(Uma resposta ao comentário e à
convicção do pastor Ademir Kreutzfeld ao cartão de Natal da PPL que cita uma
frase de Che Guevara: "Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas,
mas jamais conseguirão deter a primavera". Aquele pastor comenta: "Ahh...
mas el Che conseguimos eliminar!!!!" Por esta forma de se expressar ele se
considera, com muito orgulho, co-autor do assassinato do Che; ou ao menos
co-autor da idéia de que é preciso eliminar com balas de fuzil a todos que
difundem a idéia de que é possível construir uma nova sociedade de irmãos e de
irmãs e de que é possível construir
"o novo homem e a nova mulher", que segundo a expressão do
apóstolo Paulo, a "nova criatura" (que é construída pelo próprio
Deus), segundo 2 Co 5.17: "E, assim, se alguém está em Cristo, é nova
criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas".)
Lc 2.10-11: "O anjo, porém, lhes disse: Não
temais; eis aqui vos trago boa-nova de grande alegria, que o será para todo o
povo: é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo,
o Senhor".
Não temais. Eis a boa nova de Natal: Não temais!
De que temos medo na Igreja (que se chama de Jesus Cristo)?
Temos medo desta nova sociedade de irmãos e de irmãs que Jesus Cristo chama de
Reino de Deus. Temos medo da simples idéia de que esta nova sociedade, que
Jesus Cristo chama de Reino de Deus, seja possível. Temos medo de todas as
pessoas que anunciam que é possível participar sob o convite de Deus desta nova
sociedade de irmãos e de irmãs, que Jesus Cristo chama de Reino de Deus. Temos
mais medo ainda daqueles que não apenas anunciam a possibilidade de se poder
construir uma nova sociedade sem classes sociais, mas que já põe em prática
estas idéias que provém da pregação de Jesus Cristo e que ele chama de Reino de
Deus. Sinais bem concretos desta nova sociedade põem a direita em polvorosa e
por isso a Reforma Agrária foi congelada e qualquer tentativa de construir um
novo modelo de se viver na Amazônia é revidado com alguns assassinatos de
lideranças para intimidar os demais. A direita continua crendo que as idéias e
as novas práticas igualitárias se pode matar com balas de fuzil.
Por causa do medo de que esta idéia de uma nova sociedade de
irmãos e de irmãs é possível o Sinédrio, o sumo sacerdote e o governador romano
Pôncio Pilatos crucificaram Jesus Cristo. Esta idéia de que um outro mundo é
possível (aquele proposto por Jesus Cristo que ele chama de Reino de Deus onde
não há classes sociais, portanto não há propriedade privada dos meios de
produção e por isso não há exploração de uma pessoa sobre a outra pessoa), além
do mundo proposto pela direita que é classista e explorador baseado na
propriedade privada dos meios de produção, assusta ainda hoje a direita na e
fora da Igreja. O medo desta idéia de que é possível construir uma sociedade de
irmãos e de irmãs fez com que os exploradores do povo e seus apoiadores matassem
Jesus Cristo na cruz.
Os exploradores do povo achavam no passado e ainda acham
hoje que é possível matar esta idéia. Esta idéia de uma nova sociedade de
irmãos e de irmãs onde não há propriedade privada dos meios de produção e por
isso mesmo não há classes sociais e nem exploração de uma pessoa ou de uma
classe sobre a outra é algo inimaginavelmente amedrontador para os exploradores
do povo e seus aliados. Por isso ainda hoje são perseguidas e mortas aquelas
pessoas que ousam afirmar que não tem medo de anunciar que é possível de se construir
esta nova sociedade igualitária ou, pior, tem a coragem de começar este processo
de construir esta nova sociedade já agora com sinais bem concretos e reais
dentro e fora da Igreja. Ainda hoje a direita na e fora da Igreja é de opinião
que se deve matar com balas de fuzil todas as pessoas que são partidárias desta
idéia de que um outro mundo é possível, um mundo de irmãos e de irmãs, um mundo
sem classes sociais antagônicas e em permanente luta construído em cima da
propriedade privada dos meios de produção que viabiliza a exploração de uma
pessoa sobre a outra. Esquecem, no entanto, que idéias não se podem matar com
balas de fuzil.
O Anás, o Caifás e o Pôncio Pilatos e toda a corja de puxa
sacos dos exploradores, de ontem e de hoje, achavam que crucificando a Jesus
Cristo eles eliminariam com isto também suas idéias de que o Reino de Deus é
possível. Enganaram-se. Esta idéia de uma nova sociedade de irmãos e de irmãs,
que Jesus Cristo chama de Reino de Deus, que Che Guevara chama de comunismo,
que os povos andinos chamam de Sumak Kawsay, que os povos africanos chamam de
ubuntu e o povo guarani chama de Terra sem Males, é possível. Jesus Cristo
chega a dizer que esta nova sociedade já está no meio de nós (Lc 17.21), de tão
possível que ela é. Já há muitas experiências desta nova sociedade nos dias de
hoje, também na Igreja. Infelizmente muitos na Igreja, que se chama segundo o
nome de Jesus Cristo que foi enviado para construir este Reino de Deus (Lc
4.43), esta nova sociedade de irmãos e de irmãs, se apavoram com a simples
idéia de que isto seja possível e apóiam a idéia de que se deva matar com balas
de fuzil todas as pessoas que difundem esta idéia de que esta nova sociedade de
irmãos e de irmãs é possível.
O Hitler, o Stalin, o Mao, o Pol Pot, o Kennedy, o Emílio
Garrastazu Médici, o Videla, o Pinochet e tantos outros mandaram matar com
balas de fuzil a milhares de pessoas que criam que é possível construir esta
nova sociedade de irmãos e de irmãs cuja base não é a propriedade privada dos
meios de produção (At 2 e 4) que viabiliza a exploração de uma classe sobra a
outra. A estes se juntam milhares de pessoas que se dizem cristãs e que apóiam
a idéia de assassinar com balas de fuzil a todas as pessoas que crêem na
possibilidade de se construir a partir da fé em Jesus Cristo (ou não) uma nova
sociedade de irmãos e de irmãs, que não permite a exploração de uma pessoa
sobre a outra, uma sociedade sem classes sociais.
A história já demonstrou, e o Cristo ressurreto e a sua
Igreja são prova disto, que não se pode matar esta idéia da construção de uma
nova sociedade de irmãos e de irmãs que Jesus Cristo chama de Reino de Deus e
que outras pessoas chamam por outro nome. Chamemos como a queiramos chamar,
esta nova sociedade de irmãos e de irmãs que é possível, e não serão balas de
fuzil que matarão esta idéia e esta possibilidade.
O Império Romano matou cerca de cem mil cristãos que diziam
que esta nova sociedade de irmãos e de irmãs é possível e a estavam construindo
na prática da vida diária. A Igreja Cristã, por sua vez, mais tarde, matou
centenas de vezes mais cristãos que o Império Romano, em nome de Jesus Cristo,
que diziam que esta nova sociedade de irmãos e de irmãs é possível. Ainda hoje
a grande maioria de cristãos treme estupefata diante desta idéia de que é
possível construir uma nova sociedade de irmãos e de irmãs que não se baseia na
propriedade privada dos meios de produção que possibilita a exploração de uma
classe sobre a outra e por isso apóiam o assassinato de todos que apóiam esta
idéia de que o Reino de Deus é possível, mesmo que alguns o denominam por outro
nome.
Centenas de Golpes de Estado foram financiados pelos USA e
seus apoiadores no século XX para impedir a divulgação desta idéia de que um
outro mundo é possível. Milhares de pessoas foram perseguidas, presas,
torturadas e assassinadas por estas ditaduras civis e militares porque criam
nesta idéia de que é possível construir uma nova sociedade de irmãos e de
irmãs. Estas milhares de pessoas perseguidas, presas, torturadas e assassinadas
o foram com o apoio de grande parte da Igreja Cristã e de pessoas como a do
pastor Ademir Kreutzfeld. Lembro do caso do pai do atual ministro da saúde que
foi denunciado pelo pastor de sua comunidade como subversivo e foi preso e
torturado barbaramente nos porões da ditadura civil-militar brasileira e teve
que viver vários anos no exílio. Lembro da Igreja Luterana da Alemanha que se
dividiu porque uma parte apoiava o nazismo; lembro da Igreja Luterana do Chile
que se dividiu porque uma parte apoiava a ditadura do Pinochet e no tempo da
ditadura civil-militar brasileira a Igreja Cristã não se portou diferente em
que boa parte apoiou, em nome de Jesus Cristo, o sistema repressivo montado à
serviço do imperialismo dos USA. São exemplos de como se tenta matar com balas
de fuzil a idéia de que o Reino de Deus é possível.
Quando da ditadura civil-militar brasileira quem foram as
pessoas mais perseguidas? As que tinham idéias próprias: intelectuais,
professores, escritores, políticos, comunistas, sindicalistas, religiosos,
músicos, artistas. Quais eram os mais perigosos para o regime ditatorial? Os
comunistas? Não. Não? Não. Pelo número de mortos vemos isto: os de esquerda
foram 457 mortos pela tortura ou execução extrajudicial (que é uma palavra mais
bonita para assassinato a sangue frio), 370 foram camponeses mortos pela
repressão ou pelo latifúndio armado pela ditadura, mas os mais perigosos foram
os indígenas, 5 mil mortos. Por que os indígenas são os mais perigosos? Porque
eles não apenas pensam diferentes, mas fazem algo pior ainda, eles vivem
diferente e não se enquadram na sociedade de consumo capitalista e por isso tem
que ser extintos e o pior que isto tudo é que eles não tem propriedade privada
dos meios de produção, esta, a terra, é de posse do coletivo e isto é uma coisa
simplesmente insuportável para qualquer capitalista; além de não trabalhar para
o mercado de consumo (índio é preguiçoso e não trabalha, dizem os capitalistas)
e nem se enquadrar no mercado de consumo (apesar que muitos já foram
enquadrados no sistema). Este processo continua ainda hoje sob a ditadura do
capital como nos conta o Paulo Maldos, na Revista Carta Capital de 20 dezembro
de 2012, ele é secretário Nacional de Articulação Social da Secretaria-Geral da
Presidência e atua, no momento, na luta pela terra do povo xavante:
"Outro é o núcleo que tem os 22 grandes invasores, que
operam na política. Esses acionam prefeitos da região, políticos, a bancada do
Mato Grosso, o governador. Agem para pressionar o governo federal, o Supremo
Tribunal Federal, junto ao presidente da Câmara dos Deputados, ao Senado, e
ministros aqui em Brasília. É uma história de como o latifúndio opera. Ele atua
na cabeça dos três poderes, estabelecendo a tensão, contando a sua versão das
coisas. Exigindo respeito à propriedade, mas contando muita mentira. E a mídia
é um grande instrumento deles de contar a sua versão das coisas: que viveriam
sete mil pessoas lá, que haveriam duas mil cabeças de gado, que tem título de
propriedade. A capacidade de manipulação é fantástica. É um absurdo o quanto de
mentiras existe nesse processo. A capacidade de faltar com a verdade veiculando
uma situação absolutamente fantasiosa sobre o que é Marãiwatséde, sobre a
história de Marãiwatséde e a população não índia. Inverdades a respeito da
proporção das coisas: está para nascer o milésimo xavante de Marãiwatséde por
esses dias. Mas através da mídia falavam em 150 índios, e sete mil
não-indígenas. A gente conseguiu encontrar, durante todo esse processo,
notificando gente na estrada, nos botecos, 455 pessoas. Esse número é bem
distante dos sete mil alardeados. Então tem uma operação que eles fazem, no
nível dos três poderes e na mídia, com números totalmente irreais.
A grande questão era evitar que a terra voltasse a ser dos
legítimos donos e ficasse para o mercado. Esse é o pano de fundo dessa disputa:
se é um território reconhecido como indígena, de propriedade da União, com
usufruto exclusivo da comunidade; ou se é uma terra disponibilizada para o
mercado de terras. Essa é a grande queda-de-braço. Só isso explica a virulência
dos operadores políticos, econômicos e sociais, que se jogam contra esse
processo. No caso concreto, os grandes invasores não admitem a terra fora do
mercado. Eles consideram que possuem 7 mil, 9 mil hectares, e raciocinam pelo
preço do mercado de terras no Mato Grosso, como se tivessem 50, 60 milhões de
reais de patrimônio. Essa ocupação foi fruto de uma invasão deliberada, pura e
simples, com a colocação de cercas e de pistoleiros. Eles acham que isso pode
se chamar propriedade.
A gente identificou no Posto da Mata criminosos,
literalmente. Os maiores agitadores ali são ex-presidiários. Com processos de
sequestro, assalto a banco, assalto a mão armada, recém saídos da cadeia em
Cuiabá. São os mais agressivos no Posto da Mata. Por exemplo: quando estávamos
fazendo a notificação, e houve uma tensão no final da notificação, foi o
prefeito de São Félix do Araguaia, chamado Filemon, que foi lá e ficou fazendo
agitação e jogando a população contra os oficiais de Justiça e contra a Forca
Nacional e a Polícia Federal. Filemon é o mesmo que está na origem da invasão,
nas gravações de 1992 incentivando a invasão. O mesmo personagem volta 20 anos
depois incentivando a população contra a notificação. E quem é que ele
incentivou e acabou virando um carro da Força Nacional, quase matou o oficial
que estava dentro do carro? Dos sete que viraram a caminhonete, três foram
identificados: um recém saído da cadeia por sequestro, outro por assalto a
banco, outro por roubo com mão armada. Eles operam em todos os níveis. Por um
lado, sobre tribunais, deputados, senadores, ministros. Por outro lado, na
mídia. E inclusive com criminosos foragidos da justiça – no Posto da Mata tem
muitos foragidos da Justiça."
Esta é a propaganda, num mau português, da campanha dos
fazendeiros na internet.
Isto nos dá uma idéia de como age o sistema capitalista,
especificamente aqui o agronegócio, contra quem tem idéias e práticas de vida
diferentes e opostas ao sistema capitalista. A ordem do sistema é: matar e
exterminar estes subversivos!
Por isso o anúncio dos anjos: "Não temais; eis aqui vos
trago boa-nova de grande alegria, que o será para todo o povo: é que hoje
vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor." é tão
importante: Não precisamos ter medo de anunciar e viver que esta nova sociedade
que Jesus Cristo chama de Reino de Deus é possível. Jesus Cristo nasceu para
nos anunciar isto e não serão balas de fuzil que matarão esta idéia e esta
possibilidade já real em tantos lugares, também na Igreja Cristã, também,
inclusive, contra toda a realidade presente na Igreja que apóia a prática de
matar com balas de fuzil as pessoas que difundem esta idéia de que uma nova
sociedade igualitária e solidária de irmãos e de irmãs é possível, como já o
demonstramos a cada vez que celebramos a Ceia do Senhor.
Recentemente a Polícia Federal teve que tirar de sua humilde
casa o bispo emérito Dom Pedro Casaldáliga para protegê-lo dos assassinos do
agronegócio porque mesmo idoso e alquebrado pela doença de Parkinson é uma ameaça
em potencial ao agronegócio que diz que não existe outra possibilidade de se
organizar a sociedade além do capitalismo predador de seres humanos e da
natureza. Diante deste pensar do agronegócio nós cristão dizemos: Isto é
mentira! Há outra forma de organizar a vida das pessoas e de toda a sociedade
que é a proposta de Jesus Cristo: o Reino de Deus. Como diz o bispo subversivo ameaçado
de morte pelo agronegócio: "O capitalismo é um pecado capital. O
socialismo pode ser uma virtude cardeal: somos irmãos e irmãs, a terra é para
todos e, como repetia Jesus de Nazaré, não se pode servir a dois senhores, e o
outro senhor é precisamente o capital. Quando o capital é neoliberal, de lucro
onímodo, de mercado total, de exclusão de imensas maiorias, então o pecado
capital é abertamente mortal". Os defensores do capitalismo dizem que
todos que defendem idéias diferentes deles e propõe que há a possibilidade de
se organizar a sociedade de forma fraterna sem explorados e exploradores devem
ser mortos por balas de fuzil para que desta forma também se apaguem as suas
idéias. Esquecem os assassinos e seus apoiadores e simpatizantes (muitos deles
inclusive das Igrejas Cristãs, seguindo a tradição da Conquista) que idéias e
nem a esperança de uma nova sociedade não capitalista não se matam com balas de
fuzil, pois a proposta do Reino de Deus que Jesus Cristo nos coloca através dos
Evangelhos é uma proposta não capitalista. O capitalismo não salva, só Jesus
Cristo salva! Se o capitalismo não salva por que tantos cristãos se agarram
tanto à ele? Se o capitalismo não salva então porque tantos cristãos insistem
em manter a sua prática espoliativa e defender suas idéias de segregação de
classe baseada na propriedade privada dos meios de produção? Por que a
ideologia capitalista se sobrepõe ao Evangelho de Jesus Cristo? Será por que
amam mais o mundo do que a Deus? Por que obedecem mais às ordens do mundo, o
capitalismo, que é um dos instrumentos que o diabo usa para tentar impedir a
construção do Reino de Deus? O que dizer diante desta palavra de 1 Jo 2.15: "Não
ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do
Pai não está nele"? Segundo esta palavra de 1 Jo 5.4: "porque todo o
que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a
nossa fé" nossa tarefa como cristãos é combater e vencer o mundo, o
capitalismo. A fé em nosso Senhor Jesus Cristo é o instrumento para combater e
vencer o mundo, o capitalismo, portanto quem não combate o capitalismo, o
mundo, não é de Deus e não o ama.
Os Impérios de Portugal e da Espanha,
no período da Conquista, com a aprovação e bênção da Igreja Cristã Ocidental com
sede em Roma, tentaram matar as idéias e a prática desta sociedade igualitária
não capitalista que havia na África e nas Américas como nos dizem a Bula
Romanus Pontifex, de 8 de janeiro de 1454, concedida pelo papa Nicolau V para o
Império de Portugal para legitimar a escravidão e o saque:
“Não sem grande alegria chegou ao nosso conhecimento que
nosso dileto filho infante d. Henrique, incendido no ardor da fé e zelo da
salvação das almas, se esforça por fazer conhecer e venerar em todo o orbe o
nome gloriosíssimo de Deus, reduzindo à sua fé não só os sarracenos, inimigos
dela, como também quaisquer outros infiéis. Guinéus e negros tomados pela
força, outros legitimamente adquiridos foram trazidos ao reino, o que esperamos
progrida até a conversão do povo ou ao menos de muitos mais. Por isso nós, tudo
pensando com devida ponderação, concedemos ao dito rei Afonso a plena e livre
faculdade, entre outras, de invadir, conquistar, subjugar a quaisquer
sarracenos e pagãos, inimigos de Cristo, suas terras e bens, a todos reduzir à
servidão e tudo praticar em utilidade própria e dos seus descendentes. Tudo
declaramos pertencer de direito in perpetuum aos mesmos d. Afonso e seus
sucessores, e ao infante. Se alguém, indivíduo ou coletividade, infringir essas
determinações, seja excomungado”;
e a Bula Inter Coetera, de 4 de maio de 1493 enviada para o
Império da Espanha continua legitimando o massacre dos povos originários das
Américas em nome de Jesus Cristo:
“... por nossa mera liberalidade, e de ciência certa, e em
razão da plenitude do poder Apostólico, todas ilhas e terras firmes achadas e
por achar, descobertas ou por descobrir, para o Ocidente e o Meio-Dia, fazendo
e construindo uma linha desde o pólo Ártico [...] quer sejam terras firmes e
ilhas encontradas e por encontrar em direção à Índia, ou em direção a qualquer
outra parte, a qual linha diste de qualquer das ilhas que vulgarmente são
chamadas dos Açores e Cabo Verde cem léguas para o Ocidente e o Meio-Dia [...]
A Vós e a vossos herdeiros e sucessores (reis de Castela e Leão) pela
autoridade do Deus onipotente a nós concedida em S. Pedro, assim como do
vicariado de Jesus Cristo, a qual exercemos na terra, para sempre, no teor das
presentes, vô-las doamos, concedemos e entregamos com todos os seus domínios,
cidades, fortalezas, lugares, vilas, direitos, jurisdições e todas as
pertenças. E a vós e aos sobreditos herdeiros e sucessores, vos fazemos,
constituímos e deputamos por senhores das mesmas, com pleno, livre e onímodo
poder, autoridade e jurisdição. [...] sujeitar a vós, por favor da Divina
Clemência, as terras firmes e ilhas sobreditas, e os moradores e habitantes
delas, e reduzi-los à Fé Católica”.
Haja arrogância! O papa (a Igreja) se considera como vigário
de Cristo o dono do planeta Terra e doa partes dela a quem ele quiser com o
direito de assassinar e massacrar quem não o reconhece como tal e "reduzi-los
à Fé Católica". O termo "reduzi-los" foi usado literalmente, no
sentido de exterminá-los porque não se adequavam às idéias dos dominadores -
foram 70 milhões de mortos em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Só para
lembrar aos protestantes que naquela época pertencíamos à esta Igreja Cristã do
Ocidente, portanto somos cúmplices disto tudo.
Em outras palavras: "Morram
todos os que não se sujeitam às dinâmicas do capitalismo selvagem abençoado por
Deus!" O relato de 1552 do Frei Bartolomé de Las Casas mostra como foi a
tentativa de eliminar as idéias e práticas não capitalistas nas Américas que a
Igreja chamava de "evangelização" e de "catequese": "(...)
Os espanhóis entravam nas vilas, burgos e aldeias não poupando nem crianças e
velhos, nem mulheres grávidas e parturientes, e lhes abriam o ventre e faziam
em pedaços (...) sempre matando, incendiando, queimando, torrando índios e
lançando-os aos cães (...) e assassinaram tantas nações que muitos idiomas
chegaram a desaparecer por não haver ficado quem os falasse (...) e no entanto
ali teriam podido viver como num paraíso terrestre, se disso não tivessem sido
indignos..." (O Paraíso Destruído. Frei Bartolomé de Las Casas. L&PM
Editores). O agronegócio escravocrata no Brasil continua nesta linha
assassinando lideranças indígenas, ambientalistas, religiosos, camponeses e sindicalistas
para que a "economia verde" seja da cor e sob o controle do dólar.
O Império Romano já tentou, durante três séculos, matar as
idéias desta nova sociedade que Jesus Cristo chama de Reino de Deus; a própria
Igreja Cristã já o tentou depois do fracasso do Império Romano no passar dos
séculos e ninguém até hoje conseguiu matar a idéia desta nova sociedade
igualitária, sem classes sociais, fraterna, de irmãos e irmãs, onde os meios de
produção estão sob o controle de toda a sociedade. Não será o capitalismo que
irá ter sucesso nesta empreitada assassina de matar a idéia da construção desta
nova sociedade igualitária que é o Reino de Deus, que outros chamam por outros
nomes, sejam qual forem os nomes dados.
Por isso neste Natal anunciamos: "Não temais; eis aqui
vos trago boa-nova de grande alegria, que o será para todo o povo: é que
hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor";
as suas idéias e a prática destas não serão mortas por nenhuma bala de fuzil,
por mais que o capital e a Igreja se esforcem por eliminá-las.
Pastor Günter Adolf Wolff