Delmar Purper
"Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade."
(Paul Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler)
O MENTIRÃO NA TERRA DOS PAPAGAIOS
A vida moderna tem muitas vantagens. Tudo ficou mais fácil. Já não precisamos gastar os nós dos dedos esfregando a roupa, a máquina de lavar faz isso por nós. Não precisamos mais andar a pé ou a cavalo. Vamos de carro. Lavrar a roça com arado puxado por uma junta de bois ou colher o milho a mão e levar pro paiol com carroça? Nem pensar, vamos de trator e colheitadeira. Esfriar a cerveja em um balde de água tirada do poço com manivela? Capaz! Ela já sai geladinha da geladeira. Não precisamos mais nem temperar a carne do churrasco. O açougueiro faz isso pra nós.
O progresso melhora e facilita a vida. Mas, às vezes, piora. Fazer, pelo menos de vez em quando, os cálculos de cabeça ou na ponta do lápis pra desenferrujar os neurônios? Dá muito trabalho, é mais fácil usar sempre a calculadora. Nem aquela hortinha saudável do fundo do quintal muitos de nós não fazemos mais, preferimos comprar as verduras do mercado, muitas vezes envenenadas. E assim por diante. Cada vez mais, deixamos máquinas ou outras pessoas fazerem as coisas por nós, quer dizer, terceirizamos as tarefas.
Uma das tarefas que nós terceirizamos, que entregamos para outras pessoas fazerem por nós, é a tarefa de pensar. Já não analisamos mais a vida, a sociedade, o mundo, pra entender como as coisas funcionam. Aquele pessoal lá da televisão faz isso por nós. Eles nos dizem como devemos pensar. E nós não temos mais opinião própria, ficamos repetindo as palavras deles como papagaios.
Quando, há alguns meses atrás, alguém me perguntava o que era o "mensalão", eu dizia: é um dinheiro que o PT desviava do Banco do Brasil pra pagar, mensalmente, pra deputados corruptos votarem a favor dos projetos do governo na Câmara. Como um papagaio bem treinado, eu sabia até quanto cada deputado ganhava por mês desse dinheiro sujo: 30 mil reais. Os acusados diziam que não era verdade, mas eu achava que isso devia ser papo de corrupto que não quer ir pra cadeia. Até que eu reparei que entidades e pessoas que eu respeitava, como advogados e a própria OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), juristas famosos, professores de direito, jornalistas sérios etc., diziam sempre a mesma coisa: o "mensalão" não existiu, esse julgamento é falso e cheio de erros. Aí, deixei de ser papagaio e coloquei os poucos neurônios que Deus me deu pra funcionar. Fui estudar o chamado "mensalão do PT". Neste folheto, faço um resumo do que descobri. No final, existe um esquema, um roteiro, pra você acompanhar melhor a explicação, e as fontes onde eu pesquisei. Estude você também o caso, e veja a que conclusão chega.
Tudo começou em maio de 2005, quando a revista Veja publicou uma denúncia de corrup-ção nos Correios. O funcionário Maurício Marinho foi filmado recebendo 3 mil reais para favorecer um fornecedor. Na gravação, ele diz que o comandante do esquema de corrupção dos Correios é o deputado Roberto Jefferson, que na época era presidente do PTB, partido aliado do governo do PT. Pressionado pela imprensa, Jefferson procurou desviar a atenção dos repórteres para outro assunto. Ele sabia que o PT tinha feito empréstimos para pagar contas da última campanha eleitoral porque o seu partido, o PTB, tinha recebido quase 5 milhões desses empréstimos. Disse, então, que o PT tinha um esquema de pagamento de mesada, o "mensalão", que era pago para deputados votarem a favor dos projetos do governo na Câmara e que o chefe desse esquema era o presidente Lula. Alguns dias depois, mudou a história, disse que Lula era inocente, não tinha nada a ver com o assunto, que o chefe do "mensalão" era o José Dirceu, ministro da Casa Civil. Mais tarde, em 2011, disse que o "mensalão" não existiu, mas esse último depoimento foi desconsiderado tanto pela imprensa quanto pela justiça. A manobra de Jefferson para desviar a atenção da sua própria corrupção deu certo, porque desde 2005, há 9 anos, a imprensa fala do "mensalão" do PT diariamente.
O Congresso Nacional investigou o "mensalão" através de CPIs, mas não conseguiu comprovar os desvios de dinheiro público denunciados. A imprensa queria a cabeça de alguém, então a Câmara dos Deputados cassou o mandato do denunciante, Roberto Jefferson, e do suposto chefe do esquema, José Dirceu, que tinha renunciado à Casa Civil e tinha reassumido o seu mandato de deputado.
Os documentos das investigações do Congresso foram enviados para a Procuradoria Geral da República (PGR), que, diante de indícios de corrupção, solicitou ao STF (Supremo Tribunal Federal) a abertura de processo contra 40 pessoas.
Como você sabe, a polícia civil e federal investiga e prende. O Ministério Público, os promotores, que lá no topo da estrutura da justiça se chama Procuradoria Geral da República, faz a denúncia pedindo abertura de processo. Os juízes aceitam ou não a denúncia e, se aceitarem, julgam os acusados. No caso do "mensalão", o processo não passou pelos juízes de primeira instância das comarcas (nos municípios) nem pelos Tribunais de Justiça (de segunda instância), foi direto para o STF em Brasília, o que, para a maioria dos acusados, já foi uma violação do seu direito. O STF é composto por 11 juízes, chamados ministros. Os processos são sorteados entre eles para escolher o relator e o revisor de cada processo. O relator do "mensalão" é o ministro Joaquim Barbosa e o revisor o ministro Ricardo Lewandowski. O relator tem a tarefa de estudar o processo a fundo e explicá-lo para os outros ministros que, por votação, decidem se há culpa ou não dos acusados e, se condenados, afixam as penas. Tanto a PGR quanto o relator do processo podem pedir mais investigações e perícias, se acharem necessário.
Os policiais investigadores, os promotores e os juízes são profissionais altamente especiali-zados. Dificilmente um leigo no assunto poderia dar palpites sobre o que eles devem ou não fazer. Porém, depois que o processo está concluído, que tudo está no papel, qualquer pessoa que saiba ler pode tirar suas conclusões. Não é tão complicado. Acompanhe no esquema do final do texto.
Depois da eleição de 2002, o PT ficou com dívidas de campanha. Então pegou dinheiro emprestado de 2 bancos privados mineiros, o Banco Rural e o BMG. Como precisava de muito dinheiro, o PT pediu a intermediação da empresa SMP&B, da qual o publicitário Marcos Valério era sócio. Essa empresa tinha muito crédito junto a esses bancos. Entre 2003 e 2005, os bancos emprestaram aproximadamente 56 milhões de reais à SMP&B, com os quais Delúbio Soares, tesoureiro do PT, e o próprio Valério, pagaram as dívidas do PT em vários estados. Pagaram também pendências de campanha de outros partidos aliados, conforme consta no esquema no final do texto. Posteriormente, os empréstimos foram sendo quitados aos poucos. Esta é a versão dos acusados. Se ela for verdadeira, não houve crime de corrupção ou desvio de dinheiro público. A única irregularidade é que os empréstimos não foram declarados à Justiça Eleitoral, o que se chama "caixa 2".
Agora, acompanhe a parte de baixo do esquema. O Fundo Visanet pagou, entre 2003 e 2005, 73,8 milhões para a empresa de propaganda DNA, da qual o mesmo Marcos Valério é sócio, fazer a publicidade dos cartões de crédito Visa. Esse dinheiro foi para diversos meios de comunicação, sendo que a Globo recebeu a parte maior, e serviu para divulgar os cartões através do patrocínio de 99 eventos e promoções. Até o congresso dos juízes realizado em Salvador, que teve abertura do presidente do STF da época, Maurício Corrêa , e contou com a presença de Joaquim Barbosa, recebeu dinheiro. Você deve lembrar que os cartões Visa também patrocinavam jogos de tênis do Guga, de vôlei de praia de Shelda e Adriana, além de shows música, etc. Se foi assim, não há crime algum. A suspeita, que a PGR deveria provar, é que a DNA não prestou os serviços de publicidade, mas repassou o dinheiro diretamente pro PT ou para a SMP&B ou para os bancos Rural e BMG dar pro PT, e que o dinheiro era público, pertencente ao Banco do Brasil. Um dirigente do banco, Henrique Pizzolato, um petista, teria desviado os 73,8 milhões do Banco do Brasil para a DNA repassar para o PT. A suspeita surgiu porque Pizzolato recebeu 326.660,67 reais de Valério e, depois disso, comprou um apartamento no Rio de Janeiro, cidade onde mora. Esse dinheiro seria o suborno, o pagamento pra ele desviar os recursos do Banco do Brasil.
Os investigadores, tanto na vida real quanto nos filmes, sempre dizem que para desvendar um crime é necessário seguir o dinheiro. Se, no esquema, o dinheiro seguiu a rota das flechas pon-tilhadas, houve o crime de corrupção e desvio de dinheiro público. Se o dinheiro seguiu a rota das flechas inteiras, não pontilhadas, não houve crime e o "mensalão" não passa de golpe político, é mentira. Os juristas e jornalistas que estão tão indignados com o que eles chamam de Mentirão seguiram o dinheiro por dentro do processo. E chegaram às conclusões que eu relaciono a seguir, que me dei ao trabalho de conferir.
1. Os empréstimos do Banco Rural e do BMG para a SMP&B, que, segundo a acusação, fo-ram simulados para esconder que a origem real do dinheiro era o Banco do Brasil, são verdadeiros. Isso foi constatado pela perícia realizada pelo delegado da Polícia Federal Luiz Flávio Zampronha nos papéis dos bancos e relatado em suas conclusões finais, apresentadas em 2011. Portanto, não há provas de que os dirigentes daqueles bancos, que estão presos, tenham cometido crime. Ao provar que os empréstimos realmente ocorreram e eram legais, o delegado Zampronha desmontou a acusação da PGR e de Joaquim Barbosa de que o dinheiro foi desviado do Banco do Brasil. A pedido de Barbosa, o delegado foi punido.
2. Pizzolato confirma que recebeu os 326.660,67 reais de Valério, e os repassou ao PT do Rio de Janeiro, porque faziam parte daqueles acertos de dívidas de campanha. Foi quebrado o sigilo telefônico, fiscal e bancário de Pizzolato e ficou provado que ele tinha recursos para comprar o apartamento. A Receita Federal investigou as contas do suspeito nos últimos 20 anos e não en-controu rasto do dinheiro. Como não foi provado que houve suborno, nem juízes nem acusadores falaram mais no assunto. Além do mais, você não acha que um valor assim quebrado, com centavos, parece mais com o acerto de uma dívida do que com uma propina? A propina seria 300 mil, 350 mil, 360 mil.
3. O Fundo de Incentivo Visanet é privado, não público. Aqui, é necessária uma explicação. Visanet é o nome fantasia da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP), que pertence à multinacional Visa International Services Association, com sede em São Francisco, Califórnia, Estados Unidos. Essa empresa comercializa os cartões de crédito e débito Visa em 21 mil institui-ções em mais de 200 países. No Brasil, o Banco do Brasil, o Bradesco e mais outras 20 instituições têm Visa, que, depois do escândalo do "mensalão", mudou seu nome para Cielo. Para os bancos é interessante associar-se ao Visa, porque o cartão faz girar muito dinheiro pelas contas. As pessoas que têm esse cartão pagam sua fatura no banco onde tiverem conta. Quem tem conta no Banco do Brasil, paga no Banco do Brasil, quem tem conta no Bradesco, paga no Bradesco. Para estimular a competição entre os bancos para que façam propaganda do cartão, a tal multinacional criou um fundo destinado exclusivamente à publicidade, o Fundo de Incentivo Visanet. Esse fundo é formado por 0,1% de todos os pagamentos feitos com cartão. Portanto, não é o governo que coloca dinheiro público no fundo, ele é formado por uma pequena parte de cada compra que pessoas particulares fazem com cartão. Além disso, o regulamento da CBMP diz claramente que o dinheiro arrecadado lhe pertence, não pertence ao banco associado. A acusação de que houve desvio de dinheiro público já morre aqui, mas recebeu o golpe de misericórdia com a divulgação, em 23 e 24 de janeiro de 2014, do Inquérito 2474, que contém o famoso Laudo 2828, resultado de uma perícia realizada em 2006 pelo Instituto Nacional de Criminalística. Esse laudo foi mantido em segredo por Joaquim Barbosa, mas partes já tinham vazado para a imprensa. Enquanto Barbosa estava de férias em Paris, o presidente interino do STF, ministro Ricardo Lewandowski, tornou o Inquérito 2474 público, agora está na internet. Leia lá na página 39 do Laudo 2828 as respostas aos quesitos (perguntas) formulados pelo relator do "mensalão", Joaquim Barbosa. À pergunta "Qual a origem dos recursos utilizados para constituição do Fundo de Incentivo Visanet?" os peritos respondem que o fundo foi criado e mantido com recursos disponibilizados pela Visanet. Quer dizer: recursos pertencentes àquela multinacional, não ao Banco do Brasil. A perícia mostra que o Banco do Brasil era associado da Visa, o que é lógico, se não fosse não comercializaria os cartões, mas que o Fundo de Incentivo Visanet era privado.
4. Pizzolato não transferiu dinheiro do Banco do Brasil para a DNA. O Banco do Brasil, como qualquer outro banco, não é a casa da sogra. Nenhum funcionário, mesmo os mais graduados, têm autonomia para ir passando milhões para quem eles bem entendem. A movimentação de grandes valores precisa ser autorizada por vários diretores, às vezes, até pelo presidente do banco. O Fundo de Incentivo Visanet é privado, mas a contratação e o pagamento dos serviços de promoção do cartão são feitos por diretores do banco associado. Isso faz todo o sentido, porque o banco é o interessado na divulgação do cartão. Leia na página 39 do Laudo 2828: "A quem competia fazer o gerenciamento dos Recursos do Fundo de Incentivo Visanet, repassados a DNA Propaganda?" O período de interesse da perícia era 2003 a 2005, mas os peritos fazem uma avaliação mais ampla, desde 2001, ainda no mandato de FHC. São relacionados todos os Gestores e Diretores de Varejo responsáveis, e nenhum deles é Pizzolato.
Uma perícia realizada por 20 auditores do Banco do Brasil aponta Pizzolato apenas como um entre 8 dirigentes responsáveis pelo fundo. Isso porque, como eu disse acima, vários diretores aprovavam e assinavam as liberações. A assinatura de Pizzolato aparece em 3 notas usadas por Joaquim Barbosa no processo, mas sempre junto com outros diretores. A revista Retrato do Brasil de dezembro/13, na página 103, mostra um levantamento interessante feito por uma perícia independente. Os 73,8 milhões de reais foram autorizados por 4 notas técnicas principais ("notas técnicas mães"). As "notas técnicas filhas" detalham o uso e a veracidade dos gastos. Foram examinadas 767 notas. 57 pessoas diferentes assinaram as notas, num total de 2.631 assinaturas. Nenhuma nota é assinada apenas por uma pessoa. O funcionário que assinou mais vezes, assinou 541 notas. Pizzolato assinou apenas 19. Mas o que é que essa criatura infeliz tem de tão especial para ser considerado criminoso nessas circunstâncias. É que, das 57 pessoas que assinaram as notas, ele é o único do PT.
5. Consta no processo (nos autos) que a perícia feita por 20 auditores do Banco do Brasil nos recibos da Visanet provam que a DNA realizou todos os serviços pelos quais recebeu pagamentos, que eram feitos na forma de adiantamentos. Esse modelo de adiantamentos foi considerado irregular, mas não fraudulento. É a mesma coisa que o governo federal construir um posto de saúde no município. A prefeitura não constrói o posto com recursos próprios e depois manda as notas fiscais para o governo federal pagar. A verba é liberada adiantada, em parcelas. Logicamente, depois deve haver prestação de contas dos gastos. E isso, no caso Visanet-DNA, segundo a perícia constatou, foi feito. Nas páginas 57 até 60 da revista citada há pouco, consta a lista, que a CBMP enviou para a Receita Federal, dos 99 eventos realizados. Na verdade, o Banco do Brasil fez duas grandes auditorias internas, uma em 2005 e outra em 2007. Ambas concluem que houve problemas formais, mas nenhuma das duas encontrou desvio de recursos públicos, porque o dinheiro do Fundo Visanet jamais fez parte do patrimônio do banco.
6. O deputado João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, foi condenado porque teria desviado dinheiro da Câmara para a empresa SMP&B. Três perícias provam que ele é inocente: uma da própria Câmara, outra do Tribunal de Contas da União e outra da Divisão de Perícias da Polícia Federal, provas que levaram o ministro Lewandowski a absolvê-lo, mas que foram desconsideradas por outros juízes. Cunha confirma que recebeu 50 mil reais daqueles empréstimos e prova com recibo e nota fiscal que foram usados para pagar dívidas de campanha, especificamente para pagar pesquisas eleitorais realizadas.
7. E a compra de votos de deputados, ficou provado que ela aconteceu? Não. No processo há 394 depoimentos judiciais de políticos, de diversos partidos, mas nenhum confirma o "mensa-lão". E os juízes precisam julgar de acordo com as provas que constam nos autos, não de acordo com o que eles supõem que pode ter acontecido. Além do mais, é impossível provar se alguém votou de determinado jeito por convicção ou por dinheiro. Na verdade, a acusação tem um lado um tanto ridículo, porque teriam sido comprados 17 deputados da base aliada. Por que um prefeito, por exemplo, iria comprar os seus próprios vereadores?
8. E José Dirceu, onde é que ele entra nessa história? Rigorosamente, em lugar nenhum. Foi feito um levantamento em mais de 600 depoimentos no processo, e nenhum incrimina Dirceu. Parece incrível, quase não acreditei, porque pelo que se sabe, ele é o grande bandido da história, o "chefe da quadrilha". A única pessoa que disse que o "mensalão" existiu e que Dirceu era o chefe foi Roberto Jefferson, que é réu condenado, não testemunha. E mesmo Jefferson depois disse que o "mensalão" não existiu.
Há alguns meses, José Dirceu fez uma coisa inteligente: pegou o seu processo e entregou para o famoso jurista, Ives Gandra Martins, professor de direito, autor de dezenas de livros, que é um conhecido antipetista de São Paulo. Conforme você pode confirmar em suas entrevistas, em diversos sites da internet, inclusive na Folha de S. Paulo, o professor disse, sem meias palavras, que Dirceu foi condenado sem provas. Se essas palavras partissem de um simpatizante do PT não teriam o peso que têm. Mas, se não há provas, como ele foi condenado? Joaquim Barbosa, o relator do processo, teve que ser criativo. Importou e distorceu uma tal de "teoria do domínio do fato", criada para julgar criminosos de guerra nazistas e, mais recentemente, desenvolvida pelo jurista alemão Claus Roxin. Explico a teoria, como Barbosa a aplicou. Imagine que o promotor e o juiz de uma cidade queiram prender o prefeito, mas ele não cometeu nenhum crime. Então eles descobrem que lá no fundo de uma comunidade rural uma agente de saúde supostamente cometeu um crime. Essa agente de saúde é subordinada à enfermeira do posto, que é subordinada à coordenadora da rede básica de saúde, que é subordinada à coordenadora geral da saúde no município, que é subordinada ao secretário de saúde, que é subordinado ao prefeito. Baseado nessa hierarquia e subentendendo que o prefeito deve ter conhecimento do que seus subordinados fazem, o prefeito é condenado. O próprio Claus Roxin, que esteve no Brasil, disse que a teoria foi mal aplicada no "mensalão", porque ela não dispensa a necessidade de provar a culpa. Quer dizer que, no meu exemplo, o prefeito só pode ser condenado se ficar provado que teve culpa naquele crime da agente de saúde. O chefe não pode ser automaticamente culpado por tudo que seus subordinados fizerem de errado. Além do mais, nenhum dos outros réus era subordinado a José Dirceu. Ele podia ter influência política, mas não era chefe de nenhum dos outros.
Como, então, ele se tornou o capeta, o homem mais odiado por todos os papagaios do país? Pra entender isso é necessário revisar rapidamente uma parte da história do Brasil. Você já se deu conta que nós, o povo, só ficamos com migalhas daquilo que produzimos? Os mecanismos econômicos fazem com que a riqueza se concentre em uma nata de 1% dos mais ricos, a chamada elite. Eles também são donos da imprensa e, dessa maneira, controlam a opinião das pessoas. Durante 500 anos esse 1%, além do poder econômico e da imprensa, tinha o poder político. Getúlio Vargas, que era patriota, não era entreguista, conseguiu favorecer o povo e o Brasil. Pesquise pra ver que Vargas fez coisas boas, outras nem tanto. Mas foi perseguido pela imprensa do 1% e, quando não viu mais saída, suicidou-se. O suicídio de Vargas revoltou o povo e a elite teve que se encolher. Em 1964, o Presidente João Goulart, o Jango, começou a governar para o povo e foi derrubado pelos militares. O golpe foi preparado primeiro pela imprensa. A conversa da imprensa é sempre a mesma: corrupção. Durante a ditadura e nos primeiros governos depois da ditadura, apesar da propaganda de que estava tudo bem, a corrupção aumentou e era escondida pela imprensa, o povo empobreceu, a miséria e a fome se alastraram, estudo era para poucos, praticamente não havia saúde pública, etc. Na década de 70, muitos brasileiros começaram a organizar-se para mudar essa realidade. O primeiro passo era tomar o poder político daquela elite de 1%. Isso aconteceu com a eleição de Lula em 2002. Mas Lula é a força popular desse movimento político, o cérebro era José Dirceu. Isso explica duas coisas: o ódio que a elite, dona da grande imprensa, tem desse homem, e o carinho com que ele é tratado por muitos. Quando aparece em público, Dirceu costuma ser vaiado e chamado de corrupto por uma parte das pessoas e aplaudido e chamado de "guerreiro do povo brasileiro" por outra parte.
Quando o deputado Roberto Jefferson se viu em uma situação difícil, apontado por um correligionário como coordenador de um esquema de corrupção dos Correios, inventou o "mensalão" e disse que o chefe era Lula. Poucos dias depois deu uma entrevista (eu me lembro dessa entrevista) em que dizia que Lula era inocente, o chefe do esquema era Dirceu. Pra mim, Jefferson mudou de conversa por orientação da própria imprensa. O cálculo era que, com o escândalo do "mensalão", Lula estava politicamente morto, não se elegeria mais (era o que a imprensa falava na época). Tentaram, então, na mesma tacada, eliminar aquele que, sem dúvida, seria o sucessor de Lula: José Dirceu. Como você sabe, a história foi diferente: Lula levou seu mandato até o fim, reelegeu-se e terminou como o Presidente mais popular da história do Brasil e, como não havia Dirceu, "fabricou" a Dilma para sucedê-lo.
COMENTÁRIOS FINAIS
Por que os réus foram condenados?
Se a inocência dos acusados está tão evidente que até eu ou você, que não somos operadores do direito, conseguimos enxergar, por que 11 juízes do STF, todos altamente preparados, os condenaram? Interesses políticos e covardia diante da pressão da imprensa podem ser parte da explicação. Depois que foi feita a votação que aceitou a denúncia e iniciou a o processo do "mensalão", em 2007, o ministro Ricardo Lewandowski que, por ser o revisor conhecia os documentos, disse: "A imprensa acuou o Supremo. Não ficou suficientemente comprovada a acusação. Todo mundo votou com a faca no pescoço". Mas, alguns juízes podem ter sido enganados. A vida de um juiz não deve ser fácil. Imagino que cada ministro do STF seja responsável, como relator ou revisor, por uma centena de processos. O processo do "mensalão" ainda não terminou e já tem 49 mil páginas. É impossível cada ministro ler todos os processos. Então, eles precisam confiar no relator e no revisor. Mas o procurador geral da república Antônio Fernando de Souza e o relator Joaquim Barbosa esconderam as provas da inocência dos réus, o Laudo 2828 e a perícia do Banco do Brasil, em um inquérito paralelo, o 2474. Se todos os ministros tivessem conhecimento desses documen-tos, é possível que nem teriam aprovado a abertura do processo. Depois que o processo já tinha sido aprovado, Antônio Fernando de Souza anexou aqueles documentos, mas sugeriu que nem era necessário lê-los, porque eles comprovavam que Pizzolato desviou os recursos. Acontece que, como vimos, o nome de Pizzolato nem sequer aparece no Laudo 2828 e a perícia do Banco do Brasil constata que não houve desvio de dinheiro público. Joaquim Barbosa fez a mesma coisa em relação ao deputado João Paulo Cunha: disse que três perícias provam sua culpa, quando, na verdade, as três concluem que não houve irregularidades. A revista Retrato do Brasil diz na sua capa que Joaquim Barbosa mentiu. É preciso muita coragem pra chamar um juiz de mentiroso. Ou muita certeza de que é mentiroso mesmo.
Uma informação curiosa, que já se conhecia e a publicação do inquérito 2474 confirma, é que a Casa Tom Brasil, promotora de eventos na qual o filho de Joaquim Barbosa trabalhou, recebeu 2,5 milhões de reais da Visanet. Mais tarde, o filho de Barbosa foi contratado por Luciano Huck, da Globo, empresa que recebeu a parcela maior dos pagamentos da Visanet. Portanto, Barbosa deve saber até por seu filho que o dinheiro da Visanet não foi desviado pro PT, mas foi usado em publicidade, porque seu filho trabalhou em duas empresas que receberam parte desses recursos.
Consequências do Mentirão
Um jurista disse que o julgamento trouxe uma enorme insegurança jurídica pra todos nós. As decisões do STF são imitadas por outros juízes (jurisprudência), então, a partir de agora, qualquer um de nós poderia ser condenado sem provas. Mas a maioria dos especialistas acha que o "mensalão", por ter sido conduzido fora das normas do bom direito, não será imitado por nenhum outro juiz.
Politicamente, acho que esse processo foi muito ruim para o Brasil. O PT e a maioria dos partidos aliados e também a oposição cometeram crime eleitoral, o caixa2, que foi provado e confessado. Em vez de procurar chifre em cabeça de cavalo, inventando um desvio de dinheiro público e uma mesada para deputados que não houve, o STF deveria ter punido severamente o crime eleitoral de todos os partidos. Não o fez e, você e eu sabemos, o caixa 2 vai rolar solto de novo na próxima eleição.
Outro prejuízo é que muitas pessoas ingênuas e mal informadas acham que, finalmente, os corruptos poderosos foram presos, quando o processo mostrou que, na verdade, os condenados não são corruptos e, coisa rara, nenhum deles enriqueceu na política, precisam fazer vaquinha até para pagar as multas estabelecidas na sentença. Enquanto isso há um "mar de lama" apodrecendo nas gavetas do judiciário, que se recusa a julgar ou a condenar qualquer um daquela "nata" dos 1%, os verdadeiros poderosos, por mais claras que sejam as provas de corrupção.
Conclusão
Pode ser que os réus do "mensalão" sejam culpados de tudo aquilo de que são acusados e de mais outro tanto. Mas não é o que consta no processo. Está muito claro que faltou provar a sua culpa, aliás, foi provada a sua inocência. Por isso, deixei de ser papagaio da Globo, não falo mais aquelas coisas decoradas que eles mandam falar. E vou procurar, sempre que possível, desmascarar o Mentirão. É uma questão de patriotismo e de respeito à Verdade. Faça o mesmo você também! Estude o assunto e chegue a suas próprias conclusões! Cito, a seguir, algumas fontes onde você pode pesquisar. Você pode encontrar quase tudo na internet.
Fontes
Inquérito 2474 e Laudo 2828, Dalmo Dallari, Bandeira de Mello, Ives Gandra Martins, Cláudio Lembo, revistas Carta Capital e Retrato do Brasil (principalmente o nº 77, de dezembro/13, que é especial sobre o "mensalão"), os blogs Tijolaço, O Cafezinho, Viomundo, Diário do Centro do Mundo, Conversa Afiada, Luis Nassif.
Itaiópolis, fevereiro de 2014
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