Diante da realidade sempre temos duas posturas: conformar-se
com ela ou não conformar-se com ela. Paulo diz em Rm 12 que a essência do
Evangelho de Jesus Cristo é não nos conformarmos com a realidade existente em
nosso mundo. Quem não se conforma com a realidade acaba sendo chato porque
sempre tem que repetir a mesma coisa enquanto a realidade não for mudada. O MST
já há 30 anos grita inconformado: Reforma Agrária Já! Reforma Agrária Já!
Reforma Agrária Já! Enquanto a tal da Reforma Agrária não vier o MST continuará
gritando: Reforma Agrária Já! Eu como não sou sem terra tenho outro tema do
qual continuo gritando: Fora o TAM e a Avaliação, abaixo a Reestruturação
Neoliberal da Direita na IECLB! Coisa chata essa de sempre se falar a mesma
coisa!
O modelo de Igreja que questiono é este modelo da pequena
burguesia, o qual também a classe trabalhadora acaba adotando por desconhecer
outro. Se olharmos para a realidade da Igreja como Deus olhou para a realidade
da luta de classes da sociedade tanto no AT como no NT forçosamente teremos que
construir outro modelo de Igreja que vai ao encontro da classe explorada pela
classe capitalista de hoje. Tanto no AT como no NT Deus quis construir outro
projeto de sociedade. No NT a Igreja seria o instrumento para tal tarefa de
construir esta nova sociedade que Jesus Cristo chama de Reino de Deus. A tarefa
primeira da Igreja não é meramente se reproduzir, mas é participar ativamente
na construção desta nova sociedade igualitária e não classista que Jesus Cristo
chama de Reino de Deus. No entanto, na Igreja pouco se fala da construção de
uma nova sociedade, como a requer o Evangelho de Jesus Cristo. Por que não se
fala disto? Porque isto entra frontalmente em choque com o projeto de sociedade
que a pequena burguesia, a serviço da grande burguesia, defende com o apoio da
classe trabalhadora alienada pelo processo do capital. A Igreja acabou sendo um
fim em si, quando é somente um instrumento (um meio) de Deus no processo de
construir esta nova sociedade não capitalista, não classista, igualitária, de
irmãos/ãs que Jesus Cristo chama de Reino de Deus. No processo da construção do
Reino de Deus é inevitável o enfrentamento com o projeto vigente na sociedade,
que Paulo chama de 'este século', hoje o capitalismo. Mas, dentro da Igreja é
totalmente ilusório pensar em pregar nesta perspectiva; quem faz isto não dura
muito tempo na paróquia, pois o/a pastor/a está lá para fortalecer o projeto de
Igreja que não é revolucionário, que é acomodador ao capitalismo. A Estrutura
da Igreja tem a função de garantir que a pregação do Evangelho de Jesus Cristo
seja revolucionária, pois o Reino de Deus é um processo revolucionário. O que a
estrutura faz? Ela não garante isto. Envia a pastorada para pregar o Evangelho
dentro da perspectiva do modelo de Igreja da pequena burguesia que legitima o
capital. Um dos mecanismos da estrutura para garantir este modelo legitimador
do capital está no EMO que se chama TAM e Avaliação.
Jesus Cristo foi chamado de agitador (Lc 23.13 Então,
reunindo Pilatos os principais sacerdotes, as autoridades e o povo,
14 disse-lhes: Apresentastes-me este homem como agitador do povo;) e Paulo
de peste, agitador e promovedor de sedições (At 24.5 Porque, tendo nós
verificado que este homem é uma peste e promove sedições entre os judeus
esparsos por todo o mundo, sendo também o principal agitador da seita dos
nazarenos,) e os cristãos são as ovelhas mais mansas que se conhece e não
questionam o sistema deste mundo que Javé em Jesus Cristo veio mudar radicalmente
a partir de uma opção de classe, tornando-se classe camponesa, para a partir da
perspectiva da classe explorada e oprimida (1 Co 1. 27 Deus escolheu as coisas
loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo
para envergonhar as fortes; 28 e Deus escolheu as coisas humildes do
mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são;)
construir uma sociedade sem classes; assim como Javé o fez no processo
revolucionário do Êxodo na montanhas da Palestina onde os meios de produção (a
terra) fico sob o controle de toda sociedade (das tribos) e não havia Estado,
nem classes sociais e nem templo. A Igreja é este instrumento revolucionário
usado por Deus para destruir a sociedade classista capitalista e construir uma
sociedade sem classes: o Reino de Deus. 1 Jo 5.4-5 diz: "porque todo o que
é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa
fé. Quem é o que vence o mundo, senão aquele que crê ser Jesus o Filho de
Deus?". O mundo é o que exatamente hoje? O capitalismo. Quem crê em Jesus
Cristo vence o mundo real e concreto chamado capitalismo. Assim, a fé em Jesus
Cristo é essencialmente revolucionária e desta forma a Igreja de Jesus Cristo é
revolucionária. A IECLB que se diz Igreja de Jesus Cristo no Brasil é
revolucionária? As comunidades da IECLB se entendem como revolucionárias e tem
uma prática revolucionária? Ali se organizam em seus espaços (igrejas, salas e
pavilhões) a revolução do Reino de Deus a partir da classe trabalhadora
explorada pelo capital num processo de extinguir o capitalismo? Na frente do
altar de nossas igrejas se reúnem os sem terra, os atingidos por barragens, os
sem teto, os trabalhadores sindicalizados, os estudantes, os funcionários
públicos mal remunerados, os favelados, as vítimas dos venenos aplicados na
agricultura, demais trabalhadores explorados e vítimas do capital porque isto
está na constituição de nossa fé em Jesus Cristo que vence o mundo? Se não for
isto, então para que serve a IECLB a não ser para legitimar este mundo que
Jesus Cristo já venceu na Páscoa? Estamos apostando num projeto já derrotado
por Jesus Cristo na Páscoa? Estamos na contramão do próprio Cristo? Jesus diz
em Mt 12.30: "Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta
espalha". Como IECLB estamos ajuntando ou espalhando?
Os documentos teológicos oficiais da IECLB estão bem dentro
da linha revolucionária do Evangelho de Jesus Cristo, mas são apenas
documentos, que a maioria nem conhece, nem pastores/as e muito menos as
comunidades. O nosso problema é a prática comunitária que é controlada pela
pequena burguesia aliada ao capital, com o apoio de trabalhadores alienados;
que vão continuar alienados porque não se permite a pregação pura e reta do
Evangelho na Igreja. Até se permite, mas quem o faz está com a corda no pescoço
e o pé no traseiro e vai para a rua. O TAM e a Avaliação são instrumentos
estruturais para viabilizar este projeto de igreja da pequena burguesia a
serviço do capital, portanto do diabo (porque o capital é um dos instrumentos
que o diabo usa para tentar impedir a construção do Reino de Deus), para
intimidar, amedrontar e ameaçar com o desemprego a pastorada.
A Constituição da IECLB diz que sua base são as comunidades.
Esta base, a comunidade/paróquia, é que determina tudo na Igreja. Foi ela que
determinou a Reestruturação de 1997. Na Reestruturação não se mexeu na base,
comunidade/paróquia, apenas se mexeu no Distrito Eclesiástico, na Região
Eclesiástica e na estrutura da Direção da IECLB. Por que não se mexeu na base:
comunidade/paróquia? Porque ela está conforme os interesses dos setores
conservadores que inventaram a Reestruturação capitalista neoliberal. O
problema de nossa base comunitária não são as pessoas exploradas e empobrecidas
pelo capital, mas são as lideranças aliadas ao capital (alguns sem o saber, no
entanto, algumas lideranças o sabem muito bem) que dão a linha teológica na
Igreja. Na verdade a IECLB é uma Igreja privilegiada porque a esmagadora
maioria de seus membros são pessoas pertencentes à classe trabalhadora
explorada (a maioria de nossos membros são pobres e recebem até 3 SM), mas não
são, na maioria das vezes, estes que são a direção das comunidades. Temos em
nossas comunidades um grande potencial em pessoas empobrecidas e exploradas
pelo sistema capitalista, mas que são sufocadas pela direção teológica (mais
ideológica) das lideranças da pequena burguesia que mandam nas comunidades que
tem mais influência na paróquia. Em muitas situações as comunidades pequenas e
empobrecidas enfrentam as comunidades maiores que determinam as coisas na
paróquia, mas é uma luta inglória, desgastante e a longo prazo perdida. A
dinâmica da dominação é exatamente de intimidar os empobrecidos para que não
tentem enfrentar os representantes do sistema e isto se reproduz na comunidade
e na paróquia. Os pobres até chegam ao/a pastor/a e dizem nós estamos contigo,
mas não enfrentam a direita encastelada no poder nas reuniões, via de
regra. Na direção da comunidade sede
(onde reside o/a pastor/a) e na paróquia normalmente estão os representantes do
capital (só representantes, porque capital eles também não tem). Estes
normalmente têm clareza ideológica, não teológica, pois transitam no comércio
local e fazem parte dos instrumentos locais de reprodução do sistema
capitalista: prefeitura, CDL, ACI, Maçonaria, Lions. Não dá para dizer que o
problema da IECLB está na Sr. dos Passos ou no Conselho da Igreja, estes são
apenas o espelho, o reflexo das comunidades, e representam e reproduzem o
modelo de Igreja que a pequena burguesia defende nas comunidades. A coisa mais
difícil é mexer nas comunidades, a direção da Igreja não tem peito nem de
enfrentar a corrupção que há nas comunidades quando estas sonegam parte do
Dízimo. O sistema de Cotas da antiga estrutura foi eliminado por causa da
corrupção (e substituído pelo Dízimo) e ela continua na Reestruturação com o
desvio para o caixa das comunidades de parte do Dízimo devido ao Sínodo e à
IECLB.
A chave de tudo antigamente estava no Distrito Eclesiástico
e na luta pelo poder de alguns Pastores Regionais e ex-Regionais conservadores
em querer se tornar Pastor Presidente. Qual era o problema dos Distritos
Eclesiásticos. Um dos problemas dos DEs era que eles eram incontroláveis e
nunca votavam nos Concílios como a direita queria que votassem. Outro problema
é que os DEs funcionavam, via de regra, e, pior para os conservadores,
pastores/as e leigos/as dos Distritos Eclesiásticos estavam engajados nas lutas
populares, pois o movimentos de massas estava em ascenso nos anos 80 no Brasil.
Pastores/as e leigos/as dos distritos levavam as reivindicações das massas para
a discussão nos concílios distritais, regionais e geral. Era a luta contra a
ditadura civil-militar, a luta pelas Diretas Já, a luta pela redemocratização,
a luta pela terra dos sem terra e povos indígenas, a luta dos setores urbanos e
tudo isto não fechava com a teologia dos setores de direita na IECLB tanto de pastores/as
como, e principalmente, das comunidades. Havia iniciativas nas
comunidades/paróquias de tomada de poder por parte destes setores engajados nas
lutas populares e no movimento ecumênico ligado à teologia da libertação. Assim
em muitas comunidades e paróquias estes/as leigos/as de esquerda ascenderam
para a diretoria de muitas comunidades e paróquias incentivados e articulados
pelos seus pastores/as que discutiam todas as coisas referentes à Igreja e à
realidade nas Conferências de Obreiros/as.
A PPL em seu encontro nacional em São Paulo em meados de 80
até tomou uma resolução de que a esquerda deveria tomar o poder nas comunidades
e paróquias e demais instâncias da IECLB. Isto deu um belo bafafá na Igreja.
Pois, é normal a direita estar no poder, como a esquerda tem a ousadia de tomar
o poder que sempre foi da direita? Lembro de Ibirubá, RS onde uma senhora do
grupo que há anos controlava o poder na comunidade e na paróquia ao se referir
à alguém do PT que era presidente da paróquia: "O que a petezada quer na
diretoria?" Para a direita era e continua sendo o fim da picada o fato de
alguém da esquerda ser da diretoria da comunidade ou da paróquia; este é e
sempre foi um espaço ocupado pela direita, o que a esquerda quer ali? Eles não
podem ocupar este espaço. É a velha luta de classes correndo solto na Igreja.
Nos anos 80 havia em muitos Distritos Eclesiásticos em suas
diretorias e nas comunidades e paróquias pessoas engajadas nas lutas populares
e com isto as pautas dos movimentos populares acabavam chegando aos Concílios
Distritais, Regionais e Concílio Geral. Aí soou o alarme para a direita que
historicamente ocupou os espaços de poder na Igreja, ela ficou apavorada, era
necessário fazer algo. Para lembrar de tal pavor: o Alfredo Müller (filiado ao
PT) que era o representante do Distrito Uruguai na Diretoria da Região III
conta que ao receber uma carona do Becker de Chapada, representante do Distrito
Ijuí, até Palmeiras das Missões este lhe perguntou no caminho: "Se o Lula
ganhar a eleição vocês vão me deixar viver?" Aí dá para entender o pavor
na qual a direita viveu naquela época. Este pavor era real e nisto era
necessário dar um jeito. O jeito foi o movimento pela Reestruturação da IECLB
pela cabeça iniciado no final dos anos 80.
Em todo o período dos anos 80 foram tiradas decisões
pastorais nos Concílios Gerais da IECLB no sentido de se fazer um trabalho de
base nas comunidades/paróquias com os movimentos populares. Isto entendido como
parte do trabalho missionário da Igreja. É óbvio que a Direção da Igreja nunca
encaminhou como viabilizar isto na prática, mas nas paróquias havia o
envolvimento direto de pastores/as e de leigos nas lutas populares, por isto
isso chegou ao Concílio Geral. Tudo dentro da ótica da Teologia da Libertação.
Também na FacTeol - hoje EST - havia um grupo bem grande de esquerda se
reunindo e discutindo a TdL e quando estes chegavam nos Distritos
automaticamente se engajavam nas lutas populares e discutiam a partir do
púlpito e nos grupos de estudo os temas da luta pela terra, da luta contra as
barragens, da redemocratização, etc. O 'perigo vermelho' era, portanto,
concreto do ponto de vista da direita que ainda era a esmagadora maioria na
Igreja, mas o pessoal da esquerda, que era minoria, mas muito ativo e dinâmico
aproveitando o espírito da época, que era de luta contra a ditadura
civil-militar, conseguia pôr estas pautas nos centros decisórios da Igreja e a
direita não tinha legitimidade, diante do movimento de redemocratização no país,
para se contrapor. A prática da direita então era de engavetar as decisões
conciliares e não encaminhá-las para execução nas paróquias. Aí ficava a cargo
de cada pastor/a ou Distrito se as encaminhava ou não. Alguns Distritos nos
quais havia um engajamento com o movimento popular e ecumênico as decisões eram
encaminhadas de uma ou outra forma. O problema era, na época, como hoje, que
nós não estamos acostumados a fazer análise de conjuntura eclesial e nem da
realidade do país e por isso não tínhamos claro esta luta de classes que se
desenvolvia no seio eclesiástico. Por isso não se entendia todo este processo
da Reestruturação que foi puxado pela direita na Igreja. A gente era contra o
processo de Reestruturação por causa dos argumentos mentirosos que foram usados
para justificar este processo, mas não entendíamos bem que era um processo mais
ou menos planejado da direita para garantir que o poder da direita fosse
ampliado nos centros decisórios da Igreja contra a TdL e o risco que o
capitalismo, segundo eles, estava correndo com a ascensão da esquerda na Igreja
e no país. O mesmo espírito reinante nas comunidades deveria reinar em toda
estrutura da Igreja. Aí veio um papo demagógico de democracia e participação
maior de leigos nas instâncias da estrutura, mas não analisamos bem que 'leigos'
assumiriam os espaços da estrutura, claro leigos da direita. O povo não é de
direita por opção, mas isto se deve analisar a partir da ideologia da classe
dominante: o povo desde pequeno é ensinado a não ver as coisas como elas de
fato são e por isso repete o que a ideologia dos capitalistas lhe ensina. A
ideologia é o resultado da luta de classes e que tem por função esconder a
existência dessa luta. O poder ou a eficácia da ideologia aumenta quanto maior
for a sua capacidade para ocultar a origem da divisão social em classes e a
luta de classes. Como ninguém explica ao povo como o capitalismo funciona ele
continua pensando como os capitalistas querem que pense. Com este jeito de
pensar o povo participa da comunidade e isto determina sua teologia. Como na
Igreja não há um planejamento de formação que inclua a explicação de nossa
realidade esta teologia da direita vai continuar a determinar a vida e o pensar
de nosso povo. Na verdade o que há é que a Igreja tem medo de explicar o
funcionamento do capitalismo ao povo por causa da reação da direita que manda
nas comunidades e paróquias. Assim o que determina a vida das comunidades é a
dinâmica da ideologia capitalista e não a dinâmica do Evangelho do Reino de
Deus que é o oposto do capitalismo. Dentro desta realidade a Igreja ordena
os/as pastores/as para que preguem pura e retamente o Evangelho de Jesus
Cristo. Como se isto fosse possível sem rupturas na comunidade e sem que os/as
pregadores/s sejam expulsos/as da paróquia por serem subversivos e agitadores
como Jesus Cristo o foi. Lembro Lc 23.13-14: "Então, reunindo Pilatos
os principais sacerdotes, as autoridades e o povo, disse-lhes:
Apresentastes-me este homem como agitador do povo". Pastor/a que começa a
explicar como funciona a nossa sociedade e diz claramente o que é o que ou,
pior ainda, quando se mete nas organizações populares não dura muito na
paróquia. O máximo que agüenta é até o vencimento do TAM e aí a paróquia o
despacha gentilmente, na melhor das hipóteses. Uma/a agitador/a como Jesus Cristo
a paróquia não quer e nem precisa. O que ela quer e precisa é de alguém que
legitima a nossa realidade de luta de classes e a nossa sociedade dividida em
classes sociais como algo da vontade divina. Falar que o capitalismo é um dos
instrumentos que o diabo usa para tentar impedir a construção do Reino de Deus
não é coisa que se diga do púlpito. Por isso: Crucifica-o!
Como é isto nas comunidades e paróquias? Quem normalmente compõe
as diretorias, ou se vamos usar a linguagem eclesiástica: os presbitérios? No
interior normalmente são os agricultores em melhores condições financeiras que
tem um carro para ir às reuniões do Conselho Paroquial e na cidade normalmente
são comerciantes, pequenos industriais e profissionais liberais. Estes nas
cidades são os que normalmente também fazem parte da ACI, CDL, Lions, CTG,
Rotary e também alguns da Maçonaria. São todos árduos defensores do
capitalismo, portanto esta história de fazer um trabalho de base com o
movimento popular não é coisa que se possa apoiar. Na maioria dos casos, são
estes os leigos que representam as comunidades e paróquias na, hoje, Assembléia
Sinodal e Concílio da Igreja. Na estrutura anterior havia um número maior de
pastores/as nos Concílios, agora são 3 leigos por um pastor/a; e destes 3 a
maioria são conservadores e do 1 (pastor) também encontramos muitos
conservadores.
A partir dos anos 90 estas temáticas do movimento popular
não entraram mais em pauta, era o já descenso do movimento de massas no Brasil
e vivíamos um intenso bombardeio da propaganda neoliberal que dizia que não há
outra alternativa além do capitalismo. O capitalismo veio para ficar
eternamente, pois é o fim e a realização da História, portanto o futuro já
chegou, não há mais futuro; o presente é o futuro. Esta bela propaganda nos
pegou de surpresa e por causa de nossa fraca teologia engolimos esta asneira,
pois a Bíblia deixa muito claro exatamente o contrário da propaganda
neoliberal: nós temos esperança, nos é prometido um futuro e este já começou,
em parte, pelo processo coletivo da construção do Reino de Deus. Esquecemos, na
época, de dizer que o capitalismo não salva, só Jesus Cristo salva! Só isto já
derrubaria todo o processo da direita.
Por isso nas leis desta nova estrutura eclesiástica desenhada
pela direita, com apoio de alguns ingênuos que eram e/ou se diziam de esquerda,
temos uma série de restrições aos pastores/as: 3 (leigos/as) por 1 (pastor/a)
nas instâncias de poder e o EMO inclui o TAM e a Avaliação como leis
repressivas para avisar aos navegantes que não se comportam conforme os
interesses das bases (leia-se direita no poder nas comunidades/paróquias) e
principalmente se acabou com a maior instância eclesiástica subversiva que era
o Distrito Eclesiástico, que não votava nos Concílios Gerais nas propostas da
direita, nem elegia para Pastor Presidente os representantes da direita e
colocava na pauta as lutas do povo empobrecido pelo capitalismo e, pior,
participava das lutas do movimento popular e sindical e colocava leigos
engajados neste processo da luta de classes de nossa sociedade nas diretorias
das comunidades/paróquias e Distrito Eclesiástico e Região. O símbolo desta
luta de classes na Igreja na RE III era o Alfredo Müller (PT), colono do DE
Uruguai, e o Arnildo Becker, granjeiro de soja do Distrito Ijuí. Eram os dois
expoentes deste confronto teológico e da luta de classes na IECLB na RE III.
No DE Uruguai a pastorada havia tomado como decisão política
de viabilizar a eleição para as diretorias das comunidades e paróquias pessoas
que estavam engajadas no movimento popular e sindical ou participava de um
partido de esquerda. Chegamos a ter nos Concílios Distritais ampla maioria dos
representantes das paróquias pessoas que eram de esquerda. Na época faltou
clareza teológica para nós e também clareza da luta de classes para
potencializar esta realidade. Como na Igreja não se estuda o marxismo com certa
clareza e assiduidade não conseguimos na época entender o processo no qual
estávamos. Hoje nas Assembléias Sinodais se chega ao cúmulo de só haver leitura
de relatórios e nenhuma discussão de um tema teológico e muito menos da
realidade, menos ainda se faz uma análise da realidade brasileira na qual como
Igreja estamos inseridos e menos ainda se faz uma análise da conjuntura da
IECLB (a não ser esta de que a Reestruturação é um sucesso total, o que do
ponto de vista da direita não deixa de ser verdade). A melhor forma de se
entender a atual realidade eclesiástica é ler o Jornal Evangélico Luterano. Nos
últimos 5 anos houve apenas uma reportagem sobre a realidade brasileira, pois
era a vez do Sínodo da Amazônia colocar as suas atividades e houve então um
artigo de duas páginas sobre a Realidade da Amazônia, isto foi lá por 2009 ou
2010. A cada Jornal que recebo folheio rapidamente para ver se há alguma
reportagem sobre a realidade na qual vivemos como Igreja, e nada! Depois que
o JorEv virou jornal oficial da IECLB
ele endireitou, na verdade reflete a teologia atual da Igreja. A revista
NovOlhar, da Editora Sinodal (que antes editava o JorEv), procura fazer o
contraponto colocando temas da realidade brasileira. Estamos num atraso e
marasmo teológico monumental na Igreja.
Lembro do professor e Dr. Oneide Bobsin, reitor da EST, que
ao falar das críticas que recebe por parte das comunidades por causa de
posturas de estudantes, diz: "Os estudantes vêm das comunidades. São as
comunidades que nos enviam os estudantes, portanto eles trazem para a EST a
realidade das comunidades". Só que nas comunidades não há espaço para
expor estes temas que eles expõem na EST porque as comunidades são muito
conservadoras, ao menos, normalmente, as suas direções. Apesar de que nem todas
as diretorias das paróquias são conservadoras, há diretorias em que se pode com
muita liberdade discutir os temas que os estudantes da EST discutem, como
homofobia e casamento homossexual. Experimentei isto em Condor. Mas, no geral,
a direita é muito militante e insistente e bate forte contra qualquer tentativa
de diálogo. Graças a Deus o Estado é laico, apesar de se pautar pelos discursos
raivosos da direita eclesiástica, tanto pentecostal, protestante ou católica,
que em determinados temas esquecem suas divergências teológicas e estruturais,
pois no fundo a sua teologia é a mesma.
Assim a Direção da Igreja é o reflexo fiel de suas bases.
Isto significa que o problema não está na Sr. dos Passos, mas nas
comunidades/paróquias. Ali precisa ocorrer uma Reestruturação no trabalho, na
teologia e na compreensão de Igreja e o papel desta na sociedade; mas esquece,
ali ninguém vai mexer; quem o tentar vai ser 'TAMiado' e severamente Avaliado
como agitador; e lugar de agitador é fora da cidade na cruz!
Nos anos 80 se dizia, brincando, que as comunidades são da
ARENA e os/as pastores/as são do MDB, hoje isto não mais confere. A pastorada,
em sua maioria, também se acomodou com medo dos mecanismos de controle e
pressão do EMO: TAM e Avaliação; que tiveram o efeito real e visível de
legitimar o status quo capitalista contrapondo-se à proposta do Evangelho de
Jesus Cristo. O que o povo da Sr. dos Passos poderia fazer, mas não vai fazer,
seria enviar uma moção ao Concílio das Igreja propondo retirar do EMO o TAM e a
Avaliação. O máximo que o povo da Sr. dos Passos fará, via Conselho da Igreja,
é "humanizar a tortura", como diria o presidente terrorista
estadunidense Bush, e vai 'humanizar' a avaliação. A Igreja ordena a pastorada e
a instala nas paróquias para que pregue pura e retamente o Evangelho de Jesus
Cristo, mas é a primeira que impede isto via leis e mecanismos de repressão que
estão no EMO. Haja contradição! É claro que a pastorada tenta driblar como pode
estes esquemas para que a sua pregação seja reta, mas muitos acabam cansando e
se adaptando às exigências das direções das comunidades/paróquias para que
falem apenas o que estas permitem. Sempre tem os/as que não se conformam com
este século (Rm 12) e aí numa destas reuniões da Maçonaria, do CDL ou do Lions
se decide que este/a pastor/a deve ser mandado/a embora e o é e não há nada que
se possa fazer para reverter o caso, nem pela intervenção do Pastor Presidente.
Os capitalistas via Maçonaria não mandam só na política brasileira desde o primeiro
reinado (o atual vice presidente da República, Temer, é maçom), mas também em
algumas paróquias da IECLB. Nós, pastores/as ingênuos, é que não nos damos
conta disto, por acharmos que na Igreja não existe a luta de classes e que tudo
funciona na base da harmonia e do amor ao próximo. A classe economicamente
dominante no Brasil está usando a Igreja Cristã desde 1500 para legitimar a
exploração da mão de obra, antes indígena e negra, e agora classe trabalhadora
de todas as cores. Por isso a Igreja não pode e não deve fazer uma opção de
classe como Javé a fez, desde que existe a luta de classes, para acabar com a
sociedade de classes e a conseqüente luta de classes e construir uma sociedade
de iguais, de irmãos e de irmãs, que Jesus Cristo chama de Reino de Deus. No
processo de construção do Reino de Deus é necessária a eliminação da sociedade
de classes, caso contrário o Reino de Deus não será o Reino de Deus, mas a
reprodução da sociedade classista diabólica. A Igreja tem que optar em quem
seguir: Jesus Cristo ou o Capital, como diz em Mt 6.24: "Ninguém pode
servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou
se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas".
Em 14 de fevereiro de 1856, o Dr. Hermann Blumenau escreve
uma carta ao Presidente (Governador) da Província de Santa Catarina apelando
por socorro policial. Nela consta:
“...só uma medida grande e enérgica, uma desinfecção
completa do terreno entre Itajaí Grande e o Mirim, uma destruição e
aprisionamento deste bando de rapinas pode restabelecer a tranqüilidade e nos
tirar deste estado lamentável.”
Reafirmando as constantes reclamações do Dr. Blumenau, o
Presidente da Província de Santa Catarina, João José Joaquim, num
pronunciamento público, em 1856 diz:
“Esses bárbaros, que não poupam nem mulheres, nem crianças,
e que só pensam em roubar-nos e assaltar-nos de emboscada, segundo o meu modo
de ver, não poderão nunca ser tratados com bondade e condescendência. (....)
Cada vez me convenço mais que o prático, senão até mesmo necessário, é arrancar
os selvagens à força das florestas e colocá-los em lugar onde não possam
escapar. Dessa forma poderíamos proteger os agricultores contra esses
assassinos e poder-se-ia, pelo menos, dos filhos desses bárbaros, fazer cidadãos
úteis.” (...)
As expedições dos bugreiros, ou matadores de índios, se
tornaram lucrativas, e em conseqüência, muitos grupos se formaram. Elas
percorriam as florestas durante vários dias, seguindo os indícios que os
indígenas deixavam como trilhas, fezes, ossos de animais e restos de fogueiras.
Ao ser encontrado o acampamento do grupo perseguido, era feito o reconhecimento
do terreno e do número de seus integrantes. O ataque dava-se ao final da
madrugada, quando os índios se encontravam em sono profundo. Primeiro eram
eliminada as suas armas, para em seguida ocorrer o ataque. Os bugreiros caiam
sobre o grupo fazendo uma enorme gritaria e disparando seus revólveres e
espingardas e, após descarregá-las utilizavam suas coronhas e facões. O filho
de um bugreiro fez o seguinte relato:
“A turma não tinha nem tempo de carregar a arma de novo. Iam
de facão mesmo, subindo e descendo, cortando. O pai lembra de uma meninota que
saiu correndo pro mato quando o primo dele agarrou ela pelos cabelos e desceu o
facão. O aço desceu pelo ombro até as partes (vagina). Cortou que nem
bananeira. Ao ouvirem a gritaria e os tiros dos caçadores, os bugres procuravam
suas armas, como não as encontravam, debandavam de forma desesperada mato
adentro, deixando tudo para trás.” (...)
Esta cultura de matar o índio, ainda existente do início do
século XX, teve como marco, a Carta Régia de 05.11.1808, assinada por D. João
VI, a qual determinava guerra aos indígenas. Entre outros tópicos consta no
referido documento:
“(...) sendo-me também igualmente presentes os louváveis
fructos que têm resultado das providências dadas contra os Botocudos, e fazendo-me cada dia mais
evidente que não há meio algum de civilizar povos bárbaros, senão ligando-os a
uma escola severa (...); (...) desde o momento em que receberdes esta minha
Carta Régia, deveis considerar como principiada a guerra contra estes bárbaros
Índios (...).”
Na Página
http://www.portaldorancho.com.br/noticias/martinho-bugreiro-eu-nao-matei-100-matei-1-000
diz: "O personagem mais cruel, herói dalguns e anti-herói de outros, foi
Martinho Marcelino de Jesus – o MARTINHO BUGREIRO – que aos 18 anos começou a
matar índio. ... Numa das maiores batalhas, morreram mais de duzentos índios e
segundo historiadores se passou pela região de Rancho Queimado. Foram poupadas
apenas duas crianças, uma menina e o seu irmão. Martinho Bugreiro os trouxe à
cidade e uma família de Taquaras adotou os bugrezinhos. Do menino, sabe-se que
conseguiu fugir e embrenhou-se na mata de novo. A menina recebeu o nome de
Sophia, cresceu na sua nova família, foi batizada e está enterrada no cemitério
luterano da cidade."
A demarcação da Reserva Duque de Caxias, ocorreu em 1926,
quando o Governo do estado de Santa Catarina repassou aos indígenas pacificados
141.565.866,02 m2, com a garantia de que Eduardo (Eduardo de Lima e
Silva Hoermann, chamado de O Pacificador) os faria sustentar-se por meio do
trabalho agrícola – fato não ocorrido.
Depois de 1930, os Xokleng começaram a depender cada vez
mais da sociedade regional. (...). Eles tornaram-se sedentários e mudaram sua
dieta alimentar, necessitando dinheiro para comprar fumo, cachaça e bugigangas;
os índios passaram a sobreviver da melhor maneira que podiam, mas à margem do
sistema regional".
Uma Igreja a serviço do capital legitima isto. Esta é a
prática do mundo que a partir da fé em Jesus Cristo deve ser vencida e
eliminada. Estes relatos históricos mostram de como o povo luterano participou
deste processo de reprodução do sistema. Eram dominados, mas em relação aos
povos indígenas eram dominadores. É o dominado reproduzindo a sua dominação
sobre grupos minoritários. A IECLB, herdeira dos Sínodos, já expressou o seu
mea culpa por ter participado deste processo genocida? Assim agem as pessoas
dominadas pela ideologia do mundo, mesmo se dizendo cristãs luteranas. Hoje o
processo de dominação às vezes é mais sutil outras vezes não, mas cabe à Igreja
proclamar que isto (matar para roubar a terra da sua vítima) não confere com a
expressão de sua fé em Jesus Cristo. O povo luterano aqui chegado foi vítima
desta política de Estado de fazer colonização ao lado e em cima de áreas dos
povos indígenas. Assim, o Estado capitalista, a serviço da burguesia, fez uso
da colonização para exterminar os povos indígenas através dos colonos (vítimas
na Europa pelas políticas de Estado e vítimas no Brasil pelas políticas de
Estado daqui) para se apropriar de suas terras e integrá-las ao mercado. Os
cristãos luteranos foram 'inocentes úteis' neste processo. As vítimas acabaram sendo
opressores. Por que? Porque não sabiam que eram vítimas e opressores e ninguém
lhes explicou este processo. Como a Igreja normalmente é reprodutora do status
quo ela não explicou este processo de vitimização mútua. O pior é que a própria
Igreja por estar tão interiorizada no sistema capitalista nem sabia que estava
ajudando a legitimar o processo genocida. Hoje é o mesmo. A Igreja está tão
atrelada ao sistema capitalista que não consegue ver como hoje os seus membros
são vitimados pelo processo de exploração do capital, tanto no campo como nas
cidades. Como a leitura da realidade pelo método marxista é coisa de comunista,
então isto não se usa na Igreja, por isso acontece que o nosso povo luterano
vive nas trevas da ignorância (do não saber) e acaba reproduzindo o mundo como
ele é em vez de combatê-lo como o exige o Evangelho de Jesus Cristo. Diz-se de
boca para fora: "Só Jesus salva!", mas pensa-se e age-se de fato como
se só o capital salvasse! Esta é a teologia real em nossas comunidades e se
algum/a pastor/a se meter à besta e dizer o contrário ele/a será vitimado pelo
TAM. Assim funciona a luta de classes na Igreja. Confesso que esta leitura que
faço da Igreja é muito chata e deixa as pessoas aborrecidas porque acaba com o
romantismo e a ilusão ingênua que temos da Igreja como meio de salvação. A
Igreja não salva, somente a fé coerente em Jesus Cristo salva. A Igreja
continua sendo um instrumento que anuncia a salvação pela Palavra e pelos
Sacramentos. Salvação também não uma coisa etérea, mas muito concreta e visível
em nossa prática de luta pelo Reino de Deus.
Lembro-me que em meados dos anos 80 no DE Uruguai num Dia
Distrital da Igreja em Mondaí, SC, estudamos textos de Lutero: Da Autoridade
Secular e O Sermão sobre a Usura, e o CDL de Mondaí escreveu ao então Pastor
Presidente perguntando escandalizado se estes textos subversivos eram de fato
de Lutero. Então, achar que CDL, Prefeitura, Lions, Maçonaria, etc. não
interferem nas paróquias é pura ingenuidade. Então, pastorada, comportem-se,
preguem apenas o que os capitalistas permitem e terão vida longa nas paróquias!
Não foi por acaso que Jesus Cristo, ao enviar seus
discípulos, lhes disse, segundo Mt 10.16, "Eis que eu vos envio como
ovelhas para o meio de lobos; sede, portanto, prudentes como as serpentes e
símplices como as pombas". Símplice não quer dizer: ingênuo, pois isto nós
pastores/as o somos e muito. Jesus continua segundo Mateus: "17 E
acautelai-vos dos homens; porque vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão
nas suas sinagogas; 18 por minha causa sereis levados à presença de
governadores e de reis, para lhes servir de testemunho, a eles e aos gentios.
19 E, quando vos entregarem, não cuideis em como ou o que haveis de falar,
porque, naquela hora, vos será concedido o que haveis de dizer, 20 visto
que não sois vós os que falais, mas o Espírito de vosso Pai é quem fala em vós.
21 Um irmão entregará à morte outro irmão, e o pai, ao filho; filhos
haverá que se levantarão contra os progenitores e os matarão. 22 Sereis
odiados de todos por causa do meu nome; aquele, porém, que perseverar até ao
fim, esse será salvo."
O camponês palestino sem terra e sem teto Jesus de Nazaré, o
Cristo, o Servo, sabia como funcionava a luta de classes, mesmo não conhecendo
este conceito marxista. Nós que poderíamos conhecer como hoje funciona a luta
de classes, que é o motor da história, porque temos este instrumental de Marx de
ler a realidade e não o conhecemos por puro preconceito e também por uma opção
teológica inculcada pela direita que este é um instrumental comunista e
anticristão. O cristão pode ser capitalista (que significa legitimar a
exploração de uma pessoa sobre a outra), mas não pode ser comunista (que
significa lutar contra a exploração de uma pessoa sobre a outra e participar de
um processo de construção de uma sociedade sem classes sociais e, portanto, sem
exploração, que Jesus Cristo chama de Reino de Deus). O instrumental é apenas
um instrumental de ler a realidade, assim como os psicólogos tem seus
instrumentais. É claro que este instrumental vai ler a realidade a partir da
situação da classe trabalhadora e vai revelar a exploração capitalista sobre a
sociedade toda e vai mostrar como funciona a Teoria do Valor Trabalho, que deve
ser ocultado a todo custo da classe trabalhadora. Mas Javé também se fez pobre
(2 Co 8.9) e servo (Fl 2.7) em Jesus de Nazaré, o Cristo. Este é o lugar social
a partir do qual a Bíblia lê a realidade e constrói o Reino de Deus (1 Co
1.26-29). Mas, nós como Igreja nos recusamos a ler a realidade a partir de onde
o próprio Deus a lê (1 Co 4.11-13) e nos recusamos a pôr os pés onde Javé os
pôs em Cristo, na manjedoura e na cruz, no processo de construção do Reino de Deus.
Fazemos um malabarismo teológico enorme para não deslegitimar a exploração de
classe que há na sociedade atual; quando os Evangelhos já desde os relatos do
Natal deixam claro a luta de classes existente na qual Deus se fez pessoa, em
Mt e Lc 1-2: citam o César e a família camponesa sem terra explorada que teve
que se submeter ao censo que visava a exploração romana via impostos, além de
citar Herodes que quis eliminar fisicamente o menino Jesus. Ali a luta de
classes está muito clara entre o Projeto do Reino de Deus e o reino romano.
Javé fez a sua opção de classe, tanto no AT (ao ficar do lado dos camponeses hebreus
sem terra escravos) como no NT (onde Javé se fez classe camponesa em Jesus de
Nazaré, o camponês sem terra palestino). No entanto hoje, na Igreja, fazemos de
conta que não existe luta de classes e com isto legitimamos a exploração
capitalista tornando-nos, como Igreja, Religião (que tem a função histórica de
legitimar o status quo) em vez de ser Evangelho (que é essencialmente
insurgente e revolucionário, pois em oposição ao reino do mundo, o capital,
quer construir o Reino de Deus).
Mas, o Espírito Santo é forte, pois já conduziu a sua Igreja
para fora do feudalismo e também o fará para fora do capitalismo. É uma questão
de tempo, infelizmente de séculos. A Reestruturação capitalista da IECLB não
durará para sempre. Um dia ela vai cair de podre, assim como o nazismo e o
stalinismo caíram de podre. O problema é como vamos justificar a repressão
eclesiástica, conforme os interesses da direita que quer impedir a pregação
pura e reta do Evangelho de Jesus Cristo porque isto fere seus interesses
econômicos e políticos, no Dia do Juízo Final? É claro que a direita vai dizer
que não está impedindo a pregação pura e reta do Evangelho de Jesus Cristo,
apenas com o seu controle quer exatamente preservar a pureza evangélica diante
da comunização ideológica da TdL. A direita não se pauta por ideologia alguma,
apenas pelo Evangelho, dirá; só a esquerda que é ideológica. A direita é
'neutra' do lado do capital!
Alguém pergunta: Se o TAM e a Avaliação caírem, ao serem
excluído do EMO, o que muda na Igreja? O que muda? Muda o fato de que teremos
dois elementos de repressão institucional a menos na Igreja para nos pressionar
a vender o Evangelho e adaptá-lo conforme os interesses da classe econômica e
politicamente dominante. Esta pressão sempre existiu e sempre existirá enquanto
vivermos numa sociedade de classes. Mas, com o TAM e a Avaliação fora do EMO
não estará na essência da estrutura eclesiástica o elemento de pressão para nos
intimidar e nos induzir a vender o Evangelho ou de adaptá-lo conforme os
interesses do capital, por causa do medo da demissão por causa da pregação do
Evangelho que não se coaduna com o capitalismo. A Direção da Igreja ao se dar
conta desta pressão pela venda do Evangelho deveria ser a primeira a sugerir a
supressão do TAM e da Avaliação do EMO sob o risco do pecado da omissão.
Sei que as comunidades não quererão abrir mão facilmente
deste elemento de controle sobre a pastorada. É urgente explicar às comunidades
o que significa se estas leis repressivas continuarem. As comunidades de hoje
não tem noção do porque da Reestruturação e que isto faz parte da luta de classes
na Igreja e na sociedade. Isto também terá de ser explicado à elas. Será que
tenho a impressão certa de que a Direção da Igreja nunca explicará isto às
comunidades?
Perguntando finalmente: Tem como reverter esta dinâmica do
controle ideológico da pequena burguesia sobre o trabalho e a linha teológica
das paróquias?
Conheço um caso em que o pastor peitou o chefe da paróquia e
conseguiu afastá-lo da diretoria, mas o pastor se aposentou em agosto e em
janeiro o tal chefe já estava de volta na diretoria e mais ainda era
representante da paróquia no Sínodo e foi escolhido para ser da Diretoria do
Sínodo. Ele trabalha numa cooperativa do agronegócio e ninguém do povo tem
coragem de peitá-lo. Só para se ter uma idéia de como esta história de mudar o
poder e a teologia na paróquia não é fácil. Este pessoal antes de ser cristão é
capitalista e o Evangelho tem que se adaptar às necessidades da dinâmica do
capital, o resto é conversa fiada.
Só um programa de formação
teológica a longo prazo, massivo para o povo, de quadros intermediários e
avançados para comunidades e paróquias junto com uma articulação do povo
empobrecido para ocupar os cargos de direção nas comunidades e paróquias aliado
a uma participação ativa no movimento sindical e popular e dos partidos políticos
de esquerda poderá reverter esta questão do poder do capital nas paróquias para
que haja liberdade de pregar pura e retamente o Evangelho de Jesus Cristo na
IECLB. Mas isto depende de uma decisão política da direção dos sínodos e da
IECLB que não vai cair tão facilmente por causa da correlação de forças que há
nestas direções. Terá que ser uma tomada de poder a longo prazo. Impossível não
é se a pastorada tiver respaldo da direção ela terá condições de encaminhar
isto. Mas antes tem que cair o TAM e a Avaliação juntamente com uma decisão
política da Direção da Igreja em respaldar a pastorada neste processo. Por
enquanto isso tudo parece uma bela ilusão. Mas, como ninguém esperava as
mobilizações populares massivas de junho de 2013 no Brasil que podem ter posto
em xeque a reeleição da Dilma em 2014 (só para lembrar se a Dilma não se
reeleger a direita vai se eleger, fazendo de conta que a Dilma é de centro
esquerda) assim pode acontecer um fato histórico que favoreça este processo na
Igreja. A história dá voltas que a gente não prevê. Mas admito que isto é uma
possibilidade muito remota, por enquanto a pregação pura do Evangelho
revolucionário do Reino de Deus na IECLB continua em risco e sob severo
controle segundo os interesses do
capital.