalho humano é possível
aproveitar as riquezas que a natureza oferece, transformando-as de acordo com
as necessidades e conveniências. Portanto, é a força de trabalho humana que
está presente em todas as mercadorias.
E o que
faz com que as mercadorias possam ser trocadas? Isto é, que faz com que as
mercadorias tenham um valor equivalente?
É o TEMPO MÉDIO DE TRABALHO que foi gasto para produzi-las. Um par de
sapatos pode ser trocado por 20 quilos de arroz porque para se produzir um par
de sapatos o operário gasta em média o mesmo tempo de trabalho que o camponês
gasta, em média, para produzir 20 quilos de arroz.
Portanto,
o valor de troca das mercadorias se baseia na força de trabalho do homem e se
mede pelo 'tempo médio de força de trabalho necessário para a produção das mercadorias.
Para facilitar as trocas, os homens passaram a usar uma mercadoria que
funciona como equivalente geral
para todas as outras, o DINHEIRO, em forma de ouro, prata, ou de papel-moeda
que os representa. Com a chegada do dinheiro, ai trocas diretas de mercadorias,
que costumavam ser feitas entre os produtores independentes, praticamente
desapareceram. Mas, seja através da troca direta, seja através do dinheiro, o
valor das mercadorias trocadas deve ser equivalente, quer dizer, o tempo médio
de trabalho humano gasto para produzi-las é o mesmo.
Mas alguém poderia dizer que não dá para medir o valor das
mercadorias pelo tempo gasto pelo trabalhador na sua produção, porque existem
várias profissões, e dentro de cada profissão existe o oficial, o meio-oficial,
o aprendiz etc. Ë verdade que existem estas diferenças. Porém, isto indica
apenas que a força de trabalho qualificada, por causa da maior habilidade e
treinamento, produz 2, 3, 4. . . vezes mais valor, em determinado tempo de
trabalho, do que a força de trabalho não-qualificada. Isto quer dizer que a
qualificação da força de trabalho potencializa o tempo de trabalho. De qualquer
forma, potencializado ou não, é o tempo de trabalho que determina o valor das
mercadorias.
Então,
o valor das mercadorias (valor de troca) resulta da força de trabalho
incorporada nelas. E o preço resulta das variações para mais ou menos, em torno
do valor, segun¬do a lei da oferta e procura.
3. O PROCESSO DE PRODUÇÃO DAS MERCADORIAS. SALÁRIO.
MAIS-VALIA
Dissemos
que as mercadorias que se trocam são equivalentes, isto é. têm o mesmo valor.
Assim, estariam certos os que dizem que "o salário é o pagamento do
trabalho realizado". Mas então de onde viria o valor novo que aparece no
final do processo de produção? Isto é, de onde vem o lucro? Os patrões dizem
que é o seu capital que produz este valor novo. Será? Vejamos quais são os
elementos que participam do processo de produção de mercadorias e como se dá
esse processo:
3.1. CAPITAL
Ao
entrarmos no interior de qualquer empresa produtiva (por exemplo, uma fábrica
de sapatos), podemos notar os vários elementos do capital: as matérias-primas, as máquinas, o prédio, a energia
elétrica (ou de outro tipo), os lubrificantes das máquinas e outros materiais
auxiliares.
Claro
que cada um dos elementos do capital não nasceu ali. Cada qual é uma mercadoria
que resulta de vários processos produtivos já realizados. O valor de cada um
desses elementos corresponde à soma dos vários valores novos que surgiram no
final dos vários processos produtivos que aconteceram antes.
Reparemos
inicialmente na MATÉRIA-PRIMA principal que, na fábrica de sapatos, é o couro.
Aquele couro é o resultado de vários processos produtivos que foram se sucedendo.
Primeiro, houve uma parte do trabalho dos vaqueiros para criar o gado. Depois,
o trabalho de abater o gado e arrancar-lhe o couro. Em seguida, o trabalho dos
operários do curtume. E ainda o trabalho dos carregadores e motoristas de caminhão
que transportaram o couro até a fábrica de sapatos. O capitalista, dono da
fábrica, comprou a matéria-prima, couro, por determinado valor. Dentro deste
preço já estão incorporados todos os valores de todos os trabalhos feitos
antes, para a produção desta matéria-prima.
O
mesmo pode ser dito de outras
matérias-primas que entram na fabricação de sapatos, como os saltos e
solas de borracha, os fios para a costura, os cadarços etc.
O
couro e as outras matérias-primas são, portanto, o resultado de um trabalho passado. No processo de
fabricação de sapatos, estas matérias-primas apenas transferem para os sapatos um valor constante, isto é, um valor que não pode mudar mais,
porque é o resultado de um trabalho passado.
Em
seguida, notamos a presença das MÁQUINAS. Elas também são o resultado de vários
processos produtivos que foram se seguindo uns aos outros. Na máquina estão
incorporados os trabalhos de mineiros, fundidores, mecânicos, montadores,
ajustadores etc. O valor final da máquina incorpora os valores de todos os
trabalhos passados. E este valor vai sendo transferido aos poucos para os
sapatos que vão sendo produzidos, com o desgaste
das máquinas. Assim, em cada sapato há um pouco do valor da máquina, o
que significa também que uma parte do preço do sapato tem de servir como
capital de reposição das máquinas, isto é, capital que vai servir para a
compra de novas máquinas para substituir as atuais, quando estas já não
prestarem. A mesma coisa acontece com a ENERGIA que move as máquinas, o óleo e
outros materiais auxiliares, além do próprio prédio da empresa.
Assim,
todos estes elementos (matérias-primas, máquinas, prédio, energia,
lubrificantes e outros materiais
auxiliares) transferem seu valor de antes para a nova mercadoria. Mas não podem
transferir nenhum valor novo, porque são trabalho passado, ou trabalho
"morto". A quantidade desses elementos (seu valor) que entrou no processo produtivo acaba
por sair, sem variações. O que
foi gasto na produção é reposto no final. Por isso, todos estes elementos se chamam capital constante: apenas
transferem seu VALOR ANTIGO para a nova mercadoria, sem variações.
É importante também observar que cada elemento do capital
foi também produzido pela força de trabalho dos operários, mas apropriado
pelos diversos capitalistas.
Desmascara-se,
assim, a enganação dos patrões de que o capital deles é que cria o valor. Os
patrões tentam, com esta explicação, justificar os seus lucros. Apresentam o
lucro como cria do capital. Por isso falam em "remuneração do
capital". E em seus comunicados se dirigem aos operários como "nossos
colaboradores", isto é, simples ajudantes do processo de produção. Para
eles a parte fundamental, dinâmica e criativa são as suas máquinas, prédios,
matérias-primas etc. A força de trabalho dos operários é apenas a
"mão-de-obra" que ajuda o capital a produzir. Não é à toa que os patrões
e sua imprensa se chamam a si mesmos de "classes produtoras". Mas a
análise que apresentamos antes joga por terra a enganosa pretensão da classe
burguesa.
3.2. FORÇA DE TRABALHO
O que
produz o VALOR NOVO que aparece na nova mercadoria? E o trabalho da hora
presente, o trabalho vivo. É a FORÇA DE TRABALHO que o operário vende ao
capitalista e que, como vimos, é a base comum de toda a mercadoria. E esta
força de trabalho do operário que cria novos valores, que faz aumentar os
valores, estabelecendo variação de valores dentro do processo produtivo. Por
isso chamamos a força de trabalho de
capital variável.
Mas,
além de produzir um valor novo, é também a força de trabalho que transfere os
valores do capital para as novas mercadorias.
Resumindo,
é a força de trabalho que (a) cria novos valores; (b) transfere os valores do
capital constante para a nova mercadoria; (c) cria os valores incorporados no
capital constante.
Vimos
que o burguês compra do proletário a sua força de trabalho por certo tempo. O
burguês não compra o proletário, porque o proletário não é um escravo, no
sentido próprio da palavra, quer dizer, o proletário não é propriedade do burguês.
O burguês também não compra o trabalho do proletário, isto é, o produto final
do trabalho, por exemplo, os sapatos. O que o burguês compra, como já vimos, é
a força de trabalho, isto é, a capacidade de trabalho do operário, para usá-la
durante um certo tempo, em troca de um salário. O que o trabalhador produz
neste tempo é do patrão. E também o jeito de trabalhar e o que vai ser
produzido: tudo isso é decidido pelo patrão ou pelos representantes do patrão
(gerente, chefes etc.), o que dá no mesmo.
Voltando
agora à fábrica de sapatos, vamos reparar que a força de trabalho (capital
variável) que o capitalista compra do trabalhador se divide em duas partes, ou
em dois períodos de tempo. Vejamos.
Temos,
na fábrica de sapatos, 10 operários trabalhando 8 horas por dia. Em um mês eles produzem mil pares de sapatos. Cada par
de sapatos é vendido por Cz$ 600,00. Mas, subtraindo-se as despesas com matérias-primas,
desgaste das máquinas e outras, quer dizer, subtraindo-se os valores do capital
transferidos para cada par de sapatos, sobram Cz$ 400,00. Como em um mês se
produzem naquela fábrica mil pares de sapatos, isto significa que foi criado
um valor novo de Cz$ 400.000,00. E, como temos ali 10 operários, quer dizer que
cada operário contribuiu para produzir Cz$ 400.000,00 em um mês. Perguntando
agora a cada um dos operários sobre qual é o seu salário, vamos ter como
resposta: Cz$ 10.000,00. Mas o que aconteceu com os restantes Cz$ 300.000,00
(mais-valia) que cada operário também produziu? Foram direto para a conta
bancária do patrão. Quer dizer que do valor novo produzido (Cz$ 400.000,00),
uma parte (Cz$ 100.000,00), foi dividida entre os dez trabalhadores que
produziram este valor novo. E os restantes Cz$ 300.000,00 (mais-valia) foram embolsados
pelo capitalista. Vemos assim que, da força de trabalho do operário que o
burguês comprou por um mês, uma parte serviu para pagar o salário do operário,
e a outra parte (mais-valia) o burguês embolsou.
Este
mesmo fato pode ser visto de outra forma: reparando como é que se dividem as 8
horas do dia em que cada operário emprega a sua força de trabalho nesta fábrica
de sapatos.
Em um
dia de trabalho de 8 horas, o operário produz em 2 horas um valor que
corresponde ao salário que ele recebe por aquele dia. As outras 6 horas ele
trabalha de graça para o patrão, quer dizer, ele produz
"mais-valia", de onde vem o lucro do patrão.
Assim,
o lucro é igual à mais-valia, menos as despesas com impostos, encargos sociais,
propagandas juros e outras despesas fora da produção que servem para a reprodução
econômica e política do sistema capitalista.
Visto
pelo lado dos valores produzidos, ou pelo lado do tempo de trabalho gasto para
produzir esses valores, percebemos claramente que a força de trabalho do
operário comprada pelo burguês se divide em duas partes: trabalho necessário e
trabalho excedente.
3.2.1. Trabalho necessário
A
primeira parte da força de trabalho é a que fica com o operário, e que ele
recebe como salário. Chama-se "trabalho necessário". Por que necessário?
Porque,
nesta primeira parte, o trabalhador produz os valores que são necessários para
a reprodução de sua força de trabalho e de sua família. Voltando à fábrica de
sapatos, reparamos que, em 2 horas, os operários produzem um valor igual ao
que eles recebem do patrão, em forma de salário, por aquele dia. Ora, este
valor corresponde, em geral, ao que o operário necessita comprar (alimentos,
roupas, remédios, aluguel etc.) para se manter vivo e continuar assim
trabalhando para os patrões.
Reparamos
que esta troca, como todas as trocas, obedece à lei dos equivalentes. A força de trabalho, na sociedade
capitalista, é uma mercadoria. O dinheiro do salário também. Então, estas
mercadorias que se trocam são equivalentes. Como?
Lembremos
que toda a mercadoria se mede pelo tempo médio de trabalho gasto para a sua
produção. Ora, o tempo médio de trabalho necessário para a produção da força
de trabalho do operário é igual ao tempo médio para a produção dos alimentos,
roupas etc., de que ele necessita e que ele compra com o seu salário. Em nosso
exemplo, esse tempo médio de trabalho são 2 horas. Nestas 2 horas, o operário
produz um valor equivalente ao valor das mercadorias de que ele precisa para
viver. Por isso, estas 2 horas são o trabalho necessário, que é pago com o salário.
Ë bom lembrar que este tempo de trabalho necessário vai-ia para mais ou para
menos em outras fábricas. Por exemplo, nas montadoras de automóveis, no
Brasil, o tempo de trabalho necessário, que é o salário, corresponde a
aproximadamente 30 minutos apenas de trabalho. Nas 7,5 horas restantes os
operários trabalham sem receber.
O
SALÁRIO é então o valor da mercadoria força de trabalho. E o valor da força de
trabalho, ou do salário, é determinado, como vimos, pelo valor das mercadorias
que são necessárias para sustentar a força de trabalho do operário, e também
para sustentar sua família. Porque a mulher e os filhos do operário são condição
e continuação de sua força de trabalho. Assim, a Constituição Brasileira, tratando do salário mínimo, diz que ele
deve dar para o trabalhador e sua família viverem (a CLT porém fala apenas do
sustento do trabalhador).
Como
vemos, o conceito de salário e a prática do trabalho assalariado são
características do capitalismo. Nas sociedades presentes ou passadas, que não
se organizam da forma capitalista, não existe o salário.
Dissemos
que o salário é o valor da força de trabalho. Acontece, porém, que a
mercadoria força de trabalho, como toda a mercadoria, tem não só um valor de
troca, como também um valor de uso. Com o salário, o patrão paga o valor de
troca da força de trabalho, mas compra também seu valor de uso.
Acontece
que o valor de uso dessa mercadoria, além de satisfazer necessidades, como
todo valor de uso, tem uma característica especial: criar valor.
Assim,
o salário, sendo o valor da força de trabalho, não paga o valor de uso desta
força de trabalho, isto é, não paga todo o trabalho realizado. Porque, além da
parte do trabalho necessário, a força de trabalho do operário produz uma outra
parte.
3.2.2. Trabalho excedente
A
segunda parte da força de trabalho não fica com o trabalhador que a produziu.
Chama-se "trabalho excedente". Por que excedente?
Porque
a força de trabalho tem capacidade de produzir, não só os valores necessários à
sua reprodução, mas também valores
excedentes. Este fato nem sempre aconteceu. Nas sociedades primitivas
(por exemplo, nas tribos indígenas da Amazônia), não existe excedente. O que trabalho
consegue produzir só dá para atender às necessidades. No escravismo e no feudalismo,
que também foram outros tipos de sociedade antes do capitalismo, já existia o
excedente que era produzido pelos trabalhadores daquela época e que era
apropriado pelos proprietários. Daí a luta de classes.
Voltemos,
porém, à fábrica de sapatos. Vimos que, em 2 horas, os operários produzem
valores que correspondem ao trabalho necessário, isto é, ao salário. Mas sua
jornada de trabalho é de 8 horas. O que acontece então nas 6 horas restantes?
Nessas
6 horas, os operários trabalham de
graça para o patrão. Essas 6 horas são o trabalho excedente do operário
e que o patrão usa, mas não paga.
Portanto,
o operário, com seu trabalho excedente, produz mais valor do que ele recebe como salário, isto é, produz
MAIS-VALIA, que vai para o bolso do patrão com nome de lucro, depois de se subtrair as despesas com impostos etc.,
como vimos atrás.
Então
a força de trabalho tem a propriedade única de render mais do que custa, e é só
por isso que os patrões "oferecem empregos" para os operários. Pelo
exemplo dado da fábrica de sapatos, podemos ver que a diferença entre o valor da força de trabalho e o valor do produto
da força de trabalho proporcionou ao patrão uma mais-valia de Cz$
300.000,00.
A
proporção entre os salários pagos aos trabalhadores e a mais-valia conseguida
pelos patrões é a TAXA DE MAIS-VALIA, também chamada de taxa de exploração. No exemplo da fábrica
de sapatos, a taxa de mais-valia é de 75%.
Agora,
podemos responder à questão: "De onde vem o lucro dos patrões?"
O
LUCRO dos patrões vem do trabalho não-pago
aos operários, isto é, vem da mais-valia que os trabalhadores produzem.
Está aí o "mistério" do lucro, que é o motor da economia capitalista.
Só que este fato não aparece logo à primeira vista, por causa da divisão do trabalho dentro do processo
produtivo, que impede os trabalhadores de perceberem a totalidade desse processo.
O
lucro, portanto, é produzido pela mais-valia. Mas os capitalistas não concordam
com esta explicação. Para eles,
o lucro é produzido pelo seu capital. Por isso acham que o lucro é um
justo direito deles. Outras vezes eles explicam o lucro como um valor a mais que é colocado no preço de
venda, sobre o preço de custo.
No
entanto, uma breve reflexão mostra que
o lucro não pode nascer no ato da venda das mercadorias. Porque, se
fosse assim, o que um capitalista ganhasse na hora da venda de uma mercadoria
perderia na compra das mercadorias que são necessárias para a produção
(matéria-prima etc.), já que os donos destas mercadorias também teriam
aplicado mesmo aumento.
Porém
alguém poderia dizer que existem pessoas que não vendem mercadorias, só
compram. Mas quem são estas pessoas? São os trabalhadores que vivem de
salários. Acontece que estes salários lhes são pagos pelos patrões e voltam
para os patrões quando os trabalhadores compram as mercadorias de que necessitam
para viver. Ora, o dinheiro não aumenta só porque fez uma visita ao bolso do
trabalhador!
O
lucro pode aparecer, mas não nascer no ato da venda: ele não vem
nem dos lucros dos outros capitalistas, nem das compras dos trabalhadores.
Como vimos, ele é produzido pela mais-valia, bem antes da venda, no momento da
produção.
A TAXA
DE LUCRO é a proporção entre o lucro e o capital total investido. Por exemplo:
se, com o investimento de 100 milhões de cruzados, o capitalista consegue um
lucro de 50 milhões, então a taxa de lucro é de 50%. Cada capitalista procura
investir naqueles ramos da economia onde a taxa de lucro é maior, o que acaba
provocando uma tendência para a taxa de lucro se nivelar.
4. O AUMENTO DA EXPLORAÇÃO E A ACUMULAÇÃO DE CAPITAL
Para conseguir taxas de lucros maiores, interessa aos
capitalistas pagar salários baixos e aumentar a produtividade dos
trabalhadores, além de evitar despesas que melhorariam as condições de
trabalho e de vida dos operários (segurança, salubridade etc.). Evidentemente
os interesses dos trabalhadores são contrários a estes. Então há uma luta
constante entre as duas classes.
Vimos
que o capitalista está sempre interessado em obter lucros, isto é, em extrair
mais-valia do trabalhador. Mas para quê? Acima de tudo para ACUMULAR CAPITAL.
Claro
que ele vai tomar uma parte do lucro para atender às suas necessidades,
confortos e caprichos. Mas não é este o objetivo principal do capitalista, e
sim a acumulação de capital, que além de ser um desejo dele, é também uma
necessidade de cada capitalista, visto que se trata de uma sociedade de rígida
competição.
Para o
burguês, "dinheiro serve para produzir mais dinheiro". Esta é a fórmula do capital: D - M - Dl -
M - D2 - M - D3... Com dinheiro ele compra mercadorias (matéria-prima,
máquinas. . . + força de trabalho) que, transformadas em novas mercadorias,
vão ser vendidas e transformadas em uma quantia maior de dinheiro, que vai
servir para comprar mais matérias-primas etc. e assim indefinidamente.
A fórmula do trabalho ao invés é:
M-D-M-D-M... O trabalhador possui a mercadoria força de trabalho. Vendendo-a,
ele obtém uma quantia de dinheiro para comprar comida, roupas, remédios, enfim,
mercadorias para recompor sua própria mercadoria, sua força de trabalho, com
a qual ele obtém outra quantia de dinheiro - e assim indefinidamente.
Para
acumular mais capital, os burgueses procuram explorar sempre mais os
trabalhadores. Uma forma de AUMENTAR A EXPLORAÇÃO é rebaixar os salários reais
dos trabalhadores. Ë o que vem acontecendo no Brasil intensamente, há muitos
anos, em especial de 1964 em diante. Mas existem outros meios também de
aumentar a exploração.
4.1. JORNADA DE TRABALHO. RITMO DE TRABALHO. MAIS-VALIA
ABSOLUTA. MAIS-VALIA RELATIVA
Uma das formas que os capitalistas têm para aumentar a
exploração sobre os trabalhadores é o AUMENTO DA JORNADA DE TRABALHO.
Voltando ao nosso exemplo da fábrica de sapatos: se, ao
invés de 8 horas, os patrões fizerem os operários trabalharem 12 horas por dia,
estes produzirão mais-valia durante 10 horas, e não apenas durante 6 horas, já
que o trabalho necessário continua sendo o mesmo de 2 horas. Com isso, os
patrões aumentaram o tempo do trabalho não-pago.
Os burgueses sempre procuram aumentar a jornada de trabalho,
e os proletários sempre procuram diminuí-la. Nas fases iniciais do capitalismo,
os operários trabalhavam até 14, 16 ou 18 horas por dia. Depois, foi
conquistada a jornada de 8 horas.
No Brasil, a lei determina a jornada de 8 horas, mas faz
exceção "por motivo de força maior", o que abre uma brecha que, na
prática, anula a jornada de 8 horas. Todos sabemos que as horas-extras que
aumentam a jornada tornaram-se comuns no Brasil, seja por causa das pressões
dos patrões, seja por causa dos baixos salários.
Quando os patrões aumentam a mais-valia, prolongando a
jornada dos trabalhadores, acontece o AUMENTO DA MAIS-VALIA ABSOLUTA.
Mas existe também outro meio de aumentar a exploração, sem
aumen¬tar a jornada de trabalho: pelo AUMENTO DO RITMO DE TRABALHO, pela
introdução de TECNOLOGIA MAIS AVANÇADA, ou pelo BARATEAMENTO DAS MERCADORIAS
NECESSÁRIAS À SOBREVIVÊNCIA do trabalhador e sua família. Assim, diminui o
tempo de trabalho necessário em que é empregada a força de trabalho, aumentando
o tempo do trabalho excedente e, portanto, a mais-valia. É o que se chama de
AUMENTO DA MAIS-VALIA RELATIVA.
Relativa porque, mesmo sem acréscimo de tempo de trabalho,
aumenta a parte da mais-valia em relação ao salário.
4.2. A SUPEREXPLORAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO
Vimos
que a burguesia explora o proletariado, extraindo mais-valia de sua força de
trabalho. A exploração consiste
na apropriação que os patrões fazem do trabalho
excedente do operário. Mas quando os trabalhadores estão pouco organizados
e há excesso de oferta de força de trabalho, a burguesia não se contenta em se
apropriar do trabalho excedente do operário, mas invade também a parte do trabalho necessário. A este fato
chama-se de SUPEREXPLORAÇÃO da força de trabalho.
Não
recebendo pela sua força de trabalho nem o mínimo indispensável para a sua
sobrevivência e da sua família, toda a família do trabalhador tem de se lançar
ao mercado de trabalho, ou, então, tem de se sujeitar a uma situação de miséria
extrema.
Esta
situação de superexploração, hoje, é muito comum nos países subdesenvolvidos e
dependentes, como é o caso do Brasil. Basta reparar para o fato de que,
segundo cálculos do DIEESE, para satisfazer as necessidades básicas de uma
família média (4 pessoas), o salário mínimo deveria ser (de acordo com a própria
lei burguesa) várias vezes superior ao salário mínimo oficial. A gravidade
desta situação é tanto maior quando se sabe que, no Brasil, cerca de metade dos
trabalhadores ganham até um salário mínimo.
5. A LUTA ECONÔMICA DOS TRABALHADORES
Já
vimos que há uma luta permanente entre burgueses e proletários, porque seus
interesses econômicos são antagônicos. Os burgueses lutam para aumentar sua
taxa de lucro. Para isto procuram, sempre que podem: rebaixar o salário real
dos proletários; aumentar a produtividade pelo aumento da jornada de trabalho
pelo aumento do ritmo do trabalho e também pela introdução de novas
tecnologias; explorar, ainda mais, o trabalho da mulher e do menor; evitar
despesas com a melhoria das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores
etc.
A LUTA
ECONÔMICA DOS TRABALHADORES
vai
justamente em sentido contrário a tudo isso. Os trabalhadores lutam por
aumentos reais de salários; diminuição da jornada de trabalho; ritmo de
trabalho normal; nenhum prejuízo dos trabalhadores com introdução de novas
tecnologias, como é o caso da "robotização"; reconhecimento dos
direitos da mulher trabalhadora e do menor trabalhador; melhores condições de
trabalho, como segurança, salubridade, transporte do bairro para a empresa
etc.; melhores condições de vida; além de férias, estabilidade no emprego e
muitas outras reivindicações.
Sabe-se
que, em épocas de expansão da
economia capitalista, aumenta a procura da força de trabalho. Assim, os
operários têm mais chance de ganharem em suas reivindicações. Pelo contrário,
em épocas de retração e crise da economia capitalista, a
procura da força de trabalho cai. Assim, diminuem
(mas não desaparecem) as chances
de os operários conseguirem vitórias em suas reivindicações.
No
entanto, as possibilidades de os trabalhadores obterem vitórias em suas lutas
econômicas contra os patrões dependem de um outro fator ainda mais importante
do que a conjuntura do mercado. Referimo-nos à forma de luta, individual ou
coletiva, que os trabalhadores usam no enfrentamento com os patrões.
Individualmente o trabalhador está numa posição
muito desvantajosa, como já vimos ao tratar do "livre contrato de
trabalho". Lutar sozinho contra o patrão é apostar na derrota certa.
Alguns trabalhadores tentam melhorar sua situação com um tipo de ação
individual diferente: "Puxando o saco" dos patrões (ou de seus
representantes). Às vezes, estes "puxa-sacos" conseguem algumas migalhas
a mais para si mesmos, à custa da traição que fazem a seus companheiros de
classe.
A
outra forma de luta, a da ação coletiva
dos trabalhadores, aumenta muito as possibilidades de terem suas
reivindicações atendidas. A história da classe trabalhadora mostra que, quando
os operários reivindicaram unidos e organizados, sua força aumentou muito e
conseguiram importantes vitórias.
Da
constatação de que cada trabalhador sozinho é fraco para enfrentar os
patrões, os trabalhadores entenderam que havia necessidade de se unir e
organizar, para barganhar melhores condições para sua força de trabalho. Foi
assim que surgiram, já há cerca de duzentos anos, as organizações de
trabalhadores, como os sindicatos; e as manifestações coletivas dos
trabalhadores, como as greves. É verdade que houve naquelas épocas
manifestações de revolta, individuais
ou coletivas, que não trouxeram resultados práticos para a classe trabalhadora,
como quebrar as máquinas e o prédio da empresa etc. Aos poucos, estas formas
de luta, chamadas "selvagens", foram sendo substituídas por outras,
mais eficazes.
5.1. OS SINDICATOS
Os
sindicatos, na sua origem, nascem como organizações de reivindicações
econômicas da classe trabalhadora: por melhores salários, melhores condições
de trabalho e de vida. Quer dizer que eles não tinham como principal objetivo
prestar assistência médica, jurídica, lazer, embora esta parte assistencial
também quase sempre tenha existido.
Não
tinham também, na sua origem, uma finalidade formalmente política, no sentido
de apoiar, contestar ou influir no "poder público", embora sempre
acabavam por entrar em choque com este "poder público". Ou eram, às
vezes, cooptados por ele.
Os
sindicatos eram associações espontâneas dos trabalhadores, independentes do
Estado e autônomos em relação aos partidos políticos. À medida que os
sindicatos passaram a contestar não apenas aspectos do capitalismo, mas a
sociedade capitalista como um todo, isto é, a hegemonia da classe burguesa,
adquiriram também um caráter político revolucionário.
5.2. AS GREVES
As
greves também, na sua origem, aparecem como instrumentos de reivindicação
econômica. Pode-se dizer que a greve é uma prática que decorre do princípio
capitalista do livre mercado. Vejamos.
O
proprietário de uma mercadoria, por exemplo, o dono dos sapatos, pode querer
vender ou não os sapatos, no mercado, dependendo do preço e condições que lhe
oferecem por eles. Como proprietário dos sapatos, ele tem o "sagrado"
direito de dispor de sua mercadoria: vendendo-a ou então se recusando a
vendê-la em condições que julga desfavoráveis. O proletário, que é proprietário
da mercadoria força de trabalho, deve ter assim o mesmo direito de vender sua
mercadoria, ou então de se recusar a vendê-la. A diferença é que o trabalhador
não tem condições de fazer isto individualmente, por razões que já vimos. Então,
ele recusa sua força de trabalho, em conjunto com seus companheiros, que estão
na mesma situação. E exige melhores condições de venda para a sua mercadoria,
como condição de volta ao trabalho. Portanto, a greve em si desenvolve-se
dentro dos limites e das regras do jogo da economia capitalista.
Outra
coisa é o que a greve contribui para elevar o nível de consciência política
dos trabalhadores, ao perceberem sua própria força quando agem coletivamente:
então passam a reivindicar não apenas melhores salários e condições de
trabalho, mas a substituição do sistema capitalista.
Algumas
greves também acabam adquirindo um caráter político, quando não se dirigem
apenas contra um burguês particular, ou uma categoria de burgueses (por
exemplo, contra o "Grupo 14" da Fiesp), mas contra toda a burguesia e
seu Estado, como às vezes acontece nas greves gerais. t o que ocorre também
quando a greve é usada como ação coadjuvante, em um processo revolucionário,
para a tomads do poder (por exemplo, quando os sandinistas tomaram o poder na
Nicarágua).
Indicações bibliográficas para este capítulo:
1 -
CAFIEIRO, Carlo. O Capital - Uma leitura popular. São Paulo,
Editora Polis, 1981.
2 - MARX, Karl. Salário,
preço e lucro. Lisboa, Editora Avante, 1984. Obs.: do capítulo VI até o fim.
3 -
LENIN. Vladimir I. Sobre as greves.
Lisboa,
Editora Avante (em "Obras escolhidas", tomo 1), 1984
II -
CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CAPITALISMO
1. A
livre empresa
2. A
anarquia da produção
3. As leis do capitalismo
3.1. A concentração e centralização dos capitais e a
proletarização crescente dos produtores
3.2. O aumento da proporção do capital constante e a
tendência de a taxa de lucro médio cair
4. As crises cíclicas da economia capitalista
4.1. Características das crises
4.2. Causas das crises
4.3. Como a burguesia enfrenta as crises
Além do que já vimos no capítulo 1, vamos apresentar aqui
algumas outras características gerais da economia capitalista.
1. A LIVRE EMPRESA
Já quando nascia o capitalismo na Europa (época do
mercantilismo), começaram a aparecer os defensores da "livre
empresa", ou "livre iniciativa", ou ainda "livre mercado".
Mas por que precisavam defendê-la?
Porque,
nessa época, ainda havia muitas restrições e regulamentações em relação à
liberdade de indústria e à liberdade de comércio. Isto quer dizer que os
industriais não podiam escolher livremente o que produzir, e como produzir,
e os comerciantes não podiam comprar e vender livremente, de um país para o
outro, e até dentro do mesmo país. Quem dificultava esta livre iniciativa
eram, por um lado, as corporações (associações por profissão), que ainda
restavam do período feudal, e por outro, o Estado (seguidor dos princípios do
mercantilismo).
Os
capitalistas queriam total liberdade para fazer o que quisessem com os meios
de produção e mercadorias de sua propriedade, com o objetivo de obter lucros. O
que implica também a livre concorrência entre os vários capitalistas, mas
também entre os trabalhadores, e entre o capitalista e o trabalhador,
individualmente.
Os
patrões de hoje continuam defendendo a economia da livre empresa. Só que hoje
não a defendem mais contra o feudalismo ou o mercantilismo, que desapareceram,
mas principalmente contra as propostas do socialismo, como ainda veremos.
A
livre empresa é de fato garantia de liberdade. Mas liberdade de quem? Liberdade da classe burguesa
para explorar a força de trabalho da classe proletária. Quer dizer que a
liberdade do capitalista é a falta de liberdade do operário. A liberdade do
trabalhador, na sociedade capitalista, é uma liberdade formal, jurídica,
enquanto cidadão, escrita lá na Constituição. Mas esta liberdade fica anulada
na prática, por causa da sujeição econômica dos trabalhadores aos livres
empresários, como já vimos ao tratar do livre contrato de trabalho.
2. A ANARQUIA DA PRODUÇÃO
Para
os teóricos burgueses, a liberdade de empresa é uma liberdade natural. Como também todo o
funcionamento da economia capitalista decorre de LEIS NATURAIS, do mesmo tipo
da lei da gravidade, ou de qualquer outra lei da física, da química etc. É só
deixar todos e cada um dos capitalistas agirem de acordo com seus interesses, e
tudo vai dar certo. O conjunto da atividade econômica se harmoniza, se
auto-regula a si mesmo, como se houvesse um destino já traçado, que não depende
da vontade ou das ações dos homens. Assim como a infinidade dos astros do
universo, movendo-se a incríveis velocidades, convivem harmonicamente, sem choques,
o mesmo também acontece com a economia capitalista. Ê assim que falam os
teóricos burgueses.
Nas
comunidades primitivas, o conjunto da população de uma aldeia decidia o que produzir e o quanto produzir. Esta decisão era
tomada antes da produção. E o
objetivo da produção era a satisfação
das necessidades de todos.
Na
economia capitalista, o tipo e a quantidade de mercadorias a ser produzidas é
inicialmente decisão do proprietário dos meios de produção, quer dizer, é
decisão do capitalista. Mas o capitalista não pergunta: "Quais são os
produtos de que povo está precisando?" Ao contrário, o capitalista
pergunta: "Quanto vou lucrar com estas mercadorias?" Mas, se a
decisão inicial é do capitalista, a regulação da produção, para mais ou para
menos, vai ser feita, naturalmente e depois
da produção, pelo MERCADO, isto é, pela maior ou menor procura da mercadoria.
Assim,
para os teóricos da burguesia, a soma dos interesses e egoísmos dos diversos
capitalistas vai resultar, pelas ditas leis naturais da economia, no bem comum
de toda a sociedade. Um desses teóricos Adam Smith, escreveu:
Toda pessoa está continuamente empenhada em
encontrar o emprego mais vantajoso para o capital de que dispõe. É sua vantagem
pessoal, na realidade, e não a da sociedade, o que tem em vista. Mas o estudo
de sua vantagem pessoal, naturalmente, ou melhor, necessariamente, leva a
preferir o emprego mais vantajoso para a sociedade.
Dentre
estas vantagens desfrutadas por toda a sociedade, destaca-se a concorrência entre os capitalistas,
que faz baixar os preços e assegura o sucesso dos eficientes, livrando-se ao
mesmo tempo dos ineficientes.
De
acordo com estas teorias do início do capitalismo, o Estado não deve interferir
em nenhum aspecto da economia. Tanto as relações entre os diversos
capitalistas, como as relações entre capitalistas e trabalhadores devem ser
resolvidas por eles mesmos, sob a influência das tais leis naturais. O governo
estaria violando estas leis se, por exemplo, determinasse o salário mínimo ou
a duração da jornada de trabalho. Ou se quisesse planejar a produção de acordo com as necessidades da
população.
Na
realidade, esta "espontaneidade natural" da economia (capitalista)
significa a ANARQUIA DA PRODUÇÃO que leva às crises cíclicas do capitalismo,
como veremos. As tais leis naturais são de fato históricas, porque apareceram
só depois do feudalismo, e correspondem aos interesses de uma nova classe, a
burguesia. Quanto à lei da concorrência, seus possíveis benefícios para a
sociedade são neutralizados pela formação de monopólios, como também veremos
adiante.
3. AS LEIS DO CAPITALISMO
As chamadas leis naturais não passam de imaginação dos
teóricos do capitalismo, buscando justificá-lo. Mas a observação dos fatos
concretos permitiu que fossem formuladas algumas leis, não naturais, mas
históricas do capitalismo. Vamos nos referir aqui a algumas dessas leis mais
importantes.
3.1. A CONCENTRAÇÃO E CENTRALIZAÇÃO DOS CAPITAIS E A
PROLETARIZAÇÃO CRESCENTE DOS PRODUTORES
A
observação da evolução da sociedade capitalista mostra que, nelas, sempre tem
havido uma CONCENTRAÇÃO DE CAPITAIS,
isto é, grande crescimento do capital de algumas empresas. E a concentração
tem sido sempre acompanhada da
CENTRALIZAÇÃO
DE CAPITAIS, que é a redução do número de empresas. Esta centralização acontece
ou quando várias empresas se juntam em uma só (fusão), ou quando umas engolem
outra (absorção). Exemplo de concentração e centralização de capitais: nos
Estados Unidos, metade da produção industrial é realizada em apenas 130
grandes grupos empresariais.
A
concentração e centralização dos capitais resultou na atual fase monopolista do capitalismo industrial,
como veremos no próximo capítulo.
Observou-se,
porém, que o outro lado da moeda da concentração e centralização de capitais é
a PROLETARIZAÇÃO CRESCENTE DOS PRODUTORES. Assim, aos poucos, vão desaparecendo
os trabalhadores independentes: pequenos proprietários rurais e urbanos,
artesãos e profissionais liberais. Todos vão se tornando vendedores de sua
força de trabalho, em troca de um salário, isto é, vão se tomando proletários.
E a maioria dos proletários vai empobrecendo cada vez mais.
Enfim,
a minoria se torna mais minoria e com mais capital, enquanto a maioria se
torna mais numerosa e mais explorada. Esta é uma contradição do capitalismo de
grandes consequências.
3.2. O AUMENTO DA PROPORÇÃO DO CAPITAL CONSTANTE E A
TENDÊNCIA DE A TAXA DE LUCRO MÉDIO CAIR
Outra
constatação que foi feita é que na economia capitalista o CAPITAL CONSTANTE
AUMENTA MAIS DO QUE O CAPITAL VARIÁVEL. Quer dizer, os capitalistas gastam cada
vez mais com máquinas, instalações, matérias-primas etc. e proporcionalmente
menos com o trabalho assalariado. A este fato se chama também de aumento da composição orgânica do capital.
A constatação anterior nos leva para uma outra lei do
capitalismo: a TENDÊNCIA DE A TAXA DE LUCRO MÉDIO CAIR, quer dizer, a
diminuição da porcentagem do lucro sobre o capital investido. E por que isto
acontece? Esta lei é bastante complexa, mas, simplificando, podemos dizer que:
- se a
fonte da mais-valia (onde se origina o lucro) vem do capital variável, e não
do capital constante, como vimos de início;
- e se
o capital variável diminui em sua proporção frente ao capital constante (lei
anterior);
-
então, a proporção do lucro (taxa de lucro) diminui sempre mais.
Para
contrabalançar essa queda da taxa de lucro, os capitalistas tentam:
- ou
aumentar a taxa de mais--valia, isto é, a exploração, pelos vários métodos que
já vimos;
- ou
diminuir o valor do capital constante, fazendo o Estado investir em máquinas,
instalações etc. (Agora, o Estado já pode se meter na economia... para dar uma
mão para os capitalistas.)
Essas
leis são importantes, porque ajudam a entender as crises cíclicas do
capitalismo e suas consequências, como o imperialismo e a intervenção do Estado
na economia.
4. AS CRISES CÍCLICAS DA ECONOMIA CAPITALISTA
4.1. CARACTERÍSTICAS DAS CRISES
Antes
do início da indústria capitalista, só havia crises econômicas quando ocorriam
calamidades naturais, como enchentes, secas, terremotos, epidemias, ou então
guerras. Nestas ocasiões, não havia alimentos e outros produtos para atender
às necessidades do conjunto da população. Eram crises de subprodução.
Dentro
da economia capitalista, pelo contrário, ocorre algo surpreendente e, à
primeira vista, absurdo: crises econômicas provocadas pela SUPERPRODUÇÃO. Isto
é, quando há abundância de produtos a economia entra em crise. Marx, já em
1848, dizia:
Cada crise destrói regularmente não só uma grande
massa de produtos já fabricados, mas também uma grande parte das forças
produtivas já desenvolvidas. Uma epidemia que, nas épocas anteriores, teria
parecido um absurdo, desaba sobre a sociedade: a epidemia da superprodução.
De repente, a sociedade verifica que voltou a um estado de barbárie. É como se
uma fome, ou uma guerra de extermínio lhe tivesse cortado todos os meios de
subsistência. Á indústria e o comércio parecem destruídos. E por quê? Porque
a sociedade tem civilização demais, meios de subsistência demais, indústria
demais, comércio demais.
As
crises de superprodução são CÍCLICAS, isto é, repetem-se de tempos em tempos:
A
crise começa pelo desaquecimento da
economia, isto é, por uma certa diminuição das atividades econômicas, até
chegar à depressão, que se
caracteriza por uma grande diminuição dessas atividades, com queda dos lucros,
desemprego e subemprego, além da queda dos salários reais. Depois de destruir
muitas forças produtivas, além de causar terríveis desgraças para a classe
trabalhadora, o capitalismo começa sua fase de recuperação, crescimento e auge. . . até o início de novo ciclo de crise.
A crise econômica dita mundial do início dos anos 80 é de
fato urna crise da economia
capitalista, como a de 1929 e outras mais. Elas não existiam antes, na
economia feudal, como não existem na economia socialista. Quer dizer que é um
fenômeno típico do capitalismo. E por quê?
Porque,
como vimos, na economia capitalista, interessa o valor de troca, e não o valor
de uso das mercadorias. A produção não é feita para atender às necessidades da
população, mas para que a burguesia obtenha lucro e acumule capital. Partindo
desta constatação básica, vamos explicar os motivos por que acontecem as crises
cíclicas do capitalismo.
4.2. CAUSAS DAS CRISES
Existem
2 causas principais, relacionadas e complementares entre si: uma, que se
baseia na contradição "capital x
trabalho", e outra, que se baseia na "anarquia da produção"
da economia capitalista.
Lembremos,
em primeiro lugar, da contradição "CAPITAL x TRABALHO".
Isto
é, entre capitalistas e trabalhadores existem interesses que são objetivamente
antagônicos, inconciliáveis. O que favorece os interesses econômicos de uns,
é prejudicial aos interesses econômicos dos outros. O patrão luta por mais lucro,
enquanto o operário luta por mais salário. Se um ganha, o outro perde. Então,
para aumentar o lucro (e a acumulação), o patrão procura, por um lado, fazer
com que o salário real não aumente, e, se possível, diminua; e, por outro lado,
procura aumentar a produção e as vendas das mercadorias. Como vimos, a
diminuição dos salários reais serve para deter a queda de taxa do lucro.
Acontece que a maioria dos consumidores das mercadorias são justamente trabalhadores
cujos salários diminuem ou, pelo menos, não acompanham crescimento da oferta de
mercadorias. Assim, o consumo não consegue acompanhar a produção. Os estoques
de mercadorias aumentam, e é necessário então diminuir a produção.
Em
outras palavras: o capitalista tem de manter os lucros conservando baixos os
salários, mas, com isso, ele destrói a capacidade aquisitiva da qual depende a
realização de lucros. Salários baixos tornam possíveis os altos lucros, mas ao
mesmo tempo tornam os lucros impossíveis, porque reduzem a procura das
mercadorias. Está aí como a separação (e contradição) entre os proprietários
dos meios de produção e os proprietários da força de trabalho acaba levando às
crises de superprodução.
Em
segundo lugar, lembremos que o capitalismo não admite uma economia planificada
no seu conjunto. Quer dizer que impera, na economia, a ANARQUIA DA PRODUÇÃO.
De
acordo com os teóricos do capitalismo, o livre jogo dos interesses levaria
naturalmente a uma economia harmoniosa. Na realidade, as coisas são
diferentes. Vejamos.
O
interesse da burguesia é sempre obter lucros para acumular capital. Já vimos
que para isso os capitalistas, além de procurar diminuir os salários, procuram
também ampliar a produção, para aumentar as vendas. Esse é o interesse de
cada empresa, e é o que elas planejam e fazem, nas épocas de crescimento
econômico. Mas cada uma por si mesma, isto é, cada empresa não leva em conta
as outras empresas concorrentes, que também estão procurando conquistar uma
parcela maior do mercado. O resultado desta planificação econômica apenas
dentro de cada empresa, às vezes, acaba resultando em desacertos. Primeiro,
porque foram produzidos e colocados à venda mais produtos do que o mercado
consumidor precisa ou pode comprar. Segundo, porque, com o aumento da
produção, começam a faltar algumas matérias-primas, energia, enfim, elementos
do capital constante. Esta escassez provoca o aumento do preço destes elementos,
que reforça aquela tendência de queda da taxa de lucro, e faz aumentar o preço
da mercadoria final, que passa por isto a ser menos comprada.
Assim,
tanto pelo lado da contradição capital x trabalho, como vendo pelo lado da
produção anárquica, no fim, temos: grandes estoques e conseqüente diminuição
da produção. A conseqüência é o desemprego
(e subemprego), que, por sua
vez, faz rebaixar os salários, por causa do excesso de oferta de força
de trabalho.
Ora,
desemprego e salários baixos significam maior estreitamento do mercado
consumidor, que provoca mais desemprego e mais salários baixos, que estreitam
ainda mais o mercado consumidor.., e assim por diante, igual a uma bola de
neve.
4.3. COMO A BURGUESIA ENFRENTA AS CRISES
As
crises econômicas cíclicas resultam das contradições e características
próprias do capitalismo. Isto quer dizer que elas não são intencionalmente
provocadas por ninguém. Mas, se a burguesia não provoca de propósito a crise,
ela certamente planeja a estratégia para superá-la. Foi a partir do problema
das crises que a burguesia passou a admitir alguma planificação estatal na
economia. Planificação retalhada, e não global. Mas, acima de tudo,
planificação da recessão. Enfrentando o absurdo da pobreza na abundância, o
capitalismo traça um plano para atacar o problema. O plano é acabar com a
abundância.
No
Brasil, durante a crise iniciada em 1929, milhões de sacas de café foram
jogadas ao mar. Na Europa e Estados Unidos, foram feitas leis para não
permitir excedentes, e muitas máquinas foram desativadas. Tudo isto para
elevar o preço das mercadorias. Assim, o capitalismo trata de planejar a escassez.
O desaquecimento
e estagnação de certos setores da economia, ou de todos eles, leva à
desvalorização do capital constante e à recuperação da taxa de lucro. Por
outro lado, o desemprego e o rebaixamento salarial representam a desvalorização
da força de trabalho, e, portanto, também a recuperação da taxa de lucro.
Os
governos burgueses também tentam conscientemente diminuir os salários para diminuir o consumo. Para quê? Para
que os empresários, com a diminuição das vendas, resolvam baixar o preço das
mercadorias, combatendo-se assim a inflação. E também para que os empresários,
com o dinheiro economizado, façam novos investimentos, para reativar a
economia.
Por
estes e outros meios, a burguesia
procura, o mais possível, fazer com que os trabalhadores paguem os custos da
crise do capitalismo.
Essa
é, aliás, a fórmula do FMI, que se desdobra em 3 mandamentos principais:
1)
arrocho salarial para controlar a inflação.
2)
desvalorização da moeda, para tornar as exportações mais
atraentes e desencorajar as importações;
3)
corte das despesas governamentais, inclusive dos subsídios
para alimentos básicos (como foi o caso do trigo).
Para
concluir, poderíamos perguntar se existe alguma outra maneira de superar as
crises cíclicas do capitalismo, sem destruir a produção e as forças
produtivas, e sem sacrificar os trabalhadores.
Marx
achava que não havia outra saída, dentro da economia capitalista. Quer dizer
que para acabar com as crises é preciso acabar com o próprio capitalismo.
Indicações bibliográficas para este capítulo:
1 - MARX, Karl. Manifesto Comunista. São Paulo, Editora Alfa
Omega (em "Obras escolhidas"), 1984.
Obs.:
a) Esta indicação se estende também aos próximos capítulos deste nosso
trabalho; b) A leitura do III capítulo, intitulado "Literatura Socialista
e Comunista", pode ser omitida, sem prejuízo, por se tratar de uma análise
conjuntural.
2 -
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio, Zahar Editores, 1983.
Obs.:
Esta indicação se estende também aos capítulos 3 e 6 desta publicação.
3 -
MORAES. Vinícius de. Operário em construção. Rio, José Olympio Editora (em
"Antologia poética"). 1984.
III -
CAPITALISMO MONOPOLISTA
E
CAPITALISMO DEPENDENTE
1. Fases do capitalismo
1.1. Acumulação primitiva do capital
(pré-capitalismo)
1.2. Revolução industrial e capitalismo competitivo
1.3. A formação dos monopólios
2. As colônias do capital monopolista
3. O neocolonialismo
4. O atual capitalismo subdesenvolvido e dependente
4.1. A exportação de indústrias
4.2. As transnacionais e multinacionais
4.3. Os superlucros
4.4. Subdesenvolvimento e dependência
5. A dependência do capitalismo brasileiro
5.1. O modelo agrário exportador
5.2. O modelo de substituição de importações
5.3. O modelo de desenvolvimento associado
1. FASES DO CAPITALISMO
Indicamos,
no capítulo anterior, que a concentração e centralização dos capitais levou o
capitalismo para a sua fase atual, de capitalismo monopolista. Porque o
capitalismo teve, historicamente, 3 fases:
1) acumulação
primitiva do capital (pré-capitalismo);
2) capitalismo
competitivo;
3) capitalismo
monopolista.
1.1. ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DO CAPITAL
(PRÉ-CAPITALISMO)
Nesta
fase, ainda não há propriamente produção capitalista, por isso também se chama
a esta época de pré-capitalismo. Foi
aí que houve a ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DO CAPITAL que, depois, vai ser aplicada
nas primeiras indústrias. Quem acumula este capital é a nova classe burguesa,
através do comércio a que ela se dedica, dentro da Europa, e através do comércio
marítimo que lhe abriu a descoberta da América e o caminho para as Índias. Mas,
junto com os lucros do comércio, a burguesia também consegue acumular capital
pela VIOLÊNCIA. Violência dentro da Europa, com a desapropriação de camponeses,
roubo de terras e ruína dos artesãos. E violência e ocupação militar nas Américas,
África e Ásia, a partir de 1500, com o roubo, escravização e dominação dos
povos indígenas desses continentes. Acontece aí a primeira onda de colonialismo, dentro da qual se situa
também a colonização do Brasil por Portugal. Grandes quantidades de riquezas
foram transferidas desses três continentes para a Europa, especialmente para
Espanha e Portugal, que acabavam por repassá-las à Inglaterra via comércio.
A
burguesia sempre tentou vender uma imagem de que o capital primitivo que ela
conseguiu acumular se deveu a seu trabalho, capacidade e poupança; quando,
historicamente, foi fruto de muito roubo e sangue.
1.2. REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E CAPITALISMO COMPETITIVO
Com
este capital primitivo acumulado, e aproveitando a invenção de máquinas e o
êxodo dos servos feudais e antigos pequenos proprietários para as cidades,
começa, a partir de 1750, a chamada REVOLUÇÃO INDUSTRIAL. Na Inglaterra, e
depois em outros países da Europa, e atingindo também os Estados Unidos,
começam a surgir as fábricas dos burgueses, onde se explora a força de trabalho
(se extrai mais-valia) dos proletários.
Neste
período há uma grande concorrência dos fabricantes burgueses entre si. Por
isso, chama-se a esta fase de capitalismo
de concorrência, ou CAPITALISMO COMPETITIVO. Nesse tempo, as fábricas
são relativamente pequenas, e cada capitalista concorre com os outros fabricantes
do mesmo produto.
1.3. A FORMAÇÃO DOS MONOPÓLIOS
Aos poucos, vai acontecendo a concentração dos capitais.
Alguns capitalistas conseguiam mais lucros do que outros. Assim, compravam
máquinas melhores e mais modernas. Aumentavam as instalações e o número de
operários para transformar maior quantidade de matérias-primas e, deste modo,
aumentar a produção, barateando os preços das mercadorias. Os concorrentes, não
tendo condições de competir, são obrigados a fechar suas portas. Ocorre então a
centralização dos capitais: a empresa bem-sucedida abocanha todo o mercado. Às
vezes, incorpora as empresas que fracassaram e torna-se maior ainda. Então, como
única empresa do ramo na região, impõe seu preço aos consumidores. Assim
formam-se os TRUSTES. Às vezes, é o mesmo grupo empresarial que instala
empresas de ramos diversos, mas orientadas para um só produto final. Por
exemplo, na indústria alimentícia, um grupo empresarial que seja proprietário
do gado, da frota de caminhões, do matadouro e frigorífico, das fábricas que
fazem as latas, os rótulos etc.
Uma outra forma de eliminar a concorrência consiste em um
acordo em que várias empresas do mesmo ramo fazem entre si, unificando os
preços (por cima) e a qualidade (geralmente, por baixo). Assim, formam-se os
CARTÉIS.
Trustes e cartéis são algumas formas pelas quais se passou
da fase do capitalismo competitivo à fase do CAPITALISMO MONOPOLISTA. Assim,
faliu, na prática, a teoria da concorrência e suas vantagens, apesar de que, na
teoria, os burgueses continuaram a defendê-la. Com a eliminação, ou, pelo
menos, a limitação da concorrência, e consequente imposição de preços, o mercado deixou de ser livre. Os preços
deixaram de ser ajustados simplesmente pela lei da oferta e procura, para serem
fixados pelas empresas monopolistas.
Por fim, o processo monopolista acontece também no sistema
financeiro. Os bancos diminuem seu número e tomam-se mais poderosos. Às vezes,
os mesmos grupos empresariais passam a controlar conglomerados industriais,
comerciais, financeiros e agrícolas.
2. AS COLÔNIAS DO CAPITAL MONOPOLISTA
O
capitalismo monopolista desenvolveu a indústria em grande escala, aumentando
muito as forças produtivas. A capacidade de produzir mercadorias cresceu mais
do que a possibilidade de continuar vendendo estas mercadorias, com lucros. Os excedentes se acumulavam
e a taxa de lucro caía.
As
empresas diminuíram a produção para regular a oferta e recuperar os lucros.
Mas uma boa parte da capacidade produtiva das fábricas ficava parada. Os
capitalistas queriam ver suas fábricas funcionando plenamente, para produzirem
o máximo de mercadorias, aumentando os lucros.
O
único jeito era vender estas mercadorias para fora do país. Mas o mercado da
Europa já se tomara pequeno. Era preciso encontrar outros mercados onde pudessem
VENDER O EXCESSO DE MERCADORIAS industrializadas, e com maior taxa de lucro.
A
solução foi a CONQUISTA DE COLÔNIAS. Temos, então, no século passado, a segunda onda de colonialismo. A
África foi retalhada pelos países europeus, especialmente pela Inglaterra e
França. Também na Ásia, a índia e outros países são colonizados.
Havia
também um segundo motivo para a conquista de colônias. A indústria monopolista
NECESSITAVA DE MATÉRIAS-PRIMAS em grandes quantidades. Os donos das indústrias
não queriam depender de outros países, para as matérias-primas essenciais.
Ora, com as colônias estavam garantidas estas matérias-primas e a baixo preço:
minerais, petróleo, nitratos, borracha, algodão, açúcar, alimentos tropicais
etc.
Os
países colonizadores, dominando suas colônias política e militarmente,
IMPUNHAM SUAS REGRAS ECONÔMICAS. Desse modo, cada colônia só podia comprar os
produtos industrializados do país que a dominava. E tinha de fornecer suas
matérias-primas e produtos agrícolas para este mesmo país, e só para ele. E
ainda pelo preço que este determinasse. As colônias também não podiam ter
indústrias próprias. Seu desenvolvimento estava totalmente subordinado aos
interesses do país colonizador, que só permitia o desenvolvimento daqueles
setores da economia que ele estava interessado em explorar.
Assim,
alguns países passaram a explorar e dominar outros, transformando-se em potências
imperialistas.
O
IMPERIALISMO é, portanto, a própria exploração e dominação capitalista, levada além das
fronteiras do próprio país. A divisão da sociedade em classes de interesses
antagônicos, burguesia e proletariado, se reproduz e se intensifica, agora, em
nível internacional. Isto é, a burguesia monopolista explora e domina não
apenas os trabalhadores de seus países, como também, e mais ainda, os trabalhadores
de suas colônias.
Mas,
além da necessidade de encontrar mercados para os artigos excedentes, e de
precisar controlar as fontes das matérias-primas, passou a haver um terceiro e
importante motivo para a expansão do capital monopolista. E que havia um outro
excedente, buscando mercado lucrativo: o EXCESSO DE CAPITAL. A indústria
monopolista trouxe grandes lucros a seus donos, gerando uma superacumulação de
capital. O jeito de fazer esse capital excedente produzir lucros foi exportá-lo
para as colônias e outros países atrasados. Aí falta capital, e se encontram,
com abundância e a preço baixo, as matérias-primas, a força de trabalho e a
terra.
3. O
NEOCOLONIALISMO
Até agora nos referimos à relação
das potências imperialistas com suas colônias, militarmente conquistadas e
submetidas a uma dominação política direta.
Existe,
porém, um outro modo de dominar outros países, sem submetê-los diretamente
como colônias. Trata-se de nações que têm, ou conquistaram, sua independência
política formal, mas que são DOMINADAS
ECONOMICAMENTE
pelas potências imperialistas. E o que se chama de NEOCOLONIALISMO ou
IMPERIALISMO.
Como no caso das colônias, as novas metrópoles usam esses
países atrasados, por um lado, para exportar
seus excedentes de mercadorias e de capital, e, por outro lado, para
conseguir matérias-primas e força de trabalho, a baixo preço.
Os
artigos industrializados, produzidos nos países adiantados, em grande escala e
com tecnologia moderna, vão ser vendidos nos países atrasados e nas colônias,
por preços mais baixos do que os do artesanato local, que então acaba se
arruinando.
Os
capitais exportados para as colônias ou neocolônias vão se concentrar na
agricultura voltada para a exportação, na mineração e petróleo, nas ferrovias,
nos bancos e nos serviços públicos, como eletricidade, telefone, telégrafo,
gás etc.
Os
investimentos são dirigidos principalmente a estes setores da economia para que
a produção de matérias-primas e produtos agrícolas, com força de trabalho
barata, sejam exportados. Uma parte destes produtos vai abastecer convenientemente
as metrópoles, enquanto a outra parte será vendida, a preço vantajoso, no
mercado internacional.
A
aplicação de capital em serviços públicos, como ferrovias, eletricidade etc.,
tem também a finalidade de criar condições para facilitar e baratear a
exportação. Foi, por exemplo, o que os capitais ingleses fizeram no Brasil,
por mais de um século.
Os
capitais dos países imperialistas vão ser investidos nos setores citados,
seja como investimento direto, seja como empréstimos aos governos locais.
Neste último caso, os empréstimos são feitos de tal maneira que grande parte deles
tem de ser gastos nas próprias metrópoles. Assim, quando a Inglaterra fez
empréstimos à Argentina para a construção de ferrovias, a maioria dos trilhos,
material rolante etc., teve de ser comprada na própria Inglaterra.
As
potências imperialistas do século passado e início deste século são: a
Inglaterra, a França, os Estados Unidos, a Holanda, a Alemanha, a Itália,
Espanha e Portugal.
Estas
nações dividiram o mundo todo em ÁREAS DE INFLUÊNCIA, seja pela colonização
direta, seja pelo domínio econômico das neo-colônias. Assim, a África ficou
quase toda dividida em colônias pela França, Inglaterra, Espanha e Portugal. A
América do Sul também foi retalhada entre o domínio econômico da Inglaterra e o
dos Estados Unidos. O Brasil, por exem¬plo, era área de influência da
Inglaterra.
Quase
sempre, em todos países colonizados ou submetidos econo¬micamente, o capital
imperialista contou com a COLABORAÇÃO E A ALIANÇA DAS CLASSES DOMINANTES
LOCAIS.
As
oligarquias do campo, a burguesia da cidade, e seus governos, geralmente
obtinham vantagens desta situação, e por isso ajudavam a mantê-la. Mas quando o
povo se rebelava contra esta situação, colocando em perigo a continuidade do
domínio, então havia INTERVENÇÕES.
Os
governos das potências imperialistas vinham em socorro de seus banqueiros e
investidores industriais, comerciais ou agrícolas. Poderosas tropas
desembarcavam nas suas colônias ou neocolônias, até que a "ordem"
fosse restabelecida. Exemplo disso foram as repetidas invasões militares que os
Estados Unidos fizeram em países da América Central.
Vimos
como os monopólios capitalistas dividem o mundo entre si, por causa do grau de
acumulação de capital a que chegaram. Mas esses monopólios continuam competindo
entre si, cada qual tentando dominar uma parte maior da Terra. Esta competição
às vezes é levada ao extremo e acaba resultando em guerras.
O
IMPERIALISMO LEVA À GUERRA.
A
primeira guerra mundial, por exemplo, é uma guerra entre as potências imperialistas
para redividir as áreas de influência do mundo. As potências que perderam a
guerra, perderam também suas colônias, como foi o caso da Alemanha. A segunda
guerra mundial é também uma guerra para redividir o mundo. Com ela, a potência
que se afirma ainda mais são os Estados Unidos.
4. O ATUAL CAPITALISMO SUBDESENVOLVIDO E DEPENDENTE
4.1. A EXPORTAÇÃO DE INDÚSTRIAS
Depois
do fim da segunda guerra mundial, começa um novo período na história do
capitalismo monopolista. Pois os monopólios começam a distribuir suas
fábricas por vários países do mundo, e especialmente pelos países atrasados,
também chamados de subdesenvolvidos,
é a fase atual do imperialismo. A concorrência se dá cada vez mais
internacionalmente, o que exige que a produção se distribua também por toda
parte. A exportação de artigos passa a ser menos importante do que a exportação de indústrias.
Os
investimentos do capital monopolista se dirigem, em alguns países como o
Brasil, a Argentina e o México, para a implantação de fábricas modernas, em
todos os setores da produção. Mas especialmente nas indústrias de bens de consumo duráveis (carros,
eletrodomésticos. ...) Investem também nos bens de consumo não-duráveis
(alimentos, roupas, produtos de limpeza... ) e nos bens de capital (máquinas,
equipamentos. . . )
É
verdade que continuam também investindo na produção de matérias-primas e
produtos agrícolas.
Em
alguns países, como os da América Central, os investimentos deste tipo
continuam sendo os principais. No conjunto, entretanto, predominam as
aplicações em fábricas construídas nos próprios países subdesenvolvidos.
4.2.
AS TRANSNACIONAIS E
MULTINACIONAIS
Neste
novo período de maior internacionalização do capital, a concentração e a
centralização também chegam a um nível internacional. Cada vez mais a
acumulação do capital nos países centrais vem da mais-valia produzida no
exterior, e sugada pelas empresas transnacionais.
As
transnacionais são grandes empresas destes países centrais que se transportam para outros, especialmente
para os países capitalistas periféricos, onde montam suas filiais.
Também
o processo de fusão e associação de empresas cada vez mais se dá no exterior
destes países centrais, envolvendo capitais de VÁRIAS nacionalidades: são as
MULTINACIONAIS, que, neste caso, são também transnacionais. Transnacionais e
multinacionais se tornam a forma de organização principal do capital
monopolista. Nelas, predominam o capital norte-americano, europeu ocidental e
japonês.
Estas
empresas transnacionais vão se tornando donas de grande parte da produção de
todo o mundo capitalista. Produzem mercadorias em grande escala, que cobrem o
mercado de diversos países. Mudam constantemente as linhas dos produtos, para
vender e lucrar mais. Produção, comércio e finanças se integram nas
transnacionais, aproveitando diferenças de preços que possam existir na venda
de suas mercadorias e na compra de matérias-primas, máquinas, força de trabalho
etc., sempre para poder lucrar mais.
4.3.
OS SUPERLUCROS
O
capital monopolista é atraído no sentido de transferir indústrias para os
países subdesenvolvidos pelas
condições excepcionais de lucro que estes oferecem.
Realmente,
nos países subdesenvolvidos, as empresas estrangeiras geralmente pagam MENOS
IMPOSTOS do que nos seus países de origem, além de gozar de INCENTIVOS FISCAIS especiais.
Aproveitam-se também de RECURSOS E EMPRÉSTIMOS ESTATAIS.
Utilizam
as MATÉRIAS-PRIMAS destes países, que são compradas por PREÇOS MAIS BARATOS.
Gastam MENOS EM TRANSPORTE, com a parte de seus produtos que é vendida no
mercado interno. E têm grandes facilidades para remeter para fora do país seus
lucros e "royalties" (pagamento a título de "direitos autorais
por projetos elaborados no exterior").
Mas o
maior atrativo que os países subdesenvolvidos exercem para essas empresas
transnacionais são os BAIXOS SALÁRIOS que pagam pela força de trabalho. É a
superexploração da força de trabalho que vai lhes proporcionar, do outro lado
da moeda, os seus SUPERLUCROS.
Os
baixos salários nos países subdesenvolvidos são proporcionados por 3 motivos
principais.
1º)
Pelo excesso de oferta de força de
trabalho (exército industrial de reserva), alimentado pelo êxodo rural.
Este, por sua vez, é resultado da maior penetração do capitalismo no campo, que
expulsa os trabalhadores rurais, pela modernização da produção ou mesmo pela
violência, e também pelo uso de tecnologia de capital intensivo.
2º) Pelo baixo nível de organização sindical e política dos
trabalhadores.
3º) Pela dominação repressiva e ideológica do Estado e burguesias locais,
que se associam aos interesses do capital estrangeiro.
A internacionalização da exploração e da
superexploração INTERNACIONALIZOU também A LUTA DE CLASSES.
Quer
dizer que a luta da classe trabalhadora não pode mais ser vista só em termos
nacionais, mas exige uma visão mais geral, tendo em vista o domínio do capital
monopolista internacional, aliado às classes exploradoras e dominantes locais.
Significa também que os proletariados dos países subdesenvolvidos e
dependentes precisam se articular entre si, e com o proletariado do mundo
inteiro.
Os
superlucros dos investimentos estrangeiros significam uma verdadeira SANGRIA
das nações pobres. Por exemplo: entre 1961 e 1971, as empresas norte-americanas
aplicaram 3.718 milhões de dólares na América Latina. Mas, nesse mesmo
período, estas empresas enviaram para os Estados Unidos 11.680 milhões de dólares. Isto é, para cada dólar que entrou,
saíram mais de três.
Outra
forma de transferir riquezas dos países subdesenvolvidos para os países
desenvolvidos é através do COMERCIO EXTERIOR.
Isto
acontece porque existe uma tendência de subir
o preço dos produtos
industrializados, que os países desenvolvidos exportam, e, pelo
contrário, uma tendência de queda dos
preços dos produtos primários
(produtos agrícolas, minerais. . .), que são exportados pelos países
subdesenvolvidos.
Por exemplo: para comprar um trator, em 1953, o Brasil precisava vender
apenas 70 sacas de café. Mas, em 1967, para comprar o mesmo trator, o Brasil já
precisava vender 350 sacas do mesmo café.
4.4. SUBDESENVOLVIMENTO E DEPENDÊNCIA
As
várias formas de exploração e superexploração do capital monopolista têm
contribuído para aumentar ainda mais o subdesenvolvimento dos países
periféricos, com suas TRÁGICAS CONSEQUÊNCIAS: graus extremos de pobreza, fome,
analfabetismo, doenças, mortalidade infantil etc. Os países capitalistas
desenvolvidos inspiraram o modelo
econômico dos países capitalistas subdesenvolvidos. Mas nada indica
que nos tornamos uma imitação em miniatura destes países. Nem que estamos
numa fase de transição, EM VIAS DE DESENVOLVIMENTO, para chegar mais tarde a
uma etapa de capitalismo avançado, igual ao dos países desenvolvidos.
A
economia capitalista dos países subdesenvolvidos tem 3 características
principais.
1)
Trata-se de uma economia que se acha INTEGRADA no mercado
capitalista mundial, com junções
bem-determinadas dentro dele.
2)
É uma economia subsidiária
das economias dos países desenvolvidos, porque as ajuda a resolver o
problema do que fazer com seu excedente
econômico, aplicando-o e reproduzindo-o nos países subdesenvolvidos.
3)
Trata-se também de uma economia TRIBUTARIA, já que parte
importante das riquezas dos países
subdesenvolvidos é transferida para os países desenvolvidos.
Sobre
este último ponto, é bom
lembrar que, no modelo do capitalismo europeu, houve transferência de riquezas
das colônias para as metrópoles. Estas riquezas contribuíram para a acumulação
de capital que serviu de base para o desenvolvimento daquelas metrópoles.
Nos países subdesenvolvidos, pelo contrário, sofremos uma constante sangria de
nosso excedente econômico. Mais ainda: esta sangria se estende às riquezas que
seriam necessárias para a reprodução da força de trabalho, por causa da
superexploração.
Esta
superexploração comete nos países subdesenvolvidos uma verdadeira DILAPIDAÇÃO
DA FORÇA DE TRABALHO. Quer dizer que os capitalistas estrangeiros e nacionais
sugam os trabalhadores ao máximo. Não se importam em esgotar rapidamente a
sua capacidade de trabalho (pela morte, pelas doenças etc.), pois sabem que é
fácil substituí-]os por outros trabalhadores.
Percebe-se,
por tudo o que vimos até aqui, que SUBDESENVOLVIMENTO e DEPENDÊNCIA econômica
estão ligados. Ou melhor, A CAUSA FUNDAMENTAL DO SUBDESENVOLVIMENTO É
JUSTAMENTE A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA dos países subdesenvolvidos, em relação ao
capital monopolista dos países desenvolvidos. Quer dizer que o
subdesenvolvimento se explica justamente por causa das limitações que a
condição de dependência impõe.
A
situação dos países dependentes é de um SUBDESENVOLVIMENTO CRÔNICO.
O
aumento da produção não leva ao desenvolvimento, já que ele é sugado para os
países desenvolvidos. Funcionamos de fato como ECONOMIAS SATÉLITES.
Assim,
nosso subdesenvolvimento não é um estado produzido e mantido a partir de
dentro, mas GERADO, CONDICIONADO E REGULADO A PARTIR DE FORA, segundo os
interesses do capital monopolista internacional.
5. A DEPENDÊNCIA DO CAPITALISMO BRASILEIRO
O Brasil, até hoje, nunca gozou de real
independência econômica.
Vejamos isto, em grandes linhas.
5.1. O MODELO AGRÁRIO-EXPORTADOR
Por
primeiro, como COLÔNIA de Portugal, a função da economia brasileira foi de
exportar produtos primários. Do ciclo inicial do pau-brasil, passou-se ao da
cana-de-açúcar, ao do ouro e ao do couro. O trabalho era fundamentalmente
escravo, e as riquezas exportadas, de propriedade de Portugal (e Espanha),
acabavam, através das relações comerciais, nos cofres da Inglaterra e de outros
países europeus. Assim, uma boa parte do trabalho realizado no Brasil acabou
contribuindo para a acumulação de capital, que serviu de base para a Revolução
Industrial na Europa.
Depois
da independência política, em 1822, a economia brasileira transfere sua
dependência de Portugal para a Inglaterra, tornando-se uma neocolônia.
Passamos ao ciclo econômico do café, produzido ainda pelo trabalho escravo e
depois pelos imigrantes, utilizando técnicas de trabalho tradicionais.
O
Brasil exporta café, e também cacau, borracha e mais alguns produtos primários.
E importa artigos industrializados, além de empréstimos e serviços públicos,
principalmente da Inglaterra. É o MODELO EXPORTADOR de produtos agrícolas
tropicais matérias-primas, e importação de manufaturas.
O
poder político é exercido pela burguesia agrário-comercial-exportadora, mas a
economia é dependente do exterior, especialmente por causa da comercialização
internacional do café.
5.2 O MODELO DE SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES
Em 1930, começa a predominar um novo MODELO, o de
SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES que vai até1964. Com crise de exportação do café,
faltaram recursos para a importação de artigos industrializados. O que vai
incentivar a construção de indústrias no Brasil. Boa parte dos investimentos
dessa nova indústria veio dos próprios cafeicultores ligados à exportação,
cuja atividade continua sendo economicamente importante. Mas vai sendo criado
um forte setor industrial, no Brasil. Os artigos industriais brasileiros são
vendidos no mercado interno. Apesar do predomínio do café para a exportação, a
produção de alimentos abastece a economia de subsistência rural e o mercado
interno urbano.
Esta
política econômica, levada sob a liderança de Getúlio Vargas, é acompanhada de
uma combinação de interesses econômicos e políticos da nova burguesia
industrial com o proletariado e a "classe média". Firma-se uma
ALIANÇA DE CLASSES. Dentro desta aliança, o proletariado, por um lado, é
"acalmado" com algumas vantagens, pequenas, mas reais. Por outro
lado, ele é controlado pelo Estado através do atrelamento sindical, além de
ser usado como massa de manobra pelo getulismo. O Estado, aliás, se torna o
centro nacional mais importante das decisões sobre a política econômica.
Enfim,
o modelo de substituição de
importações reformula as relações externas e também com a oligarquia e
burguesia rurais, e instaura o NACIONALISMO DESENVOLVIMENTISTA, e a aliança de classes.
Este
modelo tem, ao mesmo tempo, compromissos
e também problemas com o
capital internacional e com as classes dominantes do campo. Um novo projeto
econômico vai surgindo, que se confronta com a relativa independência econômica
do período getulista. É um projeto de retorno a uma maior dependência do
capital internacional, agora sob novas formas. A crise de 1954, com o suicídio
de Getúlio Vargas, foi justamente a manifestação radical do conflito entre os
que desejavam continuar e acelerar um
desenvolvimento econômico relativamente independente, e os que desejavam um desenvolvimento associado com
o capital internacional.
O
governo Juscelino Kubitschek dá os primeiros grandes passos para o modelo do
capitalismo associado, embora mantendo o esquema de sustentação política
criado por Getúlio Vargas (nacionalismo e aliança de classes), o que resulta
numa permanente contradição.
Nesta
época, as facilidades concedidas aos investidores estrangeiros ajudaram o
processo de internacionalização da economia brasileira. É então que se
concentram os investimentos na indústria automobilística.
O
governo João Goulart tenta reimplantar o modelo econômico do período getulista,
com adaptações. Mas o golpe de Estado de 1 de abril de 1964 acaba com a democracia
populista, que vinha desde 1946, e marca de vez a passagem para um outro modelo.
5.3. O MODELO DE DESENVOLVIMENTO ASSOCIADO
A
partir do golpe de classe de 1964 acentua-se muito a associação e reagrupamento
de empresas brasileiras e estrangeiras, especialmente no setor industrial.
O
desenvolvimento econômico brasileiro passa a depender em grande parte da
ASSOCIAÇÃO direta e indireta, visível e disfarçada, entre CAPITAIS NACIONAIS E
ESTRANGEIROS.
Novas
indústrias TRANSNACIONAIS são
instaladas, ou então, compradas
de empresários nacionais. Em outros casos, capitalistas estrangeiros
tornam-se sócios de empresários
brasileiros. E mesmo muitas empresas que são propriedade de empresários
brasileiros acabam se INTEGRANDO com a indústria estrangeira instalada no
Brasil, e sob sua hegemonia. É o caso da indústria de autopeças, cujos interesses
estão ligados aos interesses das montadoras.
A
instauração do novo modelo respondeu a dois tipos de necessidades. Da parte
dos monopólios estrangeiros respondeu à necessidade que estes tinham, depois
da segunda guerra mundial, de exportar seu excesso de acumulação de capital.
Da parte da economia brasileira, o novo modelo respondeu à necessidade de
melhorar a TECNOLOGIA INDUSTRIAL, para poder competir, no mercado mundial,
também com produtos manufaturados, já que só com seus produtos primários o
Brasil estava sempre perdendo no comércio exterior.
Mas,
para isto, foi necessário substituir o modelo anterior, que protegia a
indústria nacional, e incentivar a associação com as empresas transnacionais,
que monopolizam a tecnologia mais moderna.
Nasce
na realidade uma nova forma de aliança, associação e integração que junta o
capital monopolista estrangeiro, a burguesia local e o Estado, que passa
também a investir cada vez mais na economia.
Além
dos investimentos na indústria, o capital monopolista internacional passa
também a conceder GRANDES EMPRÉSTIMOS ao governo e aos empresários brasileiros,
especialmente de 1975 em diante.
Nasce
também uma nova ideia de INTERDEPENDÊNCIA econômica, política, militar e cultural.
De acordo com esta ideia, fruto da guerra fria, os países do bloco ocidental
(capitalista) têm de estar unidos, e, portanto, interdependentes, para
enfrentar o bloco socialista. O lema então é desenvolvimento e segurança. E os Estados Unidos, país líder
do bloco ocidental, são vistos como os grandes parceiros desta
interdependência. Um dos ministros do governo instaurado em 1964 dizia claramente: "O que é bom para os Estados Unidos
é bom para o Brasil".
Um
aspecto importante que devemos notar é que o novo modelo de desenvolvimento
econômico associado muda radicalmente as possibilidades da burguesia nacional brasileira.
Em
certas situações históricas, a burguesia nacional de alguns países tinha
interesses que se chocavam com os do capital monopolista internacional. Por exemplo,
na Rússia e na China, antes de suas revoluções. Por isso essas burguesias
nacionais aliaram-se ao proletariado para lutar contra este capital
internacional e seus aliados internos. Depois, numa segunda etapa, o
proletariado derrubou a burguesia nacional e instaurou o socialismo.
Mas a
burguesia nacional brasileira, associada e integrada ao capital estrangeiro,
parece estar numa situação muito diferente. Pois, de modo geral, está com seus
interesses misturados aos interesses do capital estrangeiro. Ê importante
reparar nisto, porque a esquerda tradicional brasileira alimenta ainda ilusões
neste sentido, propondo alianças dos trabalhadores com esta suposta
"burguesia nacional". Para fazer o novo modelo funcionar sem
problemas era necessário mudar a política de "aliança de classes",
através de uma DITADURA MILITAR.
Assim,
além de neutralizar os setores nacionalistas identificados com o modelo e a
aliança de classes anterior, os novos donos do poder impuseram aos trabalhadores
o ARROCHO SALARIAL, isto é, reajuste de salários sempre menores do que o
aumento de preço das mercadorias. Para isto, o governo passou a exercer um
controle rígido e centralizado da política de salários e dos movimentos
sindicais. Acabou com qualquer participação dos movimentos sindicais, e de trabalhadores
em geral, nas decisões políticas do país. Pôs fim à estabilidade com o FGTS e
decretou a lei antigreve. Por outro lado, favoreceu todos os mecanismos que pudessem
aumentar a produtividade nas empresas, como as horas-extras, intensificação do
ritmo de trabalho, trabalho noturno, trabalho da mulher e do menor, com o
aproveitamento da capacidade ociosa das indústrias.
O
resultado mais manifesto desta política foi o chamado milagre brasileiro. No
exterior, o Brasil ficou conhecido como "o paraíso do investimento
estrangeiro".
Como consequência do novo modelo econômico imposto com o
golpe de 1964 e de sua evolução, aprofundou-se
ainda mais a dependência econômica, que caracteriza praticamente toda a
história da sociedade brasileira.
Hoje,
o Brasil tem a maior dívida externa do mundo: mais de 100 bilhões de dólares.
Os setores fundamentais da indústria são controlados, em grande parte, pelas
transnacionais, que entraram também no grande comércio e fizeram grandes
investimentos em terras, no campo.
Por
fim, a política econômica brasileira passou a ser ditada e fiscalizada
diretamente pelos funcionários do Fundo Monetário Internacional (FMI),
organismo internacional controlado pelos Estados Unidos e outras potências
econômicas do mundo capitalista.
Indicações bibliográficas para este capítulo:
1 -
IANNI, Octávio. O colapso do populismo no Brasil. Rio, Editora Civilização
Brasileira, 1971.
Obs.:
No capitulo 1, trata-se dos 'modelos econômicos brasileiros'.
2 -
PRADO JR., Caio. A revolução brasileira. São Paulo, Editora Brasiliense, 1978.
Obs.:
No capítulo II trata-se da questão da "burguesia nacional".
3 -
FERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio, Zahar
Editores.
Obs.:
'No item 2 da 1.' parte ("A explicação macrossociológica do
subdesenvolvimento econômico") trata-se da questão
"subdesenvolvimento e dependência".
4 -
MARX, Karl. O capital. São Paulo, Ditei, 1982.
Obs.:
No capitulo XXIV do livro 1.0, volume 2, trata-se da questão “A chamada
acumulação primitiva”.
IV - CAPITALISMO E ESTADO
1.
Estrutura e superestrutura da sociedade
2.
Para que serve o Estado
2. 1.
Origem do Estado
2.2.
Funções políticas e técnicas do Estado
2.3.
Função do Estado burguês
3.
Como domina o Estado burguês
3.1. A
teoria da raposa e do leão
3.2.
As leis
3.3.
As forças armadas e a polícia
4. A
questão da estatização da economia
5. O
Estado a serviço do imperialismo
6. A
luta política dos trabalhadores
Ouvimos
com frequência que o Estado existe para defender o bem comum, a liberdade de
todos etc. Que o Estado representa a todos e que está acima das classes
sociais. Enfim, nos dizem que O ESTADO É NEUTRO.
Às
vezes, o Estado nos é apresentado como um MEDIADOR dos conflitos entre as
classes sociais.
No
entanto, os fatos que podemos observar nos mostram que não é bem assim. Vemos
continuamente o governo reprimindo os trabalhadores, aumentando o arrocho
salarial, manobrando para manter os pelegos nos nossos sindicatos, decretando a
ilegalidade de quase todas as greves. E jogando a polícia e o exército para
bater, prender e matar trabalhadores que lutam por melhores condições de vida.
Do
outro lado, podemos notar o governo protegendo, por todas as formas, os
interesses dos empresários, estrangeiros ou nacionais, fazendo leis que os beneficiam, ouvindo suas opiniões antes de
tomar decisões importantes. O presidente da república, os ministros e outras
autoridades do Estado estão sempre se encontrando com entidades empresariais e
mesmo com empresários particulares. Fazem declarações, afirmando que é a
iniciativa dos empresários que proporciona o progresso do país etc.
Então,
ONDE ESTÁ A NEUTRALIDADE E A MEDIAÇÃO?
Sabemos
que estes fatos não acontecem só no Brasil, mas também em outros países do
mundo capitalista. De forma mais clara nos países subdesenvolvidos e
ditatoriais, e de forma mais disfarçada nos países desenvolvidos e de
democracia liberal.
Assim,
percebemos que o Estado capitalista, com os vários governos que vão se
sucedendo, protege os patrões, em
prejuízo dos trabalhadores.
Por
que isto? Em que se fundamenta esta situação? Quer dizer, qual é a natureza do Estado?
É o
que vamos estudar, a seguir.
1. ESTRUTURA E SUPERESTRUTURA DA SOCIEDADE
Para
entender qual é a natureza do Estado, dentro da sociedade, precisamos entender
como funciona a sociedade, qual
é a sua base. Marx dizia que a
estrutura econômica da sociedade é a base real sobre a qual se ergue uma
superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas
de consciência social.
De
acordo com esta ideia, a base, o alicerce da sociedade são AS ESTRUTURAS
ECONÔMICAS, em seu duplo e inseparável aspecto de "forças produtivas"
e de "relações sociais de produção". Isto é, a forma como os homens
produzem e distribuem os bens materiais; e a forma como os homens se organizam
em sociedade para esta produção e distribuição.
As
FORÇAS PRODUTIVAS dizem respeito às relações
do homem com a natureza: colocando-a
a seu serviço, através do trabalho. O desenvolvimento das forças produtivas
implica a descoberta de novos instrumentos de trabalho, novas tecnologias,
avanço da ciência, incentivo para o trabalho, maior produtividade, pleno
emprego etc.
As
RELAÇÕES SOCIAIS DE PRODUÇÃO dizem respeito às relações dos homens entre si, em função do domínio da natureza. Assim,
os homens organizam-se em sociedades de tipo primitiva, ou escravista, ou
feudal, ou capitalista, ou socialista. A passagem de um tipo de sociedade para
outro é o resultado das contradições internas entre as forças produtivas e as
relações sociais de produção. Usando-se o método dialético da "tese-antítese-síntese",
podemos dizer que quando as forças produtivas (tese) são impedidas pelas
relações sociais de produção de continuar avançando (antítese), estes acabam
sendo substituídos por novas relações sociais de produção, que liberam o desenvolvimento
das forças produtivas (síntese).
As
estruturas econômicas vão condicionar a
SUPERESTRUTURA POLÍTICA E JURÍDICA, e também a CONSCIÊNCIA SOCIAL. Quer dizer
que o poder político, as leis e o modo de pensar de uma sociedade vão
acompanhar, nas grandes linhas, as estruturas econômicas. Vejamos alguns
exemplos.
Nas
sociedades primitivas, os homens tinham meios de produção pouco desenvolvidos.
Por isso não havia excedente. Então
também não havia possibilidade de algumas pessoas explorarem o trabalho de outros.
Assim não havia divisão das pessoas em classes sociais. Não existia a
separação entre proprietários e trabalhadores. Todos trabalhavam e todos possuíam
a terra e os instrumentos de trabalho.
Por
causa desse tipo de estrutura econômica, o exercício do poder (a política) e as
leis (o jurídico) eram feitos por todos,
em assembleias tribais, ou pelos representantes eleitos por todos. Do mesmo modo, as idéias que
todas as pessoas tinham sobre o mundo, a vida, Deus, os valores morais etc.,
eram CRIAÇÕES COMUNS que vinham de geração em geração.
Vemos,
assim, como a estrutura econômica condiciona a superestrutura, isto é, a
política, as leis e a consciência social. Com a descoberta de melhores
instrumentos e tecnologias, passou a haver um EXCEDENTE DE PRODUÇÃO.
Apareceu
então a possibilidade de umas pessoas explorarem as outras, pela apropriação de
seu excedente de trabalho. Surgem, então, as CLASSES SOCIAIS; os homens passam,
desde então, e até hoje, a se dividirem entre proprietários, de um lado, e
trabalhadores do outro. Assim, o excedente de produção cria condições para o
surgimento da sociedade dividida em classes. E este conjunto de relações
econômicas cria condições para o surgimento do ESTADO (a organização política
da classe dominante) e da IDEOLOGIA (a visão do mundo, valores, "modo de
pensar" da classe dominante, e que ela consegue espalhar para o conjunto
da sociedade).
A
primeira sociedade de classes foi a escravista. Os proprietários eram os
senhores, e os trabalhadores eram os escravos. Pois eram os senhores que
governavam, faziam as Leis e comandavam os exércitos (Estado escravista). Eram
também suas ideias e valores que dominavam no conjunto da sociedade (ideologia
escravista).
A
mesma coisa aconteceu na sociedade feudal, dividida entre nobres e servos. E a
mesma coisa acontece na sociedade capitalista, dividida entre burgueses e
proletários.
Quer
dizer, em todas as sociedades divididas em classes, os proprietários exploram
os trabalhadores. E esta situação de proprietários exploradores cria condições
para que eles dominem os trabalhadores, e o conjunto da sociedade, no que se
refere à política e à ideologia.
Vemos,
deste modo, como a estrutura econômica é a base que vai condicionar, dentro da
sociedade, a superestrutura política, jurídica, militar e ideológica. Não quer
dizer que a estrutura vai determinar, de forma detalhada e automática, a
superestrutura. É apenas uma determinação em última instância, isto é, um
condicionamento geral em grandes linhas. Por exemplo: numa sociedade de
economia feudal não é viável um poder político, jurídico e ideológico da
burguesia.
Enfim,
a estrutura econômica de uma sociedade vai limitar apenas os espaços onde os
homens constroem a história. Dentro destes espaços, existem inúmeras
possibilidades para a liberdade e a vontade dos homens. Há portanto uma AUTONOMIA
RELATIVA DAS SUPERESTRUTURAS, como dizia Gramsci. Marx também afirmava que:
"Os homens fazem sua própria história, mas não
a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob
aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo
passado".
Neste
capítulo, ao tratar do Estado capitalista, estaremos vendo a ligação da
estrutura econômica com a superestrutura jurídico-política. No próximo
capítulo, veremos a ligação da estrutura econômica com a superestrutura
ideológica.
A
correspondência entre a estrutura econômica da sociedade e suas
superestruturas não se dá sempre de forma imediata. Às vezes, há uma defasagem
no tempo, que, porém, tende a ser corrigida. Foi assim que, na passagem da
sociedade feudal para a sociedade capitalista, a burguesia, em muitos lugares,
já era a classe de maior poder econômico, embora o poder político continuasse
nas mãos da nobreza. Esta situação, no entanto, aos poucos foi mudando, com a
burguesia tomando o poder político, por meio de revoluções.
Vimos
que a teoria marxista defende que a estrutura econômica é quem determina a
superestrutura jurídico-política e a consciência social. Para Marx, a análise
da sociedade parte sempre das relações materiais
(econômicas) no seu duplo aspecto de "forças produtivas" e
"relações sociais de produção". Assim, são essas relações que determinam
(em última instância) os fenômenos políticos, jurídicos, ideológicos e
culturais. Por isso, trata-se de método materialista. Pelo contrário, o método
idealista, como o de Hegel, vê a atividade intelectual e política, isto é, as idéias como o fator dominante da
história, inclusive das relações econômicas. Como vemos,
"materialismo" e "idealismo" são conceitos
científico-filosóficos, que não têm nada a ver com o uso vulgar destas
palavras. É neste sentido que deve ser entendido o materialismo marxista.
2. PARA QUE SERVE O ESTADO
De
início, poderíamos dizer que Estado
é a instituição pela qual o PODER é exercido dentro de uma sociedade. Seria
então um conjunto de pessoas e instituições que dirigem a sociedade. Mas logo
nos perguntamos: por que são estes, e não outros, que exercem o poder? Quem
eles representam? Para que eles estão na direção da sociedade?
2.1. ORIGEM DO ESTADO
A
teoria (visão global) que vimos no item anterior, de que a estrutura econômica
é a base da superestrutura político-jurídica nos encaminha para algumas
respostas. Lembremos que, de acordo com ela, os que detêm o poder econômico, têm em suas mãos também o poder
político.
Em uma
sociedade sem classes, como a primitiva, o poder é exercido por todos, ou
diretamente em assembleias, ou através de representantes eleitos, como os
conselhos e os caciques. Nestas tribos, o poder, de fato, se origina do conjunto da sociedade, e é exercido em benefício de toda ela. As
instâncias de poder, onde se tomam as decisões que vão afetar a todos, não
estão nas mãos de uma parcela da sociedade, mas do conjunto dela. Por isso,
essas instâncias não precisam usar da coerção. Não existe polícia nas tribos
primitivas, e as armas são usadas apenas contra outras tribos. Por tudo isso,
nas sociedades primitivas não existe Estado.
Como,
então, nasceu o Estado?
O Estado nasceu junto com a divisão da sociedade
em classes. Nas
várias sociedades de classe, os proprietários, detentores do poder econômico,
se apossaram também do poder político. Evidentemente, estas classes dominantes
(senhores, nobres, burgueses) vão exercer o poder em benefício da sua classe. O
poder político agora nasce de uma
parcela da sociedade e é exercido em benefício desta parcela. Assim
temos o Estado escravista, o Estado feudal,
Estado
burguês. A função principal do Estado será fazer prevalecer os interesses da
parcela dominante sobre o conjunto da sociedade. Para isto, é necessário que o
Estado tenha poder de coerção (polícia, forças armadas), a fim de assegurar
estes interesses pela força, sempre que seja necessário.
Agora,
podemos redefinir o ESTADO como sendo
uma instituição política, jurídica, administrativa e militar que tem por
objetivo dirigir o conjunto da sociedade, de acordo com os interesses da
parcela economicamente dominante.
Evidentemente,
a teoria política burguesa não define o Estado deste modo. Pelo contrário, ela
diz que o Estado tem o objetivo de proteger o bem comum. Reparemos, porém, que se trata de uma definição abstrata,
feita a partir do que se acha que o Estado deveria ser, e não da observação de
como ele surgiu, do que ele historicamente foi e do que continua sendo até
hoje.
2.2.
FUNÇÕES POLÍTICAS E TÉCNICAS DO ESTADO
Nas
sociedades mais antigas, as várias funções do Estado se acumulavam nas mesmas
pessoas ou grupos. Nos Estados modernos, elas se distribuem por muitos grupos e
ins¬tâncias. Assim, participam hoje da máquina do Estado: o governo (presidente
e seus ministros, os governadores e seus secretários, prefeitos e secretários
municipais), legisladores (deputados, senadores, assembleias legislativas,
câmaras municipais), o judiciário, o exército, a polícia, as autarquias, as
empresas públicas etc. Repare-se que "governo" e "Estado"
não são a mesma coisa. O "governo" é apenas um dos componentes do
"Estado". Uma classe social pode ter o "governo" nas mãos,
mas não o "Estado", O Chile, de Allende, nos ensina tragicamente essa
diferença.
A
função principal do Estado, que é de fazer a política da classe dominante, ou,
às vezes, de um setor da classe dominante, fica frequentemente escondida. Seja
pela enganação da neutralidade do Estado, seja por causa de suas muitas
funções técnico-administrativas, aparentemente neutras.
É
claro que as várias instâncias do Estado exercem funções técnico-administrativas,
para que o conjunto da sociedade possa funcionar. No entanto, se observarmos
atentamente, a razão última destas funções é a organização da sociedade de
acordo com os interesses dos exploradores. Esta observação é importante
porque frequentemente vemos problemas
técnicos, quando a questão é política. Acusamos, às vezes, certas
autoridades de incompetência ou omissão, quando, pelo contrário, estão se
empenhando a fundo, e com muita competência, para encaminhar os problemas... de acordo com as conveniências da classe
dominante, que eles representam.
2.3. FUNÇÃO DO ESTADO BURGUÊS
Está
claro que, na sociedade capitalista, o Estado está nas mãos da burguesia.
Frequentemente, os cargos mais importantes da máquina estatal são exercidos
por empresários (industriais, comerciantes, banqueiros e fazendeiros). Outras
vezes, estes cargos não estão diretamente com os proprietários dos meios de
produção, mas com pessoas fiéis a eles, e que também desfrutam das vantagens do
domínio burguês, como é o caso dos tecnocratas, militares etc. Num caso como
no outro, o importante é que a máquina estatal seja ocupada por pessoas que
defendem os interesses da classe burguesa.
Marx
dizia, já em 1848:
O governo do Estado moderno não é senão um comitê
para administrar os negócios comuns de toda a classe burguesa.
Portanto,
a principal função do Estado é a DEFESA DOS INTERESSES COMUNS DE TODOS OS
CAPITALISTAS.
Ora,
nós sabemos que esses interesses comuns são principalmente dois.
1º) A
EXPLORAÇÃO (e a superexploração) dos trabalhadores, isto é, a apropriação da
mais--valia produzida pelos trabalhadores, com a finalidade de acumular capital.
2°) A
GARANTIA de que esta situação VAI CONTINUAR indefinidamente, isto é, de que os
trabalhadores se deixem explorar, sem
criar problemas. Para isso é preciso impedir que os trabalhadores se
conscientizem e se organizem, e é preciso se defender quando eles começam a
lutar pelos seus interesses.
É
verdade que uma ou outra vez o Estado toma também algumas medidas contra
alguns empresários, ou setor empresarial. Por que acontece isto?
Porque,
como vimos, o Estado burguês defende os interesses comuns de TODA A BURGUESIA.
Mas os
capitalistas também lutam entre si, cada qual querendo uma fatia maior do bolo.
Às
vezes, há interesses que se chocam entre o setor industrial, comercial,
financeiro e agrário da burguesia. O mesmo ocorre entre os grandes, médios e
pequenos empresários. Outras vezes chega a haver confronto de interesses até
entre empresários individuais. Então, o Estado burguês tenta CONCILIAR,
harmonizar, os vários interesses dos burgueses, para manter a BURGUESIA UNIDA, na sua luta principal, que é contra os
trabalhadores.
Na
tentativa de conciliar os interesses dos diferentes setores da burguesia,
alguns destes setores acabam sendo favorecidos e outros prejudicados pelo
Estado. Exemplos do Brasil pós-64: a burguesia agrária frequentemente tem sido
prejudicada, enquanto a burguesia financeira tem sido favorecida: as grandes
empresas são beneficiadas pelo Estado, enquanto as médias e, mais ainda, as
pequenas, são menos favorecidas (apesar dos discursos em contrário).
Enquanto
os negócios da burguesia como um todo vão bem, as contradições entre seus
vários setores não têm muita importância, como foi, por exemplo, na época do
chamado "milagre brasileiro". Mas quando chega a crise econômica,
cada setor da burguesia quer salvar o seu lado. Aí começam as discordâncias e
se faz mais necessário a ação mediadora do Estado. Apesar de que os rachas da
burguesia se refletem também no poder do Estado. Há, no entanto, um esforço
deste para evitar, o quanto possível, as divisões dentro da burguesia, e fazer
com que sejam os trabalhadores a pagar o preço maior da crise econômica.
3. COMO DOMINA O ESTADO BURGUÊS
3.1. A TEORIA DA RAPOSA E DO LEÃO
COMO o
Estado cumpre sua função de dirigir o conjunto da sociedade, de acordo com os
interesses da classe dominante? Fundamentalmente, por dois meios: convencimento
e coerção.
Já
dizia Maquiavel, no século XVI, que o príncipe deve ser igual a uma raposa
muito esperta e, ao mesmo tempo, igual a um leão muito forte. Ou que deve ser
igual a um centauro, figura lendária grega, que tem cabeça de homem, mas corpo
e patas de cavalo. Enfim, o príncipe, isto é, a pessoa, a classe social ou a
instituição que tem o poder, para se manter nele, tendo em vista a defesa de
interesses pessoais ou grupais, deve ter um duplo tipo de preocupação.
1º) Convencer o conjunto da sociedade de
que SEU PODER É LEGITIMO, isto é, conseguir um certo consenso, uma certa aceitação de que o poder é exercido para o bem comum.. No mínimo, de que o poder
atual é um mal menor do que
algum outro que pudesse vir a substituí-lo.
2º)
Possuir MEIOS DE DISSUASÃO para que o poder não seja contestado, isto é,
convencer a não contestar o poder, por ameaça de retaliação, e, no caso de vir
a ser, utilizar meios coercitivos para reprimir os contestadores pela força.
Então,
o Estado, como instituição política da classe dominante, precisa,
primeiramente, agir de forma inteligente
para que as classes subordinadas aceitem, em boa paz, a HEGEMONIA desta
classe dominante.
Uma
forma geralmente eficaz de se conseguir esta legitimidade é dar a impressão de
que um certo governo da classe dominante foi escolhido por todas as classes,
através de eleições políticas.
Também a cooptação de certos
setores das classes subordinadas é importante para esta legitimação. Às vezes,
cooptam-se classes sociais inteiras, pela concessão de "migalhas do
banquete".
Outra
forma de convencimento é a que se faz através da dominação ideológica. Difundem-se, pela escola, meios de
comunicação, religiões etc., ideias que interessam à continuidade da classe
dominante e do seu Estado. Estas questões ideológicas serão estudadas no
próximo capítulo.
Está
claro que o Estado burguês usa as duas formas de dominação. Prefere geralmente
se manter pela legitimidade e convencimento. Quando, porém, isto não é mais
possível, usa todo seu arsenal repressivo para assegurar sua continuidade. É o
que acontece com os Estados burgueses democráticos que, ao perceber que os
interesses da burguesia podem ser atingidos, então não hesitam: tiram a máscara
e impõem a ditadura militar.
Geralmente,
o Estado burguês aplica, simultaneamente, em sua receita de dominação, uma
pitada de convencimento sorridente e uma pitada de ameaças e coerção efetiva.
3.2. AS LEIS
Falamos
em arsenal repressivo. Mas, em
que consiste ele?
Em
primeiro lugar, das LEIS. As leis são feitas pelo Parlamento, e também, em
alguns países como o Brasil, por decretos-leis do governo. E sua aplicação é
julgada pelo poder judiciário.
Afirma-se
que as leis são feitas por representantes de todos, em benefício de todos, e
para serem cumpridas igualmente por todos. Entretanto, como instrumento do
Estado burguês, a lei vai regular o conjunto da sociedade, DE ACORDO COM OS
INTERESSES DA BURGUESIA.
É
evidente que o caráter classista da lei não pode ser proclamado formalmente.
Mas a observação da realidade social, de
hoje ou do passado, nos mostra que a afirmação da origem, função e aplicação
da lei, como algo comum, serve
apenas para encobrir a dominação de classe e fazer da lei um mito ou dogma
inquestionável.
De
fato, não são os trabalhadores que elaboram as leis na sociedade burguesa.
Quanto a seus objetivos, as
afirmações genéricas de igualdade são negadas nas determinações concretas das
leis. E em relação à sua aplicação, sabemos
que o julgamento dos acusados da burguesia é bem diferente do julgamento dos
acusados do proletariado. As cadeias e os esquadrões da morte existem de fato
só para os pobres. Enfim, a realidade nos mostra que, sem igualdade econômica,
a tão decantada "igualdade jurídica" só existe no papel.
Para
evitar que os trabalhadores se libertem da exploração econômica e domínio
político da burguesia, além da legislação mais geral, a que nos referimos
acima, no Brasil, a burguesia elaborou também uma LEGISLAÇÃO TRABALHISTA
específica. Isto foi feito, de forma orgânica, no primeiro governo de Getúlio
Vargas.
Assim,
ao lado de algumas pequenas concessões, cercou-se a classe trabalhadora com
inúmeras leis, que procuram impedir, de todos os modos, a sua conscientização,
organização e mobilização. Já vimos que o Estado, nas fases iniciais do capitalismo,
não podia intervir nas relações entre patrões e trabalhadores. Tais relações
eram regidas apenas pelas duas partes, através do livre contrato de trabalho.
Depois, o Estado burguês, deixando de lado os "sagrados princípios"
da liberdade burguesa, resolveu se meter diretamente entre patrões e
trabalhadores para proteger os patrões. CLT, estrutura sindical atrelada, leis
sobre política salarial e emprego, FGTS etc., são manifestações da enxurrada
legislativa com que os trabalhadores têm sido presenteados pelos vários
governos burgueses do Brasil.
As
consequências práticas da aplicação da lei têm sido, entre outras, as
intervenções diretas ou indiretas nos sindicatos (dos trabalhadores, claro), a
decretação da ilegalidade de quase todas as greves etc.
3.3. AS FORÇAS ARMADAS E A POLICIA
Para
que as leis tenham eficácia, o Estado precisa ter meios para exigir seu cumprimento e punir os infratores. É aí que
aparece o outro elemento do arsenal repressivo a que nos referimos: AS FORÇAS
ARMADAS E POLICIAIS,
As
forças armadas (exército, marinha e aeronáutica) têm dois objetivos:
assegurar a defesa do país contra possíveis ataques vindos de nações
estrangeiras e garantir a ordem interna. Uma breve consulta à história do
Brasil nos mostra que foram poucas as vezes em que as forças armadas guerrearam
contra outras nações. Pelo contrário, são inúmeras as intervenções das forças
armadas para garantir a "ordem e a segurança interna". Ora, garantir
o quê contra quem? Os fatos
históricos nos mostram que se trata de garantir
a continuidade da exploração e dominação burguesa, contra os interesses
econômicos e políticos dos trabalhadores. Este é o sentido do novo
conceito ampliado de "segurança nacional", acrescido da defesa
contra a "infiltração comunista" que viria da União Soviética, Cuba
etc.
As
forças armadas serviram, durante séculos, para reprimir os escravos rebeldes,
atacar os quilombos e, depois, reprimir revoltas populares como a de Canudos.
Também junto com a polícia, agiram muitas vezes contra o movimento operário.
Por fim, em 1964, deram um golpe de Estado e assumiram diretamente poder. Para
defender os interesses da burguesia, as forças armadas reprimiram, através dos
métodos mais brutais, como a tortura e o assassinato, todos os que lutavam
pelos interesses da classe trabalhadora.
Deve-se
notar que as bases das forças armadas e da polícia, como os soldados e
sargentos, são originários da classe trabalhadora. Através do respeito à
HIERARQUIA e à DISCIPLINA, eles são condicionados simplesmente a cumprir
ordens, sem nada questionar. Graças a isso, a burguesia pode reprimir
trabalhadores, usando outros trabalhadores.
Vimos,
assim, em grandes linhas, os instrumentos políticos, jurídicos e militares que
o Estado burguês usa para garantir a exploração (e superexploração) dos
capitalistas sobre os trabalhadores.
4. A QUESTÃO DA ESTATIZAÇÃO DA ECONOMIA
Diante
da afirmação de que o Estado interfere para prejudicar os trabalhadores, alguns
burgueses se adiantam para dizer que o Estado tem também prejudicado os empresários
particulares, intrometendo-se na livre empresa e se tornando ele mesmo um
grande empresário (estatização da economia). É de se notar, porém, que estas
intromissões do Estado capitalista na economia começaram a se exercer depois da
crise econômica do capitalismo de 1929, e tiveram justamente como objetivo
tentar evitar as crises ou, pelo menos, diminuir seus efeitos, em benefício do conjunto dos capitalistas. Segundo
alguns burgueses, como os representados pelo jornal "O Estado de S.
Paulo", a intromissão do Estada na economia brasileira foi tão grande que
tornou o Brasil um país socializante ou semi-socialista, e não mais
capitalista.
É
verdade que o Estado brasileiro interfere na economia, regulamentando o funcionamento da livre empresa, e também
investindo muito na economia. Esta interferência, no entanto, não tem nada de
socialista (o que suporia um Estado dos trabalhadores). Pelo contrário,
trata-se do Estado burguês que cumpre sua função de defender os interesses comuns
do conjunto da burguesia.
Para isto, ele procura, por um lado, regulamentar as
atividades econômicas para harmonizá-las e tentar evitar maiores problemas no
funcionamento da economia capitalista. E por outro lado, o Estado investe em
setores básicos da economia, setores que necessitam de grande capital e que
são de retorno demorado, como usinas siderúrgicas, hidrelétricas, transportes,
petroquímica etc. Estas empresas estatais ajudam o conjunto da economia burguesa
a funcionar, fornecendo-lhes matérias-primas, energia, transporte etc., e
ajudando a evitar a queda da taxa de lucro da burguesia.
5. O ESTADO A SERVIÇO DO IMPERIALISMO
Nos
países subdesenvolvidos e dependentes, como é o caso do Brasil, o Estado não
serve só aos interesses da burguesia local, como também, e principalmente, aos
interesses do capital monopolista, isto é, do imperialismo econômico.
Nestes
países, o Estado se torna o grande colaborador do capital monopolista e o
principal promotor da dependência econômica. Ele assegura a exploração da
mais-valia, produzida pelos trabalhadores, tanto ao capital nacional, como,
mais ainda, ao capital internacional, defendendo-os da luta da classe trabalhadora.
É
sabido que a dependência econômica leva à dependência política, além de levar
também à dependência cultural e ideológica. Assim, o Estado brasileiro pós-64,
ao impor de vez o "modelo de desenvolvimento associado", atrela
também decididamente a política brasileira, interna e externa, à política dos
países imperialistas.
O
golpe de 1964, do ponto de vista político, teve justamente estes objetivos:
1º)
restaurar a correspondência entre poder econômico e poder político, em parte
separados nos últimos anos da democracia populista;
2°)
afastar o perigo de que chegasse ao poder ou a esquerda, ou grupos
nacionalistas adeptos de uma política externa independente;
3°)
reintegrar plenamente o Brasil no sistema capitalista mundial, com base na
doutrina geopolítica da "Civilização Ocidental", e de acordo com a
estratégia e a hegemonia dos Estados Unidos.
Depois
da segunda guerra mundial, os Estados Unidos têm sido, dentre as potências
imperialistas, a que mais tem estendido seu domínio mundial. Além da intensa
exploração econômica e da dominação ideológica e cultural avassaladora, os
Estados Unidos têm tido uma política altamente intervencionista, financiando
e envolvendo-se diretamente em golpes de Estado, invasões etc. Assim foi, por
exemplo, no Brasil de 1964, na Bolívia, no Chile, e continua sendo hoje na
Nicarágua, em El Salvador, Granada etc.
6. A LUTA POLÍTICA DOS TRABALHADORES
As
lutas econômicas dos trabalhadores logo mostraram que era necessário se
organizar também politicamente. As ações do Estado contra os sindicatos, as
greves etc. ensinaram à classe trabalhadora que não bastava a luta econômica,
pois o Estado se colocava invariavelmente do lado dos patrões. Ou melhor, que o
Estado é o Estado dos patrões. Ora, tal constatação exigia que a luta dos
trabalhadores fosse não só pelas reivindicações imediatas, como também PELO FIM
DO ESTADO CAPITALISTA.
Já no
século passado a luta política dos trabalhadores se manifestava de várias
formas.
Os anarquistas queriam acabar com o
Estado burguês, porém, fundamentalmente, a partir de lutas econômicas, na ação direta contra os patrões. Eles
acreditavam que a grande arma para a derrubada do poder político da burguesia
era a greve geral. Derrubado o
Estado burguês, imediatamente se instalaria uma sociedade sem classes e, portanto,
sem Estado.
Os socialistas, pelo contrário, achavam
que para lutar contra o poder político da burguesia era necessário que o
proletariado se organizasse também politicamente. As ideias de Marx vieram
reforçar este ponto de vista. A Primeira Internacional, que ele dirigiu por
vários anos, incentivava tanto as lutas econômicas como as lutas políticas dos
trabalhadores.
Marx,
porém, não chegou a elaborar uma teoria sobre o partido político da classe
trabalhadora. No entanto, entre o século passado e o atual, estes partidos
foram surgindo nos vários países da Europa e também nos Estados Unidos, com
diversos nomes. Eram basicamente de dois tipos: partidos de massa, abertos, com grande número de filiados, e
regidos por ampla democracia interna;
e partidos de quadros, que se restringiam a militantes altamente
preparados, às vezes profissionais, e que se regiam pelo CENTRALISMO DEMOCRÁTICO.
Centralismo
democrático é um método pelo qual na fase de discussão de uma proposta, deve
haver a mais ampla DEMOCRACIA para a defesa das mais diferentes teses; mas
feita a votação, a posição majoritária deve ser assumida e defendida por
todos, de forma única e centralizada.
Os
vários partidos da classe trabalhadora atuavam dentro da legalidade, e até
mesmo dentro da política institucional e parlamentar, quando havia condições
para isto; e atuavam na clandestinidade, quando o Estado burguês os reprimia.
Em condições de clandestinidade, os partidos de quadros tinham, evidentemente,
melhores condições de sobrevivência e atuação.
Para os partidos socialistas, trata-se de organizar a
classe trabalhadora para derrubar o Estado burguês e substituí-lo por um
Estado proletário como FASE TRANSITÓRIA para se chegar a uma sociedade sem
classes e sem Estado.
Alguns
dos partidos nascidos da classe trabalhadora acabaram por fazer uma revisão desta linha (daí serem
chamados de revisionistas), e adotaram uma política de evolução, e não de
revolução. Isto é, se propuseram a conseguir melhorias para a classe trabalhadora, dentro da própria
sociedade capitalista, adiando o surgimento do socialismo para algum futuro
distante. É o caso, em geral, dos partidos "socialistas",
"sociais-democratas" e "trabalhistas" da Europa atual.
A luta
tanto econômica como política da classe trabalhadora teve, desde o início, uma
perspectiva internacionalista. O apelo: "Trabalhadores do mundo inteiro,
uni-vos!" é de Marx em 1848. Depois da Revolução Russa de 1917 passou a
haver uma divisão entre os que continuaram enfatizando o caráter internacional
desta luta (principalmente os "trotskistas") e os que, como Stalin,
defendiam a teoria do "socialismo em um só país".
Nos
países dependentes, a luta dos partidos da classe trabalhadora tem adquirido
também um caráter de luta anti-imperialista, fato fácil de entendermos, depois
do que estudamos no capítulo anterior.
Indicações
bibliográficas para este capitulo:
1 -
MARX, Karl. Prefácio da Contribuição à critica da economia política, São Paulo,
Editora Martins Fontes, 1972.
2 -
LENIN, VIadimir I. O estado e a revolução. São Paulo, Hucitec, 1983.
V -
CAPITALISMO E IDEOLOGIA
1. Esconder, justificar, universalizar e fragmentar
2. Os instrumentos da dominação ideológica
3. Os princípios liberais
4. A ideologia a serviço do imperialismo
5. A luta ideológica dos trabalhadores
Dissemos,
no capítulo anterior, que a estrutura econômica da sociedade condiciona a
superestrutura jurídico-política e também sua consciência social, seu modo de pensar.
Nas sociedades primitivas, assim como não há Estado, também
não há ideologia, porque ainda não existem classes sociais. Mas, nas sociedades
divididas em classes, vai ser a ideologia da classe exploradora que vai
predominar na consciência social.
Ao
explorar os trabalhadores, os proprietários criam também condições para
dominá-los, no campo da política e da ideologia. Assim, na sociedade burguesa,
as ideias vão ser condicionadas pelas relações de produção e de propriedade
burguesas.
Mas,
afinal, o que é a ideologia? Para que serve a ideologia?
De
início, a gente deve observar que, em qualquer sociedade, existe um conjunto de
ideias pelas quais as pessoas entendem o mundo em que vivem. Mas por que esta
visão de mundo é de um jeito, e não de outro? A quem interessa explicar o
mundo por certas ideias? Estes interesses aparecem claramente, ou são
mascarados?
1. ESCONDER, JUSTIFICAR, UNIVERSALIZAR E FRAGMENTAR
Assim
como acontece com o Estado, a ideologia também não se mostra como ela
realmente é. Pelo contrário, as ideias características de uma sociedade de
classes costumam se apresentar como NEUTRAS.
Quer
dizer que elas não estariam favorecendo nenhuma classe social em particular, mas
estariam acima das classes. Mais ainda: as ideias que constituem a visão de
mundo de uma sociedade seriam realidades que não têm nada a ver com a divisão da sociedade em classes sociais.
Até
mesmo a existência de classes sociais é, muitas vezes, negada pela burguesia.
Como classe conservadora, que luta pela permanência de seu poder e
privilégios, a burguesia procura difundir que somos todos cidadãos, com iguais
direitos e deveres. Jogando uma cortina de fumaça em frente da real divisão
da sociedade em classes, a burguesia tenta evitar que os explorados tomem
consciência desta realidade. Pois, sem consciência da exploração e dominação,
os trabalhadores não têm condições de se organizar para contestar a hegemonia
burguesa. Enfim, a burguesia entende que "quem sabe mais, luta
melhor!"
Assim,
a ideologia dominante precisa ESCONDER como a sociedade, de fato, se organiza
e funciona. Precisa esconder as verdadeiras causas da pobreza e das injustiças.
E precisa esconder também a função classista
da própria ideologia: isto é, precisa "esconder que está
escondendo".
Mas
além de tentar mascarar a realidade social e a si mesma, a ideologia dominante
procura JUSTIFICAR o mundo em que vivemos. Para a classe dominante é preciso
que todos, ou pelo menos a maioria, aceitem a sociedade do jeito que ela é,
sem nenhuma visão crítica.
As
sociedades marcadas pelo domínio da burguesia seriam essencialmente boas e
justas. Mais ainda: seriam as únicas formas possíveis de os homens se
organizarem para poder viver neste mundo.
Também,
antes do capitalismo, as ideologias do escravismo e do feudalismo sempre
tentaram justificar a ordem social.
Na
época do escravismo, dizia-se que era a própria natureza e também o destino
que fazia com que alguns nascessem para ser livres e outros para ser
escravos. Então, como em um organismo, cada órgão deve exercer a sua própria
função, sem rebeldias, assim também, na sociedade, cada qual deve se conformar
com aquilo que a natureza e o destino lhe determinaram. "O bom para o escravo
é ser escravo, e o bom para o senhor é ser senhor", é o que diziam.
Nas
sociedades feudais, os nobres, e principalmente o clero, difundiram, entre os
servos, ideias semelhantes. Mas, em vez de justificarem as diferenças só pela
natureza e pelo destino, diziam que o mundo era assim pela vontade de Deus.
Então, os servos deveriam se conformar com os males desta vida e esperar a
felicidade depois da morte, no céu.
Na
sociedade atual, a burguesia, além de usar os argumentos anteriores, também
afirma que somos livres e iguais. Por isso, todos podem vencer na vida. Basta
trabalhar, estudar, ser esperto e ter um pouco de sorte.
É
importante notar que a classe dominante
procura esconder e justificar
a realidade não só diante dos explorados, como também diante de si mesma. Deste
modo, ela busca tranquilizar sua consciência frente a tantas desgraças
sociais que existem nas sociedades divididas em classes.
Vemos,
por tudo isso, que a ideologia é um instrumento das classes dominantes para
assegurar a continuidade de seu domínio, pelo controle do modo de pensar do
conjunto da sociedade. Ë, portanto, um instrumento usado em proveito de um grupo particular dentro da sociedade.
Mas o
segredo da ideologia está em que, sendo um conjunto de ideias de acordo com os
interesses de uma classe PARTICULAR, ela se apresenta como o modo de pensar.
ÚNICO E UNIVERSAL.
Marx dizia que "as ideias dominantes de uma
época sempre foram as ideias da classe dominante". Assim, sem percebermos, existem
muitas ideias que temos enfiadas na cabeça, como se fossem nossas, mas que, na
realidade, são formas de pensar que foram sendo introduzidas pelas classes
dominantes, através dos mecanismos que elas controlam.
A
ideologia burguesa tenta convencer toda
a sociedade de que o único modo
de organizar a produção, de viver e de pensar é e sempre foi este, que é seu. E tenta fazer
passar os seus interesses como
se fossem os interesses de todos.
Para conseguir este objetivo, a ideologia burguesa coopera
para que os trabalhadores tenham uma VISÃO FRAGMENTADA do mundo, isto é, não
tenham uma visão de TOTALIDADE.
Esta
visão fragmentada, que ajuda a exploração e a dominação da burguesia, se dá em
vários níveis. Vejamos alguns exemplos.
Em nível de processo produtivo, interessa à burguesia que os
trabalhadores tenham uma visão fragmentada deste processo, no que são
ajudados pela divisão do trabalho dentro das empresas e mesmo entre as
empresas. Uma visão de totalidade sobre o processo de produção das
mercadorias acabaria por desmascarar, diante dos trabalhadores, o mecanismo de
exploração pelo qual os capitalistas extraem a mais-valia. O trabalhador
perceberia assim que o salário não paga toda sua força de trabalho, mas apenas
uma parte. Perceberia que é seu trabalho que produz, e não o capital. Além de
tornar dispensável o trabalho intelectual da burguesia de coordenar o processo
produtivo.
Uma
visão não-fragmentada do processo de produção e circulação das mercadorias
jogaria por terra o que se chama de FETICHISMO DA MERCADORIA, pois o valor
desta seria entendido pelo seu fundamento: a força de trabalho que a cria.
Assim, a mercadoria, especialmente a mercadoria dinheiro, perderia sua aparência
de coisa independente, com vida própria e que submete os homens à sua
dominação, em vez de ser por eles submetida.
Em
outro nível, é importante para a dominação capitalista que os trabalhadores não
percebam as muitas relações que existem entre a organização econômica da sociedade, o poder político, o mundo ideológico
e cultural etc. Quer dizer que a dominação burguesa é favorecida pela
fragmentação que o trabalhador faz, por exemplo, entre o que acontece na
fábrica, o que acontece na política e os programas de televisão. Assim eles
evitam que o povo pense e analise sobre o que realmente acontece na sociedade.
Evita-se que os explorados possam dar sua opinião, com conhecimento da
situação, sobre as decisões que os poderosos tomam, e que afetam toda a
sociedade.
Um
outro nível em que a visão de totalidade é mais difícil ainda para o trabalhador
é o nível histórico. Interessa
à burguesia que o trabalhador não saiba que antes do capitalismo houve outras
sociedades, pois poderia assim perceber que o capitalismo não é eterno: nasceu
um dia, portanto também pode morrer e ser substituído por um outro tipo de
sociedade. Interessa à burguesia que o trabalhador não perceba como os fatos
passados estão influenciando o presente. Para ela, é preciso, o mais
possível, que o trabalhador não tenha
consciência histórica, mas ache que as coisas sempre foram e sempre
serão do jeito que se apresentam hoje. Aliás, a própria burguesia se
convence, na prática, de que "havia história, mas, agora, não há
mais".
2. OS INSTRUMENTOS DA DOMINAÇÃO IDEOLÓGICA
Por
quais meios a burguesia impõe sua ideologia?
Ela
impõe sua ideologia pelo CONTROLE de vários instrumentos que são de sua
propriedade, ou que ela financia, ou que são do Estado burguês, ou, pelo
menos, que não dirigidos por pessoas fiéis a ela.
Entre
os vários INSTRUMENTOS que a classe burguesa usa para maipular a consciência
social, destacamos:
- a escola, do maternal à Universidade;
- os meios de comunicação de massa, como a
televisão, o rádio, os jornais, as revistas, o cinema etc.;
- toda
a propaganda comercial, incentivando
o consumismo, e a propaganda estatal, como
a que divulga as proezas das Forças Armadas, as grandes obras do governo
etc.;
- as religiões conservadoras, que levam as
pessoas a pensar só no além, sofrendo no aquém;
- os esportes, quando são usados
politicamente para distrair o povo de seus problemas;
- os provérbios populares, como "quem
nasceu pra tostão, nunca chega a duzentos réis";
- a loteria etc.
Através
destes e de outros meios, a classe burguesa luta ideologicamente por seus
interesses. Assim, difunde também para os trabalhadores que as greves são obra
de baderneiros; que foram eles que provocaram a crise econômica; que os
brasileiros têm índole pacífica; e coisas do gênero.
Os
instrumentos que citamos difundem também, geralmente em doses homeopáticas e
de forma difusa, os valores fundamentais da burguesia, chamados também de
princípios liberais: individualismo, competição, liberdade, propriedade,
igualdade e democracia.
3. OS PRINCÍPIOS LIBERAIS
O INDIVIDUALISMO é o princípio liberal fundamental, que vai
influenciar todos os outros. Assim, o homem é, por natureza, indivíduo (o que não se divide),
portanto, naturalmente egoísta. Ele só se relaciona com outros seres humanos
por conveniência, através de
uma espécie de "contrato social". É lógico, portanto, que cada um se
preocupe, acima de tudo, em conseguir vantagens para si mesmo. Por isso
apontam-se saídas individualistas para o problema de cada trabalhador, iludindo-o com a possibilidade da ascensão
social, de ganhar na loteria, ou então incentivando-o a se tornar um
"puxa-saco" dos patrões.
A
COMPETIÇÃO decorre imediatamente do individualismo. Para vencer na vida é preciso competir (o
que implica derrotar os outros e fazê-los de degraus). E vencer na vida
significa, acima de tudo, conseguir uma situação econômica vantajosa. Mas,
além da competição econômica direta, há também a competição entre o homem e a
mulher (machismo e feminismo); a competição racial, que acompanha o
preconceito contra os negros etc.; a competição com o homem do campo, chamado
de caipira.
A
LIBERDADE que a burguesia difunde é, em primeiro lugar, a liberdade de empresa,
a liberdade de dispor do seu capital particular, de acordo com seus interesses,
aplicando-o no ramo que julga mais lucrativo, e explorando a força de trabalho
do proletário, que se vende "livremente". Essa liberdade de empresa
é a liberdade fundamental, para a burguesia, sem a qual todas as outras
liberdades são impossíveis. Por isso, a burguesia diz que onde não existe a
liberdade de empresa, como nos países socialistas, simplesmente não há
liberdade, e chama o seu mundo de Mundo Livre.
O
outro princípio é o da PROPRIEDADE.
Mas,
como nota Marx, não se trata da propriedade em geral, mas da propriedade burguesa, isto é, da propriedade do
capital. Na realidade, esta propriedade só pode existir para a minoria dos
burgueses, com a condição de que a maioria, que são os trabalhadores, não tenham
propriedade nenhuma, a não ser sua força de trabalho. Repare-se como, nas
greves, o Estado vem em defesa da propriedade da burguesia, e se coloca contra
a propriedade do trabalhador, que é sua força de trabalho.
A
IGUALDADE que a burguesia defende é a igualdade jurídica. Todos são iguais
perante a lei. Já vimos, no capítulo anterior, como a igualdade jurídica, sem
a igualdade econômica, é puramente formal. Consta no papel, mas não existe na
prática. Aliás, no dia-a-dia, o que se diz é outra coisa: que existem os de
cima e os debaixo. E que é melhor se conformar, respeitando e obedecendo aos
de cima, como os patrões, os chefes, as autoridades etc.
A
DEMOCRACIA é a representativa, e se resume, na maioria das vezes, em poder escolher
entre os vários candidatos da burguesia, para representar o povo nas instâncias
do governo e parlamento.
4. A IDEOLOGIA A SERVIÇO DO IMPERIALISMO
A
ideologia burguesa, com as características que vimos, está presente em todos
os países capitalistas do mundo.
No
entanto, nos países dependentes, ela cumpre também a função de servir, não só
à burguesia local, como também ao capital imperialista. Assim a dependência
econômica se prolonga não só na dependência política, como também na
dependência ideológica e cultural.
Através
do controle dos instrumentos que vimos, especialmente dos meios de comunicação
de massa e da propaganda comercial, o imperialismo impõe à população dos
países dependentes uma mentalidade dependente. Impõe seus valores, seu modo
de vida, seu consumismo. Cria artificialmente gostos musicais, modas etc. a
ponto de provocar no povo, especialmente nos jovens, verdadeiro desprezo pelas
manifestações da cultura nacional.
No
Brasil, depois da segunda guerra mundial, e acompanhando o aumento da
dependência econômica e política, passa a predominar a influência ideológica e
cultural dos Estados Unidos. Esta influência aumenta muito mais depois do
golpe militar de 1964, espalhando-se por todas as partes do país.
5. A LUTA IDEOLÓGICA DOS TRABALHADORES
Embora
"as ideias dominantes de uma época" sejam as ideias da classe
dominante, sempre houve, por parte de grupos de trabalhadores, MOVIMENTOS DE
RESISTÊNCIA, no campo da ideologia e da cultura. Movimentos de resistência que
se deram primeiro de forma espontânea, e depois respaldados em visões
teóricas mais elaboradas, como de Marx, Engels, Bakunin e outros. Contra o individualismo
e a competição dos burgueses, estes trabalhadores valorizavam a solidariedade e
o companheirismo. E formulavam também de outro modo os princípios de
igualdade, liberdade e democracia.
Tanto
no passado como no presente, os movimentos de resistência ideológica e
cultural dos trabalhadores foram sempre feitos com instrumentos modestos. O
teatro, a música, danças, jornais, cinema e algumas experiências em escolas têm
servido, a duras penas, como instrumentos com que os explorados resistem à dominação
ideológica da burguesia.
A
tomada do poder pelos trabalhadores supõe um acúmulo de forças que não é só
político, como também ideológico e cultural. Um passo importante neste sentido
é dado quando os trabalhadores vão percebendo que a luta de cada um não é
individual, mas que se trata de uma LUTA DE CLASSES.
Luta
que envolve o proletariado, que é explorado, no seu conjunto, por outra classe, a burguesia.
Neste
processo, o proletariado deixa de ser simplesmente uma CLASSE EM SI, e passa a
ser também uma CLASSE PARA SI.
Isto
é, os trabalhadores não formam uma classe só porque têm uma situação e
interesses iguais (classe em si), como também porque têm a consciência desta
situação e interesses, inclusive o de conseguir a hegemonia dentro da sociedade
(classe para si).
O
trabalhador é um REVOLTADO quando sente a injustiça da sociedade capitalista,
mas não sabe o porquê desta situação, reagindo com atitudes individuais e
emocionais. Pelo contrário, o trabalhador se torna um REVOLUCIONÁRIO quando
adquire CONSCIÊNCIA DE CLASSE, entendendo as causas e mecanismos da exploração
e dominação e unindo-se e organizando-se com os outros trabalhadores.
Esta
consciência de classe se torna também anti-imperialista e internacionalista à
medida que o trabalhador percebe que a luta de classes se dá agora em nível
internacional.
Indicações bibliográficas para este capítulo:
1 - CUNHA, Luiz Antônio. Educação e desenvolvimento social
no Brasil. Rio, Francisco Alves.
Obs.: ler o capítulo "Os princípios gerais do
liberalismo".
VI - A
PROPOSTA DO SOCIALISMO
1. A passagem para o socialismo
1.1. Condições objetivas
1.2. Condições subjetivas
2. A organização da economia no socialismo
2.1. As forças produtivas na economia socialista
2.2. As relações sociais de produção na economia socialista
2.2.1. Fim da contradição capital x trabalho:
propriedade coletiva dos meios de produção
2.2.2. Fim da anarquia da produção: planificação econômica
global
2.2.3. Remuneração individual. Auto-administração
2.2.3.1. Remuneração individual
2.2.3.2. Auto-administração
3. A organização política no socialismo
3.1. O Estado dos trabalhadores
3.2. A participação política dos trabalhadores. O
internacionalismo proletário
4. A consciência socialista
5. O projeto de uma sociedade pós-socialista
5.1. A palavra comunismo
5.2. As relações econômicas no pós-socialismo
5.2.1. As forças produtivas no pós-socialismo
5.2.2. As relações sociais de produção no
pós-socialismo
5.3. As relações políticas no pós-socialismo
5.4. A consciência social no pós-socialismo
6. As experiências socialistas
Vamos
tratar aqui da PROPOSTA do socialismo, e não das várias experiências
socialistas que já existem pelo mundo. Pois, para isto, seria necessário
analisar cada uma dessas experiências. No final do capítulo serão feitas algumas
breves observações gerais sobre as experiências socialistas.
A
proposta do socialismo de que se vai tratar aqui baseia-se, em grandes linhas,
nas ideias de Karl Marx, embora ele nunca tenha apresentado uma proposta
acabada e sistematizada de socialismo. Marx dizia que não era sua pretensão
"dar receitas para as cozinhas do futuro".
1. A PASSAGEM PARA O SOCIALISMO
Antes
da sociedade capitalista, existiram vários outros tipos de sociedades, como a
primitiva, a escravista e a feudal. O capitalismo então é um fato histórico
que, como qualquer outro, apareceu, se desenvolve e deverá desaparecer. A burguesia
evidentemente não quer que isto aconteça, e nega então, por todos os meios, a
possibilidade de a sociedade capitalista ser substituída por outro tipo de
sociedade. Como vimos, ela se convenceu, na prática, de que "havia
história, mas agora não há mais".
No
entanto, a substituição do capitalismo pelo socialismo depende tanto de
condições objetivas como de condições subjetivas.
1.1. CONDIÇÕES OBJETIVAS
As condições objetivas da passagem para o socialismo são
aquelas que não dependem da vontade dos que assumem este projeto: são, pelo
contrário, as condições internas que existem dentro do próprio capitalismo.
Lembrando o que se disse no item sobre "estrutura e
superestrutura da sociedade (capítulo IV), deve-se distinguir, na economia,
dois tipos de relações diferentes, embora entrelaçados:
1) A relação que os seres humanos estabelecem COM A
NATUREZA, a fim de colocá-la sob seu controle, e a seu serviço, através do
trabalho e da técnica. Do conjunto destas relações resultam as FORÇAS
PRODUTIVAS.
2) As relações que os seres humanos estabelecem ENTRE SI, em
função daquele controle da natureza. Quer dizer que, para tirar os bens
materiais da natureza, os homens se organizam na sociedade de um certo modo,
como nas sociedades primitivas, ou nas escravistas, ou nas feudais, ou nas
capitalistas ou nas socialistas. A estas relações chamamos de RELAÇÕES SOCIAIS
DE PRODUÇÃO.
Ora, Marx, afirma que:
ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as
forças produtivas materiais da sociedade se chocam com as relações de produção
existentes, ou, o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações de
propriedade dentro das quais se desenvolveram até ali. De formas de
desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se convertem em obstáculo
a elas. E se abre, assim, uma época de revolução social.
As crises sucessivas e cada vez mais profundas da economia
capitalista mostram como este sistema, que antes proporcionou um grande
desenvolvimento econômico, agora atrapalha este desenvolvimento. A livre
empresa e a divisão da sociedade entre proprietários do capital, de um lado, e
proprietários de força de trabalho, do outro, impedem que o homem desenvolva
suas possibilidades de maior controle da natureza, e até mesmo dificulta, para
muitos, a simples sobrevivência. Isto é, as relações capitalistas de produção
atrapalham, freiam o livre desenvolvimento das forças produtivas.
Este
choque das relações sociais de produção com as forças produtivas se manifesta
de vários modos. Vamos citar alguns:
1º) As crises cíclicas de superprodução que
destroem muitas forças produtivas já criadas e impedem o surgimento de novas.
2º) O
impedimento de se usar, em grande escala, a tecnologia mais avançada, como é o caso da automação ou
robotização, já que isto provocaria grandes problemas, como desemprego em
massa, tensões sociais, além da redução do mercado consumidor.
3º) O
exagerado crescimento do setor financeiro (improdutivo) sobre os setores
produtivos da economia.
4º) As
manifestações da luta de classes, como greves, operação tartaruga etc., que
diminuem a produção.
Vamos
nos deter um pouco no último ponto.
Lembramos
que a burguesia só pode existir e se desenvolver com a existência e
desenvolvimento do proletariado, que movimenta o capital dela e lhe
proporciona lucros. No entanto, ao mesmo tempo em que o proletariado surge e se
desenvolve, também aparecem as contradições entre estas duas classes e, consequentemente,
a luta de classes. Como diz
Marx, "a burguesia produz seus
próprios coveiros.
O
desenvolvimento industrial não só aumenta o número dos proletários, mas também
os concentra em grandes massas, o que contribui para que sua força cresça e
eles adquiram maior consciência desta força". A concentração do proletariado
facilita também sua organização e suas mobilizações, como greves etc. O
proletariado pode assim se tornar revolucionário e "estabelecer sua
dominação pela derrubada violenta da burguesia".
1.2. CONDIÇÕES SUBJETIVAS
As condições subjetivas da passagem para o socialismo são
aquelas que dependem da vontade de organização da ação revolucionária dos que
assumem este projeto.
Quem
pode fazer isto, em primeiro lugar, é o proletariado, tanto urbano como rural
(neste caso estão os boias-frias e os assalariados rurais permanentes), por
causa de suas próprias condições objetivas, conforme vimos. Assim, cabe ao
proletariado dirigir o processo de transformação da sociedade. Claro que isto
só acontece de fato quando o proletariado adquire consciência de seus
interesses (não só imediatos, como também históricos) e assume a luta por estes
interesses. Isto é, quando o proletariado não é só uma "classe em
si", mas se toma também uma "classe para si".
Outros
setores da sociedade, que não exploram o trabalho alheio, isto é, outras
frações da classe trabalhadora, podem se aliar ao proletariado para a
transformação revolucionária da sociedade. Porque suas condições objetivas não
os impedem disto, sendo a revolução socialista também do seu interesse. Entre
estes possíveis aliados do proletariado destacamos, no campo, os pequenos
proprietários, os posseiros, os meeiros e outros parceiros. E, na cidade, os
artesãos (autônomos), os profissionais liberais, os estudantes e intelectuais.
Quanto a estes últimos é a "compreensão teórica do movimento
histórico" que os leva a ligar-se ao proletariado,
A
vontade organizada e a ação revolucionária do proletariado e seus aliados para
a transformação da sociedade se concretizam através de um partido, ou uma
frente de partidos. A este(s) partido(s) cabe a tarefa, nesta etapa, de traçar
a estratégia do processo revolucionário para a tomada do poder.
Às vezes, tem-se supervalorizado as condições
objetivas, em
detrimento das condições subjetivas. Parte-se da ideia de que "o socialismo
virá inevitavelmente", como resultado das contradições do capitalismo.
Então, tudo o que se pode fazer é apressá-lo um pouco. Trata-se de um desvio
determinista, que tende ao acomodamento.
Por
outro lado, existem os que têm supervalorizado
as condições subjetivas, em detrimento das condições objetivas. Aqui,
parte-se da ideia de que "querer é poder", não se analisando com o
necessário cuidado a situação econômica daquele momento, a correlação de
forças entre as classes etc. Trata-se de um desvio voluntário, que tende ao
vanguardismo e à ação impensada.
A
revolução socialista só pode acontecer se existirem, ao mesmo tempo, condições
objetivas e subjetivas. Uma sem a outra é insuficiente. E é necessária a
acumulação destas condições, até se chegar ao momento da ruptura, isto é,
acumulação das contradições da sociedade capitalista (crise econômica,
social, política) e acumulação de forças do proletariado e seus aliados em
todos os níveis.
2. A ORGANIZAÇÃO DA ECONOMIA NO SOCIALISMO
21. AS FORÇAS PRODUTIVAS NA ECONOMIA SOCIALISTA
A
economia socialista, ao mudar as relações sociais de produção, como veremos no
próximo item, também LIBERA AS FORÇAS PRODUTIVAS. Na organização socialista da
sociedade não há crises cíclicas de superprodução (poderá haver, em certos
casos, crises de subprodução, motivadas por calamidades naturais ou erros
políticos). A tecnologia mais avançada pode ser usada em grande escala, não
provocando desemprego, nem prejudicando o trabalhador em nada. Pelo
contrário, o avanço da tecnologia só vem beneficiar o trabalhador, livrando-o
do excesso de trabalho, dos trabalhos mais penosos etc.
As
manifestações da luta de classes, que provocam a diminuição da produção, como
é o caso das greves, deixam de existir (não tem sentido os trabalhadores
fazerem greve contra eles mesmos). Acontecendo tal fato, em alguma experiência
concreta, temos de questionar o caráter de fato socialista daquela sociedade.
Da mesma forma, em uma economia planificada não poderá haver o fenômeno da
hipertrofia (crescimento exagerado) do setor financeiro sobre os setores
produtivos da economia.
Então,
sem aqueles entraves das relações capitalistas de produção, as forças produtivas, na sociedade socialista,
terão assim, um DESENVOLVIMENTO ACELERADO.
Esta
dedução da teoria marxista é comprovada, no geral, pelas experiências
socialistas concretas, já que, em média, o crescimento do PIB (Produto Interno
Bruto) tem sido significativamente maior nos países em que se realizaram experiências
socialistas do que nos países capitalistas.
2.2. AS RELAÇÕES SOCIAIS DE PRODUÇÃO NA ECONOMIA
SOCIALISTA
O fim
do capitalismo e sua substituição pelo socialismo vão ter as seguintes
consequências, nas relações sociais
de produção:
- fim
da separação entre
proprietários dos meios de produção e proprietários da força de trabalho;
-
propriedade coletiva dos meios de produção;
-
planificação econômica global;
- a
aplicação da regra: "De cada um segundo sua capacidade e a cada um segundo o seu trabalho";
- na
remuneração individual;
-
auto-administração.
2.2.1. Fim da contradição capital
x trabalho: propriedade coletiva dos meios de produção
Dissemos, no capítulo IV, que nas sociedades primitivas não existe
divisão de pessoas em classes sociais. Isto é, não existe a separação entre
proprietários e trabalhadores. Todos trabalham e todos possuem as florestas,
rios, terras e também os instrumentos de trabalho. Com o surgimento do
excedente de produção, aparece a possibilidade de umas pessoas explorarem
outras, pela apropriação deste excedente. A partir de então, as sociedades
perdem sua unidade, e se estabelece, dentro delas, uma rachadura, uma separação
entre proprietários exploradores e trabalhadores explorados. Este
"racha" interno, que se estabelece nas so¬ciedades escravistas,
continua sob outras formas, nas sociedades feudais e capitalistas.
O socialismo propõe então o RESTABELECIMENTO DA UNIDADE
perdida no interior das sociedades. Isto é, o socialismo propõe o fim da
separação entre proprietários e trabalhadores. Como o socialismo é, e só pode
ser, uma proposta de superação do capitalismo, O SOCIALISMO PROPÕE O FIM DA
SEPARAÇÃO ENTRE CAPITAL E TRABALHO.
Termina então a extração da mais-valia, isto é, a
exploração, e, às vezes, a superexploração que a burguesia faz sobre o
proletariado. Com o fim do lucro e acumulação da burguesia, coloca-se um ponto
final à exploração. A proposta do socialismo é justamente de uma SOCIEDADE SEM
EXPLORADORES NEM EXPLORADOS.
Os antigos burgueses terão de renunciar à sua forma
parasitária de vida, e terão de trabalhar, como compete a todos seres humanos.
Pois está claro que, se alguém não trabalha para viver, outros estão
trabalhando por ele, isto é, existe exploração. No socialismo, todos trabalham.
Ou, como diz o provérbio popular, "quem não trabalha, não come". Só
estão isentos do trabalho as crianças, os idosos e os doentes incapacitados
para o trabalho. Assim, a burguesia irá desapa¬recendo como classe social.
No capitalismo, o passado domina o presente, já que o
capital, co¬mo trabalho passado, domina o trabalho vivo do presente. No
socialismo, pelo contrário, é o presente que domina o passado. O socialismo é o
reconhecimento de que só a força de trabalho humana é que produz, portanto só
ela tem direitos. Ou seja, o capital não tem direitos.
Mas o trabalho na sociedade socialista, deixando de ser um
meio de exploração e perdendo seu caráter alienado (que pertence ou está sob o
domínio do outro, o burguês), perde também seu lado pe¬noso e aborrecido. O
trabalho passa a ser uma atividade que proporciona realização e satisfação ao
ser humano.
Acaba-se então a divisão entre proprietários dos meios de
produção e proprietários da força de trabalho, já que, no socialismo, os que
trabalham são também, coletivamente, os proprietários dos meios de produção.
A proposta socialista de PROPRIEDADE COLETIVA DOS MEIOS DE
PRODUÇÃO significa, concretamente, o fim da propriedade privada das fábricas,
das fazendas, dos bancos e do grande comércio. Trata-se, portanto, de destruir
o capital e socializar o trabalho. O capital, na realidade, é um produto
coletivo, pois resulta do trabalho combinado de inúmeros homens, mas sua
apropriação é privada, servindo para o processo de exploração. Destruir o
capital significa que os meios de produção perdem seu caráter de capital, isto
é, de instrumento da exploração. Com a propriedade coletiva do capital
simplesmente se restitui à coletividade aquilo que é resultado do trabalho
desta coletividade.
Não é proposta do socialismo acabar com a propriedade
privada dos bens de consumo como, por exemplo, a casa onde a gente mora, nossos
aparelhos eletrodomésticos, roupas etc. Estas falsas ideias são divulgadas pela
burguesia para fazer com que os próprios trabalhadores, e também as
"camadas médias" da sociedade, tenham medo do socialismo. Na
realidade, tanto os trabalhadores, como as camadas médias, não têm nada a
perder e, pelo contrário, só têm a ganhar, com a transformação socialista da
sociedade.
Trata-se, portanto, de destruir não a propriedade em geral,
mas a propriedade burguesa, do mesmo modo que, em outras épocas, a burguesia
destruiu a propriedade feudal, por meio de revoluções.
Ora, na sociedade burguesa, a propriedade privada dos meios
de produção já está destruída para a esmagadora maioria da população. Então, a
defesa da propriedade privada dos meios de produção significa concretamente a
defesa desta propriedade, para a minoria cada vez mais ínfima dos burgueses que
a possuem. Aliás, esta minoria só tem esta propriedade justamente porque a
maioria não a tem. Nos países subdesenvolvidos e dependentes, como é o caso do
Brasil, a grande maioria, além de não ter acesso à propriedade dos meios de
produção, cada vez mais não tem acesso sequer aos bens de consumo básicos,
necessários à reprodução da vida.
Como vimos no capítulo 1, no capitalismo o excedente de
produção e, às vezes, até uma parte do "trabalho necessário", embora
produzido coletivamente, é apropriado pela burguesia. No socialismo, co¬mo consequência
da coletivização dos meios de produção, o excedente, e, de modo geral, AS
RIQUEZAS PRODUZIDAS SÃO COLETIVIZADOS, revertendo assim para o conjunto dos
trabalhadores que o produziram e de suas famílias.
Diferentemente também das sociedades primitivas, em que só é
possível socializar a escassez de uma economia de subsistência, no socialismo,
trata-se de socializar também o excedente. Com o avanço atual das
possibilidades das forças produtivas, isto significa a possibilidade de
SOCIALIZAR A ABUNDÂNCIA, depois de algum tempo da implantação do socialismo.
Deve-se notar que a socialização das riquezas não se dá só
na forma direta de remuneração pelo traba¬lho realizado (remuneração
individual), mas também como melhorias sociais para todos os trabalhadores e
suas famílias. Assim, uma parte dos valores produzidos fica de forma direta e
individual com os trabalhadores. Mas outra parte serve para melhorar
coletivamente o atendimento das necessidades básicas que são oferecidas,
algumas por baixo preço (subsídios), outras gra¬tuitamente: alimentação,
vestuário, casa, transporte, educação, saúde e lazer. Outra parte ainda serve
para a continuidade e aperfeiçoamento do próprio processo produtivo, isto é,
reposição de "capital constante", novos investimentos etc., além de
um fundo de reserva para situações imprevisíveis, como é o caso de calamidades
naturais, ou guerras.
A socialização dos meios de produção e do excedente é feita
principalmente através do Estado socialista. Sobre o Estado socialista
trataremos adiante.
É ainda importante observar que o socialismo propõe, junto
com a superação da contradição "capital x trabalho", também a
superação de OUTRAS CONDIÇÕES que se ligam a esta, mas que têm sua
especificidade. É o caso das contradições cidade-campo, trabalho intelectual-trabalho
manual, homem-mulher etc. Estas divisões, que implicam a superioridade
valorativa da cidade sobre o campo, do trabalho intelectual sobre o trabalho
manual, do homem sobre a mulher, ligam-se, pelo menos em parte, à divisão da
sociedade em classes, devendo ser combatidas na sociedade socialista, tendo em
vista a sua superação.
2.2.2. Fim da anarquia da produção: planificação
econômica global
Como vimos no capítulo II, a economia capitalista é anárquica, baseada nos tais efeitos
miraculosos da concorrência, e em outros fetiches das tais leis naturais. As
decisões em relação ao que produzir,
quanto produzir, como produzir etc., são tomadas por
cada capitalista. Assim, existe um planejamento da produção parcializado em
cada "livre empresa", mas não um planejamento global, no conjunto da
sociedade. Sabemos que isto leva às crises cíclicas de superprodução.
A
proposta socialista nega este modo de organizar a produção, e propõe o
planejamento econômico global.
Na
sociedade capitalista, cada empresário pergunta: "Quanto vou lucrar com
essas mercadorias?" Para ele, interessa, na mercadoria, apenas seu valor de troca. Na sociedade
socialista, em vez, o Estado socialista pergunta: "De quais e quantos produtos a população está precisando?" Aqui
interessa, sobretudo, o valor de uso dos
produtos.
Quer
dizer que, no capitalismo, a economia tem a finalidade de conseguir lucros,
para acumular; enquanto NO SOCIALISMO A ECONOMIA TEM O OBJETIVO DE SATISFAZER
AS NECESSIDADES DE TODOS.
Enfim,
no capitalismo, o homem está em função da economia, e é dominado por ela, como
mostram as crises cíclicas de superprodução, enquanto no socialismo, é a
economia que está em função do homem, que é quem a domina.
No
capítulo II nos referimos às comunidades primitivas, em que o conjunto da
aldeia decidia antecipadamente sobre as questões da produção.
Na
sociedade socialista ocorre um processo semelhante, embora muito mais complexo:
a PLANIFICAÇÃO ECONÔMICA GLOBAL.
As
decisões a respeito da produção (produzir o quê, quanto, como, onde, quando
etc.) são decisões sociais, concretizadas através do Estado
socialista.
Assim,
os órgãos econômicos e estatísticos do Estado socialista se empenham em RECOLHER
DADOS SOBRE QUAIS SÃO AS NECESSIDADES do conjunto da população. De posse
destes dados, é feito um PLANO ECONÔMICO para a produção, por determinado
tempo, de acordo com as possibilidades das forças produtivas, naquele
momento. Em cada plano, são estabelecidas algumas PRIORIDADES.
Deste
modo, a atividade econômica deve
atender primeiro às necessidades básicas da população, para só depois
se voltar para a produção do que é apenas conveniente, ou mesmo supérfluo.
Evidentemente, os órgãos econômicos estatais planejam não apenas a produção,
como também a continuidade e aperfeiçoamento do processo produtivo e a
formação de fundos de reserva, como dissemos no item anterior.
As
principais CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS desta economia planificada são: a eliminação
das crises cíclicas de superprodução, o acelerado desenvolvimento das forças
produtivas e a elevação do padrão de vida do conjunto da população.
Sobre
este último ponto, deve-se dizer que o socialismo elimina rapidamente a
miséria, isto é, os aspectos mais desumanos que ele herda da sociedade
capitalista: a miséria, a fome, o desemprego, as favelas e cortiços, a
prostituição, o elevado índice de criminalidade, o analfabetismo, a situação
das crianças e velhos abandonados, o desamparo na doença etc. Aos poucos,
melhoram também para o conjunto da população o nível de atendimento das
necessidades básicas: alimentação, vestuário, moradia, saúde, educação,
transporte e lazer (repare-se que lazer
também é considerado como necessidade básica). Também melhoram as
condições de trabalho: jornada menor (assim que for possível), segurança,
salubridade, férias etc.
2.2.3. Remuneração individual. Auto-administração
2.2.3.1. Remuneração individual
Na
sociedade socialista, não existem salários.
Como
já vimos, o salário é o pagamento de uma parte apenas da força de trabalho gasta
pelo proletário. Há uma outra parte que é o trabalho não pago, ou mais-valia,
que é embolsada pela burguesia. Ora, estas relações sociais de produção são
próprias do capitalismo. Na proposta do socialismo, não há a apropriação por
outra classe da mais-valia produzida pela classe trabalhadora. Por isso, a
remuneração que cada trabalhador recebe por seu trabalho é de natureza diferente
do salário.
Porém,
como diz Marx, não se trata de "retirar de ninguém o poder de
apropriar-se de sua parte dos produtos sociais, mas apenas suprimir o poder de
escravizar o trabalho dos outros, por meio dessa apropriação".
Então,
no socialismo, todo fruto do trabalho reverte, de forma individual ou
coletiva, em proveito dos trabalhadores e suas famílias. Já nos referimos a
algumas destas formas coletivas.
No que
se refere à remuneração individual, prevalece, na sociedade socialista, a
seguinte regra:
DE
CADA UM SEGUNDO SUA CAPACIDADE, E A CADA UM SEGUNDO O SEU TRABALHO.
Desdobremos
esta regra nas suas partes.
Primeiro,
a organização socialista da sociedade exige que todos trabalhem. Exclui-se
assim o parasitismo social. Esta exigência, no entanto, está condicionada à
capacidade, ou seja, às condições de cada um. Assim, crianças, idosos,
deficientes, doentes etc., não precisam trabalhar para viver, sendo
sustentados pela sociedade. Para to dos os demais, a sociedade deve procurar, o
mais possível, que cada qual trabalhe naquelas atividades para as quais tem
mais aptidão e gosto.
Segundo,
a organização socialista da sociedade retribui a cada um de acordo com a qualidade de sua força de trabalho,
isto é, de acordo com a qualificação profissional, experiência e empenho de
trabalho. Existem, portanto, diferenças de remuneração individual baseadas
nestes critérios. Estas diferenças, no entanto, devem ser limitadas, através de
faixas de remuneração. Assim, a remuneração mais alta não pode ultrapassar
"x" vezes, por exemplo, 3 vezes, a remuneração mais baixa.
Referimo-nos
várias vezes, e voltaremos também adiante, ao papel do Estado socialista na
organização econômica da sociedade. Se, no entanto, cabe aos órgãos especializados
do Estado socialista encaminhar as grandes linhas da planificação econômica,
nas unidades industriais, agrícolas, comerciais etc., a proposta socialista
inclui a AUTO-ADMINISTRAÇÃO.
2.2.3.2. Auto-administração
Trata-se
da auto-administração interna dos trabalhadores em cada empresa (ou em um
grupo de empresas), em função das decisões que afetam a todos seus
participantes. Assim, as inúmeras questões relativas à produção, às relações
entre os trabalhadores etc. são discutidas e encaminhadas pelos próprios
trabalhadores. Isto pode ser feito pela participação
direta do conjunto de trabalhadores em assembleias, ou através de
representantes que se organizam em comissões.
A auto--administração pressupõe um efetivo exercício de democracia
interna e autonomia em relação ao Estado, partidos, ou qualquer outra instância
externa. Os sindicatos também poderiam participar no processo de
auto-administração, além de se preocupar, em nível mais geral, com as relações
de trabalho; de contribuir para a construção do socialismo; e até de contribuir
para que o Estado socialista não se burocratize.
3. A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NO SOCIALISMO
Do mesmo modo que nas outras sociedades que vieram
antes do socialismo, também nele a superestrutura jurídico-política e a
consciência social estão em correspondência com a estrutura econômica.
3.1. O ESTADO DOS TRABALHADORES
Na
proposta da sociedade socialista, o Estado está nas mãos dos trabalhadores, ou
É O ESTADO DOS TRABALHADORES.
Estes,
de classe dominada, passam a ser
classe dominante.
O
domínio político do proletariado é um
direito e uma necessidade.
Se repararmos bem, a principal atividade do Estado liga-se à
administração das riquezas. Ora, são os trabalhadores que produzem estas
riquezas. Então, quem produz as
riquezas deve ter também o DIREITO de administrá-las, isto é, de controlar
o Estado. Outro aspecto deste direito é que os trabalhadores são a esmagadora maioria da sociedade. Sendo assim, a
hegemonia política da classe trabalhadora é, na realidade, exercício de democracia, já que prevalece a
vontade da maioria. Deve-se ainda reparar que, ao contrário do projeto
burguês, o domínio político do proletariado é apenas uma etapa transitória,
para se atingir uma outra sociedade, sem
domínio algum.
Marx
diz que "todos os movimentos históricos têm sido, até hoje, movimentos
de minorias ou em proveito de minorias. O movimento proletário é o movimento
espontâneo da imensa maioria em proveito da imensa maioria".
Mas o
Estado dos trabalhadores é também uma NECESSIDADE para garantir a continuidade
da tomada do poder pelos trabalhadores. É preciso inicialmente tornar a burguesia uma classe dominada. Isto
porque a burguesia, que perdeu o poder, tenta por todos os modos se
reorganizar, para recuperá-lo, e voltar a impor sua dominação. É importante
aqui distinguir entre estar no governo e controlar o Estado, como distinguimos
no capítulo IV.
A
consolidação de uma revolução socialista pressupõe a DESTRUIÇÃO DO ESTADO
BURGUÊS E SUA SUBSTITUIÇÃO POR UM ESTADO PROLETÁRIO.
Nele,
o governo, as leis, a administração, as forças armadas etc, são recriados, de
acordo com os interesses da classe trabalhadora. Assim, os trabalhadores
passam a dirigir, de fato, o conjunto da sociedade.
Marx
chamava o Estado socialista de DITADURA DO PROLETARIADO.
Mas
esta expressão deve ser entendida dentro do contexto da análise marxista. Para
Marx, todas as sociedades divididas em classes são, politicamente, ditaduras de classe. Isto porque a classe
dominante, pelo convencimento e/ou coerção, faz prevalecer seus interesses
sobre o conjunto da sociedade. Deste modo, as mais liberais democracias
burguesas não passam de ditaduras da burguesia disfarçadas, que apelam para a
força sempre que percebem o risco de perder o controle da sociedade. Também o
Estado socialista terá de pôr em prática a teoria da raposa e do leão (capítulo
IV).
É
evidente que, como em qualquer outro Estado, também no socialismo, a classe
dominante, isto é, o proletariado, deve ter o monopólio da força militar, para
garantir a sua hegemonia. Porém, de modo diferente do que ocorre nos outros
Estados, o poder militar não se fundamenta numa estrutura hierárquica autoritária,
nem na obediência cega. Pelo contrário, os que têm armas nas mãos devem ter
também consciência política e organização democrática. Enfim, as "forças
armadas" tradicionais são substituídas pelas MILÍCIAS POPULARES, que devem
ser autônomas em relação às forças armadas profissionais que ainda restarem,
e a todas outras instâncias do Estado.
O
Estado socialista, ao contrário dos Estados que o precederam, não vem para
ficar indefinidamente. Ele é apenas uma ETAPA TRANSITÓRIA para se chegar a uma
sociedade sem classes e, portanto, sem Estado. Por isso, na organização da
sociedade socialista, o Estado tende a enfraquecer, até desaparecer inteiramente.
No
item 2 deste capítulo fizemos referência ao papel do Estado socialista no
processo de socialização dos meios de produção e na planificação global da
economia. Há os que dizem que, na proposta soda-lista, o Estado acaba assumindo
o papel do grande patrão dos trabalhadores. No entanto, tal afirmação perde
qualquer sentido se lembrarmos que O ESTADO SOCIALISTA É O ESTADO DOS
TRABALHADORES QUE SE ORGANIZARAM POLITICAMENTE.
Marx
resume assim a atuação do Estado socialista no campo da organização econômica:
O proletariado utilizará sua supremacia política
para arrancar pouco a pouco todo capital à burguesia, para centralizar todos os
instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado
organizado em classe dominante e para aumentar, o mais rapidamente possível, o
total das forças produtivas.
Deve-se
observar ainda que a hegemonia do proletariado não exclui o PLURALISMO
POLÍTICO, desde que os vários partidos, grupos e tendências políticas sejam socialistas,
de fato. O que o Estado socialista não pode admitir é a contestação da
organização econômica e política da sociedade socialista (isto é, a hegemonia
do proletariado) pela classe burguesa, que foi dominada. Na sociedade
socialista não há liberdade para os partidos burgueses, porque não pode haver
liberdade para os que têm um projeto de sociedade baseado na exploração e
dominação da classe produtora e majoritária, a classe trabalhadora. Para
esta, porém, deve haver a mais ampla liberdade de expressão e organização.
3.2. A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS TRABALHADORES. O
INTERNACIONALISMO PROLETÁRIO
Na
sociedade socialista, a PARTICIPAÇÃO POLÍTICA dos trabalhadores é essencial e
deve dar-se em todos os níveis. Seja participando no exercício direto do poder, seja participando
por meio de representantes democraticamente
eleitos. Tanto a forma de participação direta (assembleias, grupos. . .) como
a forma de participação por meio de representantes (comissões, diretorias. .
.) estão presentes nos organismos de auto-administração da empresa, nos
sindicatos, nos comitês de bairro, no(s) partido(s) da classe trabalhadora,
nos vários organismos do Estado socialista, nos grupos culturais etc.
Então,
no que diz respeito ao exercício do poder político estatal, os trabalhadores
participam por meio de representantes
eleitos para os organismos do Estado, e também, diretamente, através de
organismos de poder popular.
Mas a
participação política da classe trabalhadora tem também uma dimensão
internacional, já que sua situação e sua luta são semelhantes em todas as
partes do mundo. Marx diz que
Os operários não têm pátria. Não se pode tirar
deles aquilo que eles não possuem. Como, porém, o proletariado tem por
objetivo conquistar o poder político e erigir-se em classe dirigente da
nação, torna-se ele mesmo a nação, ele é, nessa medida, nacional, embora de
nenhum modo no sentido burguês da palavra... Suprimi a exploração do homem pelo
homem e tereis suprimido a exploração de uma nação por outra.
As
sociedades e Estados que já atingiram o socialismo devem manifestar seu INTERNACIONALISMO
PROLETÁRIO com atos concretos de solidariedade aos trabalhadores que ainda lutam
contra a exploração e dominação capitalistas em seus países, e contra o
imperialismo e a dependência econômica, política, ideológica e cultural.
4. A CONSCIÊNCIA SOCIALISTA
Na
sociedade socialista, continua a luta contra a ideologia capitalista. Esta
vigorou durante séculos e se encontra arraigada na consciência das pessoas. A
ideologia socialista se empenha então em combater os valores burgueses:
individualismo, competição, ambição, dominação, chauvinismo (nacionalismo
exagerado), bairrismo etc.
Assim
como no nível da organização econômica e política, também no campo da
ideologia, o socialismo enfrenta duas tarefas indissociáveis: a DESTRUIÇÃO DO
VELHO E A CONSTRUÇÃO DO NOVO.
Trata-se
aqui de substituir aqueles velhos valores da sociedade burguesa, pelos NOVOS
VALORES da sociedade socialista: solidariedade, companheirismo, participação,
consciência de classe trabalhadora, internacionalismo, liberdade real,
igualdade em todos os níveis, inclusive entre as raças, entre a mulher e o
homem, entre o povo do campo e da cidade, entre o trabalhador manual e o
intelectual etc.
As
ideias que constituem a visão de mundo e os valores do socialismo ainda são as
ideias que correspondem aos interesses da classe dominante, que agora é o
proletariado. Como IDEOLOGIA DOMINANTE, ela se origina de um grupo particular,
embora majoritário, que procura universalizar estas ideias pelo conjunto da
sociedade. Mas esta ideologia, enquanto dominante, corresponde apenas a uma
fase TRANSITÓRIA, enquanto subsistem as classes sociais. Assim como o Estado
proletário é transitório, também é transitória a ideologia socialista, que desaparece, enquanto ideologia dominante, ao
se atingir uma sociedade pós-socialista.
Para a
divulgação dos novos valores da sociedade socialista usam-se inúmeros
instrumentos: a escola, os meios de comunicação de massa, a propaganda, a arte,
o esporte etc.
Mas a
consciência socialista, além de se formar com novos valores, necessita também
superar a fragmentação que herdou
da antiga sociedade burguesa, buscando uma VISÃO DE TOTALIDADE.
Visão
de totalidade no processo econômico de produção e distribuição, superando o
fetichismo das mercadorias (especialmente do dinheiro), e outras alienações.
Visão de totalidade pelo entendimento da articulação entre o presente e o passado;
entre a economia, a política e a ideologia; entre o nacional e o internacional;
entre o manual e o intelectual; entre o campo e a cidade etc.
A
organização socialista da sociedade abre um grande espaço para as
MANIFESTAÇÕES CULTURAIS.
Todos
passam a ter acesso à cultura
universal, que deixa de ser privilégio de uma minoria, como no
capitalismo. Por outro lado, a cultura
nacional e popular é valorizada e incentivada. Pelo contrário, a
cultura imperialista, imposta ao povo pelos antigos dominadores dos meios de
comunicação, terá de desaparecer.
De
modo semelhante ao campo da política, a sociedade socialista deve comportar
amplo PLURALISMO IDEOLÓGICO E CULTURAL, dentro dos limites da organização
socialista da sociedade. Assim, excluindo-se a visão burguesa (pelos mesmos
motivos vistos no item anterior), todos, inclusive as minorias, terão a mais
ampla liberdade de manifestar suas ideias e praticar suas filosofias, ciências,
religiões, artes etc.
5. O PROJETO DE UMA SOCIEDADE PÓS-SOCIALISTA
Dissemos
que o socialismo é uma sociedade transitória.
De fato, trata-se de uma fase intermediária entre o capitalismo e uma
sociedade sem classes e sem Estado. O socialismo é então apenas um meio para se
chegar a esta nova sociedade, através de um processo gradual, já que não seria
possível passar diretamente do capitalismo até ela. Marx chamava a esta
sociedade pós-socialista de "comunismo". Mas o uso corrente desta
palavra trouxe alguns problemas de deturpação do seu significado.
5.1. A PALAVRA “COMUNISMO”
Em
primeiro lugar, a burguesia emprestou a este termo significados absolutamente
alheios a ele, com o claro objetivo de torná-lo assustador. Utilizou-o, assim,
como instrumento de luta ideológica contra os trabalhadores, a fim de não
perder seus privilégios de classe exploradora. Usou verdadeiro terrorismo
ideológico, divulgando a grosseira imagem do comunista "comedor de
criancinhas". Amedrontou as pessoas, fazendo-as crer que, no comunismo,
o comum seria a miséria, a opressão e a falta de liberdade. Ou, então, a
desordem, o desrespeito, a barbárie, enfim, o caos. Espalhou ainda que o
comunismo coletivizaria também os bens de consumo, e até mesmo os objetos de
uso pessoal; e que as crianças seriam arrancadas da família pelo
"Estado" comunista. E, ainda, que as mulheres também seriam
coletivizadas sexualmente, havendo assim uma "comunidade de mulheres".
Sobre
este último ponto, Marx ironiza que
Para o burguês, sua mulher nada mais é que um
instrumento de produção. Ouvindo dizer que os instrumentos de produção serão
explorados em comum, conclui naturalmente que ocorrerá o mesmo com as mulheres.
Não imagina que se trata precisamente de arrancar a mulher de seu papel atual
de simples instrumento de produção.
Reparemos
aqui como funciona o mecanismo ideológico de universalizar os interesses
particulares. Para a burguesia, o fim de seus
privilégios econômicos significa miséria
para todos; o fim da liberdade
burguesa para explorar o trabalhador significa opressão; o fim da organização capitalista da sociedade significa
a desordem, o caos; o fim da cultura burguesa significa barbárie etc. Enfim, o
comunismo ronda como um fantasma em torno dos privilégios da burguesia, e
esta usa o fantasma para assustar a todos.
Mas,
além do uso ideológico que a burguesia faz do termo "comunista", há
outras dificuldades que ainda vêm do uso corrente deste termo. Pois há alguns
partidos e algumas nações que são chamados de "comunistas", mas que
têm uma prática inconsequente, do
ponto de vista da classe trabalhadora.
Ainda
sobre os chamados "países comunistas" deve-se notar que a qualificação
de "comunista" é imprópria, já que ainda não existem países que
tenham as características do comunismo, como veremos- O que existe são países
socialistas, que projetam chegar ao comunismo.
No
entanto, não interessa tanto a palavra, mas o conteúdo deste projeto pós-socialista,
que é o que procuraremos indicar em grandes linhas, neste capítulo.
Note-se ainda que vamos comparar as semelhanças e
diferenças deste projeto, baseado em grandes linhas nas ideias de Marx, não
só com a sociedade socialista, como também com as sociedades primitivas,
também chamadas de "comunismo primitivo".
5.2. AS RELAÇÕES ECONÔMICAS NO PÓS-SOCIALISMO
5.2.1. As forças produtivas no pós-socialismo
Dissemos
que no socialismo há um desenvolvimento acelerado, já que, com o fim das
contradições do capitalismo, há uma liberação destas forças. A acumulação das
forças produtivas liberadas fará com que se chegue, na nova sociedade, a UM
IMENSO DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS.
Ora,
este desenvolvimento abre a possibilidade para que os homens definitivamente
SUPEREM O REINO DA NECESSIDADE e entrem no reino da liberdade.
Por
reino da necessidade entende-se a situação humana de ter como primeira e maior
preocupação conseguir os meios para a própria subsistência material. Assim, a
maioria dos homens vive a maior parte de seu tempo em atividades de tipo
econômico, lutando contra a escassez, para atender à necessidade básica de
reprodução de sua vida material. Neste aspecto, o homem se encontra numa
situação de grande limitação, determinada pela sua animalidade.
Esta
fase pertence ainda ao que Marx chama de "pré-história da humanidade".
Assim, o homem apenas se diferencia dos outros animais pela forma como atende às suas necessidades,
isto é, pelo trabalho, atividade
manual e intelectual projetada, que só o homem faz.
O
imenso desenvolvimento das forças produtivas, nesta sociedade pós-socialista, vai
possibilitar aos homens ENTRAR NO REINO DA LIBERDADE.
Pois a
acumulação social das riquezas e a alta tecnologia alcançada colocarão o
problema do atendimento das necessidades materiais como questão resolvida.
Marx
diz que, enquanto "na sociedade burguesa o trabalho vivo é sempre um meio
de aumentar o trabalho acumulado, na sociedade comunista, o trabalho
acumulado é sempre um meio de ampliar e melhorar cada vez mais a existência
dos trabalhadores".
A
atividade econômica, enquanto necessária à sobrevivência, passará a ser uma preocupação secundária, à qual os
homens dedicarão pouca parte de seu tempo, pois a abundância estará
assegurada.
Diferentemente
das sociedades de comunismo primitivo, em que se socializava a escassez, agora
pode-se plenamente socializar a abundância.
O
trabalho deixará definitivamente de ser uma obrigação penosa, para se tornar
plenamente uma criação realizadora. Além
disso, os homens terão condições e disporão de bastante tempo para se dedicar a
outras atividades humanas: a ciência, a arte, o convívio social e com a
natureza, o esporte, o lazer e outras atividades culturais.
5.2.2. As relações sociais de produção no
pós-socialismo
O
imenso desenvolvimento das forças produtivas vai criar condições para superar a
etapa da transição socialista no campo das relações sociais de produção, com a extinção das classes
sociais e o surgimento de novas formas de remuneração.
Nesta
nova fase pós-socialista, várias características que indicamos sobre as
relações sociais de produção do socialismo permanecem e se aperfeiçoam, mas
outras mudam qualitativamente.
De
início; vamos notar que, nesta nova sociedade, NÃO HÁ MAIS CLASSES SOCIAIS.
No
socialismo, ainda existem classes, já que a antiga burguesia luta por todos os
modos para recuperar seus privilégios e, por isso, a classe proletária
necessita lutar para impedir esta volta.
Na
sociedade "comunista" NÃO HÁ MAIS LUTA DE CLASSES, já que não existem
mais classes. A antiga burguesia, com o passar de algumas gerações, desaparece
enquanto classe social. Os descendentes dos antigos burgueses são agora
trabalhadores, como toda a população. O proletariado também deixa de existir
como classe social. Acabam-se as rachaduras dentro da sociedade. Esta
reencontra sua unidade essencial.
O fim
das classes sociais é facilitado não só pelo novo desenvolvimento das forças
produtivas, que garante a abundância para todos, conforme vimos, como também
pelo aprofundamento das relações sociais de produção socialistas, pela ação do
Estado socialista e pela formação de uma nova consciência social.
No que
diz respeito ao aprofundamento das relações sociais de produção, devem-se
ressaltar os pontos abaixo.
Completa-se
a recuperação da unidade interna da sociedade, com a plena socialização dos
meios de produção e do trabalho, já começada no socialismo. A sociedade
torna-se, assim, plenamente uma "livre associação de todos os
produtores".
Permanecem
e aperfeiçoam-se também a planificação econômica global e a auto-administração.
Permanece
a propriedade particular dos bens de consumo.
A
produção total continua revertendo para os trabalhadores, isto é, para todos,
seja em forma de benefícios, investimentos e reservas coletivos, conforme
vimos, seja em forma de remuneração individual.
No que
diz respeito ao último ponto, vamos notar outra importante diferença entre as
duas sociedades. Porque na sociedade pós-socialista prevalece a seguinte regra:
DE
CADA UM SEGUNDO SUA CAPACIDADE, E A CADA UM SEGUNDO A SUA NECESSIDADE.
Reparamos
que a primeira parte da regra, sobre a contribuição que cada qual dá à
sociedade ("de cada um segundo sua capacidade") é igual nestes dois
tipos de organização social. Vale então para a sociedade pós-socialista tudo
o que se disse a este respeito quando tratamos da sociedade socialista.
A
diferença, porém, situa-se na segunda parte da regra, pois, enquanto no
socialismo retribui-se a cada um segundo o seu trabalho, no pós-socialismo retribui-se a cada um segundo a sua necessidade. Assim, critério de
remuneração não será mais a qualidade da força de trabalho, mesmo com os
limites das faixas de remuneração, conforme vimos no socialismo. O critério
agora passa a ser a necessidade.
Assim,
por exemplo, o trabalhador não será remunerado pela sua profissão ou
qualificação, mas pelo número de crianças ou de idosos que ele tem sob sua
responsabilidade econômica.
A
aplicação deste critério é facilitada, evidentemente, por um lado, por aquele
desenvolvimento das forças produtivas que torna a produção uma questão
resolvida; e, por outro lado, pressupõe um elevado nível de consciência
coletiva, que exclui o parasitismo, a acomodação etc.
Aos
que classificam de utópico o projeto socioeconômico desta sociedade
pós-socialista, é bom lembrar que, durante centenas de milhares de anos, os
homens das antigas sociedades primitivas (como também ainda hoje, muitas
tribos da Amazônia, África, Ásia...) organizaram-se sem a divisão da
sociedade em classes, e aplicando a regra "de cada um segundo sua
capacidade e a cada um segundo a sua necessidade".
5.3. AS RELAÇÕES POLÍTICAS NO PÓS-SOCIALISMO
O
desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais de produção
características da organização social pós-socialista encaminham para o FIM DO
ESTADO e para novas formas de consciência social.
Como
vimos, o fim da burguesia, como classe social, dá condições também ao
proletariado de se dissolver como classe social, tornando desnecessária
qualquer dominação de classe. Assim, na sociedade pós-socialista, não existe
classe dominante nem classe dominada, simplesmente porque não existem mais
classes sociais. Isto é, nenhum grupo faz prevalecer seus interesses particulares
e sua vontade sobre o conjunto da sociedade, simplesmente porque tais grupos
não existem mais, sendo a sociedade um corpo homogêneo.
Ora,
como vimos no capítulo IV, Estado é uma "instituição política, jurídica,
administrativa e militar que tem por objetivo dirigir o conjunto da sociedade, de acordo com os interesses
da parcela economicamente dominante". £ evidente, então, que a
ditadura do proletariado, isto é, o transitório Estado socialista, deixará de
existir, desaparecendo por completo qualquer Estado.
Este
acontecimento não se dará, por certo, de um dia para o outro, mas será o
resultado de um processo relativamente longo, em que o Estado socialista vai
se enfraquecendo cada vez mais,
até desaparecer. Pode-se dizer
que há uma autodestruição do Estado socialista, a fim de se chegar a uma
sociedade pós-socialista, sem Estado.
O fim
do Estado significa então que o governo, as leis e toda administração pública perdem seu caráter de classe. As leis
serão normas que se aproximarão do consenso, tendo em vista o bem comum.
Torna-se
desnecessária também a função da
polícia e das forças armadas, enquanto
uso da coerção para garantia política da classe dominante. Mesmo as funções
não diretamente políticas da polícia se tornarão desnecessárias, já que, pelas
características da sociedade pós-socialista, os casos de criminalidade serão
raros, e poderão ser vigiados e tratados pelo próprio povo, através de suas
organizações de base, trabalho etc.
Desaparecem
assim a polícia, as forças armadas e as milícias populares. Deve-se ressalvar,
no entanto, que o fim de todas as organizações armadas provavelmente só poderá
se efetivar quando o capitalismo tiver sido superado em todos os países do
mundo; de modo contrário, as sociedades socialistas e pós-socialistas estariam
se arriscando a não ter como se defender de possíveis agressões armadas das
nações ainda capitalistas.
O fim
do Estado não significa, de forma nenhuma, a desordem, desorganização, baderna
ou caos que a ideologia capitalista poderia fazer supor. Significa apenas que a
organização da sociedade não atende mais a interesses de classe, mas a todo o povo.
Então TODO O POVO SE AUTOGOVERNA, seja pela participação
direta nos organismos populares, seja através de seus representantes
democraticamente escolhidos, com mandatos imperativos e revogáveis a qualquer
tempo. De forma semelhante, aliás, ao que já acontecia nas sociedades primitivas,
que também não tinham Estado.
O fato
desta sociedade pós-socialista ser homogênea não exclui, de forma nenhuma, o pluralismo. A homogeneidade exclui
apenas todas as formas de exploração e dominação de alguns indivíduos ou grupos
sobre outros, mas não a diversidade, que
é enriquecedora.
A
mesma homogeneidade e pluralismo vigorariam nas relações entre os vários povos
do mundo. Superadas todas as formas de imperialismo e dependência entre os
povos e deixando de se encarar como competidores, as nações deixariam de
existir corno hoje. O respeito e incentivo às características culturais de cada
povo se conjugariam com o intercâmbio e a solidariedade.
Marx
resume assim todo este processo de destruição das classes sociais e do
Estado, e surgimento das novas formas de organização social.
Uma vez desaparecidos os antagonismos de classes
no curso do desenvolvimento e sendo concentrada toda a produção propriamente
falando nas mãos dos indivíduos associados, o poder público perderá seu
caráter político. O poder político é o poder organizado de uma classe para a
opressão de outra. Se o proletariado, em sua luta contra a burguesia, se
constitui forçosamente em classe; se se converte por uma revolução em classe
dominante e, como classe dominante, destrói violentamente as antigas relações
de produção, destrói juntamente com essas relações de produção, as condições
dos antagonismos entre as classes em geral e, com isso, sua própria dominação
como classe.
Em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes
e antagonismos de classes, surge uma associação onde o livre desenvolvimento de
cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos.
5.4. A CONSCIÊNCIA SOCIAL NO PÓS-SOCIALISMO
Dissemos
atrás que as novas relações econômicas da sociedade pós-socialista encaminham
não só para o fim do Estado, como também para novas formas de consciência
social.
O que
se considerou, no item anterior, sobre as consequências políticas do fim das
classes sociais, vale também para o FIM DA IDEOLOGIA DOMINANTE.
A sociedade,
sendo homogênea, isto é, sem classes, é claro que não há nem classe dominante,
nem ideologia dominante. Deste modo ocorre também o FIM DA LUTA IDEOLÓGICA. Assim como nenhuma parcela da sociedade precisa
dominar outros pela coerção, também não precisa dominar pelo convencimento (não
é preciso haver mais nem leões nem raposas).
Os velhos valores burgueses do
individualismo, competição etc. vão aos poucos morrendo na sociedade
socialista, e sendo substituídos pelos valores da solidariedade, companheirismo,
participação, internacionalismo, liberdade e igualdade em todos os níveis etc.
Estes novos valores, que a ideologia socialista
luta para passar ao conjunto da sociedade, no pós-socialismo, se consolidam.
Transformam-se em valores comuns, assumidos pelo conjunto da sociedade. Acaba
assim a própria ideologia socialista.
Aliás, acaba toda ideologia, enquanto esforço de
dominação das consciências, que terão assim uma visão de mundo comum, isto é,
descomprometida com interesses grupais. Não é mais preciso "esconder,
justificar, universalizar e fragmentar como vimos no capítulo V. Como nas
sociedades primitivas, e ainda mais, AS CONSCIÊNCIAS PODEM SER TRANSPARENTES, e
a busca da verdade pode ser um esforço comum. Haverá também condições ainda mais
favoráveis do que no socialismo para superar a fragmentação da consciência e,
portanto, uma maior aproximação de uma visão de totalidade.
O pluralismo das ideias, das visões de mundo, das
religiões etc., terão livre curso, desde que não conflitem com uma sociedade em
que se exclui a exploração e a dominação do homem pelo homem.
6. AS EXPERIÊNCIAS SOCIALISTAS
Como dissemos no início deste capítulo, faremos
algumas breves observações sobre as experiências socialistas.
Em primeiro lugar, deve-se notar que qualquer
apreciação sobre as experiências socialistas será feita ou a partir de uma
VISÃO que corresponde aos INTERESSES DA BURGUESIA, ou a partir de uma visão que
corresponde aos INTERESSES DOS TRABALHADORES.
Ora, a maior parte das INFORMAÇÕES que temos a
respeito das experiências socialistas nos vêm através dos meios de comunicação
sob o controle capitalista. Estes meios de comunicação, quando não fazem um
sistemático boicote de informações a respeito dos países socialistas,
selecionam as notícias para ressaltar aspectos negativos (verdadeiros ou
falsos).
Entende-se:
a burguesia defende com unhas e dentes os seus interesses, contra os interesses
dos trabalhadores.
No
entanto, é inegável que a implantação do socialismo enfrenta vários tipos de problemas
e nem tudo são vitórias para a classe trabalhadora.
A
análise e debate dos problemas e deficiências das experiências socialistas,
feitos a partir de uma visão que corresponde aos interesses dos trabalhadores,
é de grande importância. Para que não se caia no tipo de crítica que interessa
à burguesia. Mas também para que não nos iludamos com uma visão ingênua e
irrealista. Acima de tudo, interessa à classe trabalhadora conhecer e discutir
estas experiências em curso, para evitar seus erros e aproveitar seus acertos,
nas futuras revoluções socialistas (embora, é claro, toda revolução socialista
seja uma experiência nova, com inúmeros aspectos particulares).
As
experiências concretas de implantação do socialismo realizadas em vários
países têm enfrentado vários tipos de DIFICULDADES. Vamos enumerar algumas.
Dificuldades
externas, por causa do boicote
econômico, isolamento político e até agressão militar que os Estados
capitalistas costumam impor às novas nações socialistas. Estas circunstâncias
costumam favorecer a centralização do poder em poucas mãos, para fazer frente
a estas dificuldades, com prejuízos para uma participação política mais ampla
dos trabalhadores.
Dificuldades
internas, não só pela
resistência da burguesia derrotada, como também pela resistência dos valores
burgueses na consciência dos trabalhadores, até mesmo nos que têm grande
responsabilidade na transformação socialista da sociedade. Outra dificuldade é
a situação econômica prejudicada, e às vezes devastada, pela guerra civil que,
geralmente, a burguesia impõe aos trabalhadores, antes de perder o poder. Neste
confronto, frequentemente morrem importantes lideranças dos trabalhadores, o
que vai também dificultar a construção do socialismo. Ë de se notar também que
as revoluções socialistas feitas até hoje, ao contrário do que previa Marx, não
se deram em países capitalistas industrializados, mas em países de economia
predominantemente agrícola, com um proletariado urbano recente e reduzido.
Várias
AVALIAÇÕES das experiências socialistas em curso coincidem em apontar vitórias
no campo econômico e deficiências, em graus diferentes, no que se refere à real
hegemonia política dos trabalhadores.
As
principais DEFICIÊNCIAS frequentemente apontadas nas experiências socialistas,
embora em graus diversos de país para
país, se referem mais aos aspectos da HEGEMONIA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
E IDEOLÓGICA DOS TRABALHADORES.
Segundo
estas críticas, os trabalhadores ainda têm pouca participação nas decisões
políticas, seja em nível de empresa (ausência de auto-administração), seja em
nível dos organismos do Estado. A respeito do Estado se faz uma outra crítica,
notando-se em alguns países socialistas, o FORTALECIMENTO DO ESTADO, com a
intensificação dos aspectos coercitivos e propagandísticos, em vez de seu
enfraquecimento, a caminho de seu desaparecimento.
Mas,
sem dúvida, tem havido VITÓRIAS NO CAMPO ECONÔMICO, com um rápido
desenvolvimento das forças produtivas, especialmente no setor industrial.
Contudo, ainda no campo das relações socioeconômicas, a maior vitória tem sido
o FIM DA MISÉRIA em que viviam altas porcentagens da população, isto é, o fim
da fome, desemprego, prostituição, menores abandonados, doenças endêmicas,
moradias subumanas, banditismo etc. Ao lado disso, as atuais experiências
socialistas têm significado, para a maioria
da população, uma rápida elevação do padrão de vida, no que se refere à
SATISFAÇÃO DAS NECESSIDADES BÁSICAS: alimentação, saúde, educação, vestuário,
moradia, transporte e lazer.
Por
parte dos que se colocam do ponto de vista dos trabalhadores, existem diversas
avaliações sobre cada uma das experiências socialistas.
Mas é
de grande importância, para os trabalhadores, o conhecimento e a análise de
cada uma das experiências desta sociedade nova que vai sendo construída: a
SOCIEDADE SOCIALISTA.
Indicações bibliográficas para este capítulo:
1 -
MARX, Karl. Manifesto Comunista. São
Paulo, Editora Alfa Omega (em "Obras escolhidas"), 1984.
2 - LENIN, Viadimir I. O
estado e a revolução. São Paulo, Hucitec, 1983.
3 - HUBERMAN, Leo. História
da riqueza do homem. Rio, Zahar Editores, 1983.
4 -
FERNANDES, Florestan. O que é revolução. São Paulo,
Brasiliense, 1981.