O texto a seguir é a transcrição de um programa de rádio que fiz em 26 de março na Paróquia de Pratos. Pratos fica na barranca do Rio Uruguai e é ameaçada pela barragem binacional de Panambi.
O Projeto do Reino de Deus.
Onde encontramos a mensagem central de Jesus Cristo? Encontramos a sua mensagem central em Lc 4.42-43 onde diz: “Sendo dia, saiu e foi para um lugar deserto; as multidões o procuravam, e foram até junto dele, e instavam para que não os deixasse. Ele, porém, lhes disse: É necessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado”.
A partir deste texto quero falar sobre o Projeto de Jesus: o Reino de Deus. É o próprio Evangelho de Jesus Cristo que diz qual a sua missão. E qual a sua missão? A sua missão é anunciar o Evangelho do Reino de Deus. Também no livro de Lucas 16.16 diz: “A Lei e os Profetas vigoraram até João; desde esse tempo, vem sendo anunciado o evangelho do reino de Deus, e todo homem se esforça por entrar nele”.
Jesus diz que até João, o Batista, valiam a Lei e os Profetas. Quando a Bíblia fala de Lei ela se refere ao Pentateuco (os primeiros cinco livros da Bíblia) e os livros proféticos são os chamados Profetas Anteriores (Josué até os dois livros dos Reis) e os profetas Posteriores, que são os livros proféticos em si começando por Isaías. Jesus diz: até João, valiam a Lei e os Profetas, mas, agora, vale o Projeto do Reino de Deus. Se nós lermos a Bíblia nós vamos ver que Jesus tem insistentemente falado do Reino de Deus. Não apenas falado, mas toda a sua ação se pautava pelo anúncio do Evangelho Reino de Deus. As suas curas mostravam que no Reino de Deus não tem lugar para a doença. Deus não quer a doença e não quer o sofrimento. Jesus tem discutido com os fariseus e com os escribas sobre o Projeto do Reino de Deus que propõe uma nova sociedade. Quando Jesus fala do seu Evangelho ele está dizendo e apontando para uma nova forma de organizar a vida das pessoas e de toda a sociedade, de todo mundo. Jesus diz: eu vim para anunciar o Evangelho do Reino de Deus. Então ele está dizendo: eu não vim para anunciar o projeto deste mundo que no tempo de Jesus era o Império Romano, que através da religião de falsos deuses procurava legitimar a opressão de uma sociedade escravista que precisava de muitos escravos para produzir a rioqueza de seus senhores. E para ter muitos escravos precisava-se fazer muitas guerras para massacrar outros povos, saquear suas riquezas e levar a população vencida para a escravidão. No Império romano, na sociedade escravista, era como era no Brasil até 1888 onde havia duas classes básicas: os senhores, que eram os donos da terra e controlavam o Estado, e os escravos que trabalhavam, pois no Império Romano quem trabalhava eram os escravos. Eles é que moviam a economia, assim como no Brasil de 1500 até 1888 quem construiu a base da economia brasileira foi o trabalho escravo porque os senhores não trabalhavam.
Quando Jesus diz: eu vim para anunciar o Evangelho do Reino de Deus, ele está apontando para uma nova sociedade que não se baseia no projeto deste mundo. Quando Jesus contava as parábolas ele normalmente começava dizendo: “o Reino de Deus é semelhante a” e aí ele contava uma parábola. Parece que nós volta e meia, como comunidade, temos esquecido a mensagem central de Jesus Cristo que é o Evangelho do Reino de Deus.
Quando, segundo o Evangelho de Marcos no capítulo 1, João Batista foi preso, diz ali no vers. 15 que Jesus começou a pregar dizendo: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho”. Então, a fé no Evangelho requer arrependimento. Isto significa: mudança de vida individual e de toda a sociedade e mudança de pensamento. Significa que: quem crê em Jesus Cristo crê na promessa do Reino de Deus que está próximo. Jesus até chegou a dizer: ele já está no meio de vós (Lc 17.21). A questão do arrependimento é mudar o jeito de viver, não mais o jeito de viver do mundo que no tempo de Jesus era o sistema econômico escravista que usava as pessoas como objeto para enriquecer os senhores de escravos. Quando hoje se anuncia o Evangelho do Reino de Deus então também se está apontando para a construção de uma nova sociedade não capitalista. Hoje os cristãos estão tão iludidos que acham que não existe outra forma de organizar a vida e a economia do mundo a não ser do jeito capitalista. Só que nós cristãos não pensamos do jeito capitalista, então nós pensamos do jeito do Reino de Deus. A questão é que muitos cristãos estão tão iludidos pelo sistema capitalista, pelo jeito deste mundo, que eles acham impossível haver outro jeito de organizar a sociedade além do jeito capitalista. Só que a Bíblia deixa muito claro que Jesus Cristo veio para trazer o Reino de Deus e não para fortalecer o reino deste mundo, hoje o capitalismo. Pelo fato de Jesus estar falando do Reino de Deus ele está obviamente se antepondo e contrapondo ao reino do mundo. Hoje ‘o mundo’ é o capitalismo.
Portanto, o cristão quer organizar a sua vida conforme o ensinamento do Evangelho do Reino de Deus e não conforme o ensinamento do sistema capitalista. Jesus insistentemente, até antes de ser assunto ao céu falou sobre o Reino de Deus, mesmo depois da ressurreição. Diz no livro de Atos 1.3, antes de Jesus subir ao céu: “A estes também, depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas provas incontestáveis, aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando das coisas concernentes ao reino de Deus”. Assim, conforme o Evangelho de Marcos 1.15, a pregação de Jesus começou com o tema do Reino de Deus e terminou com o tema do Reino de Deus, antes de subir ao céu. Portanto, o anúncio do Evangelho do Reino de Deus perpassa toda a mensagem falada e praticada de Jesus Cristo. Esta é a sua mensagem central. Por ser a sua mensagem central é uma mensagem perigosa. Tão perigosa que o Templo de Jerusalém e o Império Romano resolveram matar Jesus porque ele estava pregando outro jeito de organizar a vida e o mundo, diferente daquele que o Império Romano propunha, que era continuar massacrando, trabalhando em cima da escravidão, usando as pessoas como objeto. Para Deus as pessoas não são objetos, mas são “Templo do Espírito Santo”. O apóstolo Paulo insiste nisso dizendo em 1 Co 6.19: “Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós”, portanto, o nosso corpo é sagrado. No sistema econômico escravista o escravo é um objeto, portanto não é sagrado para o mundo, mas para nós, o ser humano, o corpo da pessoa, é sagrado porque é templo do Espírito Santo e porque ressuscita. Quando nós hoje falamos do Reino de Deus estamos apontando para a construção de uma sociedade não capitalista, porque para o capitalismo as pessoas são considerados objeto, mercadoria, não são consideradas pessoas. Como se fala no sistema capitalista? Fala-se no mercado de trabalho. O que se compra num mercado? A gente compra mercadorias, coisas, objetos. O sistema capitalista também fala em ‘mercado de trabalho’, mas aí ele está se referindo à pessoas. Mas as pessoas no mercado de trabalho não são pessoas, são coisas, são objetos, são mercadorias, que se compra e se vende por um preço estipulado pelo patrão, pelo capitalista. E o preço básico é o Salário Mínimo, então a pessoa vale um Salário Mínimo. Esse é o preço de uma pessoa, da pessoa que vende a sua força de trabalho. Então, está se diminuindo a criação de Deus e se transformando o ser humano em objeto, em coisa. Este é o projeto do mundo. O projeto do mundo é transformar as pessoas em coisa que se compra e se vende; e coisa é coisa, não vale muita coisa. No entanto, para Deus nós não somos coisa nós somos pessoas. Por isso o Apóstolo Paulo em Rm 12.2 diz: “E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”.
O projeto do mundo.
Paulo deixa muito claro: ‘não vos conformeis com este século’. O que é ‘este século’? ‘Este século’ é o mundo. E o que é ‘o mundo’? O ‘mundo’ hoje é o capitalismo. Então, o apóstolo Paulo, que estava falando no tempo do Império Romano, estava dizendo para os cristãos não se conformar com este século, significa com o Império Romano, com o sistema econômico escravista. Para nós o apóstolo Paulo está dizendo: ‘não vos conformeis com este século’ e com isto ele está dizendo: não vos conformeis com o capitalismo. Por que? Porque o nosso projeto não é o capitalismo. O nosso projeto é o Reino de Deus. O capitalismo não salva, quem salva é Jesus Cristo. Por isso Paulo nos adverte porque nós sempre somos enrolados pelo sistema deste mundo, mas Paulo continua dizendo: mas transformai-vos pela renovação de vossa mente. Nós precisamos constantemente e permanentemente renovar a nossa mente. Quer dizer: nos deixar, permanentemente, alimentar pelo Evangelho do Reino de Deus para não sermos enrolados pelo projeto deste mundo, o capitalismo.
Na carta de Tiago Tg 1.27 diz: “A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo”. O que Tiago diz? O que é a fé cristã? É visitar os órfãos e as viúvas nas suas dificuldades. Quer dizer, estar do lado dos mais pobres, dos mais sacrificados, dos mais massacrados pelo sistema. O quer dizer estar ao lado dos empobrecidos e guardar-se incontaminado do mundo? Significa: não se deixar contaminar pelo jeito do mundo pensar e se organizar. Não deixar-se moldar pelo mundo. Um molde é a cópia do original, não é algo novo e diferente. Não assumir o jeito de pensar do mundo. E o jeito de pensar do mundo hoje é o capitalismo. E o capitalismo nos últimos 20 anos, quando começou a era neoliberal, dizia: não existe outra forma de organizar o mundo além do capitalismo. Só que nós cristãos dizemos: Isto é mentira! Pois o Evangelho diz que a proposta de Deus para organizar este mundo é o Evangelho Reino de Deus. Portanto, nós cristãos, precisamos sempre de novo, como diz o apóstolo Paulo, deixar transformar a nossa mente pelo Evangelho, que deixa claro que o nosso projeto é organizar a nossa vida e a da sociedade toda conforme o Reino de Deus e não conforme o sistema capitalista.
Tiago 4.4 ainda diz: “Infiéis, não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus”. Isto é forte, porque muitos cristãos acabam sendo amigos do mundo porque assumiram o projeto do sistema capitalista como a única forma de organizar a sua vida e a economia do Planeta. Mas Tiago diz bem claro: quem faz isto é inimigo de Deus. Quem é amigo do mundo é inimigo de Deus. Não dá para ser amigo do mundo e amigo de Deus ao mesmo tempo. Ou você é amigo de Deus ou você é amigo do mundo. Não dá para, como diz o Evangelho, adorar a dois senhores, ter dois senhores, ao mesmo tempo. Ou você adora a Deus ou você adora as riquezas, o capitalismo. Em 1 Jo 2.15 diz: “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele”. Significa, traduzindo: não ameis o mundo significa não ameis o capitalismo e nem as coisas que há no capitalismo. Isto é duro para nós que estamos acostumados a achar que só existe uma forma de organizar a vida que é o capitalismo. Mas, a Bíblia diz que há outra forma de organizar a vida que é o Evangelho do Reino de Deus. Quando Jesus fala do Reino de Deus ele está apontando para a construção de uma nova sociedade não capitalista. Em 1 João 3.10 diz: “Nisto são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo: todo aquele que não pratica justiça não procede de Deus, nem aquele que não ama a seu irmão”. O capitalismo não pratica a justiça, pois vive da injustiça que é a produção do lucro pelo não pagamento de parte do trabalho realizado pelo trabalhador no processo da geração da mercadoria.
Em 2 Pedro 2.20 há uma palavra muita clara e muito dura que diz: “Portanto, se, depois de terem escapado das contaminações do mundo mediante o conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, se deixam enredar de novo e são vencidos, tornou-se o seu último estado pior que o primeiro”. Pedro está dizendo: depois que você foi batizado e confessou a sua fé em Jesus Cristo e se deixou enrolar pelo mundo, você acabou de entrar numa situação pior que a de antes do batismo. Porque antes do batismo você era pagão e agora você é cristão pelo batismo, mas se deixou enrolar pelo capitalismo, pelo sistema deste mundo, pelas contaminações deste mundo, como diz Pedro. Então você está numa posição anterior a do batismo, anterior á fé cristã. Está pior do que antes, pois voltou para trás. Você renegou a Jesus Cristo, fez o papel de Judas. Por isso é importante deixar bem claro que o centro da pregação de Jesus Cristo é o Reino de Deus. E quando ele fala em Reino de Deus ele está apontando para frente, para a construção de uma nova sociedade, hoje, não capitalista. Porque a nossa fé é contra o projeto do mundo, conta o capitalismo.
Nossa fé é contra o projeto do mundo.
Na Primeira Carta de João 5.4 diz: “porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé”. Quer dizer: a nossa fé vence o mundo. Significa que se organizo a minha vida e ajudo a organizar a vida de toda a sociedade conforme a fé em Jesus Cristo nós vamos transformar este mundo. Às vezes as pessoas dizem: não, não existe outro jeito de organizar o mundo. A gente tem que se ajeitar aqui assim como é. Só que a gente esquece a palavra de João 16.33: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo”. As pessoas dizem que nós temos que nos conformar com este mundo e com isto elas estão esquecendo que na verdade este mundo já foi vencido. Jesus Cristo venceu o mundo na Páscoa. Isto é importante a gente saber neste período em que nós estamos aqui discutindo em nosso município a questão das barragens que é um projeto do sistema capitalista para criar mais lucro em favor daqueles que já tem muito dinheiro à custa da apropriação da terra dos pequenos proprietários à beira do Rio Uruguai. Muitos destes pequenos proprietários atingidos dizem: “Ah! Pastor não adianta, eles vão fazer igual o que querem”. A gente esquece esta palavra de Jesus que diz: Eu venci o mundo. Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé.
Nós cremos em nosso Senhor Jesus Cristo e por isso nós temos a maior força que é possível ter para enfrentar o mundo, para enfrentar o capital. É claro que quando a gente se contrapõe ao mundo, assim como Jesus se contrapôs ao mundo e por isso ele foi crucificado, nós também vamos ser perseguidos. Por isso em 1 João 3.13 diz: “Irmãos, não vos maravilheis se o mundo vos odeia”. Então, se vocês começarem a lutar contra as barragens, que é o projeto do capital, que é o projeto do mundo, que é, portanto, o projeto do diabo, porque o capitalismo é o projeto do diabo, portanto vocês vão ser odiados. Muitos não vão mais querer falar com vocês. O Estado vai vos perseguir porque vocês não estão se submetendo, porque vocês não estão se conformando com este mundo. 2 Tm 3.12 lembra: “Ora todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos”. Além disso, a essência da fé cristã é não se conformar com este mundo; é não se conformar com o projeto do diabo, que hoje é o projeto capitalista. Na carta de Tiago 2.5 diz: “Ouvi, meus amados irmãos. Não escolheu Deus os que para o mundo são pobres, para serem ricos em fé e herdeiros do reino que ele prometeu aos que o amam?” Então, quem Deus escolheu para fazer a grande transformação, para ser instrumento de Deus na construção de seu Reino? Os pobres. Por isso o próprio Deus se fez pobre em Jesus Cristo. O apóstolo Paulo diz isto em sua carta: ele se tornou servo, ele se tornou pobre (2 Co 8.9), porque é a partir dos pobres que Deus começa a construir a transformação.
No livro do Êxodo já diz isso. Deus não escolheu o Faraó, mas Deus escolheu os camponeses sem terra escravos no Egito para construir o seu projeto. São os pobres que vão mudar o mundo e não os ricos. Porque os ricos só oprimem, perseguem e exploram. Portanto, as transformações só acontecem a partir dos pobres, dos fracos.
As transformações acontecem a partir dos pobres e fracos.
O apóstolo Paulo em 1 Coríntios 1.27-28 diz: “pelo contrário, Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes e Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são”. Quer dizer: Deus escolheu os humildes, os pobres, os fracos para reduzir a nada as coisas que são. O que é isto hoje? Hoje, as coisas que são, é o capitalismo. Para reduzir a nada o capital, porque o capital não é nada, porque o poder de Deus é maior que o poder do capital. Porque o poder de Deus é maior do que a morte porque ele venceu a morte na Páscoa. O capital traz a morte com a guerra, com a exploração, com as barragens que estão à serviço do grande capital. O apóstolo Paulo ainda lembra em 2 Coríntios 12.9-10: “Então, ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte”. Parece contraditório, mas o poder de Deus está no poder da fraqueza e o símbolo maior disto está na cruz de Cristo. A cruz, o Cristo crucificado, representa o poder da fraqueza de Deus. Paulo lembra em 1 Coríntios 2.12: “Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente”. É importante não esquecer isto. Nós não temos recebido o espírito do mundo no batismo, mas o Espírito Santo. Portanto, nós vamos seguir o projeto do Reino de Deus e não o projeto do capital. Nós fomos ungidos pelo poder do Espírito Santo e fomos marcados por Deus pelo Projeto do Reino de Deus no dia do nosso batismo para sermos ‘sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus’, como diz em 1 Pe 2.9. E se nós fomos ungidos por Deus pelo poder do Espírito Santo, então o fomos para construir o Reino de Deus e não o reino do mundo, o reino do capital. Por isso o Evangelho de Jesus Cristo convoca a todos para se engajar na luta contra o sistema capitalista que está construindo as barragens, que faz a guerra e que explora a classe trabalhadora. Porque o nosso projeto é o projeto do Reino de Deus que aponta para a construção de uma nova sociedade não capitalista. Nós não nos conformamos com este século, pois o nosso projeto é o Projeto do Reino de Deus, que se constrói a partir da fraqueza; porque é a partir da fraqueza que Deus constrói o seu projeto e a cruz de Cristo é o símbolo maior deste projeto. Então, não nos deixemos amedrontar quando dizem que nós temos que nos sujeitar àquilo que o capitalismo quer e que só existe esta forma de organizar a vida. Nós dizemos, não, nós temos outro projeto que é o Projeto de Jesus Cristo que ele chama de Reino de Deus e este aponta para frente, pois não se conforma com este século. Ele aponta para uma nova sociedade não capitalista. Por que? Porque Jesus Cristo já venceu o mundo e por isso nós não vamos nos submeter à vontade do mundo. Nós apenas vamos nos submeter à vontade de Deus. Amém.
"Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." (Jo 8.32)
21 de dezembro de 2011
16 de dezembro de 2011
Deus se revela como camponês sem terra em Jesus de Nazaré.
Como Javé se revela, onde ele se revela, em que situação ele se revela e a quem ele se revela?
Olhando o texto do Êxodo 3.1 que diz: “Apascentava Moisés o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote de Midiã; e, levando o rebanho para o lado ocidental do deserto” vemos que ele se revela a um camponês sem terra empobrecido. Deus se revela a Moisés no deserto, durante o processo de trabalho, à margem da sociedade. O texto do Êxodo começa com a palavra “apascentava”, quer dizer: Deus se revela àqueles que trabalham e não àqueles que exploram o trabalho de outrem e por isso são vagabundos. Deus se revela à classe camponesa (Moisés) livre da influência do Estado, pois ainda vive no Modo de Produção Tribal. Deus envia Moisés para a luta e o enfrentamento com o Estado para libertar a classe camponesa escravizada para reconstruir o Modo de Produção Tribal. Quem é Moisés? Moisés é filho de camponeses escravos no Egito, é um exilado político e fugitivo porque enfrentou o poder opressivo do Estado, matando um capataz a serviço do Estado opressivo, é um assassino, um peão, pastor, sem terra, marginalizado por causa de sua luta contra o Estado escravista, um estrangeiro no Sinai. Deus se revela a Moisés, que tem estas características, e não ao Faraó, que é o representante do Estado. Deus se revela a Moisés porque ele pertence à classe que produz e é explorada em sua produção pela classe do Estado. Apesar de que ali no Sinai o Estado egípcio não tinha muita influência, mesmo sendo território ocupado pelo Egito.
Javé faz uma opção de classe na luta de classes que ocorre no Egito. Javé opta pela classe camponesa e contra a classe do Estado; estas eram as classes básicas no Modo de Produção Tributário. Javé não é neutro na luta de classes. Mais que isso, ele interfere na luta de classes a favor da classe camponesa (Dt 6.20-23). Não apenas interfere, mas ordena, organiza (Êx 3.16: Vai, ajunta os anciãos de Israel) e comanda o processo de libertação da classe camponesa escrava hebréia. Javé interfere na política econômica e trabalhista do Estado egípcio a favor dos camponeses sem terra escrava e age contra os interesses do Estado. Javé é subversivo, pois é o Deus da classe camponesa oprimida. Javé não é Deus de todos, mas é o Deus da classe camponesa. O Faraó não conhecia Javé, Moisés teve que falar de Javé para o Faraó. Por que? Porque Javé é um Deus da classe oprimida, subalterna, da classe que é explorada no processo de produção, a classe camponesa. Por isso Javé se revela à Moises durante o processo produtivo, enquanto ele cuidava do rebanho de seu sogro. É durante o processo produtivo que a classe que trabalha é explorada e produz o mais valor: o lucro, pelo tempo de trabalho realizado a mais, que necessita para sua subsistência, e não pago. Javé tem uma postura subversiva em relação ao poder constituído. Javé descontrói o aparato do Estado libertando os escravos apontando para uma nova possibilidade de se organizar numa sociedade sem Estado e sem classes sociais nas montanhas da Palestina. Nas montanhas da Palestina Javé comanda a tomada do poder político (destruição das cidades-estado) para depois mudar o Modo de Produção Tributário para Tribal (Js 6-8).
Onde é que fica o Deus de todos? Este Deus não existe. O Deus de todos foi fabricado pela classe economicamente dominante que controla o aparato do Estado para poder, também pela religião, oprimir o povo. Javé é Deus do Faraó? Não, o Faraó nem o conhecia. Javé é o Deus da classe camponesa por isso no capítulo 3.15 do Êxodo ele se apresenta como o Deus dos antepassados de Moisés, que eram todos da classe camponesa: Abraão, Isaque e Jacó. Ele não se apresenta a Moisés como o Deus dos antepassados do Faraó. Javé se apresenta como “o Deus dos hebreus” em Êx 3.18; e hebreu não é um povo, uma etnia, mas uma classe social despossuída. Javé é o Deus de uma classe social: a classe camponesa, não é o Deus de todos. Hoje o povo diz: Deus é o mesmo. Não, o deus do Faraó não é o mesmo Deus de Moisés, Miriam e Arão. O deus do Bush e da Angela Merkel não é o mesmo Deus do João Pedro Stédile. Javé não é o Deus da classe que controla o aparato do Estado. Esta classe tem outros deuses e nem quer saber do projeto de Javé e muito menos de Javé. Pois o Projeto de Javé difere em tudo do projeto dos deuses do Estado. O Projeto de Javé começa com a classe camponesa livre e dona dos meios de produção: a terra. No Projeto de Javé não existe Estado, nem Templo, nem classes sociais, ali reina a igualdade e o poder está sob o controle da classe camponesa que decide seus destinos na Assembléia Popular em frente da Tenda da Congregação (Nm 27.1-11), que é local de culto e local de decisões políticas e econômicas. O Projeto de Javé não separa a fé da vida político-econômica. O Projeto de Javé prevê o Poder Popular e a extinção do Estado e do templo, que é um aparelho do Estado para legitimar o tributo, que é a forma do Modo de Produção Tributário explorar a classe camponesa.
Este Javé radicaliza a sua ação no NT tornando-se pessoa na classe camponesa, numa família camponesa oprimida pelo Estado Romano durante o processo de opressão: quando participava de um recenseamento que tinha como objetivo saber quanto imposto se poderia cobrar a partir de se saber quantas pessoas existem no Império. Aqui Javé não somente está com a classe camponesa, mas ele agora em Jesus de Nazaré faz parte da classe camponesa. Javé se incorpora fisicamente na classe camponesa tornando-se o camponês sem terra e sem teto Jesus de Nazaré numa região da periferia, desprezada e marginalizada pela elite do centro do poder religioso do Templo de Jerusalém. Javé radicaliza sua opção de classe, tornando-se da classe camponesa para construir o Projeto de Deus que Jesus chama de Reino de Deus. Uma proposta em oposição ao reino do mundo, o reino romano. Javé continua subversivo.
Javé finca um marco de resistência no Natal, se fazendo pessoa num camponês, contra a opressão e durante o processo opressivo de se fazer a contagem da população, que definiria a quantia de dinheiro a ser arrecadada em impostos para fortalecer o Estado à serviço da classe escravista romana para poder melhor oprimir a classe camponesa das regiões ocupadas militarmente por Roma.
O relato do Natal não é uma estorinha para distrair criançinhas desavisadas e ingênuas, mas é o relato do início da resistência contra o projeto do mundo para começar a construir o Projeto do Reino de Deus (Lc 4.43). A subversão de Javé começa no acontecimento do Natal. Por isso o relato do Natal segundo Lucas 2.1-5 começa assim:
“Naqueles dias, foi publicado um decreto de César Augusto, convocando toda a população do império para recensear-se. Este, o primeiro recenseamento, foi feito quando Quirino era governador da Síria. Todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. José também subiu da Galiléia, da cidade de Nazaré, para a Judéia, à cidade de Davi, chamada Belém, por ser ele da casa e família de Davi, a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida”.
Este relato é uma análise da conjuntura do Império Romano que diz quem é quem no processo de opressão e como acontece a opressão exercida pelo Estado. A opressão acontece pela legislação tributária, que era a forma de espoliação dos povos ocupados por Roma. Nesta análise de conjuntura Lucas coloca frente a frente as duas classes em luta: o Estado e a classe camponesa. O Estado era controlado pela classe escravista latifundiária romana que usava do exército para conseguir escravos, saquear outras nações e dos que ficavam na terra cobrar impostos que mantinha o Estado, que por sua vez mantinha a opressão de classe. José e Maria são os representantes da classe camponesa palestina oprimida pelo pagamento dos impostos. O relato do Natal denuncia que Israel não é independente, mas é território ocupado militarmente pelo exército romano. O relato do Natal denuncia que o povo de Israel é um povo submetido pelos interesses do imperialismo romano e tem que se sujeitar às normas e leis imperialistas romanas. O relato do Natal denuncia a falta de liberdade e vida plena que há na Palestina. O texto começa como começam os livros proféticos, com uma análise de conjuntura da realidade de opressão.
Comparemos com o livro do profeta Amós 1.1: “Palavras que, em visão, vieram a Amós, que era entre os pastores de Tecoa, a respeito de Israel, nos dias de Uzias, rei de Judá, e nos dias de Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel, dois anos antes do terremoto”. Citando os reis o povo se lembrava do tempo de cada um. É como hoje falar do tempo do Collor e do FHC e todos já se lembram da opressão exercida pelos seus governos.
Javé entra pelo camponês sem terra e sem teto Jesus de Nazaré na luta de classes para acabar com a luta de classes construindo uma nova sociedade sem classes sociais. Isto é subversão pura e simples, passível de cruz. Imagine uma sociedade sem classes sociais e sem opressão política, econômica, cultural, ideológica e religiosa! Isto não é possível, diz a classe dominante; isto é uma utopia!
Ainda hoje a Ditadura do Pensamento Único para legitimar a Ditadura do Capital continua dizendo que não existe outra forma de organizar a sociedade além do capitalismo. Aí vem o tal de Jesus de Nazaré, o Deus encarnado num camponês sem terra, e diz que é possível construir uma nova sociedade e que existe outra possibilidade de se organizar a vida e a sociedade que é o reino de Deus. Isto é subversão! A história do Natal é pura subversão! Por isso o capitalismo mudou os personagens do Natal. Mudou o Jesus camponês sem terra para o Papai Noel que veste as cores da Coca Cola, pois antigamente ele vestia-se de verde ou azul. E mudou a mensagem do Reino de Deus para o consumo de mercadorias a serem dadas como presente para viabilizar o capitalismo, que se mantém pela produção de mercadorias. E é no processo de produção da mercadoria que se dá o processo de exploração da classe trabalhadora gerando o mais valor, o lucro, pelo tempo de trabalho feito, mas não pago. Com a produção de mercadorias pela classe trabalhadora a partir de matérias primas da natureza o capitalismo se reproduz. O Natal veio para dar um fim nisso com a proposta de uma nova forma de se organizar a vida e a convivência entre as pessoas: o Reino de Deus.
No relato do Natal Javé se torna classe camponesa para entrar na luta de classes no processo de construção de uma nova sociedade não opressora, não classista e sem estado que Jesus chama de Reino de Deus. Para isso Jesus começa usando termos do próprio império: evangelho e reino, para poder se expressar melhor em suas intenções subversivas. De onde Jesus tirou a palavra: Evangelho? Jesus tirou a palavra Evangelho do mundo político romano. Ali era usado para anunciar a vitória em uma guerra contra outro povo. Para este povo evangelho significava derrota, massacre e escravidão. Jesus deu outro sentido à esta palavra, agora Evangelho está ligado ao Reino de Deus, que é a proposta de uma nova sociedade não classista. Jesus fala do Evangelho do Reino de Deus (Lc 8.1; 16.16) em oposição ao evangelho do reino romano. No mundo romano a “Boa Nova” era na verdade o anúncio da dominação. Jesus transformou esta palavra em anúncio de libertação, vida plena e eterna. Jesus fala em Evangelho do Reino de Deus, em contraposição ao evangelho do mundo romano que significava morte e escravidão para os povos vencidos.
“Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” diz em Mc 1.1. Marcos está dizendo que em oposição ao evangelho de Roma inicia aqui o Evangelho de Jesus Cristo, o verdadeiro Filho de Deus, o Kyrios. Com isto diz que o imperador, que se dizia o kyrios, não é filho de deus e nem deus. Compare agora lendo o que diz este Evangelho de Jesus Cristo (o Kyrios) em oposição ao evangelho romano que anunciava a matança, o massacre e a dominação dos povos. O evangelho de Roma legitima a sociedade dividida em classes sociais antagônicas em permanente luta – senhores versus escravos. O Evangelho de Jesus Cristo quer acabar com esta sociedade de classes, de ontem e de hoje, e construir o Reino de Deus, onde não há classes sociais, nem legitimação da desigualdade e do Estado, pela religião, como ópio do povo.
O Estado Romano e o Templo de Jerusalém entenderam muito bem a mensagem subversiva embutida no Evangelho do Reino de Deus pregado pelo Deus tornado pessoa em Jesus de Nazaré: um camponês sem terra e sem teto palestino. O Reino de Deus é o Projeto para a classe camponesa oprimida: uma sociedade sem classes, sem estado, sem templo, igualitária e fraterna construída a partir do amor a Deus e ao próximo onde os meios de produção pertencem à coletividade (At 2 e 4); construída a partir daqueles que trabalham com suas próprias mãos, segundo Paulo em 1 Co 4.12 (os escravocratas não trabalhavam com suas mãos, e sim, usavam as mãos dos escravos para tal). O trabalho para os escravocratas era algo indigno. No Reino de Deus o trabalho é algo que dignifica a pessoa, pois em Gn 1 Javé trabalhou 6 dias e descansou no sétimo dia. O trabalho deve trazer o bem estar, a realização pessoal e o lazer e não ser instrumento de dominação, exploração e opressão. O relato do Natal está nos apontando para um horizonte onde não haverá mais exploração do trabalho e nem alienação do trabalhador de sua produção.
Por isso podemos dizer a partir da esperança subversiva do Natal:
Feliz Natal!
E um Próspero Ano Novo (não no sentido de acumular capital, mas no sentido de ter vida abundante, digna, livre e plena).
Olhando o texto do Êxodo 3.1 que diz: “Apascentava Moisés o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote de Midiã; e, levando o rebanho para o lado ocidental do deserto” vemos que ele se revela a um camponês sem terra empobrecido. Deus se revela a Moisés no deserto, durante o processo de trabalho, à margem da sociedade. O texto do Êxodo começa com a palavra “apascentava”, quer dizer: Deus se revela àqueles que trabalham e não àqueles que exploram o trabalho de outrem e por isso são vagabundos. Deus se revela à classe camponesa (Moisés) livre da influência do Estado, pois ainda vive no Modo de Produção Tribal. Deus envia Moisés para a luta e o enfrentamento com o Estado para libertar a classe camponesa escravizada para reconstruir o Modo de Produção Tribal. Quem é Moisés? Moisés é filho de camponeses escravos no Egito, é um exilado político e fugitivo porque enfrentou o poder opressivo do Estado, matando um capataz a serviço do Estado opressivo, é um assassino, um peão, pastor, sem terra, marginalizado por causa de sua luta contra o Estado escravista, um estrangeiro no Sinai. Deus se revela a Moisés, que tem estas características, e não ao Faraó, que é o representante do Estado. Deus se revela a Moisés porque ele pertence à classe que produz e é explorada em sua produção pela classe do Estado. Apesar de que ali no Sinai o Estado egípcio não tinha muita influência, mesmo sendo território ocupado pelo Egito.
Javé faz uma opção de classe na luta de classes que ocorre no Egito. Javé opta pela classe camponesa e contra a classe do Estado; estas eram as classes básicas no Modo de Produção Tributário. Javé não é neutro na luta de classes. Mais que isso, ele interfere na luta de classes a favor da classe camponesa (Dt 6.20-23). Não apenas interfere, mas ordena, organiza (Êx 3.16: Vai, ajunta os anciãos de Israel) e comanda o processo de libertação da classe camponesa escrava hebréia. Javé interfere na política econômica e trabalhista do Estado egípcio a favor dos camponeses sem terra escrava e age contra os interesses do Estado. Javé é subversivo, pois é o Deus da classe camponesa oprimida. Javé não é Deus de todos, mas é o Deus da classe camponesa. O Faraó não conhecia Javé, Moisés teve que falar de Javé para o Faraó. Por que? Porque Javé é um Deus da classe oprimida, subalterna, da classe que é explorada no processo de produção, a classe camponesa. Por isso Javé se revela à Moises durante o processo produtivo, enquanto ele cuidava do rebanho de seu sogro. É durante o processo produtivo que a classe que trabalha é explorada e produz o mais valor: o lucro, pelo tempo de trabalho realizado a mais, que necessita para sua subsistência, e não pago. Javé tem uma postura subversiva em relação ao poder constituído. Javé descontrói o aparato do Estado libertando os escravos apontando para uma nova possibilidade de se organizar numa sociedade sem Estado e sem classes sociais nas montanhas da Palestina. Nas montanhas da Palestina Javé comanda a tomada do poder político (destruição das cidades-estado) para depois mudar o Modo de Produção Tributário para Tribal (Js 6-8).
Onde é que fica o Deus de todos? Este Deus não existe. O Deus de todos foi fabricado pela classe economicamente dominante que controla o aparato do Estado para poder, também pela religião, oprimir o povo. Javé é Deus do Faraó? Não, o Faraó nem o conhecia. Javé é o Deus da classe camponesa por isso no capítulo 3.15 do Êxodo ele se apresenta como o Deus dos antepassados de Moisés, que eram todos da classe camponesa: Abraão, Isaque e Jacó. Ele não se apresenta a Moisés como o Deus dos antepassados do Faraó. Javé se apresenta como “o Deus dos hebreus” em Êx 3.18; e hebreu não é um povo, uma etnia, mas uma classe social despossuída. Javé é o Deus de uma classe social: a classe camponesa, não é o Deus de todos. Hoje o povo diz: Deus é o mesmo. Não, o deus do Faraó não é o mesmo Deus de Moisés, Miriam e Arão. O deus do Bush e da Angela Merkel não é o mesmo Deus do João Pedro Stédile. Javé não é o Deus da classe que controla o aparato do Estado. Esta classe tem outros deuses e nem quer saber do projeto de Javé e muito menos de Javé. Pois o Projeto de Javé difere em tudo do projeto dos deuses do Estado. O Projeto de Javé começa com a classe camponesa livre e dona dos meios de produção: a terra. No Projeto de Javé não existe Estado, nem Templo, nem classes sociais, ali reina a igualdade e o poder está sob o controle da classe camponesa que decide seus destinos na Assembléia Popular em frente da Tenda da Congregação (Nm 27.1-11), que é local de culto e local de decisões políticas e econômicas. O Projeto de Javé não separa a fé da vida político-econômica. O Projeto de Javé prevê o Poder Popular e a extinção do Estado e do templo, que é um aparelho do Estado para legitimar o tributo, que é a forma do Modo de Produção Tributário explorar a classe camponesa.
Este Javé radicaliza a sua ação no NT tornando-se pessoa na classe camponesa, numa família camponesa oprimida pelo Estado Romano durante o processo de opressão: quando participava de um recenseamento que tinha como objetivo saber quanto imposto se poderia cobrar a partir de se saber quantas pessoas existem no Império. Aqui Javé não somente está com a classe camponesa, mas ele agora em Jesus de Nazaré faz parte da classe camponesa. Javé se incorpora fisicamente na classe camponesa tornando-se o camponês sem terra e sem teto Jesus de Nazaré numa região da periferia, desprezada e marginalizada pela elite do centro do poder religioso do Templo de Jerusalém. Javé radicaliza sua opção de classe, tornando-se da classe camponesa para construir o Projeto de Deus que Jesus chama de Reino de Deus. Uma proposta em oposição ao reino do mundo, o reino romano. Javé continua subversivo.
Javé finca um marco de resistência no Natal, se fazendo pessoa num camponês, contra a opressão e durante o processo opressivo de se fazer a contagem da população, que definiria a quantia de dinheiro a ser arrecadada em impostos para fortalecer o Estado à serviço da classe escravista romana para poder melhor oprimir a classe camponesa das regiões ocupadas militarmente por Roma.
O relato do Natal não é uma estorinha para distrair criançinhas desavisadas e ingênuas, mas é o relato do início da resistência contra o projeto do mundo para começar a construir o Projeto do Reino de Deus (Lc 4.43). A subversão de Javé começa no acontecimento do Natal. Por isso o relato do Natal segundo Lucas 2.1-5 começa assim:
“Naqueles dias, foi publicado um decreto de César Augusto, convocando toda a população do império para recensear-se. Este, o primeiro recenseamento, foi feito quando Quirino era governador da Síria. Todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. José também subiu da Galiléia, da cidade de Nazaré, para a Judéia, à cidade de Davi, chamada Belém, por ser ele da casa e família de Davi, a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida”.
Este relato é uma análise da conjuntura do Império Romano que diz quem é quem no processo de opressão e como acontece a opressão exercida pelo Estado. A opressão acontece pela legislação tributária, que era a forma de espoliação dos povos ocupados por Roma. Nesta análise de conjuntura Lucas coloca frente a frente as duas classes em luta: o Estado e a classe camponesa. O Estado era controlado pela classe escravista latifundiária romana que usava do exército para conseguir escravos, saquear outras nações e dos que ficavam na terra cobrar impostos que mantinha o Estado, que por sua vez mantinha a opressão de classe. José e Maria são os representantes da classe camponesa palestina oprimida pelo pagamento dos impostos. O relato do Natal denuncia que Israel não é independente, mas é território ocupado militarmente pelo exército romano. O relato do Natal denuncia que o povo de Israel é um povo submetido pelos interesses do imperialismo romano e tem que se sujeitar às normas e leis imperialistas romanas. O relato do Natal denuncia a falta de liberdade e vida plena que há na Palestina. O texto começa como começam os livros proféticos, com uma análise de conjuntura da realidade de opressão.
Comparemos com o livro do profeta Amós 1.1: “Palavras que, em visão, vieram a Amós, que era entre os pastores de Tecoa, a respeito de Israel, nos dias de Uzias, rei de Judá, e nos dias de Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel, dois anos antes do terremoto”. Citando os reis o povo se lembrava do tempo de cada um. É como hoje falar do tempo do Collor e do FHC e todos já se lembram da opressão exercida pelos seus governos.
Javé entra pelo camponês sem terra e sem teto Jesus de Nazaré na luta de classes para acabar com a luta de classes construindo uma nova sociedade sem classes sociais. Isto é subversão pura e simples, passível de cruz. Imagine uma sociedade sem classes sociais e sem opressão política, econômica, cultural, ideológica e religiosa! Isto não é possível, diz a classe dominante; isto é uma utopia!
Ainda hoje a Ditadura do Pensamento Único para legitimar a Ditadura do Capital continua dizendo que não existe outra forma de organizar a sociedade além do capitalismo. Aí vem o tal de Jesus de Nazaré, o Deus encarnado num camponês sem terra, e diz que é possível construir uma nova sociedade e que existe outra possibilidade de se organizar a vida e a sociedade que é o reino de Deus. Isto é subversão! A história do Natal é pura subversão! Por isso o capitalismo mudou os personagens do Natal. Mudou o Jesus camponês sem terra para o Papai Noel que veste as cores da Coca Cola, pois antigamente ele vestia-se de verde ou azul. E mudou a mensagem do Reino de Deus para o consumo de mercadorias a serem dadas como presente para viabilizar o capitalismo, que se mantém pela produção de mercadorias. E é no processo de produção da mercadoria que se dá o processo de exploração da classe trabalhadora gerando o mais valor, o lucro, pelo tempo de trabalho feito, mas não pago. Com a produção de mercadorias pela classe trabalhadora a partir de matérias primas da natureza o capitalismo se reproduz. O Natal veio para dar um fim nisso com a proposta de uma nova forma de se organizar a vida e a convivência entre as pessoas: o Reino de Deus.
No relato do Natal Javé se torna classe camponesa para entrar na luta de classes no processo de construção de uma nova sociedade não opressora, não classista e sem estado que Jesus chama de Reino de Deus. Para isso Jesus começa usando termos do próprio império: evangelho e reino, para poder se expressar melhor em suas intenções subversivas. De onde Jesus tirou a palavra: Evangelho? Jesus tirou a palavra Evangelho do mundo político romano. Ali era usado para anunciar a vitória em uma guerra contra outro povo. Para este povo evangelho significava derrota, massacre e escravidão. Jesus deu outro sentido à esta palavra, agora Evangelho está ligado ao Reino de Deus, que é a proposta de uma nova sociedade não classista. Jesus fala do Evangelho do Reino de Deus (Lc 8.1; 16.16) em oposição ao evangelho do reino romano. No mundo romano a “Boa Nova” era na verdade o anúncio da dominação. Jesus transformou esta palavra em anúncio de libertação, vida plena e eterna. Jesus fala em Evangelho do Reino de Deus, em contraposição ao evangelho do mundo romano que significava morte e escravidão para os povos vencidos.
“Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” diz em Mc 1.1. Marcos está dizendo que em oposição ao evangelho de Roma inicia aqui o Evangelho de Jesus Cristo, o verdadeiro Filho de Deus, o Kyrios. Com isto diz que o imperador, que se dizia o kyrios, não é filho de deus e nem deus. Compare agora lendo o que diz este Evangelho de Jesus Cristo (o Kyrios) em oposição ao evangelho romano que anunciava a matança, o massacre e a dominação dos povos. O evangelho de Roma legitima a sociedade dividida em classes sociais antagônicas em permanente luta – senhores versus escravos. O Evangelho de Jesus Cristo quer acabar com esta sociedade de classes, de ontem e de hoje, e construir o Reino de Deus, onde não há classes sociais, nem legitimação da desigualdade e do Estado, pela religião, como ópio do povo.
O Estado Romano e o Templo de Jerusalém entenderam muito bem a mensagem subversiva embutida no Evangelho do Reino de Deus pregado pelo Deus tornado pessoa em Jesus de Nazaré: um camponês sem terra e sem teto palestino. O Reino de Deus é o Projeto para a classe camponesa oprimida: uma sociedade sem classes, sem estado, sem templo, igualitária e fraterna construída a partir do amor a Deus e ao próximo onde os meios de produção pertencem à coletividade (At 2 e 4); construída a partir daqueles que trabalham com suas próprias mãos, segundo Paulo em 1 Co 4.12 (os escravocratas não trabalhavam com suas mãos, e sim, usavam as mãos dos escravos para tal). O trabalho para os escravocratas era algo indigno. No Reino de Deus o trabalho é algo que dignifica a pessoa, pois em Gn 1 Javé trabalhou 6 dias e descansou no sétimo dia. O trabalho deve trazer o bem estar, a realização pessoal e o lazer e não ser instrumento de dominação, exploração e opressão. O relato do Natal está nos apontando para um horizonte onde não haverá mais exploração do trabalho e nem alienação do trabalhador de sua produção.
Por isso podemos dizer a partir da esperança subversiva do Natal:
Feliz Natal!
E um Próspero Ano Novo (não no sentido de acumular capital, mas no sentido de ter vida abundante, digna, livre e plena).
9 de dezembro de 2011
Quando a Boa Nova vira Má Notícia.
Ou quando a alegria vira catástrofe.
No Natal falamos do Menino Jesus, aquele da Bíblia, onde o poder da fraqueza camponesa e o poder a partir do empobrecido viram notícias de libertação e de vida. No Natal lembramos que Deus radicalizou a sua proposta, pois no AT ele optou, na luta de classes entre o Estado e a classe camponesa sem terra escrava, pela classe camponesa escrava, porque era escrava e porque era classe camponesa. Por que a classe camponesa é a escolhida por Deus? Porque é a classe subalterna e oprimida, pois Deus não quer que haja uma sociedade de classes. Deus optou pela classe camponesa para, a partir dela, acabar com a luta de classes e com a sociedade de classes. No Natal Deus radicalizou esta proposta que vem desde o AT em que Ele mesmo se faz pessoa na classe camponesa palestina para acabar com a sociedade de classes que existe a partir do modo de produção opressor.
No tempo de Moisés Deus organizou a classe camponesa na luta contra o Estado porque este é um instrumento de classe em seu próprio benefício para poder oprimir a classe camponesa, não apenas a parte escravizada, como também a parte não escravizada que vivia no Egito. O Estado é o aparato da classe economicamente dominante para legitimar e garantir a reprodução da opressão e exploração da classe subalterna, que no caso do Egito era a classe camponesa. Hoje é a classe trabalhadora. No tempo do NT o próprio Deus se fez classe camponesa para propor a construção de uma nova sociedade não classista que Jesus chama de Reino de Deus. Por isso Deus se fez carne em Jesus de Nazaré numa família camponesa. O Natal é um símbolo, junto com a cruz e a ressurreição, da luta de Deus contra toda e qualquer sociedade de classes. É a partir da classe subalterna, a classe camponesa, que Deus em Jesus Cristo começa a sua luta por uma nova sociedade não classista que ele chama de Reino de Deus.
Esta é a alegria que o Natal nos traz: Deus está em Jesus Cristo no meio de nós pelo poder do Espírito Santo para nos ajudar a nos organizarmos na luta contra a atual sociedade de classes: o capitalismo. O Natal sinaliza que chegou o tempo de um novo tempo: o Reino de Deus, que já começou com o próprio Jesus Cristo. Assim como Javé organizou os camponeses escravos na luta de classes contra o Estado do Modo de Produção Tributário no Egito, assim hoje Javé está no meio de nós pelo poder do Espírito Santo para nos ajudar na organização da Classe Trabalhadora contra o Modo de Produção Capitalista em direção a uma nova sociedade não classista, igualitária e sem Estado que é o Reino de Deus.
O Natal nos sinaliza que Deus está no meio de nós na luta para acabar com a sociedade de classes, hoje, o capitalismo. A proposta para pôr no lugar do capitalismo é o que Jesus Cristo chama de Reino de Deus.
Esta notícia (do nascimento do Cristo) de alegria e de ânimo, na história da América Latina, foi uma notícia de imensa e profunda tristeza, foi um desastre, pois os arautos desta Boa Notícia do Reino de Deus (os conquistadores e seus sacerdotes), pela sua prática, inverteram a Boa Notícia, o Evangelho de Jesus Cristo, em má notícia.
Vamos ver como isto se deu.
O menino Jesus nos pagos gaúchos.
“Nos princípios do mês de maio próximo findo, estando Luís e sua mulher na varanda de sua própria casa, castigando barbaramente uma sua escrava menor de nome Maria, filha dos escravos Ignácio e Rosa, também de propriedade dos acusados, munidos de um laço e de um pau, ambos deram tanta pancada na referida menor que não pode resistir a tão grande castigo, caindo por terra sem sentido. Nesta ocasião, Irinea deu-lhe um pontapé reclamando: está fingindo de morta, mas em seguida, vendo que a menor Maria morria mesmo chamou por Ignácio Antônio que viesse acudir a Maria e por ele foi dito, depois de examiná-la, que ali nada mais tinha a fazer, como de fato poucos momentos depois faleceu Maria.
Também mataram de fome outro menor livre de nome Francisco, irmão da desventurada Maria, por que o denunciado Luis, se prevalecendo de seu senhorio, mandava Rosa pastorear gado no campo todos os dias, desde manha até noite, ficando o menor em uma rede sem que Luis ou sua mulher lhe dessem ou mandassem dar alimento algum, que só mamava de noite, quando sua infeliz mãe voltava do campo. Tantas vezes se repetiu este fato de barbaridade que ultimamente secara o leite de Rosa. Francisco, definhando aos pouco, faleceu pela fome sem que pudesse obter quer de seus pais quer dos outros escravos proteção alguma, pelo terror que tinham de seus senhores. Tanto que, as escondidas, o menor foi batizado pouco antes de falecer por uma escrava da casa, para não morrer pagão”. (Cfe. Processo Crime no. 1912, APRS. Cruz Alta, RS. 1877. Extraído do livro da Editora Unijuí. Brasil 500 anos. Org. Dinarte Belato e Gilmar Antonio Bedin. 2ª. ed, 2004)
Outro exemplo, menos bárbaro, mas igualmente cruel, nos é relatado por Auguste Saint-Hilaire, famoso naturalista francês, em viagem pelo Rio Grande do Sul, em 1820. Ele não deixou de notar a severidade com que se tratavam as crianças escravas. Numa casa de Pelotas, cujo proprietário ele considerava dos mais humanos, ele anotou em seu diário esta observação:
“há sempre na sala um pequeno negro de 10 a 12 anos, cuja função é ir chamar os outros escravos, servir água e prestar pequenos serviços caseiros. Não conheço criatura mais infeliz que essa criança. Nunca se assenta, jamais sorri, em tempo algum brinca! Passa a vida tristemente encostado à parede e é freqüentemente maltratado pelos filhos do dono. À noite chega-lhe o sono, e, quando não há ninguém na sala, cai de joelhos para poder dormir. Não é esta casa a única que usa esse impiedoso sistema. Ele é freqüente em outras”. (Auguste de Saint-Hilaire. Viagem ao Rio Grande do Sul. Belo Horizonte. Itatiaia, 1974.)
O menino Jesus no Caribe
Bartolomeu de Las Casas nos relata, em O Paraíso Destruído, as atrocidades cometidas pelos conquistadores europeus contra os habitantes destas terras seguindo, assim, a lógica da mentalidade renascentista sustentada na supremacia da razão instrumental:
“Os espanhóis, com seus cavalos, suas espadas e lanças começaram a praticar crueldades estranhas; entravam nas vilas, burgos e aldeias, não poupando nem as crianças e os homens velhos, nem as mulheres grávidas e parturientes e lhes abriam o ventre e as faziam em pedaços como se estivessem golpeando cordeiros fechados em seu redil. Faziam apostas sobre quem, de um só golpe de espada, fenderia e abriria um homem pela metade, ou quem, mais habilmente ou mais destramente, de um só golpe lhe cortaria a cabeça, ou ainda sobre quem abriria melhor as entranhas de um homem de um só golpe”. (Bartolomeu de las Casas. O Paraíso Destruído. Porto Alegre. L&PM, 1984)
Bartolomeu de Las Casas continua nos relatando, em O Paraíso Destruído:
“os espanhóis não vão às Índias (América) movidos pelo zelo da fé, nem pela honra de Deus, nem para socorrer e adiantar a salvação do próximo, nem tão pouco para servir o seu rei como sempre se orgulham de dizer sob falsos pretextos; é a avareza e ambição que para ali os arrasta a fim de dominar perpetuamente sobre os índios, como tiranos e diabos, desejando que lhes sejam dados como animais. Isto falando numa linguagem bem plana e bem redonda, não é outra cousa senão despojar os reis de Castela de todo esse país do qual se apoderam eles mesmos, tiranizando e usurpando a soberania real." (Bartolomeu de las Casas. O Paraíso Destruído. Porto Alegre. L&PM, 1984)
O menino Jesus no Brasil:
Os portugueses não ficaram atrás dos espanhóis:
“estava o governador - Dom Duarte da Costa - de viagem para Pernambuco em barco surto defronte de Vila Velha, quando os ruídos do ataque o alarmaram [ ... ] com setenta homens a pé e seis a cavalo lançou-se contra a aldeia rebelada [ ... ] e a arrasou. [ ... ] partiu [depois] em auxílio de Antônio Cardoso de Barros cercado no seu engenho. Queimaram cinco aldeias, destroçaram uma tranqueira onde mil índios resistiram [ ... ], e para que doutra parte não crescessem em insolência, desfizeram três aldeias além do Rio Vermelho [ .. .]” (Pedro Calmon. História do Brasil. Rio de Janeiro. José Olympo Editora. 1963)
O governador, Mem de Sá, participava diretamente do comando do extermínio dos índios resistentes:
“na noite que entrei nos Ilhéus fui a pé dar em uma aldeia que estava a sete léguas da vila em um alto pequeno [ ... ] e ante manhã duas horas dei n’aldeia e a destruí e matei todos os que quiseram resistir e, à vinda vim queimando e destruindo todas as aldeias que ficaram para trás". E acrescenta o padre Manoel da Nóbrega: "Em menos de dois meses que lá esteve [Ilhéus] deixou os índios sujeitos e tributários [ ... ] e obrigados a refazerem os engenhos e não comerem carne humana”. (Pedro Calmon. História do Brasil. Rio de Janeiro. José Olympo Editora. 1963) Qual a diferença entre trucidar milhares de pessoas e o canibalismo dos indígenas? O canibalismo indígena não matava tantas pessoas como o faziam os portugueses e espanhóis. No caso dos espanhóis o canibalismo fazia parte do processo da Conquista.
O padre Bartolomeu de las Casas descreve com cores vivas a violência da conquista que, em alguns casos, como a da Guatemala, assumiu a forma de práticas massivas de canibalismo:
“esse tirano, quando movia guerra a alguma vila ou província, tinha o costume de levar consigo índios subjugados, tantos quantos pudesse a fim de fazer guerra aos outros: e como não dava de comer a uns dez ou vinte mil homens que levava consigo, permitia-lhes comer os índios que tomassem: de modo que tinha comumente no seu campo um verdadeiro açougue de carne humana, em que, segundo a preferência, matavam-se e rostiam-se crianças; matavam os homens somente por causa das mãos e dos pés, que consideravam os melhores pedaços”. (Bartolomeu de las Casas. O Paraíso Destruído. Porto Alegre. L&PM, 1984)
Enquanto isso, no Brasil, os índios kaiowá-guaranis continuam sendo assassinados e continuam tendo as suas terras roubadas pelos conquistadores de hoje: os capitalistas do agronegócio, que no Natal cantam: “Noite Feliz” e “Vinde meninos”.
O padre Antônio Vieira, com sua estupenda capacidade intelectual e retórica, assim justifica e sublima a escravidão:
Não há trabalho, nem gênero de vida mais parecido à cruz e à paixão de Cristo, que o vosso (dos escravos) em um destes engenhos [ ... ] Bem-aventurados vós se soubéreis conhecer a fortuna de vosso estado, e com a conformidade e imitação de alta e divina semelhança aproveitar e santificar o trabalho. Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado [ ... ] porque padeceis de um modo muito semelhante o que o Senhor padeceu na cruz, e em toda a sua paixão. (Padre Antônio vieira, Sermões do Rosário. Sermão décimo quarto - 1633)
Segundo Jo 1.14: “E o Verbo se fez carne e armou tenda entre nós” para acabar com o massacre e o canibalismo do sistema capitalista legitimado pela lei e o Estado de Direito. Canibalismo hoje? Como o canibalismo capitalista se expressa hoje?
Com a palavra Siderlei de Oliveira:
“Antigamente, um trabalhador de frigorífico levaria 15 anos para aparecer com uma doença, por exemplo, pelo frio, como uma pneumonia, ou um reumatismo, além de alguns cortes que eram comuns na época – acidente em frigorífico era corte –, e algumas contaminações biológicas. Hoje não. Hoje um jovem de 25, 30 anos, com 5 ou 6 anos de frigorífico já está doente, com lesões irreversíveis. Porém, é um setor que emprega em torno de 800 mil trabalhadores no Brasil, só na fábrica, sem contar com os trabalhadores-satélites da fábrica. Com esse ritmo, 25% dos trabalhadores já estão doentes, ou dentro da fábrica, ou na previdência ou desempregado, porque as empresas já mandaram embora devido às doenças.
O problema dos frigoríficos não se resolve com médicos, nem com técnicos, mas se resolve com questões políticas, com a vontade dos empresários de resolver os problemas que criam as doenças dos trabalhadores. É preciso mexer nos locais de trabalho, nas condições de trabalho, com redução de ritmo e pausas de 10 minutos em cada 50 para a recuperação dos líquidos lubrificantes das articulações, já que as lesões são causadas pela falta desse líquido. Mas mexer com isso é prejuízo, porque reduz a produção. Esse é um problema de Estado, de nação, em que os trabalhadores não estão sendo cuidados como deveriam.
O próprio Ministério do Trabalho não cumpre a sua parte, e, quando cumpre, a multa é tão pequena, tão irrisória, que os empresários pagam a multa rindo e continuam fazendo as mesmas coisas, sem melhorar nada. Agora, com a ação do Ministério Público, as denúncias começaram a aparecer. Diz o Ministério Público que está denunciando tudo que tem encontrado e tem aplicado pesadas multas, de 26 milhões, 14 milhões, porque o Ministério Público faz o cálculo baseado numa publicação dos frigoríficos de quanto um homem produz por ano de trabalho. A partir deste valor e calculando uma expectativa de vida, cobra-se na Justiça aquele ‘X’ que ele produz por ano, na expectativa de 40 anos úteis de trabalho, e tem dado ações muito grandes.
Uma outra característica onde tem indústria avícola é o número de farmácias existente na cidade. É impressionante, porque o consumo de medicamentos é muito grande. E os medicamentos vendidos lá são anti-inflamatórios, remédio para dor e calmantes. A outra questão também é o número de doentes enviados para a previdência nessas cidades. A previdência também tem que se envolver, porque quem está pagando a conta somos nós, através da Previdência Social. Esses doentes são jogados lá e a empresa diz que cumpre a lei, que paga suas obrigações. Agora, por pagar as obrigações não tem direito de mutilar, não tem direito de adoecer.
A cadeia produtiva avícola, por exemplo, passa de 1 milhão e meio de trabalhadores envolvidos: tem o integrado, tem o transportador, a fábrica de ração, os apanhadores de frango, que apanham os frangos na madrugada. No setor bovino, fala-se em 500 mil. O setor melhor organizado no ramo alimentício é o setor avícola. Os frigoríficos bovinos estão nos estados de Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais. Mas o setor avícola é um setor urbano. Ele está dentro da cidade porque precisa muita mão de obra. Então aí nós temos bastante organização. A média salarial está em torno de 800 a 900 reais por mês, porque não precisa de especialização nenhuma. Chegou em frente à fábrica, imediatamente já pode entrar e trabalhar.
O BNDES pega parte do dinheiro dos trabalhadores, dos fundos de garantia, e dá para as empresas. Mas onde está a contrapartida social? No mínimo as empresas tinham que prometer dar boas condições para os trabalhadores. Mas isso não acontece. Esse dinheiro público tem que ter uma contrapartida para os trabalhadores que fazem parte desse jogo, que não é só econômico.”
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=47632
Continuando a conversa, com a palavra Leandro Inácio Walter:
“Hoje, o Brasil é um dos grandes produtores e exportadores de carne de aves. Os custos sociais que envolvem essa produção não estão sendo computados pela Previdência. Um levantamento realizado pelo sindicado dos trabalhadores das empresas do estado de Santa Catarina demonstrou que a Sadia contribuiu com 30 milhões ao INSS, no período de 2003 a 2007, e que, em contrapartida, o INSS desembolsou 170 milhões em benefício previdenciário, seja como afastamento do trabalho, aposentadoria por invalidez, etc.
Hoje, os serviços de saúde que atendem aos trabalhadores adoecidos não mudam a realidade de trabalho dentro das empresas. São medidas paliativas, pois as condições de trabalho continuam as mesmas. Os trabalhadores tomam antidepressivos, mas a pressão no trabalho não se altera. A atuação sindical tem esse viés de apenas tratar os sintomas e não a causa, embora estejam tentando dar maior visibilidade aos casos de doença do trabalho.
Ao cobrar metas, as chefias tratam os funcionários de maneira ofensiva para instaurar o medo no ambiente de trabalho. Eles, por sua vez, muitas vezes não conseguem atender às suas necessidades básicas como ir ao banheiro, tomar água, ir ao atendimento médico da empresa. O medo tem um papel muito forte para manter os trabalhadores na produção.
Como um indivíduo vai trabalhar em um ambiente de trabalho em que não possui seus direitos básicos respeitados? Ouvi relatos de pessoas que não conseguiam ir ao banheiro e acabavam trabalhando urinadas e defecadas. Nós estamos falando da situação de trabalho de um local que produz alimentos.
Perguntei para os trabalhadores entrevistados se eles comiam frango, e a maioria disse que não. Isso tem a ver com a qualidade do produto que é produzido, com o clima de trabalho que existe dentro da empresa.
Quais são os principais sintomas de doença do trabalho apresentado pelos trabalhadores de frigoríficos?
São geralmente problemas mentais: as pessoas evitam contato social, ficam deprimidas, algumas tentam cometer suicídio, outras apresentam quadros de sofrimento grave. Para se ter uma ideia, muitos dos trabalhadores que participaram da pesquisa vinham acompanhados de familiares, pois tinham medo de se perder na cidade. Eles relatavam que se esquecem das coisas, que chegavam ao mercado e não lembram o que iriam comprar, por exemplo.”
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=47879
Qual a diferença do massacre, do canibalismo e da tortura praticados durante a Conquista dos portugueses e dos espanhóis com os relatos da situação da classe trabalhadora nas fábricas de hoje? Fábricas que fazem parte do complexo do agronegócio.
Para os cristãos portugueses era crime ser antropófago: comer carne humana, mas não é crime massacrar milhares de pessoas que querem permanecer livres e não estarem sujeitas à ganância devoradora canibalista dos conquistadores capitalistas.
As atrocidades da Conquista nos causa revolta. A atrocidade da exploração capitalista é encarada como normal. Por que? Porque a Ditadura do Pensamento Único que legitima a Ditadura do Capital nos convenceu de que isto é assim e assim sempre será e não há outra forma de organizar a vida e a sociedade além do capitalismo.
Aí é que entra o Evangelho do Menino Jesus que denuncia a opressão capitalista e aponta para a proposta da construção desta nova sociedade não capitalista que é o Reino de Deus.
Neste Natal podemos dizer bem alto: Há outra proposta de organizar a sociedade: o Reino de Deus. O capitalismo é o instrumento que o diabo usa para tentar impedir a construção desta nova sociedade não capitalista que Jesus chama de Reino de Deus.
O Natal nos traz esta notícia de alegria: Existe outra proposta além do capitalismo. Esta proposta é o Reino de Deus que começou a ser construído a partir de uma criança, a partir de uma manjedoura, a partir da classe camponesa oprimida. O Natal nos anuncia: Deus continua se fazendo classe subalterna para acabar com a sociedade de classes. O Natal nos anuncia que Deus continua no meio da classe oprimida, hoje, a classe trabalhadora, para acabar com o capitalismo que é o oposto do Evangelho do Reino de Deus. No Natal os anjos anunciaram aos camponeses pastores que Deus está no meio da classe camponesa como camponês e hoje anuncia que ele continua com a mesma postura de então, ele está com e no meio da classe trabalhadora para organizá-la na luta contra o capital em direção da construção, a partir da classe trabalhadora, desta nova sociedade que Jesus chama de Reino de Deus. O Natal nos anuncia que a partir da luta de classes de hoje entre capitalistas e trabalhadores Deus está com e na classe trabalhadora. Por que? Porque somente ela quer e tem as condições de participar da construção de uma nova sociedade não classista e igualitária, segundo as características contidas no Evangelho do Reino de Deus. O Natal nos anuncia a denúncia de que o Evangelho do Menino Jesus, como na época da Conquista, continua a legitimar a antropofagia capitalista, onde a classe trabalhadora é devorada e triturada pela ganância da dinâmica do capital. O Natal nos anuncia que para legitimar o lucro, o mais valor produzido por parte do trabalho realizado e não pago, o Evangelho do menino Jesus é usado para legitimar o roubo e a rapina capitalista. O Natal nos anuncia pela denúncia que o diabo se faz deus, no capital, mas Deus se fez carne no menino camponês Jesus de Nazaré, que o capitalismo transforma em produto falsificado vendido pela televisão no açougue do capitalismo. O Natal nos anuncia que um dos produtos falsificados do capitalismo é o Papai Noel que vem nas cores da Coca Cola para legitimar o capital. O Natal nos anuncia que outro produto falsificado, que o capitalismo nos vende como autêntico, é que a fé em Jesus Cristo nos deixará ricos. O Natal nos anuncia que o Evangelho de Jesus Cristo não é uma mercadoria vendida no mercado religioso conforme o gosto, a necessidade e a vontade do freguês. O Natal nos anuncia que os Herodes de hoje também não admitem que o menino Jesus proponha uma nova sociedade não capitalista e igualitária. O Natal nos anuncia que os Herodes de hoje continuam se sentindo ameaçados por esta nova sociedade não classista e não capitalista que é o Reino de Deus construído por Jesus, com a nossa ajuda a partir do batismo e da fé nele, em oposição ao capitalismo. O Natal nos anuncia, pela reação do rei Herodes (Mt 2.1-23), que este menino Jesus e seus seguidores até hoje são essencialmente subversivos (Rm 12.2) e até hoje continuam ameaçando a ordem estabelecida pela classe economicamente dominante que também hoje controla o Estado, que por sua vez é controlado pelo capital, para que este possa se reproduzir indefinidamente e sem oposição por parte da classe por ele explorada e massacrada: a classe trabalhadora. O Natal nos anuncia que chegou o início de um novo tempo que vai começar a acabar com o capitalismo porque ele é o instrumento que o diabo usa para tentar derrotar a proposta do menino Jesus que se chama: Reino de Deus. O Natal nos anuncia que o Reino de Deus vai ser construído de qualquer jeito por Jesus e será concluído “quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. Porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos pés. O último inimigo a ser destruído é a morte” 1 Co 15.24-26.
“Agora, veio a salvação, o poder,
o reino do nosso Deus
e a autoridade do seu Cristo,
pois foi expulso o acusador de nossos irmãos,
o mesmo que os acusa de dia e de noite, diante do nosso Deus.
Eles, pois, o venceram por causa do sangue do Cordeiro
e por causa da palavra do testemunho que deram
e, mesmo em face da morte, não amaram a própria vida.
Por isso, festejai, ó céus,
e vós, os que neles habitais.
Ai da terra e do mar,
pois o diabo desceu até vós,
cheio de grande cólera,
sabendo que pouco tempo lhe resta” Ap 12.10-12.
A forma que o diabo usa hoje é a forma do capital. O diabo, na forma do capital, sabe de antemão de sua derrota por isso ele persegue e mata a todos que a ele resistem, na tentativa de lhe dar uma sobrevida. Lutando contra o capital estaremos lutando contra o diabo e a favor do Evangelho do Reino de Deus. O capital já foi vencido no primeiro duelo, pois em suas entranhas está a sua destruição: a classe trabalhadora, animada e guiada por Deus na luta pelo Reino de Deus. Lembremo-nos: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo”. Jo 16.33 A vitória final é só uma questão de tempo que acontecerá no Juízo Final.
O Natal nos quer lembrar do porque Deus se fez pessoa no camponês palestino sem terra e sem teto Jesus de Nazaré: para construir o Reino de Deus, uma nova sociedade não capitalista e não classista. Por isso: “Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre as pessoas, a quem ele quer bem” Lc 2.14.
No Natal falamos do Menino Jesus, aquele da Bíblia, onde o poder da fraqueza camponesa e o poder a partir do empobrecido viram notícias de libertação e de vida. No Natal lembramos que Deus radicalizou a sua proposta, pois no AT ele optou, na luta de classes entre o Estado e a classe camponesa sem terra escrava, pela classe camponesa escrava, porque era escrava e porque era classe camponesa. Por que a classe camponesa é a escolhida por Deus? Porque é a classe subalterna e oprimida, pois Deus não quer que haja uma sociedade de classes. Deus optou pela classe camponesa para, a partir dela, acabar com a luta de classes e com a sociedade de classes. No Natal Deus radicalizou esta proposta que vem desde o AT em que Ele mesmo se faz pessoa na classe camponesa palestina para acabar com a sociedade de classes que existe a partir do modo de produção opressor.
No tempo de Moisés Deus organizou a classe camponesa na luta contra o Estado porque este é um instrumento de classe em seu próprio benefício para poder oprimir a classe camponesa, não apenas a parte escravizada, como também a parte não escravizada que vivia no Egito. O Estado é o aparato da classe economicamente dominante para legitimar e garantir a reprodução da opressão e exploração da classe subalterna, que no caso do Egito era a classe camponesa. Hoje é a classe trabalhadora. No tempo do NT o próprio Deus se fez classe camponesa para propor a construção de uma nova sociedade não classista que Jesus chama de Reino de Deus. Por isso Deus se fez carne em Jesus de Nazaré numa família camponesa. O Natal é um símbolo, junto com a cruz e a ressurreição, da luta de Deus contra toda e qualquer sociedade de classes. É a partir da classe subalterna, a classe camponesa, que Deus em Jesus Cristo começa a sua luta por uma nova sociedade não classista que ele chama de Reino de Deus.
Esta é a alegria que o Natal nos traz: Deus está em Jesus Cristo no meio de nós pelo poder do Espírito Santo para nos ajudar a nos organizarmos na luta contra a atual sociedade de classes: o capitalismo. O Natal sinaliza que chegou o tempo de um novo tempo: o Reino de Deus, que já começou com o próprio Jesus Cristo. Assim como Javé organizou os camponeses escravos na luta de classes contra o Estado do Modo de Produção Tributário no Egito, assim hoje Javé está no meio de nós pelo poder do Espírito Santo para nos ajudar na organização da Classe Trabalhadora contra o Modo de Produção Capitalista em direção a uma nova sociedade não classista, igualitária e sem Estado que é o Reino de Deus.
O Natal nos sinaliza que Deus está no meio de nós na luta para acabar com a sociedade de classes, hoje, o capitalismo. A proposta para pôr no lugar do capitalismo é o que Jesus Cristo chama de Reino de Deus.
Esta notícia (do nascimento do Cristo) de alegria e de ânimo, na história da América Latina, foi uma notícia de imensa e profunda tristeza, foi um desastre, pois os arautos desta Boa Notícia do Reino de Deus (os conquistadores e seus sacerdotes), pela sua prática, inverteram a Boa Notícia, o Evangelho de Jesus Cristo, em má notícia.
Vamos ver como isto se deu.
O menino Jesus nos pagos gaúchos.
“Nos princípios do mês de maio próximo findo, estando Luís e sua mulher na varanda de sua própria casa, castigando barbaramente uma sua escrava menor de nome Maria, filha dos escravos Ignácio e Rosa, também de propriedade dos acusados, munidos de um laço e de um pau, ambos deram tanta pancada na referida menor que não pode resistir a tão grande castigo, caindo por terra sem sentido. Nesta ocasião, Irinea deu-lhe um pontapé reclamando: está fingindo de morta, mas em seguida, vendo que a menor Maria morria mesmo chamou por Ignácio Antônio que viesse acudir a Maria e por ele foi dito, depois de examiná-la, que ali nada mais tinha a fazer, como de fato poucos momentos depois faleceu Maria.
Também mataram de fome outro menor livre de nome Francisco, irmão da desventurada Maria, por que o denunciado Luis, se prevalecendo de seu senhorio, mandava Rosa pastorear gado no campo todos os dias, desde manha até noite, ficando o menor em uma rede sem que Luis ou sua mulher lhe dessem ou mandassem dar alimento algum, que só mamava de noite, quando sua infeliz mãe voltava do campo. Tantas vezes se repetiu este fato de barbaridade que ultimamente secara o leite de Rosa. Francisco, definhando aos pouco, faleceu pela fome sem que pudesse obter quer de seus pais quer dos outros escravos proteção alguma, pelo terror que tinham de seus senhores. Tanto que, as escondidas, o menor foi batizado pouco antes de falecer por uma escrava da casa, para não morrer pagão”. (Cfe. Processo Crime no. 1912, APRS. Cruz Alta, RS. 1877. Extraído do livro da Editora Unijuí. Brasil 500 anos. Org. Dinarte Belato e Gilmar Antonio Bedin. 2ª. ed, 2004)
Outro exemplo, menos bárbaro, mas igualmente cruel, nos é relatado por Auguste Saint-Hilaire, famoso naturalista francês, em viagem pelo Rio Grande do Sul, em 1820. Ele não deixou de notar a severidade com que se tratavam as crianças escravas. Numa casa de Pelotas, cujo proprietário ele considerava dos mais humanos, ele anotou em seu diário esta observação:
“há sempre na sala um pequeno negro de 10 a 12 anos, cuja função é ir chamar os outros escravos, servir água e prestar pequenos serviços caseiros. Não conheço criatura mais infeliz que essa criança. Nunca se assenta, jamais sorri, em tempo algum brinca! Passa a vida tristemente encostado à parede e é freqüentemente maltratado pelos filhos do dono. À noite chega-lhe o sono, e, quando não há ninguém na sala, cai de joelhos para poder dormir. Não é esta casa a única que usa esse impiedoso sistema. Ele é freqüente em outras”. (Auguste de Saint-Hilaire. Viagem ao Rio Grande do Sul. Belo Horizonte. Itatiaia, 1974.)
O menino Jesus no Caribe
Bartolomeu de Las Casas nos relata, em O Paraíso Destruído, as atrocidades cometidas pelos conquistadores europeus contra os habitantes destas terras seguindo, assim, a lógica da mentalidade renascentista sustentada na supremacia da razão instrumental:
“Os espanhóis, com seus cavalos, suas espadas e lanças começaram a praticar crueldades estranhas; entravam nas vilas, burgos e aldeias, não poupando nem as crianças e os homens velhos, nem as mulheres grávidas e parturientes e lhes abriam o ventre e as faziam em pedaços como se estivessem golpeando cordeiros fechados em seu redil. Faziam apostas sobre quem, de um só golpe de espada, fenderia e abriria um homem pela metade, ou quem, mais habilmente ou mais destramente, de um só golpe lhe cortaria a cabeça, ou ainda sobre quem abriria melhor as entranhas de um homem de um só golpe”. (Bartolomeu de las Casas. O Paraíso Destruído. Porto Alegre. L&PM, 1984)
Bartolomeu de Las Casas continua nos relatando, em O Paraíso Destruído:
“os espanhóis não vão às Índias (América) movidos pelo zelo da fé, nem pela honra de Deus, nem para socorrer e adiantar a salvação do próximo, nem tão pouco para servir o seu rei como sempre se orgulham de dizer sob falsos pretextos; é a avareza e ambição que para ali os arrasta a fim de dominar perpetuamente sobre os índios, como tiranos e diabos, desejando que lhes sejam dados como animais. Isto falando numa linguagem bem plana e bem redonda, não é outra cousa senão despojar os reis de Castela de todo esse país do qual se apoderam eles mesmos, tiranizando e usurpando a soberania real." (Bartolomeu de las Casas. O Paraíso Destruído. Porto Alegre. L&PM, 1984)
O menino Jesus no Brasil:
Os portugueses não ficaram atrás dos espanhóis:
“estava o governador - Dom Duarte da Costa - de viagem para Pernambuco em barco surto defronte de Vila Velha, quando os ruídos do ataque o alarmaram [ ... ] com setenta homens a pé e seis a cavalo lançou-se contra a aldeia rebelada [ ... ] e a arrasou. [ ... ] partiu [depois] em auxílio de Antônio Cardoso de Barros cercado no seu engenho. Queimaram cinco aldeias, destroçaram uma tranqueira onde mil índios resistiram [ ... ], e para que doutra parte não crescessem em insolência, desfizeram três aldeias além do Rio Vermelho [ .. .]” (Pedro Calmon. História do Brasil. Rio de Janeiro. José Olympo Editora. 1963)
O governador, Mem de Sá, participava diretamente do comando do extermínio dos índios resistentes:
“na noite que entrei nos Ilhéus fui a pé dar em uma aldeia que estava a sete léguas da vila em um alto pequeno [ ... ] e ante manhã duas horas dei n’aldeia e a destruí e matei todos os que quiseram resistir e, à vinda vim queimando e destruindo todas as aldeias que ficaram para trás". E acrescenta o padre Manoel da Nóbrega: "Em menos de dois meses que lá esteve [Ilhéus] deixou os índios sujeitos e tributários [ ... ] e obrigados a refazerem os engenhos e não comerem carne humana”. (Pedro Calmon. História do Brasil. Rio de Janeiro. José Olympo Editora. 1963) Qual a diferença entre trucidar milhares de pessoas e o canibalismo dos indígenas? O canibalismo indígena não matava tantas pessoas como o faziam os portugueses e espanhóis. No caso dos espanhóis o canibalismo fazia parte do processo da Conquista.
O padre Bartolomeu de las Casas descreve com cores vivas a violência da conquista que, em alguns casos, como a da Guatemala, assumiu a forma de práticas massivas de canibalismo:
“esse tirano, quando movia guerra a alguma vila ou província, tinha o costume de levar consigo índios subjugados, tantos quantos pudesse a fim de fazer guerra aos outros: e como não dava de comer a uns dez ou vinte mil homens que levava consigo, permitia-lhes comer os índios que tomassem: de modo que tinha comumente no seu campo um verdadeiro açougue de carne humana, em que, segundo a preferência, matavam-se e rostiam-se crianças; matavam os homens somente por causa das mãos e dos pés, que consideravam os melhores pedaços”. (Bartolomeu de las Casas. O Paraíso Destruído. Porto Alegre. L&PM, 1984)
Enquanto isso, no Brasil, os índios kaiowá-guaranis continuam sendo assassinados e continuam tendo as suas terras roubadas pelos conquistadores de hoje: os capitalistas do agronegócio, que no Natal cantam: “Noite Feliz” e “Vinde meninos”.
O padre Antônio Vieira, com sua estupenda capacidade intelectual e retórica, assim justifica e sublima a escravidão:
Não há trabalho, nem gênero de vida mais parecido à cruz e à paixão de Cristo, que o vosso (dos escravos) em um destes engenhos [ ... ] Bem-aventurados vós se soubéreis conhecer a fortuna de vosso estado, e com a conformidade e imitação de alta e divina semelhança aproveitar e santificar o trabalho. Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado [ ... ] porque padeceis de um modo muito semelhante o que o Senhor padeceu na cruz, e em toda a sua paixão. (Padre Antônio vieira, Sermões do Rosário. Sermão décimo quarto - 1633)
Segundo Jo 1.14: “E o Verbo se fez carne e armou tenda entre nós” para acabar com o massacre e o canibalismo do sistema capitalista legitimado pela lei e o Estado de Direito. Canibalismo hoje? Como o canibalismo capitalista se expressa hoje?
Com a palavra Siderlei de Oliveira:
“Antigamente, um trabalhador de frigorífico levaria 15 anos para aparecer com uma doença, por exemplo, pelo frio, como uma pneumonia, ou um reumatismo, além de alguns cortes que eram comuns na época – acidente em frigorífico era corte –, e algumas contaminações biológicas. Hoje não. Hoje um jovem de 25, 30 anos, com 5 ou 6 anos de frigorífico já está doente, com lesões irreversíveis. Porém, é um setor que emprega em torno de 800 mil trabalhadores no Brasil, só na fábrica, sem contar com os trabalhadores-satélites da fábrica. Com esse ritmo, 25% dos trabalhadores já estão doentes, ou dentro da fábrica, ou na previdência ou desempregado, porque as empresas já mandaram embora devido às doenças.
O problema dos frigoríficos não se resolve com médicos, nem com técnicos, mas se resolve com questões políticas, com a vontade dos empresários de resolver os problemas que criam as doenças dos trabalhadores. É preciso mexer nos locais de trabalho, nas condições de trabalho, com redução de ritmo e pausas de 10 minutos em cada 50 para a recuperação dos líquidos lubrificantes das articulações, já que as lesões são causadas pela falta desse líquido. Mas mexer com isso é prejuízo, porque reduz a produção. Esse é um problema de Estado, de nação, em que os trabalhadores não estão sendo cuidados como deveriam.
O próprio Ministério do Trabalho não cumpre a sua parte, e, quando cumpre, a multa é tão pequena, tão irrisória, que os empresários pagam a multa rindo e continuam fazendo as mesmas coisas, sem melhorar nada. Agora, com a ação do Ministério Público, as denúncias começaram a aparecer. Diz o Ministério Público que está denunciando tudo que tem encontrado e tem aplicado pesadas multas, de 26 milhões, 14 milhões, porque o Ministério Público faz o cálculo baseado numa publicação dos frigoríficos de quanto um homem produz por ano de trabalho. A partir deste valor e calculando uma expectativa de vida, cobra-se na Justiça aquele ‘X’ que ele produz por ano, na expectativa de 40 anos úteis de trabalho, e tem dado ações muito grandes.
Uma outra característica onde tem indústria avícola é o número de farmácias existente na cidade. É impressionante, porque o consumo de medicamentos é muito grande. E os medicamentos vendidos lá são anti-inflamatórios, remédio para dor e calmantes. A outra questão também é o número de doentes enviados para a previdência nessas cidades. A previdência também tem que se envolver, porque quem está pagando a conta somos nós, através da Previdência Social. Esses doentes são jogados lá e a empresa diz que cumpre a lei, que paga suas obrigações. Agora, por pagar as obrigações não tem direito de mutilar, não tem direito de adoecer.
A cadeia produtiva avícola, por exemplo, passa de 1 milhão e meio de trabalhadores envolvidos: tem o integrado, tem o transportador, a fábrica de ração, os apanhadores de frango, que apanham os frangos na madrugada. No setor bovino, fala-se em 500 mil. O setor melhor organizado no ramo alimentício é o setor avícola. Os frigoríficos bovinos estão nos estados de Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais. Mas o setor avícola é um setor urbano. Ele está dentro da cidade porque precisa muita mão de obra. Então aí nós temos bastante organização. A média salarial está em torno de 800 a 900 reais por mês, porque não precisa de especialização nenhuma. Chegou em frente à fábrica, imediatamente já pode entrar e trabalhar.
O BNDES pega parte do dinheiro dos trabalhadores, dos fundos de garantia, e dá para as empresas. Mas onde está a contrapartida social? No mínimo as empresas tinham que prometer dar boas condições para os trabalhadores. Mas isso não acontece. Esse dinheiro público tem que ter uma contrapartida para os trabalhadores que fazem parte desse jogo, que não é só econômico.”
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=47632
Continuando a conversa, com a palavra Leandro Inácio Walter:
“Hoje, o Brasil é um dos grandes produtores e exportadores de carne de aves. Os custos sociais que envolvem essa produção não estão sendo computados pela Previdência. Um levantamento realizado pelo sindicado dos trabalhadores das empresas do estado de Santa Catarina demonstrou que a Sadia contribuiu com 30 milhões ao INSS, no período de 2003 a 2007, e que, em contrapartida, o INSS desembolsou 170 milhões em benefício previdenciário, seja como afastamento do trabalho, aposentadoria por invalidez, etc.
Hoje, os serviços de saúde que atendem aos trabalhadores adoecidos não mudam a realidade de trabalho dentro das empresas. São medidas paliativas, pois as condições de trabalho continuam as mesmas. Os trabalhadores tomam antidepressivos, mas a pressão no trabalho não se altera. A atuação sindical tem esse viés de apenas tratar os sintomas e não a causa, embora estejam tentando dar maior visibilidade aos casos de doença do trabalho.
Ao cobrar metas, as chefias tratam os funcionários de maneira ofensiva para instaurar o medo no ambiente de trabalho. Eles, por sua vez, muitas vezes não conseguem atender às suas necessidades básicas como ir ao banheiro, tomar água, ir ao atendimento médico da empresa. O medo tem um papel muito forte para manter os trabalhadores na produção.
Como um indivíduo vai trabalhar em um ambiente de trabalho em que não possui seus direitos básicos respeitados? Ouvi relatos de pessoas que não conseguiam ir ao banheiro e acabavam trabalhando urinadas e defecadas. Nós estamos falando da situação de trabalho de um local que produz alimentos.
Perguntei para os trabalhadores entrevistados se eles comiam frango, e a maioria disse que não. Isso tem a ver com a qualidade do produto que é produzido, com o clima de trabalho que existe dentro da empresa.
Quais são os principais sintomas de doença do trabalho apresentado pelos trabalhadores de frigoríficos?
São geralmente problemas mentais: as pessoas evitam contato social, ficam deprimidas, algumas tentam cometer suicídio, outras apresentam quadros de sofrimento grave. Para se ter uma ideia, muitos dos trabalhadores que participaram da pesquisa vinham acompanhados de familiares, pois tinham medo de se perder na cidade. Eles relatavam que se esquecem das coisas, que chegavam ao mercado e não lembram o que iriam comprar, por exemplo.”
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=47879
Qual a diferença do massacre, do canibalismo e da tortura praticados durante a Conquista dos portugueses e dos espanhóis com os relatos da situação da classe trabalhadora nas fábricas de hoje? Fábricas que fazem parte do complexo do agronegócio.
Para os cristãos portugueses era crime ser antropófago: comer carne humana, mas não é crime massacrar milhares de pessoas que querem permanecer livres e não estarem sujeitas à ganância devoradora canibalista dos conquistadores capitalistas.
As atrocidades da Conquista nos causa revolta. A atrocidade da exploração capitalista é encarada como normal. Por que? Porque a Ditadura do Pensamento Único que legitima a Ditadura do Capital nos convenceu de que isto é assim e assim sempre será e não há outra forma de organizar a vida e a sociedade além do capitalismo.
Aí é que entra o Evangelho do Menino Jesus que denuncia a opressão capitalista e aponta para a proposta da construção desta nova sociedade não capitalista que é o Reino de Deus.
Neste Natal podemos dizer bem alto: Há outra proposta de organizar a sociedade: o Reino de Deus. O capitalismo é o instrumento que o diabo usa para tentar impedir a construção desta nova sociedade não capitalista que Jesus chama de Reino de Deus.
O Natal nos traz esta notícia de alegria: Existe outra proposta além do capitalismo. Esta proposta é o Reino de Deus que começou a ser construído a partir de uma criança, a partir de uma manjedoura, a partir da classe camponesa oprimida. O Natal nos anuncia: Deus continua se fazendo classe subalterna para acabar com a sociedade de classes. O Natal nos anuncia que Deus continua no meio da classe oprimida, hoje, a classe trabalhadora, para acabar com o capitalismo que é o oposto do Evangelho do Reino de Deus. No Natal os anjos anunciaram aos camponeses pastores que Deus está no meio da classe camponesa como camponês e hoje anuncia que ele continua com a mesma postura de então, ele está com e no meio da classe trabalhadora para organizá-la na luta contra o capital em direção da construção, a partir da classe trabalhadora, desta nova sociedade que Jesus chama de Reino de Deus. O Natal nos anuncia que a partir da luta de classes de hoje entre capitalistas e trabalhadores Deus está com e na classe trabalhadora. Por que? Porque somente ela quer e tem as condições de participar da construção de uma nova sociedade não classista e igualitária, segundo as características contidas no Evangelho do Reino de Deus. O Natal nos anuncia a denúncia de que o Evangelho do Menino Jesus, como na época da Conquista, continua a legitimar a antropofagia capitalista, onde a classe trabalhadora é devorada e triturada pela ganância da dinâmica do capital. O Natal nos anuncia que para legitimar o lucro, o mais valor produzido por parte do trabalho realizado e não pago, o Evangelho do menino Jesus é usado para legitimar o roubo e a rapina capitalista. O Natal nos anuncia pela denúncia que o diabo se faz deus, no capital, mas Deus se fez carne no menino camponês Jesus de Nazaré, que o capitalismo transforma em produto falsificado vendido pela televisão no açougue do capitalismo. O Natal nos anuncia que um dos produtos falsificados do capitalismo é o Papai Noel que vem nas cores da Coca Cola para legitimar o capital. O Natal nos anuncia que outro produto falsificado, que o capitalismo nos vende como autêntico, é que a fé em Jesus Cristo nos deixará ricos. O Natal nos anuncia que o Evangelho de Jesus Cristo não é uma mercadoria vendida no mercado religioso conforme o gosto, a necessidade e a vontade do freguês. O Natal nos anuncia que os Herodes de hoje também não admitem que o menino Jesus proponha uma nova sociedade não capitalista e igualitária. O Natal nos anuncia que os Herodes de hoje continuam se sentindo ameaçados por esta nova sociedade não classista e não capitalista que é o Reino de Deus construído por Jesus, com a nossa ajuda a partir do batismo e da fé nele, em oposição ao capitalismo. O Natal nos anuncia, pela reação do rei Herodes (Mt 2.1-23), que este menino Jesus e seus seguidores até hoje são essencialmente subversivos (Rm 12.2) e até hoje continuam ameaçando a ordem estabelecida pela classe economicamente dominante que também hoje controla o Estado, que por sua vez é controlado pelo capital, para que este possa se reproduzir indefinidamente e sem oposição por parte da classe por ele explorada e massacrada: a classe trabalhadora. O Natal nos anuncia que chegou o início de um novo tempo que vai começar a acabar com o capitalismo porque ele é o instrumento que o diabo usa para tentar derrotar a proposta do menino Jesus que se chama: Reino de Deus. O Natal nos anuncia que o Reino de Deus vai ser construído de qualquer jeito por Jesus e será concluído “quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. Porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos pés. O último inimigo a ser destruído é a morte” 1 Co 15.24-26.
“Agora, veio a salvação, o poder,
o reino do nosso Deus
e a autoridade do seu Cristo,
pois foi expulso o acusador de nossos irmãos,
o mesmo que os acusa de dia e de noite, diante do nosso Deus.
Eles, pois, o venceram por causa do sangue do Cordeiro
e por causa da palavra do testemunho que deram
e, mesmo em face da morte, não amaram a própria vida.
Por isso, festejai, ó céus,
e vós, os que neles habitais.
Ai da terra e do mar,
pois o diabo desceu até vós,
cheio de grande cólera,
sabendo que pouco tempo lhe resta” Ap 12.10-12.
A forma que o diabo usa hoje é a forma do capital. O diabo, na forma do capital, sabe de antemão de sua derrota por isso ele persegue e mata a todos que a ele resistem, na tentativa de lhe dar uma sobrevida. Lutando contra o capital estaremos lutando contra o diabo e a favor do Evangelho do Reino de Deus. O capital já foi vencido no primeiro duelo, pois em suas entranhas está a sua destruição: a classe trabalhadora, animada e guiada por Deus na luta pelo Reino de Deus. Lembremo-nos: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo”. Jo 16.33 A vitória final é só uma questão de tempo que acontecerá no Juízo Final.
O Natal nos quer lembrar do porque Deus se fez pessoa no camponês palestino sem terra e sem teto Jesus de Nazaré: para construir o Reino de Deus, uma nova sociedade não capitalista e não classista. Por isso: “Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre as pessoas, a quem ele quer bem” Lc 2.14.
5 de dezembro de 2011
Qual o projeto da ‘esquerda’ na igreja?
Os que se entendem como ‘esquerda’ na igreja têm um projeto de igreja ou ao menos sonham com um novo projeto de igreja? Ou apenas sobrevivem dentro do projeto ‘oficial’ que é controlado pelo pensamento e prática de direita? Os que se entendem como ‘esquerda’ na igreja estão isolados ou estão organizados para discutir e procurar um novo projeto de igreja? Cadê a organização da ‘esquerda’ na igreja? A PPL ou a APPI são parte do projeto da ‘esquerda’ da igreja? Ou a ‘esquerda’ está tão atomizada que nem tem mais um espaço organizado para se reunir, discutir e sonhar? Qual o espaço da ‘esquerda’ na IECLB? A ‘esquerda’ está ocupando de forma organizada algum espaço na igreja que seja digno de nota? Ou há vários espaços que a ‘esquerda’ ocupa na igreja? Estes espaços estão articulados entre si ou estão soltos e seus participantes também? A PPL surgiu nos anos 80 como o espaço da ‘esquerda’ na igreja à procura de um projeto de igreja em oposição da direita que se articulava no Encontrão como um dos espaços deles. A direita além do Encontrão tinha outros espaços não articulados nacionalmente que eram os espaços de poder da instituição DE, RE e Conselho Diretor, além dos setores de trabalho: JE, OASE, Legião, OGA, que eram também disputados e ocupados em parte pela ‘esquerda’. Nos anos 80 e início dos anos 90 havia uma procura de um projeto de igreja por isso surgem a PPL, Encontrão, Comunhão Martim Lutero. Estes grupos disputavam a hegemonia na igreja e eram para a direção da igreja um problema a ser controlado ou cooptado por encontros com a direção e por projetos financeiros que a direção aprovava ou não. Estes três grupos caminham na procura de um projeto de igreja em direções diferentes, às vezes opostas. Nos anos 90 começou a acontecer a fragmentação da ‘esquerda’ e muitos da assim chamada ‘esquerda’ foram cooptados pelo neoliberalismo, que é apenas um modelo do capitalismo com o objetivo de se apropriar de uma quantidade cada vez maior de capital concentrado em menos mãos, mas com um impacto propagandístico fenomenal eficientíssimo. Frente este impacto ideológico a ‘esquerda’ não estava preparada e boa parte sucumbiu, outra se fragmentou por total falta de clareza teológica e alguns sobreviveram participando dos espaços na luta do movimento popular. As paróquias, normalmente controladas por pessoas de direita, sempre tiveram um controle rígido sobre os/as pastores/as no que diz respeito à sua participação dos espaços de luta do movimento popular, sindical e partidário. Usar a linguagem do movimento popular ou participar dele era um risco permanente para os/as pastores/as, como continua sendo. A maioria da ‘esquerda’ era apenas festiva ou oportunista e abandonou o barco nas primeiras ondas fortes provocadas pela ideologia do capital neoliberal. Os que sobreviveram à propaganda e investida neoliberal estão esparramados e sem clareza para onde ir, pois os espaços que a ‘esquerda’ tinha foram minados e enfraquecidos pela propaganda ideológica do capital e pelas leis repressivas internas da igreja. A direção da igreja não gosta deste termo: ‘leis repressivas’, mas este foi o efeito real do TAM e da Avaliação periódica. Houve um retrocesso e um acuamento entre os/as pastores/as por causa desta legislação que se juntou nos anos 2000 com a falta de vagas nas paróquias, aliado ao fato da total falta de organização entre os/as pastores/as com a APPI fragilizada. Ainda estamos vivendo este período de desmotivação e acuamento por falta de um projeto claro de igreja, tanto por parte do Encontrão como da PPL e de outros setores de ‘esquerda’ desarticulados. Muitos ainda hoje se consideram de ‘esquerda’ mas os espaços havidos foram esvaziados e fragmentados, mesmo tendo sobrevivido à onda neoliberal. Sobrou o ‘sobreviva quem puder’ porque ‘é tempo mau’, como diz o profeta Amós 5.13: “Portanto, o que for prudente guardará, então, silêncio, porque é tempo mau”. Continuamos neste ‘tempo mau’ mesmo o neoliberalismo tendo mostrado ser frágil e mentiroso. Fomos derrotados no campo teológico em duas frentes: por falta de clareza teórica marxista, por não sabermos ler a realidade corretamente (tanto eclesial como da realidade do país), e por falta de clareza teológica, por não sabermos ler e interpretar a Bíblia corretamente dentro da conjuntura vivida, apesar de uma grande maioria participar do CEBI. Sobre a leitura libertadora da confessionalidade luterana há um vácuo grande, temos apenas um pequeno grupo se ocupando com o estudo dos textos de Lutero, que é muito contestado na igreja, mais por falta de conhecimento de causa, pois se lê e se estuda muito pouco sobre a confessionalidade luterana. Não daria para dizer que a maioria deste grupo se considera de “esquerda”, tem alguns que se encaixam neste perfil. A assim chamada “esquerda” nunca se ocupou muito com a leitura de Lutero e segue a leitura tradicional e oficial do luteranismo, revelando assim o seu conservadorismo.
O desafio agora é reunir e unir a ‘esquerda’ para elaborar um projeto de igreja dentro da atual conjuntura eclesial e econômica do Brasil e do mundo. O movimento popular continua em descenso e por isso é tão difícil juntar a ‘esquerda’ fragmentada. Temos que começar a reagir frente esta conjuntura eclesial, nacional e internacional. Vejo que o nosso papel como igreja é combater o capital no campo que é nosso: o teológico. Vamos bombardear o campo inimigo com a argumentação teológica e bíblica, assim como o capital nos bombardeia com a sua propaganda dizendo que não há outra proposta além do capitalismo. A Ditadura do Pensamento Único para legitimar e reproduzir a Ditadura do Capital diz que não há outra forma de organizar a vida de toda a sociedade além do capitalismo. A isto nós respondemos: há outra proposta de organizar a vida e a sociedade e esta proposta é o Reino de Deus. Nesta direção aponta o texto a seguir no intuito de tentar achar um espaço para implantar a idéia e viabilizá-la que é a de reunir a ‘esquerda’ na igreja em um novo espaço para construir em conjunto um projeto de igreja para a IECLB a partir de uma teologia não conformadora com este século.
O projeto do capitalismo mantém sua dominação sobre toda a sociedade via capital e via ideologia/teologia. No capitalismo a ideologia se mistura com a teologia e vice versa. A teologia do deus capital se mistura com a teologia do Deus Javé transformando-se em ideologia que legitima a dinâmica mortífera e diabólica do capital. A teologia do Deus Javé encarnado no camponês palestino sem terra e sem teto Jesus de Nazaré tem um papel fundamental no combate ao capitalismo (que a Bíblia chama de “o mundo”) deixando claro que o Evangelho de Jesus Cristo propõe o Reino de Deus como contraproposta, hoje, ao capitalismo, dizendo que há outra proposta frente ao capitalismo que é o Reino de Deus. Além disso, hoje o Evangelho do Reino de Deus (Lc 4.43, 8.1, 16.16), proclamado pelo Deus da classe camponesa do AT que agora, a partir do tempo do NT, radicalizou a sua postura em que ele mesmo se fez pessoa em Jesus de Nazaré na classe camponesa palestina, sempre aponta para a construção de uma nova sociedade, hoje, não capitalista. Esta é a não conformação com este século, no dizer de Paulo em Rm 12.2, que faz parte da essência do Evangelho de Jesus Cristo (Mc 1.15) porque propõe uma nova forma de organizar a sociedade, que é o Reino de Deus. A salvação se dá neste contexto de luta contra o mundo, pois se a salvação já nos foi dada de graça pela fé não temos nada a temer nem a morte, pois temos como promessa a ressurreição do corpo e a vida eterna. A fé na ressurreição do corpo anima para a luta (2 Co 11.23-33) contra o projeto do diabo encarnado no capitalismo (Ap 18 - onde tudo é mercadoria, também almas humanas). Ap 18.4: “Retirai-vos dela, povo meu, para não serdes cúmplices em seus pecados e para não participardes dos seus flagelos” lembra para não nos conformarmos com este século sob o risco de cumplicidade com o sistema opressivo dominante. Este tem sido o nosso maior desafio: deixar de ser cúmplice do sistema de morte que é o capitalismo. Esta é a espiritualidade do Reino de Deus, contestação profética, que assume a cruz como conseqüência automática de sua prática teológica. Esta espiritualidade da “palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus”, 1 Co 1.18.
A essência da igreja é ser revolucionária, pois propõe o Reino de Deus frente ao reino do mundo, hoje o capitalismo. Esta essência foi esvaziada historicamente pela teologia da salvação individual fora da construção de um projeto coletivo que é o Reino de Deus, que é construído pelo próprio Deus, sendo nós seus convidados especiais neste processo de construção a partir do batismo e da fé. A salvação por graça e fé leva a pessoa a participar da construção do Reino de Deus que é um projeto coletivo e dentro deste a salvação meramente individual não tem espaço, muito pelo contrário esvazia o projeto coletivo da construção do Reino de Deus. No dizer de Lutero: “Fé e amor constituem todo o ser de um cristão. A fé recebe, o amor dá. A fé leva a pessoa a Deus, o amor o leva às pessoas. Através da fé, recebe os benefícios de Deus, através do amor, leva benefícios às pessoas” e “As obras exteriores são apenas sinais da fé interior. As obras não fazem a pessoa crente, porém revelam que sou crente, e testemunha que a fé dentro de mim é certa”. As obras, no caso, são a luta contra o capitalismo no processo de participação na construção do Reino de Deus que é o projeto de Deus contra o projeto do mundo, o capitalismo. A teologia da salvação individual via experiência de conversão com data e hora marcada desvinculada de um compromisso inerente ao batismo para com a construção do Reino de Deus, que sempre aponta para a construção de uma nova sociedade igualitária e não classista, compreende as obras como ação individual de ajuda humanitária que não põe em cheque o sistema capitalista que cria a desumanidade entre as pessoas produzindo vítimas que são acolhidas pela minha ação diaconal individual ou comunitária.
A teologia da salvação individual fora de um projeto coletivo revolucionário de construção do Reino de Deus tem ajudado o sistema de dominação a alienar e afastar os cristãos do processo de luta contra o projeto de dominação político-econômico-cultural-ideológico-teológico imposto pelo sistema deste mundo, hoje, o capitalismo.
Temos que estudar melhor e nos aprofundar nesta questão da salvação como parte de um processo coletivo da construção do Reino de Deus (Mt 1.21; Zc 8.7; Dn 12.1; Sl 18.27; Sl 28.9; 2 Sm 22.28). O termo Reino de Deus pressupõe uma construção coletiva para uma vida de comunhão fraterna em coletividade. Temos que estudar melhor esta questão da salvação, pois até agora o conceito de salvação só tem ajudado o processo de dominação desde a Conquista onde se salvava a ‘alma’ do indivíduo indígena ou negro e se legitimava a opressão econômica, como nos mostra o falar do jesuíta Nóbrega de 1558 legitimando a exploração da mão de obra escrava indígena no Brasil quando escreveu ao rei de Portugal:
“... Se S.A. os quer ver todos convertidos, mande-os sujeitar e deve fazer estender aos cristãos por a terra dentro e repartir-lhes os serviços dos índios àqueles que os ajudarem a conquistar e senhoriar como se faz em outras partes de terras novas ... Sujeitando-se o gentio, cessarão muitas maneiras de haver escravos mal havidos e muitos escrúpulos, porque terão os homens escravos legítimos, tomados em guerra justa e terão serviços de avassalagem dos índios e a terra se povoará e Nosso Senhor ganhará muitas almas e S.A. terá muita renda nesta terra porque haverá muitas criações e muitos engenhos, já que não haja muito ouro e prata”. (Darcy Ribeiro. O povo brasileiro) Aqui o papel da igreja é o papel do diabo e este mesmo papel a igreja continua a reproduzir hoje. São momentos distintos da evolução do capitalismo, mas a conseqüência é a mesma: legitimar o capital e sua reprodução a partir da salvação individual das almas, pois o corpo pertence aos senhores capitalistas para ser explorado até a morte. Quem defende o capitalismo defende esta prática secular de espoliação baseado na exploração da mão de obra e da natureza. O capitalismo é tão predador que está acabando com os dois: com a mão de obra e com os recursos da natureza, pois acha que os dois são infinitos. Esta é a sua autodestruição junto com a humanidade; o Planeta Terra vai sobreviver ao capitalismo e à humanidade, assim como ele existiu antes de haver humanidade.
O jesuíta Anchieta constata, trinta anos depois, em 1587, o resultado desta política real e eclesial:
“... nunca ninguém cuidou que tanta gente se gastasse nunca. Vão ver agora os engenhos e fazendas da Bahia, achá-los-ão cheios de negros da Guiné e muito poucos da terra e se perguntarem por tanta gente, dirão que morreu”. (Darcy Ribeiro. O povo brasileiro) É a idéia de que os recursos naturais são infinitos como também a mão de obra, mas o capitalismo vai acabar com os dois, com o apoio explícito da igreja de Jesus Cristo, que veio para salvar os dois: as pessoas e a natureza.
É a evangelização da boa nova da morte. É o mesmo processo capitalista de hoje que acontece nos frigoríficos onde os trabalhadores e trabalhadoras agüentam no máximo 10 anos e estão permanentemente incapacitados para o trabalho por causa do trabalho repetitivo em ritmo acelerado. Quando o trabalhador ou trabalhadora fica doente e incapacitado para o trabalho é despedido. No caso dos escravos, eles trabalhavam até a morte e duravam entre 15 a 20 anos. Os “escravos livres” dos frigoríficos de hoje só duram entre 5 a 10 anos e estão inválidos permanentemente para qualquer trabalho e tem que viver até a morte com dores horríveis. É a tortura da classe trabalhadora durante o processo produtivo assim como Jesus Cristo foi torturado até a morte na cruz por se opor a todo sistema opressivo. O documentário: Carne e Osso, mostra isso. Mudou pouca coisa entre o escravismo e o capitalismo. O que não mudou é o apoio irrestrito da igreja cristã a estes sistemas de morte. Por isso é cada vez mais importante deixarmos visível o crucifixo em nossas igrejas, coisa rara na IECLB. Há muita oposição por parte de pastores/as e leigos/as em colocar o crucifixo na parede ou no altar de nossas igrejas. Durante anos, para se opor ao catolicismo, nas igrejas da IECLB se colocou apenas a cruz vazia como símbolo da ressurreição (dentro da compreensão popular da ressurreição da alma) esquecendo que antes da Páscoa vem a Sexta-feira Santa e que sem cruz não há ressurreição. O crucifixo é a denúncia da classe trabalhadora crucificada no processo produtivo para gerar o capital. A confissão de fé que Paulo nos repassa em 1 Co 15.3-4 fala da cruz e da ressurreição de Jesus Cristo como base de nossa fé. Omitir a cruz é entrar pelo caminho da teologia da glória, criticada por Lutero. Omitir a cruz é ocultar os crucificados de hoje pelo capital. Não colocar o crucifixo na igreja é legitimar a opressão capitalista que literalmente mutila e mata o povo pelo excesso de trabalho. Até esquecemos que a base da teologia luterana é a Teologia da Cruz e que na pintura de Lukas Cranach no altar da igreja em Wittenberg Lutero aponta, não para a cruz vazia, mas para o crucifixo (o Cristo crucificado que derramou seu sangue por nós que lembra a Ceia do Senhor que por sua vez lembra o projeto da nova sociedade baseado na igualdade, na comunhão e na partilha que é o Reino de Deus).
O jesuíta Cardim registra a mortandade da população indígena que vinha ocorrendo e diante da qual ele próprio se espanta: "Eram tantos os dessa casta que parecia impossível poderem-se extinguir, porém os portugueses lhes têm dado tal pressa que quase todos são mortos e lhes têm tal medo, que despovoam a costa e fogem pelo sertão adentro até trezentas a quatrocentas léguas". (Cardim. Tratados de terra e gente do Brasil, 1584) O escravismo no Brasil, como forma de permitir a acumulação primitiva do capitalismo, matava a sua mão de obra de tanto trabalhar e o capitalismo de hoje (é mais humano) apenas a aleija e faz o Estado sustentar esta mão de obra inválida pela previdência social. É tão humano como era a proposta do presidente Bush que propôs humanizar a tortura em Guantánamo. Privatizar o lucro e socializar os custos é a ordem do capital; é o que a atual crise internacional também nos mostra. O capital repassa à toda a sociedade os custos da exploração. Um levantamento realizado pelo sindicado dos trabalhadores das empresas frigoríficas do estado de Santa Catarina demonstrou que a Sadia contribuiu com 30 milhões ao INSS (que na verdade é o dinheiro dos próprios trabalhadores gerado pelo seu trabalho exaustivo e degradante), no período de 2003 a 2007, e que, em contrapartida, o INSS desembolsou 170 milhões, no mesmo período, em benefício previdenciário, seja como afastamento do trabalho, aposentadoria por invalidez, etc. Faça o cálculo do déficit.
A sociedade que segue o deus capital é assim, como nos conta a história da Vilma Fátima Favero, “encostada” aos 42 anos, trabalhava na Seara de Sidrolândia, no interior do Mato Grosso do Sul, como “ajudante agropecuária”. Ela conta: “A gente separa os pintos, põe na caixa, vacina, forma o lote e põe no caminhão. Cada trabalhador coloca milhares de pintos por hora nas caixas. Cada caixa tem cem aves. Tinha gente que não agüentava e desmaiava, pois muitas vezes se varava a noite. Começava às duas da tarde e largava por volta da meia noite. Muitas vezes passava do horário, pois eram 130 mil pintos e apenas quatro pessoas para sexar. Se alguém faltava era pior, o trabalho acumulava para ser dividido entre quem se encontrava. O ritmo aumentava ainda mais, insuportável”. Hoje tem tendinite e cinco hérnias de disco por causa do trabalho repetitivo e extenuante e está incapacitada permanentemente para qualquer trabalho. No escravismo o sistema matava de tanto trabalhar, hoje, no capitalismo o sistema apenas deixa a pessoa aleijada. O que mudou? O sistema capitalista é o que o Paulo Maluf disse sobre o estupro seguido de assassinato: “Estupra, mas não mata”. O capitalismo é isto: estupra, mas não mata, normalmente, pois quando se sente ameaçado mata sem pestanejar, depois de estuprar.
O próprio Bartolomeu de las Casas para defender e salvar os povos originários das Américas da escravidão e da extinção defendia como opção a escravidão dos povos africanos. Era a opção desesperada a ser tomada entre dois massacres, ele escolheu para legitimar ou contrapor o menor em números, se é que dá para falar assim. É o dilema que nos fala o livro “A escolha de Sofia” escrito por William Styron, onde a Sofia escolhe a filha para ir ao crematório nazista para salvar o filho que é morto do mesmo depois. É o próprio trabalhador que se sente culpado pelo seu desemprego, pela sua pobreza e pela sua invalidez permanente. O capitalismo mata e culpa o trabalhador de sua própria morte.
Nós hoje ainda estamos dentro da mesma teologia da Conquista da salvação individual desvinculada do processo coletivo da construção do Reino de Deus como nova sociedade proposta por Jesus frente à sociedade opressora vigente, pois o Reino de Deus já começou (e vai se completar plenamente apenas no dia da volta de Cristo no dia do Juízo Final) e por isso a pessoa salva por graça e fé em nosso Senhor Jesus Cristo se insere automaticamente no processo coletivo da construção do Reino de Deus acolhendo as vítimas do sistema como nova prática desta nova sociedade que Jesus chama de Reino de Deus (Mt 25.31-46). Enquanto nós não nos desfazermos desta teologia da salvação individual dentro do processo de opressão sem pô-lo em cheque estaremos trabalhando contra o Reino de Deus. Jesus pela sua prática teológica pôs em cheque o sistema de dominação deste mundo (é o que nos relatam Lc 23.2,5; Jo 11.47-54) e por isso foi crucificado. O resultado do Evangelho do Reino de Deus foi a organização da comunidade primitiva que ensaiou uma forma coletiva de viver a vida, que fracassou por causa da esperança da volta imediata de Cristo, e não construiu um modelo de produção coletivo a partir da coletivização dos meios de produção que fizeram. No entanto, a igreja primitiva foi construída pelos fracos: escravos, estrangeiros, mulheres, sem terra. A comunidade primitiva foi construída pelos que “Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos” (1 Co 4.11-13) e “Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são” (1 Co 1.26-29). Qual a prática da igreja cristã de hoje em reduzir a nada as coisas que são, o capitalismo? Isto parece que não faz parte da teologia da igreja cristã. A igreja cristã não quer reduzir a nada o que é porque foi cooptada pelo que é: o capitalismo. Nisto consiste a sua heresia: em se conformar com este século (Rm 12.2) e se deixar contaminar por este mundo, se deixar moldar pelo projeto do capital (Tg 1.27) praticando a idolatria: adorando Jesus Cristo na forma do deus capital. As cédulas do nosso dinheiro mostram isto na frase: Deus seja louvado. Que Deus? Jesus Cristo ou o capital? Ou o Jesus Cristo transformado e metamorfoseado no deus capital para legitimar a sua proposta de sociedade? Cada deus, dalso ou verdadeiro, tem o seu projeto. A Trindade: Deus Pai, Deus Jesus Cristo e Deus Espírito Santo tem o Reino de Deus como seu projeto e a divindade trinitária: dinheiro, mercadoria e capital, têm o capitalismo como seu projeto. Ou a igreja segue um ou segue ao outro, pois “Não podeis servir a Deus e às riquezas” ao mesmo tempo diz Jesus Cristo em Mt 6.24. No entanto, a igreja cristã faz o impossível ser possível: procura seguir os dois ao mesmo tempo, o que evidentemente não é possível. Desta forma segue apenas e de fato ao deus capital dizendo estar seguindo a Jesus Cristo. Mas, “pelos seus frutos os conhecereis”, Mt 7.20.
A nossa teologia não pressupõe a luta contra o sistema capitalista para construir a organização coletiva de uma nova sociedade a partir da fé em Jesus Cristo. Aí está a nossa heresia. A compreensão da salvação meramente individual sem compromisso de participar da construção coletiva desta nova sociedade não capitalista que é o Reino de Deus, como resposta da salvação que nos foi dada de graça pela fé, é uma heresia teológica. Jesus dizia que pelos seus frutos os conhecereis (Mt 7.16). A prática normal de uma pessoa cristã não pressupõe a luta por uma nova sociedade não capitalista, mas, pelo contrário, tem sido uma prática de cimentar a realidade da opressão capitalista, participando, quando pode, dessa exploração. Capitalismo e Cristianismo tem se tornado sinônimo. Por que? Porque o Evangelho virou Religião. A função da Religião sempre foi a de cimentar a opressão de classe. Salomão construiu o Templo de Jerusalém (1 Rs 5) para salvar o novo modo de produção, o Tributário, diante da proposta ainda presente do modo de produção Tribal que ainda havia dentro das tribos camponesas israelitas. A sociedade construída nas montanhas da Palestina pelos escravos fugidos e camponeses palestinos agregados na caminhada não contemplava um templo, mas apenas uma tenda (Nm 27.1-11) como o Evangelho de Jo 1.14 propõe de novo com Jesus Cristo. Skenoo em Jo 1.14 significa: armou tenda entre nós, armou tabernáculo entre nós, não templo, porque o templo é e sempre foi um instrumento do Estado para legitimar e perpetuar a sociedade de classes. Por isso o Templo de Jerusalém foi construído pelo Estado e por isso Jesus o quis destruir para reconstruí-lo em seu corpo, como o Deus presente no meio de seu povo liberto da opressão em vida e da opressão da própria morte. Deus se fez pessoa em Jesus de Nazaré, na classe camponesa, para desestabilizar o poder opressor da classe que controla a economia e o Estado via prática teológica libertadora, por isso o Templo e o Estado crucificaram-no. O cristianismo virou templo e deixou de ser tabernáculo, que era o espaço do poder popular cidadão da fé, da luta pelos direitos, pela terra (Nm 27.1-11) e contra o Estado (Js 6-8) em direção da construção de uma nova sociedade igualitária, não classista, onde os meios de produção pertencem ao coletivo.
Como vamos enfrentar, como ‘esquerda’ na igreja, este projeto teológico que legitima o sistema dominante?
A teologia é a nossa arma para combater o capitalismo, como sendo o projeto do diabo, que quer impedir a construção desta nova sociedade não capitalista que é o Reino de Deus.
Se a teologia é esta arma então temos que estudar melhor a teologia do ponto de vista da Bíblia que nos mostra um Deus (Dt 6.21-23; Êx 3) que a partir da luta de classes (que é o motor da história) organiza a classe oprimida, contra o sistema opressivo viabilizado pelas forças organizadas no Estado, e a leva para fora da opressão para a construção, sob a orientação de Javé, de uma nova sociedade não classista nas montanhas da Palestina.
A igreja reproduz o capitalismo pela individualização: cada um por si – isolado – pela prática econômica, pela compreensão da fé da salvação individual e conversão individual desvinculada do processo de luta por transformações que o Reino de Deus requer na sociedade, pela não organização de classe, pelo isolamento social.
Romper o isolacionismo é a proposta do Evangelho que cria coisa nova, a comunidade de fé. Diferente da comunidade étnica como era o conceito do povo de Israel e diferente de como os romanos encaminham sua comunidade dividida em classes sociais excludentes entre si. A comunidade de fé é a nova proposta de como as pessoas batizadas encaminham na prática a construção do Reino de Deus. O que reúne a comunidade é a fé em Jesus Cristo e não a classe social como era a prática dos grupos sociais no império romano. Apesar de que a maioria dos participantes desta nova comunidade era das classes excluídas: escravos, plebe e não cidadãos. A comunidade cristã é co-participante da construção do Reino de Deus junto com o movimento popular, movimento popular específico (negros, mulheres e povos originários), sindical e partidos políticos legítimos e autênticos, pela sua prática de luta, da classe trabalhadora. Este é um conceito ainda não assimilado pela igreja, porque é um conceito que rompe com o isolacionismo criado pela salvação individual e que mostra as rachaduras de nossa sociedade que devem ser enfrentados pela igreja. Este conceito não é aceito porque propõe uma aliança entre as vítimas do sistema capitalista na luta contra o sistema em direção à proposta do Reino de Deus. Este conceito mostra que vivemos numa sociedade classista e desigual que não fecha com as propostas do Evangelho. Este conceito nos obriga a romper com o capitalismo e com isto se evidencia as rachaduras dentro da própria igreja que é perpassada pela luta de classes, coisa não admitida pela própria estrutura da igreja. A ideologia eclesial sempre nos mostrou que na igreja somos todos iguais, algo totalmente irreal, pois os ‘mais iguais’ é que tem o poder de mando na igreja. A igreja sempre foi usada para negar a sociedade de classes em que vivemos e a luta de classes que há na sociedade para impedir que a classe oprimida assuma a direção da sociedade e da própria igreja. A igreja sempre foi um instrumento usado pela burguesia para impedir a revolução na sociedade para que se possa acabar com a sociedade dividida em classes sociais antagônicas e com interesses irreconciliáveis. Por isso a igreja não pode admitir que há luta de classes e classes sociais em permanente confronto. O máximo que a igreja admite é que haja ricos, remediados e pobres porque isto aparece na Bíblia. Agora como os ricos ficam ricos e como os pobres são tornados pobres isto não se explica. Sabemos que isto não é nenhum mistério. Basta estudar como funciona o capitalismo e se descobrirá isto. Estudar na comunidade cristã como funciona o capitalismo e a luta de classes na sociedade? Você está louco, isto não se faz! Por que não se faz? Porque a igreja é um instrumento usado pela classe economicamente dominante, que também controla o aparato do Estado, para perpetuar o capitalismo. Essa história do Reino de Deus ser uma nova sociedade sem classes sociais e não capitalista é no mínimo perigoso, para não dizer: subversivo. O rompimento do Evangelho com a cultura judaico-romana é via comunidade multicultural. A posição de Pedro diz que para ser cristão a pessoa tem que ser judia primeiro choca com a posição de Paulo que entendeu o Evangelho dizendo que pelo batismo se passa direto para ser cristão, não precisando passar pela fé e cultura judaica. Cristo liberta da Lei, pois a salvação é de graça pela fé em Jesus Cristo que empurra para a luta e para a resistência contra o sistema opressor vigente, como diz Paulo em 1 Ts 2.2; 2 Co 11.23-28, o que traz perseguição como diz em 2 Tm 3.12: "Ora todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos", conferir 2 Tm 3.10-13. A piedade evangélica é revolucionária em sua essência e não contra-revolucionária, alienante e conformadora com este século como tem sido a prática da igreja. A igreja para lutar contra o capitalismo tem que se autodestruir para nascer de novo num novo formato que opta pela classe oprimida como Javé o fez no AT e NT. É o que diz em João 12.24: “Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto”. Isto sempre foi interpretado como ação do indivíduo e nunca compreendido como ação estrutural. O indivíduo, dentro do conceito de salvação individual, pode mudar, a igreja não, isto seria um novo conceito de salvação que passa pela luta coletiva em direção ao Reino de Deus. Este conceito é muito perigoso porque pressupõe a mudança de toda sociedade. Isto é revolução e revolução não pode. Como não pode? Ressurreição do corpo não é revolução da morte em vida? Revolução é violência. A atual situação no capitalismo não é violência? A violência da luta de classes? A revolução do Reino de Deus se faz exatamente para acabar com a violência exercida de uma classe sobre a outra, da luta de classes, para que haja paz numa sociedade sem classes em constante confronto. A proposta do Reino de Deus quer exatamente acabar com a violência da luta de classes e isto só acontece quando não há mais classes sociais. Uma sociedade sem classes sociais é a comunidade de Jesus Cristo em sua essência, baseada na partilha, na comunhão, no amor e onde Deus dá a orientação para toda a sociedade e não o capital, como é hoje. Onde Javé é Deus sobre toda a sociedade e determina a vida de toda a sociedade. Aí nós voltamos ao problema principal que é o primeiro mandamento: adorar a Javé ou o capital. O que nós queremos é adorar o bezerro de ouro como se fosse Javé, prevalecendo a teologia do bezerro de ouro, é claro. A igreja quer fazer o que não dá para fazer: viabilizar o projeto de Javé e o projeto do capital ao mesmo tempo. Sabemos que isto não dá para fazer. Quando falo em igreja digo que são as pessoas das comunidades. Se esta igreja não morrer não tem jeito. Nós teremos que morrer junto com esta igreja para que haja uma nova igreja: a verdadeira Igreja de Jesus Cristo, una e ecumênica que tem como base a teologia da cruz. Pois o diabo, encarnado no capitalismo, não vai deixar barato!
Dilma na Justiça Militar. A foto foi tirada em novembro de 1970, quando a hoje presidente da República tinha 22 anos. Após 22 dias de tortura, ela respondia a um interrogatório na sede da Auditoria Militar do Rio de Janeiro. Ao fundo, os oficiais que a interrogavam sobre sua participação na luta armada escondem o rosto com a mão. O diabo não gosta de mostrar a cara. Quando falo que o diabo não vai deixar barato falo disto: Repressão pura e simples contra os que crêem em Jesus Cristo. A igreja que vai morrer vai ressurgir assim: no banco dos réus do sistema deste mundo acusada de subversão e de alta traição. É o que Jesus Cristo diz em Lc 9.23: “Dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me”.
O cristianismo rompe com a velha sociedade (pois cria a nova criatura segundo diz Paulo em 2 Co 5.17) criando a nova sociedade onde se socializa os meios de produção, na época apenas para o consumo (At 2 e 4) por causa da esperança da volta imediata de Cristo, e socializa a dor e se procura acabar com a miséria via prática diacônica.
Eusébio escreve sobre a prática diaconal da comunidade cristã durante a grande peste no tempo do imperador Maximinus Daza:
“Eles se revelavam aos pagãos em plena luz do dia; pois os cristãos eram os únicos que em meio a tão grande sofrimento mostravam o seu sentimento e seu amor às pessoas através de seus atos. Alguns trabalhavam dia após dia com o cuidado e com o enterro dos cadáveres (havia inúmeros pelos quais ninguém mais se importava), outros reuniam pela cidade afora os que estavam sofrendo por causa da fome num lugar só e distribuíam entre todos pão. Quando isto foi divulgado, se glorificava o Deus dos cristãos e reconheciam que somente estes eram os verdadeiros religiosos e piedosos porque eles mostraram isto pelos seus atos.”
O cristianismo dá a cidadania aos não cidadãos, como diz Paulo em Ef 2.19: “Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus”. A fé cristã rompe com este século classista e cria uma sociedade sem classes: a eklesia, que reúne escravos, sem terra, mulheres e estrangeiros. E Paulo mostra que quando esta sociedade sem classes é rompida começam os problemas como nos conta 1 Co 11.17-21: “Nisto, porém, que vos prescrevo, não vos louvo, porquanto vos ajuntais não para melhor, e sim para pior. Porque, antes de tudo, estou informado haver divisões entre vós quando vos reunis na igreja; e eu, em parte, o creio. Porque até mesmo importa que haja partidos entre vós, para que também os aprovados se tornem conhecidos em vosso meio. Quando, pois, vos reunis no mesmo lugar, não é a ceia do Senhor que comeis. Porque, ao comerdes, cada um toma, antecipadamente, a sua própria ceia; e há quem tenha fome, ao passo que há também quem se embriague.” Quando os escravos chegavam para a Ceia do Senhor os livres já haviam comido tudo e estavam de porre.
A fé cristã rompe o isolacionismo judaico (somente nós somos o povo de Deus e por isso somente nós seremos salvos – Mt 15.21-28) para construir o internacionalismo multicultural (Gn 11; Gl 3.28: Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.) pela fé em Jesus Cristo. O Evangelho do Reino de Deus rompe com o isolacionismo – individualismo – para a proposta do coletivo, do comunitário. O batismo integra nova proposta de convivência e de desobediência civil em não adorar o Estado como deus - César não é deus! O Estado legitimador da opressão não é deus!
A igreja hoje rompe com o Evangelho quando prega a salvação individual isolado da proposta do coletivo, desvinculado da mensagem central de Jesus: o Reino de Deus que aponta para a construção coletiva da nova sociedade, hoje, não capitalista. Fé sem obras é morta diz em Tiago 2.26. Que obras? A construção do coletivo a partir do acolhimento das vítimas do sistema, como diz Mt 25 e em Tg 1.27 a comunidade é construída a partir da prática do acolhimento das viúvas e órfãos e junto a isso a não contaminação do mundo romano escravista classista. Paulo diz isto também em 1 Co 1.27-28: “Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são”.
A proposta da igreja é a construção da comunidade, do coletivo, mas prega a salvação individual e com isto descontrói seu discurso e a comunidade virou apenas uma Associação Cultural e Recreativa com fins Religiosos. O veneno da pregação da salvação individual corrói e destrói a proposta da construção da comunidade de Jesus Cristo para um individualismo como prática de fé. A mentalidade capitalista não permite a construção da comunidade cristã que aponta para o novo que é o Reino de Deus que rompe com o capital. Predominando o capital se esvazia o Evangelho do Reino de Deus. A prática da contaminação pelo mundo, do qual nos alerta Tg 1.27, neutraliza a proposta do Evangelho. A igreja se torna o elemento contra-revolucionário do Reino de Deus, pois reforça o capitalismo pela pregação da salvação individual desvinculada de uma prática revolucionária (Mc 1.15 – arrependei-vos e crede no evangelho). A igreja prega Jesus e não prega a pregação deste: o Reino de Deus, e com isto desmonta a proposta de Jesus Cristo. O sistema dominante neste mundo é muito sábio em anular qualquer contraproposta.
Jesus Cristo pregou o Evangelho do Reino de Deus e nós pregamos apenas a Jesus Cristo e com isto desmontamos a pregação de Jesus Cristo do Reino de Deus que é revolucionária. A essência do Evangelho do Reino de Deus é revolucionária porque propõe uma nova sociedade, hoje, não capitalista. A pregação apenas de que Jesus Cristo é Deus esquecendo de sua pregação central sobre o Reino de Deus brota da luta contra os deuses pagãos em Roma, na Europa e na América. Se firma o Deus Jesus Cristo frente os deuses romanos, germanos, celtas e indígenas: astecas, incas, guaranis, e se esquece de falar da pregação central de Jesus Cristo que é o Reino de Deus que propõe uma nova sociedade construída em cima do coletivo, a comunidade cristã essencialmente revolucionária, que se contrapõe ao sistema vigente, independente da época.
Para a igreja sobrou a proposta da comunidade, mas esvaziada da proposta revolucionária, do coletivo do Reino de Deus que propõe uma nova sociedade não capitalista. A construção original de comunidade é revolucionária frente a proposta greco-romana classista e escravista. A comunidade cristã rompe com a sociedade de classes, pois na comunidade não tem classes sociais, são iguais, pois todos e todas são irmãos e irmãs na fé. Onde há irmãos não há classes sociais, pois na comunidade todos são tornados iguais pelo batismo e pela fé em Jesus Cristo. A comunidade cristã constrói uma nova sociedade igualitária frente a sociedade classista escravista romana.
Os cristãos primitivos promoviam o resgate de presos e escravos que são comprados para serem libertados. Um relato do ano 100 feito por Clemente romano diz: “Conhecemos muitos dentre nós que se entregam às cadeias (da escravidão) para libertar outros. Não poucos se entregam como escravos e, com o preço da venda, dão alimento a outros”. Parece que isto não foram ações de comunidades, mas de ações individuais de pessoas. É uma luta contra a escravidão se tornando escravo por puro amor. É dando a sua vida para libertar o outro.
Tertuliano diz: “A preocupação pelos desamparados, que nós praticamos, nossa atividade de amor, se transformou em uma característica para nós entre nossos oponentes”. O imperador Juliano quer corrigir a política do seu antecessor Constantino, protetor do cristianismo, recomenda que as autoridades locais criem centros de assistência social e hospedagem como um dique contra a avassaladora penetração do cristianismo em meios populares.
O bispo Dionisius escreve sobre o período da peste em Alexandria em 259 d.C.: “A maioria de nossos irmãos não poupavam, por grande amor ao próximo, a sua própria pessoa e permaneciam unidos e firmes. Sem medo visitavam os doentes, os serviam com muita dedicação, cuidavam deles por amor à Cristo e morriam alegres com eles. Sim, muitos morriam após terem curado os outros e terem transplantado a sua morte para si mesmo. Desta forma morreram os mais nobres de nossos irmãos, alguns presbíteros, diáconos e leigos muito considerados. Entre os pagãos acontecia exatamente o contrário. Eles expulsavam de si os que começavam a ficar doentes, fugiam do caminho mais caro e atiravam os moribundos na rua e deixavam os mortos sem enterro.” O cristianismo cresce pela propaganda dos beneficiados e não pelo trabalho dos bispos ou presbíteros; a propaganda de boca em boca pelos beneficiados é que propaga a fé cristã.
Hoje a comunidade cristã está inserida no sistema do capital pela pregação da salvação individual desvinculada da proposta da participação na construção, a partir da fé em Jesus Cristo, desta nova sociedade não capitalista que é o Reino de Deus. Pior ainda é a teologia da prosperidade que abertamente legitima o capital pela promessa do enriquecimento. Lembrando que Jesus não fala muito bem do enriquecimento, segundo Mt 19.
Temos que destruir esta teologia oficial da igreja cristã da salvação individual numa comunidade que não quer a revolução do Reino de Deus, que parte do arrependimento e da fé no evangelho, conforme Mc 1.15. Temos que destruir a estrutura das comunidades atuais que não são revolucionárias do Reino de Deus. Vivemos numa comunidade que não vive e não prega a pregação de Jesus Cristo: o Reino de Deus. Destruímos a essência do Evangelho de Jesus Cristo que é o Reino de Deus que é uma nova sociedade não capitalista que a comunidade oficial da igreja não admite sob hipótese alguma. Jesus Cristo foi crucificado por causa de sua vivência e de sua pregação do Evangelho do Reino de Deus, pois ameaçava a sociedade vigente como nos fala Jo 11.47-48: “Então, os principais sacerdotes e os fariseus convocaram o Sinédrio; e disseram: Que estamos fazendo, uma vez que este homem opera muitos sinais? Se o deixarmos assim, todos crerão nele; depois, virão os romanos e tomarão não só o nosso lugar, mas a própria nação”.
Quem pregar o Reino de Deus como uma proposta de nova sociedade não capitalista é expulso da comunidade, pois não se permite a pregação da essência do Evangelho: o Reino de Deus, mas apenas o Jesus desencarnado e legitimador do mundo que ele veio para mudar pela construção coletiva do Reino de Deus, que é uma sociedade coletiva, igualitária, portanto não classista, e automaticamente sem Estado, pois o Estado é um instrumento da sociedade classista para reprimir e explorar a classe subalterna, hoje, a classe trabalhadora. Por isso as propostas conciliares da IECLB dos anos 80 não foram implementadas, pois a função da teologia oficial é legitimar e reproduzir a ideologia do capital; mesmo sendo estas propostas teologia oficial, esta é a contradição. Por serem perigosas e ameaçadoras ao capital não foram encaminhadas e nem implementadas pela direção da igreja. Só para lembrar de parte da mensagem do Concílio Geral de 1982: “assumir e defender com responsabilidade evangélica as reivindicações dos movimentos sociais, fazendo um trabalho de base com associações de bairros, atingidos por barragens, colonos sem terra, bóias-frias, sindicatos, proteção ambiental, além de inúmeras outras formas de atuação onde o amor de Deus quer se tornar vivo e real entre as pessoas”. Isto é ou não é uma ameaça ao capital? Por isso esta proposta de ação missionária deve ser esquecida. Missão para a igreja é apenas aumentar o número de fiéis e não participar junto com o movimento popular, sindical e político partidário da construção do Reino de Deus que propõe uma nova sociedade anticapitalista.
O Evangelho da Cruz de Cristo pressupõe a ruptura. A ressurreição é a ruptura com a opressão do sistema e seu Estado: é desfazer o que o Estado fez. O Estado ordenou a morte e Deus rompeu esta lei de morte e a própria morte com a ressurreição de Jesus Cristo. Por isso Ap 13 fala que a besta (imperador, representante do Estado) recebeu seu poder do dragão: o diabo. João no Apocalipse deixa claro que o Estado opressor é instrumento do diabo, pois legitima o sistema econômico classista. Toda a sociedade de classes é coisa do diabo, portanto o capitalismo é instrumento do diabo para tentar impedir a construção do Reino de Deus. Quando Mc 1.15 diz: arrependei-vos – isto quer dizer ruptura com a prática de vida do sistema no qual se vive e - crer no evangelho - é a nova orientação prática de vida construída a partir da ruptura exigida pelo Evangelho. Crer no Evangelho é não crer mais na teologia do Templo de Jerusalém e nem na teologia dos deuses romanos. Crer no Evangelho é ruptura teológica que produz uma nova prática teológica que por sua vez produz uma nova prática social, pois a função da teologia não é apenas explicar Deus, mas é apontar para a participação na construção desta nova sociedade que Deus quer que seja construída, que Jesus Cristo chama de Reino de Deus. “E o Verbo se fez carne”, quer dizer que Deus se fez ação dentro da luta de classes que havia na sociedade palestina optando em tomar partido na e a partir da classe camponesa. Deus não é neutro dentro da luta de classes que há na sociedade. Ele sempre se coloca ao lado e a favor da classe oprimida para organizá-la a acabar com a sociedade de classes. A burguesia na igreja sempre prega a neutralidade necessária da igreja para que ela não opte em se colocar contra a burguesia. E em se dizendo neutra ela deixa de ser neutra, pois não defende os fracos e oprimidos pelo capital.
O Reino de Deus está próximo diz Mc 1.15 que pressupõe esta Metodologia:
Prática – arrependei-vos da velha prática do mundo
Teoria – crede no evangelho e não no Templo e nos deuses romanos e no Estado divinizado
Prática – produz a nova criatura com uma nova prática, a do Reino de Deus, que é a nova sociedade sem classes e igualitária onde os meios de produção não são mais propriedade privada, mas são colocados à serviço do coletivo (At 2 e 4).
Teologia da Prosperidade e Teologia da Salvação Individual não pressupõe ruptura com o sistema deste mundo, no máximo produz a ruptura da ética individual: deixo de beber e de ir na zona.
Ressurreição é ruptura com a determinação legal do sistema repressivo do Estado que legitima o sistema econômico. Fé que traz salvação tem que ter ruptura – prática de ruptura com o sistema vigente para construir um novo sistema que Jesus chama de reino de Deus que constrói a sociedade sem classes, igualitária e sem Estado.
A igreja oficial não requer e nem prega a fé que pressupõe a ruptura com o sistema econômico e seu sistema político-ideológico/teológico de dominação como nos mostra o Êxodo: sai da situação de opressão e constrói uma nova sociedade sem classes, sem estado e sem templo nas montanhas da Palestina. A ressurreição é ruptura por excelência com o sistema que produz a morte e com a própria morte (1 Co 15.19-28) e produz uma nova prática social e eclesial: a comunidade cristã, onde todos são irmãos que praticam a diaconia (Tg 1.27), esta é a nova criatura (2 Co 5.17) que brota da fé. Tg 1.27 diz que a diaconia está junto com a ruptura de não se contaminar com o sistema do mundo. Não basta apenas praticar diaconia, mas ela precisa ser feita porque o mundo constrói as vítimas que a diaconia acolhe e por isso este mundo tem que ser mudado. Este não poderá ser mudado se nos deixarmos moldar por ele, nos deixando contaminar pela sua proposta de vida que diminui a vida. A diaconia tem que cortar o mal pela raiz: mudar o mundo e sua dinâmica que produz as vítimas que a comunidade acolhe. Se deixar moldar pelo mundo é ajudar a produzir as vítimas que a comunidade acolhe pela sua prática diacônica. Salvação por graça e fé requer e leva à oposição automática ao sistema deste mundo porque nós propomos o Reino de Deus como opção frente ao reino do mundo, pois a salvação provém da proposta do Reino de Deus e não do reino do mundo. A fé em Jesus Cristo salva, o capitalismo não salva. No entanto, a comunidade vive como se o capitalismo salvasse.
A prática eclesial hoje é de conformação com este século que é exatamente o oposto da proposta do Evangelho do Reino de Deus. O máximo que a igreja permite é a ruptura da prática ética-cultural e individual. “Eu me converti” (que é heresia, pois é o Evangelho que me converte. A conversão vem de fora de mim, como também a salvação. Se eu me converto então isto é obra minha e não preciso mais de Jesus para obter minha salvação.) e deixei de beber, de fumar e de ir na zona, mas continuo a reproduzir ou a legitimar a prática espoliativa econômica do capitalismo. Isto é incoerência. Pela minha conversão individual desvinculado de qualquer compromisso de luta coletiva contra o sistema do mundo sou recompensado pela minha compreensão de fé e conversão com o enriquecimento individual. É uma conversão moral e ética sem moral e sem ética porque o capitalismo não tem ética. A ética do capitalismo é não ter ética, pois a essência do capitalismo está na exploração e depredação da mão de obra e da natureza.
A prática de conformação com este século presente na comunidade é: apoiar a construção das grandes barragens que dão lucro ao capital à custa dos camponeses que são expulsos de suas terras; a comunidade cristã não apóia a Reforma Agrária; a comunidade não apóia o movimento popular que se propõe o que o Reino de Deus propõe: construir uma nova sociedade não capitalista, sem classes sociais, igualitária e sem Estado, pois o Estado pressupõe a existência de classes sociais antagônicas; a comunidade normalmente não abre seu espaço físico para o movimento popular se reunir para estudar e se organizar; a comunidade aceita ou pede dinheiro do Estado para construir ou reformar seus prédios e com isto é cooptado por este século; a comunidade apóia o capitalismo na sua essência e não admite a crítica e prática contra o sistema.
Temos que nos encontrar para discutir tudo isto e muito mais como ‘esquerda’ na igreja.
Por isso proponho um encontro de dois dias em 2012 ou 2013 que reunirá quem se considera de ‘esquerda’ na IECLB e quer participar da construção de um novo projeto de igreja na IECLB.
O desafio agora é reunir e unir a ‘esquerda’ para elaborar um projeto de igreja dentro da atual conjuntura eclesial e econômica do Brasil e do mundo. O movimento popular continua em descenso e por isso é tão difícil juntar a ‘esquerda’ fragmentada. Temos que começar a reagir frente esta conjuntura eclesial, nacional e internacional. Vejo que o nosso papel como igreja é combater o capital no campo que é nosso: o teológico. Vamos bombardear o campo inimigo com a argumentação teológica e bíblica, assim como o capital nos bombardeia com a sua propaganda dizendo que não há outra proposta além do capitalismo. A Ditadura do Pensamento Único para legitimar e reproduzir a Ditadura do Capital diz que não há outra forma de organizar a vida de toda a sociedade além do capitalismo. A isto nós respondemos: há outra proposta de organizar a vida e a sociedade e esta proposta é o Reino de Deus. Nesta direção aponta o texto a seguir no intuito de tentar achar um espaço para implantar a idéia e viabilizá-la que é a de reunir a ‘esquerda’ na igreja em um novo espaço para construir em conjunto um projeto de igreja para a IECLB a partir de uma teologia não conformadora com este século.
O projeto do capitalismo mantém sua dominação sobre toda a sociedade via capital e via ideologia/teologia. No capitalismo a ideologia se mistura com a teologia e vice versa. A teologia do deus capital se mistura com a teologia do Deus Javé transformando-se em ideologia que legitima a dinâmica mortífera e diabólica do capital. A teologia do Deus Javé encarnado no camponês palestino sem terra e sem teto Jesus de Nazaré tem um papel fundamental no combate ao capitalismo (que a Bíblia chama de “o mundo”) deixando claro que o Evangelho de Jesus Cristo propõe o Reino de Deus como contraproposta, hoje, ao capitalismo, dizendo que há outra proposta frente ao capitalismo que é o Reino de Deus. Além disso, hoje o Evangelho do Reino de Deus (Lc 4.43, 8.1, 16.16), proclamado pelo Deus da classe camponesa do AT que agora, a partir do tempo do NT, radicalizou a sua postura em que ele mesmo se fez pessoa em Jesus de Nazaré na classe camponesa palestina, sempre aponta para a construção de uma nova sociedade, hoje, não capitalista. Esta é a não conformação com este século, no dizer de Paulo em Rm 12.2, que faz parte da essência do Evangelho de Jesus Cristo (Mc 1.15) porque propõe uma nova forma de organizar a sociedade, que é o Reino de Deus. A salvação se dá neste contexto de luta contra o mundo, pois se a salvação já nos foi dada de graça pela fé não temos nada a temer nem a morte, pois temos como promessa a ressurreição do corpo e a vida eterna. A fé na ressurreição do corpo anima para a luta (2 Co 11.23-33) contra o projeto do diabo encarnado no capitalismo (Ap 18 - onde tudo é mercadoria, também almas humanas). Ap 18.4: “Retirai-vos dela, povo meu, para não serdes cúmplices em seus pecados e para não participardes dos seus flagelos” lembra para não nos conformarmos com este século sob o risco de cumplicidade com o sistema opressivo dominante. Este tem sido o nosso maior desafio: deixar de ser cúmplice do sistema de morte que é o capitalismo. Esta é a espiritualidade do Reino de Deus, contestação profética, que assume a cruz como conseqüência automática de sua prática teológica. Esta espiritualidade da “palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus”, 1 Co 1.18.
A essência da igreja é ser revolucionária, pois propõe o Reino de Deus frente ao reino do mundo, hoje o capitalismo. Esta essência foi esvaziada historicamente pela teologia da salvação individual fora da construção de um projeto coletivo que é o Reino de Deus, que é construído pelo próprio Deus, sendo nós seus convidados especiais neste processo de construção a partir do batismo e da fé. A salvação por graça e fé leva a pessoa a participar da construção do Reino de Deus que é um projeto coletivo e dentro deste a salvação meramente individual não tem espaço, muito pelo contrário esvazia o projeto coletivo da construção do Reino de Deus. No dizer de Lutero: “Fé e amor constituem todo o ser de um cristão. A fé recebe, o amor dá. A fé leva a pessoa a Deus, o amor o leva às pessoas. Através da fé, recebe os benefícios de Deus, através do amor, leva benefícios às pessoas” e “As obras exteriores são apenas sinais da fé interior. As obras não fazem a pessoa crente, porém revelam que sou crente, e testemunha que a fé dentro de mim é certa”. As obras, no caso, são a luta contra o capitalismo no processo de participação na construção do Reino de Deus que é o projeto de Deus contra o projeto do mundo, o capitalismo. A teologia da salvação individual via experiência de conversão com data e hora marcada desvinculada de um compromisso inerente ao batismo para com a construção do Reino de Deus, que sempre aponta para a construção de uma nova sociedade igualitária e não classista, compreende as obras como ação individual de ajuda humanitária que não põe em cheque o sistema capitalista que cria a desumanidade entre as pessoas produzindo vítimas que são acolhidas pela minha ação diaconal individual ou comunitária.
A teologia da salvação individual fora de um projeto coletivo revolucionário de construção do Reino de Deus tem ajudado o sistema de dominação a alienar e afastar os cristãos do processo de luta contra o projeto de dominação político-econômico-cultural-ideológico-teológico imposto pelo sistema deste mundo, hoje, o capitalismo.
Temos que estudar melhor e nos aprofundar nesta questão da salvação como parte de um processo coletivo da construção do Reino de Deus (Mt 1.21; Zc 8.7; Dn 12.1; Sl 18.27; Sl 28.9; 2 Sm 22.28). O termo Reino de Deus pressupõe uma construção coletiva para uma vida de comunhão fraterna em coletividade. Temos que estudar melhor esta questão da salvação, pois até agora o conceito de salvação só tem ajudado o processo de dominação desde a Conquista onde se salvava a ‘alma’ do indivíduo indígena ou negro e se legitimava a opressão econômica, como nos mostra o falar do jesuíta Nóbrega de 1558 legitimando a exploração da mão de obra escrava indígena no Brasil quando escreveu ao rei de Portugal:
“... Se S.A. os quer ver todos convertidos, mande-os sujeitar e deve fazer estender aos cristãos por a terra dentro e repartir-lhes os serviços dos índios àqueles que os ajudarem a conquistar e senhoriar como se faz em outras partes de terras novas ... Sujeitando-se o gentio, cessarão muitas maneiras de haver escravos mal havidos e muitos escrúpulos, porque terão os homens escravos legítimos, tomados em guerra justa e terão serviços de avassalagem dos índios e a terra se povoará e Nosso Senhor ganhará muitas almas e S.A. terá muita renda nesta terra porque haverá muitas criações e muitos engenhos, já que não haja muito ouro e prata”. (Darcy Ribeiro. O povo brasileiro) Aqui o papel da igreja é o papel do diabo e este mesmo papel a igreja continua a reproduzir hoje. São momentos distintos da evolução do capitalismo, mas a conseqüência é a mesma: legitimar o capital e sua reprodução a partir da salvação individual das almas, pois o corpo pertence aos senhores capitalistas para ser explorado até a morte. Quem defende o capitalismo defende esta prática secular de espoliação baseado na exploração da mão de obra e da natureza. O capitalismo é tão predador que está acabando com os dois: com a mão de obra e com os recursos da natureza, pois acha que os dois são infinitos. Esta é a sua autodestruição junto com a humanidade; o Planeta Terra vai sobreviver ao capitalismo e à humanidade, assim como ele existiu antes de haver humanidade.
O jesuíta Anchieta constata, trinta anos depois, em 1587, o resultado desta política real e eclesial:
“... nunca ninguém cuidou que tanta gente se gastasse nunca. Vão ver agora os engenhos e fazendas da Bahia, achá-los-ão cheios de negros da Guiné e muito poucos da terra e se perguntarem por tanta gente, dirão que morreu”. (Darcy Ribeiro. O povo brasileiro) É a idéia de que os recursos naturais são infinitos como também a mão de obra, mas o capitalismo vai acabar com os dois, com o apoio explícito da igreja de Jesus Cristo, que veio para salvar os dois: as pessoas e a natureza.
É a evangelização da boa nova da morte. É o mesmo processo capitalista de hoje que acontece nos frigoríficos onde os trabalhadores e trabalhadoras agüentam no máximo 10 anos e estão permanentemente incapacitados para o trabalho por causa do trabalho repetitivo em ritmo acelerado. Quando o trabalhador ou trabalhadora fica doente e incapacitado para o trabalho é despedido. No caso dos escravos, eles trabalhavam até a morte e duravam entre 15 a 20 anos. Os “escravos livres” dos frigoríficos de hoje só duram entre 5 a 10 anos e estão inválidos permanentemente para qualquer trabalho e tem que viver até a morte com dores horríveis. É a tortura da classe trabalhadora durante o processo produtivo assim como Jesus Cristo foi torturado até a morte na cruz por se opor a todo sistema opressivo. O documentário: Carne e Osso, mostra isso. Mudou pouca coisa entre o escravismo e o capitalismo. O que não mudou é o apoio irrestrito da igreja cristã a estes sistemas de morte. Por isso é cada vez mais importante deixarmos visível o crucifixo em nossas igrejas, coisa rara na IECLB. Há muita oposição por parte de pastores/as e leigos/as em colocar o crucifixo na parede ou no altar de nossas igrejas. Durante anos, para se opor ao catolicismo, nas igrejas da IECLB se colocou apenas a cruz vazia como símbolo da ressurreição (dentro da compreensão popular da ressurreição da alma) esquecendo que antes da Páscoa vem a Sexta-feira Santa e que sem cruz não há ressurreição. O crucifixo é a denúncia da classe trabalhadora crucificada no processo produtivo para gerar o capital. A confissão de fé que Paulo nos repassa em 1 Co 15.3-4 fala da cruz e da ressurreição de Jesus Cristo como base de nossa fé. Omitir a cruz é entrar pelo caminho da teologia da glória, criticada por Lutero. Omitir a cruz é ocultar os crucificados de hoje pelo capital. Não colocar o crucifixo na igreja é legitimar a opressão capitalista que literalmente mutila e mata o povo pelo excesso de trabalho. Até esquecemos que a base da teologia luterana é a Teologia da Cruz e que na pintura de Lukas Cranach no altar da igreja em Wittenberg Lutero aponta, não para a cruz vazia, mas para o crucifixo (o Cristo crucificado que derramou seu sangue por nós que lembra a Ceia do Senhor que por sua vez lembra o projeto da nova sociedade baseado na igualdade, na comunhão e na partilha que é o Reino de Deus).
O jesuíta Cardim registra a mortandade da população indígena que vinha ocorrendo e diante da qual ele próprio se espanta: "Eram tantos os dessa casta que parecia impossível poderem-se extinguir, porém os portugueses lhes têm dado tal pressa que quase todos são mortos e lhes têm tal medo, que despovoam a costa e fogem pelo sertão adentro até trezentas a quatrocentas léguas". (Cardim. Tratados de terra e gente do Brasil, 1584) O escravismo no Brasil, como forma de permitir a acumulação primitiva do capitalismo, matava a sua mão de obra de tanto trabalhar e o capitalismo de hoje (é mais humano) apenas a aleija e faz o Estado sustentar esta mão de obra inválida pela previdência social. É tão humano como era a proposta do presidente Bush que propôs humanizar a tortura em Guantánamo. Privatizar o lucro e socializar os custos é a ordem do capital; é o que a atual crise internacional também nos mostra. O capital repassa à toda a sociedade os custos da exploração. Um levantamento realizado pelo sindicado dos trabalhadores das empresas frigoríficas do estado de Santa Catarina demonstrou que a Sadia contribuiu com 30 milhões ao INSS (que na verdade é o dinheiro dos próprios trabalhadores gerado pelo seu trabalho exaustivo e degradante), no período de 2003 a 2007, e que, em contrapartida, o INSS desembolsou 170 milhões, no mesmo período, em benefício previdenciário, seja como afastamento do trabalho, aposentadoria por invalidez, etc. Faça o cálculo do déficit.
A sociedade que segue o deus capital é assim, como nos conta a história da Vilma Fátima Favero, “encostada” aos 42 anos, trabalhava na Seara de Sidrolândia, no interior do Mato Grosso do Sul, como “ajudante agropecuária”. Ela conta: “A gente separa os pintos, põe na caixa, vacina, forma o lote e põe no caminhão. Cada trabalhador coloca milhares de pintos por hora nas caixas. Cada caixa tem cem aves. Tinha gente que não agüentava e desmaiava, pois muitas vezes se varava a noite. Começava às duas da tarde e largava por volta da meia noite. Muitas vezes passava do horário, pois eram 130 mil pintos e apenas quatro pessoas para sexar. Se alguém faltava era pior, o trabalho acumulava para ser dividido entre quem se encontrava. O ritmo aumentava ainda mais, insuportável”. Hoje tem tendinite e cinco hérnias de disco por causa do trabalho repetitivo e extenuante e está incapacitada permanentemente para qualquer trabalho. No escravismo o sistema matava de tanto trabalhar, hoje, no capitalismo o sistema apenas deixa a pessoa aleijada. O que mudou? O sistema capitalista é o que o Paulo Maluf disse sobre o estupro seguido de assassinato: “Estupra, mas não mata”. O capitalismo é isto: estupra, mas não mata, normalmente, pois quando se sente ameaçado mata sem pestanejar, depois de estuprar.
O próprio Bartolomeu de las Casas para defender e salvar os povos originários das Américas da escravidão e da extinção defendia como opção a escravidão dos povos africanos. Era a opção desesperada a ser tomada entre dois massacres, ele escolheu para legitimar ou contrapor o menor em números, se é que dá para falar assim. É o dilema que nos fala o livro “A escolha de Sofia” escrito por William Styron, onde a Sofia escolhe a filha para ir ao crematório nazista para salvar o filho que é morto do mesmo depois. É o próprio trabalhador que se sente culpado pelo seu desemprego, pela sua pobreza e pela sua invalidez permanente. O capitalismo mata e culpa o trabalhador de sua própria morte.
Nós hoje ainda estamos dentro da mesma teologia da Conquista da salvação individual desvinculada do processo coletivo da construção do Reino de Deus como nova sociedade proposta por Jesus frente à sociedade opressora vigente, pois o Reino de Deus já começou (e vai se completar plenamente apenas no dia da volta de Cristo no dia do Juízo Final) e por isso a pessoa salva por graça e fé em nosso Senhor Jesus Cristo se insere automaticamente no processo coletivo da construção do Reino de Deus acolhendo as vítimas do sistema como nova prática desta nova sociedade que Jesus chama de Reino de Deus (Mt 25.31-46). Enquanto nós não nos desfazermos desta teologia da salvação individual dentro do processo de opressão sem pô-lo em cheque estaremos trabalhando contra o Reino de Deus. Jesus pela sua prática teológica pôs em cheque o sistema de dominação deste mundo (é o que nos relatam Lc 23.2,5; Jo 11.47-54) e por isso foi crucificado. O resultado do Evangelho do Reino de Deus foi a organização da comunidade primitiva que ensaiou uma forma coletiva de viver a vida, que fracassou por causa da esperança da volta imediata de Cristo, e não construiu um modelo de produção coletivo a partir da coletivização dos meios de produção que fizeram. No entanto, a igreja primitiva foi construída pelos fracos: escravos, estrangeiros, mulheres, sem terra. A comunidade primitiva foi construída pelos que “Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos” (1 Co 4.11-13) e “Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são” (1 Co 1.26-29). Qual a prática da igreja cristã de hoje em reduzir a nada as coisas que são, o capitalismo? Isto parece que não faz parte da teologia da igreja cristã. A igreja cristã não quer reduzir a nada o que é porque foi cooptada pelo que é: o capitalismo. Nisto consiste a sua heresia: em se conformar com este século (Rm 12.2) e se deixar contaminar por este mundo, se deixar moldar pelo projeto do capital (Tg 1.27) praticando a idolatria: adorando Jesus Cristo na forma do deus capital. As cédulas do nosso dinheiro mostram isto na frase: Deus seja louvado. Que Deus? Jesus Cristo ou o capital? Ou o Jesus Cristo transformado e metamorfoseado no deus capital para legitimar a sua proposta de sociedade? Cada deus, dalso ou verdadeiro, tem o seu projeto. A Trindade: Deus Pai, Deus Jesus Cristo e Deus Espírito Santo tem o Reino de Deus como seu projeto e a divindade trinitária: dinheiro, mercadoria e capital, têm o capitalismo como seu projeto. Ou a igreja segue um ou segue ao outro, pois “Não podeis servir a Deus e às riquezas” ao mesmo tempo diz Jesus Cristo em Mt 6.24. No entanto, a igreja cristã faz o impossível ser possível: procura seguir os dois ao mesmo tempo, o que evidentemente não é possível. Desta forma segue apenas e de fato ao deus capital dizendo estar seguindo a Jesus Cristo. Mas, “pelos seus frutos os conhecereis”, Mt 7.20.
A nossa teologia não pressupõe a luta contra o sistema capitalista para construir a organização coletiva de uma nova sociedade a partir da fé em Jesus Cristo. Aí está a nossa heresia. A compreensão da salvação meramente individual sem compromisso de participar da construção coletiva desta nova sociedade não capitalista que é o Reino de Deus, como resposta da salvação que nos foi dada de graça pela fé, é uma heresia teológica. Jesus dizia que pelos seus frutos os conhecereis (Mt 7.16). A prática normal de uma pessoa cristã não pressupõe a luta por uma nova sociedade não capitalista, mas, pelo contrário, tem sido uma prática de cimentar a realidade da opressão capitalista, participando, quando pode, dessa exploração. Capitalismo e Cristianismo tem se tornado sinônimo. Por que? Porque o Evangelho virou Religião. A função da Religião sempre foi a de cimentar a opressão de classe. Salomão construiu o Templo de Jerusalém (1 Rs 5) para salvar o novo modo de produção, o Tributário, diante da proposta ainda presente do modo de produção Tribal que ainda havia dentro das tribos camponesas israelitas. A sociedade construída nas montanhas da Palestina pelos escravos fugidos e camponeses palestinos agregados na caminhada não contemplava um templo, mas apenas uma tenda (Nm 27.1-11) como o Evangelho de Jo 1.14 propõe de novo com Jesus Cristo. Skenoo em Jo 1.14 significa: armou tenda entre nós, armou tabernáculo entre nós, não templo, porque o templo é e sempre foi um instrumento do Estado para legitimar e perpetuar a sociedade de classes. Por isso o Templo de Jerusalém foi construído pelo Estado e por isso Jesus o quis destruir para reconstruí-lo em seu corpo, como o Deus presente no meio de seu povo liberto da opressão em vida e da opressão da própria morte. Deus se fez pessoa em Jesus de Nazaré, na classe camponesa, para desestabilizar o poder opressor da classe que controla a economia e o Estado via prática teológica libertadora, por isso o Templo e o Estado crucificaram-no. O cristianismo virou templo e deixou de ser tabernáculo, que era o espaço do poder popular cidadão da fé, da luta pelos direitos, pela terra (Nm 27.1-11) e contra o Estado (Js 6-8) em direção da construção de uma nova sociedade igualitária, não classista, onde os meios de produção pertencem ao coletivo.
Como vamos enfrentar, como ‘esquerda’ na igreja, este projeto teológico que legitima o sistema dominante?
A teologia é a nossa arma para combater o capitalismo, como sendo o projeto do diabo, que quer impedir a construção desta nova sociedade não capitalista que é o Reino de Deus.
Se a teologia é esta arma então temos que estudar melhor a teologia do ponto de vista da Bíblia que nos mostra um Deus (Dt 6.21-23; Êx 3) que a partir da luta de classes (que é o motor da história) organiza a classe oprimida, contra o sistema opressivo viabilizado pelas forças organizadas no Estado, e a leva para fora da opressão para a construção, sob a orientação de Javé, de uma nova sociedade não classista nas montanhas da Palestina.
A igreja reproduz o capitalismo pela individualização: cada um por si – isolado – pela prática econômica, pela compreensão da fé da salvação individual e conversão individual desvinculada do processo de luta por transformações que o Reino de Deus requer na sociedade, pela não organização de classe, pelo isolamento social.
Romper o isolacionismo é a proposta do Evangelho que cria coisa nova, a comunidade de fé. Diferente da comunidade étnica como era o conceito do povo de Israel e diferente de como os romanos encaminham sua comunidade dividida em classes sociais excludentes entre si. A comunidade de fé é a nova proposta de como as pessoas batizadas encaminham na prática a construção do Reino de Deus. O que reúne a comunidade é a fé em Jesus Cristo e não a classe social como era a prática dos grupos sociais no império romano. Apesar de que a maioria dos participantes desta nova comunidade era das classes excluídas: escravos, plebe e não cidadãos. A comunidade cristã é co-participante da construção do Reino de Deus junto com o movimento popular, movimento popular específico (negros, mulheres e povos originários), sindical e partidos políticos legítimos e autênticos, pela sua prática de luta, da classe trabalhadora. Este é um conceito ainda não assimilado pela igreja, porque é um conceito que rompe com o isolacionismo criado pela salvação individual e que mostra as rachaduras de nossa sociedade que devem ser enfrentados pela igreja. Este conceito não é aceito porque propõe uma aliança entre as vítimas do sistema capitalista na luta contra o sistema em direção à proposta do Reino de Deus. Este conceito mostra que vivemos numa sociedade classista e desigual que não fecha com as propostas do Evangelho. Este conceito nos obriga a romper com o capitalismo e com isto se evidencia as rachaduras dentro da própria igreja que é perpassada pela luta de classes, coisa não admitida pela própria estrutura da igreja. A ideologia eclesial sempre nos mostrou que na igreja somos todos iguais, algo totalmente irreal, pois os ‘mais iguais’ é que tem o poder de mando na igreja. A igreja sempre foi usada para negar a sociedade de classes em que vivemos e a luta de classes que há na sociedade para impedir que a classe oprimida assuma a direção da sociedade e da própria igreja. A igreja sempre foi um instrumento usado pela burguesia para impedir a revolução na sociedade para que se possa acabar com a sociedade dividida em classes sociais antagônicas e com interesses irreconciliáveis. Por isso a igreja não pode admitir que há luta de classes e classes sociais em permanente confronto. O máximo que a igreja admite é que haja ricos, remediados e pobres porque isto aparece na Bíblia. Agora como os ricos ficam ricos e como os pobres são tornados pobres isto não se explica. Sabemos que isto não é nenhum mistério. Basta estudar como funciona o capitalismo e se descobrirá isto. Estudar na comunidade cristã como funciona o capitalismo e a luta de classes na sociedade? Você está louco, isto não se faz! Por que não se faz? Porque a igreja é um instrumento usado pela classe economicamente dominante, que também controla o aparato do Estado, para perpetuar o capitalismo. Essa história do Reino de Deus ser uma nova sociedade sem classes sociais e não capitalista é no mínimo perigoso, para não dizer: subversivo. O rompimento do Evangelho com a cultura judaico-romana é via comunidade multicultural. A posição de Pedro diz que para ser cristão a pessoa tem que ser judia primeiro choca com a posição de Paulo que entendeu o Evangelho dizendo que pelo batismo se passa direto para ser cristão, não precisando passar pela fé e cultura judaica. Cristo liberta da Lei, pois a salvação é de graça pela fé em Jesus Cristo que empurra para a luta e para a resistência contra o sistema opressor vigente, como diz Paulo em 1 Ts 2.2; 2 Co 11.23-28, o que traz perseguição como diz em 2 Tm 3.12: "Ora todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos", conferir 2 Tm 3.10-13. A piedade evangélica é revolucionária em sua essência e não contra-revolucionária, alienante e conformadora com este século como tem sido a prática da igreja. A igreja para lutar contra o capitalismo tem que se autodestruir para nascer de novo num novo formato que opta pela classe oprimida como Javé o fez no AT e NT. É o que diz em João 12.24: “Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto”. Isto sempre foi interpretado como ação do indivíduo e nunca compreendido como ação estrutural. O indivíduo, dentro do conceito de salvação individual, pode mudar, a igreja não, isto seria um novo conceito de salvação que passa pela luta coletiva em direção ao Reino de Deus. Este conceito é muito perigoso porque pressupõe a mudança de toda sociedade. Isto é revolução e revolução não pode. Como não pode? Ressurreição do corpo não é revolução da morte em vida? Revolução é violência. A atual situação no capitalismo não é violência? A violência da luta de classes? A revolução do Reino de Deus se faz exatamente para acabar com a violência exercida de uma classe sobre a outra, da luta de classes, para que haja paz numa sociedade sem classes em constante confronto. A proposta do Reino de Deus quer exatamente acabar com a violência da luta de classes e isto só acontece quando não há mais classes sociais. Uma sociedade sem classes sociais é a comunidade de Jesus Cristo em sua essência, baseada na partilha, na comunhão, no amor e onde Deus dá a orientação para toda a sociedade e não o capital, como é hoje. Onde Javé é Deus sobre toda a sociedade e determina a vida de toda a sociedade. Aí nós voltamos ao problema principal que é o primeiro mandamento: adorar a Javé ou o capital. O que nós queremos é adorar o bezerro de ouro como se fosse Javé, prevalecendo a teologia do bezerro de ouro, é claro. A igreja quer fazer o que não dá para fazer: viabilizar o projeto de Javé e o projeto do capital ao mesmo tempo. Sabemos que isto não dá para fazer. Quando falo em igreja digo que são as pessoas das comunidades. Se esta igreja não morrer não tem jeito. Nós teremos que morrer junto com esta igreja para que haja uma nova igreja: a verdadeira Igreja de Jesus Cristo, una e ecumênica que tem como base a teologia da cruz. Pois o diabo, encarnado no capitalismo, não vai deixar barato!
Dilma na Justiça Militar. A foto foi tirada em novembro de 1970, quando a hoje presidente da República tinha 22 anos. Após 22 dias de tortura, ela respondia a um interrogatório na sede da Auditoria Militar do Rio de Janeiro. Ao fundo, os oficiais que a interrogavam sobre sua participação na luta armada escondem o rosto com a mão. O diabo não gosta de mostrar a cara. Quando falo que o diabo não vai deixar barato falo disto: Repressão pura e simples contra os que crêem em Jesus Cristo. A igreja que vai morrer vai ressurgir assim: no banco dos réus do sistema deste mundo acusada de subversão e de alta traição. É o que Jesus Cristo diz em Lc 9.23: “Dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me”.
O cristianismo rompe com a velha sociedade (pois cria a nova criatura segundo diz Paulo em 2 Co 5.17) criando a nova sociedade onde se socializa os meios de produção, na época apenas para o consumo (At 2 e 4) por causa da esperança da volta imediata de Cristo, e socializa a dor e se procura acabar com a miséria via prática diacônica.
Eusébio escreve sobre a prática diaconal da comunidade cristã durante a grande peste no tempo do imperador Maximinus Daza:
“Eles se revelavam aos pagãos em plena luz do dia; pois os cristãos eram os únicos que em meio a tão grande sofrimento mostravam o seu sentimento e seu amor às pessoas através de seus atos. Alguns trabalhavam dia após dia com o cuidado e com o enterro dos cadáveres (havia inúmeros pelos quais ninguém mais se importava), outros reuniam pela cidade afora os que estavam sofrendo por causa da fome num lugar só e distribuíam entre todos pão. Quando isto foi divulgado, se glorificava o Deus dos cristãos e reconheciam que somente estes eram os verdadeiros religiosos e piedosos porque eles mostraram isto pelos seus atos.”
O cristianismo dá a cidadania aos não cidadãos, como diz Paulo em Ef 2.19: “Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus”. A fé cristã rompe com este século classista e cria uma sociedade sem classes: a eklesia, que reúne escravos, sem terra, mulheres e estrangeiros. E Paulo mostra que quando esta sociedade sem classes é rompida começam os problemas como nos conta 1 Co 11.17-21: “Nisto, porém, que vos prescrevo, não vos louvo, porquanto vos ajuntais não para melhor, e sim para pior. Porque, antes de tudo, estou informado haver divisões entre vós quando vos reunis na igreja; e eu, em parte, o creio. Porque até mesmo importa que haja partidos entre vós, para que também os aprovados se tornem conhecidos em vosso meio. Quando, pois, vos reunis no mesmo lugar, não é a ceia do Senhor que comeis. Porque, ao comerdes, cada um toma, antecipadamente, a sua própria ceia; e há quem tenha fome, ao passo que há também quem se embriague.” Quando os escravos chegavam para a Ceia do Senhor os livres já haviam comido tudo e estavam de porre.
A fé cristã rompe o isolacionismo judaico (somente nós somos o povo de Deus e por isso somente nós seremos salvos – Mt 15.21-28) para construir o internacionalismo multicultural (Gn 11; Gl 3.28: Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.) pela fé em Jesus Cristo. O Evangelho do Reino de Deus rompe com o isolacionismo – individualismo – para a proposta do coletivo, do comunitário. O batismo integra nova proposta de convivência e de desobediência civil em não adorar o Estado como deus - César não é deus! O Estado legitimador da opressão não é deus!
A igreja hoje rompe com o Evangelho quando prega a salvação individual isolado da proposta do coletivo, desvinculado da mensagem central de Jesus: o Reino de Deus que aponta para a construção coletiva da nova sociedade, hoje, não capitalista. Fé sem obras é morta diz em Tiago 2.26. Que obras? A construção do coletivo a partir do acolhimento das vítimas do sistema, como diz Mt 25 e em Tg 1.27 a comunidade é construída a partir da prática do acolhimento das viúvas e órfãos e junto a isso a não contaminação do mundo romano escravista classista. Paulo diz isto também em 1 Co 1.27-28: “Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são”.
A proposta da igreja é a construção da comunidade, do coletivo, mas prega a salvação individual e com isto descontrói seu discurso e a comunidade virou apenas uma Associação Cultural e Recreativa com fins Religiosos. O veneno da pregação da salvação individual corrói e destrói a proposta da construção da comunidade de Jesus Cristo para um individualismo como prática de fé. A mentalidade capitalista não permite a construção da comunidade cristã que aponta para o novo que é o Reino de Deus que rompe com o capital. Predominando o capital se esvazia o Evangelho do Reino de Deus. A prática da contaminação pelo mundo, do qual nos alerta Tg 1.27, neutraliza a proposta do Evangelho. A igreja se torna o elemento contra-revolucionário do Reino de Deus, pois reforça o capitalismo pela pregação da salvação individual desvinculada de uma prática revolucionária (Mc 1.15 – arrependei-vos e crede no evangelho). A igreja prega Jesus e não prega a pregação deste: o Reino de Deus, e com isto desmonta a proposta de Jesus Cristo. O sistema dominante neste mundo é muito sábio em anular qualquer contraproposta.
Jesus Cristo pregou o Evangelho do Reino de Deus e nós pregamos apenas a Jesus Cristo e com isto desmontamos a pregação de Jesus Cristo do Reino de Deus que é revolucionária. A essência do Evangelho do Reino de Deus é revolucionária porque propõe uma nova sociedade, hoje, não capitalista. A pregação apenas de que Jesus Cristo é Deus esquecendo de sua pregação central sobre o Reino de Deus brota da luta contra os deuses pagãos em Roma, na Europa e na América. Se firma o Deus Jesus Cristo frente os deuses romanos, germanos, celtas e indígenas: astecas, incas, guaranis, e se esquece de falar da pregação central de Jesus Cristo que é o Reino de Deus que propõe uma nova sociedade construída em cima do coletivo, a comunidade cristã essencialmente revolucionária, que se contrapõe ao sistema vigente, independente da época.
Para a igreja sobrou a proposta da comunidade, mas esvaziada da proposta revolucionária, do coletivo do Reino de Deus que propõe uma nova sociedade não capitalista. A construção original de comunidade é revolucionária frente a proposta greco-romana classista e escravista. A comunidade cristã rompe com a sociedade de classes, pois na comunidade não tem classes sociais, são iguais, pois todos e todas são irmãos e irmãs na fé. Onde há irmãos não há classes sociais, pois na comunidade todos são tornados iguais pelo batismo e pela fé em Jesus Cristo. A comunidade cristã constrói uma nova sociedade igualitária frente a sociedade classista escravista romana.
Os cristãos primitivos promoviam o resgate de presos e escravos que são comprados para serem libertados. Um relato do ano 100 feito por Clemente romano diz: “Conhecemos muitos dentre nós que se entregam às cadeias (da escravidão) para libertar outros. Não poucos se entregam como escravos e, com o preço da venda, dão alimento a outros”. Parece que isto não foram ações de comunidades, mas de ações individuais de pessoas. É uma luta contra a escravidão se tornando escravo por puro amor. É dando a sua vida para libertar o outro.
Tertuliano diz: “A preocupação pelos desamparados, que nós praticamos, nossa atividade de amor, se transformou em uma característica para nós entre nossos oponentes”. O imperador Juliano quer corrigir a política do seu antecessor Constantino, protetor do cristianismo, recomenda que as autoridades locais criem centros de assistência social e hospedagem como um dique contra a avassaladora penetração do cristianismo em meios populares.
O bispo Dionisius escreve sobre o período da peste em Alexandria em 259 d.C.: “A maioria de nossos irmãos não poupavam, por grande amor ao próximo, a sua própria pessoa e permaneciam unidos e firmes. Sem medo visitavam os doentes, os serviam com muita dedicação, cuidavam deles por amor à Cristo e morriam alegres com eles. Sim, muitos morriam após terem curado os outros e terem transplantado a sua morte para si mesmo. Desta forma morreram os mais nobres de nossos irmãos, alguns presbíteros, diáconos e leigos muito considerados. Entre os pagãos acontecia exatamente o contrário. Eles expulsavam de si os que começavam a ficar doentes, fugiam do caminho mais caro e atiravam os moribundos na rua e deixavam os mortos sem enterro.” O cristianismo cresce pela propaganda dos beneficiados e não pelo trabalho dos bispos ou presbíteros; a propaganda de boca em boca pelos beneficiados é que propaga a fé cristã.
Hoje a comunidade cristã está inserida no sistema do capital pela pregação da salvação individual desvinculada da proposta da participação na construção, a partir da fé em Jesus Cristo, desta nova sociedade não capitalista que é o Reino de Deus. Pior ainda é a teologia da prosperidade que abertamente legitima o capital pela promessa do enriquecimento. Lembrando que Jesus não fala muito bem do enriquecimento, segundo Mt 19.
Temos que destruir esta teologia oficial da igreja cristã da salvação individual numa comunidade que não quer a revolução do Reino de Deus, que parte do arrependimento e da fé no evangelho, conforme Mc 1.15. Temos que destruir a estrutura das comunidades atuais que não são revolucionárias do Reino de Deus. Vivemos numa comunidade que não vive e não prega a pregação de Jesus Cristo: o Reino de Deus. Destruímos a essência do Evangelho de Jesus Cristo que é o Reino de Deus que é uma nova sociedade não capitalista que a comunidade oficial da igreja não admite sob hipótese alguma. Jesus Cristo foi crucificado por causa de sua vivência e de sua pregação do Evangelho do Reino de Deus, pois ameaçava a sociedade vigente como nos fala Jo 11.47-48: “Então, os principais sacerdotes e os fariseus convocaram o Sinédrio; e disseram: Que estamos fazendo, uma vez que este homem opera muitos sinais? Se o deixarmos assim, todos crerão nele; depois, virão os romanos e tomarão não só o nosso lugar, mas a própria nação”.
Quem pregar o Reino de Deus como uma proposta de nova sociedade não capitalista é expulso da comunidade, pois não se permite a pregação da essência do Evangelho: o Reino de Deus, mas apenas o Jesus desencarnado e legitimador do mundo que ele veio para mudar pela construção coletiva do Reino de Deus, que é uma sociedade coletiva, igualitária, portanto não classista, e automaticamente sem Estado, pois o Estado é um instrumento da sociedade classista para reprimir e explorar a classe subalterna, hoje, a classe trabalhadora. Por isso as propostas conciliares da IECLB dos anos 80 não foram implementadas, pois a função da teologia oficial é legitimar e reproduzir a ideologia do capital; mesmo sendo estas propostas teologia oficial, esta é a contradição. Por serem perigosas e ameaçadoras ao capital não foram encaminhadas e nem implementadas pela direção da igreja. Só para lembrar de parte da mensagem do Concílio Geral de 1982: “assumir e defender com responsabilidade evangélica as reivindicações dos movimentos sociais, fazendo um trabalho de base com associações de bairros, atingidos por barragens, colonos sem terra, bóias-frias, sindicatos, proteção ambiental, além de inúmeras outras formas de atuação onde o amor de Deus quer se tornar vivo e real entre as pessoas”. Isto é ou não é uma ameaça ao capital? Por isso esta proposta de ação missionária deve ser esquecida. Missão para a igreja é apenas aumentar o número de fiéis e não participar junto com o movimento popular, sindical e político partidário da construção do Reino de Deus que propõe uma nova sociedade anticapitalista.
O Evangelho da Cruz de Cristo pressupõe a ruptura. A ressurreição é a ruptura com a opressão do sistema e seu Estado: é desfazer o que o Estado fez. O Estado ordenou a morte e Deus rompeu esta lei de morte e a própria morte com a ressurreição de Jesus Cristo. Por isso Ap 13 fala que a besta (imperador, representante do Estado) recebeu seu poder do dragão: o diabo. João no Apocalipse deixa claro que o Estado opressor é instrumento do diabo, pois legitima o sistema econômico classista. Toda a sociedade de classes é coisa do diabo, portanto o capitalismo é instrumento do diabo para tentar impedir a construção do Reino de Deus. Quando Mc 1.15 diz: arrependei-vos – isto quer dizer ruptura com a prática de vida do sistema no qual se vive e - crer no evangelho - é a nova orientação prática de vida construída a partir da ruptura exigida pelo Evangelho. Crer no Evangelho é não crer mais na teologia do Templo de Jerusalém e nem na teologia dos deuses romanos. Crer no Evangelho é ruptura teológica que produz uma nova prática teológica que por sua vez produz uma nova prática social, pois a função da teologia não é apenas explicar Deus, mas é apontar para a participação na construção desta nova sociedade que Deus quer que seja construída, que Jesus Cristo chama de Reino de Deus. “E o Verbo se fez carne”, quer dizer que Deus se fez ação dentro da luta de classes que havia na sociedade palestina optando em tomar partido na e a partir da classe camponesa. Deus não é neutro dentro da luta de classes que há na sociedade. Ele sempre se coloca ao lado e a favor da classe oprimida para organizá-la a acabar com a sociedade de classes. A burguesia na igreja sempre prega a neutralidade necessária da igreja para que ela não opte em se colocar contra a burguesia. E em se dizendo neutra ela deixa de ser neutra, pois não defende os fracos e oprimidos pelo capital.
O Reino de Deus está próximo diz Mc 1.15 que pressupõe esta Metodologia:
Prática – arrependei-vos da velha prática do mundo
Teoria – crede no evangelho e não no Templo e nos deuses romanos e no Estado divinizado
Prática – produz a nova criatura com uma nova prática, a do Reino de Deus, que é a nova sociedade sem classes e igualitária onde os meios de produção não são mais propriedade privada, mas são colocados à serviço do coletivo (At 2 e 4).
Teologia da Prosperidade e Teologia da Salvação Individual não pressupõe ruptura com o sistema deste mundo, no máximo produz a ruptura da ética individual: deixo de beber e de ir na zona.
Ressurreição é ruptura com a determinação legal do sistema repressivo do Estado que legitima o sistema econômico. Fé que traz salvação tem que ter ruptura – prática de ruptura com o sistema vigente para construir um novo sistema que Jesus chama de reino de Deus que constrói a sociedade sem classes, igualitária e sem Estado.
A igreja oficial não requer e nem prega a fé que pressupõe a ruptura com o sistema econômico e seu sistema político-ideológico/teológico de dominação como nos mostra o Êxodo: sai da situação de opressão e constrói uma nova sociedade sem classes, sem estado e sem templo nas montanhas da Palestina. A ressurreição é ruptura por excelência com o sistema que produz a morte e com a própria morte (1 Co 15.19-28) e produz uma nova prática social e eclesial: a comunidade cristã, onde todos são irmãos que praticam a diaconia (Tg 1.27), esta é a nova criatura (2 Co 5.17) que brota da fé. Tg 1.27 diz que a diaconia está junto com a ruptura de não se contaminar com o sistema do mundo. Não basta apenas praticar diaconia, mas ela precisa ser feita porque o mundo constrói as vítimas que a diaconia acolhe e por isso este mundo tem que ser mudado. Este não poderá ser mudado se nos deixarmos moldar por ele, nos deixando contaminar pela sua proposta de vida que diminui a vida. A diaconia tem que cortar o mal pela raiz: mudar o mundo e sua dinâmica que produz as vítimas que a comunidade acolhe. Se deixar moldar pelo mundo é ajudar a produzir as vítimas que a comunidade acolhe pela sua prática diacônica. Salvação por graça e fé requer e leva à oposição automática ao sistema deste mundo porque nós propomos o Reino de Deus como opção frente ao reino do mundo, pois a salvação provém da proposta do Reino de Deus e não do reino do mundo. A fé em Jesus Cristo salva, o capitalismo não salva. No entanto, a comunidade vive como se o capitalismo salvasse.
A prática eclesial hoje é de conformação com este século que é exatamente o oposto da proposta do Evangelho do Reino de Deus. O máximo que a igreja permite é a ruptura da prática ética-cultural e individual. “Eu me converti” (que é heresia, pois é o Evangelho que me converte. A conversão vem de fora de mim, como também a salvação. Se eu me converto então isto é obra minha e não preciso mais de Jesus para obter minha salvação.) e deixei de beber, de fumar e de ir na zona, mas continuo a reproduzir ou a legitimar a prática espoliativa econômica do capitalismo. Isto é incoerência. Pela minha conversão individual desvinculado de qualquer compromisso de luta coletiva contra o sistema do mundo sou recompensado pela minha compreensão de fé e conversão com o enriquecimento individual. É uma conversão moral e ética sem moral e sem ética porque o capitalismo não tem ética. A ética do capitalismo é não ter ética, pois a essência do capitalismo está na exploração e depredação da mão de obra e da natureza.
A prática de conformação com este século presente na comunidade é: apoiar a construção das grandes barragens que dão lucro ao capital à custa dos camponeses que são expulsos de suas terras; a comunidade cristã não apóia a Reforma Agrária; a comunidade não apóia o movimento popular que se propõe o que o Reino de Deus propõe: construir uma nova sociedade não capitalista, sem classes sociais, igualitária e sem Estado, pois o Estado pressupõe a existência de classes sociais antagônicas; a comunidade normalmente não abre seu espaço físico para o movimento popular se reunir para estudar e se organizar; a comunidade aceita ou pede dinheiro do Estado para construir ou reformar seus prédios e com isto é cooptado por este século; a comunidade apóia o capitalismo na sua essência e não admite a crítica e prática contra o sistema.
Temos que nos encontrar para discutir tudo isto e muito mais como ‘esquerda’ na igreja.
Por isso proponho um encontro de dois dias em 2012 ou 2013 que reunirá quem se considera de ‘esquerda’ na IECLB e quer participar da construção de um novo projeto de igreja na IECLB.
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