15 de outubro de 2024

Apontamentos sobre a pregação pura da Palavra de Deus como Lei e Evangelho.

 

 

No REGIMENTO INTERNO da IECLB Art. 5º, § 1º consta: “A Comunidade congrega os membros da Igreja em torno de um centro comum de culto, onde a Palavra de Deus é anunciada puramente e os sacramentos são administrados retamente”.

 

Como é a pregação pura da Palavra de Deus como Lei e Evangelho?

 

Marx[1] fala que

“O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência da pessoa que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência.”

Engels[2] nos resume a descoberta de Marx dizendo

“... que em cada época histórica a produção econômica e a estrutura social que dela necessariamente decorre constituem a base da história política e intelectual dessa época...

N. K. Krupskaya[3], companheira de Lênin, fala que

“Ele (a pessoa) precisa entender a sua interdependência, saber como, a partir de uma determinada ordem social, crescem os pontos de vista religiosos e morais.”

Engels[4] ainda nos lembra que a economia não condiciona tudo na vida, mas é o fator principal.

 

Segundo a concepção materialista da história, o fator que em última instância determina a história é a produção e a reprodução da vida real. Nem Marx nem eu nunca afirmamos mais do que isso. Se alguém o tergiversa dizendo que o fator econômico é o único determinante, converte aquela tese numa frase vazia, abstrata, absurda. A situação econômica é a base, mas os diversos fatores da superestrutura - as formas políticas da luta de classes e seus resultados, as Constituições que, uma vez ganha uma batalha, são redigidas pela classe vitoriosa etc., as formas jurídicas, e mesmo os reflexos de todas estas lutas reais no cérebro dos participantes, as teorias políticas, jurídicas, filosóficas, as ideias religiosas e o seu desenvolvimento ulterior até serem convertidas em sistemas dogmáticos - exercem igualmente a sua ação sobre o curso das lutas históricas e, em muitos casos, determinam predominantemente sua forma. ... Frente aos adversários, tínhamos que sublinhar este princípio cardinal que era negado, e nem sempre dispúnhamos de tempo, espaço e ocasião para dar a devida importância aos demais fatores que intervêm no jogo das ações e reações.

 

Kautsky[5] lembra:

 

Torna-se necessário que cada combatente amplie seu horizonte através de conhecimentos científicos, reconheça as grandes conexões sociais, no espaço e no tempo, não para suprimir o trabalho detalhado, nem mesmo relegá-lo a um segundo plano, mas para o vincular conscientemente ao processo social no seu conjunto.

 

Se olharmos os Evangelho veremos que em Mateus 2 o autor faz uma análise de conjuntura da realidade opressiva na qual Jesus de Nazaré nasceu. Fala da brutalidade da ditadura militar romana. Lucas nos capítulos 2 e 3 também faz uma análise da conjuntura do tempo de Jesus para situar o leitor que Jesus atuou nesta realidade da luta de classes. Marcos 1.1 faz uma análise suscita da realidade frente à qual Jesus Cristo se opõe: “Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.” Jesus é filho de Deus, não César. O Evangelho de Jesus Cristo começa aqui na periferia da periferia, na Palestina, ocupada militarmente pela ditadura militar romana a serviço dos latifundiários escravocratas que controlam o Estado. Este Evangelho se contrapõe ao evangelho de Roma, que mata, saqueia e escraviza.

As pessoas, do tempo do NT, que liam os Evangelhos conheciam a realidade na qual viviam, por isso temos que olhar Por trás das Palavras, como diz o frei Carlos Mesters. Para elas Mc 1.1 era claro, mas para nós que não estamos acostumados a fazer análise de estrutura da sociedade de classes e de conjuntura da realidade da luta de classes isso não está claro. A maioria de nós nem sabe a que classe social pertence e com isso nem sabe como funciona a luta de classes na qual estamos inseridos mesmo não sabendo disso.

A Igreja crescida na realidade da sociedade de classes europeia e condicionada pelo capitalismo não ensina como fazer análise de estrutura da sociedade de classes e nem ensina fazer análise de conjuntura para podermos assim entender o Evangelho. Os condicionamentos do modo de produção da vida material não deixam a Igreja enxergar o que está Por Trás das Palavras dos Evangelhos. Assim lemos os Evangelhos, e toda Escritura, a partir dos condicionamentos do modo de produção da vida material capitalista que escondem a realidade da luta de classes contada na Bíblia e a de hoje. O capitalismo é o filtro de nossa pregação. Por esse filtro só passa o que o capitalismo permite para a sua reprodução.

Como a Igreja é condicionada pelo modo de produção da vida material capitalista ela só ensina a leitura da Bíblia que passa pelo filtro do modo de produção da vida material capitalista. Como dizia Juan Luis Segundo: precisamos libertar a teologia desse condicionamento do modo de produção da vida material vigente.

Por que a Igreja não ensinou como fazer análise da estrutura do modo de produção da vida material vigente e não ensinou a fazer análise da conjuntura da realidade da luta de classes na qual vivemos para sabermos como pregar o Evangelho no chão da luta de classes no qual vivem as comunidades? Pelo simples fato de que ela não poder ensinar o que não sabe, pois está condicionada pelo modo de produção da vida material capitalista que impede isso. O Evangelho de Jesus Cristo exige ruptura radical (Mc 1.15) com o mundo (sociedade de classes). 1 Jo 2.15 diz: “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele;” O mundo hoje é o capitalismo. Quem ama e defende o capitalismo está fora do Reino de Deus. Se autoexcluiu. Por isso precisamos saber como é o “mundo”, a sociedade de classes capitalista para não sermos enrolados por ele. A Igreja não ensina isso, porque não sabe como funciona o mundo atual. Mas ainda há tempo dela estudar como funciona o modo de produção da vida material vigente para saber como é o mundo para dentro do qual pregamos o Evangelho do Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo. Nesta ingenuidade e ignorância a Igreja vive e envia seus pastores e pastoras a pregar o Evangelho para dentro de um mundo que estes não conhecem. Com sua pregação querem guiar o povo, é cego guiando outro cego, e todos já estão caídos na valeta, mas não o sabem. E com isso eles apenas reproduzem o que o capitalismo quer e permite, sem o saber, achando que estão pregando puramente a Palavra de Deus como Lei e Evangelho.

Precisamos saber disso, dito acima, para falar da pregação pura do Evangelho de Jesus Cristo. Nossa prática econômica condiciona o nosso pensar. Como a pregação pura do Evangelho entra nisso? Quão pura é nossa pregação do Evangelho de Jesus Cristo se o nosso pensar é condicionado pelo capitalismo, que é nossa prática econômica? A prática é o critério da verdade.

A partir da prática econômica capitalista os europeus vieram para as Américas para pregar o Evangelho de Jesus Cristo. O seu pensar era condicionado pela sua prática econômica. Significa que a sua leitura do Evangelho era condicionada pela sua prática econômica. Qual era sua prática econômica? Roubar a terra dos povos originários, escravizá-los e quem resistia era massacrado. Depois a moda era importar escravos da África para que estes pudessem produzir a riqueza dos latifundiários escravocratas europeus. Roubar a terra dos povos nativos, massacrá-los e escravizá-los para gerar a riqueza dos senhores latifundiários era a prática econômica vigente. Até a Igreja tinha escravos indígenas e africanos. Como se pregava puramente a Palavra de Deus nesta realidade?

Como se prega hoje na sociedade de classes capitalista, dinamizada pela luta de classes, a Palavra de Deus como Lei e Evangelho na IECLB, condicionado pelo modo de produção da vida material capitalista?

 Esta pregação é a pura pregação do Evangelho? Ou é legitimação do modo de produção da vida material vigente?

A sociedade capitalista permite a pura pregação da Palavra de Deus ou apenas a pregação adaptada e condicionada pelo modo de produção da vida material vigente?

Uma pregação que não exige ruptura com o modo de produção da vida material não é pregação evangélica. 2 Co 5.17 lembra: “E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas”. A nova criatura não reproduz as práticas da velha criatura condicionada pelo modo de produção da vida material vigente. O Evangelho exige a extinção dessa sociedade na qual há patrão e peão. Quem defende isso é a velha criatura. Patrão e peão são inimigos de classe, não irmãos.

Como pregar puramente a Palavra de Deus numa sociedade de classes em permanente luta de classes na qual a classe econômica e politicamente dominante, a classe capitalista, controla tudo na sociedade, também as comunidades e paróquias, que se compõem em sua maioria da classe trabalhadora e camponesa, explorada e expropriada pela classe capitalista? Como fazer isso se a Igreja lê a Bíblia a partir da leitura europeia de Deus que legitima a sociedade de classes?

A Igreja nos ensinou durante séculos que o conflito central no texto de Gn 11.1-9 é a torre, que é o egoísmo do ser humano que quer ser deus, mas o Dr. Milton Schwantes nos mostrou que o conflito central é a linguagem, a cidade e a dispersão do povo e não a sua centralização ao redor da cidade-estado. Somente os camponeses que adotaram a ideologia (linguagem) da classe economicamente dominante ajudariam a construir uma cidade e uma torre que os explorariam através da cobrança de impostos. Como o Dr. Schwantes descobriu isso? Por que ele leu Marx, que ensina a compreender os modos de produção pré-capitalistas e a ideologia (A ideologia Alemã). Os modos de produção pré-capitalistas nos mostram que após o modo de produção Tribal vem o modo de produção Tributário e sobre este fala o texto de Gn 11.1-9. A classe-estado (proprietária privada da terra e de bois – 1 Sm 11) constrói a cidade (onde há o celeiro que abriga os cereais cobrados como impostos) e a torre (quartel que abriga os soldados para reprimir e cobrar os impostos dos camponeses).

Foi a propriedade privada da terra que gerou a cidade e a torre (o Estado), sustentadas pela classe-estado, que controlava a cidade, que cobrava impostos em cereais e trabalho forçado dos camponeses que viviam nas aldeias. A propriedade privada da terra precisa do Estado para legitimar e garantir a propriedade privada da terra, que antes era posse e usufruto coletivos. A propriedade privada da terra gerou duas classes sociais: a classe-estado e a classe camponesa. A cidade (o Estado) é o instrumento da classe proprietária privada da terra para garantir sua propriedade privada e garantir a exploração da classe camponesa através dos tributos.

A Bíblia já no seu início aponta que Javé é contra o Estado e do que o gerou, a propriedade privada da terra. Isso será eliminado no Projeto da Terra Prometida (Dt 6.20-23) onde em Js 8 se elimina o Estado, a propriedade privada da terra (Nm 26.52-56) e o templo (Js 8.30 – somente um altar). O que garante a liberdade do povo é a sociedade sem classes (controle, posse e usufruto popular da terra), sem Estado e sem templo, como religião do Estado.

No REGIMENTO INTERNO da IECLB Art. 5º, § 1º consta: “A Comunidade congrega os membros da Igreja em torno de um centro comum de culto, onde a Palavra de Deus é anunciada puramente e os sacramentos são administrados retamente”.

No culto “onde a Palavra de Deus é anunciada puramente” qual agora é a Palavra de Deus anunciada puramente: a interpretação secular colonial classista que veio da Europa, que diz que o centro está na torre e que nem menciona a cidade, ou a leitura do Dr. Milton Schwantes?

Outro exemplo. Eu aprendi que o texto de Mt 25 são três textos independentes, onde no primeiro se fala de estar preparado, no segundo se fala dos talentos (capacidades) e no terceiro se fala de acolher os excluídos.

Em 1995 tivemos no Distrito Eclesiástico Alto Jacuí um grupo de estudos entre pastores e pastoras onde lemos um texto sobre as Parábolas de Jesus. Ali o autor fala que Jesus conta suas parábolas a partir da realidade social concreta existente. Não as inventa como exercício literário.

Aí eu saquei primeiro o texto de Mt 25.14-30. Descobri qual a realidade sobre a qual Jesus ali fala, que nada tem a ver com talentos. Ali começa dizendo: “Pois será como um homem que, ausentando-se do país, chamou os seus servos e lhes confiou os seus bens.” O que ali se diz? Ali está escrito que há um senhor de escravos, que foi viajar porque não precisa trabalhar, e três escravos, que ficaram para trabalhar e gerar riquezas para este. Temos aqui uma sociedade de classes escravocrata: um senhor e três escravos. O senhor, proprietário dos meios de produção e controlador do Estado, e três escravos, libertos dos meios de produção, não proprietários.

Mateus colocou este texto, após o primeiro, que ensina sobre a necessidade de se fazer permanentemente análise de conjuntura da realidade para não ser pego de surpresa pelos fatos. Análise errada, prática errada, já nos ensinava Lênin. Em Mt 25.14-30 Jesus nos deixa uma análise da estrutura e da conjuntura do escravismo romano. Sociedade de classes, na qual a classe proprietária (a classe escravocrata) vive à custa dos escravos, que geram a riqueza desta, mas não são libertos por isso.

Jesus descreve o sistema repressivo romano e o processo concentrador advindo do saque dos outros povos dominados pela invasão militar: “és homem severo, que ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste” e “Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem dez.” “Porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado” e “o servo inútil, lançai-o para fora, nas trevas”. Aqui Jesus relata o processo de dominação e expropriação romana. Quem não se enquadra e põe areia no sistema leva repressão e exclusão.

O último texto de Mt 25.31-46 mostra que o Reino de Deus é o acolher as vítimas do sistema repressor e expropriador da sociedade de classes. Como se acolhe as vítimas do sistema classista? Se acolhe eliminando a sociedade de classes baseada na propriedade privada dos meios de produção, como nos conta o texto de Mt 19.16-22, que fala da autoexpropriação dos expropriadores (ao se eliminar a propriedade privada dos meios de produção que geram a pobreza) como exigência da vida eterna e do discipulado de Jesus. A fome, sede, pessoas sem direitos, sem roupa e doentes e presos por dívidas são resultado da soceidade de classes expropriadora e repressora como Jesus conta no texto anterior. Com os excluídos Jesus controi seu Reino.

Após este discurso, segundo Mateus, Jesus entra na Semana Santa para ser preso, torturado e executado por não reproduzir os propósitos da sociedade de classes, mas propor uma sociedade de irmãos e irmãs, de pessoas livres com direitos iguais, o que só é possível com o fim da propriedade privada dos meios de produção com a expropriação dos expropriadores para acabar com a pobreza como exigência da vida eterna e do discipulado de Jesus, como ele sugere em Mt 19.16-22.

E agora, como fica a pura pregação da Palavra de Deus? A minha pregação antes de 1995 era a pura pregação da Palavra de Deus ao falar dos talentos ou o é agora, com a explicação posta acima?

Nossa pregação evolui, assim com a de Jesus, conforme Mt 15.21-28, onde a mulher cananeia mudou a postura e compreensão de Jesus frente a sua missão.

Além disso, a nossa pregação é condicionada pelo modo de produção da vida material vigente, como nos lembra Marx. Qual a saída?

Segundo Hegel[6]: "O verdadeiro é o todo. Mas o todo é somente a essência que se implementa através de seu desenvolvimento." Hegel entendeu que a verdade está no todo e que tudo é um processo, um movimento. Só é possível compreender a totalidade concreta pela dialética de Marx. Ademar Bogo8 escreve:

 

“José Paulo Netto, ao expor o método em Marx, diz: Articulando estas três categorias nucleares – a totalidade, a contradição e a mediação –, Marx descobriu a perspectiva metodológica que lhe propiciou o erguimento do seu edifício teórico”. Este “edifício teórico”, assim chamado por ser concreto na sua dinâmica de aplicação, não vê a totalidade como a “soma das partes”, mas, sim, uma totalidade que se articula com “totalidades menores”, movidas por contradições internas ativas e mediadas pela estrutura particular de cada totalidade.”

 

A Bíblia é uma totalidade composta por duas totalidades: o AT e o NT, que por sua vez se compõem de outras totalidades que são os livros que compõe cada Testamento, que por sua vez são compostos por muitas outras totalidades que são as perícopes, nas quais aparece o movimento das contradições, das mediações, dos avanços, dos recuos, dos conflitos da luta de classes da sociedade. Somente entendemos corretamente as perícopes e os livros que as compõem se temos uma visão da totalidade do Projeto Político Global de Deus na Bíblia para a Humanidade, que condiciona as perícopes. Não dá para interpretar as perícopes sem levar em conta o Projeto Global de Deus, que é uma sociedade sem classes. As perícopes estão debaixo deste guarda chuva. A chave de leitura para entendermos o Projeto Político Revolucionário Global de Deus é o Êxodo – Cruz/Ressurreição de Jesus Cristo (Dt 6.20-23 – 1 Co 15.3-4 – os credos que sintetizam o Projeto Político de Deus para a Humanidade).

Toda leitura da Bíblia é parcial, política, ideológica, classista, étnica e sexista!  Não existe leitura neutra da Bíblia. A pessoa cristã não é neutra (mas batizada em nome de Jesus Cristo), nem Jesus Cristo é neutro, nem a cruz de Cristo no Gólgota é neutra. A leitura europeia da Bíblia na qual fomos treinados não nos fala disso, pois é classista (se dizendo neutra) idealista cartesiana positivista liberal. Não parte da teoria da luta de classes, não leva em conta a totalidade do Projeto de Deus para a Humanidade, tampouco o condicionamento do modo de produção da vida material vigente na época e de hoje.

O marxismo, pelo materialismo dialético, segundo Lukács[7], pressupõe “a consideração de todos os fenômenos parciais como elementos do todo”, e “o domínio universal e determinante do todo sobre as partes”. Vamos olhar as partes a partir do todo.

 

Não é o predomínio de motivos econômicos na explicação da história que distingue de maneira decisiva o marxismo da ciência burguesa, mas o ponto de vista da totalidade. A categoria da totalidade, o domínio universal e determinante do todo sobre as partes constituem a essência do método que Marx recebeu de Hegel e transformou de maneira original no fundamento de uma ciência inteiramente nova.

... a essência do método, isto é, o ponto de vista da totalidade, a consideração de todos os fenômenos parciais como elementos do todo,

 

José Paulo Netto[8] diz que

 

não vê a totalidade como a "soma das partes", mas, sim, uma totalidade que se articula com "totalidades menores", movidas por contradições internas ativas e mediadas pela estrutura particular de cada totalidade.

 

Segundo Enrique Dussel[9]: "O método dialético consiste em situar a "parte" no "todo", como ato inverso ao efetuado pela abstração analítica". As partes nos levam ao todo e o todo explica as partes. Uma parte que não se liga ao todo não existe.

Lukács[10] diz que

 

... a unificação hegeliana - dialética - do pensamento e do ser, a concepção de sua unidade como unidade e totalidade de um processo, formam também a essência da filosofia da história do materialismo histórico. ... o método dialético trata sempre do mesmo problema: o conhecimento da totalidade do processo histórico.

 

Goldman[11] verifica que

 

O pensamento de Marx parece ser o seguinte: o indivíduo assim como os grupos humanos, constituem totalidades que não podem ser seccionadas para deles se fazer realidades autônomas. Não há pensamento independente do comportamento ou da afetividade, nem comportamento independente da consciência etc...

 

A saída é termos uma visão da totalidade do Projeto Político de Deus na Bíblia, pois o todo condiciona as partes. As partes, as perícopes, são condicionadas pelo Projeto Global de Deus na Bíblia que é o Reino de Deus como uma sociedade sem classes, porque não há mais propriedade privada dos meios de produção, pois os expropriadores foram expropriados de seus meios de produção privados, que agora são coletivos (At 2 e 4), não há mais luta de classes, nem opressão, exploração e expropriação de classes, nem Estado e nem templo, como religião do Estado, e o Poder Popular se exerce na Assembleia Popular. Paulo fala em Cl 3.9-11 e Gl 3.28: “Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.” Não há mais, a partir da fé praticada em Jesus Cristo, a opressão cultural e étnica, o cidadão e o estrangeiro sem direitos (judeu e grego). Não há mais o liberto e o escravo, fim da sociedade de classes que só é possível pela expropriação dos expropriadores com o fim da propriedade privada dos meios de produção, como sugere Mt 19.16-22. Não há mais homem e mulher, é o fim do patriarcado, o fim da opressão de gênero e a inclusão da comunidade LGBTQIA+.

Isso é o que Paulo define em Rm 3.8 “A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros; pois quem ama o próximo tem cumprido a lei.” Não devemos nada ao Estado classista e à sociedade classista, apenas o amor ao próximo, que inclui. A forma de amar os patrões é expropriá-los de seus meios de produção privados para que reine a igualdade e a liberdade com o fim do ódio de classe. O ódio e a luta de classes é a essência do capitalismo: o bilionário Warren Buffett disse que “a luta de classes existe, mas é a minha classe, a classe rica que está fazendo a guerra, e nós estamos ganhando”.

O papel da pura pregação da Palavra de Deus é expor e clarear a luta de classes existente, como Jesus faz em Mt 25, e expor o Projeto Político Global de Deus para emancipar a Humanidade da sociedade de classes que é uma sociedade sem classes, sem propriedade privada dos meios de produção, sem luta de classes, sem exploração de classe, sem Estado e sem o templo, como religião do Estado, onde o Poder Popular é exercido em Assembleia Popular (Nm 27.1-11; Js 8.33-35; Js 24; At 6.1-7; At 15) pelos Conselhos Populares de trabalhadores, camponeses e povos originários. Isso Jesus Cristo chama de Reino de Deus. Isso exige ruptura radical com a sociedade de classes e suas dinâmicas reprodutoras excludentes e opressoras (Mc 1.14-15), não dá para por vinho novo em odres velhos (Mt 9.17).

A pura pregação da Palavra de Deus como Lei e Evangelho exige que a classe trabalhadora e camponesa engajada na luta por uma sociedade sem classes tome o poder na Igreja a partir das comunidades e paróquias, hoje controladas pela pequena burguesia conservadora e reacionária defensora intransigente do capital. Se isso não ocorrer não há espaço para a pura pregação da Palavra de Deus na Igreja e na sociedade, pois quem o tentar, e muitos o tentam, será expulso da paróquia como um maldito herege por ameaçar a sociedade de classes baseada na propriedade privada dos meios de produção. Como lembra Marx: “O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral”.

Só para lembrar: isso é um problema para a esquerda, pois a direita não tem esse problema de ser expulsa como herege por ameaçar a sociedade de classes, pois ela fala o que a sociedade de classes exige e reproduze a visão europeia colonialista patriarcal de Deus ensinada pelos europeus para legitimar o capitalismo. Isso lembra Mc 11.17: “Não está escrito: A minha casa será chamada casa de oração para todas as nações? Vós, porém, a tendes transformado em covil de salteadores”.

 

 

Günter Adolf Wolff, 02/10/2024



[1] MARX, Karl. Prefácio à “Contribuição à Crítica da Economia Política” in MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Textos, vol. III. São Paulo. Edições Sociais. 1977, p. 301

[2]ENGELS, Friedrich. Prefácio à edição alemã de 1883 do Manifesto do Partido Comunista in Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis. Vozes, 1988, p. 45

[3] KRUPSKAYA, Nadezhda Konstantinovna. Sobre a questão da educação comunista da juventude in A construção da pedagogia socialista. São Paulo. Expressão Popular. 2017, p. 91

[4] ENGELS, Friedrich. Carta a Bloch, 21/9/1890, p. 520-522 in QUINTANEIRO, Tania; OLIVEIRA BARBOSA, Maria Ligia de; MONTEIRO DE OLIVEIRA, Márcia Gardênia. Um Toque de Clássicos. Marx, Durkheim, Weber. 2ª ed. Belo Horizonte. Editora UFMG. 2003, p. 37

[5] KAUTSKY, Karl. A origem do cristianismo. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2010, p. 33

[6] HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis/Bragança Paulista, Vozes/Editora Universidade São Francisco, 2008, p. 36.

[7] LUKÁCS, Georg. Rosa Luxemburgo como marxista in História e Consciência de classe. São Paulo. Martins Fontes. 2003, p. 105-107

[8] BOGO, Ademar. Organização Política e Política de Quadros. Expressão Popular, 2011, p. 170

[9] DUSSEL, Enrique. A produção teórica de Marx. Um comentário aos Grundrisse. São Paulo. Expressão Popular. 2012, p. 53

[10] LUKÁCS, Georg. História e Consciência de classe. São Paulo. Martins Fontes. 2003, p. 116-117

[11] GOLDMANN, Lucien. Dialética e Cultura. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1991, p. 197

10 de julho de 2024

Uma análise histórica da IECLB a partir de um recorte do DE Uruguai.

Esta é uma leitura parcial, unilateral, política e ideológica da realidade e da Igreja, como toda e qualquer leitura da realidade e da Bíblia. Não há leitura neutra da realidade e da Bíblia. Deus não é neutro dentro do processo histórico da luta de classes na qual a humanidade vive. A cruz de Cristo não é neutra e nem o Gólgota onde está fincada, mas é resultado da luta de classes na qual Jesus Cristo se inseriu (Lc 2.1-2; 3.1-2; 23.1-5) a partir do campesinato palestino empobrecido, explorado e oprimido para conduzir o processo insurgente evangélico sem fronteiras do Reino de Deus, uma sociedade sem classes (Gl 3.28; Lc 4.18) e sem propriedade privada dos meios de produção (Mt 19.16-22; At 4.3237), onde as pessoas são irmãs (Cl 1.1-2), livres (Gl 5.1), iguais (2 Co 8.13-15), santas (Ef 1.1) e sacerdotes (1 Pe 2.9). Algo que nenhuma sociedade de classes pode suportar e permitir.

A confissão de fé da classe camponesa palestina em Dt 6.20-23 é parcial e unilateral, pois Javé é parcial e unilateral em seu Projeto de emancipar a humanidade da sociedade de classes. Ele luta contra a classe que controla o Estado (Êx 3 e 5) e opta pelas classes exploradas e oprimidas, que não controlam nenhum meio de produção, para com elas construir uma sociedade sem classes onde os meios de produção, circulação e distribuição estão sob posse, usufruto e controle popular (Nm 26.52-56). Isso ontem como hoje.

Em Jesus de Nazaré Javé se fez classe camponesa para a partir das classes subalternas (1 Co 1.27-28; 4.9-13) começar a construir o que Jesus Cristo chama de Reino de Deus (Lc 16.16) no já agora (Mc 1.14-15). Este é uma sociedade de irmãos e irmãs, significa sem classes sociais (Gl 3.28; Lc 4.18-19; At 4.32-37), a partir da extinção da propriedade privada dos meios de produção (Mt 19.16-22; At 4.32-37) pela autoexpropriação dos expropriadores como exigência da vida eterna e do discipulado de Jesus. A propriedade privada dos meios de produção gera a pobreza, a exploração e a sociedade de classe. A isto se junta a ressurreição do corpo e a vida eterna do corpo ressurreto como forma radical de acabar com toda opressão, também o da morte. Este é o Projeto Global de Deus para emancipar a humanidade da sociedade de classes que condiciona toda leitura das perícopes da Bíblia. Sem conhecer o Projeto Global de Deus temos dificuldades em entender todo o conteúdo das perícopes, pois estas são condicionadas pelo todo do Projeto de Deus para a Humanidade. As partes são condicionadas pelo todo e não existe uma parte isolada do todo.

Lukács[1] pressupõe “o domínio universal e determinante do todo sobre as partes ... a essência do método, isto é, o ponto de vista da totalidade, a consideração de todos os fenômenos parciais como elementos do todo”. Lukács[2] ainda lembra que “... o método dialético trata sempre do mesmo problema: o conhecimento da totalidade do processo histórico.” Enrique Dussel[3] lembra que "O método dialético consiste em situar a "parte" no "todo". José Paulo Netto[4] diz que "não vê a totalidade como a "soma das partes", mas, sim, uma totalidade que se articula com "totalidades menores", movidas por contradições internas ativas e mediadas pela estrutura particular de cada totalidade." Segundo Hegel[5]: "O verdadeiro é o todo. Mas o todo é somente a essência que se implementa através de seu desenvolvimento." Não existe uma parte isolada do todo. Significa que para entender as pessoas na sociedade tem que entender o todo no qual estão inseridas, que é o capitalismo, que condiciona a prática e as ideias das pessoas que nele vivem. "Não é a consciência da pessoa que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência", lembra Marx[6].

A partir desta teoria (teologia) elaboro o texto a seguir.

 

Os 200 anos da presença evangélica (protestante) no Brasil. Não é apenas presença luterana, porque os alemães que vieram eram luteranos, reformados e unidos (além dos católicos que vieram). Estas três correntes eclesiais formaram a IECLB com a junção dos Sínodos.

A IECLB vive dentro da dinâmica do capital internacional no Brasil, que procura cooptar a Igreja para legitimar a sociedade de classes e a exploração que a classe capitalista exerce sobre a Classe trabalhadora, a Classe Camponesa e os Povos Originários e sobre toda a natureza. O capital internacional exerce o seu controle ideológico/teológico sobre a Igreja através da pequena burguesia urbana e rural que administra normalmente as comunidades e as paróquias e com isso impõe a sua teologia (a teologia do deus Capital com máscara de Jesus Cristo) à Igreja.

“No Ocidente, o capitalismo se desenvolveu como parasita do cristianismo ... de tal forma que, no final das contas, sua história é essencialmente a história de seu parasita, ou seja, do capitalismo”. (Walter Benjamin. O capitalismo como religião. Boitempo. São Paulo. 2013, p. 23) O parasita, o capitalismo, sufocou o hospedeiro e sobrou apenas o parasita metamorfoseado em hospedeiro, o capitalismo. Tornaram-se a mesma coisa. Cristianismo e capitalismo se tornaram irmãos siameses, são inseparáveis. No Ocidente o cristianismo se tornou a religião oficial do capitalismo e o próprio capitalismo virou uma religião com culto permanente.

Desta forma o capital assume a forma de deus e é adorado na igreja com máscara de Jesus Cristo, pois a sua dinâmica envolveu toda a Igreja. A prática é o critério da verdade. Por isso precisamos conhecer as dinâmicas do capital, inimigo do Evangelho do Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo. Atacar o capitalismo é como atacar o cristianismo. Atacar o capitalismo é considerado uma heresia, que merece a cruz. Hoje atacar o capitalismo é como no tempo de Jesus atacar o Templo de Jerusalém, resulta em cruz.

Por isso toda análise eclesial deve começar pela análise estrutural do capitalismo e pela análise da conjuntura atual do país no qual a Igreja está estabelecida. A partir destas análises a Igreja vai fazer o seu planejamento missionário.

Na IECLB não se procede assim, pois ela está perpassada pela ideologia idealista cartesiana positivista liberal que entende Igreja como neutra e supraclassista. O Evangelho de Jesus Cristo e nem Jesus Cristo são neutros. Nenhuma leitura bíblica é neutra. Toda leitura bíblica é ideológica, política, parcial, classista, étnica e sexista.

Sabemos que a vida do povo brasileiro é condicionada pelo capitalismo, como também sua cultura e sua religiosidade. A Reestruturação da IECLB de 1997 mostra como o capitalismo neoliberal condicionou a sua nova estrutura e com isso a sua teologia.

 

Engels lembra que “A ideia fundamental que atravessa todo o Manifesto – a saber, que em cada época histórica a produção econômica e a estrutura social que dela necessariamente decorre constituem a base da história política e intelectual dessa época” por isso precisamos conhecer como ocorre a produção econômica e a estrutura social decorrente na sociedade brasileira, pois estas condicionam a prática das pessoas e sua compreensão de Deus e da Bíblia e a própria forma da Igreja se organizar estruturalmente, como mostra o processo da Reestruturação da IECLB.

 

1 - A realidade sob o capital (uma síntese rápida).

Estrutura do capitalismo – sociedade de classes via propriedade privada dos meios de produção – classe dos proprietários e dos não proprietários

3 classes básicas: Trabalhadora, Camponesa, Capitalista e Povos originários

Tripé do capitalismo: Propriedade Privada – Trabalho assalariado – Livre iniciativa – concorrência e competição.

Classe não proprietária é obrigada a se prostituir ao vender seu corpo por salário para gerar prazer pelo mais-valor produzido para a classe proprietária

Objetivo: Lucro pela produção do mais-valor pelas classes subalternas pela produção de mercadorias

No estágio atual o capitalismo se reproduz principalmente pela especulação financeira a nível global

Estado como instrumento da classe capitalista para legalizar a exploração e expropriação de classe

Ideologia para manter a ordem imaginada pela classe capitalista

Religião (cristianismo) como aparelho ideológico do sistema

Pequena burguesia urbana e rural conservadora é o longo braço estendido do capital internacional nos Municípios que controla todas as instituições locais, também as Igrejas.

 

– Resumo do capitalismo em quatro itens, segundo Nancy Fraser:

1 - Não há capitalismo sem “trabalhadores” que produzem mercadorias para gerar o mais-valor para os proprietários e nem sem os “cuidadores” (mulheres e idosos), que estão fora da economia oficial, que reproduzem os seres humanos, historicamente não remunerados.

2 - O capitalismo não vive sem a exploração dos recursos naturais, entendidos como inesgotáveis, para obter as matérias primas para a produção de mercadorias.

3 - É essencial para a acumulação de capital a riqueza saqueada das populações dominadas racialmente pelo capital, é o que se chama de ação imperialista. A produção capitalista para ser lucrativa depende de um fluxo contínuo de insumos baratos, incluindo recursos naturais, trabalho não livre ou dependente e endividamento nacional.

4 - Isso tudo requer um aparelho que garante esse processo que é o Estado, o poder público, com seu sistema jurídico, que garante a propriedade privada, com seu poder de regulação e de repressão sobre as classes expropriadas e suas leis para legitimar a expropriação de classe. Este poder também constrói as infraestruturas necessárias ao capital e garante o desmonte dos direitos das classes subalternas.

 

O processo de construção da revolução internacional do Reino de Deus ocorre nesta realidade e contra ela. A Igreja é um dos instrumentos políticos revolucionários neste processo de construção junto com o Movimento Popular, Sindical e Partidos de esquerda na luta por justiça e paz (Rm 14.17).

 

Vivemos, como Igreja, sob a dinâmica imperialista do capitalismo internacional comandado pelo setor financeiro. O capital é nosso inimigo. No tempo dos Evangelistas os inimigos eram o escravismo mantido pela ditadura militar romano e o Templo de Jerusalém (Mt 2; Lc 2.1-2 e 3.1-2; Mc 1.1; Ap 13; 18).

 

1.1 - Conjuntura atual.

A conjuntura na qual vivemos no Brasil é resultado do processo fascista que eclodiu a partir de 2013 para alijar o PT do governo, que resultou no Impeachment da Presidente Dilma e a subida do MDB ao poder e a prisão do Lula, que favoreceu o processo fascista em andamento, que elegeu o ex-capitão fascista para presidente que desmontou o Estado para favorecer mais ainda o capital.

Após a subida do MDB ao poder em 2016, via golpe parlamentar, se viabilizou a retirada de muitos direitos da classe trabalhadora e camponesa pelo congelamento do salário mínimo, pelo congelamento dos gastos em educação, saúde e assistência social, pela reforma trabalhista, pela reforma previdenciária e pelo Refis, que perdoou as dívidas das empresas corruptas, pela abertura das porteiras para suavizar as leis ambientais e pelo genocídio de 700 mil pessoas pela covid-19 facilitado pelo projeto do governo do ex-capitão. Tudo culminou com o 8 de janeiro de 2023 onde os fascistas tentaram um Golpe de Estado, que falhou devido a própria incompetência das lideranças fascistas. Para um Golpe de Estado no Brasil dar certo tem que tem um grande acordo nacional com o Mercado (especuladores), com o Congresso Nacional (partidos de direita), com o STF, com as Forças Armadas, com a mídia golpista, com a CIA e o povo alienado pelas fake News.

Agora estamos num governo socialdemocrata, emparedado por um Congresso fascista, que tenta reproduzir um governo semelhante ao do passado. Os especuladores da Bolsa, o chamado Mercado, são o outro lado da direita que pressionam e chantageiam o governo para garantir a sua parte no orçamento do Estado: os juros da dívida – 50% do orçamento nacional, 2 trilhões de reais. O atual governo socialdemocrata, com seus defeitos, aliado com a direita mesmo assim é melhor que todos os demais governos já existentes. A opção frente ao governo Lula é o fascismo e o golpe. Hoje só têm estes dois grandes grupos no país: a esquerda socialdemocrata aliada a setores do centro e da direita e a extrema direita fascista golpista, que eventualmente tem apoio da direita aliada ao governo. Os partidos comunistas são uma minoria. O Movimento de Massas está congelado porque as organizações das classes subalternas (iludidas pela socialdemocracia) não fazem Trabalho de Base, nem Formação política-ideológica e nem puxam Lutas concretas por mais direitos e para acabar com o capitalismo. Enquanto que a esquerda socialdemocrata tiver a hegemonia da esquerda na política nacional não haverá ruptura com o capitalismo.

As Igrejas históricas estão acuadas e se desligaram do Movimento Popular e rumam ao conservadorismo para se autorreproduzir. As igrejas pentecostais e neopentecostais revelaram a sua face fascista após o Golpe de 2016. Setores progressistas dos pentecostais também se fazem ouvir para contrabalançar. Na IECLB marasmo, isolamento, individualismo, acomodação, medo e falta de projeto da esquerda. A esquerda na Igreja está encagaçada. A direita manda na IECLB em todos os níveis. Pastores/as Sinodais e Presidência não tem poder e nem projeto e com isso se valida o projeto da direita, que é acomodar o Evangelho ao capital para garantir os privilégios da classe capitalista.

Enquanto isso na Igreja só se celebra cultos e se faz encontros com os grupos de convivência, que se reúnem para comer, e as paróquias não tem um projeto de formação teológica para o povo aliado às lutas por justiça e paz do Movimento popular e Sindical. Como a paróquia não tem um projeto de formação teológica para lideranças e para o povão o capital acaba ocupando este espaço e impõe a sua teologia. Formação teológica significa capacitar para entender a realidade do tempo da Bíblia e de hoje, com inserção nas lutas populares por justiça e paz, usando o método de Marx, para poder entender melhor o Projeto Global de Deus na Bíblia para emancipar a humanidade da sociedade de classes. Quem não faz formação sofre formação pelo capital. A maioria das lideranças da IECLB foi formada pelo capital e leva essa teoria para dentro da Igreja.

A paróquia precisa contrapor uma proposta de formação, caso contrário será absorvida pela teoria do capital metamorfoseado em teologia de Jesus Cristo.

Sugestão:

1 - Escola de Teologia Sinodal ou Paroquial para o povo e para formar lideranças coordenada e executada pela pastorada na ativa

Programa do curso sinodal ou paroquial, bem básico.

1 – Modo de Produção Tribal, Tributário, Escravista, Feudal

2 – Modo de Produção Capitalista

3 – Realidade Brasileira

4 – AT – Projeto de Deus no AT

5 – NT – Projeto do Reino de Deus 

6 – História da Igreja Cristã

7 – Confessionalidade Luterana

8 – História da IECLB na realidade brasileira

9 – Análise de Conjuntura do Brasil e da América Latina

10 – Movimentos de resistência popular no Brasil de ontem e de hoje (indígenas, escravos, camponeses, operariado)

11 – História do Movimento Sindical brasileiro - Urbano e Rural

12 – História Econômica do Oeste Catarinense (ou da região do Estado onde fica o Sínodo) – tem que conhecer a realidade regional e local para fazer missão.

Duração: 1 dia - das 9 – 18 horas – um encontro ao mês (numa versão mais aprofundada pode-se fazer cada tema em dois dias o que eleva a duração para dois anos; ou faz de um dia e meio: de sábado à tarde das 14 horas até domingo às 18 horas)

Este é o currículo para a primeira etapa, depois, no ano seguinte, vem a segunda etapa – tem que fazer um currículo para a segunda etapa, de aprofundamento. A formação tem que ser permanente na paróquia.

Oferecer literatura para o povo ler. Fazer uma lista de livros.

2 – Cursos de Formação diversos nas Paróquias a cargo de cada Pastor/a de um dia com 10 encontros ao ano – Paróquia tem que fazer o currículo

3 - Encontro de Formação de Massa nas Comunidades – Dia de Comunidade, Tarde de Comunidade ou Noite de Comunidade

4 – Curso de Formação para pastores/as no Sínodo – 1 dia a cada 4 meses (3 ao ano) para estudo coletivo - Montar um Currículo. Começar a participar do CEBI, da CPT.

5 – Cada pastor/a tira um dia por semana para estudar e ler (isso tem que ser rígido) senão a burrice toma conta. Ler e estudar faz parte do trabalho, pois vai melhorar o trabalho. Carro sem combustível não anda, só empurrando o que não ajuda e não vai a lugar algum. Não vem dizer que não dá porque dá. É ima decisão política. Pastor/a quanto mais corre na paróquia, mais burro fica.

6 – Fazer uma lista de bibliografia básica para a pastorada ler e estudar em conjunto isso vai criar unidade nos encontros sinodais com a pastora sinodal.

7 – Colocar verba no orçamento da paróquia para formação em nível paroquial e sinodal. Verba substancial, não a mereca que normalmente se coloca.

Não se faz missão sem verba. É uma decisão política. Só se faz missão com pessoas capacitadas teologicamente com estudo e participação nas lutas por justiça e paz do movimento popular e sindical. Tudo isso dentro de uma Proposta de um Projeto de Igreja do Sínodo, que não é fácil de realizar por causa da diversidade teológica.

 1.2 - O Projeto de Deus frente o Capitalismo

O Projeto Político Revolucionário Global de Deus para emancipar a Humanidade da sociedade de classes é viabilizado pela Igreja Insurgente de Jesus Cristo e seus aliados do Movimento Popular e Sindical e Partidos de esquerda.

O Projeto Político Revolucionário Global de Deus para a Humanidade, para o agora, segundo a Bíblia, é uma sociedade onde os meios de produção, circulação e distribuição são de posse, uso e controle coletivos para benefício coletivo, sob controle popular (não há propriedade privada dos meios de produção), por isso não existem classes sociais (proprietários e não proprietários), nem luta de classes, nem opressão cultural, étnica e de gênero (incluso o fim do preconceito e opressão contra a comunidade LGBTQIA+), põe fim ao patriarcado e não há exploração e expropriação de classe. O Estado se extinguiu porque não há classes para reprimir ou privilegiar e não existe a Religião do Estado ou do modo de produção vigente (capitalismo como religião ou cristianismo como religião do capitalismo), para legitimar, garantir e reproduzir a propriedade privada dos meios de produção que gera a sociedade de classes e os seus mecanismos de sustentação e reprodução. O Poder Popular é exercido pela Assembleia Popular. Jesus Cristo não apenas quer salvar a Humanidade da destruição gerada pela sociedade de classes, mas quer ressuscitar o corpo da escravidão da morte para a vida eterna do corpo ressurreto (1 Co 15).

Esse Projeto Global de Deus para a Humanidade condiciona a leitura e a interpretação das perícopes, pois não há uma parte isolada do todo. Este Projeto é o guarda chuva sob o qual se abrigam os livros e perícopes da Bíblia. A função do texto bíblico é mostrar que Deus age hoje da mesma forma como agiu no passado. O texto bíblico sempre aponta que Deus reproduz a sua ação e opção do passado no presente.

Este Projeto bíblico ameaça o capital, por isso a leitura da Bíblia precisa ser controlada pelo capital, que controla a administração das paróquias pela pequena burguesia conservadora e com isso impõe a sua teologia a do deus Capital com máscara de Jesus Cristo. Dar leite somente (1 Co 3.2) é infantilizar o povo cristão, é a forma de aliená-lo. O povo também cresce na fé quando se insere nas lutas por justiça e paz, aí precisa de churrasco, que a Igreja lhe nega.

 

Os anos do leite para o povo da IECLB vão até 1970 com o Manifesto de Curitiba. Em 1970 começa o tempo do churrasco de costela de boi velho, que vai até o ano 2000 com o Manifesto Chapada dos Guimarães. Não por causa deste, mas por causa da Reestruturação capitalista neoliberal de 1997 na IECLB. Foi a grande adequação da Igreja ao Projeto do Capital. Graças à burrice e ignorância da esquerda na Igreja, que não leu os autores marxistas que lhe teriam dado condições de fazer uma análise correta da realidade e assim teriam impedido a Reestruturação. Depois disso retorna o tempo de dar leite ao povo com o processo da Reestruturação capitalista neoliberal da IECLB. É claro que dentro da Igreja a dar o leito continuou em grande medida, mas havia o projeto do churrasco.

“Ora, todo aquele que se alimenta de leite é inexperiente na palavra da justiça, porque é criança”. Hb 5.13

O período analisado é o do tempo de dar churrasco ao povo. Analisaremos a IECLB a partir de um recorte: o DE Uruguai - para no exemplo de uma parte entender o todo. E como o todo condicionou a parte, o DE Uruguai, que depois vira Sínodo Uruguai ao se agregar o DE Concórdia em 1998, foi engolido pelo processo da Reestruturação.

 

2 - A realidade da Igreja – um recorte: o DE Uruguai.

2.1 – Anos 60 – 70

Vivia-se sob a conjuntura do Golpe de Estado civil-militar-empresarial-cristão de 1964, resultado da Guerra Fria, a serviço do imperialismo terrorista capitalista estadunidense, que assassinou 9.980 pessoas, torturou 20 mil pessoas, processou 50 mil pessoas e perseguiu 200 mil pessoas.

O DE Uruguai da IECLB é a continuidade do Distrito Alto Uruguai do Sínodo Riograndense (acho que era esse o nome).

Aqui já temos a segunda leva de pastores formados na FacTeol que discutiam Barth e Bultmann.

Nos anos 60 começam a sair os pastores alemães e são substituídos por pastores formados na FacTeol de origem do campesinato empobrecido que tinham outra visão da realidade que os pastores alemães. Por serem brasileiros e brasileiras com direito a voto se inseriram no processo político nacional. Por serem de origem empobrecida tinham sensibilidade para com os agricultores empobrecidos que eram a maioria dos membros das comunidades. Encontraram nas comunidades a realidade de sua casa paterna. Entendiam essa dinâmica. Não era mais um estrangeiro olhando para os nativos com costumes diferentes dos da Alemanha. A novidade era que pregavam em português e não usavam camisa branca, paletó e gravata. O ar europeu desapareceu. A pregação enveredou automaticamente para a política e a luta contra a ditadura. Além do mais os pastores eram observados pelo Dops, como o eram também os padres. Eram (e continuam sendo) uma ameaça, pois tinham plateia cativa todos os fins de semana e tinham respeitabilidade. Era o Herr Pfarrer!

No DEU se criou um projeto de solidificar a cooperação entre os agricultores e a Igreja junto com a ACARESC (antiga Emater) fazia reuniões nas comunidades e no município para criar cooperativas, sindicatos de trabalhadores rurais e grupos de jovens 4S. Estava dentro, talvez sem o pessoal o saber, do processo da Revolução Verde em implantação pela ditadura. Muitas lideranças que ali despontaram assumiram a Cooperativa e o Sindicato, quase todos depois foram cooptados pela direita. A Igreja ajudou a formar as lideranças e o sistema as cooptou e as usou para o seu projeto do capital. Acontece. Mas também despertaram lideranças para a luta pelo MDB contra a ditadura. No âmbito do PIAI os pastores foram decisivos na formação do MDB.

Como a Igreja não usa o método de Marx para analisar e estudar a realidade a sua formação é limitada o que facilita a cooptação pelo sistema vigente. Sabemos também que era tempo de ditadura e de repressão o que tornava a formação mais difícil. Incentivar a formação de Cooperativas e de Sindicatos era algo importante e inovador. Algo assim não passaria pela cabeça de um pastor estrangeiro no Brasil.

PIAI – Plano Integrado de Ação Interparoquial - fim dos anos 60 a início dos anos 70 – Mondaí, Palmitos, Cunha Porã e Maravilha. Formação de lideranças para ajudar os pastores: Leitores, Orientadores de Ensino Confirmatório e Culto Infantil. Elaboração do Estrada da Vida – material para o Ensino Confirmatório. Antes só se decorava o Catecismo Menor e nem se usava a Bíblia. Pastores gastaram suas férias no Lar da Igreja em Panambi para elaborar o material: Estrada da Vida, algo inédito na Igreja. Edição de um livro anual com liturgias e prédicas para os Leitores. Material para estudo bíblico para ser aplicado por lideranças. Encontros semestrais para estudo e formação de Leitores, Orientadores do Ensino Confirmatório, do Culto Infantil e da JE.

Isso desembocou depois na formação da PU – Publicadora Uruguai, que editava o Material para os Leitores e para o Ensino Confirmatório e outros materiais de leitura para o povo ler. Tudo trabalho em equipe, cada um elaborava uma parte do material, que era corrigido no coletivo.

Em Mondaí se construiu um prédio (Internato) para acolher os filhos e filhas dos agricultores que queriam estudar na cidade, que depois virou orfanato. Neste espaço o DEU fazia cursos para os jovens agricultores aprender a lidar com motores, pois em casa se tinha motores de trilhadeira e alguns tinham carros. Aprenderam em vários fins de semana montar e desmontar motores e como descobrir as causas das panes dos motores.

Havia formação nas paróquias com professores da FacTeol de dois dias.

No espaço do PIAI os pastores atuaram junto com o pessoal que era contra a ditadura e criaram o MDB local. Pastores eram chamados pelo Dops para prestar depoimentos e houve perseguição local pelos membros da ARENA. Membros da diretoria da comunidade da cidade denunciaram o pastor ao Dops e o pastor encontrou no Dops o seu material de Estudo Bíblico. A Igreja estava infiltrada por informantes do Dops. Era a pequena burguesia conservadora que reagia, pois sentia que os seus privilégios de classe estavam ameaçados. Os interesses de classe sempre vêm na frente e o que os ameaça deve ser removido. Nesse tempo no Brasil tivemos muitos assassinatos de padres, irmãs católicas, posseiros, sindicalistas que na sua luta pela terra ameaçavam os privilégios de classe dos latifundiários.

A diferença com hoje era que na época a pequena burguesia estava dividida: uma parte era do MDB e outra era da ARENA. Isso dava costas quentes aos pastores. E o MDB tomou o poder das diretorias da paróquia e garantia a estada do pastor e o seu discurso teológico.

Hoje a pequena burguesia, quase toda, é conservadora e bolsonarista, inimiga dos pastores/as e vigia para que a pregação não ameace o capital. Nos tempos da ditadura o inimigo era a ditadura, hoje está claro, que na época como hoje, o inimigo é o capital internacional.

Nos anos de 1973-75 o DEU liberou estudantes de teologia para fazer o trabalho com os grupos de JE no Distrito. Em 1975 realizou-se em Mondaí a Operação Impacto onde jovens do Brasil inteiro conviveram com os agricultores das comunidades pobres por duas semanas fazendo levantamentos da realidade e a avaliação dessa realidade. As Operações Impacto mostraram a realidade das comunidades empobrecidas da IECLB.

 

2.2 - Anos 80 – 90

Aqui temos já a terceira leva de pastores/as formados na FacTeol que já leram Leonardo Boff – Jesus Cristo, o Libertador.

Para o Material do Ensino Confirmatório nos anos 80 se tirava duas semanas ao ano para elaborar o material e corrigir coletivamente. O Estrada da Vida foi abandonado (não sei por que) e elaborados 4 cadernos para o Ensino Confirmatório. Estes materiais se espalharam pela Igreja. Olhando hoje, havia sérias falhas na leitura da Bíblia ali, mas era o que tinha. Éramos pastores/as jovens em processo de formação, com suas devidas deficiências teológicas. Depois a Editora Sinodal publicou o material. A partir disso surge o atual material em uso na Igreja, em suas várias edições e versões. Em épocas eleitorais o DEU publicava material sobre as eleições: cartilhas e livretos, que o povo da ARENA odiava e o do MDB amava e distribuía.

No Oeste catarinense o DE Uruguai e a Diocese de Chapecó, liderada por D. José Gomes, tinham uma linha teológica e de atuação semelhantes. Havia intensa participação de pastores/as nos encontros ecumênicos da CPT e do CEBI. Aprendemos muito com a Igreja Católica. Ali aprendemos que se faz análise de conjuntura do país e da Igreja nos encontros e se lê a Bíblia a partir da realidade da luta de classes em andamento na qual o povo está metido. Na FacTeol não se ensinava isso.

Nos anos 80-90 o DEU construiu dois projetos: acompanhar as lutas do MST e acompanhar as lutas do MAB. O primeiro projeto foi, durante três anos, financiado pelos próprios obreiros/as. Cada um doava um SM para o Projeto para pagar o salário da pessoa liberada. Isso tem como origem que em 1983 a IECLB elevou o salário dos/as pastores/as em 1 SM e a pastorada do DEU disse que trabalhamos com os pobres e vamos caminhar com eles e não vamos usar este aumento. Aí o Dr. Milton Schwantes disse, depois de um ano, quando fomos num dos encontros que mais tarde formou a PPL, porque não usam esse dinheiro para um projeto em vez de deixar isso com os membros que para estes não faz muita diferença. Daí começamos a discutir que projeto elaborar e a opção foi pelo trabalho com os sem terra. Uma parte do Projeto era subsidiado pelo Pão para o Mundo. Depois os dois projetos eram subsidiados pelo Pão para o Mundo. No andar dos anos 90 não se conseguiu mais pastores para coordenar estes dois projetos que foram assumidos por pessoas leigas. Era o endireitamento em andamento, sutil, mas seguro. Aí os dois projetos acabaram porque já estávamos no tempo do neoliberalismo que havia solapado a opção pelos pobres na Igreja.

No Projeto com os sem terra havia um curso de formação mensal de sexta à noite até domingo à noite a partir de temas geradores. Começava-se no primeiro encontro com o estudo dos modos de produção e se levantava os temas que as pessoas participantes achavam importante discutir, que eram depois estudados no resto do ano. Este curso (chamado de Curso do Lobo – ligado ao Projeto do MST) fez depois surgir no DE Uruguai o CTP – Curso Teológico Popular de 1994 a 2022 com a liberação de pastoras para organizar e viabilizar a formação no DE. Por enquanto o CTP morreu por boicote geral, por incapacidade de articulação, falta de vontade política de fazer formação, falta de projeto de Igreja, acomodação e burrice. No início dos anos 90 foi inaugurado o CEFAPP – Centro Evangélico de Assessoria Pastoral e Popular para dar conta da demanda da formação de lideranças que havia no DEU e no Movimento Popular e Sindical. Havia os encontros distritais da PPL e muitos destes participantes se inseriram ou já estavam inseridos nas lutas do Movimento Popular, Sindical e Partido de esquerda (PT).

Nos anos 80-90 a maioria dos pastores e pastoras do DEU participava dos encontros do CEBI Sul (Curso de Padres e Pastores/as e Assembleia do CEBI Sul) e do CEBI regional de Chapecó, com encontros trimestrais de estudo de dois dias, além da participação das reuniões da CPT e das Romarias da Terra. Estes encontros ecumênicos de estudo ajudaram em muito a construção de um Projeto de Igreja para o Distrito, embora não muito claramente elaborado, mas executado nas práticas distritais.

Nas mobilizações do Movimento Sindical, do MAB, MMC, MST a maioria da pastorada participava, quem não comparecia era questionado. Houve no final dos anos 80 e início dos anos 90 uma discussão para cada paróquia elaborar um Plano de Ação Missionário. Cada paróquia elaborou um Plano para vários anos e foi apresentado a nível distrital. Havia muita discussão teológica e debate acirrado entre a colegada, nem sempre havia concordância. Havia a cada mês uma Conferência de Obreiros/as de dois dias onde vinha toda a família com as crianças acampar na casa do colega onde acontecia a Conferência. Nas noites se jogava cartas e se conversava. Alguns já vinham no dia anterior, pois havia um clima de colegismo e de amizade.

O que não se tinha no DEU era medo. O medo é nosso pior inimigo porque ele paralisa. Não sei se era por ingenuidade ou ignorância, mas não se tinha medo. Isso fazia avançar nas discussões teológicas, nas propostas e atuações junto com o Movimento Popular e Sindical. O que ajudava, na época, era que praticamente todos eram jovens, da mesma geração, isso ajudava a unir. Havia um espírito de equipe porque havia projetos em comum e identidade teológica.

Quando a pessoa faz parte de uma equipe, de um coletivo, ela reage diferente, tem coragem e faz coisas que isolada não faria. Por isso o Espírito Santo criou este instrumento político coletivo insurgente revolucionário internacional chamado de Igreja de Jesus Cristo para atuar coletivamente dentro do processo revolucionário de construção do Reino de Deus por Jesus Cristo para emancipar a humanidade da sociedade de classes e conceder a vida eterna.

Hoje a maioria da pastorada está com a calça cheia. Isso paralisa, impede de sonhar, impede de se organizar, impede de ousar e de avançar. Igreja medrosa nunca será missionária. Se Paulo ou Pedro estivessem com a calça cheia vocês acham que a Igreja teria crescido? Nunca. Na época do NT todo cristão tinha motivo de ter medo, pois a prisão e a morte era coisa certa. Bastava uma denúncia e vinha a prisão, a tortura e a morte. 300 mil mártires e a Igreja crescia. O bispo acompanhava o cristão/ã condenado/a para a execução, se expondo abertamente. Os cristãos acolhiam os doentes em tempo de peste e muitas das melhores lideranças morriam pelo contágio. Não tinham medo. Esse testemunho fazia a Igreja crescer.

Quando veio, no final dos anos 80, a reação da direita na Igreja a partir da RE II contra a TdL e os DEs controlados, boa parte, pela esquerda, já não havia mais ditadura e a pastorada estava perdida com o tal neoliberalismo e o fim do mundo bipolar. Não sabendo fazer análise de estrutura do capitalismo e de conjuntura nacional e da própria Igreja a pastorada se encolheu desorientada e a Reestruturação passou na segunda votação em Ivoti, em Toledo foi rejeitada.

O lema, dito abertamente, entre a direita na Igreja era: retirar o poder dos pastores; os pastores são o problema da Igreja. Isso a Reestruturação conseguiu e o capital venceu, por enquanto. Retiraram o direito de voto do/a pastor/a na diretoria das paróquias, o direito de voto do Pastor Sinodal, Pastor/a presidente e Secretário Geral. Quem não tem direito ao voto não é livre. Usa-se o TAM e a Avaliação para a repressão e a última cartada foi retirar o nome de pastor e substituir por ministro. Retirou-se a dignidade da ordenação e a capacidade de pregar livre e puramente a Palavra de Deus como Lei e Evangelho na Igreja e na sociedade. Pastor/a agora é peão. Se não dança a música da pequena burguesia é chutado.

Fico impressionado como a colegada aderiu ao vocabulário da Reestruturação e todos/as falam que são “ministros”. Resistência: zero. É pela linguagem que se aprisiona a pessoa. Isso já diz em Gn 11.1-9. "... a sufocação dos timbres, das vozes e das línguas dos oprimidos é condição essencial para a manutenção da hegemonia dos opressores" lembram Maestri e Carboni em A linguagem escravizada.

O fato é que o DE Uruguai sempre foi um DE combativo que enfrentava a Direção da Igreja, lutava contra o Abono Local e Função e contra os preços altos dos livros da Editora Sinodal. Chegou a reter durante anos 10% do valor das quotas e não as repassava à RE porque era o gasto com Abono Função na Igreja. A direção da Igreja foi avisada disso, foi uma decisão do Concílio Distrital. Não havia sonegação de Quotas para a Igreja, pelo que eu sei. No DEU havia sempre uma luta constante com os missionários da MEUC. O missionário que morava em Palmitos foi expulso como membro da IECLB pelo DEU e pela Paróquia de Palmitos. Esse conflito vem desde os anos 1970 e dura até hoje.

Em meados dos anos 90 mudou o pastor distrital, que veio de fora há pouco tempo, era amigo do Kirchheim e fez uma política de aproximação com o povo da direção da Igreja, pois o DEU era conhecido como oposição radical e de esquerda. O tal pastor distrital, que também era de esquerda, mas como os demais não soube ler a nova conjuntura do capital entrou na onda da Reestruturação, foi engolido pela estrutura, e o DEU foi o único DE da RE III que votou a favor da Reestruturação. É de chorar. Isso mostra como a esquerda na Igreja estava desorientada, mas a direita sabia o que queria: Submeter a Igreja totalmente aos interesses do capital internacional.

O termo “reestruturação” foi retirado do vocabulário da economia capitalista neoliberal da época para adaptar a estrutura e a teologia da IECLB aos interesses do capital neoliberal. Como já nos dizia o velho Marx: “O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência da pessoa que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência.

 

2.3 – Anos 2000 – o tempo do desmonte.

Aqui temos agora uma leva de pastores/as que só conhecem a IECLB sob o domínio da Reestruturação capitalista neoliberal. Aceitam o processo da Reestruturação como fato dado e individualmente procuram sobreviver. Não sabem fazer análise de estrutura e conjuntura do capitalismo e da Igreja. A Igreja não ensina isso porque não pode ensinar o que ela mesma não sabe. Nem a própria Igreja sabe fazer isso ou tem medo de fazer, pois isto revelaria que vivemos na Igreja o mesmo processo da luta de classes que na sociedade envolvente, onde a classe capitalista controla tudo também a Igreja através da pequena burguesia conservadora, e por isso no Concílio da Rondônia não se falou uma palavra sobre o processo de depredação capitalista da natureza nesta região e nem no Fórum para planejar a Missão a partir de 2025 se fez análise de conjuntura do país, pois a IECLB vive em Marte, talvez um pouco mais longe, em Júpiter. Como vai se planejar a missão da IECLB no Brasil sem levar em conta a conjuntura atual do país? Isso é de uma pisada na casca da banana impressionante. Ou é puro medo da direita? As duas versões são catastróficas.

Aí aconteceu o desastre: a Reestruturação juntou sempre dois ou três DEs para formar um Sínodo. O Sínodo Uruguai foi formado pelo DE Uruguai e pelo DE Concórdia. Este último desestruturado, nem conseguia direito escolher um pastor distrital, ninguém queria, e não estava envolvido nas lutas populares, nem tinha um histórico de trabalho em conjunto. Aí travou tudo. Hoje o Encontrão controla a metade das paróquias do Sínodo, que não tem projeto de Igreja, simplesmente porque não dá para misturar óleo com água.

Como no processo ideológico no capitalismo neoliberal o individualismo é uma questão central então este comanda o processo de submissão ao capital no Sínodo. E o diabo batendo palmas, eufórico. Saída individual não é saída, é suicídio. Só no coletivo se constroem saídas. O Espírito Santo chama isso de Igreja. Igreja em sua essência é um coletivo insurgente – assembleia do povo de Deus. Se esconder e se isolar nas paróquias para sobreviver é se submeter de vez ao poder da pequena burguesia, enfim ao capital.

Qual a formação teológica da pequena burguesia? Dois anos de ensino Confirmatório, talvez ainda participaram do Culto Infantil e em algumas palestras dispersas. Reina um semi-analfabetismo teológico e este quer dar a linha teológica na Igreja. No fundo não é culpa dela, pois a paróquia não oferece um projeto robusto de formação teológica continuada de forma planejada. As paróquias não tem uma Escola de Teologia para embasar teologicamente o seu povo. Por outro lado tenho visto que esta pequena burguesia foge da formação como o diabo foge da cruz. É muito difícil conseguir que alguém da direção da paróquia ou das comunidades queira participar de um processo continuado de formação. O capital já os formou ideologicamente e isto basta.

Para eles Igreja é administrar as finanças e organizar promoções. É o trio do X do alemão – xurasco, xopp e xixo. Isso é Igreja para uma boa parte porque isso dinamiza a economia capitalista: vende gado, vende cerveja e chopp, vende conjunto musical, vende produtos da padaria, vende tinta e tijolos para reforma do pavilhão, etc. O capital agradece, pois 20% do movimento total de uma promoção fica com a comunidade e 80% fica com o comércio capitalista local comandado pela pequena burguesia. Ela é a grande beneficiária desse conceito e prática de Igreja. Tudo em benefício próprio. A IECLB é conhecida por se formar por descendentes de alemães, pelas festas, baile da cuca e da linguiça, Oktoberfest, Choppfest, Kerbfest, etc., mas nunca por suas lutas por justiça e paz (Rm 14.17). É o testemunho pela cachaça e Igreja como cachaça.

Logo após a Reestruturação muitas direções de paróquia pressionavam os pastores/as para não participar das Conferências de Obreiros/as ou de outros encontros sinodais, pois eram considerados peões (objetos) para uso exclusivo na paróquia. Deveriam ficar 100% do tempo na paróquia. É o individualismo ao extremo e a ignorância total do que é Igreja de Jesus Cristo.

A nossa diferença com o Encontrão é que este não precisa temer nada, pois o seu discurso teológico não ameaça o capital. Esse discurso agrada à pequena burguesia porque reproduz o capital. Este discurso ajuda a levantar fundos para o Encontrão poder se organizar melhor. A pequena burguesia investe financeiramente no projeto do Encontrão porque este legitima o capital. O pessoal do Encontrão não vai ser chutado por causa de sua pregação, a não ser que seja muito rasa e ruim.

A realidade do campesinato também não é a mesma dos anos 1960-2000. Os camponeses pobres foram eliminados pelo processo econômico e sobraram os agricultores economicamente mais fortes que entraram no processo da integração com as agroindústrias e melhoraram visivelmente economicamente, apesar de crises cíclicas normais no capitalismo. Hoje boa parte dos membros da IECLB do interior são da pequena burguesia rural, portanto conservadores, e tem uma renda semelhante a da chamada classe média. Essa pequena burguesia rural aliada a pequena burguesia urbana controlam a paróquia e impõem a sua teologia e pressionam a pastorada  contra a parede, que isolados, por uma opção idiota se sobrevivência individual, sucumbem. Esqueceram que Igreja sempre é um processo insurgente coletivo dentro do processo revolucionário de construção do Reino de Deus conduzido por Jesus Cristo.

Sobraram ainda muitos camponeses empobrecidos, mas estes não tem voz na igreja, como sempre acontece. O operariado está isolado nos bairros, pois a comunidade do centro não permite que se construa uma comunidade com uma igreja nos bairros, é uma questão de poder e de controle. Quem manda e dá a linha teológica na Igreja é esta pequena burguesia urbana e rural conservadora que não tem visão missionária. Está apenas preocupada em manter seus elefantes brancos do centro e por isso não permite que se construa mais comunidades na cidade. É uma questão financeira e de poder político.

Pastor/a é um Hampelmann. Não tem mais poder, nem projeto de Igreja, apenas a vil sobrevivência individual e se nega a se organizar e estudar teologia e a realidade em conjunto para enfrentar esta conjuntura adversa.

A direita capitalista na Igreja venceu de 7 a 1 esta partida. Por enquanto.

A Avaliação do Processo da Reestruturação em 2005 já levantou que

“Houve um total esvaziamento da autoridade pastoral e eclesiástica, sendo que pastores se portam como funcionários e empregados dos presbíteros; pastores sinodais se tornaram reféns da "política administrativa" dos presbíteros; os pastores sinodais não estão mais próximos dos obreiros (o número crescente de conflitos pessoais e familiares o confirmam).

Obreiros/as se sentem coagidos a agradarem a comunidade às custas do compromisso evangélico.

Houve "laicização empresarial", sendo que presbíteros não devidamente preparados transferem critérios empresariais para a administração da comunidade. ...

Comunidades e paróquias se imbuíram de poder tratar obreiros/as como funcionários/as (problema da autoridade e do poder). ...

A atual estrutura é mais cara e menos operativa. ...”

 Hoje no Sínodo Uruguai o Encontrão controla a metade das paróquias e tem como projeto eleger o pastor sinodal e tornar o Sínodo 100% Encontrão. O Encontrão abriga a direita na Igreja dividida em vários grupos muito ativos nas redes sociais. Isso faz parte do grande projeto da direita em nível de Brasil apoiado por grande parte pelas igrejas neopentecostais com discurso de ódio, que usam da despolitização da massa para manipular o povo.

O povo brasileiro está despolitizado por culpa da própria esquerda acomodada eleitoreira socialdemocrata e por causa do recuo da TdL na Igreja por falta de clareza teológica, acomodação, falta de organização para a resistência e de um Projeto Nacional de Igreja.

A ingenuidade, o medo e a burrice da pastorada que não são do Encontrão impedem que este grupo se organize e lute para garantir a livre e pura pregação da Palavra de Deus como Lei e Evangelho na Igreja. Irão se resignar sob o domínio do capital que é adorado como deus com máscara de Jesus Cristo na igreja. A prática mostra isso, a prática é o critério da verdade.

 

Igreja é um instrumento coletivo político revolucionário insurgente internacional criado pelo Espírito Santo com a tarefa de ajudar na construção do Reino de Deus conduzido por Jesus Cristo, aliada ao Movimento Popular, Movimento Sindical, ONGs de esquerda e Partidos Políticos de esquerda (comunistas). Só um coletivo muda as coisas. A salvação é um processo coletivo (Mt 1.21), como já nos mostra o processo bíblico do Êxodo. Não existe saída individual. A pretensa saída individual só ajuda a afundar o barco. A direita sabe disso e está melhor organizada.

 

Proposta - Projeto de resistência:

Formar um Grupo da Resistência em nível de IECLB (lembrando o Grupo dos 80 e o Grupo de Curitiba) com encontros virtuais e presenciais periódicos para a articulação de um Projeto Nacional de Igreja. Hoje as coisas são mais fáceis, que nos anos 70, para se reunir. É apenas uma questão de decisão política e teológica.

Se nós não organizarmos o Grupo de Resistência ninguém mais o fará.

Quem não se organiza será organizado pelo capital.

Vale lembrar o tripé do Movimento de Massas: Trabalho de Base, Formação teológica/ideológica e Luta de classes. É fundamental viabilizar essa dinâmica na Igreja, pois mobilizará a massa e ajuda a fortalecer a democracia. Isso ajuda em nosso processo de resistência na Igreja dentro do processo insurgente e revolucionário de construção sem fronteiras do Reino de Deus conduzido por Jesus Cristo.

 

Palmitos, 30 de maio de 2024

 

Pastor Günter Adolf Wolff

 



[1] LUKÁCS, Georg. Rosa Luxemburgo como marxista in História e Consciência de classe. São Paulo. Martins Fontes. 2003, p. 105-107

[2] LUKÁCS, Georg. História e Consciência de classe. São Paulo. Martins Fontes. 2003, p. 117

[3] DUSSEL, Enrique. A produção teórica de Marx. Um comentário aos Grundrisse. São Paulo. Expressão Popular. 2012, p. 53

[4] BOGO, Ademar. Organização Política e Política de Quadros. Expressão Popular, 2011, p. 170

[5] HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis/Bragança Paulista, Vozes/Editora Universidade São Francisco, 2008, p. 36.

[6] MARX, Karl. Prefácio à “Contribuição à Crítica da Economia Política” in MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Textos, vol. III. São Paulo. Edições Sociais. 1977, p. 301