23 de janeiro de 2016

CLASSE CONTRA CLASSE



Este material foi elaborado pela
Equipe 13 de Maio – NEP

Índice
I - COMO SE DÁ A EXPLORAÇÃO
1. Burgueses e proletários
2. A mercadoria e seu valor
3. O processo de produção das mercadorias. Salário. Mais-valia
3.1. Capital 3.2. Força de Trabalho
3.2. 1.  Trabalho necessário   
3.2.2. Trabalho excedente
4. O aumento da exploração e a acumulação de capital
4.1. Jornada de trabalho. Ritmo de trabalho. Mais-valia absoluta. Mais-valia relativa
4.2. A superexploração da força de trabalho
5. A luta econômica dos trabalhadores
5.1. Os sindicatos
5.2. As greves

II - CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CAPITALISMO
1. A livre empresa
2. A anarquia da produção
3. As leis do capitalismo
3.1. A concentração e centralização dos capitais e a proletarização crescente dos produtores
3.2. O aumento da proporção do capital constante e a tendência de a taxa de lucro médio cair
4. As crises cíclicas da economia capitalista
4.1. Características das crises
4.2. Causas das crises
4.3. Como a burguesia enfrenta as crises

III - CAPITALISMO MONOPOLISTA E CAPITALISMO DEPENDENTE
1. Fases do capitalismo
1.1. Acumulação primitiva do capital (pré-capi1ismo)
1.2. Revolução industrial e capitalismo competitivo
1.3. A formação dos monopólios
2. As colônias do capital monopolista
3. O neocolonialismo
4. O atual capitalismo subdesenvolvido e dependente
4.1. A exportação de indústrias        
4.2. As transnacionais e multinacionais
4.3. Os superlucros
4.4. Subdesenvolvimento e dependência
5. A dependência do capitalismo brasileiro
5.1. O modelo agrário-exportador
5.2. O modelo de substituição de importações
5.3. O modelo de desenvolvimento associado

IV - CAPITALISMO E ESTADO
1. Estrutura e superestrutura da sociedade
2. Para que serve o Estado    
2.1. Origem do Estado          
2.2. Funções políticas e técnicas do Estado
2.3. Função do Estado burguês        
3. Como domina o Estado burguês  
3.1. A teoria da raposa e do leão      
3.2. As leis     
3.3. As forças armadas e a polícia    
4. A questão da estatização da economia     
5. O Estado a serviço do imperialismo         
6. A luta política dos trabalhadores

V - CAPITALISMO E IDEOLOGIA        
1. Esconder, justificar, universalizar e fragmentar
2. Os instrumentos da dominação ideológica
3. Os princípios liberais
4. A ideologia a serviço do imperialismo
5. A luta ideológica dos trabalhadores

VI - A PROPOSTA DO SOCIALISMO    
1. A passagem para o socialismo      
1.1. Condições objetivas       
1.2. Condições subjetivas     
2. A organização da economia no socialismo             
2.1. As forças produtivas na economia socialista
2.2. As relações sociais de produção na economia socialista           
2.2.1. Fim da contradição capital X trabalho: propriedade coletiva dos meios de produção
2.2.2. Fim da anarquia da produção: planificação econômica global          
2.2.3. Remuneração individual. Auto-administração
2.2.3.1. Remuneração individual      
2.2.3.2. Auto-administração 
3. A organização política no socialismo       
3.1. O Estado dos trabalhadores      
3.2. A participação política dos trabalhadores. O internacionalismo proletário      
4. A consciência socialista    
5. O projeto de uma sociedade pós-socialista            
5.1. A palavra "comunismo" 
5.2. As relações econômicas no pós-socialismo       
5.2.1. As forças produtivas no pós-socialismo           
5.2.2. As relações sociais de produção no pós socialismo           
5.3. As relações políticas no pós-socialismo 
5.4. A consciência social no pós socialismo
6. As experiências socialistas
I - COMO SE DÁ A EXPLORAÇÃO
1.      Burgueses e proletários
2.      A mercadoria e seu valor
3. O processo de produção das mercadorias. Salário. Mais-valia
3.1. Capital
3.2. Força de trabalho
3.2.1. Trabalho necessário
3.2.2. Trabalho excedente
4. O aumento da exploração e a acumulação de capital
4.1. Jornada de trabalho. Ritmo de trabalho. Mais-valia absoluta. Mais-valia relativa
4.2. A superexploração da força de trabalho
5. A luta econômica dos trabalhadores
5.1. Os sindicatos
5.2. As greves

1. BURGUESES E PROLETÁRIOS
Vivemos numa sociedade capita­lista.
Na sociedade capitalista, existem muitas desigualdades. Basta ter olhos para ver. Uma minoria de pessoas concentra grande quantidade de bens materiais em seu poder: dinheiro, propriedades, mansões, carros, muita fartura e luxo. Por outro lado, a maioria das pessoas tem apenas o mínimo, e às vezes menos que o mí­nimo, para sobreviver. Vivemos apertados em matéria de alimenta­ção, casa, roupa, transporte, escola, saúde e lazer etc. Vemos também tantas consequências trágicas desta sociedade: subnutrição, mortalidade infantil, doenças endêmicas, menores e idosos abandonados, desemprego, prostituição, analfabetismo, crimina­lidade, acidentes de trabalho, fave­las.
Ë verdade que entre os dois gru­pos existem camadas médias, que costumamos chamar de "classe mé­dia". Mas esta "classe média" não é uma classe fundamental, quer dizer, não é ela que determina a natureza da sociedade capitalista.
Na sociedade capitalista as classes sociais fundamentais são: a burgue­sia e o proletariado.
A burguesia é a classe dos donos das fábricas, das fazendas, das mi­ nas, do grande comércio, dos ban­cos etc. Enfim, são os proprietários particulares dos meios de produção, isto é, são os donos do capital. Por isso se chamam capitalistas. Estes meios de produção constituem um capital, porque são utilizados dentro de uma relação de exploração, como veremos adiante.
O nome de burguesia se deve ao fato de que, quando esta classe se formou, no fim do feudalismo euro­peu, tratava-se de comerciantes e pequenos industriais que viviam nas pequenas cidades (burgos). Não eram nobres, nem eram mais servos que lavravam a terra nos feudos.
Eram um tipo de classe média que depois se transformou na classe do­minante.
O proletariado é a classe dos que, não sendo proprietários dos meios de produção, só possuem como pro­priedade sua força de trabalho, que eles vendem por certo tempo à bur­guesia, em troca de um salário.
É verdade que, dentro do prole­tariado, existem trabalhadores que ganham mais que outros. Por exem­plo: um ferramenteiro ganha mais do que um ajudante. Mas tanto um como o outro vivem do seu traba­lho. Se pararem de trabalhar, nem um nem o outro têm como sobre­viver. Por isso, os dois são prole­tários.
O nome proletário já era dado na antiga Roma às pessoas que não possuíam nada, a não ser sua prole, isto é, seus próprios filhos. No iní­cio da sociedade capitalista, o prole­tariado se formou de antigos servos que saíam dos feudos e vinham para os burgos sem nada possuir, e tam­bém de artesãos que não tinham mais condições de competir com as máquinas dos burgueses. Assim, os proletários são homens livres em dois sentidos: não estão mais presos aos feudos, e também não têm mais nada de seu, a não ser a sua própria força de trabalho.
Portanto, na sociedade capitalista existe uma separação entre o capital e o trabalho. Quem trabalha dire­tamente não possui os meios de pro­dução, e quem possui os meios de produção não trabalha diretamente. A burguesia usa a força de trabalho dos proletários para fazer funcionar seus meios de produção, e assim produzir mercadorias para obter lucros. Com esse lucro, além de viver com muito conforto e luxo, os bur­gueses melhoram em quantidade e qualidade seus meios de produção, para produzir mais mercadorias e obter mais lucros.
Esse processo repetido todos os dias é o processo de acumulação de capital. O proletariado, pelo contrário, não acumula nada, ven­dendo-se todos os dias no mercado de trabalho, para poder viver, ou sobreviver, geralmente muito mal, com muitas dificuldades.
Os burgueses, portanto, contratam os proletários para trabalhar em suas empresas, por determinado salário, durante tantas horas por dia, e em certas condições previamente trata­das. Os trabalhadores concordam formalmente com este "livre" con­trato de trabalho. Qual é o jeito? Eles não possuem os meios de pro­dução, estão livres deles. Também não estão amarrados por obrigação a nenhum senhor ou terra, isto é, são formalmente livres. Livres para vender sua força de trabalho no mercado de trabalho, ou então, se não quiserem fazer isso, livres para morrer de fome.
Esse "livre" contrato de trabalho, feito individualmente, é um contrato que se faz entre duas pessoas que ocupam posições muito diferentes dentro da sociedade. O burguês, pro­prietário dos meios de produção, está numa situação privilegiada: ao procurar a mercadoria força de tra­balho, encontra uma abundância de oferta. Se um trabalhador não aceita suas condições, há vários ou muitos outros, concorrendo entre si, que certamente a aceitarão. O êxodo rural que, por diversos motivos, sem­pre acompanha o surgimento da pro­dução capitalista encarrega-se de formar um excedente de oferta de força de trabalho, um verdadeiro EXÉRCITO INDUSTRIAL DE RESERVA.
O proletário, proprietário apenas de sua força de trabalho, encontra-se numa posição bastante desvantajosa: fica entre a cruz e a espada, isto é, entre a exploração do patrão e a miséria do desemprego. Esta é a "liberdade" do trabalhador na socieda­de capitalista. Mas, para o burguês, o livre contrato de trabalho é uma liberdade sagrada dentro de sua economia de livre empresa.
Estas duas classes, a dos burgue­ses e a dos proletários, têm interesses que são objetivamente contrários e antagônicos, quer dizer,INTERESSES INCONCILIÁVEIS.
"Objetivamente" significa que isto não depende da boa ou má intenção das pessoas. Os interesses destas duas classes são inconciliáveis por­que se uma ganha, a outra obriga­toriamente perde. O que é bom para uma classe é prejudicial para a outra. A burguesia, que tem interesse em conservar sua situação privilegiada, tenta obscurecer o fato da divisão da sociedade em classes de interesses inconciliáveis, acenando para a ASCENSÃO SOCIAL, dizendo que o operário de hoje pode ser o patrão de amanhã. Mas a gente sabe que é quase impossível para o trabalhador assalariado conseguir a quantia necessária para montar uma pequena empresa. Além disso, mes­mo que alguns operários individual­mente mudassem de classe, nem por isso deixaria de existir a divisão da sociedade em classes de interesses inconciliáveis.
Desde que surgiu o capitalismo, muita gente percebeu que esse siste­ma produz grandes desigualdades e injustiças. Perceberam também que quanto mais a minoria burguesa vai enriquecendo, tanto mais a maioria proletária vai afundando na pobreza e miséria. Enfim, muitas pessoas perceberam e denunciaram a explo­ração.
Mas qual é o mecanismo pelo qual se dá a exploração? Isto não aparece logo à primeira vista. Foram necessários muito estudo e pesquisa para responder a esta pergunta. Quem conseguiu desvendar o misté­rio foi Karl Marx. Nos próximos itens veremos como.
2. A MERCADORIA E SEU VALOR
Na sociedade capitalista, vivemos rodeados de mercadorias. Alimentos, roupas, eletrodomésticos, arte, diver­sões, e até as próprias pessoas estão aí para ser comercializadas.
Mas como é a natureza da mer­cadoria? Como é que mercadorias que são tão diferentes entre si, co­mo, por exemplo, arroz e sapatos, podem ser trocadas umas pelas ou­tras, em certas proporções?
A mercadoria, antes de tudo, é um objeto que tem um duplo valor: valor de uso e o valor de troca.
O valor de uso se baseia na qua­lidade própria da mercadoria, de­pende da necessidade e até do gosto de cada pessoa. Por isso, o valor de uso não dá para ser medido.
O valor de troca, pelo contrário, não se baseia na qualidade própria da mercadoria, e pode ser medido. Por exemplo: um par de sapatos que é trocado por 20 quilos de arroz. O que indica esta troca? Indica que um par de sapatos tem um valor de troca equivalente a 20 quilos de arroz. Mas o que existe de comum entre estas duas coisas tão diferentes? O que existe de co­mum entre sapatos, arroz ou qual­quer outra mercadoria é que todas elas são produtos da FORÇA DE TRABALHO do homem. Só pela ação da força de trabalho humano é possível aproveitar as riquezas que a natureza oferece, transformando-as de acordo com as necessidades e conveniências. Portanto, é a força de trabalho humana que está pre­sente em todas as mercadorias.
E o que faz com que as merca­dorias possam ser trocadas? Isto é, que faz com que as mercadorias tenham um valor equivalente? É o TEMPO MÉDIO DE TRABALHO que foi gasto para produzi-las. Um par de sapatos pode ser trocado por 20 quilos de arroz porque para se produzir um par de sapatos o ope­rário gasta em média o mesmo tempo de trabalho que o camponês gas­ta, em média, para produzir 20 qui­los de arroz.
Portanto, o valor de troca das mercadorias se baseia na força de trabalho do homem e se mede pelo 'tempo médio de força de trabalho necessário para a produção das mer­cadorias. Para facilitar as trocas, os homens passaram a usar uma mer­cadoria que funciona como equiva­lente geral para todas as outras, o DINHEIRO, em forma de ouro, prata, ou de papel-moeda que os representa. Com a chegada do dinheiro, ai trocas diretas de mercadorias, que costumavam ser feitas entre os produtores independentes, praticamente desapareceram. Mas, seja através da troca direta, seja através do dinheiro, o valor das mercadorias trocadas deve ser equivalente, quer dizer, o tempo médio de trabalho humano gasto para produzi-las é o mesmo.
Mas alguém poderia dizer que não dá para medir o valor das mercadorias pelo tempo gasto pelo trabalhador na sua produção, porque existem várias profissões, e dentro de cada profissão existe o oficial, o meio-oficial, o aprendiz etc. Ë verdade que existem estas diferenças. Porém, isto indica apenas que a força de trabalho qualificada, por causa da maior habilidade e treinamento, produz 2, 3, 4. . . vezes mais valor, em determinado tempo de trabalho, do que a força de trabalho não-qualificada. Isto quer dizer que a qualificação da força de trabalho potencializa o tempo de trabalho. De qualquer forma, potencializado ou não, é o tempo de trabalho que determina o valor das mercadorias.
Então, o valor das mercadorias (valor de troca) resulta da força de trabalho incorporada nelas. E o preço resulta das variações para mais ou menos, em torno do valor, segun¬do a lei da oferta e procura.

3. O PROCESSO DE PRODUÇÃO DAS MERCADORIAS. SALÁRIO. MAIS-VALIA
Dissemos que as mercadorias que se trocam são equivalentes, isto é. têm o mesmo valor. Assim, estariam certos os que dizem que "o salário é o pagamento do trabalho realiza­do". Mas então de onde viria o valor novo que aparece no final do pro­cesso de produção? Isto é, de onde vem o lucro? Os patrões dizem que é o seu capital que produz este va­lor novo. Será? Vejamos quais são os elementos que participam do pro­cesso de produção de mercadorias e como se dá esse processo:
3.1. CAPITAL
Ao entrarmos no interior de qual­quer empresa produtiva (por exem­plo, uma fábrica de sapatos), pode­mos notar os vários elementos do capital: as matérias-primas, as má­quinas, o prédio, a energia elétrica (ou de outro tipo), os lubrificantes das máquinas e outros materiais au­xiliares.
Claro que cada um dos elementos do capital não nasceu ali. Cada qual é uma mercadoria que resulta de vários processos produtivos já reali­zados. O valor de cada um desses elementos corresponde à soma dos vários valores novos que surgiram no final dos vários processos produ­tivos que aconteceram antes.
Reparemos inicialmente na MA­TÉRIA-PRIMA principal que, na fábrica de sapatos, é o couro. Aque­le couro é o resultado de vários processos produtivos que foram se sucedendo. Primeiro, houve uma parte do trabalho dos vaqueiros para criar o gado. Depois, o trabalho de abater o gado e arrancar-lhe o couro. Em seguida, o trabalho dos operá­rios do curtume. E ainda o trabalho dos carregadores e motoristas de ca­minhão que transportaram o couro até a fábrica de sapatos. O capita­lista, dono da fábrica, comprou a matéria-prima, couro, por determi­nado valor. Dentro deste preço já estão incorporados todos os valores de todos os trabalhos feitos antes, para a produção desta matéria-prima.
O mesmo pode ser dito de outras matérias-primas que entram na fa­bricação de sapatos, como os saltos e solas de borracha, os fios para a costura, os cadarços etc.
O couro e as outras matérias-pri­mas são, portanto, o resultado de um trabalho passado. No processo de fabricação de sapatos, estas ma­térias-primas apenas transferem para os sapatos um valor constante, isto é, um valor que não pode mudar mais, porque é o resultado de um trabalho passado.
Em seguida, notamos a presença das MÁQUINAS. Elas também são o resultado de vários processos pro­dutivos que foram se seguindo uns aos outros. Na máquina estão incor­porados os trabalhos de mineiros, fundidores, mecânicos, montadores, ajustadores etc. O valor final da máquina incorpora os valores de to­dos os trabalhos passados. E este valor vai sendo transferido aos pou­cos para os sapatos que vão sendo produzidos, com o desgaste das má­quinas. Assim, em cada sapato há um pouco do valor da máquina, o que significa também que uma parte do preço do sapato tem de servir como capital de reposição das má­quinas, isto é, capital que vai servir para a compra de novas máquinas para substituir as atuais, quando estas já não prestarem. A mesma coisa acontece com a ENERGIA que move as máquinas, o óleo e ou­tros materiais auxiliares, além do próprio prédio da empresa.
Assim, todos estes elementos (matérias-primas, máquinas, prédio, energia, lubrificantes e outros mate­riais auxiliares) transferem seu valor de antes para a nova mercadoria. Mas não podem transferir nenhum valor novo, porque são trabalho pas­sado, ou trabalho "morto". A quan­tidade desses elementos (seu valor) que entrou no processo produtivo acaba por sair, sem variações. O que foi gasto na produção é reposto no final. Por isso, todos estes elementos se chamam capital constante: apenas transferem seu VALOR ANTIGO para a nova mercadoria, sem va­riações.
É importante também observar que cada elemento do capital foi também produzido pela força de trabalho dos operários, mas apro­priado pelos diversos capitalistas.
Desmascara-se, assim, a enganação dos patrões de que o capital deles é que cria o valor. Os patrões ten­tam, com esta explicação, justificar os seus lucros. Apresentam o lucro como cria do capital. Por isso falam em "remuneração do capital". E em seus comunicados se dirigem aos operários como "nossos colaborado­res", isto é, simples ajudantes do processo de produção. Para eles a parte fundamental, dinâmica e cria­tiva são as suas máquinas, prédios, matérias-primas etc. A força de tra­balho dos operários é apenas a "mão-de-obra" que ajuda o capital a produzir. Não é à toa que os pa­trões e sua imprensa se chamam a si mesmos de "classes produtoras". Mas a análise que apresentamos antes joga por terra a enganosa pre­tensão da classe burguesa.

3.2. FORÇA DE TRABALHO
O que produz o VALOR NOVO que aparece na nova mercadoria? E o trabalho da hora presente, o trabalho vivo. É a FORÇA DE TRABALHO que o operário vende ao capitalista e que, como vimos, é a base comum de toda a mercadoria. E esta força de trabalho do operário que cria novos valores, que faz aumentar os valores, estabelecendo variação de valores dentro do processo produ­tivo. Por isso chamamos a força de trabalho de capital variável.
Mas, além de produzir um valor novo, é também a força de trabalho que transfere os valores do capital para as novas mercadorias.
Resumindo, é a força de trabalho que (a) cria novos valores; (b) trans­fere os valores do capital constante para a nova mercadoria; (c) cria os valores incorporados no capital constante.
Vimos que o burguês compra do proletário a sua força de trabalho por certo tempo. O burguês não compra o proletário, porque o pro­letário não é um escravo, no sentido próprio da palavra, quer dizer, o proletário não é propriedade do bur­guês. O burguês também não compra o trabalho do proletário, isto é, o produto final do trabalho, por exem­plo, os sapatos. O que o burguês compra, como já vimos, é a força de trabalho, isto é, a capacidade de trabalho do operário, para usá-la durante um certo tempo, em troca de um salário. O que o trabalhador produz neste tempo é do patrão. E também o jeito de trabalhar e o que vai ser produzido: tudo isso é decidido pelo patrão ou pelos re­presentantes do patrão (gerente, che­fes etc.), o que dá no mesmo.
Voltando agora à fábrica de sapa­tos, vamos reparar que a força de trabalho (capital variável) que o capitalista compra do trabalhador se divide em duas partes, ou em dois períodos de tempo. Vejamos.
Temos, na fábrica de sapatos, 10 operários trabalhando 8 horas por dia. Em um mês eles produzem mil pares de sapatos. Cada par de sapa­tos é vendido por Cz$ 600,00. Mas, subtraindo-se as despesas com maté­rias-primas, desgaste das máquinas e outras, quer dizer, subtraindo-se os valores do capital transferidos para cada par de sapatos, sobram Cz$ 400,00. Como em um mês se produ­zem naquela fábrica mil pares de sa­patos, isto significa que foi criado um valor novo de Cz$ 400.000,00. E, como temos ali 10 operários, quer dizer que cada operário contribuiu para produzir Cz$ 400.000,00 em um mês. Perguntando agora a cada um dos operários sobre qual é o seu salário, vamos ter como resposta: Cz$ 10.000,00. Mas o que aconteceu com os restantes Cz$ 300.000,00 (mais-valia) que cada operário tam­bém produziu? Foram direto para a conta bancária do patrão. Quer dizer que do valor novo produzido (Cz$ 400.000,00), uma parte (Cz$ 100.000,00), foi dividida entre os dez trabalhadores que produziram este valor novo. E os restantes Cz$ 300.000,00 (mais-valia) foram em­bolsados pelo capitalista. Vemos as­sim que, da força de trabalho do operário que o burguês comprou por um mês, uma parte serviu para pa­gar o salário do operário, e a outra parte (mais-valia) o burguês em­bolsou.
Este mesmo fato pode ser visto de outra forma: reparando como é que se dividem as 8 horas do dia em que cada operário emprega a sua força de trabalho nesta fábrica de sapatos.
Em um dia de trabalho de 8 ho­ras, o operário produz em 2 horas um valor que corresponde ao salário que ele recebe por aquele dia. As outras 6 horas ele trabalha de graça para o patrão, quer dizer, ele pro­duz "mais-valia", de onde vem o lucro do patrão.
Assim, o lucro é igual à mais-valia, menos as despesas com impostos, encargos sociais, propagandas juros e outras despesas fora da produção que servem para a reprodução eco­nômica e política do sistema capi­talista.
Visto pelo lado dos valores pro­duzidos, ou pelo lado do tempo de trabalho gasto para produzir esses valores, percebemos claramente que a força de trabalho do operário com­prada pelo burguês se divide em duas partes: trabalho necessário e trabalho excedente.
3.2.1. Trabalho necessário
A primeira parte da força de tra­balho é a que fica com o operário, e que ele recebe como salário. Cha­ma-se "trabalho necessário". Por que necessário?
Porque, nesta primeira parte, o trabalhador produz os valores que são necessários para a reprodução de sua força de trabalho e de sua família. Voltando à fábrica de sapa­tos, reparamos que, em 2 horas, os operários produzem um valor igual ao que eles recebem do patrão, em forma de salário, por aquele dia. Ora, este valor corresponde, em ge­ral, ao que o operário necessita com­prar (alimentos, roupas, remédios, aluguel etc.) para se manter vivo e continuar assim trabalhando para os patrões.
Reparamos que esta troca, como todas as trocas, obedece à lei dos equivalentes. A força de trabalho, na sociedade capitalista, é uma mercadoria. O dinheiro do salário também. Então, estas mercadorias que se trocam são equivalentes. Como?
Lembremos que toda a mercado­ria se mede pelo tempo médio de trabalho gasto para a sua produção. Ora, o tempo médio de trabalho ne­cessário para a produção da força de trabalho do operário é igual ao tempo médio para a produção dos alimentos, roupas etc., de que ele necessita e que ele compra com o seu salário. Em nosso exemplo, esse tempo médio de trabalho são 2 ho­ras. Nestas 2 horas, o operário pro­duz um valor equivalente ao valor das mercadorias de que ele precisa para viver. Por isso, estas 2 horas são o trabalho necessário, que é pago com o salário. Ë bom lembrar que este tempo de trabalho neces­sário vai-ia para mais ou para me­nos em outras fábricas. Por exem­plo, nas montadoras de automóveis, no Brasil, o tempo de trabalho ne­cessário, que é o salário, correspon­de a aproximadamente 30 minutos apenas de trabalho. Nas 7,5 horas restantes os operários trabalham sem receber.
O SALÁRIO é então o valor da mercadoria força de trabalho. E o valor da força de trabalho, ou do salário, é determinado, como vimos, pelo valor das mercadorias que são necessárias para sustentar a força de trabalho do operário, e também para sustentar sua família. Porque a mu­lher e os filhos do operário são con­dição e continuação de sua força de trabalho. Assim, a Constituição Bra­sileira, tratando do salário mínimo, diz que ele deve dar para o traba­lhador e sua família viverem (a CLT porém fala apenas do sustento do trabalhador).
Como vemos, o conceito de salário e a prática do trabalho assalariado são características do capitalismo. Nas sociedades presentes ou pas­sadas, que não se organizam da for­ma capitalista, não existe o salário.
Dissemos que o salário é o valor da força de trabalho. Acontece, po­rém, que a mercadoria força de tra­balho, como toda a mercadoria, tem não só um valor de troca, como também um valor de uso. Com o salário, o patrão paga o valor de troca da força de trabalho, mas com­pra também seu valor de uso.
Acontece que o valor de uso des­sa mercadoria, além de satisfazer necessidades, como todo valor de uso, tem uma característica especial: criar valor.
Assim, o salário, sendo o valor da força de trabalho, não paga o valor de uso desta força de trabalho, isto é, não paga todo o trabalho realizado. Porque, além da parte do tra­balho necessário, a força de trabalho do operário produz uma outra parte.

3.2.2. Trabalho excedente
A segunda parte da força de tra­balho não fica com o trabalhador que a produziu. Chama-se "trabalho excedente". Por que excedente?
Porque a força de trabalho tem capacidade de produzir, não só os valores necessários à sua reprodu­ção, mas também valores excedentes. Este fato nem sempre aconteceu. Nas sociedades primitivas (por exem­plo, nas tribos indígenas da Amazô­nia), não existe excedente. O que trabalho consegue produzir só dá para atender às necessidades. No es­cravismo e no feudalismo, que tam­bém foram outros tipos de sociedade antes do capitalismo, já existia o excedente que era produzido pelos trabalhadores daquela época e que era apropriado pelos proprietários. Daí a luta de classes.
Voltemos, porém, à fábrica de sa­patos. Vimos que, em 2 horas, os operários produzem valores que cor­respondem ao trabalho necessário, isto é, ao salário. Mas sua jornada de trabalho é de 8 horas. O que acontece então nas 6 horas restantes?
Nessas 6 horas, os operários tra­balham de graça para o patrão. Essas 6 horas são o trabalho excedente do operário e que o patrão usa, mas não paga.
Portanto, o operário, com seu tra­balho excedente, produz mais valor do que ele recebe como salário, isto é, produz MAIS-VALIA, que vai para o bolso do patrão com nome de lucro, depois de se sub­trair as despesas com impostos etc., como vimos atrás.
Então a força de trabalho tem a propriedade única de render mais do que custa, e é só por isso que os patrões "oferecem empregos" para os operários. Pelo exemplo dado da fábrica de sapatos, podemos ver que a diferença entre o valor da força de trabalho e o valor do pro­duto da força de trabalho propor­cionou ao patrão uma mais-valia de Cz$ 300.000,00.
A proporção entre os salários pa­gos aos trabalhadores e a mais-valia conseguida pelos patrões é a TAXA DE MAIS-VALIA, também chamada de taxa de explo­ração. No exemplo da fábrica de sapatos, a taxa de mais-valia é de 75%.
Agora, podemos responder à ques­tão: "De onde vem o lucro dos patrões?"
O LUCRO dos patrões vem do trabalho não-pago aos operários, isto é, vem da mais-valia que os trabalhadores pro­duzem. Está aí o "mistério" do lucro, que é o motor da economia capita­lista. Só que este fato não aparece logo à primeira vista, por causa da divisão do trabalho dentro do pro­cesso produtivo, que impede os tra­balhadores de perceberem a totali­dade desse processo.
O lucro, portanto, é produzido pela mais-valia. Mas os capitalistas não concordam com esta explicação. Para eles, o lucro é produzido pelo seu capital. Por isso acham que o lucro é um justo direito deles. Outras vezes eles explicam o lucro como um valor a mais que é colocado no pre­ço de venda, sobre o preço de custo.
No entanto, uma breve reflexão mostra que o lucro não pode nascer no ato da venda das mercadorias. Porque, se fosse assim, o que um capitalista ganhasse na hora da ven­da de uma mercadoria perderia na compra das mercadorias que são ne­cessárias para a produção (matéria­-prima etc.), já que os donos destas mercadorias também teriam aplicado mesmo aumento.
Porém alguém poderia dizer que existem pessoas que não vendem mercadorias, só compram. Mas quem são estas pessoas? São os trabalha­dores que vivem de salários. Acon­tece que estes salários lhes são pagos pelos patrões e voltam para os pa­trões quando os trabalhadores com­pram as mercadorias de que neces­sitam para viver. Ora, o dinheiro não aumenta só porque fez uma vi­sita ao bolso do trabalhador!
O lucro pode aparecer, mas não nascer no ato da venda: ele não vem nem dos lucros dos outros capitalis­tas, nem das compras dos trabalha­dores. Como vimos, ele é produzido pela mais-valia, bem antes da venda, no momento da produção.
A TAXA DE LUCRO é a proporção entre o lucro e o ca­pital total investido. Por exemplo: se, com o investimento de 100 mi­lhões de cruzados, o capitalista con­segue um lucro de 50 milhões, então a taxa de lucro é de 50%. Cada capitalista procura investir naqueles ramos da economia onde a taxa de lucro é maior, o que acaba provo­cando uma tendência para a taxa de lucro se nivelar.

4. O AUMENTO DA EXPLORAÇÃO E A ACUMULAÇÃO DE CAPITAL
Para conseguir taxas de lucros maiores, interessa aos capitalistas pagar salários baixos e aumentar a produtividade dos trabalhadores, além de evitar despesas que melho­rariam as condições de trabalho e de vida dos operários (segurança, salubridade etc.). Evidentemente os interesses dos trabalhadores são con­trários a estes. Então há uma luta constante entre as duas classes.
Vimos que o capitalista está sem­pre interessado em obter lucros, isto é, em extrair mais-valia do trabalha­dor. Mas para quê? Acima de tudo para ACUMULAR CAPITAL.
Claro que ele vai tomar uma parte do lucro para atender às suas neces­sidades, confortos e caprichos. Mas não é este o objetivo principal do capitalista, e sim a acumulação de capital, que além de ser um desejo dele, é também uma necessidade de cada capitalista, visto que se trata de uma sociedade de rígida com­petição.
Para o burguês, "dinheiro serve para produzir mais dinheiro". Esta é a fórmula do capital: D - M - Dl - M - D2 - M - D3... Com dinheiro ele compra mercadorias (matéria-pri­ma, máquinas. . . + força de traba­lho) que, transformadas em novas mercadorias, vão ser vendidas e transformadas em uma quantia maior de dinheiro, que vai servir para comprar mais matérias-primas etc. e assim indefinidamente.
A fórmula do trabalho ao invés é: M-D-M-D-M... O trabalhador possui a mercadoria força de traba­lho. Vendendo-a, ele obtém uma quantia de dinheiro para comprar comida, roupas, remédios, enfim, mercadorias para recompor sua pró­pria mercadoria, sua força de traba­lho, com a qual ele obtém outra quantia de dinheiro -  e assim inde­finidamente.
Para acumular mais capital, os burgueses procuram explorar sempre mais os trabalhadores. Uma forma de AUMENTAR A EXPLORAÇÃO é rebaixar os salários reais dos tra­balhadores. Ë o que vem acontecen­do no Brasil intensamente, há mui­tos anos, em especial de 1964 em diante. Mas existem outros meios também de aumentar a exploração.

4.1. JORNADA DE TRABALHO. RITMO DE TRABALHO. MAIS-VALIA ABSOLUTA. MAIS-VALIA RELATIVA
Uma das formas que os capitalistas têm para aumentar a exploração sobre os trabalhadores é o AUMENTO DA JORNADA DE TRABALHO.
Voltando ao nosso exemplo da fábrica de sapatos: se, ao invés de 8 horas, os patrões fizerem os operários trabalharem 12 horas por dia, estes produzirão mais-valia durante 10 horas, e não apenas durante 6 horas, já que o trabalho necessário continua sendo o mesmo de 2 horas. Com isso, os patrões aumentaram o tempo do trabalho não-pago.
Os burgueses sempre procuram aumentar a jornada de trabalho, e os proletários sempre procuram diminuí-la. Nas fases iniciais do capitalismo, os operários trabalhavam até 14, 16 ou 18 horas por dia. Depois, foi conquistada a jornada de 8 horas.
No Brasil, a lei determina a jornada de 8 horas, mas faz exceção "por motivo de força maior", o que abre uma brecha que, na prática, anula a jornada de 8 horas. Todos sabemos que as horas-extras que aumentam a jornada tornaram-se comuns no Brasil, seja por causa das pressões dos patrões, seja por causa dos baixos salários.
Quando os patrões aumentam a mais-valia, prolongando a jornada dos trabalhadores, acontece o AUMENTO DA MAIS-VALIA ABSOLUTA.
Mas existe também outro meio de aumentar a exploração, sem aumen¬tar a jornada de trabalho: pelo AUMENTO DO RITMO DE TRABALHO, pela introdução de TECNOLOGIA MAIS AVANÇADA, ou pelo BARATEAMENTO DAS MERCADORIAS NECESSÁRIAS À SOBREVIVÊNCIA do trabalhador e sua família. Assim, diminui o tempo de trabalho necessário em que é empregada a força de trabalho, aumentando o tempo do trabalho excedente e, portanto, a mais-valia. É o que se chama de AUMENTO DA MAIS-VALIA RELATIVA.
Relativa porque, mesmo sem acréscimo de tempo de trabalho, aumenta a parte da mais-valia em relação ao salário.

4.2. A SUPEREXPLORAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO
Vimos que a burguesia explora o proletariado, extraindo mais-valia de sua força de trabalho. A explo­ração consiste na apropriação que os patrões fazem do trabalho exce­dente do operário. Mas quando os trabalhadores estão pouco organiza­dos e há excesso de oferta de força de trabalho, a burguesia não se con­tenta em se apropriar do trabalho excedente do operário, mas invade também a parte do trabalho neces­sário. A este fato chama-se de SUPEREXPLORAÇÃO da força de trabalho.
Não recebendo pela sua força de trabalho nem o mínimo indispensá­vel para a sua sobrevivência e da sua família, toda a família do traba­lhador tem de se lançar ao mercado de trabalho, ou, então, tem de se sujeitar a uma situação de miséria extrema.
Esta situação de superexploração, hoje, é muito comum nos países subdesenvolvidos e dependentes, co­mo é o caso do Brasil. Basta reparar para o fato de que, segundo cálculos do DIEESE, para satisfazer as ne­cessidades básicas de uma família média (4 pessoas), o salário mínimo deveria ser (de acordo com a pró­pria lei burguesa) várias vezes supe­rior ao salário mínimo oficial. A gravidade desta situação é tanto maior quando se sabe que, no Brasil, cerca de metade dos trabalhadores ganham até um salário mínimo.

5. A LUTA ECONÔMICA DOS TRABALHADORES
Já vimos que há uma luta perma­nente entre burgueses e proletários, porque seus interesses econômicos são antagônicos. Os burgueses lutam para aumentar sua taxa de lucro. Para isto procuram, sempre que po­dem: rebaixar o salário real dos pro­letários; aumentar a produtividade pelo aumento da jornada de traba­lho pelo aumento do ritmo do tra­balho e também pela introdução de novas tecnologias; explorar, ainda mais, o trabalho da mulher e do menor; evitar despesas com a me­lhoria das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores etc.
A LUTA ECONÔMICA DOS TRABALHADORES
vai justamente em sentido contrário a tudo isso. Os trabalhadores lutam por aumentos reais de salários; dimi­nuição da jornada de trabalho; ritmo de trabalho normal; nenhum prejuí­zo dos trabalhadores com introdução de novas tecnologias, como é o caso da "robotização"; reconhecimento dos direitos da mulher trabalhadora e do menor trabalhador; melhores condições de trabalho, como segu­rança, salubridade, transporte do bairro para a empresa etc.; melhores condições de vida; além de férias, estabilidade no emprego e muitas outras reivindicações.
Sabe-se que, em épocas de expan­são da economia capitalista, aumen­ta a procura da força de trabalho. Assim, os operários têm mais chance de ganharem em suas reivindicações. Pelo contrário, em épocas de retra­ção e crise da economia capitalista, a procura da força de trabalho cai. Assim, diminuem (mas não desapa­recem) as chances de os operários conseguirem vitórias em suas reivin­dicações.
No entanto, as possibilidades de os trabalhadores obterem vitórias em suas lutas econômicas contra os pa­trões dependem de um outro fator ainda mais importante do que a conjuntura do mercado. Referimo­-nos à forma de luta, individual ou coletiva, que os trabalhadores usam no enfrentamento com os patrões.
Individualmente o trabalhador es­tá numa posição muito desvantajosa, como já vimos ao tratar do "livre contrato de trabalho". Lutar sozinho contra o patrão é apostar na derrota certa. Alguns trabalhadores tentam melhorar sua situação com um tipo de ação individual diferente: "Pu­xando o saco" dos patrões (ou de seus representantes). Às vezes, estes "puxa-sacos" conseguem algumas mi­galhas a mais para si mesmos, à custa da traição que fazem a seus companheiros de classe.
A outra forma de luta, a da ação coletiva dos trabalhadores, aumenta muito as possibilidades de terem suas reivindicações atendidas. A his­tória da classe trabalhadora mostra que, quando os operários reivindica­ram unidos e organizados, sua força aumentou muito e conseguiram im­portantes vitórias.
Da constatação de que cada tra­balhador sozinho é fraco para en­frentar os patrões, os trabalhadores entenderam que havia necessidade de se unir e organizar, para barga­nhar melhores condições para sua força de trabalho. Foi assim que sur­giram, já há cerca de duzentos anos, as organizações de trabalhadores, como os sindicatos; e as manifes­tações coletivas dos trabalhadores, como as greves. É verdade que hou­ve naquelas épocas manifestações de revolta, individuais ou coletivas, que não trouxeram resultados práticos para a classe trabalhadora, como quebrar as máquinas e o prédio da empresa etc. Aos poucos, estas for­mas de luta, chamadas "selvagens", foram sendo substituídas por outras, mais eficazes.

5.1. OS SINDICATOS
Os sindicatos, na sua origem, nas­cem como organizações de reivin­dicações econômicas da classe tra­balhadora: por melhores salários, melhores condições de trabalho e de vida. Quer dizer que eles não tinham como principal objetivo prestar as­sistência médica, jurídica, lazer, embora esta parte assistencial tam­bém quase sempre tenha existido.
Não tinham também, na sua origem, uma finalidade formalmente política, no sentido de apoiar, contestar ou influir no "poder público", embora sempre acabavam por entrar em choque com este "poder público". Ou eram, às vezes, cooptados por ele.
Os sindicatos eram associações espontâneas dos trabalhadores, inde­pendentes do Estado e autônomos em relação aos partidos políticos. À medida que os sindicatos passaram a contestar não apenas aspectos do capitalismo, mas a sociedade capita­lista como um todo, isto é, a hege­monia da classe burguesa, adquiri­ram também um caráter político revolucionário.

5.2. AS GREVES
As greves também, na sua origem, aparecem como instrumentos de reivindicação econômica. Pode-se di­zer que a greve é uma prática que decorre do princípio capitalista do livre mercado. Vejamos.
O proprietário de uma mercadoria, por exemplo, o dono dos sapatos, pode querer vender ou não os sapa­tos, no mercado, dependendo do pre­ço e condições que lhe oferecem por eles. Como proprietário dos sapatos, ele tem o "sagrado" direito de dispor de sua mercadoria: vendendo-a ou então se recusando a vendê-la em condições que julga desfavoráveis. O proletário, que é proprietário da mercadoria força de trabalho, deve ter assim o mesmo direito de vender sua mercadoria, ou então de se re­cusar a vendê-la. A diferença é que o trabalhador não tem condições de fazer isto individualmente, por ra­zões que já vimos. Então, ele recusa sua força de trabalho, em conjunto com seus companheiros, que estão na mesma situação. E exige melhores condições de venda para a sua mer­cadoria, como condição de volta ao trabalho. Portanto, a greve em si desenvolve-se dentro dos limites e das regras do jogo da economia ca­pitalista.
Outra coisa é o que a greve con­tribui para elevar o nível de cons­ciência política dos trabalhadores, ao perceberem sua própria força quan­do agem coletivamente: então pas­sam a reivindicar não apenas melho­res salários e condições de trabalho, mas a substituição do sistema capi­talista.
Algumas greves também acabam adquirindo um caráter político, quando não se dirigem apenas con­tra um burguês particular, ou uma categoria de burgueses (por exemplo, contra o "Grupo 14" da Fiesp), mas contra toda a burguesia e seu Esta­do, como às vezes acontece nas gre­ves gerais. t o que ocorre também quando a greve é usada como ação coadjuvante, em um processo revo­lucionário, para a tomads do poder (por exemplo, quando os sandinistas tomaram o poder na Nicarágua).
Indicações bibliográficas para este capítulo:
1 - CAFIEIRO, Carlo. O Capital - Uma leitura popular. São Paulo, Editora Polis, 1981.
2 - MARX, Karl. Salário, preço e lucro. Lisboa, Editora Avante, 1984. Obs.: do capítulo VI até o fim.
3 - LENIN. Vladimir I. Sobre as greves.
Lisboa, Editora Avante (em "Obras escolhidas", tomo 1), 1984

II - CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CAPITALISMO
1.      A livre empresa
2.      A anarquia da produção
3. As leis do capitalismo
3.1. A concentração e centralização dos capitais e a proletarização crescente dos produtores
3.2. O aumento da proporção do capital constante e a tendência de a taxa de lucro médio cair
4. As crises cíclicas da economia capitalista
4.1. Características das crises
4.2. Causas das crises
4.3. Como a burguesia enfrenta as crises
Além do que já vimos no capítulo 1, vamos apresentar aqui algumas outras características gerais da economia capitalista.

1. A LIVRE EMPRESA
Já quando nascia o capitalismo na Europa (época do mercantilismo), começaram a aparecer os defenso­res da "livre empresa", ou "livre iniciativa", ou ainda "livre merca­do". Mas por que precisavam defen­dê-la?
Porque, nessa época, ainda ha­via muitas restrições e regulamenta­ções em relação à liberdade de in­dústria e à liberdade de comércio. Isto quer dizer que os industriais não podiam escolher livremente o que produzir, e como produzir, e os comerciantes não podiam comprar e vender livremente, de um país para o outro, e até dentro do mesmo país. Quem dificultava esta livre ini­ciativa eram, por um lado, as corpo­rações (associações por profissão), que ainda restavam do período feu­dal, e por outro, o Estado (segui­dor dos princípios do mercantilis­mo).
Os capitalistas queriam total li­berdade para fazer o que quises­sem com os meios de produção e mercadorias de sua propriedade, com o objetivo de obter lucros. O que implica também a livre con­corrência entre os vários capitalis­tas, mas também entre os trabalha­dores, e entre o capitalista e o tra­balhador, individualmente.
Os patrões de hoje continuam de­fendendo a economia da livre em­presa. Só que hoje não a defendem mais contra o feudalismo ou o mer­cantilismo, que desapareceram, mas principalmente contra as propostas do socialismo, como ainda veremos.
A livre empresa é de fato garan­tia de liberdade. Mas liberdade de quem? Liberdade da classe burgue­sa para explorar a força de trabalho da classe proletária. Quer dizer que a liberdade do capitalista é a fal­ta de liberdade do operário. A li­berdade do trabalhador, na socieda­de capitalista, é uma liberdade for­mal, jurídica, enquanto cidadão, es­crita lá na Constituição. Mas esta li­berdade fica anulada na prática, por causa da sujeição econômica dos trabalhadores aos livres empresá­rios, como já vimos ao tratar do livre contrato de trabalho.

2. A ANARQUIA DA PRODUÇÃO
Para os teóricos burgueses, a li­berdade de empresa é uma liberda­de natural. Como também todo o funcionamento da economia capita­lista decorre de LEIS NATURAIS, do mesmo tipo da lei da gravidade, ou de qualquer outra lei da física, da química etc. É só deixar todos e cada um dos capitalistas agirem de acordo com seus interesses, e tudo vai dar certo. O conjunto da ativi­dade econômica se harmoniza, se auto-regula a si mesmo, como se houvesse um destino já traçado, que não depende da vontade ou das ações dos homens. Assim como a infinidade dos astros do universo, movendo-se a incríveis velocidades, convivem harmonicamente, sem cho­ques, o mesmo também acontece com a economia capitalista. Ê as­sim que falam os teóricos burgueses.
Nas comunidades primitivas, o conjunto da população de uma al­deia decidia o que produzir e o quanto produzir. Esta decisão era to­mada antes da produção. E o obje­tivo da produção era a satisfação das necessidades de todos.
Na economia capitalista, o tipo e a quantidade de mercadorias a ser produzidas é inicialmente decisão do proprietário dos meios de produção, quer dizer, é decisão do capitalis­ta. Mas o capitalista não pergun­ta: "Quais são os produtos de que povo está precisando?" Ao contrá­rio, o capitalista pergunta: "Quanto vou lucrar com estas mercadorias?" Mas, se a decisão inicial é do capi­talista, a regulação da produção, pa­ra mais ou para menos, vai ser fei­ta, naturalmente e depois da pro­dução, pelo MERCADO, isto é, pe­la maior ou menor procura da mer­cadoria.
Assim, para os teóricos da bur­guesia, a soma dos interesses e egoísmos dos diversos capitalistas vai resultar, pelas ditas leis naturais da economia, no bem comum de toda a sociedade. Um desses teóricos Adam Smith, escreveu:
Toda pessoa está continuamen­te empenhada em encontrar o emprego mais vantajoso para o capital de que dispõe. É sua vantagem pessoal, na realidade, e não a da sociedade, o que tem em vista. Mas o estudo de sua vantagem pessoal, naturalmen­te, ou melhor, necessariamente, leva a preferir o emprego mais vantajoso para a socieda­de.
Dentre estas vantagens desfruta­das por toda a sociedade, destaca­-se a concorrência entre os capita­listas, que faz baixar os preços e assegura o sucesso dos eficientes, livrando-se ao mesmo tempo dos ineficientes.
De acordo com estas teorias do início do capitalismo, o Estado não deve interferir em nenhum aspecto da economia. Tanto as relações en­tre os diversos capitalistas, como as relações entre capitalistas e traba­lhadores devem ser resolvidas por eles mesmos, sob a influência das tais leis naturais. O governo esta­ria violando estas leis se, por exem­plo, determinasse o salário mínimo ou a duração da jornada de traba­lho. Ou se quisesse planejar a pro­dução de acordo com as necessida­des da população.
Na realidade, esta "espontaneida­de natural" da economia (capita­lista) significa a ANARQUIA DA PRODUÇÃO que leva às crises cíclicas do capi­talismo, como veremos. As tais leis naturais são de fato históricas, por­que apareceram só depois do feu­dalismo, e correspondem aos inte­resses de uma nova classe, a bur­guesia. Quanto à lei da concorrên­cia, seus possíveis benefícios para a sociedade são neutralizados pela formação de monopólios, como também veremos adiante.

3. AS LEIS DO CAPITALISMO
As chamadas leis naturais não passam de imaginação dos teóricos do capitalismo, buscando justificá-lo. Mas a observação dos fatos concretos permitiu que fossem formuladas algumas leis, não naturais, mas históricas do capitalismo. Vamos nos referir aqui a algumas dessas leis mais importantes.
3.1. A CONCENTRAÇÃO E CENTRALIZAÇÃO DOS CAPITAIS E A PROLETARIZAÇÃO CRESCENTE DOS PRODUTORES
A observação da evolução da so­ciedade capitalista mostra que, ne­las, sempre tem havido uma CONCENTRAÇÃO DE CAPITAIS, isto é, grande crescimento do ca­pital de algumas empresas. E a concentração tem sido sempre acompanhada da
CENTRALIZAÇÃO DE CAPITAIS, que é a redução do número de empresas. Esta centralização aconte­ce ou quando várias empresas se jun­tam em uma só (fusão), ou quan­do umas engolem outra (absorção). Exemplo de concentração e cen­tralização de capitais: nos Estados Unidos, metade da produção indus­trial é realizada em apenas 130 grandes grupos empresariais.
A concentração e centralização dos capitais resultou na atual fase monopolista do capitalismo indus­trial, como veremos no próximo ca­pítulo.
Observou-se, porém, que o outro lado da moeda da concentração e centralização de capitais é a PROLETARIZAÇÃO CRESCENTE DOS PRODUTORES. Assim, aos poucos, vão desapare­cendo os trabalhadores independen­tes: pequenos proprietários rurais e urbanos, artesãos e profissionais li­berais. Todos vão se tornando ven­dedores de sua força de trabalho, em troca de um salário, isto é, vão se tomando proletários. E a maio­ria dos proletários vai empobrecen­do cada vez mais.
Enfim, a minoria se torna mais minoria e com mais capital, en­quanto a maioria se torna mais nu­merosa e mais explorada. Esta é uma contradição do capitalismo de grandes consequências.
3.2. O AUMENTO DA PROPORÇÃO DO CAPITAL CONSTANTE E A TENDÊNCIA DE A TAXA DE LUCRO MÉDIO CAIR
Outra constatação que foi feita é que na economia capitalista o CAPITAL CONSTANTE AUMENTA MAIS DO QUE O CAPITAL VARIÁVEL. Quer dizer, os capitalistas gastam cada vez mais com máquinas, ins­talações, matérias-primas etc. e pro­porcionalmente menos com o tra­balho assalariado. A este fato se chama também de aumento da com­posição orgânica do capital.
A constatação anterior nos leva para uma outra lei do capitalismo: a TENDÊNCIA DE A TAXA DE LUCRO MÉDIO CAIR, quer dizer, a diminuição da por­centagem do lucro sobre o capital investido. E por que isto acontece? Esta lei é bastante complexa, mas, simplificando, podemos dizer que:
- se a fonte da mais-valia (on­de se origina o lucro) vem do ca­pital variável, e não do capital constante, como vimos de início;
- e se o capital variável dimi­nui em sua proporção frente ao ca­pital constante (lei anterior);
- então, a proporção do lucro (taxa de lucro) diminui sempre mais.
Para contrabalançar essa queda da taxa de lucro, os capitalistas ten­tam:
- ou aumentar a taxa de mais--valia, isto é, a exploração, pelos vários métodos que já vimos;
- ou diminuir o valor do capi­tal constante, fazendo o Estado in­vestir em máquinas, instalações etc. (Agora, o Estado já pode se meter na economia... para dar uma mão para os capitalistas.)
Essas leis são importantes, por­que ajudam a entender as crises cí­clicas do capitalismo e suas consequências, como o imperialismo e a intervenção do Estado na econo­mia.

4. AS CRISES CÍCLICAS DA ECONOMIA CAPITALISTA
4.1. CARACTERÍSTICAS DAS CRISES
Antes do início da indústria ca­pitalista, só havia crises econômicas quando ocorriam calamidades na­turais, como enchentes, secas, ter­remotos, epidemias, ou então guer­ras. Nestas ocasiões, não havia ali­mentos e outros produtos para atender às necessidades do conjun­to da população. Eram crises de subprodução.
Dentro da economia capitalista, pelo contrário, ocorre algo surpre­endente e, à primeira vista, absur­do: crises econômicas provocadas pela SUPERPRODUÇÃO. Isto é, quando há abundância de produtos a economia entra em cri­se. Marx, já em 1848, dizia:
Cada crise destrói regularmente não só uma grande massa de produtos já fabricados, mas também uma grande parte das forças produtivas já desenvolvi­das. Uma epidemia que, nas épocas anteriores, teria parecido um absurdo, desaba sobre a so­ciedade: a epidemia da super­produção. De repente, a socie­dade verifica que voltou a um estado de barbárie. É como se uma fome, ou uma guerra de extermínio lhe tivesse cortado todos os meios de subsistência. Á indústria e o comércio pare­cem destruídos. E por quê? Por­que a sociedade tem civilização demais, meios de subsistência demais, indústria demais, co­mércio demais.
As crises de superprodução são CÍCLICAS, isto é, repetem-se de tempos em tempos:
A crise começa pelo desaqueci­mento da economia, isto é, por uma certa diminuição das ativida­des econômicas, até chegar à de­pressão, que se caracteriza por uma grande diminuição dessas ativida­des, com queda dos lucros, de­semprego e subemprego, além da queda dos salários reais. Depois de destruir muitas forças produtivas, além de causar terríveis desgraças para a classe trabalhadora, o capi­talismo começa sua fase de recu­peração, crescimento e auge. . . até o início de novo ciclo de crise.
A crise econômica dita mundial do início dos anos 80 é de fato urna crise da economia capitalista, como a de 1929 e outras mais. Elas não existiam antes, na econo­mia feudal, como não existem na economia socialista. Quer dizer que é um fenômeno típico do capitalis­mo. E por quê?
Porque, como vimos, na econo­mia capitalista, interessa o valor de troca, e não o valor de uso das mercadorias. A produção não é feita para atender às necessidades da população, mas para que a bur­guesia obtenha lucro e acumule ca­pital. Partindo desta constatação básica, vamos explicar os motivos por que acontecem as crises cícli­cas do capitalismo.
4.2. CAUSAS DAS CRISES
Existem 2 causas principais, re­lacionadas e complementares entre si: uma, que se baseia na contradi­ção "capital x trabalho", e outra, que se baseia na "anarquia da pro­dução" da economia capitalista.
Lembremos, em primeiro lugar, da contradição "CAPITAL x TRABALHO".
Isto é, entre capitalistas e trabalha­dores existem interesses que são objetivamente antagônicos, incon­ciliáveis. O que favorece os interes­ses econômicos de uns, é prejudi­cial aos interesses econômicos dos outros. O patrão luta por mais lu­cro, enquanto o operário luta por mais salário. Se um ganha, o outro perde. Então, para aumentar o lu­cro (e a acumulação), o patrão procura, por um lado, fazer com que o salário real não aumente, e, se possível, diminua; e, por outro lado, procura aumentar a produ­ção e as vendas das mercadorias. Como vimos, a diminuição dos sa­lários reais serve para deter a que­da de taxa do lucro. Acontece que a maioria dos consumidores das mercadorias são justamente traba­lhadores cujos salários diminuem ou, pelo menos, não acompanham crescimento da oferta de merca­dorias. Assim, o consumo não con­segue acompanhar a produção. Os estoques de mercadorias aumen­tam, e é necessário então diminuir a produção.
Em outras palavras: o capitalis­ta tem de manter os lucros conser­vando baixos os salários, mas, com isso, ele destrói a capacidade aqui­sitiva da qual depende a realização de lucros. Salários baixos tornam possíveis os altos lucros, mas ao mesmo tempo tornam os lucros im­possíveis, porque reduzem a pro­cura das mercadorias. Está aí como a separação (e contradição) entre os proprietários dos meios de pro­dução e os proprietários da força de trabalho acaba levando às cri­ses de superprodução.
Em segundo lugar, lembremos que o capitalismo não admite uma economia planificada no seu con­junto. Quer dizer que impera, na economia, a ANARQUIA DA PRODUÇÃO.
De acordo com os teóricos do ca­pitalismo, o livre jogo dos interes­ses levaria naturalmente a uma economia harmoniosa. Na realida­de, as coisas são diferentes. Veja­mos.
O interesse da burguesia é sem­pre obter lucros para acumular ca­pital. Já vimos que para isso os capitalistas, além de procurar di­minuir os salários, procuram tam­bém ampliar a produção, para au­mentar as vendas. Esse é o interes­se de cada empresa, e é o que elas planejam e fazem, nas épocas de crescimento econômico. Mas cada uma por si mesma, isto é, ca­da empresa não leva em conta as outras empresas concorrentes, que também estão procurando conquis­tar uma parcela maior do merca­do. O resultado desta planificação econômica apenas dentro de cada empresa, às vezes, acaba resultan­do em desacertos. Primeiro, por­que foram produzidos e colocados à venda mais produtos do que o mercado consumidor precisa ou po­de comprar. Segundo, porque, com o aumento da produção, começam a faltar algumas matérias-primas, energia, enfim, elementos do capi­tal constante. Esta escassez provo­ca o aumento do preço destes ele­mentos, que reforça aquela tendên­cia de queda da taxa de lucro, e faz aumentar o preço da mercado­ria final, que passa por isto a ser menos comprada.
Assim, tanto pelo lado da con­tradição capital x trabalho, como vendo pelo lado da produção anár­quica, no fim, temos: grandes esto­ques e conseqüente diminuição da produção. A conseqüência é o de­semprego (e subemprego), que, por sua vez, faz rebaixar os salá­rios, por causa do excesso de ofer­ta de força de trabalho.
Ora, desemprego e salários bai­xos significam maior estreitamento do mercado consumidor, que pro­voca mais desemprego e mais sa­lários baixos, que estreitam ainda mais o mercado consumidor.., e assim por diante, igual a uma bo­la de neve.

4.3. COMO A BURGUESIA ENFRENTA AS CRISES
As crises econômicas cíclicas re­sultam das contradições e caracte­rísticas próprias do capitalismo. Is­to quer dizer que elas não são in­tencionalmente provocadas por nin­guém. Mas, se a burguesia não provoca de propósito a crise, ela certamente planeja a estratégia pa­ra superá-la. Foi a partir do pro­blema das crises que a burguesia passou a admitir alguma planifica­ção estatal na economia. Planifica­ção retalhada, e não global. Mas, acima de tudo, planificação da re­cessão. Enfrentando o absurdo da pobreza na abundância, o capitalis­mo traça um plano para atacar o problema. O plano é acabar com a abundância.
No Brasil, durante a crise inicia­da em 1929, milhões de sacas de café foram jogadas ao mar. Na Eu­ropa e Estados Unidos, foram fei­tas leis para não permitir exceden­tes, e muitas máquinas foram de­sativadas. Tudo isto para elevar o preço das mercadorias. Assim, o ca­pitalismo trata de planejar a escas­sez.
O desaquecimento e estagnação de certos setores da economia, ou de todos eles, leva à desvalorização do capital constante e à recupera­ção da taxa de lucro. Por outro la­do, o desemprego e o rebaixamen­to salarial representam a desvalori­zação da força de trabalho, e, por­tanto, também a recuperação da ta­xa de lucro.
Os governos burgueses também tentam conscientemente diminuir os salários para diminuir o consu­mo. Para quê? Para que os empre­sários, com a diminuição das ven­das, resolvam baixar o preço das mercadorias, combatendo-se as­sim a inflação. E também para que os empresários, com o dinheiro eco­nomizado, façam novos investimen­tos, para reativar a economia.
Por estes e outros meios, a bur­guesia procura, o mais possível, fa­zer com que os trabalhadores pa­guem os custos da crise do capita­lismo.
Essa é, aliás, a fórmula do FMI, que se desdobra em 3 mandamen­tos principais:
1)      arrocho salarial para contro­lar a inflação.
2)      desvalorização da moeda, pa­ra tornar as exportações mais atraentes e desencorajar as importa­ções;
3)      corte das despesas governa­mentais, inclusive dos subsídios pa­ra alimentos básicos (como foi o caso do trigo).
Para concluir, poderíamos per­guntar se existe alguma outra ma­neira de superar as crises cíclicas do capitalismo, sem destruir a pro­dução e as forças produtivas, e sem sacrificar os trabalhadores.
Marx achava que não havia ou­tra saída, dentro da economia ca­pitalista. Quer dizer que para aca­bar com as crises é preciso aca­bar com o próprio capitalismo.

Indicações bibliográficas para este capítulo:
1 - MARX, Karl. Manifesto Comunista. São Paulo, Editora Alfa Omega (em "Obras escolhidas"), 1984.
Obs.: a) Esta indicação se estende também aos próximos capítulos deste nosso trabalho; b) A leitura do III capítulo, intitulado "Literatura Socialista e Comunista", pode ser omitida, sem prejuízo, por se tratar de uma análise conjuntural.
2 - HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio, Zahar Editores, 1983.
Obs.: Esta indicação se estende também aos capítulos 3 e 6 desta publicação.
3 - MORAES. Vinícius de. Operário em construção. Rio, José Olympio Editora (em "Antologia poética"). 1984.

III - CAPITALISMO MONOPOLISTA
E CAPITALISMO DEPENDENTE
1. Fases do capitalismo
1.1. Acumulação primitiva do capital (pré-capitalismo)
1.2. Revolução industrial e capitalismo competitivo
1.3. A formação dos monopólios
2. As colônias do capital monopolista
3. O neocolonialismo
4. O atual capitalismo subdesenvolvido e dependente
4.1. A exportação de indústrias
4.2. As transnacionais e multinacionais
4.3. Os superlucros
4.4. Subdesenvolvimento e dependência
5. A dependência do capitalismo brasileiro
5.1. O modelo agrário exportador
5.2. O modelo de substituição de importações
5.3. O modelo de desenvolvimento associado

1. FASES DO CAPITALISMO
Indicamos, no capítulo anterior, que a concentração e centralização dos capitais levou o capitalismo pa­ra a sua fase atual, de capitalismo monopolista. Porque o capitalismo teve, historicamente, 3 fases:
1)   acumulação primitiva do ca­pital (pré-capitalismo);
2)   capitalismo competitivo;
3)   capitalismo monopolista.
1.1. ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DO CAPITAL (PRÉ-CAPITALISMO)
Nesta fase, ainda não há pro­priamente produção capitalista, por isso também se chama a esta épo­ca de pré-capitalismo. Foi aí que houve a ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DO CAPITAL que, depois, vai ser aplicada nas primeiras indústrias. Quem acumula este capital é a nova classe burguesa, através do comércio a que ela se dedica, den­tro da Europa, e através do co­mércio marítimo que lhe abriu a descoberta da América e o caminho para as Índias. Mas, junto com os lucros do comércio, a burguesia também consegue acumular capital pela VIOLÊNCIA. Violência dentro da Europa, com a desapropriação de camponeses, rou­bo de terras e ruína dos artesãos. E violência e ocupação militar nas Américas, África e Ásia, a partir de 1500, com o roubo, escraviza­ção e dominação dos povos indíge­nas desses continentes. Acontece aí a primeira onda de colonialismo, dentro da qual se situa também a colonização do Brasil por Portu­gal. Grandes quantidades de rique­zas foram transferidas desses três continentes para a Europa, especial­mente para Espanha e Portugal, que acabavam por repassá-las à In­glaterra via comércio.
A burguesia sempre tentou ven­der uma imagem de que o capital primitivo que ela conseguiu acumu­lar se deveu a seu trabalho, capa­cidade e poupança; quando, his­toricamente, foi fruto de muito rou­bo e sangue.
1.2. REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E CAPITALISMO COMPETITIVO
Com este capital primitivo acu­mulado, e aproveitando a invenção de máquinas e o êxodo dos servos feudais e antigos pequenos proprie­tários para as cidades, começa, a partir de 1750, a chamada REVOLUÇÃO INDUSTRIAL. Na Inglaterra, e depois em outros países da Europa, e atingindo tam­bém os Estados Unidos, começam a surgir as fábricas dos burgueses, onde se explora a força de traba­lho (se extrai mais-valia) dos pro­letários.
Neste período há uma grande concorrência dos fabricantes bur­gueses entre si. Por isso, chama-se a esta fase de capitalismo de con­corrência, ou CAPITALISMO COMPETITIVO. Nesse tempo, as fábricas são rela­tivamente pequenas, e cada capita­lista concorre com os outros fabri­cantes do mesmo produto.
1.3. A FORMAÇÃO DOS MONOPÓLIOS
Aos poucos, vai acontecendo a concentração dos capitais. Alguns capitalistas conseguiam mais lucros do que outros. Assim, compravam máquinas melhores e mais modernas. Aumentavam as instalações e o número de operários para transformar maior quantidade de matérias-primas e, deste modo, aumentar a produção, barateando os preços das mercadorias. Os concorrentes, não tendo condições de competir, são obrigados a fechar suas portas. Ocorre então a centralização dos capitais: a empresa bem-sucedida abocanha todo o mercado. Às vezes, incorpora as empresas que fracassaram e torna-se maior ainda. Então, como única empresa do ramo na região, impõe seu preço aos consumidores. Assim formam-se os TRUSTES. Às vezes, é o mesmo grupo empresarial que instala empresas de ramos diversos, mas orientadas para um só produto final. Por exemplo, na indústria alimentícia, um grupo empresarial que seja proprietário do gado, da frota de caminhões, do matadouro e frigorífico, das fábricas que fazem as latas, os rótulos etc.
Uma outra forma de eliminar a concorrência consiste em um acordo em que várias empresas do mesmo ramo fazem entre si, unificando os preços (por cima) e a qualidade (geralmente, por baixo). Assim, formam-se os CARTÉIS.
Trustes e cartéis são algumas formas pelas quais se passou da fase do capitalismo competitivo à fase do CAPITALISMO MONOPOLISTA. Assim, faliu, na prática, a teoria da concorrência e suas vantagens, apesar de que, na teoria, os burgueses continuaram a defendê-la. Com a eliminação, ou, pelo menos, a limitação da concorrência, e consequente imposição de preços, o            mercado deixou de ser livre. Os preços deixaram de ser ajustados simplesmente pela lei da oferta e procura, para serem fixados pelas empresas monopolistas.
Por fim, o processo monopolista acontece também no sistema financeiro. Os bancos diminuem seu número e tomam-se mais poderosos. Às vezes, os mesmos grupos empresariais passam a controlar conglomerados industriais, comerciais, financeiros e agrícolas.
2. AS COLÔNIAS DO CAPITAL MONOPOLISTA
O capitalismo monopolista de­senvolveu a indústria em grande es­cala, aumentando muito as forças produtivas. A capacidade de pro­duzir mercadorias cresceu mais do que a possibilidade de continuar vendendo estas mercadorias, com lucros. Os excedentes se acumula­vam e a taxa de lucro caía.
As empresas diminuíram a pro­dução para regular a oferta e recu­perar os lucros. Mas uma boa par­te da capacidade produtiva das fá­bricas ficava parada. Os capitalis­tas queriam ver suas fábricas fun­cionando plenamente, para produ­zirem o máximo de mercadorias, aumentando os lucros.
O único jeito era vender estas mercadorias para fora do país. Mas o mercado da Europa já se tomara pequeno. Era preciso en­contrar outros mercados onde pu­dessem VENDER O EXCESSO DE MERCADORIAS industrializadas, e com maior taxa de lucro.
A solução foi a CONQUISTA DE COLÔNIAS. Temos, então, no século passado, a segunda onda de colonialismo. A África foi retalhada pelos países europeus, especialmente pela In­glaterra e França. Também na Ásia, a índia e outros países são colonizados.
Havia também um segundo mo­tivo para a conquista de colônias. A indústria monopolista NECESSITAVA DE MATÉRIAS-PRIMAS em grandes quantidades. Os donos das indústrias não queriam depen­der de outros países, para as ma­térias-primas essenciais. Ora, com as colônias estavam garantidas es­tas matérias-primas e a baixo pre­ço: minerais, petróleo, nitratos, borracha, algodão, açúcar, alimen­tos tropicais etc.
Os países colonizadores, domi­nando suas colônias política e mili­tarmente, IMPUNHAM SUAS REGRAS ECONÔMICAS. Desse modo, cada colônia só podia comprar os produtos industrializa­dos do país que a dominava. E ti­nha de fornecer suas matérias-pri­mas e produtos agrícolas para este mesmo país, e só para ele. E ainda pelo preço que este determinas­se. As colônias também não po­diam ter indústrias próprias. Seu desenvolvimento estava totalmente subordinado aos interesses do país colonizador, que só permitia o de­senvolvimento daqueles setores da economia que ele estava interes­sado em explorar.
Assim, alguns países passaram a explorar e dominar outros, trans­formando-se em potências imperia­listas.
O IMPERIALISMO é, portanto, a própria exploração e dominação capitalista, levada além das fronteiras do próprio país. A divisão da sociedade em classes de interesses antagônicos, burguesia e proletariado, se reproduz e se in­tensifica, agora, em nível interna­cional. Isto é, a burguesia monopo­lista explora e domina não apenas os trabalhadores de seus países, co­mo também, e mais ainda, os tra­balhadores de suas colônias.
Mas, além da necessidade de en­contrar mercados para os artigos excedentes, e de precisar controlar as fontes das matérias-primas, pas­sou a haver um terceiro e importante motivo para a expansão do capital monopolista. E que havia um outro excedente, buscando mercado lucrativo: o EXCESSO DE CAPITAL. A indústria monopolista trouxe grandes lucros a seus donos, gerando uma superacumulação de capital. O jeito de fazer esse capital excedente produzir lucros foi exportá-lo para as colônias e outros países atrasados. Aí falta capital, e se encontram, com abundância e a preço baixo, as matérias-primas, a força de trabalho e a terra.
3. O NEOCOLONIALISMO
Caixa de texto: 4Até agora nos referimos à rela­ção das potências imperialistas com suas colônias, militarmente con­quistadas e submetidas a uma do­minação política direta.
Existe, porém, um outro modo de dominar outros países, sem sub­metê-los diretamente como colô­nias. Trata-se de nações que têm, ou conquistaram, sua independên­cia política formal, mas que são DOMINADAS
ECONOMICAMENTE pelas potências imperialistas. E o que se chama de NEOCOLONIALISMO ou IMPERIALISMO.
Como no caso das colônias, as novas metrópoles usam esses paí­ses atrasados, por um lado, para exportar seus excedentes de merca­dorias e de capital, e, por outro la­do, para conseguir matérias-primas e força de trabalho, a baixo preço.
Os artigos industrializados, pro­duzidos nos países adiantados, em grande escala e com tecnologia mo­derna, vão ser vendidos nos países atrasados e nas colônias, por pre­ços mais baixos do que os do arte­sanato local, que então acaba se arruinando.
Os capitais exportados para as colônias ou neocolônias vão se concentrar na agricultura voltada para a exportação, na mineração e petróleo, nas ferrovias, nos bancos e nos serviços públicos, como ele­tricidade, telefone, telégrafo, gás etc.
Os investimentos são dirigidos principalmente a estes setores da economia para que a produção de matérias-primas e produtos agríco­las, com força de trabalho barata, sejam exportados. Uma parte des­tes produtos vai abastecer conve­nientemente as metrópoles, enquan­to a outra parte será vendida, a preço vantajoso, no mercado inter­nacional.
A aplicação de capital em servi­ços públicos, como ferrovias, ele­tricidade etc., tem também a fina­lidade de criar condições para faci­litar e baratear a exportação. Foi, por exemplo, o que os capitais in­gleses fizeram no Brasil, por mais de um século.
Os capitais dos países imperia­listas vão ser investidos nos seto­res citados, seja como investimen­to direto, seja como empréstimos aos governos locais. Neste último caso, os empréstimos são feitos de tal maneira que grande parte de­les tem de ser gastos nas próprias metrópoles. Assim, quando a In­glaterra fez empréstimos à Argen­tina para a construção de ferrovias, a maioria dos trilhos, material ro­lante etc., teve de ser comprada na própria Inglaterra.
As potências imperialistas do sé­culo passado e início deste século são: a Inglaterra, a França, os Es­tados Unidos, a Holanda, a Alema­nha, a Itália, Espanha e Portugal.
Estas nações dividiram o mundo todo em ÁREAS DE INFLUÊNCIA, seja pela colonização direta, seja pelo domínio econômico das neo-colônias. Assim, a África ficou quase toda dividida em colônias pela França, Inglaterra, Espanha e Portugal. A América do Sul também foi retalhada entre o domínio econômico da Inglaterra e o dos Estados Unidos. O Brasil, por exem¬plo, era área de influência da Inglaterra.
Quase sempre, em todos países colonizados ou submetidos econo¬micamente, o capital imperialista contou com a COLABORAÇÃO E A ALIANÇA DAS CLASSES DOMINANTES LOCAIS.
As oligarquias do campo, a burguesia da cidade, e seus governos, geralmente obtinham vantagens desta situação, e por isso ajudavam a mantê-la. Mas quando o povo se rebelava contra esta situação, colocando em perigo a continuidade do domínio, então havia INTERVENÇÕES.
Os governos das potências imperialistas vinham em socorro de seus banqueiros e investidores industriais, comerciais ou agrícolas. Poderosas tropas desembarcavam nas suas colônias ou neocolônias, até que a "ordem" fosse restabelecida. Exemplo disso foram as repetidas invasões militares que os Estados Unidos fizeram em países da América Central.
Vimos como os monopólios capitalistas dividem o mundo entre si, por causa do grau de acumulação de capital a que chegaram. Mas esses monopólios continuam competindo entre si, cada qual tentando dominar uma parte maior da Terra. Esta competição às vezes é levada ao extremo e acaba resultando em guerras.
O IMPERIALISMO LEVA À GUERRA.
A primeira guerra mundial, por exemplo, é uma guerra entre as potências imperialistas para redividir as áreas de influência do mundo. As potências que perderam a guerra, perderam também suas colônias, como foi o caso da Alemanha. A segunda guerra mundial é também uma guerra para redividir o mundo. Com ela, a potência que se afirma ainda mais são os Estados Unidos.
4. O ATUAL CAPITALISMO SUBDESENVOLVIDO E DEPENDENTE
4.1. A EXPORTAÇÃO DE INDÚSTRIAS
Depois do fim da segunda guer­ra mundial, começa um novo perío­do na história do capitalismo mo­nopolista. Pois os monopólios co­meçam a distribuir suas fábricas por vários países do mundo, e es­pecialmente pelos países atrasados, também chamados de subdesenvol­vidos, é a fase atual do imperialis­mo. A concorrência se dá cada vez mais internacionalmente, o que exi­ge que a produção se distribua também por toda parte. A exportação de artigos passa a ser menos im­portante do que a exportação de indústrias.
Os investimentos do capital mo­nopolista se dirigem, em alguns países como o Brasil, a Argentina e o México, para a implantação de fábricas modernas, em todos os se­tores da produção. Mas especial­mente nas indústrias de bens de consumo duráveis (carros, eletro­domésticos. ...) Investem também nos bens de consumo não-duráveis (alimentos, roupas, produtos de lim­peza... ) e nos bens de capital (má­quinas, equipamentos. . . )
É verdade que continuam tam­bém investindo na produção de ma­térias-primas e produtos agrícolas.
Em alguns países, como os da América Central, os investimentos deste tipo continuam sendo os principais. No conjunto, entretanto, predominam as aplicações em fábri­cas construídas nos próprios países subdesenvolvidos.
4.2. AS TRANSNACIONAIS E MULTINACIONAIS
Neste novo período de maior in­ternacionalização do capital, a con­centração e a centralização também chegam a um nível internacional. Cada vez mais a acumulação do ca­pital nos países centrais vem da mais-valia produzida no exterior, e sugada pelas empresas transnacio­nais.
As transnacionais são grandes empresas destes países centrais que se transportam para outros, espe­cialmente para os países capitalistas periféricos, onde montam suas fi­liais.
Também o processo de fusão e associação de empresas cada vez mais se dá no exterior destes paí­ses centrais, envolvendo capitais de VÁRIAS nacionalidades: são as MULTINACIONAIS, que, neste caso, são também trans­nacionais. Transnacionais e multinacionais se tornam a forma de organização principal do capital monopolista. Nelas, predominam o capital norte­-americano, europeu ocidental e ja­ponês.
Estas empresas transnacionais vão se tornando donas de grande parte da produção de todo o mun­do capitalista. Produzem mercado­rias em grande escala, que cobrem o mercado de diversos países. Mu­dam constantemente as linhas dos produtos, para vender e lucrar mais. Produção, comércio e finanças se integram nas transnacionais, apro­veitando diferenças de preços que possam existir na venda de suas mercadorias e na compra de maté­rias-primas, máquinas, força de tra­balho etc., sempre para poder lu­crar mais.
4.3. OS SUPERLUCROS
O capital monopolista é atraído no sentido de transferir indústrias para os países subdesenvolvidos pe­las condições excepcionais de lucro que estes oferecem.
Realmente, nos países subdesen­volvidos, as empresas estrangeiras geralmente pagam MENOS IMPOSTOS do que nos seus países de origem, além de gozar de INCENTIVOS FISCAIS especiais. Aproveitam-se também de RECURSOS E EMPRÉSTIMOS ESTATAIS.
Utilizam as MATÉRIAS-PRIMAS destes países, que são compradas por PREÇOS MAIS BARATOS. Gastam MENOS EM TRANSPORTE, com a parte de seus produtos que é vendida no mercado interno. E têm grandes facilidades para remeter para fora do país seus lucros e "royalties" (pagamento a título de "direitos autorais por projetos ela­borados no exterior").
Mas o maior atrativo que os paí­ses subdesenvolvidos exercem para essas empresas transnacionais são os BAIXOS SALÁRIOS que pagam pela força de trabalho. É a superexploração da força de trabalho que vai lhes proporcionar, do outro lado da moeda, os seus SUPERLUCROS.
Os baixos salários nos países subdesenvolvidos são proporciona­dos por 3 motivos principais.
1º) Pelo excesso de oferta de força de trabalho (exército indus­trial de reserva), alimentado pelo êxodo rural. Este, por sua vez, é resultado da maior penetração do capitalismo no campo, que expulsa os trabalhadores rurais, pela mo­dernização da produção ou mes­mo pela violência, e também pelo uso de tecnologia de capital inten­sivo.
2º) Pelo baixo nível de organi­zação sindical e política dos traba­lhadores.
3º) Pela dominação repressiva e ideológica do Estado e burguesias locais, que se associam aos interes­ses do capital estrangeiro.
A internacionalização da explo­ração e da superexploração INTERNACIONALIZOU também A LUTA DE CLASSES.
Quer dizer que a luta da classe tra­balhadora não pode mais ser vista só em termos nacionais, mas exige uma visão mais geral, tendo em vista o domínio do capital mono­polista internacional, aliado às clas­ses exploradoras e dominantes lo­cais. Significa também que os pro­letariados dos países subdesenvolvi­dos e dependentes precisam se ar­ticular entre si, e com o proletaria­do do mundo inteiro.
Os superlucros dos investimentos estrangeiros significam uma verdadeira SANGRIA das nações pobres. Por exemplo: entre 1961 e 1971, as empresas norte-americanas aplicaram 3.718 milhões de dólares na América La­tina. Mas, nesse mesmo período, estas empresas enviaram para os Es­tados Unidos 11.680 milhões de dólares. Isto é, para cada dólar que entrou, saíram mais de três.
Outra forma de transferir rique­zas dos países subdesenvolvidos pa­ra os países desenvolvidos é através do COMERCIO EXTERIOR.
Isto acontece porque existe uma tendência de subir o preço dos pro­dutos industrializados, que os paí­ses desenvolvidos exportam, e, pe­lo contrário, uma tendência de queda dos preços dos produtos pri­mários (produtos agrícolas, mine­rais. . .), que são exportados pelos países subdesenvolvidos.
Por exemplo: para comprar um trator, em 1953, o Brasil precisava vender apenas 70 sacas de café. Mas, em 1967, para comprar o mesmo trator, o Brasil já precisava vender 350 sacas do mesmo café.
4.4. SUBDESENVOLVIMENTO E DEPENDÊNCIA
As várias formas de exploração e superexploração do capital mo­nopolista têm contribuído para au­mentar ainda mais o subdesenvol­vimento dos países periféricos, com suas TRÁGICAS CONSEQUÊNCIAS: graus extremos de pobreza, fome, analfabetismo, doenças, mortalida­de infantil etc. Os países capitalistas desenvolvi­dos inspiraram o modelo econômi­co dos países capitalistas subdesen­volvidos. Mas nada indica que nos tornamos uma imitação em minia­tura destes países. Nem que esta­mos numa fase de transição, EM VIAS DE DESENVOLVIMENTO, para chegar mais tarde a uma etapa de capitalismo avançado, igual ao dos países desenvolvidos.
A economia capitalista dos paí­ses subdesenvolvidos tem 3 caracte­rísticas principais.
1)        Trata-se de uma economia que se acha INTEGRADA no mercado capitalista mundial, com junções bem-determinadas dentro dele.
2)        É uma economia subsidiária das economias dos países desenvol­vidos, porque as ajuda a resolver o problema do que fazer com seu ex­cedente econômico, aplicando-o e reproduzindo-o nos países subde­senvolvidos.
3)        Trata-se também de uma economia TRIBUTARIA, já que parte importante das rique­zas dos países subdesenvolvidos é transferida para os países desenvol­vidos.
Sobre este último ponto, é bom lembrar que, no modelo do capita­lismo europeu, houve transferência de riquezas das colônias para as metrópoles. Estas riquezas contri­buíram para a acumulação de capi­tal que serviu de base para o de­senvolvimento daquelas metrópo­les. Nos países subdesenvolvidos, pelo contrário, sofremos uma cons­tante sangria de nosso excedente econômico. Mais ainda: esta san­gria se estende às riquezas que se­riam necessárias para a reprodução da força de trabalho, por causa da superexploração.
Esta superexploração comete nos países subdesenvolvidos uma verda­deira DILAPIDAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO. Quer dizer que os capitalistas es­trangeiros e nacionais sugam os tra­balhadores ao máximo. Não se im­portam em esgotar rapidamente a sua capacidade de trabalho (pela morte, pelas doenças etc.), pois sabem que é fácil substituí-]os por ou­tros trabalhadores.
Percebe-se, por tudo o que vi­mos até aqui, que SUBDESENVOLVIMENTO e DEPENDÊNCIA econômica estão ligados. Ou me­lhor, A CAUSA FUNDAMENTAL DO SUBDESENVOLVIMENTO É JUSTAMENTE A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA dos países subdesenvolvidos, em relação ao capital monopolista dos países desenvolvidos. Quer dizer que o subdesenvolvimento se expli­ca justamente por causa das limi­tações que a condição de depen­dência impõe.
A situação dos países dependen­tes é de um SUBDESENVOLVIMENTO CRÔNICO.
O aumento da produção não leva ao desenvolvimento, já que ele é sugado para os países desenvolvi­dos. Funcionamos de fato como ECONOMIAS SATÉLITES.
Assim, nosso subdesenvolvimento não é um estado produzido e man­tido a partir de dentro, mas GERADO, CONDICIONADO E REGULADO A PARTIR DE FORA, segundo os interesses do capital monopolista internacional.
5. A DEPENDÊNCIA DO CAPITALISMO BRASILEIRO
O Brasil, até hoje, nunca gozou de real independência econômica.
Vejamos isto, em grandes linhas.
5.1. O MODELO AGRÁRIO-EXPORTADOR
Por primeiro, como COLÔNIA de Portugal, a função da economia brasileira foi de exportar produtos primários. Do ciclo inicial do pau­-brasil, passou-se ao da cana-de­-açúcar, ao do ouro e ao do cou­ro. O trabalho era fundamentalmen­te escravo, e as riquezas exporta­das, de propriedade de Portugal (e Espanha), acabavam, através das relações comerciais, nos cofres da Inglaterra e de outros países euro­peus. Assim, uma boa parte do trabalho realizado no Brasil acabou contribuindo para a acumulação de capital, que serviu de base para a Revolução Industrial na Europa.
Depois da independência política, em 1822, a economia brasileira transfere sua dependência de Por­tugal para a Inglaterra, tornando-se uma neocolônia. Passamos ao ciclo econômico do café, produzido ainda pelo trabalho escravo e depois pelos imigrantes, utilizando técnicas de trabalho tradicionais.
O Brasil exporta café, e também cacau, borracha e mais alguns produtos primários. E importa artigos industrializados, além de empréstimos e serviços públicos, principalmente da Inglaterra. É o MODELO EXPORTADOR de produtos agrícolas tropicais matérias-primas, e importação de manufaturas.
O poder político é exercido pela burguesia agrário-comercial-exportadora, mas a economia é dependente do exterior, especialmente por causa da comercialização internacional do café.
5.2 O MODELO DE SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES
Em 1930, começa a predominar um novo MODELO, o de SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES que vai até1964. Com crise de exportação do café, faltaram recur­sos para a importação de artigos industrializados. O que vai incen­tivar a construção de indústrias no Brasil. Boa parte dos investimentos dessa nova indústria veio dos pró­prios cafeicultores ligados à expor­tação, cuja atividade continua sen­do economicamente importante. Mas vai sendo criado um forte se­tor industrial, no Brasil. Os artigos industriais brasileiros são vendidos no mercado interno. Apesar do predomínio do café para a expor­tação, a produção de alimentos abastece a economia de subsistên­cia rural e o mercado interno ur­bano.
Esta política econômica, levada sob a liderança de Getúlio Vargas, é acompanhada de uma combina­ção de interesses econômicos e po­líticos da nova burguesia industrial com o proletariado e a "classe mé­dia". Firma-se uma ALIANÇA DE CLASSES. Dentro desta aliança, o proletaria­do, por um lado, é "acalmado" com algumas vantagens, pequenas, mas reais. Por outro lado, ele é contro­lado pelo Estado através do atrelamento sindical, além de ser usado como massa de manobra pelo getu­lismo. O Estado, aliás, se torna o centro nacional mais importante das decisões sobre a política eco­nômica.
Enfim, o modelo de substituição de importações reformula as rela­ções externas e também com a oli­garquia e burguesia rurais, e instau­ra o NACIONALISMO DESENVOLVIMENTISTA, e a aliança de classes.
Este modelo tem, ao mesmo tempo, compromissos e também problemas com o capital internacio­nal e com as classes dominantes do campo. Um novo projeto econômi­co vai surgindo, que se confronta com a relativa independência eco­nômica do período getulista. É um projeto de retorno a uma maior de­pendência do capital internacional, agora sob novas formas. A crise de 1954, com o suicídio de Getúlio Vargas, foi justamente a manifes­tação radical do conflito entre os que desejavam continuar e acelerar um desenvolvimento econômico re­lativamente independente, e os que desejavam um desenvolvimento as­sociado com o capital internacional.
O governo Juscelino Kubitschek dá os primeiros grandes passos pa­ra o modelo do capitalismo associa­do, embora mantendo o esquema de sustentação política criado por Getúlio Vargas (nacionalismo e aliança de classes), o que resulta numa permanente contradição.
Nesta época, as facilidades con­cedidas aos investidores estrangei­ros ajudaram o processo de inter­nacionalização da economia brasi­leira. É então que se concentram os investimentos na indústria auto­mobilística.
O governo João Goulart tenta reimplantar o modelo econômico do período getulista, com adapta­ções. Mas o golpe de Estado de 1 de abril de 1964 acaba com a de­mocracia populista, que vinha des­de 1946, e marca de vez a pas­sagem para um outro modelo.
5.3. O MODELO DE DESENVOLVIMENTO ASSOCIADO
A partir do golpe de classe de 1964 acentua-se muito a associação e reagrupamento de empresas bra­sileiras e estrangeiras, especialmen­te no setor industrial.
O desenvolvimento econômico brasileiro passa a depender em grande parte da ASSOCIAÇÃO direta e indireta, visível e disfarça­da, entre CAPITAIS NACIONAIS E ESTRANGEIROS.
Novas indústrias TRANSNACIONAIS são instaladas, ou então, compra­das de empresários nacionais. Em outros casos, capitalistas estrangei­ros tornam-se sócios de empresá­rios brasileiros. E mesmo muitas empresas que são propriedade de empresários brasileiros acabam se INTEGRANDO com a indústria estrangeira instala­da no Brasil, e sob sua hegemonia. É o caso da indústria de autopeças, cujos interesses estão ligados aos interesses das montadoras.
A instauração do novo modelo respondeu a dois tipos de necessi­dades. Da parte dos monopólios es­trangeiros respondeu à necessidade que estes tinham, depois da segun­da guerra mundial, de exportar seu excesso de acumulação de capital. Da parte da economia brasileira, o novo modelo respondeu à ne­cessidade de melhorar a TECNOLOGIA INDUSTRIAL, para poder competir, no mercado mundial, também com produtos manufaturados, já que só com seus produtos primários o Brasil estava sempre perdendo no comércio ex­terior.
Mas, para isto, foi necessário substituir o modelo anterior, que protegia a indústria nacional, e in­centivar a associação com as em­presas transnacionais, que monopo­lizam a tecnologia mais moderna.
Nasce na realidade uma nova forma de aliança, associação e inte­gração que junta o capital monopo­lista estrangeiro, a burguesia local e o Estado, que passa também a investir cada vez mais na econo­mia.
Além dos investimentos na in­dústria, o capital monopolista in­ternacional passa também a conceder GRANDES EMPRÉSTIMOS ao governo e aos empresários bra­sileiros, especialmente de 1975 em diante.
Nasce também uma nova ideia de INTERDEPENDÊNCIA econômica, política, militar e cul­tural. De acordo com esta ideia, fruto da guerra fria, os países do bloco ocidental (capitalista) têm de estar unidos, e, portanto, inter­dependentes, para enfrentar o blo­co socialista. O lema então é de­senvolvimento e segurança. E os Es­tados Unidos, país líder do bloco ocidental, são vistos como os gran­des parceiros desta interdependência. Um dos ministros do governo instaurado em 1964 dizia claramen­te: "O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil".
Um aspecto importante que de­vemos notar é que o novo modelo de desenvolvimento econômico as­sociado muda radicalmente as pos­sibilidades da burguesia nacional brasileira.
Em certas situações históricas, a burguesia nacional de alguns paí­ses tinha interesses que se choca­vam com os do capital monopolis­ta internacional. Por exemplo, na Rússia e na China, antes de suas revoluções. Por isso essas burgue­sias nacionais aliaram-se ao prole­tariado para lutar contra este ca­pital internacional e seus aliados in­ternos. Depois, numa segunda eta­pa, o proletariado derrubou a bur­guesia nacional e instaurou o socia­lismo.
Mas a burguesia nacional brasi­leira, associada e integrada ao ca­pital estrangeiro, parece estar nu­ma situação muito diferente. Pois, de modo geral, está com seus inte­resses misturados aos interesses do capital estrangeiro. Ê importante reparar nisto, porque a esquerda tradicional brasileira alimenta ain­da ilusões neste sentido, propondo alianças dos trabalhadores com es­ta suposta "burguesia nacional". Pa­ra fazer o novo modelo funcionar sem problemas era necessário mu­dar a política de "aliança de clas­ses", através de uma DITADURA MILITAR.
Assim, além de neutralizar os se­tores nacionalistas identificados com o modelo e a aliança de clas­ses anterior, os novos donos do poder impuseram aos trabalhado­res o ARROCHO SALARIAL, isto é, reajuste de salários sempre menores do que o aumento de preço das mercadorias. Para isto, o governo passou a exercer um controle rígi­do e centralizado da política de sa­lários e dos movimentos sindicais. Acabou com qualquer participação dos movimentos sindicais, e de tra­balhadores em geral, nas decisões políticas do país. Pôs fim à estabi­lidade com o FGTS e decretou a lei antigreve. Por outro lado, favore­ceu todos os mecanismos que pu­dessem aumentar a produtividade nas empresas, como as horas-ex­tras, intensificação do ritmo de tra­balho, trabalho noturno, trabalho da mulher e do menor, com o aproveitamento da capacidade ocio­sa das indústrias.
O resultado mais manifesto des­ta política foi o chamado milagre brasileiro. No exterior, o Brasil fi­cou conhecido como "o paraíso do investimento estrangeiro".
Como consequência do novo mo­delo econômico imposto com o gol­pe de 1964 e de sua evolução, aprofundou-se ainda mais a depen­dência econômica, que caracteriza praticamente toda a história da so­ciedade brasileira.
Hoje, o Brasil tem a maior dívi­da externa do mundo: mais de 100 bilhões de dólares. Os setores fun­damentais da indústria são contro­lados, em grande parte, pelas trans­nacionais, que entraram também no grande comércio e fizeram grandes investimentos em terras, no campo.
Por fim, a política econômica brasileira passou a ser ditada e fis­calizada diretamente pelos funcio­nários do Fundo Monetário Inter­nacional (FMI), organismo interna­cional controlado pelos Estados Unidos e outras potências econômi­cas do mundo capitalista.

Indicações bibliográficas para este capítulo:
1 - IANNI, Octávio. O colapso do populismo no Brasil. Rio, Editora Civilização Brasileira, 1971.
Obs.: No capitulo 1, trata-se dos 'modelos econômicos brasileiros'.
2 - PRADO JR., Caio. A revolução brasileira. São Paulo, Editora Brasiliense, 1978.
Obs.: No capítulo II trata-se da questão da "burguesia nacional".
3 - FERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio, Zahar Editores.
Obs.: 'No item 2 da 1.' parte ("A explicação macrossociológica do subdesenvolvimento econômico") trata-se da questão "subdesenvolvimento e dependência".
4 - MARX, Karl. O capital. São Paulo, Ditei, 1982.
Obs.: No capitulo XXIV do livro 1.0, volume 2, trata-se da questão “A chamada acumulação primitiva”.


IV - CAPITALISMO E ESTADO
1. Estrutura e superestrutura da sociedade
2. Para que serve o Estado
2. 1. Origem do Estado
2.2. Funções políticas e técnicas do Estado
2.3. Função do Estado burguês
3. Como domina o Estado burguês
3.1. A teoria da raposa e do leão
3.2. As leis
3.3. As forças armadas e a polícia
4. A questão da estatização da economia
5. O Estado a serviço do imperialismo
6. A luta política dos trabalhadores

Ouvimos com frequência que o Estado existe para defender o bem comum, a liberdade de todos etc. Que o Estado representa a todos e que está acima das classes sociais. Enfim, nos dizem que O ESTADO É NEUTRO.
Às vezes, o Estado nos é apresentado como um MEDIADOR dos conflitos entre as classes sociais.
No entanto, os fatos que podemos observar nos mostram que não é bem assim. Vemos continuamente o governo reprimindo os trabalhado­res, aumentando o arrocho salarial, manobrando para manter os pelegos nos nossos sindicatos, decretando a ilegalidade de quase todas as greves. E jogando a polícia e o exército para bater, prender e matar trabalhadores que lutam por melhores condições de vida.
Do outro lado, podemos notar o governo protegendo, por todas as formas, os interesses dos empresá­rios, estrangeiros ou nacionais, fa­zendo leis que os beneficiam, ouvin­do suas opiniões antes de tomar decisões importantes. O presiden­te da república, os ministros e outras autoridades do Estado estão sempre se encontrando com entidades em­presariais e mesmo com empresários particulares. Fazem declarações, afir­mando que é a iniciativa dos empresários que proporciona o progresso do país etc.
Então, ONDE ESTÁ A NEUTRALIDADE E A MEDIAÇÃO?
Sabemos que estes fatos não acon­tecem só no Brasil, mas também em outros países do mundo capitalista. De forma mais clara nos países subdesenvolvidos e ditatoriais, e de forma mais disfarçada nos países desenvolvidos e de democracia li­beral.
Assim, percebemos que o Estado capitalista, com os vários governos que vão se sucedendo, protege os patrões, em prejuízo dos trabalha­dores.
Por que isto? Em que se funda­menta esta situação? Quer dizer, qual é a natureza do Estado?
É o que vamos estudar, a seguir.

1. ESTRUTURA E SUPERESTRUTURA DA SOCIEDADE
Para entender qual é a natureza do Estado, dentro da sociedade, pre­cisamos entender como funciona a sociedade, qual é a sua base. Marx dizia que a estrutura econômica da sociedade é a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas de consciência social.
De acordo com esta ideia, a base, o alicerce da sociedade são AS ESTRUTURAS ECONÔMICAS, em seu duplo e inseparável aspecto de "forças produtivas" e de "relações sociais de produção". Isto é, a forma como os homens produzem e distri­buem os bens materiais; e a forma como os homens se organizam em sociedade para esta produção e dis­tribuição.
As FORÇAS PRODUTIVAS dizem respeito às relações do homem com a natureza: colocando-a a seu serviço, através do trabalho. O de­senvolvimento das forças produtivas implica a descoberta de novos ins­trumentos de trabalho, novas tecno­logias, avanço da ciência, incentivo para o trabalho, maior produtivida­de, pleno emprego etc.
As RELAÇÕES SOCIAIS DE PRODUÇÃO dizem respeito às relações dos ho­mens entre si, em função do domínio da natureza. Assim, os homens orga­nizam-se em sociedades de tipo pri­mitiva, ou escravista, ou feudal, ou capitalista, ou socialista. A passagem de um tipo de sociedade para outro é o resultado das contradições inter­nas entre as forças produtivas e as relações sociais de produção. Usan­do-se o método dialético da "tese-an­títese-síntese", podemos dizer que quando as forças produtivas (tese) são impedidas pelas relações sociais de produção de continuar avançando (antítese), estes acabam sendo subs­tituídos por novas relações sociais de produção, que liberam o desen­volvimento das forças produtivas (síntese).
As estruturas econômicas vão condicionar a SUPERESTRUTURA POLÍTICA E JURÍDICA, e também a CONSCIÊNCIA SOCIAL. Quer dizer que o poder político, as leis e o modo de pensar de uma sociedade vão acompanhar, nas grandes linhas, as estruturas econômicas. Vejamos alguns exemplos.
Nas sociedades primitivas, os ho­mens tinham meios de produção pouco desenvolvidos. Por isso não havia excedente. Então também não havia possibilidade de algumas pes­soas explorarem o trabalho de ou­tros. Assim não havia divisão das pessoas em classes sociais. Não exis­tia a separação entre proprietários e trabalhadores. Todos trabalhavam e todos possuíam a terra e os ins­trumentos de trabalho.
Por causa desse tipo de estrutura econômica, o exercício do poder (a política) e as leis (o jurídico) eram feitos por todos, em assembleias tribais, ou pelos representan­tes eleitos por todos. Do mesmo modo, as idéias que todas as pessoas tinham sobre o mundo, a vida, Deus, os valores morais etc., eram CRIAÇÕES COMUNS que vinham de geração em geração.
Vemos, assim, como a estrutura econômica condiciona a superestru­tura, isto é, a política, as leis e a consciência social. Com a descoberta de melhores instrumentos e tecnologias, passou a haver um EXCEDENTE DE PRODUÇÃO.
Apareceu então a possibilidade de umas pessoas explorarem as outras, pela apropriação de seu excedente de trabalho. Surgem, então, as CLASSES SOCIAIS; os homens passam, desde então, e até hoje, a se dividirem entre pro­prietários, de um lado, e trabalha­dores do outro. Assim, o excedente de produção cria condições para o surgimento da sociedade dividida em classes. E este conjunto de relações econômicas cria condições para o surgimento do ESTADO (a organização política da classe dominante) e da IDEOLOGIA (a visão do mundo, valores, "modo de pensar" da classe dominante, e que ela consegue espalhar para o conjunto da sociedade).
A primeira sociedade de classes foi a escravista. Os proprietários eram os senhores, e os trabalhadores eram os escravos. Pois eram os se­nhores que governavam, faziam as Leis e comandavam os exércitos (Estado escravista). Eram também suas ideias e valores que dominavam no conjunto da sociedade (ideologia escravista).
A mesma coisa aconteceu na so­ciedade feudal, dividida entre nobres e servos. E a mesma coisa acontece na sociedade capitalista, dividida en­tre burgueses e proletários.
Quer dizer, em todas as socieda­des divididas em classes, os proprie­tários exploram os trabalhadores. E esta situação de proprietários ex­ploradores cria condições para que eles dominem os trabalhadores, e o conjunto da sociedade, no que se refere à política e à ideologia.
Vemos, deste modo, como a es­trutura econômica é a base que vai condicionar, dentro da sociedade, a superestrutura política, jurídica, mi­litar e ideológica. Não quer dizer que a estrutura vai determinar, de forma detalhada e automática, a superestrutura. É apenas uma deter­minação em última instância, isto é, um condicionamento geral em gran­des linhas. Por exemplo: numa so­ciedade de economia feudal não é viável um poder político, jurídico e ideológico da burguesia.
Enfim, a estrutura econômica de uma sociedade vai limitar apenas os espaços onde os homens constroem a história. Dentro destes espaços, existem inúmeras possibilidades para a liberdade e a vontade dos homens. Há portanto uma AUTONOMIA RELATIVA DAS SUPERESTRUTURAS, como dizia Gramsci. Marx também afirmava que:
"Os homens fazem sua própria história, mas não a fa­zem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado".
Neste capítulo, ao tratar do Es­tado capitalista, estaremos vendo a ligação da estrutura econômica com a superestrutura jurídico-política. No próximo capítulo, veremos a ligação da estrutura econômica com a su­perestrutura ideológica.
A correspondência entre a estru­tura econômica da sociedade e suas superestruturas não se dá sempre de forma imediata. Às vezes, há uma defasagem no tempo, que, porém, tende a ser corrigida. Foi assim que, na passagem da sociedade feudal para a sociedade capitalista, a bur­guesia, em muitos lugares, já era a classe de maior poder econômico, embora o poder político continuasse nas mãos da nobreza. Esta situação, no entanto, aos poucos foi mudando, com a burguesia tomando o poder político, por meio de revoluções.
Vimos que a teoria marxista de­fende que a estrutura econômica é quem determina a superestrutura jurídico-política e a consciência so­cial. Para Marx, a análise da socie­dade parte sempre das relações ma­teriais (econômicas) no seu duplo aspecto de "forças produtivas" e "relações sociais de produção". Assim, são essas relações que de­terminam (em última instância) os fenômenos políticos, jurídicos, ideo­lógicos e culturais. Por isso, trata-se de método materialista. Pelo contrá­rio, o método idealista, como o de Hegel, vê a atividade intelectual e política, isto é, as idéias como o fator dominante da história, inclusive das relações econômicas. Como vemos, "materialismo" e "idealismo" são conceitos científico-filosóficos, que não têm nada a ver com o uso vul­gar destas palavras. É neste sentido que deve ser entendido o materialis­mo marxista.
2. PARA QUE SERVE O ESTADO
De início, poderíamos dizer que Estado é a instituição pela qual o PODER é exercido dentro de uma sociedade. Seria então um conjunto de pessoas e instituições que dirigem a socie­dade. Mas logo nos perguntamos: por que são estes, e não outros, que exercem o poder? Quem eles repre­sentam? Para que eles estão na di­reção da sociedade?
2.1. ORIGEM DO ESTADO
A teoria (visão global) que vimos no item anterior, de que a estrutura econômica é a base da superestru­tura político-jurídica nos encaminha para algumas respostas. Lembremos que, de acordo com ela, os que de­têm o poder econômico, têm em suas mãos também o poder político.
Em uma sociedade sem classes, como a primitiva, o poder é exer­cido por todos, ou diretamente em assembleias, ou através de represen­tantes eleitos, como os conselhos e os caciques. Nestas tribos, o poder, de fato, se origina do conjunto da sociedade, e é exercido em benefício de toda ela. As instâncias de poder, onde se tomam as decisões que vão afetar a todos, não estão nas mãos de uma parcela da sociedade, mas do conjunto dela. Por isso, essas instâncias não precisam usar da coerção. Não existe polícia nas tri­bos primitivas, e as armas são usadas apenas contra outras tribos. Por tudo isso, nas sociedades primitivas não existe Estado.
Como, então, nasceu o Estado?
O Estado nasceu junto com a di­visão da sociedade em classes. Nas várias sociedades de classe, os pro­prietários, detentores do poder eco­nômico, se apossaram também do poder político. Evidentemente, estas classes dominantes (senhores, nobres, burgueses) vão exercer o poder em benefício da sua classe. O poder político agora nasce de uma parcela da sociedade e é exercido em bene­fício desta parcela. Assim temos o Estado escravista, o Estado feudal,
Estado burguês. A função princi­pal do Estado será fazer prevalecer os interesses da parcela dominante sobre o conjunto da sociedade. Para isto, é necessário que o Estado tenha poder de coerção (polícia, forças armadas), a fim de assegurar estes interesses pela força, sempre que seja necessário.
Agora, podemos redefinir o ESTADO como sendo uma instituição política, jurídica, administrativa e militar que tem por objetivo dirigir o conjunto da sociedade, de acordo com os in­teresses da parcela economicamente dominante.
Evidentemente, a teoria política burguesa não define o Estado deste modo. Pelo contrário, ela diz que o Estado tem o objetivo de proteger o bem comum. Reparemos, porém, que se trata de uma definição abs­trata, feita a partir do que se acha que o Estado deveria ser, e não da observação de como ele surgiu, do que ele historicamente foi e do que continua sendo até hoje.
2.2. FUNÇÕES POLÍTICAS E TÉCNICAS DO ESTADO
Nas sociedades mais antigas, as várias funções do Estado se acumulavam nas mesmas pessoas ou grupos. Nos Estados modernos, elas se distribuem por muitos grupos e ins¬tâncias. Assim, participam hoje da máquina do Estado: o governo (presidente e seus ministros, os governadores e seus secretários, prefeitos e secretários municipais), legisladores (deputados, senadores, assembleias legislativas, câmaras municipais), o judiciário, o exército, a polícia, as autarquias, as empresas públicas etc. Repare-se que "governo" e "Estado" não são a mesma coisa. O "governo" é apenas um dos componentes do "Estado". Uma classe social pode ter o "governo" nas mãos, mas não o "Estado", O Chile, de Allende, nos ensina tragicamente essa diferença.
A função principal do Estado, que é de fazer a política da classe dominante, ou, às vezes, de um se­tor da classe dominante, fica frequentemente escondida. Seja pela enganação da neutralidade do Esta­do, seja por causa de suas muitas funções técnico-administrativas, apa­rentemente neutras.
É claro que as várias instâncias do Estado exercem funções técnico-administrativas, para que o conjunto da sociedade possa funcionar. No entanto, se observarmos atentamen­te, a razão última destas funções é a organização da sociedade de acor­do com os interesses dos explora­dores. Esta observação é importante porque frequentemente vemos pro­blemas técnicos, quando a questão é política. Acusamos, às vezes, cer­tas autoridades de incompetência ou omissão, quando, pelo contrário, es­tão se empenhando a fundo, e com muita competência, para encaminhar os problemas... de acordo com as conveniências da classe dominante, que eles representam.
2.3. FUNÇÃO DO ESTADO BURGUÊS
Está claro que, na sociedade ca­pitalista, o Estado está nas mãos da burguesia. Frequentemente, os car­gos mais importantes da máquina estatal são exercidos por empresários (industriais, comerciantes, banquei­ros e fazendeiros). Outras vezes, estes cargos não estão diretamente com os proprietários dos meios de produção, mas com pessoas fiéis a eles, e que também desfrutam das vantagens do domínio burguês, co­mo é o caso dos tecnocratas, mili­tares etc. Num caso como no outro, o importante é que a máquina es­tatal seja ocupada por pessoas que defendem os interesses da classe burguesa.
Marx dizia, já em 1848:
O governo do Estado moderno não é senão um comitê para admi­nistrar os negócios comuns de toda a classe burguesa.
Portanto, a principal função do Estado é a DEFESA DOS INTERESSES COMUNS DE TODOS OS CAPITALISTAS.
Ora, nós sabemos que esses interes­ses comuns são principalmente dois.
1º) A EXPLORAÇÃO (e a superexploração) dos trabalha­dores, isto é, a apropriação da mais--valia produzida pelos trabalhadores, com a finalidade de acumular ca­pital.
2°) A GARANTIA de que esta situação VAI CONTINUAR indefinidamente, isto é, de que os trabalhadores se deixem explorar, sem criar problemas. Para isso é preciso impedir que os trabalhado­res se conscientizem e se organizem, e é preciso se defender quando eles começam a lutar pelos seus inte­resses.
É verdade que uma ou outra vez o Estado toma também algumas me­didas contra alguns empresários, ou setor empresarial. Por que acontece isto?
Porque, como vimos, o Estado burguês defende os interesses co­muns de TODA A BURGUESIA.
Mas os capitalistas também lutam entre si, cada qual querendo uma fatia maior do bolo.
Às vezes, há interesses que se chocam entre o setor industrial, comercial, financeiro e agrário da burguesia. O mesmo ocorre entre os grandes, médios e pequenos empre­sários. Outras vezes chega a haver confronto de interesses até entre empresários individuais. Então, o Estado burguês tenta CONCILIAR, harmonizar, os vários interesses dos burgueses, para manter a BURGUESIA UNIDA, na sua luta principal, que é contra os trabalhadores.
Na tentativa de conciliar os inte­resses dos diferentes setores da bur­guesia, alguns destes setores acabam sendo favorecidos e outros prejudi­cados pelo Estado. Exemplos do Brasil pós-64: a burguesia agrária frequentemente tem sido prejudica­da, enquanto a burguesia financeira tem sido favorecida: as grandes em­presas são beneficiadas pelo Estado, enquanto as médias e, mais ainda, as pequenas, são menos favorecidas (apesar dos discursos em contrário).
Enquanto os negócios da burgue­sia como um todo vão bem, as con­tradições entre seus vários setores não têm muita importância, como foi, por exemplo, na época do chamado "milagre brasileiro". Mas quando chega a crise econômica, cada setor da burguesia quer salvar o seu lado. Aí começam as discor­dâncias e se faz mais necessário a ação mediadora do Estado. Apesar de que os rachas da burguesia se refletem também no poder do Es­tado. Há, no entanto, um esforço deste para evitar, o quanto possível, as divisões dentro da burguesia, e fazer com que sejam os trabalhado­res a pagar o preço maior da crise econômica.
3. COMO DOMINA O ESTADO BURGUÊS
3.1. A TEORIA DA RAPOSA E DO LEÃO
COMO o Estado cumpre sua função de dirigir o conjunto da sociedade, de acordo com os interesses da classe dominante? Fundamentalmente, por dois meios: convencimento e coerção.
Já dizia Maquiavel, no século XVI, que o príncipe deve ser igual a uma raposa muito esperta e, ao mesmo tempo, igual a um leão muito forte. Ou que deve ser igual a um centau­ro, figura lendária grega, que tem cabeça de homem, mas corpo e pa­tas de cavalo. Enfim, o príncipe, isto é, a pessoa, a classe social ou a instituição que tem o poder, para se manter nele, tendo em vista a de­fesa de interesses pessoais ou gru­pais, deve ter um duplo tipo de preocupação.
1º) Convencer o conjunto da so­ciedade de que SEU PODER É LEGITIMO, isto é, conseguir um certo consenso, uma certa aceitação de que o poder é exercido para o bem comum.. No mínimo, de que o poder atual é um mal menor do que algum outro que pudesse vir a substituí-lo.
2º) Possuir MEIOS DE DISSUASÃO para que o poder não seja contesta­do, isto é, convencer a não contestar o poder, por ameaça de retaliação, e, no caso de vir a ser, utilizar meios coercitivos para reprimir os contes­tadores pela força.
Então, o Estado, como instituição política da classe dominante, precisa, primeiramente, agir de forma inteli­gente para que as classes subordina­das aceitem, em boa paz, a HEGEMONIA desta classe dominante.
Uma forma geralmente eficaz de se conseguir esta legitimidade é dar a impressão de que um certo gover­no da classe dominante foi escolhido por todas as classes, através de eleições políticas. Também a coopta­ção de certos setores das classes su­bordinadas é importante para esta legitimação. Às vezes, cooptam-se classes sociais inteiras, pela conces­são de "migalhas do banquete".
Outra forma de convencimento é a que se faz através da dominação ideológica. Difundem-se, pela esco­la, meios de comunicação, religiões etc., ideias que interessam à conti­nuidade da classe dominante e do seu Estado. Estas questões ideológicas serão estudadas no próximo ca­pítulo.
Está claro que o Estado burguês usa as duas formas de dominação. Prefere geralmente se manter pela legitimidade e convencimento. Quan­do, porém, isto não é mais possível, usa todo seu arsenal repressivo para assegurar sua continuidade. É o que acontece com os Estados burgueses democráticos que, ao perceber que os interesses da burguesia podem ser atingidos, então não hesitam: tiram a máscara e impõem a dita­dura militar.
Geralmente, o Estado burguês aplica, simultaneamente, em sua re­ceita de dominação, uma pitada de convencimento sorridente e uma pi­tada de ameaças e coerção efetiva.
3.2. AS LEIS
Falamos em arsenal repressivo. Mas, em que consiste ele?
Em primeiro lugar, das LEIS. As leis são feitas pelo Parlamento, e também, em alguns países como o Brasil, por decretos-leis do governo. E sua aplicação é julgada pelo poder judiciário.
Afirma-se que as leis são feitas por representantes de todos, em be­nefício de todos, e para serem cum­pridas igualmente por todos. Entre­tanto, como instrumento do Estado burguês, a lei vai regular o conjunto da sociedade, DE ACORDO COM OS INTERESSES DA BURGUESIA.
É evidente que o caráter classista da lei não pode ser proclamado for­malmente. Mas a observação da realidade social, de hoje ou do pas­sado, nos mostra que a afirmação da origem, função e aplicação da lei, como algo comum, serve apenas para encobrir a dominação de clas­se e fazer da lei um mito ou dogma inquestionável.
De fato, não são os trabalhadores que elaboram as leis na sociedade burguesa. Quanto a seus objetivos, as afirmações genéricas de igualdade são negadas nas determinações con­cretas das leis. E em relação à sua aplicação, sabemos que o julgamento dos acusados da burguesia é bem diferente do julgamento dos acusa­dos do proletariado. As cadeias e os esquadrões da morte existem de fato só para os pobres. Enfim, a realidade nos mostra que, sem igual­dade econômica, a tão decantada "igualdade jurídica" só existe no papel.
Para evitar que os trabalhadores se libertem da exploração econômica e domínio político da burguesia, além da legislação mais geral, a que nos referimos acima, no Brasil, a burguesia elaborou também uma LEGISLAÇÃO TRABALHISTA específica. Isto foi feito, de forma orgânica, no primeiro governo de Getúlio Vargas.
Assim, ao lado de algumas peque­nas concessões, cercou-se a classe trabalhadora com inúmeras leis, que procuram impedir, de todos os mo­dos, a sua conscientização, organiza­ção e mobilização. Já vimos que o Estado, nas fases iniciais do capi­talismo, não podia intervir nas rela­ções entre patrões e trabalhadores. Tais relações eram regidas apenas pelas duas partes, através do livre contrato de trabalho. Depois, o Es­tado burguês, deixando de lado os "sagrados princípios" da liberdade burguesa, resolveu se meter direta­mente entre patrões e trabalhado­res para proteger os patrões. CLT, estrutura sindical atrelada, leis sobre política salarial e emprego, FGTS etc., são manifestações da en­xurrada legislativa com que os tra­balhadores têm sido presenteados pelos vários governos burgueses do Brasil.
As consequências práticas da apli­cação da lei têm sido, entre outras, as intervenções diretas ou indiretas nos sindicatos (dos trabalhadores, claro), a decretação da ilegalidade de quase todas as greves etc.
3.3. AS FORÇAS ARMADAS E A POLICIA
Para que as leis tenham eficácia, o Estado precisa ter meios para exi­gir seu cumprimento e punir os in­fratores. É aí que aparece o outro elemento do arsenal repressivo a que nos referimos: AS FORÇAS ARMADAS E POLICIAIS,
As forças armadas (exército, ma­rinha e aeronáutica) têm dois obje­tivos: assegurar a defesa do país contra possíveis ataques vindos de nações estrangeiras e garantir a or­dem interna. Uma breve consulta à história do Brasil nos mostra que foram poucas as vezes em que as forças armadas guerrearam contra outras nações. Pelo contrário, são inúmeras as intervenções das forças armadas para garantir a "ordem e a segurança interna". Ora, garantir o quê contra quem? Os fatos histó­ricos nos mostram que se trata de garantir a continuidade da explora­ção e dominação burguesa, contra os interesses econômicos e políticos dos trabalhadores. Este é o sentido do novo conceito ampliado de "segu­rança nacional", acrescido da defesa contra a "infiltração comunista" que viria da União Soviética, Cuba etc.
As forças armadas serviram, du­rante séculos, para reprimir os escra­vos rebeldes, atacar os quilombos e, depois, reprimir revoltas popula­res como a de Canudos. Também junto com a polícia, agiram muitas vezes contra o movimento operário. Por fim, em 1964, deram um golpe de Estado e assumiram diretamente poder. Para defender os interesses da burguesia, as forças armadas reprimiram, através dos métodos mais brutais, como a tortura e o assas­sinato, todos os que lutavam pelos interesses da classe trabalhadora.
Deve-se notar que as bases das forças armadas e da polícia, como os soldados e sargentos, são originá­rios da classe trabalhadora. Através do respeito à HIERARQUIA e à DISCIPLINA, eles são condicionados simplesmente a cumprir ordens, sem nada questio­nar. Graças a isso, a burguesia pode reprimir trabalhadores, usando ou­tros trabalhadores.
Vimos, assim, em grandes linhas, os instrumentos políticos, jurídicos e militares que o Estado burguês usa para garantir a exploração (e su­perexploração) dos capitalistas sobre os trabalhadores.
4. A QUESTÃO DA ESTATIZAÇÃO DA ECONOMIA
Diante da afirmação de que o Estado interfere para prejudicar os trabalhadores, alguns burgueses se adiantam para dizer que o Estado tem também prejudicado os empre­sários particulares, intrometendo-se na livre empresa e se tornando ele mesmo um grande empresário (esta­tização da economia). É de se notar, porém, que estas intromissões do Estado capitalista na economia começaram a se exercer depois da crise econômica do capitalismo de 1929, e tiveram justamente como objetivo tentar evitar as crises ou, pelo menos, diminuir seus efeitos, em benefício do conjunto dos capi­talistas. Segundo alguns burgueses, como os representados pelo jornal "O Estado de S. Paulo", a intromissão do Estada na economia brasileira foi tão grande que tornou o Brasil um país socializante ou semi-socialista, e não mais capitalista.
É verdade que o Estado brasileiro interfere na economia, regulamen­tando o funcionamento da livre em­presa, e também investindo muito na economia. Esta interferência, no en­tanto, não tem nada de socialista (o que suporia um Estado dos tra­balhadores). Pelo contrário, trata-se do Estado burguês que cumpre sua função de defender os interesses co­muns do conjunto da burguesia.
Para isto, ele procura, por um lado, regulamentar as atividades econômicas para harmonizá-las e tentar evitar maiores problemas no funcionamento da economia capita­lista. E por outro lado, o Estado investe em setores básicos da econo­mia, setores que necessitam de gran­de capital e que são de retorno de­morado, como usinas siderúrgicas, hidrelétricas, transportes, petroquí­mica etc. Estas empresas estatais ajudam o conjunto da economia bur­guesa a funcionar, fornecendo-lhes matérias-primas, energia, transporte etc., e ajudando a evitar a queda da taxa de lucro da burguesia.
5. O ESTADO A SERVIÇO DO IMPERIALISMO
Nos países subdesenvolvidos e de­pendentes, como é o caso do Brasil, o Estado não serve só aos interesses da burguesia local, como também, e principalmente, aos interesses do ca­pital monopolista, isto é, do impe­rialismo econômico.
Nestes países, o Estado se torna o grande colaborador do capital monopolista e o principal promotor da dependência econômica. Ele as­segura a exploração da mais-valia, produzida pelos trabalhadores, tanto ao capital nacional, como, mais ain­da, ao capital internacional, defen­dendo-os da luta da classe traba­lhadora.
É sabido que a dependência econômica leva à dependência política, além de levar também à dependência cultural e ideológica. Assim, o Es­tado brasileiro pós-64, ao impor de vez o "modelo de desenvolvimento associado", atrela também decidida­mente a política brasileira, interna e externa, à política dos países impe­rialistas.
O golpe de 1964, do ponto de vista político, teve justamente estes objetivos:
1º) restaurar a correspondência entre poder econômico e poder po­lítico, em parte separados nos últi­mos anos da democracia populista;
2°) afastar o perigo de que che­gasse ao poder ou a esquerda, ou grupos nacionalistas adeptos de uma política externa independente;
3°) reintegrar plenamente o Bra­sil no sistema capitalista mundial, com base na doutrina geopolítica da "Civilização Ocidental", e de acordo com a estratégia e a hegemonia dos Estados Unidos.
Depois da segunda guerra mun­dial, os Estados Unidos têm sido, dentre as potências imperialistas, a que mais tem estendido seu domínio mundial. Além da intensa exploração econômica e da dominação ideológi­ca e cultural avassaladora, os Esta­dos Unidos têm tido uma política altamente intervencionista, finan­ciando e envolvendo-se diretamente em golpes de Estado, invasões etc. Assim foi, por exemplo, no Brasil de 1964, na Bolívia, no Chile, e continua sendo hoje na Nicarágua, em El Salvador, Granada etc.
6. A LUTA POLÍTICA DOS TRABALHADORES
As lutas econômicas dos trabalha­dores logo mostraram que era neces­sário se organizar também politica­mente. As ações do Estado contra os sindicatos, as greves etc. ensina­ram à classe trabalhadora que não bastava a luta econômica, pois o Estado se colocava invariavelmente do lado dos patrões. Ou melhor, que o Estado é o Estado dos patrões. Ora, tal constatação exigia que a luta dos trabalhadores fosse não só pelas reivindicações imediatas, como também PELO FIM DO ESTADO CAPITALISTA.
Já no século passado a luta polí­tica dos trabalhadores se manifesta­va de várias formas.
Os anarquistas queriam acabar com o Estado burguês, porém, fun­damentalmente, a partir de lutas econômicas, na ação direta contra os patrões. Eles acreditavam que a grande arma para a derrubada do poder político da burguesia era a greve geral. Derrubado o Estado burguês, imediatamente se instalaria uma sociedade sem classes e, por­tanto, sem Estado.
Os socialistas, pelo contrário, achavam que para lutar contra o poder político da burguesia era ne­cessário que o proletariado se orga­nizasse também politicamente. As ideias de Marx vieram reforçar este ponto de vista. A Primeira Interna­cional, que ele dirigiu por vários anos, incentivava tanto as lutas eco­nômicas como as lutas políticas dos trabalhadores.
Marx, porém, não chegou a elabo­rar uma teoria sobre o partido polí­tico da classe trabalhadora. No en­tanto, entre o século passado e o atual, estes partidos foram surgindo nos vários países da Europa e tam­bém nos Estados Unidos, com diver­sos nomes. Eram basicamente de dois tipos: partidos de massa, aber­tos, com grande número de filiados, e regidos por ampla democracia in­terna; e partidos de quadros, que se restringiam a militantes altamente preparados, às vezes profissionais, e que se regiam pelo CENTRALISMO DEMOCRÁTICO.
Centralismo democrático é um método pelo qual na fase de dis­cussão de uma proposta, deve haver a mais ampla DEMOCRACIA para a defesa das mais diferentes teses; mas feita a votação, a posição majoritária deve ser assumida e de­fendida por todos, de forma única e centralizada.
Os vários partidos da classe tra­balhadora atuavam dentro da legali­dade, e até mesmo dentro da política institucional e parlamentar, quando havia condições para isto; e atuavam na clandestinidade, quando o Estado burguês os reprimia. Em condições de clandestinidade, os partidos de quadros tinham, evidentemente, me­lhores condições de sobrevivência e atuação.
Para os partidos socialistas, tra­ta-se de organizar a classe trabalha­dora para derrubar o Estado burguês e substituí-lo por um Estado pro­letário como FASE TRANSITÓRIA para se chegar a uma sociedade sem classes e sem Estado.
Alguns dos partidos nascidos da classe trabalhadora acabaram por fazer uma revisão desta linha (daí serem chamados de revisionistas), e adotaram uma política de evolução, e não de revolução. Isto é, se pro­puseram a conseguir melhorias para a classe trabalhadora, dentro da própria sociedade capitalista, adian­do o surgimento do socialismo para algum futuro distante. É o caso, em geral, dos partidos "socialistas", "sociais-democratas" e "trabalhistas" da Europa atual.
A luta tanto econômica como po­lítica da classe trabalhadora teve, desde o início, uma perspectiva in­ternacionalista. O apelo: "Trabalha­dores do mundo inteiro, uni-vos!" é de Marx em 1848. Depois da Revo­lução Russa de 1917 passou a haver uma divisão entre os que continua­ram enfatizando o caráter internacio­nal desta luta (principalmente os "trotskistas") e os que, como Stalin, defendiam a teoria do "socialismo em um só país".
Nos países dependentes, a luta dos partidos da classe trabalhadora tem adquirido também um caráter de luta anti-imperialista, fato fácil de entendermos, depois do que estuda­mos no capítulo anterior.

Indicações bibliográficas para este capitulo:
1 - MARX, Karl. Prefácio da Contribuição à critica da economia política, São Paulo, Editora Martins Fontes, 1972.
2 - LENIN, VIadimir I. O estado e a revolução. São Paulo, Hucitec, 1983.


V - CAPITALISMO E IDEOLOGIA
1. Esconder, justificar, universalizar e fragmentar
2. Os instrumentos da dominação ideológica
3. Os princípios liberais
4. A ideologia a serviço do imperialismo
5. A luta ideológica dos trabalhadores

Dissemos, no capítulo anterior, que a estrutura econômica da so­ciedade condiciona a superestrutura jurídico-política e também sua cons­ciência social, seu modo de pensar.
Nas sociedades primitivas, assim como não há Estado, também não há ideologia, porque ainda não existem classes sociais. Mas, nas so­ciedades divididas em classes, vai ser a ideologia da classe explorado­ra que vai predominar na consciên­cia social.
Ao explorar os trabalhadores, os proprietários criam também condi­ções para dominá-los, no campo da política e da ideologia. Assim, na sociedade burguesa, as ideias vão ser condicionadas pelas relações de produção e de propriedade burgue­sas.
Mas, afinal, o que é a ideologia? Para que serve a ideologia?
De início, a gente deve observar que, em qualquer sociedade, existe um conjunto de ideias pelas quais as pessoas entendem o mundo em que vivem. Mas por que esta vi­são de mundo é de um jeito, e não de outro? A quem interessa expli­car o mundo por certas ideias? Es­tes interesses aparecem claramente, ou são mascarados?

1. ESCONDER, JUSTIFICAR, UNIVERSALIZAR E FRAGMENTAR
Assim como acontece com o Es­tado, a ideologia também não se mostra como ela realmente é. Pelo contrário, as ideias características de uma sociedade de classes costu­mam se apresentar como NEUTRAS.
Quer dizer que elas não estariam favorecendo nenhuma classe social em particular, mas estariam acima das classes. Mais ainda: as ideias que constituem a visão de mundo de uma sociedade seriam realida­des que não têm nada a ver com a divisão da sociedade em classes sociais.
Até mesmo a existência de clas­ses sociais é, muitas vezes, negada pela burguesia. Como classe con­servadora, que luta pela permanên­cia de seu poder e privilégios, a burguesia procura difundir que so­mos todos cidadãos, com iguais di­reitos e deveres. Jogando uma cor­tina de fumaça em frente da real divisão da sociedade em classes, a burguesia tenta evitar que os ex­plorados tomem consciência desta realidade. Pois, sem consciência da exploração e dominação, os tra­balhadores não têm condições de se organizar para contestar a hegemo­nia burguesa. Enfim, a burguesia entende que "quem sabe mais, luta melhor!"
Assim, a ideologia dominante precisa ESCONDER como a sociedade, de fato, se orga­niza e funciona. Precisa esconder as verdadeiras causas da pobreza e das injustiças. E precisa esconder também a função classista da pró­pria ideologia: isto é, precisa "es­conder que está escondendo".
Mas além de tentar mascarar a realidade social e a si mesma, a ideologia dominante procura JUSTIFICAR o mundo em que vivemos. Para a classe dominante é preciso que to­dos, ou pelo menos a maioria, acei­tem a sociedade do jeito que ela é, sem nenhuma visão crítica.
As sociedades marcadas pelo do­mínio da burguesia seriam essen­cialmente boas e justas. Mais ain­da: seriam as únicas formas pos­síveis de os homens se organiza­rem para poder viver neste mundo.
Também, antes do capitalismo, as ideologias do escravismo e do feudalismo sempre tentaram justifi­car a ordem social.
Na época do escravismo, dizia-se que era a própria natureza e tam­bém o destino que fazia com que alguns nascessem para ser livres e outros para ser escravos. Então, como em um organismo, cada ór­gão deve exercer a sua própria fun­ção, sem rebeldias, assim também, na sociedade, cada qual deve se conformar com aquilo que a natu­reza e o destino lhe determinaram. "O bom para o escravo é ser es­cravo, e o bom para o senhor é ser senhor", é o que diziam.
Nas sociedades feudais, os no­bres, e principalmente o clero, di­fundiram, entre os servos, ideias se­melhantes. Mas, em vez de justifi­carem as diferenças só pela nature­za e pelo destino, diziam que o mundo era assim pela vontade de Deus. Então, os servos deveriam se conformar com os males desta vi­da e esperar a felicidade depois da morte, no céu.
Na sociedade atual, a burguesia, além de usar os argumentos ante­riores, também afirma que somos livres e iguais. Por isso, todos po­dem vencer na vida. Basta traba­lhar, estudar, ser esperto e ter um pouco de sorte.
É importante notar que a classe  dominante procura esconder e justi­ficar a realidade não só diante dos explorados, como também diante de si mesma. Deste modo, ela bus­ca tranquilizar sua consciência fren­te a tantas desgraças sociais que existem nas sociedades divididas em classes.
Vemos, por tudo isso, que a ideo­logia é um instrumento das classes dominantes para assegurar a conti­nuidade de seu domínio, pelo con­trole do modo de pensar do con­junto da sociedade. Ë, portanto, um instrumento usado em proveito de um grupo particular dentro da so­ciedade.
Mas o segredo da ideologia está em que, sendo um conjunto de ideias de acordo com os interesses de uma classe PARTICULAR, ela se apresenta como o modo de pensar. ÚNICO E UNIVERSAL.
Marx dizia que "as ideias domi­nantes de uma época sempre foram as ideias da classe dominante". As­sim, sem percebermos, existem mui­tas ideias que temos enfiadas na cabeça, como se fossem nossas, mas que, na realidade, são formas de pensar que foram sendo introduzi­das pelas classes dominantes, atra­vés dos mecanismos que elas con­trolam.
A ideologia burguesa tenta con­vencer toda a sociedade de que o único modo de organizar a produ­ção, de viver e de pensar é e sem­pre foi este, que é seu. E tenta fa­zer passar os seus interesses como se fossem os interesses de todos.
Para conseguir este objetivo, a ideologia burguesa coopera para que os trabalhadores tenham uma VISÃO FRAGMENTADA do mundo, isto é, não tenham uma visão de TOTALIDADE.
Esta visão fragmentada, que ajuda a exploração e a dominação da burguesia, se dá em vários níveis. Vejamos alguns exemplos.
Em nível de processo produtivo, interessa à burguesia que os traba­lhadores tenham uma visão frag­mentada deste processo, no que são ajudados pela divisão do trabalho dentro das empresas e mesmo en­tre as empresas. Uma visão de to­talidade sobre o processo de produ­ção das mercadorias acabaria por desmascarar, diante dos trabalhado­res, o mecanismo de exploração pelo qual os capitalistas extraem a mais-valia. O trabalhador percebe­ria assim que o salário não paga toda sua força de trabalho, mas apenas uma parte. Perceberia que é seu trabalho que produz, e não o capital. Além de tornar dispensável o trabalho intelectual da burguesia de coordenar o processo produtivo.
Uma visão não-fragmentada do processo de produção e circulação das mercadorias jogaria por terra o que se chama de FETICHISMO DA MERCADORIA, pois o valor desta seria entendido pelo seu fundamento: a força de trabalho que a cria. Assim, a mer­cadoria, especialmente a mercado­ria dinheiro, perderia sua aparên­cia de coisa independente, com vi­da própria e que submete os ho­mens à sua dominação, em vez de ser por eles submetida.
Em outro nível, é importante para a dominação capitalista que os trabalhadores não percebam as muitas relações que existem entre a organização econômica da socieda­de, o poder político, o mundo ideo­lógico e cultural etc. Quer dizer que a dominação burguesa é favorecida pela fragmentação que o tra­balhador faz, por exemplo, entre o que acontece na fábrica, o que acontece na política e os programas de televisão. Assim eles evitam que o povo pense e analise sobre o que realmente acontece na sociedade. Evita-se que os explorados possam dar sua opinião, com conhecimento da situação, sobre as decisões que os poderosos tomam, e que afetam toda a sociedade.
Um outro nível em que a visão de totalidade é mais difícil ainda para o trabalhador é o nível histó­rico. Interessa à burguesia que o trabalhador não saiba que antes do capitalismo houve outras socieda­des, pois poderia assim perceber que o capitalismo não é eterno: nasceu um dia, portanto também pode morrer e ser substituído por um outro tipo de sociedade. Inte­ressa à burguesia que o trabalha­dor não perceba como os fatos pas­sados estão influenciando o pre­sente. Para ela, é preciso, o mais possível, que o trabalhador não te­nha consciência histórica, mas ache que as coisas sempre foram e sem­pre serão do jeito que se apresen­tam hoje. Aliás, a própria burgue­sia se convence, na prática, de que "havia história, mas, agora, não há mais".
2. OS INSTRUMENTOS DA DOMINAÇÃO IDEOLÓGICA
Por quais meios a burguesia im­põe sua ideologia?
Ela impõe sua ideologia pelo CONTROLE de vários instrumentos que são de sua propriedade, ou que ela finan­cia, ou que são do Estado burguês, ou, pelo menos, que não dirigidos por pessoas fiéis a ela.
Entre os vários INSTRUMENTOS que a classe burguesa usa para ma­ipular a consciência social, destacamos:
- a escola, do maternal à Univer­sidade;
- os meios de comunicação de massa, como a televisão, o rádio, os jornais, as revistas, o cinema etc.;
- toda a propaganda comercial, incentivando o consumismo, e a propaganda estatal, como a que di­vulga as proezas das Forças Arma­das, as grandes obras do governo etc.;
- as religiões conservadoras, que levam as pessoas a pensar só no além, sofrendo no aquém;
- os esportes, quando são usados politicamente para distrair o povo de seus problemas;
- os provérbios populares, como "quem nasceu pra tostão, nunca chega a duzentos réis";
- a loteria etc.
Através destes e de outros meios, a classe burguesa luta ideologica­mente por seus interesses. Assim, difunde também para os trabalha­dores que as greves são obra de baderneiros; que foram eles que provocaram a crise econômica; que os brasileiros têm índole pacífica; e coisas do gênero.
Os instrumentos que citamos di­fundem também, geralmente em do­ses homeopáticas e de forma difu­sa, os valores fundamentais da burguesia, chamados também de princípios liberais: individualismo, competição, liberdade, propriedade, igualdade e democracia.
3. OS PRINCÍPIOS LIBERAIS
O INDIVIDUALISMO é o princípio liberal fundamental, que vai influenciar todos os outros. Assim, o homem é, por natureza, indivíduo (o que não se divide), portanto, naturalmente egoísta. Ele só se relaciona com outros seres humanos por conveniência, através de uma espécie de "contrato so­cial". É lógico, portanto, que cada um se preocupe, acima de tudo, em conseguir vantagens para si mesmo. Por isso apontam-se saídas indivi­dualistas para o problema de cada trabalhador, iludindo-o com a pos­sibilidade da ascensão social, de ganhar na loteria, ou então incen­tivando-o a se tornar um "puxa­-saco" dos patrões.
A COMPETIÇÃO decorre imediatamente do indivi­dualismo. Para vencer na vida é preciso competir (o que implica derrotar os outros e fazê-los de de­graus). E vencer na vida significa, acima de tudo, conseguir uma situa­ção econômica vantajosa. Mas, além da competição econômica direta, há também a competição entre o ho­mem e a mulher (machismo e femi­nismo); a competição racial, que acompanha o preconceito contra os negros etc.; a competição com o homem do campo, chamado de cai­pira.
A LIBERDADE que a burguesia difunde é, em pri­meiro lugar, a liberdade de empre­sa, a liberdade de dispor do seu capital particular, de acordo com seus interesses, aplicando-o no ra­mo que julga mais lucrativo, e ex­plorando a força de trabalho do proletário, que se vende "livremen­te". Essa liberdade de empresa é a liberdade fundamental, para a burguesia, sem a qual todas as ou­tras liberdades são impossíveis. Por isso, a burguesia diz que onde não existe a liberdade de empresa, co­mo nos países socialistas, simples­mente não há liberdade, e chama o seu mundo de Mundo Livre.
O outro princípio é o da PROPRIEDADE.
Mas, como nota Marx, não se trata da propriedade em geral, mas da propriedade burguesa, isto é, da propriedade do capital. Na realida­de, esta propriedade só pode exis­tir para a minoria dos burgueses, com a condição de que a maioria, que são os trabalhadores, não te­nham propriedade nenhuma, a não ser sua força de trabalho. Repare-se como, nas greves, o Estado vem em defesa da propriedade da bur­guesia, e se coloca contra a propriedade do trabalhador, que é sua força de trabalho.
A IGUALDADE que a burguesia defende é a igual­dade jurídica. Todos são iguais perante a lei. Já vimos, no capítulo anterior, como a igualdade jurídi­ca, sem a igualdade econômica, é puramente formal. Consta no papel, mas não existe na prática. Aliás, no dia-a-dia, o que se diz é outra coisa: que existem os de cima e os debaixo. E que é melhor se confor­mar, respeitando e obedecendo aos de cima, como os patrões, os che­fes, as autoridades etc.
A DEMOCRACIA é a representativa, e se resume, na maioria das vezes, em poder esco­lher entre os vários candidatos da burguesia, para representar o povo nas instâncias do governo e parla­mento.
4. A IDEOLOGIA A SERVIÇO DO IMPERIALISMO
A ideologia burguesa, com as características que vimos, está pre­sente em todos os países capitalis­tas do mundo.
No entanto, nos países depen­dentes, ela cumpre também a fun­ção de servir, não só à burguesia local, como também ao capital im­perialista. Assim a dependência econômica se prolonga não só na dependência política, como tam­bém na dependência ideológica e cultural.
Através do controle dos instru­mentos que vimos, especialmente dos meios de comunicação de mas­sa e da propaganda comercial, o imperialismo impõe à população dos países dependentes uma menta­lidade dependente. Impõe seus va­lores, seu modo de vida, seu con­sumismo. Cria artificialmente gos­tos musicais, modas etc. a ponto de provocar no povo, especialmente nos jovens, verdadeiro desprezo pelas manifestações da cultura na­cional.
No Brasil, depois da segunda guerra mundial, e acompanhando o aumento da dependência econô­mica e política, passa a predominar a influência ideológica e cultural dos Estados Unidos. Esta influên­cia aumenta muito mais depois do golpe militar de 1964, espalhando­-se por todas as partes do país.
5. A LUTA IDEOLÓGICA DOS TRABALHADORES
Embora "as ideias dominantes de uma época" sejam as ideias da classe dominante, sempre houve, por parte de grupos de trabalha­dores, MOVIMENTOS DE RESISTÊNCIA, no campo da ideologia e da cul­tura. Movimentos de resistência que se deram primeiro de forma espon­tânea, e depois respaldados em vi­sões teóricas mais elaboradas, co­mo de Marx, Engels, Bakunin e outros. Contra o individualismo e a competição dos burgueses, estes trabalhadores valorizavam a solidariedade e o companheirismo. E for­mulavam também de outro modo os princípios de igualdade, liberda­de e democracia.
Tanto no passado como no pre­sente, os movimentos de resistên­cia ideológica e cultural dos traba­lhadores foram sempre feitos com instrumentos modestos. O teatro, a música, danças, jornais, cinema e algumas experiências em escolas têm servido, a duras penas, como instrumentos com que os explora­dos resistem à dominação ideológi­ca da burguesia.
A tomada do poder pelos trabalhadores supõe um acúmulo de forças que não é só político, como também ideológico e cultural. Um passo importante neste sentido é dado quando os trabalhadores vão percebendo que a luta de cada um não é individual, mas que se trata de uma LUTA DE CLASSES.
Luta que envolve o proletariado, que é explorado, no seu conjunto, por outra classe, a burguesia.
Neste processo, o proletariado deixa de ser simplesmente uma CLASSE EM SI, e passa a ser também uma CLASSE PARA SI.
Isto é, os trabalhadores não formam uma classe só porque têm uma situação e interesses iguais (classe em si), como também porque têm a consciência desta situação e interesses, inclusive o de conseguir a hegemonia dentro da sociedade (classe para si).
O trabalhador é um REVOLTADO quando sente a injustiça da sociedade capitalista, mas não sabe o porquê desta situação, reagindo com atitudes individuais e emocionais. Pelo contrário, o trabalhador se torna um REVOLUCIONÁRIO quando adquire CONSCIÊNCIA DE CLASSE, entendendo as causas e mecanismos da exploração e dominação e unindo-se e organizando-se com os outros trabalhadores.
Esta consciência de classe se torna também anti-imperialista e internacionalista à medida que o trabalhador percebe que a luta de classes se dá agora em nível internacional.

Indicações bibliográficas para este capítulo:
1 - CUNHA, Luiz Antônio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio, Francisco Alves.
Obs.: ler o capítulo "Os princípios gerais do liberalismo".

VI - A PROPOSTA DO SOCIALISMO
1. A passagem para o socialismo
1.1. Condições objetivas
1.2. Condições subjetivas
2. A organização da economia no socialismo
2.1. As forças produtivas na economia socialista
2.2. As relações sociais de produção na economia socialista
2.2.1. Fim da contradição capital x trabalho: propriedade coletiva dos meios de produção
2.2.2. Fim da anarquia da produção: planificação econômica global
2.2.3. Remuneração individual. Auto-administração
2.2.3.1. Remuneração individual
2.2.3.2. Auto-administração
3. A organização política no socialismo
3.1. O Estado dos trabalhadores
3.2. A participação política dos trabalhadores. O internacionalismo proletário
4. A consciência socialista
5. O projeto de uma sociedade pós-socialista
5.1. A palavra comunismo
5.2. As relações econômicas no pós-socialismo
5.2.1. As forças produtivas no pós-socialismo
5.2.2. As relações sociais de produção no pós-socialismo
5.3. As relações políticas no pós-socialismo
5.4. A consciência social no pós-socialismo
6. As experiências socialistas
Vamos tratar aqui da PROPOSTA do socialismo, e não das várias ex­periências socialistas que já exis­tem pelo mundo. Pois, para isto, seria necessário analisar cada uma dessas experiências. No final do capítulo serão feitas algumas breves observações gerais sobre as expe­riências socialistas.
A proposta do socialismo de que se vai tratar aqui baseia-se, em grandes linhas, nas ideias de Karl Marx, embora ele nunca tenha apresentado uma proposta acabada e sistematizada de socialismo. Marx dizia que não era sua pretensão "dar receitas para as cozinhas do futuro".
1. A PASSAGEM PARA O SOCIALISMO
Antes da sociedade capitalista, existiram vários outros tipos de so­ciedades, como a primitiva, a escra­vista e a feudal. O capitalismo en­tão é um fato histórico que, como qualquer outro, apareceu, se desen­volve e deverá desaparecer. A bur­guesia evidentemente não quer que isto aconteça, e nega então, por to­dos os meios, a possibilidade de a sociedade capitalista ser substituída por outro tipo de sociedade. Como vimos, ela se convenceu, na prática, de que "havia história, mas agora não há mais".
No entanto, a substituição do capitalismo pelo socialismo depen­de tanto de condições objetivas co­mo de condições subjetivas.
1.1. CONDIÇÕES OBJETIVAS
As condições objetivas da passagem para o socialismo são aquelas que não dependem da vontade dos que assumem este projeto: são, pelo contrário, as condições internas que existem dentro do próprio capitalismo.
Lembrando o que se disse no item sobre "estrutura e superestrutura da sociedade (capítulo IV), deve-se distinguir, na economia, dois tipos de relações diferentes, embora entrelaçados:
1) A relação que os seres humanos estabelecem COM A NATUREZA, a fim de colocá-la sob seu controle, e a seu serviço, através do trabalho e da técnica. Do conjunto destas relações resultam as FORÇAS PRODUTIVAS.
2) As relações que os seres humanos estabelecem ENTRE SI, em função daquele controle da natureza. Quer dizer que, para tirar os bens materiais da natureza, os homens se organizam na sociedade de um certo modo, como nas sociedades primitivas, ou nas escravistas, ou nas feudais, ou nas capitalistas ou nas socialistas. A estas relações chamamos de RELAÇÕES SOCIAIS DE PRODUÇÃO.
Ora, Marx, afirma que:
ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade se chocam com as relações de produção existentes, ou, o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais se desenvolveram até ali. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se convertem em obstáculo a elas. E se abre, assim, uma época de revolução social.
As crises sucessivas e cada vez mais profundas da economia capitalista mostram como este sistema, que antes proporcionou um grande desenvolvimento econômico, agora atrapalha este desenvolvimento. A livre empresa e a divisão da sociedade entre proprietários do capital, de um lado, e proprietários de força de trabalho, do outro, impedem que o homem desenvolva suas possibilidades de maior controle da natureza, e até mesmo dificulta, para muitos, a simples sobrevivência. Isto é, as relações capitalistas de produção atrapalham, freiam o livre desenvolvimento das forças produtivas.
Este choque das relações sociais de produção com as forças produ­tivas se manifesta de vários modos. Vamos citar alguns:
1º) As crises cíclicas de super­produção que destroem muitas for­ças produtivas já criadas e impe­dem o surgimento de novas.
2º) O impedimento de se usar, em grande escala, a tecnologia mais avançada, como é o caso da auto­mação ou robotização, já que isto provocaria grandes problemas, co­mo desemprego em massa, tensões sociais, além da redução do mer­cado consumidor.
3º) O exagerado crescimento do setor financeiro (improdutivo) so­bre os setores produtivos da econo­mia.
4º) As manifestações da luta de classes, como greves, operação tar­taruga etc., que diminuem a pro­dução.
Vamos nos deter um pouco no último ponto.
Lembramos que a burguesia só pode existir e se desenvolver com a existência e desenvolvimento do proletariado, que movimenta o ca­pital dela e lhe proporciona lucros. No entanto, ao mesmo tempo em que o proletariado surge e se de­senvolve, também aparecem as con­tradições entre estas duas classes e, consequentemente, a luta de classes. Como diz Marx, "a burguesia produz seus próprios coveiros.
O desenvolvimento industrial não só aumenta o número dos proletá­rios, mas também os concentra em grandes massas, o que contribui para que sua força cresça e eles adquiram maior consciência desta força". A concentração do proleta­riado facilita também sua organiza­ção e suas mobilizações, como gre­ves etc. O proletariado pode assim se tornar revolucionário e "estabe­lecer sua dominação pela derruba­da violenta da burguesia".

1.2. CONDIÇÕES SUBJETIVAS
As condições subjetivas da pas­sagem para o socialismo são aque­las que dependem da vontade de organização da ação revolucionária dos que assumem este projeto.
Quem pode fazer isto, em pri­meiro lugar, é o proletariado, tan­to urbano como rural (neste caso estão os boias-frias e os assalaria­dos rurais permanentes), por causa de suas próprias condições objeti­vas, conforme vimos. Assim, cabe ao proletariado dirigir o processo de transformação da sociedade. Claro que isto só acontece de fato quando o proletariado adquire cons­ciência de seus interesses (não só imediatos, como também históricos) e assume a luta por estes interes­ses. Isto é, quando o proletariado não é só uma "classe em si", mas se toma também uma "classe pa­ra si".
Outros setores da sociedade, que não exploram o trabalho alheio, isto é, outras frações da classe tra­balhadora, podem se aliar ao pro­letariado para a transformação re­volucionária da sociedade. Porque suas condições objetivas não os im­pedem disto, sendo a revolução so­cialista também do seu interesse. Entre estes possíveis aliados do proletariado destacamos, no campo, os pequenos proprietários, os pos­seiros, os meeiros e outros parcei­ros. E, na cidade, os artesãos (au­tônomos), os profissionais liberais, os estudantes e intelectuais. Quan­to a estes últimos é a "compreen­são teórica do movimento histórico" que os leva a ligar-se ao proleta­riado,
A vontade organizada e a ação revolucionária do proletariado e seus aliados para a transformação da sociedade se concretizam através de um partido, ou uma frente de partidos. A este(s) partido(s) cabe a tarefa, nesta etapa, de traçar a estratégia do processo revolucioná­rio para a tomada do poder.
Às vezes, tem-se supervalorizado as condições objetivas, em detri­mento das condições subjetivas. Parte-se da ideia de que "o socia­lismo virá inevitavelmente", como resultado das contradições do capi­talismo. Então, tudo o que se pode fazer é apressá-lo um pouco. Trata-se de um desvio determinista, que tende ao acomodamento.
Por outro lado, existem os que têm supervalorizado as condições subjetivas, em detrimento das con­dições objetivas. Aqui, parte-se da ideia de que "querer é poder", não se analisando com o necessário cui­dado a situação econômica daquele momento, a correlação de forças entre as classes etc. Trata-se de um desvio voluntário, que tende ao vanguardismo e à ação impensada.
A revolução socialista só pode acontecer se existirem, ao mesmo tempo, condições objetivas e subje­tivas. Uma sem a outra é insufi­ciente. E é necessária a acumula­ção destas condições, até se chegar ao momento da ruptura, isto é, acumulação das contradições da so­ciedade capitalista (crise econômi­ca, social, política) e acumulação de forças do proletariado e seus aliados em todos os níveis.
2. A ORGANIZAÇÃO DA ECONOMIA NO SOCIALISMO
21. AS FORÇAS PRODUTIVAS NA ECONOMIA SOCIALISTA
A economia socialista, ao mudar as relações sociais de produção, como veremos no próximo item, também LIBERA AS FORÇAS PRODUTIVAS. Na organização socialista da socie­dade não há crises cíclicas de su­perprodução (poderá haver, em cer­tos casos, crises de subprodução, motivadas por calamidades naturais ou erros políticos). A tecnologia mais avançada pode ser usada em grande escala, não provocando de­semprego, nem prejudicando o tra­balhador em nada. Pelo contrário, o avanço da tecnologia só vem be­neficiar o trabalhador, livrando-o do excesso de trabalho, dos traba­lhos mais penosos etc.
As manifestações da luta de clas­ses, que provocam a diminuição da produção, como é o caso das gre­ves, deixam de existir (não tem sentido os trabalhadores fazerem greve contra eles mesmos). Aconte­cendo tal fato, em alguma experiên­cia concreta, temos de questionar o caráter de fato socialista daquela sociedade. Da mesma forma, em uma economia planificada não po­derá haver o fenômeno da hiper­trofia (crescimento exagerado) do setor financeiro sobre os setores produtivos da economia.
Então, sem aqueles entraves das relações capitalistas de produção, as forças produtivas, na sociedade so­cialista, terão assim, um DESENVOLVIMENTO ACELERADO.
Esta dedução da teoria marxista é comprovada, no geral, pelas expe­riências socialistas concretas, já que, em média, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) tem sido significativamente maior nos países em que se realizaram expe­riências socialistas do que nos paí­ses capitalistas.
2.2. AS RELAÇÕES SOCIAIS DE PRODUÇÃO NA ECONOMIA SOCIALISTA
O fim do capitalismo e sua subs­tituição pelo socialismo vão ter as seguintes consequências, nas rela­ções sociais de produção:
- fim da separação entre proprietários dos meios de produção e proprietários da força de trabalho;
- propriedade coletiva dos meios de produção;
- planificação econômica global;
- a aplicação da regra: "De cada um segundo sua capacidade e a ca­da um segundo o seu trabalho";
- na remuneração individual;
- auto-administração.
2.2.1. Fim da contradição capital x trabalho: propriedade coletiva dos meios de produção
Dissemos, no capítulo IV, que nas sociedades primitivas não existe divisão de pessoas em classes sociais. Isto é, não existe a separação entre proprietários e trabalhadores. Todos trabalham e todos possuem as florestas, rios, terras e também os instrumentos de trabalho. Com o surgimento do excedente de produção, aparece a possibilidade de umas pessoas explorarem outras, pela apropriação deste excedente. A partir de então, as sociedades perdem sua unidade, e se estabelece, dentro delas, uma rachadura, uma separação entre proprietários exploradores e trabalhadores explorados. Este "racha" interno, que se estabelece nas so¬ciedades escravistas, continua sob outras formas, nas sociedades feudais e capitalistas.
O socialismo propõe então o RESTABELECIMENTO DA UNIDADE perdida no interior das sociedades. Isto é, o socialismo propõe o fim da separação entre proprietários e trabalhadores. Como o socialismo é, e só pode ser, uma proposta de superação do capitalismo, O SOCIALISMO PROPÕE O FIM DA SEPARAÇÃO ENTRE CAPITAL E TRABALHO.
Termina então a extração da mais-valia, isto é, a exploração, e, às vezes, a superexploração que a burguesia faz sobre o proletariado. Com o fim do lucro e acumulação da burguesia, coloca-se um ponto final à exploração. A proposta do socialismo é justamente de uma SOCIEDADE SEM EXPLORADORES NEM EXPLORADOS.
Os antigos burgueses terão de renunciar à sua forma parasitária de vida, e terão de trabalhar, como compete a todos seres humanos. Pois está claro que, se alguém não trabalha para viver, outros estão trabalhando por ele, isto é, existe exploração. No socialismo, todos trabalham. Ou, como diz o provérbio popular, "quem não trabalha, não come". Só estão isentos do trabalho as crianças, os idosos e os doentes incapacitados para o trabalho. Assim, a burguesia irá desapa¬recendo como classe social.
No capitalismo, o passado domina o presente, já que o capital, co¬mo trabalho passado, domina o trabalho vivo do presente. No socialismo, pelo contrário, é o presente que domina o passado. O socialismo é o reconhecimento de que só a força de trabalho humana é que produz, portanto só ela tem direitos. Ou seja, o capital não tem direitos.
Mas o trabalho na sociedade socialista, deixando de ser um meio de exploração e perdendo seu caráter alienado (que pertence ou está sob o domínio do outro, o burguês), perde também seu lado pe¬noso e aborrecido. O trabalho passa a ser uma atividade que proporciona realização e satisfação ao ser humano.
Acaba-se então a divisão entre proprietários dos meios de produção e proprietários da força de trabalho, já que, no socialismo, os que trabalham são também, coletivamente, os proprietários dos meios de produção.
A proposta socialista de PROPRIEDADE COLETIVA DOS MEIOS DE PRODUÇÃO significa, concretamente, o fim da propriedade privada das fábricas, das fazendas, dos bancos e do grande comércio. Trata-se, portanto, de destruir o capital e socializar o trabalho. O capital, na realidade, é um produto coletivo, pois resulta do trabalho combinado de inúmeros homens, mas sua apropriação é privada, servindo para o processo de exploração. Destruir o capital significa que os meios de produção perdem seu caráter de capital, isto é, de instrumento da exploração. Com a propriedade coletiva do capital simplesmente se restitui à coletividade aquilo que é resultado do trabalho desta coletividade.
Não é proposta do socialismo acabar com a propriedade privada dos bens de consumo como, por exemplo, a casa onde a gente mora, nossos aparelhos eletrodomésticos, roupas etc. Estas falsas ideias são divulgadas pela burguesia para fazer com que os próprios trabalhadores, e também as "camadas médias" da sociedade, tenham medo do socialismo. Na realidade, tanto os trabalhadores, como as camadas médias, não têm nada a perder e, pelo contrário, só têm a ganhar, com a transformação socialista da sociedade.
Trata-se, portanto, de destruir não a propriedade em geral, mas a propriedade burguesa, do mesmo modo que, em outras épocas, a burguesia destruiu a propriedade feudal, por meio de revoluções.
Ora, na sociedade burguesa, a propriedade privada dos meios de produção já está destruída para a esmagadora maioria da população. Então, a defesa da propriedade privada dos meios de produção significa concretamente a defesa desta propriedade, para a minoria cada vez mais ínfima dos burgueses que a possuem. Aliás, esta minoria só tem esta propriedade justamente porque a maioria não a tem. Nos países subdesenvolvidos e dependentes, como é o caso do Brasil, a grande maioria, além de não ter acesso à propriedade dos meios de produção, cada vez mais não tem acesso sequer aos bens de consumo básicos, necessários à reprodução da vida.
Como vimos no capítulo 1, no capitalismo o excedente de produção e, às vezes, até uma parte do "trabalho necessário", embora produzido coletivamente, é apropriado pela burguesia. No socialismo, co¬mo consequência da coletivização dos meios de produção, o excedente, e, de modo geral, AS RIQUEZAS PRODUZIDAS SÃO COLETIVIZADOS, revertendo assim para o conjunto dos trabalhadores que o produziram e de suas famílias.
Diferentemente também das sociedades primitivas, em que só é possível socializar a escassez de uma economia de subsistência, no socialismo, trata-se de socializar também o excedente. Com o avanço atual das possibilidades das forças produtivas, isto significa a possibilidade de SOCIALIZAR A ABUNDÂNCIA, depois de algum tempo da implantação do socialismo.
Deve-se notar que a socialização das riquezas não se dá só na forma direta de remuneração pelo traba¬lho realizado (remuneração individual), mas também como melhorias sociais para todos os trabalhadores e suas famílias. Assim, uma parte dos valores produzidos fica de forma direta e individual com os trabalhadores. Mas outra parte serve para melhorar coletivamente o atendimento das necessidades básicas que são oferecidas, algumas por baixo preço (subsídios), outras gra¬tuitamente: alimentação, vestuário, casa, transporte, educação, saúde e lazer. Outra parte ainda serve para a continuidade e aperfeiçoamento do próprio processo produtivo, isto é, reposição de "capital constante", novos investimentos etc., além de um fundo de reserva para situações imprevisíveis, como é o caso de calamidades naturais, ou guerras.
A socialização dos meios de produção e do excedente é feita principalmente através do Estado socialista. Sobre o Estado socialista trataremos adiante.
É ainda importante observar que o socialismo propõe, junto com a superação da contradição "capital x trabalho", também a superação de OUTRAS CONDIÇÕES que se ligam a esta, mas que têm sua especificidade. É o caso das contradições cidade-campo, trabalho intelectual-trabalho manual, homem-mulher etc. Estas divisões, que implicam a superioridade valorativa da cidade sobre o campo, do trabalho intelectual sobre o trabalho manual, do homem sobre a mulher, ligam-se, pelo menos em parte, à divisão da sociedade em classes, devendo ser combatidas na sociedade socialista, tendo em vista a sua superação.
2.2.2. Fim da anarquia da produção: planificação econômica global
Como vimos no capítulo II, a economia capitalista é anárquica, baseada nos tais efeitos miraculosos da concorrência, e em outros feti­ches das tais leis naturais. As deci­sões em relação ao que produzir, quanto produzir, como produzir etc., são tomadas por cada capita­lista. Assim, existe um planejamen­to da produção parcializado em cada "livre empresa", mas não um planejamento global, no conjunto da sociedade. Sabemos que isto le­va às crises cíclicas de superpro­dução.
A proposta socialista nega este modo de organizar a produção, e propõe o planejamento econômico global.
Na sociedade capitalista, cada empresário pergunta: "Quanto vou lucrar com essas mercadorias?" Para ele, interessa, na mercadoria, apenas seu valor de troca. Na so­ciedade socialista, em vez, o Esta­do socialista pergunta: "De quais e quantos produtos a população está precisando?" Aqui interessa, sobre­tudo, o valor de uso dos produtos.
Quer dizer que, no capitalismo, a economia tem a finalidade de conseguir lucros, para acumular; enquanto NO SOCIALISMO A ECONOMIA TEM O OBJETIVO DE SATISFAZER AS NECESSIDADES DE TODOS.
Enfim, no capitalismo, o homem está em função da economia, e é dominado por ela, como mostram as crises cíclicas de superprodu­ção, enquanto no socialismo, é a economia que está em função do homem, que é quem a domina.
No capítulo II nos referimos às comunidades primitivas, em que o conjunto da aldeia decidia anteci­padamente sobre as questões da produção.
Na sociedade socialista ocorre um processo semelhante, embora muito mais complexo: a PLANIFICAÇÃO ECONÔMICA GLOBAL.
As decisões a respeito da produção (produzir o quê, quanto, como, on­de, quando etc.) são decisões sociais, concretizadas através do Es­tado socialista.
Assim, os órgãos econômicos e estatísticos do Estado socialista se empenham em RECOLHER DADOS SOBRE QUAIS SÃO AS NECESSIDADES do conjunto da população. De pos­se destes dados, é feito um PLANO ECONÔMICO para a produção, por determinado tempo, de acordo com as possibili­dades das forças produtivas, na­quele momento. Em cada plano, são estabelecidas algumas PRIORIDADES.
Deste modo, a atividade econômi­ca deve atender primeiro às neces­sidades básicas da população, para só depois se voltar para a produ­ção do que é apenas conveniente, ou mesmo supérfluo. Evidentemen­te, os órgãos econômicos estatais planejam não apenas a produção, como também a continuidade e aperfeiçoamento do processo produ­tivo e a formação de fundos de reserva, como dissemos no item anterior.
As principais CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS desta economia planificada são: a eliminação das crises cíclicas de superprodução, o acelerado desen­volvimento das forças produtivas e a elevação do padrão de vida do conjunto da população.
Sobre este último ponto, deve-se dizer que o socialismo elimina ra­pidamente a miséria, isto é, os as­pectos mais desumanos que ele herda da sociedade capitalista: a miséria, a fome, o desemprego, as favelas e cortiços, a prostituição, o elevado índice de criminalidade, o analfabetismo, a situação das crian­ças e velhos abandonados, o de­samparo na doença etc. Aos poucos, melhoram também para o conjunto da população o nível de atendimen­to das necessidades básicas: alimen­tação, vestuário, moradia, saúde, educação, transporte e lazer (repa­re-se que lazer também é conside­rado como necessidade básica). Também melhoram as condições de trabalho: jornada menor (assim que for possível), segurança, salubrida­de, férias etc.
2.2.3. Remuneração individual. Auto-administração
2.2.3.1. Remuneração individual
Na sociedade socialista, não exis­tem salários.
Como já vimos, o salário é o pa­gamento de uma parte apenas da força de trabalho gasta pelo prole­tário. Há uma outra parte que é o trabalho não pago, ou mais-valia, que é embolsada pela burguesia. Ora, estas relações sociais de pro­dução são próprias do capitalismo. Na proposta do socialismo, não há a apropriação por outra classe da mais-valia produzida pela classe trabalhadora. Por isso, a remunera­ção que cada trabalhador recebe por seu trabalho é de natureza di­ferente do salário.
Porém, como diz Marx, não se trata de "retirar de ninguém o po­der de apropriar-se de sua parte dos produtos sociais, mas apenas suprimir o poder de escravizar o trabalho dos outros, por meio des­sa apropriação".
Então, no socialismo, todo fruto do trabalho reverte, de forma indi­vidual ou coletiva, em proveito dos trabalhadores e suas famílias. Já nos referimos a algumas des­tas formas coletivas.
No que se refere à remuneração individual, prevalece, na sociedade socialista, a seguinte regra:
DE CADA UM SEGUNDO SUA CAPACIDADE, E A CADA UM SEGUNDO O SEU TRABALHO.
Desdobremos esta regra nas suas partes.
Primeiro, a organização socialis­ta da sociedade exige que todos trabalhem. Exclui-se assim o para­sitismo social. Esta exigência, no entanto, está condicionada à capa­cidade, ou seja, às condições de cada um. Assim, crianças, idosos, deficientes, doentes etc., não preci­sam trabalhar para viver, sendo sustentados pela sociedade. Para to dos os demais, a sociedade deve procurar, o mais possível, que cada qual trabalhe naquelas atividades para as quais tem mais aptidão e gosto.
Segundo, a organização socialista da sociedade retribui a cada um de acordo com a qualidade de sua for­ça de trabalho, isto é, de acordo com a qualificação profissional, ex­periência e empenho de trabalho. Existem, portanto, diferenças de remuneração individual baseadas nestes critérios. Estas diferenças, no entanto, devem ser limitadas, através de faixas de remuneração. Assim, a remuneração mais alta não pode ultrapassar "x" vezes, por exemplo, 3 vezes, a remuneração mais baixa.
Referimo-nos várias vezes, e vol­taremos também adiante, ao papel do Estado socialista na organização econômica da sociedade. Se, no entanto, cabe aos órgãos especializa­dos do Estado socialista encami­nhar as grandes linhas da planifi­cação econômica, nas unidades in­dustriais, agrícolas, comerciais etc., a proposta socialista inclui a AUTO-ADMINISTRAÇÃO.
2.2.3.2. Auto-administração
Trata-se da auto-administração in­terna dos trabalhadores em cada empresa (ou em um grupo de em­presas), em função das decisões que afetam a todos seus participantes. Assim, as inúmeras questões relati­vas à produção, às relações entre os trabalhadores etc. são discuti­das e encaminhadas pelos próprios trabalhadores. Isto pode ser feito pela participação direta do conjun­to de trabalhadores em assembleias, ou através de representantes que se organizam em comissões. A auto--administração pressupõe um efeti­vo exercício de democracia interna e autonomia em relação ao Estado, partidos, ou qualquer outra instância externa. Os sindicatos também poderiam participar no processo de auto-administração, além de se preo­cupar, em nível mais geral, com as relações de trabalho; de contribuir para a construção do socialismo; e até de contribuir para que o Esta­do socialista não se burocratize.
3. A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NO SOCIALISMO
Do mesmo modo que nas outras sociedades que vieram antes do socialismo, também nele a superestrutura jurídico-política e a consciência social estão em correspondência com a estrutura econômica.
3.1. O ESTADO DOS TRABALHADORES
Na proposta da sociedade socia­lista, o Estado está nas mãos dos trabalhadores, ou É O ESTADO DOS TRABALHADORES.
Estes, de classe dominada, passam a ser classe dominante.
O domínio político do proletaria­do é um direito e uma necessidade.
Se repararmos bem, a principal atividade do Estado liga-se à admi­nistração das riquezas. Ora, são os trabalhadores que produzem estas riquezas. Então, quem produz as riquezas deve ter também o DIREITO de administrá-las, isto é, de contro­lar o Estado. Outro aspecto deste direito é que os trabalhadores são a esmagadora maioria da sociedade. Sendo assim, a hegemonia política da classe trabalhadora é, na reali­dade, exercício de democracia, já que prevalece a vontade da maio­ria. Deve-se ainda reparar que, ao contrário do projeto burguês, o do­mínio político do proletariado é apenas uma etapa transitória, para se atingir uma outra sociedade, sem domínio algum.
Marx diz que "todos os movi­mentos históricos têm sido, até ho­je, movimentos de minorias ou em proveito de minorias. O movimento proletário é o movimento espontâ­neo da imensa maioria em proveito da imensa maioria".
Mas o Estado dos trabalhadores é também uma NECESSIDADE para garantir a continuidade da to­mada do poder pelos trabalhadores. É preciso inicialmente tornar a bur­guesia uma classe dominada. Isto porque a burguesia, que perdeu o poder, tenta por todos os modos se reorganizar, para recuperá-lo, e vol­tar a impor sua dominação. É im­portante aqui distinguir entre estar no governo e controlar o Estado, como distinguimos no capítulo IV.
A consolidação de uma revolu­ção socialista pressupõe a DESTRUIÇÃO DO ESTADO BURGUÊS E SUA SUBSTITUIÇÃO POR UM ESTADO PROLETÁRIO.
Nele, o governo, as leis, a adminis­tração, as forças armadas etc, são recriados, de acordo com os inte­resses da classe trabalhadora. As­sim, os trabalhadores passam a di­rigir, de fato, o conjunto da socie­dade.
Marx chamava o Estado so­cialista de DITADURA DO PROLETARIADO.
Mas esta expressão deve ser enten­dida dentro do contexto da análise marxista. Para Marx, todas as so­ciedades divididas em classes são, politicamente, ditaduras de classe. Isto porque a classe dominante, pelo convencimento e/ou coerção, faz prevalecer seus interesses sobre o conjunto da sociedade. Deste mo­do, as mais liberais democracias burguesas não passam de ditaduras da burguesia disfarçadas, que ape­lam para a força sempre que per­cebem o risco de perder o controle da sociedade. Também o Estado so­cialista terá de pôr em prática a teoria da raposa e do leão (capítu­lo IV).
É evidente que, como em qual­quer outro Estado, também no so­cialismo, a classe dominante, isto é, o proletariado, deve ter o mo­nopólio da força militar, para ga­rantir a sua hegemonia. Porém, de modo diferente do que ocorre nos outros Estados, o poder militar não se fundamenta numa estrutura hie­rárquica autoritária, nem na obe­diência cega. Pelo contrário, os que têm armas nas mãos devem ter também consciência política e or­ganização democrática. Enfim, as "forças armadas" tradicionais são substituídas pelas MILÍCIAS POPULARES, que devem ser autônomas em re­lação às forças armadas profissio­nais que ainda restarem, e a todas outras instâncias do Estado.
O Estado socialista, ao contrário dos Estados que o precederam, não vem para ficar indefinidamente. Ele é apenas uma ETAPA TRANSITÓRIA para se chegar a uma sociedade sem classes e, portanto, sem Estado. Por isso, na organização da socie­dade socialista, o Estado tende a enfraquecer, até desaparecer intei­ramente.
No item 2 deste capítulo fizemos referência ao papel do Estado so­cialista no processo de socialização dos meios de produção e na plani­ficação global da economia. Há os que dizem que, na proposta soda-lista, o Estado acaba assumindo o papel do grande patrão dos traba­lhadores. No entanto, tal afirma­ção perde qualquer sentido se lem­brarmos que O ESTADO SOCIALISTA É O ESTADO DOS TRABALHADORES QUE SE ORGANIZARAM POLITICAMENTE.
Marx resume assim a atuação do Estado socialista no campo da or­ganização econômica:
O proletariado utilizará sua supremacia política para arrancar pouco a pouco todo capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do prole­tariado organizado em classe do­minante e para aumentar, o mais rapidamente possível, o total das forças produtivas.
Deve-se observar ainda que a hegemonia do proletariado não ex­clui o PLURALISMO POLÍTICO, desde que os vários partidos, gru­pos e tendências políticas sejam so­cialistas, de fato. O que o Estado socialista não pode admitir é a con­testação da organização econômica e política da sociedade socialista (isto é, a hegemonia do proletaria­do) pela classe burguesa, que foi dominada. Na sociedade socialista não há liberdade para os partidos burgueses, porque não pode haver liberdade para os que têm um pro­jeto de sociedade baseado na explo­ração e dominação da classe pro­dutora e majoritária, a classe tra­balhadora. Para esta, porém, deve haver a mais ampla liberdade de expressão e organização.
3.2. A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS TRABALHADORES. O INTERNACIONALISMO PROLETÁRIO
Na sociedade socialista, a PARTICIPAÇÃO POLÍTICA dos trabalhadores é essencial e de­ve dar-se em todos os níveis. Seja participando no exercício direto do poder, seja participando por meio de representantes democraticamente eleitos. Tanto a forma de partici­pação direta (assembleias, gru­pos. . .) como a forma de partici­pação por meio de representantes (comissões, diretorias. . .) estão pre­sentes nos organismos de auto-admi­nistração da empresa, nos sindica­tos, nos comitês de bairro, no(s) partido(s) da classe trabalhadora, nos vários organismos do Estado socialista, nos grupos culturais etc.
Então, no que diz respeito ao exercício do poder político estatal, os trabalhadores participam por meio de representantes eleitos para os organismos do Estado, e tam­bém, diretamente, através de orga­nismos de poder popular.
Mas a participação política da classe trabalhadora tem também uma dimensão internacional, já que sua situação e sua luta são seme­lhantes em todas as partes do mundo. Marx diz que
Os operários não têm pátria. Não se pode tirar deles aquilo que eles não possuem. Como, po­rém, o proletariado tem por objetivo conquistar o poder polí­tico e erigir-se em classe dirigen­te da nação, torna-se ele mesmo a nação, ele é, nessa medida, na­cional, embora de nenhum modo no sentido burguês da palavra... Suprimi a exploração do homem pelo homem e tereis suprimido a exploração de uma nação por outra.
As sociedades e Estados que já atingiram o socialismo devem ma­nifestar seu INTERNACIONALISMO PROLETÁRIO com atos concretos de solidarieda­de aos trabalhadores que ainda lu­tam contra a exploração e domina­ção capitalistas em seus países, e contra o imperialismo e a depen­dência econômica, política, ideoló­gica e cultural.
4. A CONSCIÊNCIA SOCIALISTA
Na sociedade socialista, continua a luta contra a ideologia capitalis­ta. Esta vigorou durante séculos e se encontra arraigada na consciên­cia das pessoas. A ideologia socia­lista se empenha então em comba­ter os valores burgueses: individua­lismo, competição, ambição, domi­nação, chauvinismo (nacionalismo exagerado), bairrismo etc.
Assim como no nível da organi­zação econômica e política, tam­bém no campo da ideologia, o so­cialismo enfrenta duas tarefas in­dissociáveis: a DESTRUIÇÃO DO VELHO E A CONSTRUÇÃO DO NOVO.
Trata-se aqui de substituir aqueles velhos valores da sociedade bur­guesa, pelos NOVOS VALORES da sociedade socialista: solidarieda­de, companheirismo, participação, consciência de classe trabalhadora, internacionalismo, liberdade real, igualdade em todos os níveis, in­clusive entre as raças, entre a mu­lher e o homem, entre o povo do campo e da cidade, entre o traba­lhador manual e o intelectual etc.
As ideias que constituem a visão de mundo e os valores do socialis­mo ainda são as ideias que corres­pondem aos interesses da classe do­minante, que agora é o proletariado. Como IDEOLOGIA DOMINANTE, ela se origina de um grupo par­ticular, embora majoritário, que procura universalizar estas ideias pelo conjunto da sociedade. Mas esta ideologia, enquanto dominan­te, corresponde apenas a uma fase TRANSITÓRIA, enquanto subsistem as classes so­ciais. Assim como o Estado proletá­rio é transitório, também é transi­tória a ideologia socialista, que de­saparece, enquanto ideologia domi­nante, ao se atingir uma sociedade pós-socialista.
Para a divulgação dos novos va­lores da sociedade socialista usam­-se inúmeros instrumentos: a escola, os meios de comunicação de massa, a propaganda, a arte, o esporte etc.
Mas a consciência socialista, além de se formar com novos valores, necessita também superar a frag­mentação que herdou da antiga so­ciedade burguesa, buscando uma VISÃO DE TOTALIDADE.
Visão de totalidade no processo econômico de produção e distribui­ção, superando o fetichismo das mercadorias (especialmente do di­nheiro), e outras alienações. Visão de totalidade pelo entendimento da articulação entre o presente e o pas­sado; entre a economia, a política e a ideologia; entre o nacional e o internacional; entre o manual e o intelectual; entre o campo e a ci­dade etc.
A organização socialista da so­ciedade abre um grande espaço para as MANIFESTAÇÕES CULTURAIS.
Todos passam a ter acesso à cultu­ra universal, que deixa de ser pri­vilégio de uma minoria, como no capitalismo. Por outro lado, a cul­tura nacional e popular é valoriza­da e incentivada. Pelo contrário, a cultura imperialista, imposta ao po­vo pelos antigos dominadores dos meios de comunicação, terá de desaparecer.
De modo semelhante ao campo da política, a sociedade socialista deve comportar amplo PLURALISMO IDEOLÓGICO E CULTURAL, dentro dos limites da organização socialista da sociedade. Assim, ex­cluindo-se a visão burguesa (pelos mesmos motivos vistos no item an­terior), todos, inclusive as minorias, terão a mais ampla liberdade de manifestar suas ideias e praticar suas filosofias, ciências, religiões, artes etc.
5. O PROJETO DE UMA SOCIEDADE PÓS-SOCIALISTA
Dissemos que o socialismo é uma sociedade transitória. De fato, tra­ta-se de uma fase intermediária entre o capitalismo e uma sociedade sem classes e sem Estado. O socialismo é então apenas um meio para se chegar a esta nova sociedade, atra­vés de um processo gradual, já que não seria possível passar diretamente do capitalismo até ela. Marx chamava a esta sociedade pós-socialista de "comunismo". Mas o uso corrente desta palavra trouxe alguns problemas de deturpação do seu significado.
5.1. A PALAVRA “COMUNISMO”
Em primeiro lugar, a burguesia emprestou a este termo significados absolutamente alheios a ele, com o claro objetivo de torná-lo assustador. Utilizou-o, assim, como instrumento de luta ideológica contra os traba­lhadores, a fim de não perder seus privilégios de classe exploradora. Usou verdadeiro terrorismo ideoló­gico, divulgando a grosseira imagem do comunista "comedor de crianci­nhas". Amedrontou as pessoas, fa­zendo-as crer que, no comunismo, o comum seria a miséria, a opressão e a falta de liberdade. Ou, então, a desordem, o desrespeito, a barbárie, enfim, o caos. Espalhou ainda que o comunismo coletivizaria também os bens de consumo, e até mesmo os objetos de uso pessoal; e que as crianças seriam arrancadas da famí­lia pelo "Estado" comunista. E, ainda, que as mulheres também seriam coletivizadas sexualmente, havendo assim uma "comunidade de mulhe­res".
Sobre este último ponto, Marx ironiza que
Para o burguês, sua mulher na­da mais é que um instrumento de produção. Ouvindo dizer que os instrumentos de produ­ção serão explorados em co­mum, conclui naturalmente que ocorrerá o mesmo com as mu­lheres. Não imagina que se tra­ta precisamente de arrancar a mulher de seu papel atual de simples instrumento de pro­dução.
Reparemos aqui como funciona o mecanismo ideológico de universali­zar os interesses particulares. Para a burguesia, o fim de seus privilé­gios econômicos significa miséria para todos; o fim da liberdade bur­guesa para explorar o trabalhador significa opressão; o fim da organi­zação capitalista da sociedade signi­fica a desordem, o caos; o fim da cultura burguesa significa barbárie etc. Enfim, o comunismo ronda co­mo um fantasma em torno dos pri­vilégios da burguesia, e esta usa o fantasma para assustar a todos.
Mas, além do uso ideológico que a burguesia faz do termo "comunis­ta", há outras dificuldades que ainda vêm do uso corrente deste termo. Pois há alguns partidos e algumas nações que são chamados de "comu­nistas", mas que têm uma prática inconsequente, do ponto de vista da classe trabalhadora.
Ainda sobre os chamados "países comunistas" deve-se notar que a qua­lificação de "comunista" é impró­pria, já que ainda não existem países que tenham as características do co­munismo, como veremos- O que existe são países socialistas, que pro­jetam chegar ao comunismo.
No entanto, não interessa tanto a palavra, mas o conteúdo deste projeto pós-socialista, que é o que procuraremos indicar em grandes linhas, neste capítulo.
Note-se ainda que vamos compa­rar as semelhanças e diferenças des­te projeto, baseado em grandes li­nhas nas ideias de Marx, não só com a sociedade socialista, como também com as sociedades primiti­vas, também chamadas de "comu­nismo primitivo".
5.2. AS RELAÇÕES ECONÔMICAS NO PÓS-SOCIALISMO
5.2.1. As forças produtivas no pós-socialismo
Dissemos que no socialismo há um desenvolvimento acelerado, já que, com o fim das contradições do ca­pitalismo, há uma liberação destas forças. A acumulação das forças pro­dutivas liberadas fará com que se chegue, na nova sociedade, a UM IMENSO DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS.
Ora, este desenvolvimento abre a possibilidade para que os homens definitivamente SUPEREM O REINO DA NECESSIDADE e entrem no reino da liberdade.
Por reino da necessidade enten­de-se a situação humana de ter como primeira e maior preocupação con­seguir os meios para a própria sub­sistência material. Assim, a maioria dos homens vive a maior parte de seu tempo em atividades de tipo econômico, lutando contra a escas­sez, para atender à necessidade bá­sica de reprodução de sua vida ma­terial. Neste aspecto, o homem se encontra numa situação de grande limitação, determinada pela sua ani­malidade.
Esta fase pertence ainda ao que Marx chama de "pré-história da hu­manidade". Assim, o homem apenas se diferencia dos outros animais pela forma como atende às suas neces­sidades, isto é, pelo trabalho, ativi­dade manual e intelectual projetada, que só o homem faz.
O imenso desenvolvimento das forças produtivas, nesta sociedade pós-socialista, vai possibilitar aos homens ENTRAR NO REINO DA LIBERDADE.
Pois a acumulação social das rique­zas e a alta tecnologia alcançada colocarão o problema do atendimen­to das necessidades materiais como questão resolvida.
Marx diz que, enquanto "na so­ciedade burguesa o trabalho vivo é sempre um meio de aumentar o tra­balho acumulado, na sociedade co­munista, o trabalho acumulado é sempre um meio de ampliar e me­lhorar cada vez mais a existência dos trabalhadores".
A atividade econômica, enquanto necessária à sobrevivência, passará  a ser uma preocupação secundária, à qual os homens dedicarão pouca parte de seu tempo, pois a abundân­cia estará assegurada.
Diferentemente das sociedades de comunismo primitivo, em que se socializava a escassez, agora pode-se plenamente socializar a abundância.
O trabalho deixará definitivamen­te de ser uma obrigação penosa, para se tornar plenamente uma criação realizadora. Além disso, os homens terão condições e disporão de bastante tempo para se dedicar a outras atividades humanas: a ciên­cia, a arte, o convívio social e com a natureza, o esporte, o lazer e ou­tras atividades culturais.
5.2.2. As relações sociais de produção no pós-socialismo
O imenso desenvolvimento das forças produtivas vai criar condições para superar a etapa da transição socialista no campo das relações so­ciais de produção, com a extinção das classes sociais e o surgimento de novas formas de remuneração.
Nesta nova fase pós-socialista, vá­rias características que indicamos sobre as relações sociais de produ­ção do socialismo permanecem e se aperfeiçoam, mas outras mudam qualitativamente.
De início; vamos notar que, nesta nova sociedade, NÃO HÁ MAIS CLASSES SOCIAIS.
No socialismo, ainda existem classes, já que a antiga burguesia luta por todos os modos para recuperar seus privilégios e, por isso, a classe proletária necessita lutar para impedir esta volta.
Na sociedade "comunista" NÃO HÁ MAIS LUTA DE CLASSES, já que não existem mais classes. A antiga burguesia, com o passar de algumas gerações, desaparece en­quanto classe social. Os descenden­tes dos antigos burgueses são agora trabalhadores, como toda a popu­lação. O proletariado também deixa de existir como classe social. Aca­bam-se as rachaduras dentro da so­ciedade. Esta reencontra sua unidade essencial.
O fim das classes sociais é faci­litado não só pelo novo desenvolvi­mento das forças produtivas, que garante a abundância para todos, conforme vimos, como também pelo aprofundamento das relações sociais de produção socialistas, pela ação do Estado socialista e pela formação de uma nova consciência social.
No que diz respeito ao aprofun­damento das relações sociais de pro­dução, devem-se ressaltar os pontos abaixo.
Completa-se a recuperação da unidade interna da sociedade, com a plena socialização dos meios de produção e do trabalho, já começada no socialismo. A sociedade torna-se, assim, plenamente uma "livre asso­ciação de todos os produtores".
Permanecem e aperfeiçoam-se também a planificação econômica global e a auto-administração.
Permanece a propriedade par­ticular dos bens de consumo.
A produção total continua re­vertendo para os trabalhadores, isto é, para todos, seja em forma de benefícios, investimentos e reservas coletivos, conforme vimos, seja em forma de remuneração individual.
No que diz respeito ao último ponto, vamos notar outra importante diferença entre as duas sociedades. Porque na sociedade pós-socialista prevalece a seguinte regra:
DE CADA UM SEGUNDO SUA CAPACIDADE, E A CADA UM SEGUNDO A SUA NECESSIDADE.
Reparamos que a primeira parte da regra, sobre a contribuição que cada qual dá à sociedade ("de cada um segundo sua capacidade") é igual nestes dois tipos de organiza­ção social. Vale então para a socie­dade pós-socialista tudo o que se disse a este respeito quando trata­mos da sociedade socialista.
A diferença, porém, situa-se na segunda parte da regra, pois, en­quanto no socialismo retribui-se a cada um segundo o seu trabalho, no pós-socialismo retribui-se a cada um segundo a sua necessidade. Assim, critério de remuneração não será mais a qualidade da força de tra­balho, mesmo com os limites das faixas de remuneração, conforme vi­mos no socialismo. O critério agora passa a ser a necessidade.
Assim, por exemplo, o trabalha­dor não será remunerado pela sua profissão ou qualificação, mas pelo número de crianças ou de idosos que ele tem sob sua responsabilidade econômica.
A aplicação deste critério é facili­tada, evidentemente, por um lado, por aquele desenvolvimento das for­ças produtivas que torna a produção uma questão resolvida; e, por outro lado, pressupõe um elevado nível de consciência coletiva, que exclui o parasitismo, a acomodação etc.
Aos que classificam de utópico o projeto socioeconômico desta socie­dade pós-socialista, é bom lembrar que, durante centenas de milhares de anos, os homens das antigas so­ciedades primitivas (como também ainda hoje, muitas tribos da Ama­zônia, África, Ásia...) organiza­ram-se sem a divisão da sociedade em classes, e aplicando a regra "de cada um segundo sua capacidade e a cada um segundo a sua neces­sidade".
5.3. AS RELAÇÕES POLÍTICAS NO PÓS-SOCIALISMO
O desenvolvimento das forças pro­dutivas e as relações sociais de produção características da organi­zação social pós-socialista encami­nham para o FIM DO ESTADO e para novas formas de consciência social.
Como vimos, o fim da burguesia, como classe social, dá condições também ao proletariado de se dis­solver como classe social, tornando desnecessária qualquer dominação de classe. Assim, na sociedade pós-socialista, não existe classe domi­nante nem classe dominada, simples­mente porque não existem mais classes sociais. Isto é, nenhum grupo faz prevalecer seus interesses parti­culares e sua vontade sobre o con­junto da sociedade, simplesmente porque tais grupos não existem mais, sendo a sociedade um corpo homo­gêneo.
Ora, como vimos no capítulo IV, Estado é uma "instituição política, jurídica, administrativa e militar que tem por objetivo dirigir o conjunto da sociedade, de acordo com os in­teresses da parcela economicamente dominante". £ evidente, então, que a ditadura do proletariado, isto é, o transitório Estado socialista, deixará de existir, desaparecendo por com­pleto qualquer Estado.
Este acontecimento não se dará, por certo, de um dia para o outro, mas será o resultado de um processo relativamente longo, em que o Esta­do socialista vai se enfraquecendo cada vez mais, até desaparecer. Po­de-se dizer que há uma autodestrui­ção do Estado socialista, a fim de se chegar a uma sociedade pós-socia­lista, sem Estado.
O fim do Estado significa então que o governo, as leis e toda admi­nistração pública perdem seu caráter de classe. As leis serão normas que se aproximarão do consenso, tendo em vista o bem comum.
Torna-se desnecessária também a função da polícia e das forças arma­das, enquanto uso da coerção para garantia política da classe dominan­te. Mesmo as funções não direta­mente políticas da polícia se tornarão desnecessárias, já que, pelas caracte­rísticas da sociedade pós-socialista, os casos de criminalidade serão ra­ros, e poderão ser vigiados e trata­dos pelo próprio povo, através de suas organizações de base, traba­lho etc.
Desaparecem assim a polícia, as forças armadas e as milícias popula­res. Deve-se ressalvar, no entanto, que o fim de todas as organizações armadas provavelmente só poderá se efetivar quando o capitalismo ti­ver sido superado em todos os paí­ses do mundo; de modo contrário, as sociedades socialistas e pós-socia­listas estariam se arriscando a não ter como se defender de possíveis agressões armadas das nações ainda capitalistas.
O fim do Estado não significa, de forma nenhuma, a desordem, desor­ganização, baderna ou caos que a ideologia capitalista poderia fazer supor. Significa apenas que a orga­nização da sociedade não atende mais a interesses de classe, mas a todo o povo.
Então TODO O POVO SE AUTOGOVERNA, seja pela participação direta nos or­ganismos populares, seja através de seus representantes democratica­mente escolhidos, com mandatos im­perativos e revogáveis a qualquer tempo. De forma semelhante, aliás, ao que já acontecia nas sociedades primitivas, que também não tinham Estado.
O fato desta sociedade pós-socia­lista ser homogênea não exclui, de forma nenhuma, o pluralismo. A ho­mogeneidade exclui apenas todas as formas de exploração e dominação de alguns indivíduos ou grupos so­bre outros, mas não a diversidade, que é enriquecedora.
A mesma homogeneidade e plura­lismo vigorariam nas relações entre os vários povos do mundo. Supera­das todas as formas de imperialismo e dependência entre os povos e dei­xando de se encarar como competi­dores, as nações deixariam de existir corno hoje. O respeito e incentivo às características culturais de cada povo se conjugariam com o intercâmbio e a solidariedade.
Marx resume assim todo este pro­cesso de destruição das classes so­ciais e do Estado, e surgimento das novas formas de organização social.
Uma vez desaparecidos os an­tagonismos de classes no curso do desenvolvimento e sendo concentrada toda a produção propriamente falando nas mãos dos indivíduos associados, o po­der público perderá seu caráter político. O poder político é o poder organizado de uma classe para a opressão de outra. Se o proletariado, em sua luta contra a burguesia, se constitui forço­samente em classe; se se con­verte por uma revolução em classe dominante e, como classe dominante, destrói violentamen­te as antigas relações de produ­ção, destrói juntamente com essas relações de produção, as condições dos antagonismos en­tre as classes em geral e, com isso, sua própria dominação como classe.
Em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e antagonismos de classes, surge uma associação onde o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvol­vimento de todos.
5.4. A CONSCIÊNCIA SOCIAL NO PÓS-SOCIALISMO
Dissemos atrás que as novas rela­ções econômicas da sociedade pós-so­cialista encaminham não só para o fim do Estado, como também para novas formas de consciência social.
O que se considerou, no item an­terior, sobre as consequências polí­ticas do fim das classes sociais, vale também para o FIM DA IDEOLOGIA DOMINANTE.
A sociedade, sendo homogênea, isto é, sem classes, é claro que não há nem classe dominante, nem ideo­logia dominante. Deste modo ocorre também o FIM DA LUTA IDEOLÓGICA. Assim como nenhuma parcela da sociedade precisa dominar outros pela coerção, também não precisa dominar pelo convencimento (não é preciso haver mais nem leões nem raposas).
Os velhos valores burgueses do individualismo, competição etc. vão aos poucos morrendo na sociedade socialista, e sendo substituídos pelos valores da solidariedade, companhei­rismo, participação, internacionalis­mo, liberdade e igualdade em todos os níveis etc.
Estes novos valores, que a ideolo­gia socialista luta para passar ao conjunto da sociedade, no pós-socia­lismo, se consolidam. Transformam­-se em valores comuns, assumidos pelo conjunto da sociedade. Acaba assim a própria ideologia socialista.
Aliás, acaba toda ideologia, en­quanto esforço de dominação das consciências, que terão assim uma visão de mundo comum, isto é, des­comprometida com interesses gru­pais. Não é mais preciso "esconder, justificar, universalizar e fragmentar como vimos no capítulo V. Como nas sociedades primitivas, e ainda mais, AS CONSCIÊNCIAS PODEM SER TRANSPARENTES, e a busca da verdade pode ser um esforço comum. Haverá também condições ainda mais favoráveis do que no socialismo para superar a fragmentação da consciência e, por­tanto, uma maior aproximação de uma visão de totalidade.
O pluralismo das ideias, das visões de mundo, das religiões etc., terão livre curso, desde que não conflitem com uma sociedade em que se ex­clui a exploração e a dominação do homem pelo homem.
6. AS EXPERIÊNCIAS SOCIALISTAS
Como dissemos no início deste capítulo, faremos algumas breves observações sobre as experiências socialistas.
Em primeiro lugar, deve-se notar que qualquer apreciação sobre as experiências socialistas será feita ou a partir de uma VISÃO que corresponde aos INTERESSES DA BURGUESIA, ou a partir de uma visão que cor­responde aos INTERESSES DOS TRABALHADORES.
Ora, a maior parte das INFORMAÇÕES que temos a respeito das experiências socialistas nos vêm através dos meios de comunicação sob o controle ca­pitalista. Estes meios de comunica­ção, quando não fazem um sistemá­tico boicote de informações a respei­to dos países socialistas, selecionam as notícias para ressaltar aspectos negativos (verdadeiros ou falsos).
Entende-se: a burguesia defende com unhas e dentes os seus interesses, contra os interesses dos trabalha­dores.
No entanto, é inegável que a im­plantação do socialismo enfrenta vários tipos de problemas e nem tudo são vitórias para a classe tra­balhadora.
A análise e debate dos problemas e deficiências das experiências so­cialistas, feitos a partir de uma visão que corresponde aos interesses dos trabalhadores, é de grande impor­tância. Para que não se caia no tipo de crítica que interessa à burguesia. Mas também para que não nos ilu­damos com uma visão ingênua e irrealista. Acima de tudo, interessa à classe trabalhadora conhecer e dis­cutir estas experiências em curso, para evitar seus erros e aproveitar seus acertos, nas futuras revoluções socialistas (embora, é claro, toda re­volução socialista seja uma experiên­cia nova, com inúmeros aspectos particulares).
As experiências concretas de im­plantação do socialismo realizadas em vários países têm enfrentado vá­rios tipos de DIFICULDADES. Vamos enumerar algumas.
Dificuldades externas, por cau­sa do boicote econômico, isolamento político e até agressão militar que os Estados capitalistas costumam impor às novas nações socialistas. Estas circunstâncias costumam favo­recer a centralização do poder em poucas mãos, para fazer frente a estas dificuldades, com prejuízos pa­ra uma participação política mais ampla dos trabalhadores.
Dificuldades internas, não só pela resistência da burguesia der­rotada, como também pela resistên­cia dos valores burgueses na cons­ciência dos trabalhadores, até mes­mo nos que têm grande responsa­bilidade na transformação socialista da sociedade. Outra dificuldade é a situação econômica prejudicada, e às vezes devastada, pela guerra civil que, geralmente, a burguesia impõe aos trabalhadores, antes de perder o poder. Neste confronto, frequentemente morrem importantes lideran­ças dos trabalhadores, o que vai também dificultar a construção do socialismo. Ë de se notar também que as revoluções socialistas feitas até hoje, ao contrário do que previa Marx, não se deram em países capi­talistas industrializados, mas em paí­ses de economia predominantemente agrícola, com um proletariado urba­no recente e reduzido.
Várias AVALIAÇÕES das experiências socialistas em curso coincidem em apontar vitórias no campo econômico e deficiências, em graus diferentes, no que se refere à real hegemonia política dos trabalhadores.
As principais DEFICIÊNCIAS frequentemente apontadas nas expe­riências socialistas, embora em graus diversos de país para país, se refe­rem mais aos aspectos da HEGEMONIA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E IDEOLÓGICA DOS TRABALHADORES.
Segundo estas críticas, os trabalha­dores ainda têm pouca participação nas decisões políticas, seja em nível de empresa (ausência de auto-administração), seja em nível dos orga­nismos do Estado. A respeito do Estado se faz uma outra crítica, notando-se em alguns países socia­listas, o FORTALECIMENTO DO ESTADO, com a intensificação dos aspectos coercitivos e propagandísticos, em vez de seu enfraquecimento, a cami­nho de seu desaparecimento.
Mas, sem dúvida, tem havido VITÓRIAS NO CAMPO ECONÔMICO, com um rápido desenvolvimento das forças produtivas, especialmente no setor industrial. Contudo, ainda no campo das relações socioeconômicas, a maior vitória tem sido o FIM DA MISÉRIA em que viviam altas porcentagens da população, isto é, o fim da fome, desemprego, prostituição, menores abandonados, doenças endêmicas, moradias subumanas, banditismo etc. Ao lado disso, as atuais experiências socialistas têm significado, para a maioria da população, uma rápida elevação do padrão de vida, no que se refere à SATISFAÇÃO DAS NECESSIDADES BÁSICAS: alimentação, saúde, educação, ves­tuário, moradia, transporte e lazer.
Por parte dos que se colocam do ponto de vista dos trabalhadores, existem diversas avaliações sobre ca­da uma das experiências socialistas.
Mas é de grande importância, para os trabalhadores, o conhecimento e a análise de cada uma das experiên­cias desta sociedade nova que vai sendo construída: a SOCIEDADE SOCIALISTA.
Indicações bibliográficas para este capítulo:
1 - MARX, Karl. Manifesto Comunista. São Paulo, Editora Alfa Omega (em "Obras escolhidas"), 1984.
2 - LENIN, Viadimir I. O estado e a revolução. São Paulo, Hucitec, 1983.
3 - HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio, Zahar Editores, 1983.
4 - FERNANDES, Florestan. O que é revolução. São Paulo, Brasiliense, 1981.

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