27 de outubro de 2010

O longo caminho do aprendizado!

O que já aprendemos nestes últimos 45 anos e como usar isto nas lutas do povo e na igreja?

O que aprendemos dos anos 60?
Aprendemos que é necessário o estudo e a discussão entre estudantes e trabalhadores/as na igreja e fora dela que cria a base teórica para o processo revolucionário.
Aprendemos que o estudo teórico é fundamental para a organização do povo empobrecido e seus aliados.
Aprendemos que a união entre estudantes, trabalhadores urbanos e camponeses, cristãos e não cristãos é fundamental para a junção de forças para a construção da nova sociedade.
Em 64 aprendemos que a burguesia tem muito medo, por isso construiu o golpe militar a serviço do capital (internacional).
Aprendemos que o capital mata no processo produtivo quando é gerado o lucro e mata quando este lucro está ameaçado, acima de tudo mata em nome de Deus.
Aprendemos também que a burguesia tem muito medo do povo pobre organizado, por isso assassina líderes camponeses e urbanos. Por que mata líderes? Para impedir o processo de libertação ou no mínimo atrasar o processo, pois um novo líder leva anos para se formar na luta e na teoria. Não é só com líderes que se faz a mudança, mas eles são cruciais.
Aprendemos que a burguesia tem mais medo do que nós. Por quê? Porque ela tem culpa no cartório; quem não deve não teme, diz o povo.
Aprendemos que não se enfrenta o inimigo em seu campo, quando a esquerda entrou na luta armada. Nós sabemos organizar o povo e fazer discursos e eles (o exército a serviço da burguesia) sabem atirar.
Aprendemos com a guerrilha urbana e rural que não se faz a revolução sem o povo organizado. O Che foi denunciado para o exército por um camponês pobre e alienado, este que ele veio libertar.
Aprendemos que imperialismo não rima com democracia. Imperialismo rima com sangue derramado e com tortura.
Aprendemos que o imperialismo se nutre da sanha capitalista que está em todos nós.
Aprendemos que não dá para confiar na burguesia com camiseta e conversa de esquerda, como foi o caso do Jango.
Aprendemos que a esquerda é ingênua, pois em 64 acreditou na organização da resistência do Jango, que não houve.
Aprendemos que a igreja é uma aliada fundamental do capital.
Aprendemos que a igreja para defender o capital trai a Jesus Cristo por muito menos que trinta moedas.
Aprendemos que a repressão vem de todos os lados quando o capital está sendo ameaçado, também da igreja.
Aprendemos que o aparelho repressivo do estado está onipresente na vida do povo e se infiltra na direção da igreja. Tivemos um informante do SNI no Conselho Diretor da Igreja, membro da antiga RE III.
Aprendemos a avançar com a educação popular.
Aprendemos com a música de protesto a sonhar com a liberdade, a justiça, a democracia e o socialismo.

Aprendemos...

O que aprendemos dos anos 70?
Aprendemos que a igreja leva anos para acordar. A Igreja Católica Romana começou a acordar com o documento: ‘Ouvi o clamor do meu povo’, e a IECLB começou a acordar com ‘O Manifesto de Curitiba’. Ao menos uma parte dela acordou em 1970.
Aprendemos que a Bíblia é fundamental no processo de construção da nova sociedade.
Aprendemos a ler a Bíblia a partir da voz do povo e com a voz da teoria da leitura da realidade de Marx.
Aprendemos a escutar a voz do povo.
Aprendemos que a igreja é um bom espaço para o povo se organizar quando não há espaços na sociedade.
Aprendemos com o ressurgimento do movimento sindical do final dos anos 70.
Aprendemos com os jornais nanicos, mesmo falindo economicamente.
Aprendemos com a música, poesia e literatura latino-americana.
Aprendemos a fazer material para estudo e leitura com mimeógrafo a álcool e a tinta.
Aprendemos a denunciar a tortura e lutar pela anistia e lutar pela volta dos exilados políticos.
Aprendemos com o movimento indígena que surgia em São Miguel das Missões, RS, que acabou formando a UNI.
Aprendemos com a Teologia da Libertação que nos abriu os olhos a partir da realidade de opressão em que a classe trabalhadora vive.
Aprendemos que o método de leitura da realidade nos ajuda na leitura da Bíblia.

Aprendemos...

O que aprendemos dos anos 80?
Aprendemos que quando parte da classe média no período da ditadura que estava na guerrilha urbana era torturada nos importávamos e no comovíamos com isto e quando a classe trabalhadora continuou a ser torturada após a ditadura nos esquecemos de denunciar isto.
Aprendemos que o povo tem que se organizar na base, não basta ter somente uma vanguarda.
Aprendemos a olhar e participar da organização da classe trabalhadora no movimento sindical camponês e urbano e no movimento popular na luta camponesa das mulheres e da terra.
Aprendemos com o MAB, o MST e o MMC que surgiam.
Aprendemos que nosso inimigo nº 1 não é a ditadura, mas o capitalismo, que a ditadura é apenas uma faceta momentânea do capital.
Aprendemos com o Cebi e o Cedi a ler a Bíblia usando o método de leitura marxista da realidade.
Aprendemos que com o apoio da igreja o movimento popular, sindical e a luta partidária avançam.
Aprendemos com as pastorais e as CEBs da Igreja Católica Romana.
Aprendemos que saber é poder.
Aprendemos a fortalecer o partido nas lutas do povo e nos grupos de base do partido.
Aprendemos a participar do movimento popular que se fortalecia.
Aprendemos estudando e lutando na igreja, no movimento popular, sindical e no partido.

Aprendemos...

O que aprendemos dos anos 90?
Aprendemos que o neoliberalismo é devastador em todas as áreas.
Aprendemos que o capitalismo é inteligente e eficaz, pois após a queda do Muro começou imediatamente através do estado repassar a infra-estrutura da economia (empresas estatais) para as mãos de capitalistas privados sob controle internacional. Com isto tirou a possibilidade no futuro da classe trabalhadora gerenciar o estado sob seu controle, pois este não decide mais nada de importante.
Aprendemos que com a queda do Muro de Berlim caíram muitos outros muros, somente o muro invisível do capital não caiu.
Aprendemos que o muro que os USA construiu na divisa entre o México e os USA que impossibilita a entrada dos pobres (porque os ricos entram via aeroporto) não é denominado de o ‘Muro da Vergonha’ pela imprensa.
Aprendemos que para as mercadorias e o capital não tem fronteiras, elas existem apenas para as pessoas da classe trabalhadora. Esta é a liberdade no capitalismo: um mundo sem fronteiras para o capital. Liberdade total para o capital, apenas.
Aprendemos que o Muro conseguia esconder muito falso engajamento, muita falsa TdL, muito falso socialismo e com sua queda caíram as máscaras que mostraram que a igreja retrocedeu no tempo.
Aprendemos com a queda do Muro que toda ditadura é ditadura.
Aprendemos com a queda do Muro que construir o socialismo é mais difícil do que imaginávamos.
Aprendemos com a queda do Muro que a corrupção faz parte do ser humano.
Aprendemos com a queda do Muro que muitos que se diziam socialistas e revolucionários não o eram. Como se fez este milagre em que de noite para o dia se transformou comunistas em capitalistas no leste europeu?
Aprendemos que pouca teoria revolucionária e pouca teologia facilitam o retrocesso da muitas pessoas em sua prática.
Aprendemos a desaprender tudo o que aprendemos nos anos 80 e que é fácil se apelegar.
Aprendemos com um sindicalismo camponês que se apelegou, apesar de ter surgido de oposições sindicais da CUT e motivado pela igreja, a construir o MPA.
Aprendemos a entrar em áreas novas como as cooperativas de pequenos agricultores (desvinculadas das cootri), na agroindústria e no sistema bancário alternativo via Cresol e Crehnor.
Aprendemos com o MMC como se conquista muitos direitos da mulher camponesa.
Aprendemos que na igreja perdemos tempo na discussão da estrutura enquanto o movimento popular, apesar de lento, progredia.
Aprendemos que a reestruturação da IECLB esta a serviço da direita.
Aprendemos que se fez a reestruturação da IECLB para não se mexer no trabalho de base e não faze-lo a partir das necessidades do povo.
Aprendemos com o surgimento das ocupações urbanas e dos movimentos de desempregados.
Aprendemos com a Frente Sandinista como as lideranças podem-se tornar corruptas e trair o povo, mas também aprendemos com a Frente Zapatista como resistir a partir da identidade étnica e cultural.
Aprendemos com Nelson Mandela; ontem preso (durante 30 anos) e hoje (recentemente) presidente de um país que usava o racismo como forma de perpetuar e reproduzir o capitalismo, com o apoio irrestrito dos USA.

Aprendemos...

O que aprendemos dos anos 2000?
Aprendemos que temos que começar novamente a sonhar com a nova sociedade como nos anos anteriores aos 90.
Aprendemos com a crise da TdL que temos que incluir na nossa reflexão/ação a ecologia, gênero, etnia, cultura.
Aprendemos com a Via Campesina à qual o movimento camponês do Brasil começou a se integrar.
Aprendemos com o FSM.
Aprendemos como as multinacionais das sementes procuram se perpetuar via engenharia genética e como o povo camponês é seduzido pela tecnologia.
Aprendemos que a direita (Bush e Cia. e Bin Laden e Cia.) usa a religião, a guerra, o terrorismo de estado, a tortura e, principalmente, a mentira e a contra-informação para perpetuar o capitalismo.
Aprendemos que o estado capitalista é terrorista.
Aprendemos que a guerra é apenas mais um instrumento do capitalismo ao lado da ditadura e da tortura.
Aprendemos que a miséria e a exploração geram o fundamentalismo religioso que só serve para aprofundar o capitalismo.
Aprendemos com os países (Argentina e Chile) que estão processando seus ditadores, assassinos e torturadores, que a impunidade pode acabar e que a história dá muitas voltas. Lembremos o que diz no Hino Nacional do Uruguai: ditadores tremei!
Aprendemos que tudo muda e que aqui nesta Terra nada é eterno, nem o capitalismo.
Aprendemos que temos que ler mais o livro do Apocalipse, que é o grande livro da esperança.
Aprendemos que a salvação não é individual, mas coletiva e que ela já começou. A salvação é para todo o povo de Deus.
Aprendemos, também, que a salvação é por graça e fé e vem de fora de nós, portanto nada e nenhum sistema econômico opressor podem impedir a salvação e nem o reino de Deus.
Aprendemos que o PT tirou como política não oficial a não organização de grupos de base, a saída do movimento social em suas lutas, a decisão de não fazer formação de militantes e de dirigentes e de se fortalecer somente no processo eleitoral.
Aprendemos que podemos ganhar uma eleição e aprendemos que temos muito que aprender sobre como construir o poder popular, se é que queremos.
Aprendemos que não há mecanismos reais de participação e de controle popular sobre as instituições do estado e sobre o próprio estado.
Aprendemos que a democracia representativa é muito limitada e não possibilita a participação popular concreta nos rumos do estado.
Aprendemos que temos que discutir como deve ser a nossa democracia e começar a exercitar concretamente esta participação popular.
Aprendemos que enfrentar o FMI e Cia. é difícil, mas alguns países já o fizeram, temos que aprender deles (Argentina, Malásia, Rússia).
Aprendemos que fazer alianças com a direita não muda o essencial no país e só fortalece a direita.
Aprendemos que se o partido tivesse continuado nos anos 90 a participar das lutas do movimento social, organizado a sua base em núcleos, feito formação de militantes e dirigentes, construído o partido em vez de só pensar em eleições a cada 2 anos não precisaria ter feito alianças com a direita para ganhar a eleição e para governar.
Aprendemos que temos que construir o partido sempre enquanto também participamos do processo eleitoral e não é só no processo eleitoral que se constrói o partido.
Aprendemos que novamente temos que discutir sobre o socialismo e sobre a TdL.
Aprendemos que temos que estudar novamente os teóricos marxistas com o povo.
Aprendemos que não podemos impor uma idéia única de socialismo e que não devemos copiar símbolos simplesmente e encontrar nossos próprios símbolos de luta a partir da história e cultura latino-americana.
Aprendemos que não podemos simplesmente importar processos e modelos na luta pelo socialismo.
Aprendemos que a direita está muito bem e profundamente encrustada na direção da igreja.
Aprendemos que a direção e a estrutura da igreja (da comunidade até a alta cúpula) são controladas pela direita, apesar de haver no meio da direção pessoas que não são de direita.
Aprendemos que esquecemos que a ‘esquerda’ tem que tomar o poder na igreja ao lado de aprofundar a organização das pastorais e de construir um processo formativo massivo na igreja.
Aprendemos que temos que deixar de ser ingênuos e achar que não apoiamos e fortalecemos o capitalismo através da igreja assim como ela está.
Aprendemos que o engajamento e a formação teológica dos anos 80 deram resultado, é o que vemos no povo luterano engajado no movimento sindical, popular e partidário.
Aprendemos que como igreja temos que aprender novamente o que desaprendemos nos anos 90.
Aprendemos que a igreja precisa voltar a participar da organização do movimento popular e sindical.
Aprendemos que a igreja tem muito a aprender do movimento popular.
Aprendemos que apesar do retrocesso da igreja o movimento popular avança.
Aprendemos que não dá para subestimar a direita (latifundiários, etc.) e nem deixar de nos proteger das suas ameaças de morte.
Aprendemos que o povo pede a participação da igreja nas suas lutas e na suas organizações.
Aprendemos, infelizmente, que a formação teológica dos anos 90 dos/as obreiros/as da IECLB deu resultado oposto a do povo engajado no movimento social.
Aprendemos que muitos obreiros/as da IECLB que se dizem de esquerda e da PPL são apenas ‘tradicionais’.
Aprendemos que muitos obreiros/as não querem mudar nem a igreja e muito menos a sociedade.
Aprendemos que os opressores têm mais medo de nós do que nós deles. – é importante saber isto.
Aprendemos que a produção de riqueza está ligada à produção de miséria, na mesma proporção.
Aprendemos que este é o tempo para que aconteça uma elevação do nível de consciência e da organização do povo para nos preparar para o estágio posterior na luta de classes.
Aprendemos que todo tempo é tempo do povo se organizar, de estudar a Bíblia e os clássicos marxistas.
Aprendemos que temos que estudar melhor as características do Projeto de Deus (AT e NT) que Jesus chamou de reino de Deus o que vai nos dar mais clareza sobre a nova sociedade.
Aprendemos que temos que clarear melhor as características da nova sociedade que podemos chamar de socialismo/comunismo ou de outra forma.
Aprendemos que as questões de classe estão acima das divergências e diferenças confessionais (religiosas).
Aprendemos que a classe trabalhadora apóia o capitalismo e os partidos por ele sustentados porque ninguém lhe explica como funciona a sociedade.
Aprendemos que o capitalismo faz uso da religião (também e principalmente do cristianismo) para legitimar a exploração de uma classe sobre a outra e para legitimar o aparato repressivo estatal que é controlado por ele.
Aprendemos com Lênin que sem uma teoria revolucionária não há movimento revolucionário.
Aprendemos com a história.
Aprendemos que estamos aprendendo.
Aprendemos, finalmente, que temos muito a aprender com estes últimos 45 anos.

Aprendemos...

Aprendemos?


Condor, 21 de fevereiro de 2005.

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