9 de julho de 2014

PARA ONDE ESTE MUNDO VAI?

Delmar Purper

Passivamente, como as ovelhas vão para o matadouro, a humanidade caminha para o abismo.

PARA ONDE ESTE MUNDO VAI?

Nesta vida, algumas coisas são complicadas, outras são simples. Algumas são complicadas para uns, mas simples para outros. Algumas necessitam de muito estudo para serem compreendidas, outras são compreendidas de imediato, quase sem querer. Conheci uma pessoa que precisava pensar durante 2 minutos pra saber pra que lado devia virar o volante quando queria dar ré no carro. E, mesmo assim, às vezes o carro teimava em ir pro lado contrário do que ela queria. Seu filho, no entanto, com 4 anos de idade, quando brincava de caminhãozinho fazia essa manobra certinho, sem pensar, sem errar e sem ninguém ter ensinado.
Na economia, na política, na organização da sociedade, também é assim. Algumas coisas são percebidas facilmente, outras necessitam de grandes estudos de especialistas para serem entendidas ou comprovadas. Desde que comecei a observar a política e a sociedade, na década de 80, sempre achei que o mundo caminha para um conflito muito grande, com guerras, mortes e destruição extensa. Na época, eu não tinha, como ainda não tenho hoje, grandes conhecimentos de economia, sociologia ou ciência política. Baseava-me apenas em um mínimo conhecimento da natureza humana. O ser humano é egoísta, nunca está satisfeito com o que tem, sente uma necessidade doentia de acumular riquezas, muito além daquelas necessárias pra ter uma boa vida. E o tipo de sociedade em que vivemos favorece esse comportamento, porque dá mais valor pra quem tem mais dinheiro. Além disso, havia um fator biológico: os ricos tinham 2 filhos, os pobres 10 ou 12. Então eu achava que o mundo era como uma panela de pressão. Cada vez menos pessoas eram donas das riquezas e havia cada vez mais gente passando necessidade. Cedo ou tarde, a panela ia explodir. O planejamento familiar e a facilidade de acesso a métodos anticoncepcionais diminuiu o número dos filhos dos pobres. Mas a concentração da renda continuou.
 A grande novidade no mundo nas últimas semanas, o assunto mais falado, é o livro O CAPITAL NO SÉCULO XXI, do economista francês Thomas Piketty, que trata dessa questão da concentração de renda. Não li o livro, que tem 700 páginas e ainda não foi traduzido para o português, porém é fácil encontrar resumos e comentários sobre ele na internet.
Mas o que é que você e eu temos a ver com isso? Temos a ver que, se as conclusões de Piketty estiverem certas, este mundo vai pro beleléu bem antes do que a gente pensa. Não é coisa que vai acontecer lá em um futuro distante, é pra nossa geração ainda, e o desastre vai afetar a todos nós.
O autor e alguns auxiliares pesquisaram os rendimentos do 1% dos mais ricos na Inglaterra e nos Estados Unidos nos últimos 100 anos e na França nos últimos 300 anos. Resumidamente, Piketty diz que numa economia onde a taxa de rendimento sobre o capital supera a taxa de crescimento, a riqueza herdada sempre crescerá mais rapidamente do que a riqueza conquistada. Ou, dito de outro jeito: enriquece mais quem herda a fortuna e aplica na especulação financeira do que quem trabalha para produzir. Se duas pessoas iniciarem com o mesmo capital inicial e uma investir em alguma atividade produtiva, como uma fábrica, ou comprar terra e plantar ou abrir um comércio, e a outra pessoa não produzir nada, apenas investir na bolsa de valores ou emprestar dinheiro a juros, o que não produz vai progredir mais e mais rapidamente do que aquele que trabalha. Este é apenas um dos truques do sistema econômico para favorecer mais o dinheiro do que o trabalho. E se o industrial, o agricultor ou o comerciante se apertarem e precisarem de dinheiro, vão pedir pro especulador, que, sem trabalhar, vai ganhar mais do que aquele que trabalha. Se não conseguirem devolver o empréstimo e os juros, perdem o seu negócio para quem emprestou o dinheiro, que geralmente é um banco. Esse processo de concentração de renda e riqueza pode não ser tão evidente de um ano pro outro, ou de uma geração pra outra mas, em um tempo mais longo, fica muito claro. E o sistema econômico do planeta está nesse ritmo de concentração de riquezas há mais de um século.
O resultado lógico disso é que cada vez menos gente é dona de cada vez mais riquezas, a pobreza aumenta e isso está desequilibrando o sistema econômico do mundo. A consequência vai ser fome, guerras, revoluções sangrentas. E não é só uma questão econômica, mas de desestruturação da sociedade, do abandono de valores como a solidariedade, a fraternidade, o respeito. Em lugar disso, o que vem é cada vez mais violência. Não é isso que já estamos vendo acontecer todos os dias no mundo todo? O livro é uma demonstração científica do que eu e milhares de outras pessoas já havíamos percebido há anos.
Pra você ter uma ideia da gravidade da situação da distribuição da riqueza, tirei do blog de Luis Nassif de 21.10.13, atualizado em 26.12.13, os dados da distribuição de renda do mundo em 2012.
- Existem no planeta 7 bilhões de pessoas.
- A metade (3 bilhões e 500 milhões) possui bens no valor de 8.600 reais (equivalente a uma moto usada) ou menos.
- 6 bilhões e 300 milhões de pessoas têm um patrimônio de 162 mil reais (o valor de uma casa) ou menos.
- 6 bilhões e 930 milhões de pessoas (99% da população) têm menos do que um milhão e 600 mil reais.
- 70 milhões de pessoas (1% da população) possuem mais de um milhão e 600 mil reais. Uma boa casa, um carro, uma propriedade rural e algum maquinário já ultrapassam esse valor, o que não quer dizer que a pessoa seja realmente rica, só quer dizer que os outros são muito pobres. E há uma diferença muito grande entre ter propriedades que servem para o trabalho, para produzir, e ter esse mesmo valor aplicado no mercado financeiro.
- 32 milhões de pessoas, em torno de meio por cento da população mundial, podem ser consideradas de fato ricas.
- 161 pessoas controlam cerca de 140 corporações (empresas), que dominam praticamente todo o sistema econômico e político do mundo.
O economista Thomas Piketty sugere que se cobre altos impostos (até 80%) sobre os ganhos extraordinariamente altos, normalmente guardados em paraísos fiscais, e também sobre heranças, o que muita gente já propõe há anos (ver caderno nº 3 MALDITOS IMPOSTOS!). Mas essas 161 pessoas, além de controlarem a economia do planeta, também controlam a política e têm seus políticos peões, os neoliberais, em todos os países. Então já se sabe que nada vai mudar, a concentração de renda e riqueza vai continuar. O mundo é como uma panela de pressão no fogo, com a válvula fechada. Uma hora a panela explode.


A SITUAÇÃO NO BRASIL
Acho que em nossa história tivemos três oportunidades para tentar melhorar a distribuição de renda e tirar o país do rumo do precipício. As três falharam. A primeira foi com Getúlio Vargas, que deu os primeiros passos na direção de uma situação mais justa para os trabalhadores. Ele lutou até onde foi possível, e quando o 1% estava para dar o golpe e tomar o poder, em 1954, Vargas suicidou-se. Com sua morte e por causa da sua carta-testamento, a população se revoltou e o golpe foi retardado em dez anos.
Em 1964, João Goulart, presidente eleito, propôs as Reformas de Base, que iriam começar a mexer na injusta situação da economia para a maioria da população. Não teve tempo pra colocar nada em prática porque foi deposto por um golpe comandado por políticos e pela imprensa do 1% e apoiado pelos militares.
A terceira chance de mudar o rumo da história do Brasil foi a partir da eleição de Lula e do PT em 2002. Talvez tenha sido a mais frustrante das três, porque havia grande apoio popular e houve tempo para fazer mudanças profundas no país que, como veremos adiante, por algum motivo não aconteceram. Mesmo assim, por ter garantido emprego para todos, ter aumentado a renda dos trabalhadores e investido em programas sociais, o governo já colocou o Brasil na contramão do mundo. Enquanto nos Estados Unidos, na Europa e em muitos outros lugares do planeta a pobreza aumenta, aqui ela diminui. Mas, sem reformas profundas na economia e na política, esses avanços não se sustentam. Mais dia, menos dia, a situação volta a ser como antes. Na prática, o PT abriu uma frestinha na válvula da panela de pressão, mas não aliviou a pressão toda e não abriu a tampa da panela, isto é, não resolveu de fato os problemas.

O QUE SERIA NECESSÁRIO PARA REVERTER A CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO BRASIL?
OU: O QUE O PT DEVERIA TER FEITO E NÃO FEZ?

1 . Reestatizar (pegar de volta) as empresas de interesse público privatizadas irregularmente. Durante os 8 anos de governo de Fernando Henrique Cardoso aconteceu o que se considera o maior assalto da história ao patrimônio público brasileiro. Pessoas ligadas ao PSDB ficaram bilionárias da noite pro dia, tornando-se donas daquilo que pertencia a todos nós, o que também se caracteriza em um processo de concentração de riqueza. Diziam que iam vender as empresas pra resolver os problemas da educação e da saúde. Nenhum problema foi resolvido e a privatização deu prejuízo, porque o governo financiava os compradores com dinheiro público. E tudo ficou por isso mesmo.

2. Fazer auditoria da dívida pública.
A dívida pública é resultado de empréstimos que o governo pega para cobrir prejuízos quando gasta mais do que arrecada. A dívida pode ser interna, em reais, ou externa, em moeda estrangeira, geralmente dólar. Em 2012, 44% do dinheiro arrecadado pelo governo foi usado para pagar dívidas e juros de dívidas, e só 5% foi para a saúde e 3% para a educação. Quer dizer que 44% do dinheiro pago pelo povo em impostos foi transferido para o 1% dos mais ricos, em vez de retornar para nós na forma de serviços. Cada vez que o Banco Central aumenta os juros, o povo fica mais pobre e os banqueiros mais ricos.
O valor que sobra do total arrecadado, depois que o governo pagou suas despesas, chama-se superávit primário, e é usado para a dívida. Se dói na alma ver quanto do nosso dinheiro vai para pagamento de juros de dívidas hoje, pior era no tempo de FHC, quando em vez de superávit havia déficit primário, isto é, o governo gastava mais do que arrecadava. Por causa da roubalheira generalizada, o governo conseguia a façanha de gastar mais do que arrecadava, mesmo investindo muito pouco em infraestrutura e em programas sociais. Então, para cobrir o rombo, fazia novos empréstimos para pagar os juros das dívidas antigas. Foi assim que os tucanos quebraram o Brasil três vezes em 8 anos de governo.
O problema é que, provavelmente, parte dessa dívida nem existe. A dívida feita durante a ditadura, principalmente, é muito suspeita. Então deveria ser feito um levantamento, uma fiscalização desses contratos. Isso já foi feito no Brasil em 1931, e a conclusão foi que 60% da dívida não era documentada, isto é, nem existia. Mais recentemente, outros países fizeram auditoria da dívida e chegaram à mesma conclusão. Quer dizer que, com certeza, muitos bilhões de reais são transferidos dos 99% dos brasileiros, que trabalham e produzem, para o 1% de brasileiros (e estrangeiros) que "dizem" que nos emprestaram dinheiro, mas nem nos damos ao trabalho de verificar se essas dívidas são verdadeiras. Somos mesmo muito trouxas, otários!

3. Fazer a Reforma Política
A política é a atividade mais desmoralizada que existe hoje em dia. A maior parte da imprensa se esforça para desmoralizá-la sempre mais, como se todos os políticos fossem desonestos, o que não é verdade. Com isso, muita gente correta, que teria muito a contribuir para melhorar a sociedade, fica longe da política. Essa é justamente a intenção dos que desmoralizam a política.
Você deve ouvir falar de Reforma Política desde sempre. Todo mundo diz que é a favor. Então por que ela não acontece? Por que não se corrige o que está errado? Porque devem ser alteradas as leis que regulamentam o funcionamento da política. Quem faz leis é o Congresso Nacional: deputados federais e senadores. Acontece que a grande maioria dos deputados e senadores servem ao 1%, apesar de ter sido eleita pelos 99%. Para serem bem obedientes ao 1%, deputados e senadores recebem muitas regalias. Nunca vão fazer leis que signifiquem perda de vantagens para eles mesmos. Então, todo mundo faz de conta que é a favor da Reforma Política, mas, de fato, faz de tudo pra ela não acontecer.
O único jeito de a Reforma acontecer é através de uma Constituinte exclusiva. Quer dizer: nós elegeríamos representantes que teriam um prazo pra fazer a Reforma Política e todas as outras reformas que são necessárias. Terminado esse trabalho, o mandato dos constituintes acabaria e eles voltariam pra casa. Assim, não estariam legislando em causa própria.
A primeira e principal modificação necessária na política é o financiamento das campanhas eleitorais. Hoje, o 1% dá a maior parte do dinheiro para as campanhas dos candidatos. Por isso, elege quem quer e depois tem o eleito nas mãos. O único jeito de evitar isso é instituir o financiamento público exclusivo das campanhas, que teriam que ser baratas e de propostas. Você pode ter certeza que pra nós, os 99% da população, seria milhares de vezes mais barato se nós pagássemos as campanhas e tivéssemos os eleitos do nosso lado, em vez de estarem geralmente contra nós e a favor do 1%.

4. Fazer a Reforma Tributária
Se você ler o Caderno nº 3, MALDITOS IMPOSTOS!, vai ver que o Sistema Tributário brasileiro é muito injusto com a maioria da população. Não temos "a maior carga tributária do planeta", como a imprensa vive dizendo. Em muitos países os impostos são muito mais caros do que aqui. Mas, em compensação, os serviços públicos também são melhores. Porém, a diferença maior é que no Brasil cobra-se mais imposto sobre o consumo do que sobre a renda e o patrimônio. No preço dos produtos que compramos está incluído o imposto. Isso prejudica os 99% que, proporcionalmente, pagam mais imposto do que o 1%. Em outros países, o imposto sobre renda e patrimônio é mais alto. Mas ainda é pouco, porque muitos escondem o dinheiro em paraísos fiscais, então o patrimônio não aparece. Thomas Piketty acha que se não houver uma tributação pesada sobre as rendas altíssimas e as grandes fortunas, os governos do mundo todo ficarão inviabilizados e o planeta vai virar um caos. Se lá no primeiro mundo eles precisam fazer isso, imagina aqui no Brasil, onde temos um Sistema Tributário muito mais injusto do que lá. Mas, pelos mesmos motivos que não acontece a Reforma Política, também não acontece a Reforma Tributária.

5. Fazer a Reforma do Judiciário
De todas as podres estruturas do Brasil, a mais podre, de longe, é o Judiciário. Naturalmente, não estou me referindo ao pessoal que trabalha nos fóruns das comarcas pelo Brasil afora, lutando com dificuldades para dar conta de um trabalho muito maior do que a capacidade do sistema. Refiro-me a figuras das altas esferas do judiciário federal, incluindo parte do Ministério Público. A cara de pau com que essa gente protege os políticos e empresários do 1% e a facilidade com que se metem em negócios particulares suspeitos é de envergonhar qualquer um. Só não envergonha a eles próprios porque vergonha eles nunca tiveram ou já a perderam há muito tempo.

6. Democratizar a imprensa
Países como Austrália, Inglaterra, Estados Unidos, Argentina, Venezuela e outros já têm sua Lei dos Meios de Comunicação ou, pelo menos, regras claras nessa questão. No Brasil, nem precisaríamos inventar muito, bastaria regulamentar e respeitar a Constituição Federal, que já contém as bases de um sistema de mídia democrático. Mas esse é um assunto proibido. Aqui, 3 ou 4 famílias, todas do 1%, são donas de quase todas as redes de rádios, jornais e televisão, além de parte da internet. Felizmente, recentemente foi aprovada a lei que mantém a internet neutra, porque eles queriam tomar conta desse setor também. Por causa dessa lei o Brasil foi elogiado e festejado no mundo todo. A lei brasileira da internet é considerada a mais avançada e melhor do mundo.
Nunca confundir regulamentação da mídia com censura. A Lei de Meios deve ser feita pra regulamentar o negócio da informação, não o seu conteúdo. Quer dizer que a liberdade de opinião é sagrada e intocável. Cada um publica e diz o que bem entende, e se responsabiliza por suas palavras. O que não pode continuar é a população ser bombardeada sempre com histórias mentirosas e versões que só interessam ao 1%. É desse jeito que o 1% domina a consciência dos 99%.
Dá pra fazer uma comparação dessa questão da imprensa com o comércio. Imagine se em uma cidade só existisse um supermercado, ou vários, mas todos pertencentes ao mesmo dono. Esse dono poderia explorar a população à vontade. Se no comércio a concorrência é saudável, porque também não seria no negócio da informação? Baseados em experiências de outros países, poderíamos ter um sistema de mídia dividido em três setores: um terço da iniciativa privada, um terço estatal (das prefeituras, estados e do governo federal ou de órgãos ligados à estrutura governamental) e um terço de organizações não governamentais independentes e sem fins lucrativos. Se quiséssemos saber alguma coisa sobre o pré-sal ou a Petrobras, por exemplo, poderíamos ver as notícias dadas pela rede privada, depois mudaríamos o canal pra ver o que o governo tem a dizer sobre o tema e, finalmente, iríamos para um canal independente, onde, certamente, teríamos notícias e debates com opiniões variadas sobre o assunto. Aí sim poderíamos formar nossa opinião sem sermos manipulados por nenhuma das partes. Por que não pode ser assim? Porque se for assim, o 1% perde a capacidade de manipular os 99%.

7 . Outras
Várias outras reformas são necessárias no Brasil: da educação, da segurança pública, da estrutura fundiária (Reforma Agrária), etc. Mas acho que as 6 que citei, se acontecessem, abririam caminho para todas as outras.

QUEM PODE NOS SALVAR?

Se, segundo Thomas Piketty e pelos claros sinais que observamos na atualidade, o mundo caminha para um abismo, quem ou o que poderia mudar o rumo dessa trajetória? Especialmente no Brasil, quem poderia nos salvar?

1. Governo, políticos, partidos.
Você conhece algum governo, partido ou político que tem peito, capacidade e vontade pra fazer aquelas 6 reformas? Nem eu.
2. O Judiciário
Se não se fizesse mais nenhuma lei nova, apenas se cumprisse as já existentes, o Brasil já seria outro país. Mas o Judiciário não é independente nem imparcial quando julga questões políticas. Então não podemos esperar que ele nos salve.

3. Os intelectuais
Intelectuais são pessoas que sabem mais, estudaram mais a fundo os assuntos, entendem melhor o mundo. Quando nós estamos indo, eles já estão voltando. Quando estamos aprendendo a tomar água, eles já estão fazendo xixi. Só que os intelectuais estão nas universidades, circulam no meio acadêmico, escrevem livros complicados. No máximo, vemos alguns artigos seus na internet. Essa gente não desce ao mundo dos simples mortais como nós. Eles não vêm pro meio do povo explicar e ajudar a entender o mundo e a sociedade. Então toda essa sabedoria pra nós tem pouco valor.

4. As escolas
Se as escolas formassem cidadãos, seres pensantes, responsáveis e críticos, fraternos e solidários, com o tempo o Brasil e o mundo mudariam. Mas a escola, de um modo geral, forma abelhinhas operárias para o mercado, pessoas treinadas para produzir e consumir sem questionar nada e, dessa maneira, servir ao 1%. Enquanto for assim, não dá pra esperar nenhuma transformação real da sociedade vinda do sistema educacional.

5. Deus
Não tenho procuração pra falar em nome de Deus, mas acho que ele não vai fazer nada pra nos tirar do caminho do abismo. Pelo simples fato de que já fez a sua parte: deu-nos o evangelho e o livre arbítrio. Abra sua bíblia no Novo Testamento e leia com atenção. Tá tudo ali. A fórmula da felicidade coletiva está no evangelho, não é necessário procurar em outro lugar. Mas temos a liberdade para escolher o nosso caminho. E a humanidade (agora não me refiro apenas ao 1%) escolheu o caminho do materialismo, do individualismo, do egoísmo, da arrogância, da discriminação, da alienação política, etc. Observe bem e você vai ver que a maioria das igrejas, das comunidades, das paróquias, são irreconhecíveis se comparadas às primeiras comunidades cristãs, como estão descritas nos Atos dos Apóstolos. Deus deve estar pensando: "Tá bom, querem se lascar, vão se lascar". Tem sido assim ao longo da história: a humanidade precisa quebrar a cara pra aprender.

6 . Os plebeus
Antigamente, plebeus eram os não nobres, as pessoas do povo. Quando falo em plebeus hoje, refiro-me às pessoas que não têm cargo público decisivo, não mandam nem fazem parte da elite econômica ou intelectual do país. Plebeu é o agricultor, a dona de casa, o operário, o sem terra e o sem teto, o estudante, o professor, o enfermeiro, o médico, o advogado, o dentista, o comerciante, o pequeno empreendedor, etc. Plebeus somos nós, os 99%. Essa é a maior força transformadora que existe. Porém, com exceções, os plebeus cometem o maior pecado de todos, que é a alienação. A nossa casa (o Brasil, o mundo) está pegando fogo, mas nós viramos a cara pro outro lado, como se não tivéssemos nada a ver com isso. O patriotismo e o compromisso político com a sociedade estão desaparecendo. Não adianta nem convidar as pessoas para se engajarem na transformação da política e da sociedade. Fazem de conta que não têm nada a ver com o assunto. Até terem algum prejuízo financeiro pessoal, como perda salarial. Aí, mexem-se rapidinho, são capazes até de fazer greve. Resolvido o problema pessoal, voltam à sua vidinha egoísta e alienada. Esse é um comportamento que vai nos custar caro, do qual nos arrependeremos amargamente no futuro e pelo qual seremos cobrados pelos nossos filhos e netos.

CONCLUSÃO

Sou pessimista quanto ao futuro da humanidade a curto e médio prazo, baseado naquilo que vimos acima. E nem toquei em outros dramas, como a questão ambiental! Na política e na economia, o problema não é só o fato de que 1% (ou meio por cento) explora a maioria. O problema maior é que esse 1% é invejado, a maior parte das pessoas dos 99% gostaria de estar em seu lugar.
A prosperidade não é pecado. É legítimo querer viver bem, desfrutar daquilo que a vida pode oferecer em termos materiais, quando alcançado com trabalho honesto. O que é desumano é pisar em cima dos outros, causar sofrimento pelo caminho, para acumular riquezas que estão muito além das necessidades e até da capacidade de a pessoa gastar durante a vida toda.
Esse processo de acumulação, estudado por Thomas Piketty, parece irreversível, não tem volta. E está causando danos. Os sinais estão por toda a parte. Na Europa, por exemplo, os partidos de extrema direita, há décadas fraquinhos, agora estão muito fortes e já chegando ao poder em alguns lugares. Seu discurso e propostas são quase exatamente iguais aos dos partidos que levaram Benito Mussolini ao poder na Itália e Hitler na Alemanha. Por aí você já vê o que nos espera.
O Brasil vai pelo mesmo caminho. Manifestações de estupidez, de burrice, de crueldade, de preconceito, de intolerância, de ignorância política, tudo incentivado pela imprensa do 1% e pelos profissionais da intriga do facebook, são cada vez mais frequentes em um povo antes tido como alegre, educado e tolerante.
Estas são reflexões complicadas em um ano eleitoral. Em 2014, teremos a oportunidade de eleger deputados federais e senadores comprometidos com as reformas das quais falei acima. Mas isso não vai acontecer. O povo vai votar, de novo, nos candidatos do 1%, e nada vai mudar. Quanto a presidente, dos três candidatos com chance de ganhar, Dilma, Aécio Neves e Eduardo Campos, nenhum nos desvia do abismo. Como vimos, por não terem feito as reformas necessárias, Dilma e o PT não estão nos desviando do abismo, apesar de estarem adiando a nossa queda. Aliás, o PT claramente quer governar para os 99%, mas sem desagradar o 1%. Isso é impossível, porque os interesses dos dois grupos são totalmente contrários, e ninguém pode servir a dois senhores. Por outro lado, com os candidatos do 1%, Aécio Neves e Eduardo Campos, nos alinharemos novamente com a política neoliberal, com arrocho salarial e maior concentração de renda, e assim chegaremos ao abismo mais depressa. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Ah! Há um terceiro caminho: nós, os plebeus, tomarmos as rédeas da política e colocarmos as coisas nos seus devidos lugares. Mas isso dá muito trabalho. Melhor pular no abismo. Se já, com Aécio e Campos, ou um pouquinho mais pra frente, com Dilma, cada um resolve.
Não sou espírita, mas eles dizem que a terra está entrando em uma fase de regeneração. Os espíritos que estão reencarnando, isto é, as crianças que estão nascendo agora, são melhores, e o mundo vai melhorar muito. Pode ser verdade, mas antes vamos passar por uma grande tribulação, pelo caos. Talvez os que sobrarem, as crianças de hoje, vão consertar as coisas erradas que nós não queremos nem tentar consertar. Uma pena. Poderíamos evitar tanto horror e sofrimento, se quiséssemos. Mas não queremos.
ENTÃO TÁ!  SE FAZEMOS TANTA QUESTÃO DE NOS LASCAR, VAMOS NOS LASCAR !

                                                Itaiópolis, maio de 2014

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