Tentando analisar a realidade da Igreja. Há também outras formas de analisar a Igreja, pelo viés capitalista, que não inclui a luta de classes. Engels[1] revela que
Entre as numerosas e importantes descobertas com que Marx
inscreveu seu nome na história da ciência, só duas queremos destacar aqui.
A primeira é a revolução que realizou em toda a concepção da
história universal. ... Marx demonstrou que toda história da humanidade, até
hoje, é uma história de lutas de classes que todas as lutas políticas, tão
variadas e complexas giram unicamente em torno do poder social e político de
umas e outras classes sociais; por parte das classes novas, para conquistá-lo.
...
A segunda descoberta importante de Marx consiste em haver
esclarecido definitivamente a relação entre o capital e o trabalho; em outros
termos, em haver demonstrado como se opera, dentro da sociedade atual, com o
modo de produção capitalista, a exploração do operário pelo capitalista.
O Deus da esmagadora maioria dos chamados cristãos é o Deus Capital com máscara de Jesus Cristo que seguem a teologia metamorfoseada do Evangelho de Jesus Cristo em teologia do Deus Capital. A prática dos chamados cristãos mostra isso, pois a prática é o critério da verdade.
Qual é a prática dos chamados cristãos? A sua prática é o capitalismo e eles defendem a propriedade privada dos meios de produção como base da sociedade de classes que garante a exploração e a expropriação de classe sustentada e legitimada pelo Estado capitalista e pela teologia do Evangelho Jesus Cristo metamorfoseado em teologia do Deus Capital. A teologia do Deus Capital é a adaptação do Evangelho de Jesus Cristo para dar respaldo à sociedade de classes e a sua exploração sobre as classes subalternas como algo divino e inquestionável.
Assim como no tempo do escravismo colonial no Brasil a Igreja (Católica) defendia a escravidão, hoje a Igreja (todas elas) defende o capitalismo, quando deveria defender o Projeto do Reino de Deus, uma sociedade sem classes, de irmãos e de irmãs, iguais e livres baseado na justiça, na paz e na alegria do Espírito Santo (Rm 14.17),que são as características do Reino de Deus. A alegria no Espírito Santo lembra Lc 4.18 onde diz que o Espírito do Senhor está sobre Jesus e sobre quem liberta os cativos (não há mais senhores e escravos, isso elimina a sociedade de classes); anuncia o Evangelho aos pobres, anunciando que deixarão de ser pobres porque a sociedade de classes foi extinta porque se extinguiu o que cria a sociedade de classes, a propriedade privada dos meios de produção; os oprimidos pelo imperialismo também serão libertos, pois a sociedade de classes não mais existe, pois a sua base foi extinta; os que não enxergavam a realidade opressiva da sociedade de classes agora a enxergarão, pois lutaram para extingui-la.
Com o anúncio do Evangelho de Jesus Cristo o Reino de Deus veio para substituir (revolucionar) o reino do mundo, a sociedade de classes alicerçada na propriedade privada dos meios de produção, circulação e distribuição, portanto nenhum cristão defenderá o reino do mundo (coisa do diabo – Jo 12.31; 14.30), mas somente o Reino de Deus, uma sociedade sem classes de pessoas libertas (Gl 5.1) e irmãs.
Na Igreja de Jesus Cristo metamorfoseada em Igreja do Deus Capital não é permitido questionar a propriedade privada dos meios de produção, nem a sociedade de classes por ela criada que gera a exploração e a expropriação de classe e o Estado capitalista que sustenta, legaliza e legitima esta sociedade de classes e todo o processo espoliador de classe.
O Evangelho de Jesus Cristo propõe o fim da sociedade de classes, pois em Jesus Cristo somos irmãos e irmãs, livres, santos, sacerdotes e iguais como nos conta Paulo em Gl 3.28: “não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.” Sabemos que para eliminar a sociedade de classes (não pode haver ... nem escravo nem liberto) é fundamental e imprescindível eliminar a propriedade privada dos meios de produção como Jesus Cristo propõe em Mt 19.16-22 e em At 2 e 4-5. Junto com a eliminação da sociedade de classes pela extinção da propriedade privada dos meios de produção, circulação e distribuição, com a expropriação dos expropriadores, ocorre a eliminação da opressão étnica, cultural e de gênero (não pode haver judeu nem grego) e o fim do patriarcado (nem homem nem mulher). Em Gl 5.1 Paulo lembra: “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão”. Só seremos livres dentro de uma sociedade sem classes sociais. Hoje sobrevivemos como classe trabalhadora e camponesa na escravidão assalariada. Nós pastores/as pertencemos à classe trabalhadora, pois não controlamos nenhum meio de produção, mas temos que vender a nossa força de trabalho para a Igreja por um salário, que se diz que não é salário, mas uma subsistência básica, é apenas um outro nome.
A sociedade de classe é o mundo. “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele”; 1 Jo 2.15 – o mundo é a sociedade de classes alicerçada na propriedade privada dos meios de produção – amar o mundo é amar o capitalismo; defender o capitalismo é amar o mundo. Deus não está com aquele que ama o capitalismo e o defende intransigentemente.
Como uma sociedade de classes, como a sociedade capitalista, pode permitir a divulgação e a prática do Evangelho do Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo que se opõe frontalmente à sociedade de classes e o seu processo espoliador e opressor de classe? Como não se conseguiu desde o Império Romano eliminar a Igreja de Jesus Cristo então a saída foi cooptá-la dentro do processo de metamorfosear a sua teologia segundo os interesses do modo de produção classista vigente, primeiro escravista, depois feudal e finalmente capitalista.
Isso nos lembra dos Documentos de Santa Fé da década de 1980 elaborados pelos Estados Unidos. O texto “Uma nova política interamericana para os anos 80”[2], o Documento de Santa Fé I, diz o seguinte sobre o papel da Igreja na Segunda Parte intitulada: A subversão interna. A teologia está inserida no tema da subversão neste documento. O imperialismo entendeu direitinho o Evangelho de Jesus Cristo e propõe estratégias como barrá-lo.
Proposição 3
A política externa dos EUA deve começar a confrontar
(e não simplesmente reagir contra) à teologia da libertação tal como é usada na
América Latina pelo clero da “teologia da libertação”.
O papel da Igreja na América Latina é vital para o
conceito de liberdade política. Infelizmente, as forças marxistas-leninistas
usaram a Igreja como arma política contra a propriedade privada e o sistema de
produção capitalista, infiltrando na comunidade religiosa ideias que são menos
cristãs do que comunistas. (tradução do autor)
O que está ameaçado pela Teologia da Libertação? A propriedade privada e o sistema de produção capitalista. Os imperialistas entenderam que a Bíblia ataca a raiz do problema: a propriedade privada e o capitalismo, a sociedade de classes. Segundo estes o papel da Igreja é garantir a base da sociedade de classes: a propriedade privada. Para o azar dos imperialistas, a Bíblia não dá suporte para isso, ela é contra a propriedade privada dos meios de produção, que cria a sociedade de classes, a expropriação de classes e o Estado, algo nada bíblico (Gn 11.1-9).
No Documento de Santa Fe II 1988[3] diz:
... a Teologia da Libertação: é uma doutrina
política disfarçada de crença religiosa com um significado anti-livre empresa e
anti-papal, para enfraquecer a independência da sociedade do controle
estatista.
Os EUA entenderam a essência subversiva do Evangelho do Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo e por isso essa essência precisa ser manipulada e adaptada segundo os interesses do capital alicerçado na propriedade privada dos meios de produção sustentada pelo Estado capitalista.
Quem vai garantir e viabilizar isso? Quem vai garantir e viabilizar isso são os representantes do capital no município, que é a instância mais próxima do povo (junto com a grande burguesia nacional). Quem são estes? É a pequena burguesia conservadora local (muitas vezes reacionária e fascista), que é o longo braço estendido do capital internacional no município. A pequena burguesia conservadora são os ouvidos, a boca, o cérebro, os braços e os olhos do capital internacional no município para evitar qualquer ruptura no tecido social para que outra forma de viver, de pensar e de se organizar não passe ali. Como se faz isso? Isso é feito pelo controle de todas as organizações que há no município. A pequena burguesia conservadora se infiltra nas direções das organizações que existem no município para garantir os interesses do capital internacional e seus interesses econômicos, políticos e ideológicos próprios. Quem tem a hegemonia econômica precisa ter a hegemonia política para garantir e legitimar a hegemonia econômica.
Você pode verificar em seu município como a pequena burguesia está infiltrada nas direções de todas as organizações do município: Igrejas, Prefeitura, Câmara de Vereadores, cooperativa do agronegócio, clubes de idosos, clubes de futebol, casa de idosos, sindicatos conservadores, maçonaria, Lions, Rotary, Câmara Júnior, Escoteiros, APAE, CTG, CDL, ACI, hospital, Liga Feminina de Combate ao Câncer, partidos políticos, o comércio, a indústria e por aí vai. Com isso eles garantem a reprodução do Capital, garantem os seus privilégios de classe e seu espaço político. Essa pequena burguesia nem sabe disso, mas faz isso automaticamente sem o saber; como lembra Marx[4]: "Eles não sabem disso, mas o fazem".
As médias e grandes cidades são comandadas pela grande burguesia aliada ao capital internacional e seu viés financeiro. A IECLB está enraizada em sua maioria nos municípios com cidades pequenas e por isso é importante conhecer quem é a pequena burguesia local e também a grande burguesia e o que ela é capaz de fazer.
Rosa Luxemburgo[5]
lembra que
Não passa de delírio extravagante acreditar que os capitalistas
se renderiam de bom grado ao veredicto socialista de um Parlamento, de uma
Assembleia Nacional, que renunciariam tranquilamente à propriedade, ao lucro,
aos privilégios da exploração. Todas as classes dominantes, com a mais tenaz
energia, lutaram até ao fim por seus privilégios. ... - todos derramaram rios
de sangue, caminharam sobre cadáveres, em meio a incêndios e crimes, provocaram
a guerra civil e traíram seus países para defender privilégios e poder.
Tanto a grande como a pequena burguesia apoiaram as ditaduras militares que mataram milhares de pessoas para manter seus privilégios de classe. Essa mesma burguesia estava apoiando a tentativa de golpe do ex-capitão desde 2022 e também antes. A tentativa de golpe previa o assassinato de lideranças políticas e campos de concentração de prisioneiros de guerra e o resto a gente já sabe o que mais vem: perseguição, censura, prisão, tortura, assassinato de opositores. Nós já vimos este filme em 1964 e nas décadas de 60-80 na América Latina com milhares de pessoas desaparecidas e assassinadas. Essa é a ideologia recorrente da pequena burguesia que controla as comunidades e paróquias, com suas devidas e honrosas exceções. Isso a gente só enfrenta com um Projeto de formação teológica clara nas bases para capacitar os empobrecidos para que assumam a direção das comunidades e das paróquias. Mas isso as paróquias não tem e não vejo vontade política para viabilizar isso. A paróquia só quer que pastor/a celebre cultos e esteja nos programas dos grupos de convivência, que normalmente só se reúnem para comer. Isso deixa a Igreja como ela está, pois isso não ameaça o capital. Alípio Freire[6] explica quem é a pequena burguesia:
O termo “pequena burguesia” – com matriz no marxismo
– diz de uma classe social composta por pequenos proprietários, de reduzido
capital, e que explora a força de trabalho de pouquíssimos assalariados – seja
na área de produção, comércio ou serviços.
Existe a pequena burguesia urbana (pequenos industriais, pequenos comerciantes, profissionais liberais) e a pequena burguesia rural (granjeiros, médios proprietários de terra, agricultores integrados aos frigoríficos e lacticínios). Yasser Jamil Fayad[7] acrescenta que
As classes médias (pequena burguesia) são
proprietárias individuais, que pensam, permanentemente, em ser a grande burguesia
e vivem em constante medo de perder sua posição (proletarização), o que
justifica a sua defesa da ordem e da segurança. Alimentam-se do privilégio e de
um padrão de consumo, que só possui validade social se comparado àqueles dos
trabalhadores, tem portanto, ojeriza a uma cidadania real e à luta social por
conquistas de direitos universais. ... São essas classes sociais que vocalizam
o conservadorismo e as visões de mundo reacionárias na sociedade brasileira e roubam
o trabalho a preço vil dos setores populares em funções não nobres e
repetitivas – limpeza de casa, de roupas, cozinhar, cuidar do bebê, etc. – para
poder dispendiar seu tempo em matérias que lhes dão privilégio (estudo,
negócios, acesso aos melhores cargos da burocracia do Estado pelo privilégio da
formação, etc.).
Essa elite local pensa que qualquer mudança na sociedade vai diminuir ou retirar seus privilégios por isso ela se agarra ao conservadorismo e é presa fácil do fascismo.
Esta pequena burguesia conservadora controla a Igreja desde a base comunitária até o Conselho da Igreja e o Concílio da Igreja. Há uns dez anos atrás eu conversei com o então assessor da presidência sobre o Conselho da Igreja e contamos que dos 18 conselheiros sinodais 13 eram conservadores. Se não acredita no que digo verifique em várias paróquias e comunidades e em vários Conselhos Sinodais quem são os seus componentes e a que classe social pertencem. Verás que a maioria das pessoas nas diretorias das paróquias e das comunidades é da pequena burguesia conservadora. São as pessoas do comércio, da indústria, profissionais liberais e da pequena burguesia rural (granjeiros, integrados das agroindústrias, médios proprietários). E as pessoas que são da classe trabalhadora e camponesa normalmente pensam do mesmo jeito, pois foram ensinados a pensar assim pela ideologia imposta pela classe capitalista ao povo porque a Igreja é ingênua e não analisa a Igreja e a sociedade a partir da luta de classes.
Quem controla a Igreja desde a base comunitária são os inimigos de Jesus Cristo que se dizem e se entendem como seus discípulos com a prática e a teologia do Deus Capital com máscara de Jesus Cristo. Essa é a contradição em que vive a Igreja.
Albrecht Baeske[8]
fala da ação do diabo, que introduziu a teologia do Denorex na Igreja, dizendo
que
O campus de “satanás” é a Igreja; infiltra-se, mascara-se,
desempenha seu papel na comunidade. Não na periferia desta, ao contrário, bem
em seu centro, onde se o confessa em alto e bom som. No decorrer da história da
Igreja poucos discípulos de Jesus Cristo o compreenderam nesta parte tal qual
Martim Lutero. Por isso insiro frases deste: “Satanás não vem ao boteco da
esquina”. Ele “aparece na Igreja, chegando a sentar-se no templo, em cima do
altar, querendo se passar por Deus”. Corre “para a Igreja, não para o mundo”, o
qual, de momento, lhe pertence. “Os que satanás já possui – estes ele não
tenta.” É assanhado por aquilo que não é seu: o próprio Jesus Cristo e seus
discípulos mais familiarizados. “Sempre se mete no meio deles”; “satanás” está
– ressalta Lutero – “permanentemente onde Jesus Cristo está, coladinho nele;
onde este constrói uma igreja, aquele constrói uma capela encostadinha;
esperando por dar seu bote”. ... “Satanás” é todo aquele e tudo aquilo que quer
Jesus Cristo sem a cruz; um movimento “satânico” está se formando onde e quando
se quer a Igreja e suas congregações sem uma imagem dele na cruz. “Satanás” é
arqui-inimigo da cruz de Jesus Cristo e pessoas “satânicas” são “as inimigas da
cruz de Cristo” (cf. Fp 3.18). Elas começam a enveredar nesta direção se
colocam cruzes sem o Crucificado no altar ou retiram dos templos qualquer tipo
de cruz. Algo já em franco andamento na IECLB. ... “Satanás” é arqui-inimigo da
cruz de Jesus Cristo e “os inimigos da cruz de Cristo” limpam (como afirmam) seus
templos das cruzes.
Essa pequena burguesia conservadora com o auxílio de pastores conservadores conseguiu impor o processo da Reestruturação da IECLB em 1997 com o auxílio de muitos pastores da esquerda ingênuos. Na verdade isso aconteceu porque nós da esquerda somos um bando de burros que não estudaram e nem leram o que deveriam ter lido e estudado nos anos 80.
Isso aconteceu porque todos nós fomos ensinados a não ver o mundo como ele é, pois estamos sob o tacão da ideologia dominante do capital e por isso a Igreja não nos ensinou o marxismo que nos teria mostrado como funciona a sociedade de classes e a luta de classes na sociedade e na Igreja e não teríamos sido presa fácil da ideologia neoliberal. Mas como a Igreja não pode ensinar o que não sabe, ela não nos ensinou isso porque está atrelada à visão europeia de Deus e de mundo controlado pelo capitalismo. Aprendemos a leitura capitalista da Bíblia sem que nos tenha sido dito que é uma leitura capitalista da Bíblia, mas que era uma leitura neutra da Bíblia, coisa que não existe porque a cruz de Cristo no Gólgota não é neutra. Nenhuma leitura da Bíblia é neutra, toda ela é parcial, política, classista, sexista e étnica.
Para mostrar como o controle da pequena burguesia sobre a paróquia funciona quero contar como cheguei em Cunha Porã em 1978 e mostrar como eu era burro (e continuo sendo).
O Conselho Diretor me enviou para Cunha Porã e em junho de 1978 eu peguei ônibus da Ouro e Prata e desci em Iraí onde o Presidente e o Tesoureiro da paróquia me esperavam para me levar para a reunião do Conselho Paroquial que iria me ouvir e aprovar ou não. No percurso entre Iraí e Cunha Porã fomos conversando e eu perguntei: Quem é o prefeito de Cunha Porã? Eles disseram o Guido Drews e eu perguntei de que partido ele é: da ARENA, responderam. Aí o tesoureiro da paróquia me perguntou e você de que partido é? Eu respondi: do MDB. Neste instante eu fui aceito como pastor da paróquia, no meio do caminho para Cunha Porã. Isso eu só descobri 20 anos depois por causa da minha burrice em não saber fazer análise de conjuntura da realidade do capitalismo e da Igreja.
Acontece que o tesoureiro da paróquia (dono do cartório do município) era o presidente do diretório municipal do MDB e o presidente (pequeno industrial) da paróquia era o tesoureiro do MDB local. Isso funciona assim até os dias de hoje, haja visto, que na penúltima eleição e reeleição o pastor de Cunha Porã foi eleito prefeito pelo MDB. O MDB controlava a paróquia e a ARENA controlava a comunidade da cidade. A pequena burguesia controlava a paróquia e a comunidade da cidade. Eram inimigos políticos, mas os dois grupos defendem o capitalismo. Desde 1970 a paróquia de Cunha Porã tem este perfil, que na época era um avanço na luta contra a ditadura. Foi o pastor Silvio Meincke que ajudou a fundar o MDB em Cunha Porã e desde lá a paróquia é controlada pelo MDB. Só que o MDB mudou e hoje não é mais o mesmo. Por eu ser do MDB tive carta branca para falar e fazer sem censura. Na época eu não sabia disso. O povo dizia: O pastor é dos nossos.
A Faculdade de Teologia formou um grande ingênuo e o jogou na realidade da luta de classe sem saber como se dá a luta de classes na sociedade e na Igreja e nem saber que existia a luta de classes. Isso que eu sempre me considerei de esquerda. Uma esquerda burra. Tornada burra, porque a Igreja é burra. Burra ou cooptada e dominada pelo capital. O pior é que a Igreja joga a pastorada para dentro das paróquias sem analisar com ela a realidade local paroquial e sinodal como também político-econômica. Por quê? Porque a Igreja acha que vivemos num mundo harmonioso, sem luta de classes e que as coisas nas paróquias se guiam segundo o amor ao próximo e o respeito mútuo. Santa ignorância! Não é só ignorância é uma maldade e crueldade para com a pastorada ingênua jogada aos leões (aos lobos, diria Jesus Cristo). A dinâmica na paróquia está baseada na luta de classes, na luta político partidária para que a Igreja legitime o capital e o poder dos caciques (normalmente de direita) da paróquia e do município. A nossa formação na EST não nos prepara para isso e por isso somos usados e tornados Hampelmänner a serviço do poder local, tanto eclesiástico como político-econômico. O resultado é uma Igreja sempre mais conservadora e encagaçada com uma pregação individualizante e aérea. Isso é muito bom para o capital e para a direita fascista que prolifera a olhos vistos.
Ao chegar na paróquia o/a pastor/a ingênuo tem que descobrir por conta própria como as coisas são e isso leva uns três anos para saber quem é quem. Custa alguma coisa o/a pastor/a sinodal se reunir antes com o/a pastor/a para com ele/a fazer uma análise de conjuntura da paróquia, do município e da região? Por que não o fazem? Porque eles também não aprenderam a fazer análise de conjuntura da Igreja e da sociedade de classes.
Hoje pastor/a nem mais pastor/a é, é apenas um mero ministro com a função de legitimar a sociedade de classes. A mudança de título – pastor para ministro - não é mero acaso, é pensado dentro do processo de retirar o poder dos pastores/as para que a pequena burguesia tenha todo o poder de dar a direção teológica na paróquia. A direita não proporia essa mudança por acaso, porque não tem o que fazer, mas de causo pensado dentro do projeto de uma Igreja submissa ao capital. O Concílio ingênuo aprovou a mudança com 100% de aprovação, bando de ingênuos. Nem os/as pastores/as presentes votaram contra. Haja burrice!
Se a gente pensar porque aquele advogado de direita (que durante anos foi assessor jurídico da IECLB, um lobo no meio das ovelhas) propôs isso no Concílio, isso muda o que? Eu escutei várias vezes de pessoas de direita da Igreja dizer que temos que tirar o poder dos pastores. Num dos últimos encontros de pastores distritais, se não me engano, em Brasília, foi dito que o problema da IECLB são os pastores. Se isso for lido nas entrelinhas quer dizer os pastores/as inseridos nas lutas populares que são da TdL e que se articulam muito bem no Concílio Geral e passam suas propostas. Contra estes pastores foi elaborado o processo da Reestruturação para eliminar essa ameaça.
Qual o poder dos pastores? Eles têm o poder de pregar a Palavra de Deus como Lei e Evangelho o que questiona e põe a sociedade de classes na parede, além do poder político e respeito que os/as pastores tinham na Igreja. Isso foi nos anos 90 quando o processo da Reestruturação estava em andamento. E foram pessoas da Sr. dos Passos que disseram isso. Esse pessoal ingênuo foi usado pela direita em sua luta contra a TdL e apoiou o projeto da direita que é a Reestruturação capitalista neoliberal.
Nos anos 80 as Decisões Conciliares tinham um conteúdo de luta por justiça e paz (Rm 14.17) inseridas nas lutas populares e contra a ditadura. Aqui um exemplo:
A IECLB nos anos 80 tentou se inserir no processo da luta de
classes contra o capitalismo aprovando propostas de trabalho de base com o
movimento popular e sindical, como esta Mensagem às Comunidades do Concílio
Geral de 1982[9]:
Para que todos possam usufruir das dádivas do Criador,
agindo responsavelmente diante delas, propomos o seguinte:
- realizar campanha de ampla informação e conscientização
dos problemas agrários e urbanos:
- apoiar o agricultor na sua luta pela permanência no campo:
- assumir e defender com responsabilidade evangélica as
reivindicações dos movimentos sociais, fazendo um trabalho de base com
associações de bairros, atingidos por barragens, colonos sem terra,
boias-frias, sindicatos, proteção ambiental, além de inúmeras outras formas de
atuação onde o amor de Deus quer se tornar vivo e real entre as pessoas.
Para
a contribuição da temática do Concílio Geral de 1982, Terra de Deus - Terra
para todos, o Pastor Werner Fuchs[10]
apresentou
3. - Sugestões (em forma de propostas
de resolução) ...
3.3 - Em favor da continuidade do tema
de 1982, e englobando a realidade urbana dos marginalizados e também dos nossos
membros bem situados, escolhemos para um dos próximos temas da IECLB o lema
"PARA QUE HAJA IGUALDADE" (II Coríntios 8.13-15). Nosso objetivo é
refletir sobre o mínimo para a sobrevivência digna, sobre o limite entre
necessário e supérfluo, sobre a propriedade e o trabalho, a militância
sociopolítica, sobre formas comunitárias de convivência fraternal, sobre ascese
e renúncia, sobre nossa disposição de pagar o preço da justiça. Enfim, queremos
estabelecer o padrão de vida e serviço evangélico em nossa realidade atual, nos
níveis pessoal, eclesial e sociopolítico.
3.4 - Aprovamos a seguinte CARTA DE
ORIENTAÇÃO DO CRISTÃO EVANGÉLICO-LUTERANO:
Diante da realidade fundiária e da
angustiosa situação social no campo e na cidade, o compromisso do cristão
evangélico-luterano que quer servir a Deus no próximo concretiza-se assim:
3.4.1 - Ele assume a luta por uma
Reforma Agrária ampla, fazendo suas as reivindicações dos sem-terra, apoiando
movimentos e organizações autônomas dos trabalhadores e incentivando formas
comunitárias de uso e defesa da terra de trabalho e de moradia.
3.4.2 - Ele restringe sua propriedade e
seu estilo de vida, para poder restituir sabiamente ao próximo o que ele
necessita para sobreviver.
3.4.3 - Considera antievangélico e
imoral, quando tiver uma profissão ou um meio de vida assegurado, ser
proprietário de terras ou mesmo de um "sítio de lazer".
3.4.4 - Considera antievangélico e
imoral assalariar outros para trabalharem para ele em sua propriedade.
3.4.5 - Não participa em atividades de
colonização particular que facilitam acesso a terra somente daqueles que tem
dinheiro (picaretagem).
3.4.6 - Não apoia o presente regime de
opressão e extermínio do homem do campo, negando-se a trabalhar para organismos
do governo responsáveis pela repressão ao trabalhador, e empenhando-se no
aperfeiçoamento de partidos que permitem a democracia a partir das bases.
Algo assim hoje é impensável num Concílio da Igreja.
Essa teologia era uma ameaça à direita e por isso ela propôs o processo da Reestruturação para mudar o rumo da Igreja, e conseguiram, graças à burrice da esquerda. Nesse processo foram elaboradas, sob os palpites deste advogado de direita, as leis repressivas contra o/as pastores/as para que se encolham e não ameacem o capital com seu trabalho inserido nas lutas populares. Por fim ainda faltava mudar o nome de pastor para ministro para coroar o esvaziamento do respeito e poder que o/a pastor/a tinha. Agora ele/a nem é mais pastor/a, mas ministro como nas igrejas pentecostais. A palavra ministro não diz nada para o nosso membro, diferente da palavra pastor, que carrega o seu significado adquirido há décadas. Pior que isso é que a pastorada toda usa o termo ministro/a na maior tranquilidade e na maior das inocências, sem se dar conta que estão sendo manipulados. Fomos ensinados para sermos burros e não ver o mundo como ele é.
Você vai dizer: O Lobo de novo falando a mesma coisa! É, de novo, pois nada mudou e a Igreja está indo de marcha ré e a ingenuidade da pastorada aumentando.
Em todas as paróquias é assim que a pequena burguesia ocupa o seu espaço nas diretorias para defender o capital, seus interesses e privilégios de classe e interesses políticos particulares. Também os partidos políticos procuram ocupar o espaço na direção da paróquia e das comunidades para fins eleitoreiros. É a luta de classes em andamento na Igreja. Pastor/a é uma pessoa com espaço privilegiado na sociedade, pois tem público cativo nos cultos e programas da paróquia e por isso precisa ser fiscalizado e controlado para que não ataque os interesses do capital. Tenta-se a todo instante forçá-lo a metamorfosear o Evangelho de Jesus Cristo em evangelho do Deus Capital com máscara de Jesus Cristo. Se ele insistir em se negar a isso será pressionado, perseguido, caluniado e por fim expulso da paróquia. O desemprego é o grande castigo para os desobedientes, é o mesmo processo repressivo usado pelo capital contra toda a classe trabalhadora. Você fica desempregado e ainda é culpado por isso por ser incompetente, por não ter jogo de cintura em não fazer o jogo do capital ao não se adaptar às exigências do mercado.
Pregar a Cristo crucificado é escândalo e loucura (1 Co 1.23), não um enlevo espiritual exigido pelo capital. “Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são” (1 Co 1.28). Quais são as coisas que são? O capital e suas dinâmicas (propriedade privada dos meios de produção que gera a exploração e a expropriação de classe, o Estado, financeirização da sociedade, o imperialismo, etc.) baseadas na propriedade privada dos meios de produção, a base da sociedade de classes. Isso o Reino de Deus vai reduzir a nada. No tempo de Jesus o que é era o modo de produção escravista sustentado pela ditadura militar romana e legitimada pelo templo de Jerusalém. Pregar isso na Igreja controlada pela pequena burguesia conservadora defensora intransigente do capital é loucura e escândalo. O papel da Igreja para a burguesia é ser Templo de Jerusalém, que prendeu e mandou crucificar Jesus por ameaçar o que é. O centro do Evangelho é o Cristo crucificado e ressurreto (1 Co 15.3-4), não o capital. Para a pequena burguesia conservadora o centro é o capital e a Igreja tem a tarefa de legitimá-lo. Esse é o conflito central existente, mas nunca revelado e sempre camuflado. A opção de classe de Deus é clara no processo de construção do Reino de Deus: pelos humildes e fracos, não pelo capital e seus detentores expropriadores. Essa é a loucura e o escândalo da palavra da Cruz de Cristo (1 Co 1.18) que deve ser reprimida com toda a força e vigor pela Igreja, mas de forma camuflada e seleta: atinge alguns pregadores escandalosos com a expulsão da paróquia e o desemprego como aviso ao resto da peonada para que se comporte. Isso sempre funciona. E a Igreja diz que não pode fazer nada, fato consumado. E a vida continua ... sem reforma agrária, sem demarcação das terras indígenas e quilombolas, com assassinato de camponeses e indígenas, com grilagem pelos fazendeiros das terras indígenas, com invasão pela agrobandidagem das terras indígenas e das Unidades de Conservação para mineração e criação da gado, com feminicídios e estupro de menores, com tentativas de golpe militar e por aí vai. Tudo normal. É isso que é, que Deus vai extinguir a partir dos humildes, dos fracos e dos que nada são. Essa é a insurgência evangélica revolucionária do Reino de Deus conduzida por/em/com Jesus Cristo.
O Projeto Político Revolucionário da insurgência evangélica do Reino de Deus é escândalo e loucura para os capitalistas porque propõe uma sociedade sem classes pela eliminação da propriedade privada dos meios de produção, o que é totalmente inaceitável para o capital. Quem pregar isso vai para a cruz, pois será expulso da paróquia, na melhor das hipóteses. Muitos cristãos revolucionários latino-americanos foram assassinados porque viveram a pregação do Cristo crucificado nas práticas das lutas pela reforma agrária, pelo meio ambiente, na luta sindical, etc.
A maioria da pastorada não sabe como funciona a luta de classes na Igreja e acaba amaciando a pregação para sobreviver e o Evangelho vai para as cucuias. Está na hora que na EST se ensine o marxismo para que a peonada da IECLB saiba como funciona o capitalismo, a luta de classes e saiba que a leitura da Bíblia sempre é parcial e classista, pois Deus é parcial e classista, ele estava do lado dos camponeses contra o Estado do Egito; ele se fez carne numa família camponesa artesã e se tornou da classe camponesa palestina para pelo Evangelho se opor à sociedade de classes ao propor o Reino de Deus: uma sociedade sem classes, sem propriedade privada dos meios de produção, sem luta de classes, sem exploração, opressão e expropriação de classe, sem Estado e sem templo, como religião do Estado.
Basta ver o credo do AT – Dt 6.20-23 e o credo do NT – 1 Co 15.3-4 que mostram a opção classista de Javé dentro do processo histórico da luta de classes para viabilizar o Projeto Político Revolucionário de Deus para emancipar a humanidade: uma sociedade sem classes que no AT se chama de Terra Prometida e no NT se chama de Reino de Deus – as duas são propostas de uma sociedade sem classes sociais porque se elimina a propriedade privada dos meios de produção, que agora está sob posse, controle, uso e usufruto da coletividade, e assim acaba a luta de classes, a exploração, opressão e expropriação de classe, não tem Estado (resultado da propriedade privada dos meios de produção que gera as classes sociais) e nem o templo, como religião do Estado, para legitimar a sociedade de classes e suas dinâmicas.
Javé já nos ensina no AT que não basta apenas tirar a classe camponesa escrava sem terra da escravidão do Egito para que seja livre. Viver no deserto não é liberdade. Javé mostrou que só há liberdade de fato quando a classe camponesa conquistar a terra (meio de produção) e a ter sob controle, posse, uso e usufruto coletivo da tribo (Nm 26.52-56), ao acabar com a propriedade privada da terra (Lv 25.23). Isso está claro na confissão de fé da classe camponesa palestina em Dt 6.20-23 (dali nos tirou, para nos levar e nos dar a terra [como posse coletiva da tribo]).
Numa sociedade de classes baseada na propriedade privada dos meios de produção não há possibilidade de haver liberdade para todas as pessoas, somente para as pessoas que controlam os meios de produção. Foi isso que Javé fez para a classe camponesa, lhe deu o controle e a posse coletiva dos meios de produção, a terra, e com isso a liberdade. Nenhum capitalista quer ouvir isso numa prédica!
No capitalismo o peão é jurídica e politicamente livre e também livre dos meios de produção (o peão é duplamente livre, nos mostra Marx n’O Capital) que o joga obrigatoriamente na escravidão assalariada. Se Javé tivesse tirado a classe camponesa hebreia da escravidão do Egito para onde ela iria? Ficaria eternamente no deserto. Seria juridicamente livre, mas morreria de fome porque não teria terra para produzir sua comida. Ou seria explorado como classe camponesa pelas cidades-estados palestinas, pagando tributo a estas, o que não seria uma libertação.
Javé sabia que somente há liberdade para o povo quando este controla os meios de produção de forma coletiva e para isso era necessário tomar o poder político das cidades-estados (Js 8), alicerçadas na propriedade privada da terra, e acabar com o Estado (resultado da propriedade privada da terra) colocar a terra (meio de produção) sob controle popular e assim garantir a liberdade para todo o povo. Javé sabe que a propriedade privada dos meios de produção, a terra, gera as classes sociais, na época do AT, a classe-Estado e a classe camponesa (o Modo de Produção Tributário), e que a classe proprietária privada da terra, a classe-Estado, construiu o Estado (com seus aparatos: militar [a torre], econômico [o celeiro] e religioso [o templo]) dentro da cidade fortificada (Gn 11.1-9) para garantir e legitimar a propriedade privada da terra para ela e assim poder explorar o campesinato pelos tributos em troca de proteção. É o que os milicianos fazem hoje nas periferias das grandes cidades, vendem proteção. Mas quem protege o povo da exploração dos milicianos?
Nesta nova sociedade não classista onde os meios de produção estão sob controle, posse e usufruto popular não há templo, apenas um altar (Js 8.30), pois o templo é coisa da sociedade de classes e do Estado. Foi o Estado que construiu o Templo de Jerusalém para garantir a sua reprodução (1 Rs 5.1-5). Só para lembrar, foi o Templo de Jerusalém que prendeu, julgou e condenou Jesus Cristo à morte e o Estado o executou. Templo é instrumento do Estado, por isso em Js 8.30 apenas se constrói um altar com pedras toscas, não trabalhadas pelo ferro, tecnologia das cidades-Estado cananeias (1 Sm 13.19-21).
No NT se acrescenta a isso tudo a ressurreição do corpo e a vida eterna do corpo ressurreto. Isso tudo não pode ser pregado na Igreja, pois afronta de frente o capitalismo. Por isso a Igreja virou a Igreja do Deus Capital com máscara de Jesus Cristo. A Igreja virou a religião oficial do capitalismo e o próprio capitalismo é uma religião com culto culpalizador permanente, como nos ensina Walter Benjamin[11].
O capitalismo é uma religião puramente de culto, desprovido
de dogma. No Ocidente, o capitalismo se desenvolveu como parasita do
cristianismo - o que precisa ser demonstrado não só com base no calvinismo, mas
também com base em todas as demais tendências cristãs ortodoxas -, de tal forma
que, no final das contas, sua história é essencialmente a história de seu
parasita, ou seja, do capitalismo.
O capitalismo (o parasita) envolveu, sufocou e absorveu o
cristianismo (o hospedeiro) e os dois se fundiram numa unidade inseparável: a
Igreja-Religião do Capital. Agredir o capitalismo é o mesmo que agredir o
cristianismo, a Igreja, que significa agredir o próprio Cristo.
Pregar contra o capitalismo é heresia passível de expulsão da paróquia. Em
Condor falei contra o capitalismo, dizendo que ele é um dos instrumentos do
diabo para tentar impedir a construção do Reino de Deus por Jesus Cristo e por
isso não renovaram o meu TAM. Instrumento criado pela direita no processo de Reestruturação
capitalista neoliberal da IECLB para controlar a pastorada e lhes retirar o
poder de anunciar livre e puramente a Palavra de Deus como Lei e Evangelho.
O problema não são os pastores/as, mas é o Evangelho, que é
insurgente e revolucionário, pois propõe uma sociedade sem classes de irmãos e
irmãs, livres e iguais. Os/as pastores/as são apenas instrumentos que precisam
ser manipulados e forçados a proclamar o Evangelho segundo os interesses do
capital, e isso não é possível, pois aí ele deixa de ser o Evangelho de Jesus
Cristo. Aos pastores/as cabe fazer essa química de metamorfosear o Evangelho de
Jesus Cristo em evangelho do capital. O TAM e a Avaliação são alguns dos
mecanismos repressivos criados para encurralar a peonada na Igreja. Além disso,
nem pastores somos mais, apenas meros ministros. Esse foi o ponto no i para
retirar todo o poder dos pastores/as e esvaziar até o título pastor, que
historicamente tem um significado, para sabermos que somos meros peões a
serviço do capital.
Você vai dizer, mas é apenas uma palavra que se muda, que
mal há nisso? Isso faz parte da Batalha das Ideias, como dizia o Fidel Castro. É
como aconteceu no capitalismo onde o patrão virou empreendedor e o peão virou
colaborador. A ideologia conseguiu esvaziar o conteúdo da palavra patrão
(explorador) e peão (explorado) e se esvaziou as palavras e se mudou o conteúdo
de cada palavra. A palavra patrão e a palavra peão desnudam a luta de classes e
a exploração e a expropriação de classe. Isso precisa ser escondido. O termo
empreendedor carrega consigo o sentido positivo de dinamismo e o termo
colaborador não mostra que ele é um explorado pelo capital, mas é alguém que
colabora com o empreendedor. Isso se chama ideologia.
Já em Gn 11.1-9 diz que só havia uma linguagem e por isso se
conseguiu construir a cidade e a torre (o Estado explorador da classe
camponesa). É isso que se quer com a ideologia, legitimar e esconder o processo
explorador, opressor da luta de classes. O pastor/a era aquele que denunciava
nos anos 80 a ditadura, falava da reforma agrária, se metia nas lutas do
movimento popular, fazia uma leitura popular da Bíblia, etc. Veja o conteúdo
dos Documentos aprovados nos Concílios Gerias dos anos 80 e verás o conteúdo
das prédicas. Isso precisava ser mudado com o processo da Reestruturação.
A direita precisava enfrentar a TdL e esvaziar seu conteúdo
e para isso não se precisa de pastor/a, mas se precisa de um/a ministro/a,
palavra tirada da legislação do Estado para designar a profissão, que não tem a
conotação com a TdL. Isso faz parte da Batalha das Ideias para mudar a
linguagem. Todos tinha a mesma linguagem e por isso os camponeses ajudaram a
construir a cidade e a torre que os explorava, mas Deus mudou a linguagem e com
isso acabou com a construção da cidade = Estado, resultado da sociedade de
classes que surgiu da propriedade privada da terra. Pela mudança da linguagem
Javé eliminou a sociedade de classes originada da propriedade privada da terra
que construiu o Estado que explorava o campesinato. Ao destruir o Estado Javé,
pela linguagem, destruiu a propriedade privada da terra, base da sociedade de
classes. A origem do Estado está na propriedade privada da terra. Vira e mexe e
a gente chega na luta de classes e na sociedade de classes que precisa esconder
a luta de classes e a exploração de classe, que precisa de uma outra linguagem,
no caso mudar a palavra pastor/a para ministro/a que parece coisa pouca, mas
não é. Isso faz parte da mudança de linguagem que o capitalismo neoliberal
produziu e nós da esquerda burra não sabíamos disso.
O/a pastor/a é aquele que está ligado ao profetismo e à luta
popular e o/a ministro/a é o sacerdote do templo que distribui cachaçinha ao
povo para enevoar a realidade e criar a ilusão de que vivemos numa sociedade
harmoniosa, onde não se analisa mais a sociedade pela luta de classes, mas pelo
sentimento. Passou o tempo do profetismo estamos no tempo da sabedoria, disse
alguns anos atrás um padre. O problema é que na Bíblia os textos proféticos e
os Evangelhos continuam lá como antes. Ali as palavras não mudaram. Por isso se
precisa de um outro ator social, o/a ministro/a, para reinterpretar a Bíblia
segundo os interesses do capitalismo neoliberal e temos também as leis
repressivas (TAM, Avaliação) para os teimosos, que insistem em não se adaptar e
não querem ser ministros/as, mas querem continuar sendo pastores/as. A Batalha
das Ideias exige que se suavize a realidade. O problema é que a fome e a
pobreza não dá para suavizar. A Argentina do fascista Millei mostra isso.
A briga não é apenas pela mudança de nome do título, mas é
pelo conteúdo e a conjuntura que está por trás da mudança do título. Se você
deixa de usar o termo ministro/a já ajuda para desmascarar a luta de classes
que acontece na Igreja e denuncia o processo que a direita passou pela
Reestruturação capitalista neoliberal para amaciar a pregação da Palavra de
Deus como Lei e Evangelho. Vamos olhar por trás da palavra, como dizia o Carlos
Mesters, e entender o que está escondido com a mudança do termo. Não há nada de
inocente neste processo. A direita não mudaria o título pastor/a para
ministro/a sem ter claro o que queria com isso. Não é apenas se adaptar à
linguagem da legislação previdenciária. A coisa não é tão inocente.
O processo da Reestruturação capitalista neoliberal faz
parte da luta de classes na Igreja para que ela se adapte aos preceitos dos
Documentos de Santa Fé e valide todas as dinâmicas do capital, incluso o
terrorismo de Estado, as guerras, as ditaduras, os genocídios e o imperialismo.
7 a 0 para a burguesia conservadora.
O problema é que não vejo sinal nenhum de resistência contra
estes mecanismos criados pela Reestruturação para encurralar a pastorada. Só
vejo acomodação, resignação e saída individual para se esconder na paróquia,
que é comandada pela pequena burguesia conservadora. É que nem diz o título do
filme: Dormindo com o inimigo. Quanto mais sozinho, mais controlado pela
pequena burguesia conservadora. Igreja é um Projeto Político Revolucionário
Coletivo criado pelo Espírito Santo para viabilizar a Revolução da insurgência
do Evangelho do Reino de Deus conduzido por/em/com Jesus Cristo para acabar com
o reino do mundo, a sociedade de classes alicerçada na propriedade privada dos
meios de produção para que Jesus Cristo possa construir o seu Reino: uma
sociedade sem classes sociais de pessoas emancipadas e livres e isso no já
agora até a ressurreição do corpo e a vida eterna do corpo ressurreto. É
exatamente isso que a pequena burguesia tem como papel: impedir a viabilização
da construção do Reino de Deus por/em/com Jesus Cristo, mas sem dizer isso, e o
pior, a maioria deles não sabe de seu papel. Creem que são os únicos que dão
sustentação à Igreja.
Em 1982 o DE Uruguai conduziu a celebração final do Concílio
Regional da RE III em Ibirubá e eu fiz a pregação sobre Mt 22.1-14 e falei das
Encruzilhadas Natalinos da Vida onde se busca os convidados para a festa
(naquele tempo havia o acampamento dos sem terra na Encruzilhada Natalino), o
que foi um escândalo. No final o pastor local fez a defesa do sistema e o povão
aplaudiu, dizendo que se fechou o Concílio com chave de ouro, pois a prédica
estava entalada na garganta. Ao sair para o carro o dono da agência da VW de
Panambi correu atrás de mim para se despedir e disse: “Quando vocês matarem
todos os ricos eu quero ver quem vai manter a Igreja”. Falar a favor dos sem
terra e da reforma agrária para a pequena burguesia já é querer matar os ricos.
É que os ricos acham que nós da classe trabalhadora e camponesa agimos da mesma
forma como eles agem contra nós, matando. É assim que eles agem para manter
seus privilégios de classe. Além do mais não são os ricos que mantém
financeiramente a Igreja, mas os pobres que são a maioria da população. É só
fazer as contas quantos ricos tem na paróquia e quantos pobres e ver-se-á quem
mantém a Igreja. É que a burguesia acha que a classe trabalhadora e camponesa
ao construir uma sociedade sem classe vão matar todos os ricos, pensam que nós
somos que nem eles. Por isso os militares fascistas em 2022, quando tentaram o
golpe queriam matar lideranças políticas e jogar em campos de concentração os
seus inimigos políticos. Essa é a forma do capital de agir.
Outra história semelhante. O representante do DE Uruguai no Conselho da RE III e no Conselho Diretor era de Palmitos, um camponês do PT, que pediu carona ao conselheiro do DEAJ até Palmeiras das Missões. No meio do caminho o conselheiro do DEAJ, que era granjeiro e tinha panca de rico, perguntou: “Quando o Lula ganhar as eleições, vocês vão me deixar viver?” Perder a propriedade privada dos meios de produção é como morrer para a burguesia. É atentar contra a vida. Achava que o Lula iria instalar o comunismo após a eleição de 1989. Pobre de espírito! Essa mentalidade é reinante no meio da pequena burguesia conservadora que está dando a linha teológica na Igreja desde a base. Pastor/a para esta é apenas um Hampelmann, mas importante para dar sustentação ideológica ao capital porque ele tem trânsito no meio do povo e o povo o escuta. É o que mostra o caso de Céu Azul, PR, onde o pastor foi sumariamente demitido de forma irregular porque não fez campanha aberta para o candidato do PL, que perdeu a eleição. O Hampelmann não respondeu direito aos puxões dados pelo capital. Assim funciona a luta de classes na Igreja. Ignorá-la é tentar tapar o Sol com a peneira.
Denunciar o capitalismo e a luta de classes na Igreja é um início para enfrentar o capital que sobre ela domina. Libertar a teologia, como dizia Juan Luis Segundo, faz-se necessário. Um caminho é construir nas paróquias uma Escola de Teologia para capacitar teologicamente o povo camponês e trabalhador para que estes possam, com clareza teológica evangélica luterana, dar a direção teológica e administrativa da Igreja no local junto com o/a pastor/a. Um povo sem teoria não sabe para onde vai e vai adotar a teoria do capital, que lhe é ensinada em todo o lugar.
No tempo da ditadura de 64 a pequena burguesia estava dividida e uma parcela, a do MDB, apoiava a teologia da libertação e seu discurso, pois este denunciava a ditadura, que era do interesse do MDB. Oportunismo eleitoral. Hoje esta mesma burguesia não está mais dividida. Quase toda ela é bolsonarista, golpista e faz parte de um CAC, que seria o instrumento civil para criar grupos paramilitares armados até os dentes para prender e matar quem se oporia ao golpe fascista do ex-capitão em 2022.
Descobri que para saber onde se pisa é só pedir qual a profissão das pessoas das diretorias e aí já se sabe quem é quem. Pela profissão se sabe a sua classe social, apesar de que há pessoas de esquerda na pequena burguesia, são poucas, mas as há.
Outro exemplo, agora em Condor. A presidente da paróquia de Condor, uma mulher empresária do PT, foi reeleita e em 2010 tivemos que eleger novo presidente. Esse cargo normalmente ninguém quer. Ficamos pensando e analisando e achamos que o vice presidente poderia assumir. Ele era um granjeiro de 250 hectares de terra, mas muito legal e camarada. O seu sogro tinha 300 hectares de terra e não gostava de minha pregação, como também os patrões industrialistas da cidade.
Fomos visitar o vice presidente para ver se aceitava ser presidente da paróquia. Ele não quis, mas por fim aceitou. Na primeira reunião que ele presidiu veio o resultado da luta de classes: Ele disse que não renovaria o meu TAM, pois havia muita pressão sobre ele e que o maior industrialista da cidade disse: Ou tiram o pastor ou eu saio da comunidade. Por não fazer corretamente uma análise da luta de classes aconteceu o que aconteceu. Na hora da decisão valeu a opção de classe. A realidade classista e a luta de classes prevaleceram na decisão de não renovar o TAM. O presidente era um cara legal, mas na hora da opção de classe vale o que a sua classe define.
O interessante era que a presidente anterior era cerealista (pequena empresária) da ala esquerda do PT e me sustentou e enfrentou a pequena burguesia enquanto era presidenta. Isso mostra que uma pessoa com teoria clara não se deixa pressionar.
Na Diretoria Paroquial havia pessoas da classe camponesa que me disseram à parte: Pastor nós não queremos que você vá embora, mas na reunião não abriram a boca. Não tinham coragem de enfrentar a pequena burguesia, que tem o poder da palavra. São do comércio, sabem falar bem e se articular e o povo trabalhador não tem coragem de enfrentar esse pessoal, que às vezes ainda é parente.
Três anos antes um peão (técnico agrícola) da Cooperativa do agronegócio, a serviço desta, fez um abaixo assinado para me tirar da paróquia e o seu argumento principal era que eu pregava contra o capitalismo. Como ele esqueceu de combinar com os russos, o seu abaixo assinado não passou. Só assinou o presidente de uma comunidade, dono de 300 hectares de terra, e o cunhado deste peão da cooperativa, presidente da comunidade da cidade. As outras três pessoas, presidentes, das 3 comunidades restantes eram da classe camponesa pobre e não assinaram e com isso o abaixo assinado morreu na palha. Ele me queria detonar no Conselho Paroquial mostrando que as comunidades eram a favor de minha saída. Não deu, mas continuou a fazer fofoca, contando mentiras e fazendo intrigas o tempo todo. Ele depois foi recompensado pelo seu trabalho sujo, como Judas o foi com 30 moedas, e lhe deram o cargo de gerente da agência do Sicredi local.
Assim funciona a luta de classes na Igreja para preservar o capitalismo.
Lembro novamente o caso que aconteceu no Paraná: quando o pastor foi aceito pelo Conselho Paroquial lhe foi dito para não se meter e falar em política. Ele foi obediente e não se meteu. Na eleição de 2024 uma pessoa das famílias que mandam na paróquia foi candidata pelo PL e perdeu e culpou que a sua derrota se deu porque o pastor não fez campanha para ele e esta família o demitiu sumariamente. Isso que ele não deveria fazer política! Cinismo total. Fazer política de direita não é fazer política, mas é a coisa mais normal do mundo. Acontece que o pastor ao não fazer política faz política em favor do sistema. Quando se diz para o pastor não fazer política significa não fazer política em favor da classe trabalhadora e camponesa. Diante de uma situação assim o que a Igreja faz? Nada, está de mãos amarradas. Foi um processo irregular, mas acaba valendo. Escolher entre o pastor e a pequena burguesia fascista o pastor é que vai dançar.
Assim se junta o interesse particular com os interesses da classe capitalista para manter os privilégios da pequena burguesia e com isso validar as dinâmicas do capital. O povo que se exploda! A Igreja é usada sem o menor pudor para garantir os privilégios de classe e o poder da pequena burguesia na sociedade e com isso se reproduz o capitalismo.
Hoje se repete o que aconteceu com Jesus Cristo que foi preso pelos soldados do Templo de Jerusalém porque este se sentiu ameaçado pelo Evangelho do Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo. O Templo de Jerusalém acabou sendo a religião oficial do Estado para legitimar o escravismo romano e o latifúndio dos saduceus que controlavam o Sinédrio. O Evangelho do Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo sempre ameaça toda e qualquer sociedade de classes que está alicerçada na propriedade privada dos meios de produção que gera a exploração, a opressão, a expropriação de classe, a luta de classes, a opressão política, o patriarcado, o Estado e a religião do Estado.
A essência do Evangelho do Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo é atacar, denunciar e revolucionar toda e qualquer sociedade de classes, pois esta impede que as pessoas sejam irmãs, iguais, livres, santas e emancipadas.
Comunidade que não está inserida em alguma luta por justiça e paz se autoexclui do Reino de Deus, segundo Paulo – Rm 14.17, pois o Reino de Deus é justiça, paz e alegria no Espírito Santo. Assim o Evangelho do Reino de Deus é essencialmente revolucionário, pois propõe uma nova sociedade (2 Co 5.17) no já agora (O tempo está cumprido, e o reino de Deus aproximou-se [já chegou]; arrependei-vos e crede no evangelho. Mc 1.15).
O que fazemos na Igreja? O que mais fazemos é celebrar culto, que não organiza, nem conscientiza ninguém, apenas reproduz a instituição Igreja. Somos pagos para fazer isso, manter a estrutura Igreja (o Reino de Deus é outra conversa). Nem o discurso teológico da libertação escapa desta armadilha. Temos que ir além do culto, construir um processo de formação teológica massiva para o nosso povo trabalhador para que tenha clareza teológica (teórica) e assim possa assumir a direção das comunidades e paróquias e se inserir nas lutas por justiça e paz do movimento popular, sindical e partidos de esquerda. Dentro do processo de formação teológica é importante inserir o povo nas lutas do movimento popular, sindical e partidos de esquerda, pois a teoria precisa vir acompanhada da prática. Isso é assumir a luta de classes. Boa parte dos membros da IECLB são sindicalizados, mas não se faz a ponte entre a fé e a luta por justiça e paz. Por quê? Porque nossa teologia está ancorada na visão europeia de Deus, que é uma visão capitalista de Deus. Não adianta se enganar e dizer que não há luta de classes na Igreja. A cruz de Cristo é resultado da luta de classes entre o Evangelho do Reino de Deus e o escravismo romano aliado ao Templo de Jerusalém, que legitimava a sociedade de classes.
Quando a Bíblia diz que somos irmãos e irmãs em Cristo então isso é uma ruptura com a sociedade de classes onde só tem patrão e peão. Patrão e peão não são irmãos, pois são inimigos de classe em permanente luta de classes. Só podem ser irmãos quando os dois se inserirem na luta contra a propriedade privada dos meios de produção que gera a sociedade de classes e suas dinâmicas expropriadoras e opressoras. A libertação dos dois se dará na luta contra a sociedade de classes e suas bases.
Jesus diz isso em Mt 19.21: autoexpropriação dos expropriadores e extinção da propriedade privada dos meios de produção como exigência da vida eterna e do discipulado de Jesus Cristo para acabar com a pobreza, que tem origem na propriedade privada dos meios de produção. Ao acabar com a propriedade privada dos meios de produção se acaba com a pobreza, simples assim, pois não há mais a escravidão assalariada e a produção do mais-valor pelo peão dentro do processo de produção de mercadorias. Primeiro se exige a nova prática político-econômica da autoexpropriação do expropriador e depois vem o discipulado e a vida eterna, pois a prática é o critério da verdade. "É na práxis que o ser humano tem de provar a verdade" diz Karl Marx[12] na 2ª Tese nas Teses sobre Feuerbach.
Isso a sociedade de classes não permite e quem anuncia isso vai para a cruz. A Igreja como instituição não dá respaldo a ninguém nessa luta e nem enfrenta a pequena burguesia conservadora e reacionária que põe o/a pastor/a para fora da paróquia por anunciar o dito acima. O próprio pastor/a será culpado por não ter jogo de cintura, não se adaptar à realidade, significa não querer vender o Evangelho, e será enviado, na melhor das hipóteses, para o exílio para a nossa Sibéria, a região amazônica, onde normalmente tem vagas, por motivos óbvios.
Você é culpado por não fazer o jogo do capital, incompetente! Vai para a Sibéria(!) para ver se aprende a se adaptar à teologia do Deus Capital com máscara de Jesus Cristo exigida pelo capital. Pregação boa tem que ter efeito de cachaçinha: enevoar a realidade e produzir a tão desejada tonturinha, a êxtase, para se esquecer os problemas da luta de classes e a exploração de classe na qual se vive. Isso a pequena burguesia gosta e até vai lhe dar até um abono local.
Nada de Ez 33.7-9, nem Mc 1.14-15 e muito menos Mt 19.16-22. Atos 2 e 4 também não. Sobre Atos 2 e 4 um pequeno burguês me disse nos ano 80: “Não dá para fazer o que a Bíblia diz”. Não é que não dá para fazer, mas o fato é que não queremos fazer o que a Bíblia diz, pois isso requer eliminar a sociedade de classes a partir da extinção da propriedade privada dos meios de produção pela expropriação dos expropriadores e isso o capitalismo não permite. O capitalismo não permite o arrependimento e a fé no evangelho, como requer Mc 1.15.
A palavra expropriação cria um enorme tumulto, pavor, alvoroço e desespero no meio capitalista, mas a expropriação no capitalismo é algo totalmente normal e corriqueiro. Acontece todo dia, apenas fomos ensinados a não ver isso como uma expropriação. Sob pressão do chamado Mercado (palavra mais bonita para piratas, parasitas, sanguessugas) o governo deixou de lado a valorização do Salário Mínimo em uso que calcula a inflação mais o PIB dos dois anos antes e adotou apenas a valorização de 0,5% a 2,5% e com isso a peonada perde em 2025 dez reais. Um capitalista disse na TV que o modelo anterior a longo prazo seria insustentável. O empresariado cara de pau quer sempre o arrocho salarial. O que foi isso? Foi uma expropriação da classe trabalhadora. Para economizar o governo poderia não dar mais o meio trilhão de incentivos fiscais para as empresas que seria uma boa economia, mas no capital a gente não pode mexer, pois isso seria o fim do mundo. Então o jeito é expropriar a peonada. Essa expropriação não é vista como uma expropriação, mas é apenas uma exigência do Mercado parasita chantageador para garantir o seu lucro com os títulos do governo garantidos pela taxa selic nas alturas. Como sempre o governo cedeu à chantagem dos parasitas especuladores e expropriou a classe trabalhadora.
A expropriação das classes trabalhadora e camponesa acontece a cada dia pela expropriação do mais-valor por elas produzido no processo de produção de mercadorias e pela retirada de direitos, que o Estado capitalista pratica contra o povo trabalhador e pela grilagem das terras dos povos originários e quilombolas. A expropriação no capitalismo é algo que acontece diariamente contra o povo trabalhador. Não é nenhuma novidade e é algo que faz parte da essência do capitalismo. Não é exceção, é a regra. Sem a expropriação da classe trabalhadora e camponesa o capitalismo não sobrevive; ele simplesmente não existiria. A expropriação das classes subalternas é o sangue que alimenta o capitalismo.
O que não acontece é a expropriação da classe capitalista, esta é proibida, é uma heresia, é considerada uma subversão hedionda, imperdoável, um crime contra a humanidade. Só se permite expropriar o povo trabalhador. A lei, feita pela classe capitalista através do Estado, permite, legaliza e garante isso. A expropriação da classe trabalhadora e camponesa é uma exigência do mercado para viabilizar o processo de concentração de riqueza dos capitalistas. Isso não é considerado uma violência e nem um roubo, mas algo normal que faz a economia se mover, é a essência do sistema, é algo indispensável. É a normalidade do mal.
A expropriação da classe trabalhadora, da classe camponesa e dos povos originários é a mola propulsora do capitalismo, isso faz ele se mover, se dinamizar e se reproduzir. Não existe capitalismo sem exploração e sem expropriação das classes subalternas (incluída a superexploração dos recursos naturais: da água, da terra, dos minerais e da biodiversidade). Eliminar isso é eliminar o capitalismo. Para eliminar o capitalismo é necessário expropriar a classe capitalista de seus meios de produção, circulação e distribuição apenas uma vez, enquanto que hoje a classe trabalhadora e a classe camponesa são expropriadas diariamente pelas leis geradas pelo Estado e pelo mais-valor produzido por estas no processo de produção de mercadorias.
O capitalismo expropria as classes subalternas diariamente. É o seu pão de cada dia: não fazer reforma agrária, não demarcar as terras indígenas, aprovar a reforma trabalhista e a reforma previdenciária, congelar o salário mínimo, congelar por 20 anos os gastos em saúde, educação e assistência social, desonerar a folha de pagamentos, que retira dinheiro destinado aos trabalhadores, perdoar dívidas de impostos das empresas, etc.
É a expropriação diária que o capitalismo pratica no Brasil junto com a expropriação do mais-valor gerado pela classe trabalhadora e camponesa no processo de produção de mercadorias. A expropriação do mais-valor social são os impostos sonegados e perdoados aos capitalistas pelo Refis, pelos incentivos fiscais e coisas do gênero. A expropriação no capitalismo é algo trivial e normal, mas nunca se diz que isso é uma expropriação, mas se diz que é a modernização do processo econômico, o aperfeiçoamento da legislação ou outra desculpa esfarrapada. Só que expropriar os patrões não se pode, dizem eles; isso é um crime hediondo contra a humanidade. Haja cinismo! Os patrões pensam que a expropriação das classes subalternas é um direito nato, legal e divino seu. Eles nem consideram a expropriação das classes subalternas um crime e um roubo, pois essa é a dinâmica normal da economia. Crime para eles é serem expropriados pelas classes subalternas.
Os povos originários são expropriados de suas terras pelos grileiros, madeireiros, latifundiários, mineradoras, hidronegócio e pelo Estado que faz leis para possibilitar isso. O território dos povos originários e dos quilombolas está constantemente sob ataque dos capitalistas para integrá-lo ao Mercado para ser comercializado como mercadoria privada. Terras de posse e de uso coletivo é uma ameaça ao capital e um mau exemplo. Isso precisa ser extinto, exigem os capitalistas.
Apesar de tudo isso o Natal anuncia que o Reino de Deus já está no meio de nós, queiram e gostem os capitalistas ou não.
Pastor Günter Adolf Wolff
(sou pastor, não sou ministro)
[1] ENGELS, Friedrich. Karl Marx. In Karl Marx e
Friedrich Engels. Textos. Vol. 2. São Paulo. Edições Sociais. 1976, p. 207-209
[2] BOUCHEZ, L. Francis, FONTAINE, Roger. W, JORDAN, David C., SUMMER, Gordon, TAMBS, Lewis, DOCSAI, Ronald F. DOCUMENTO SANTA FE I Comitê de Santa Fé. in http://www.offnews.info/downloads/santafe1.PDF. Maio de 1980, p. 11
[3] L. Francis Bouchey - Roger W. Fontainte - David C. Jordan, editor Tte Gral. Gordon Summer, hijo. Documento de Santa Fe II 1988 in http://www.elcorreo.eu.org/Documento-de-Santa-Fe-II1988, p. 6
[4] MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política. Livro 1. São Paulo. Boitempo. 2013, p. 123
[5] LUXEMBURGO, Rosa. O que quer a Liga Spartakus? In A Revolução Russa. Petrópolis. Vozes. 1991, p. 103-104
[6] FREIRE, Alípio. Brasil de Fato nº 649 de 6 a 12 de agosto de 2015
[7] FAYAD, Yasser Jamil. Socialismo ou mais Barbárie. (Re)pensar os caminhos da revolução brasileira. Florianópolis. Fedayin. 2020, p. 48
[8]BAESKE, Albrecht. Alocução durante a ordenação ao ministério pastoral junto à IECLB em Maracaju, MS, em 03/05/2008.
[9] Mensagem às Comunidades, anexo 54. Ata do XIII Concílio Geral da IECLB - Hamburgo Velho/RS - 20 a 24/10/1982
[10]FUCHS, Werner. Anexo 34. Painel no XIII Concílio Geral da IECLB - Terra de Deus - Terra para todos. Subtema: Sinais Concretos de ação. Hamburgo Velho/RS. 20 a 24 de outubro de 1982.
[11] BENJAMIN, Walter. O capitalismo como religião. São Paulo. Boitempo, 2013, p. 23
[12] NETTO, José Paulo. O Leitor de Marx. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2012, p. 163
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