15 de fevereiro de 2012

Religião ópio do povo?

Será que isto é verdade que a religião é ópio do povo? Então o cristianismo é ópio do povo? Qual o papel da religião? Que papel a religião tem exercido na história da humanidade?

No princípio a religião era a maneira de se explicar a vida e o inexplicável, como as forças da natureza, a vida e a morte.
Quando a sociedade se estruturou em classes sociais e por isso surge o Estado, que tem a função de garantir os interesses da classe economicamente dominante, e então a religião passa a ser controlada pelo Estado, como aparelho ideológico para controlar as massas. O Estado se apropria da religião para através dela dominar melhor o povo. O Estado surge com a formação da sociedade em classes sociais, após o Modo de Produção Tribal, que era uma sociedade sem classes sociais e sem Estado, por isso mesmo. Após o Tribalismo surge o Modo de Produção Tributário, ou Asiático, composto por duas classes: a classe camponesa e o Estado, que era o rei, sua corte e funcionários, juntamente com os sacerdotes e o exército (dois mecanismos de controle: se os sacerdotes falham no controle do povo entra em cena o exército). Em Gn 47.13-26 a Bíblia fala disto, em que os sacerdotes não precisaram entregar as suas terras ao Faraó (v. 26) porque faziam parte da classe do Estado. Quando o povo de Israel se organizou e organizou a questão da fé decidiu que os seus sacerdotes, os levitas, não teriam terra. Por que? Para garantir a igualdade. Quem controla o sagrado já tem muito poder (de conceder a bênção e a maldição), imagine adicionar o latifúndio ao controle do sagrado. A história do Brasil conta bem esta experiência do sagrado aliado ao latifúndio, como segue o relato abaixo:

Por volta de 1880, a viajante francesa, Adèle Toussaint-Samson, visitando uma fazenda escravista no Rio de Janeiro, presenciou o seguinte diálogo entre o proprietário e seu feitor:
“- O que se plantou esta semana?
-Arroz, senhor
- Começaram a cortar a cana?
- Sim, senhor; mas o rio inundou e nós devemos consertar os canais.
- Mande vinte negros para lá amanhã de manhã. O que mais?
- Henrique escapou.
- Cachorro! Ele já foi pego?
- Sim senhor, ele está no tronco.
- Dê-lhe vinte golpes com o chicote e coloque a argola de ferro no seu pescoço (...) Isso é tudo?
- Sim, senhor
- Muito bem. Chame os negros agora para rezar
O senhor tocou um pesado sino, então bradou numa voz descomunal:
- Salta para a reza!”
No século XIX, numa conversa com outro viajante, Thomas Ewbank, um escravo reclamava de um duplo cativeiro. A senhora tinha por hábito acordá-los (ele e a seus companheiros) de madrugada para as orações: “Trabalhar, trabalhar e trabalhar o dia todo, rezar, rezar e rezar a noite inteira. Nenhum negro deveria agüentar isso”.
Os escravos da Fazenda São José, visitada por Toussaint-Samson, também não escaparam do dever católico das orações. Estavam obrigados a isso, assim como estavam obrigados diariamente ao trabalho. Era o repicar dos sinos, pelo feitor ou pelo fazendeiro, que exigia a presença e o cumprimento de ambos os deveres. (Tempo e Presença, nº 310, abril de 2000)

No Modo de Produção Tribal, como no exemplo de Abraão, a religião era exercida pelo patriarca numa montanha, debaixo de uma árvore frondosa (Gn 18.1: "Apareceu o Senhor a Abraão nos carvalhais de Manre"; Gn 13.18: "E Abrão, mudando as suas tendas, foi habitar nos carvalhais de Manre, que estão junto a Hebrom; e levantou ali um altar ao Senhor".); já há altares, mas não há templos. Javé fala com Moisés no monte Horebe no Sinai.
O povo de Israel não tinha templos no período anterior à monarquia. A religião era exercida diante da Tenda da Congregação que era móvel. Êx 29.11: "Imolarás o novilho perante o Senhor, à porta da tenda da congregação". Diante da Tenda da Congregação acontece o culto e a Assembléia Popular onde todos têm direito de falar e exigir seus direitos, até as mulheres:

Nm 27.1-4: "Então, vieram as filhas de Zelofeade, filho de Héfer, filho de Gileade, filho de Maquir, filho de Manassés, entre as famílias de Manassés, filho de José. São estes os nomes de suas filhas: Macla, Noa, Hogla, Milca e Tirza. Apresentaram-se diante de Moisés, e diante de Eleazar, o sacerdote, e diante dos príncipes, e diante de todo o povo, à porta da tenda da congregação, dizendo: Nosso pai morreu no deserto e não estava entre os que se ajuntaram contra o Senhor no grupo de Corá; mas morreu no seu próprio pecado e não teve filhos. Por que se tiraria o nome de nosso pai do meio da sua família, porquanto não teve filhos? Dá-nos possessão entre os irmãos de nosso pai".

Aqui a religião não está separada da vida cotidiana e os mais fracos podem exigir igualdade e terra, apelando para a fé fiel à Javé. No Modo de Produção Tribal a religião quer garantir a igualdade:
Dt 15.1-4: "Ao fim de cada sete anos, farás remissão. Este, pois, é o modo da remissão: todo credor que emprestou ao seu próximo alguma coisa remitirá o que havia emprestado; não o exigirá do seu próximo ou do seu irmão, pois a remissão do Senhor é proclamada. Do estranho podes exigi-lo, mas o que tiveres em poder de teu irmão, quitá-lo-ás; para que entre ti não haja pobre; pois o Senhor".

O Dízimo é para os levitas, que não receberam terra, e para os pobres:
Dt 14.22 "Certamente, darás os dízimos de todo o fruto das tuas sementes, que ano após ano se recolher do campo. ... 29 Então, virão o levita (pois não tem parte nem herança contigo), o estrangeiro, o órfão e a viúva que estão dentro da tua cidade, e comerão, e se fartarão, para que o Senhor, teu Deus, te abençoe em todas as obras que as tuas mãos fizerem".
O Dízimo é para o levita porque não recebeu terra (para não juntar dois poderes: o sagrado com a terra) e para os pobres porque o sistema os gerou. O Dízimo para o Templo é coisa da monarquia no Modo de Produção Tributário onde o rei controlava o Templo e a sua teologia (Am 7.12-13: "Então, Amazias disse a Amós: Vai-te, ó vidente, foge para a terra de Judá, e ali come o teu pão, e ali profetiza; mas em Betel, daqui por diante, já não profetizarás, porque é o santuário do rei e o templo do reino".).

É o Estado que constrói o Templo como lemos em 1 Rs 5.3-5: "Bem sabes que Davi, meu pai, não pôde edificar uma casa ao nome do Senhor, seu Deus, por causa das guerras com que o envolveram os seus inimigos, até que o Senhor lhos pôs debaixo dos pés. Porém a mim o Senhor, meu Deus, me tem dado descanso de todos os lados; não há nem inimigo, nem adversidade alguma. Pelo que intento edificar uma casa ao nome do Senhor, meu Deus".

Por que constrói o Templo? Porque agora há paz. Soa bonito, mas na verdade a paz era um problema para a perpetuação do Estado. Como? Quando havia guerra as famílias camponesas forneciam soldados para combater e defender as suas terras e colheitas e assim o Estado e seu exército se justificam. Agora não tem mais guerra e por isso não se precisa mais de exército e nem do Estado. Aí Salomão saca a idéia do Templo para continuar a cobrar os impostos em mercadoria e trabalho forçado que se justificava nos tempos de guerra, mas não mais agora. Este texto explica como era cobrado o tributo em mercadoria e trabalho forçado:

1 Rs 5.11 Salomão deu a Hirão vinte mil coros de trigo, para sustento da sua casa, e vinte coros de azeite batido; e o fazia de ano em ano. ... 13 Formou o rei Salomão uma leva de trabalhadores dentre todo o Israel, e se compunha de trinta mil homens. 14 E os enviava ao Líbano alternadamente, dez mil por mês; um mês estavam no Líbano, e dois meses, cada um em sua casa; e Adonirão dirigia a leva.

Os camponeses pagavam tributos com gosto para a manutenção do exército em tempos de guerra, mas não queriam mais pagar em tempos de paz e com a construção do Templo Salomão justifica a cobrança do tributo, que depois do Templo pronto foi incorporado à este, como lemos em Dt 26:

1 Ao entrares na terra que o Senhor, teu Deus, te dá por herança, ao possuí-la e nela habitares, 2 tomarás das primícias de todos os frutos do solo que recolheres da terra que te dá o Senhor, teu Deus, e as porás num cesto, e irás ao lugar que o Senhor, teu Deus, escolher para ali fazer habitar o seu nome. 3 Virás ao que, naqueles dias, for sacerdote e lhe dirás: Hoje, declaro ao Senhor, teu Deus, que entrei na terra que o Senhor, sob juramento, prometeu dar a nossos pais. 4 O sacerdote tomará o cesto da tua mão e o porá diante do altar do Senhor, teu Deus. 5 Então, testificarás perante o Senhor, teu Deus, e dirás: Arameu prestes a perecer foi meu pai, e desceu para o Egito, e ali viveu como estrangeiro com pouca gente; e ali veio a ser nação grande, forte e numerosa. 6 Mas os egípcios nos maltrataram, e afligiram, e nos impuseram dura servidão. 7 Clamamos ao Senhor, Deus de nossos pais; e o Senhor ouviu a nossa voz e atentou para a nossa angústia, para o nosso trabalho e para a nossa opressão; 8 e o Senhor nos tirou do Egito com poderosa mão, e com braço estendido, e com grande espanto, e com sinais, e com milagres; 9 e nos trouxe a este lugar e nos deu esta terra, terra que mana leite e mel. 10 Eis que, agora, trago as primícias dos frutos da terra que tu, ó Senhor, me deste. Então, as porás perante o Senhor, teu Deus, e te prostrarás perante ele. 11 Alegrar-te-ás por todo o bem que o Senhor, teu Deus, te tem dado a ti e a tua casa, tu, e o levita, e o estrangeiro que está no meio de ti.

Na festa da colheita o camponês entrega a cesta das primícias ao sacerdote que o coloca no altar. Note que esta confissão de fé "esqueceu" de dizer o que diz em Dt 6.22 "Aos nossos olhos fez o Senhor sinais e maravilhas, grandes e terríveis, contra o Egito e contra Faraó e toda a sua casa". Por que "se esqueceu" de dizer que Javé luta contra o Faraó e o Estado egípcio? Porque agora Israel vive numa sociedade com Estado, então Javé não pode ser contra o Estado. O Templo começa a mudar a teologia a respeito de Javé. Antes Javé era um Deus de camponeses que lutava contra o Estado e pela terra e agora Javé apenas abençoa a colheita e garante o sol e a chuva para que haja boa colheita e se multipliquem os rebanhos como era a teologia dos deuses cananeus. Um novo modo de produção precisa de uma nova teologia. É o modo de produção que determina a teologia conforme os seus interesses, significa: conforme os interesses da classe que controla este modo de produção. Agora Javé abençoa com riquezas. Quem é rico é porque foi abençoado por Deus, esta é a nova teologia (implícito está: quem é pobre é porque está longe de Deus e foi amaldiçoado por ele; tudo a ver com a atual teologia da prosperidade):

1 Rs 10.9 "Bendito seja o Senhor, teu Deus, que se agradou de ti para te colocar no trono de Israel; é porque o Senhor ama a Israel para sempre, que te constituiu rei, para executares juízo e justiça. 10 Deu ela ao rei cento e vinte talentos de ouro, e muitíssimas especiarias, e pedras preciosas; nunca mais veio especiaria em tanta abundância, como a que a rainha de Sabá ofereceu ao rei Salomão. ... 23 Assim, o rei Salomão excedeu a todos os reis do mundo, tanto em riqueza como em sabedoria. 24 Todo o mundo procurava ir ter com ele para ouvir a sabedoria que Deus lhe pusera no coração".

Agora riqueza é bênção de Deus e não origem da desigualdade social. Agora o objetivo desta sociedade não é que não haja pobres não meio de ti, mas é dizer que a riqueza é bênção de Deus. O Javé Zebaoth que lutava com o exército de camponeses por terra e contra o Estado desapareceu e sobrou apenas o Deus que abençoa os ricos e que cobra os impostos via Templo. O Estado manipula a teologia em seu próprio benefício, para legitimar a opressão de classe. O Estado constrói o Templo, com o dinheiro e o trabalho do povo, para regular as forças da natureza e garantir boas colheitas e aumentar o gado.

O rei Davi trouxe primeiro a Arca da Aliança para perto do palácio (para aliar o Estado ao sagrado) e depois tentou construir o Templo, mas não havia conjuntura favorável para isto, as tribos resistiram; não teve força política para tal. Somente o rei Salomão consegue construir o Templo que substitui a Tenda da Congregação e coloca o conteúdo sagrado da Tenda, a Arca da Aliança, no fundo do Templo que depois disto não é mais lembrada em nenhum relato. A Arca da Aliança que era o símbolo da presença de Javé no meio dos camponeses na luta contra o Estado e a favor da conquista da terra precisa desaparecer, pois a teologia sobre Javé tem que mudar com o Estado. Agora Javé tem que legitimar o Estado que tem a função de legitimar a sociedade de classes. A teologia encarnada na Arca da Aliança e na Tenda da Congregação tem que desaparecer, pois é subversiva e desestabilizadora numa sociedade de classes, injusta por princípio e contra a vontade de Javé. Isto retorna com Jesus no relato do evangelista João 1.14: "E o Verbo se fez carne e armou tenda entre nós". Aqui retorna a Tenda da Congregação que é móvel e não afixada ao lado do palácio real com o seu significado original de luta por uma nova sociedade sem classes e igualitária, onde os meios de produção estão sob o controle dos trabalhadores, que Jesus chama de Reino de Deus.

Em Gn 4 a Bíblia já aponta para a negação da religião ligada ao Estado quando Javé não aceita a oferta de Caim, pois ele era lavrador e o Abel pastor sem terra. Caim, o construtor de cidade (Gn 4.17: Caim edificou uma cidade e lhe chamou Enoque, o nome de seu filho.). O que era uma cidade naquele tempo? Naquele tempo cidade significava: Estado. Gn 11 fala disto, dizendo que Deus impediu a construção da cidade, quer dizer do Estado, e propõe uma sociedade descentralizada e multicultural. A cidade era a cidade-estado onde morava o rei e seu exército que espoliava os camponeses através dos tributos. A cidade (o Estado que legitima o modo de produção tributário baseado em classes sociais antagônicas em permanente luta) encarna o mal no exemplo de Sodoma e Gomorra, que por isso tem que ser destruída. O profeta Ezequiel lembra isso em 16.49-50: "Eis que esta foi a iniqüidade de Sodoma, tua irmã: soberba, fartura de pão e próspera tranqüilidade teve ela e suas filhas; mas nunca amparou o pobre e o necessitado. Foram arrogantes e fizeram abominações diante de mim; pelo que, em vendo isto, as removi dali". Qual o problema da cidade (do Estado): nunca amparou o pobre e o necessitado e foram arrogantes e fizeram abominações (culto a falsos deuses que legitimam o sistema opressor) diante de mim. A elite citadina era: soberba, tinha fartura de pão e era próspera à custa dos camponeses espoliados pelo tributo. Javé não aceita a religião do Estado. O sacrifício do representante do Estado feito por Caim Javé não aceita, ele apenas aceita o sacrifício (a religião) do oprimido, do camponês sem terra Abel. A dica para entender este capítulo está no v. 2: "Abel foi pastor de ovelhas, e Caim, lavrador". Abel não foi pastor porque achava bonito, mas porque não tinha terra e por isso não tinha opção. A terra estava concentrada nas mãos da classe que controlava o Estado. É o 'com terra' matando o 'sem terra'. Coisas de ontem e de hoje.

O modo de produção tributário necessita de outro deus, à semelhança dos deuses cananeus. Como isto não é possível, pois historicamente Javé é o Deus do povo de Israel, então o que precisa ser feito é falar deste Deus de uma forma diferente conforme as necessidades da atual conjuntura: muda-se a teologia a respeito deste Deus. Quando não se pode mudar de Deus então muda-se a teologia a respeito dele, pois agora há o Estado que garante os interesses da classe economicamente dominante. Agora o Estado controla a religião, o Templo, e não mais os patriarcas tribais. A fé em Javé escapou do controle dos camponeses e foi aprisionada pela classe do Estado, com o objetivo de controlar os camponeses. Um Modo de Produção que é economicamente concentrador necessita de uma religião que concentra poder nas mãos da classe que controla este modo de produção. É a classe economicamente dominante que diz como se deve crer em Deus e como é este Deus, ontem como hoje. Deus é forjado conforme os interesses da classe economicamente dominante. Deus foi aprisionado e por isso na Sexta-feira Santa rompe o véu do Templo: Deus não se deixa aprisionar e conduzir conforme os interesses dos dominadores.

O que aconteceu? Aconteceu que sob o ponto de vista do Novo Testamento, o Evangelho virou Religião. A Páscoa rompe com isto e recomeça a vivência do Evangelho a partir da classe oprimida. No NT o Evangelho luta contra a Religião romana, portanto contra o modo de produção que a sustém.
Gn 32 já mostra esta prática de se adotar a dinâmica da religião cananéia de adorar o ouro e o touro (a riqueza e a tecnologia mais eficiente de produção). Riqueza e tecnologia andam juntas e precisam da legitimidade divina. Hoje a tecnologia também é adorada como deus e tida como infalível. O Pentateuco sempre de novo alerta para não adotar a religião cananéia. Por que? Porque a religião cananéia tinha a função de legitimar a existência do Estado e este surgiu por causa do surgimento de classes sociais. O estado cananeu (as cidades-estado) invadia militarmente a Israel para saquear e escravizar. As cidades-estado cananéias eram legitimadas pela religião. Por isso Javé avisa o povo de Israel para não seguir os deuses cananeus, pois através deles vinha o Estado e este vinha da desigualdade social que gera as classes sociais. Na sociedade cananéia o rei tinha a função de garantir que as forças da natureza fossem sujeitas, pela religião comandada por ele, para que houvesse bem estar: boa colheita e multiplicação de gado. Em troca desta proteção real e divina o povo pagava tributos ao rei via templos, pois o rei era deus ou filho de deus. O Estado foi divinizado. É disto que Gn 11 fala onde a torre sobre até o céu. Torre era o quartel onde morava o rei e seu exército. Javé em Gn 11 desmonta o aparelho do Estado junto com a religião que lhe dá sustentação e propõe uma nova sociedade multicultural e sem Estado.

A partir do Estado, que surge da sociedade de classes, a religião vira ópio do povo.
Javé que é o Deus da classe camponesa combate a religião do Estado e propõe uma nova sociedade num novo modo de produção. Esta nova sociedade num novo modo de produção Jesus Cristo chama de Reino de Deus. No NT se dá também a luta entre Religião e Evangelho, como no AT.

A Religião é ópio para o povo, o Evangelho é subversão que liberta da opressão da Religião. A Religião é controlada pela classe economicamente dominante segundo o modo de produção. O Evangelho rompe com o modo de produção opressor e sua religião e propõe uma nova concepção de fé num Deus que liberta da opressão a classe oprimida pelo modo de produção vigente. Não só isso, mas liberta também da maior opressão de todas: a morte, pela ressurreição do corpo.

E o cristianismo nessa história, é ópio? A igreja cristã: é ópio?
No grosso é ópio puro, mas dentro dela sobra um pedaço que continua sendo Evangelho. O modo de produção capitalista usa a igreja como instrumento de dominação dizendo como se deve crer em Deus e como se deve viver a fé em Deus. A grosso modo quem define a teologia na igreja é o capitalismo que lê a Bíblia segundo a sua interpretação que beneficia seus interesses opressores.

Como diz o povo: o diabo faz a panela, mas esquece de fazer a tampa; por isso há na igreja cristã ainda espaço para o Evangelho. Sempre há um grupo não contaminado (ou pouco contaminado que resiste, mas que é mal visto), pequeno, mas existe.

Na verdade todo sistema econômico classista precisa da religião como instrumento ideológico de dominação; precisa de uma cachacinha para dopar a classe oprimida e a religião faz este papel. No entanto, quando Javé se faz pessoa no camponês sem terra palestino Jesus de Nazaré que começa a pregar o Evangelho do Reino de Deus começa o processo subversivo para vencer a religião como instrumento de dominação ideológica que favorece o modo de produção vigente. Com Jesus Cristo se rompe o processo iniciado no AT que usou o Templo para dominar o povo pela Lei e sua interpretação opressora. Em Jesus Cristo Javé desponta para continuar o seu projeto de construção de uma nova sociedade sem classes onde os meios de produção estão sob o controle de quem trabalha. Isso foi iniciado nas montanhas da Palestina no ano 1250 e se retraiu com a monarquia e é retomado por Jesus Cristo no NT, como nos mostra o livro de Atos 2 e 4. O Evangelho de Jesus Cristo é essencialmente subversão (Lc 4.18-19; Lc 23.1-5) e não se deixa usar como instrumento religioso para legitimar o modo de produção classista vigente. O Evangelho sempre de novo desponta dentre e fora da igreja para denunciar quando a Religião quer absorver o Evangelho como instrumento ideológico que legitime a sociedade de classes.

O Evangelho é tão forte que vence a morte na Páscoa para implementar o seu projeto de vida digna e plena aqui e agora e sempre. O Evangelho sempre será o espinho na carne de todo e qualquer sistema opressor. Por outro lado a religião sempre vai tentar usar o Evangelho para limitá-lo dentro dos conceitos impostos pelo modo de produção classista vigente. A Religião sempre vai tentar usar e transformar o Evangelho como Religião para legitimar o modo de produção classista opressor, sendo classista sempre será opressor. Vimos isto no processo da Conquista nas Américas e no colonialismo na África, Ásia e Oceania. Vemos isto nas igrejas hoje onde a classe capitalista e seus testas de ferro administram as igrejas e impõe a sua teologia transformando o Evangelho em Religião, legitimando assim todo o processo capitalista que vai levar a humanidade à extinção pelo aquecimento global junto com a perda da biodiversidade e pela exaustão dos recursos naturais e pela agricultura química que gerarão a fome a nível planetário.

O capitalismo agora fala na "economia verde" como a salvação, mas sabemos que o mesmo sistema que gerou o desastre não vai tirar o Planeta deste desastre porque ele não vai mudar a sua dinâmica, para isso teria que se autodestruir. Ou mudamos este sistema econômico ou nos auto-extinguimos como humanidade.

Só o Evangelho do Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo poderá nos salvar como humanidade e salvar a biodiversidade no Planeta Terra. Fora disto: a extinção. Este Reino de Deus, que começa já aqui e agora e se completará no dia do juízo final, é a proposta de uma nova sociedade não classista onde os meios de produção estão sob o controle dos trabalhadores organizados e politizados numa democracia popular exercida pelo Poder Popular. Ou isto (com as suas devidas variações) ou a extinção! Não é mais: socialismo ou barbárie, é socialismo (ou outro nome que se dê para esta nova sociedade não classista e não capitalista) ou extinção. O resto é ilusão que nos levará à extinção. Não há mais meio termo social-democrata.

A igreja precisa de um profundo processo de reforma para deixar de ser Religião e se deixar fazer Evangelho pelo próprio Deus. Isto ocorrerá dentro do processo da luta de classes havida na sociedade como um todo. A mesma luta de classes que há na sociedade acontece na igreja porque ela não está fora do mundo numa redoma de cristal, mas dentro dele e de sua dinâmica. No processo de participação da construção do Reino de Deus lutaremos contra a sociedade classista dentro da igreja e dentro da sociedade, os inimigos são os mesmo. Os empobrecidos pelo capitalismo que trabalham com suas próprias mãos deverão tomar o poder na igreja e na sociedade para mudar a teologia na e da igreja e mudar a ideologia na sociedade. Quem participará deste processo revolucionário divino? Os que sempre foram os escolhidos de Deus: os empobrecidos e oprimidos que trabalham com suas próprias mãos, como diz Paulo em 1 Co 4.11-13: "Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos". Será o processo do poder da fraqueza que vencerá (2 Co 12.9-10), por isso temos como símbolo o crucifixo. Quando Jesus em Lc 4.43 diz que ele foi envidado para anunciar o Evangelho do Reino de Deus ele está dizendo que ali começa (Lc 16.16) a luta contra o reino do mundo, hoje o capitalismo, obra e instrumento que o diabo usa para tentar impedir a construção do Reino de Deus. Lembrando ainda 1 Co 1.27-28: "Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são".

1 Co 15.24-26 lembra: "E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. Porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos pés. O último inimigo a ser destruído é a morte".

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