27 de outubro de 2010

A Prática dos Primeiros Cristãos e o que precisamos e podemos aprender deles

Hoje em dia a maioria das pessoas pertence a uma comunidade cristã por tradição familiar ou porque quer receber visitas e os ofícios (batismo, confirmação, bênção matrimonial, enterro) por parte do pastor/a ou porque isto dá um certo status étnico e social ou para poder usufruir das dependências da comunidade (igreja, pavilhão, cemitério e escola) ou para satisfazer sua necessidade religiosa. Hoje paga-se (não se contribui) alguém (um pastor/a, catequista, diácono, missionário) para fazer o que qualquer cristão pode e deve fazer. Paga-se para não se precisar fazer e paga-se para ter (um pastor/a) quando se quer e se precisa e para que se fale aquilo que se quer ouvir (mensagens de auto-estima, auto-ajuda e de pensamento positivo, muitos de origem espírita, que são lidas por lideranças cristãs nos encontros por falta de clareza teológica, por desleixo por parte da igreja em promover formação teológica para o povo). Eu pago, portanto, eu tenho o direito de ser atendido; é o consumo de bens simbólicos. Membro virou cliente. Por isso vamos olhar para a Escritura e para a prática das primeiras comunidades cristãs, isto no mínimo vai nos deixar vermelhos de vergonha.


I - Nos relatos da Escritura:

At 2. 42-46: E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos. Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos.

At 4.32-37: Da multidão dos que creram era um o coração e a alma. Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum. Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça. Pois nenhum necessitado havia entre eles, porquanto os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes e depositavam aos pés dos apóstolos; então, se distribuía a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade. José, a quem os apóstolos deram o sobrenome de Barnabé, que quer dizer filho de exortação, levita, natural de Chipre, como tivesse um campo, vendendo-o, trouxe o preço e o depositou aos pés dos apóstolos.

I Tm 6.6-11: De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores. Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas; antes, segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão.

I Co 16.1-2: Quanto à coleta para os santos, fazei vós também como ordenei às igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade, e vá juntando, para que se não façam coletas quando eu for.

Tg 1.27: A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo.


II - Nos relatos dos escritos dos pais da igreja (não tive acesso aos textos das mães da igreja):


Didaqué (Catecismo dos Primeiros Cristãos da época de ±100 d.C.)

IV,5-8: Não seja como os que estendem a mão na hora de receber e a retirar na hora de dar. Se você ganha alguma coisa com o trabalho de suas mãos, ofereça-o como reparação por seus pecados. Não hesite em dar, nem dê reclamando, pois você sabe quem é o verdadeiro remunerador da sua recompensa. Não rejeite o necessitado. Divida tudo com o seu irmão, e não diga que são coisas suas. Se vocês estão unidos nas coisas que não morrem, tanto mais nas coisas perecíveis.

I,5-6: Dê a quem pede a você e não peça para devolver, pois o Pai quer que os seus bens sejam dados a todos. Feliz aquele que dá conforme o mandamento, porque será considerado inocente. Ai de quem recebe: se recebe por estar necessitado, será considerado inocente; mas se recebe sem ter necessidade, deverá prestar contas do motivo e da finalidade pelos quais recebeu. Será posto na prisão e interrogado sobre o que fez; e daí não sairá até que tenha devolvido o último centavo. A esse respeito, também foi dito: Que a sua esmola fique suando nas mãos, até que você saiba para quem a está dando.

XIII,1-7: Todo verdadeiro profeta que queira estabelecer-se entre vocês é digno do seu alimento. Da mesma forma, também o verdadeiro mestre é digno do seu alimento, como todo operário. Por isso, tome os primeiros frutos de todos os produtos da vinha e da eira, dos bois e das ovelhas, e os dê para os profetas, pois eles são os sumo sacerdotes de vocês. Se, porém, vocês não têm nenhum profeta, dêem aos pobres. Se você fizer pão, tome os primeiros e os dê conforme o preceito. Da mesma forma, ao abrir uma vasilha de vinho ou de óleo, tome a primeira parte e a dê aos profetas. Tome uma parte do seu dinheiro, da sua roupa e de todas as suas posses, conforme lhe parecer oportuno, e os dê conforme o preceito.

XV,1-2: Escolham para vocês bispos e diáconos dignos do Senhor. Eles devem ser homens mansos, desprendidos do dinheiro, verazes e provados, porque eles também exercem para vocês o ministério dos profetas e dos mestres. Não os desprezem, porque entre vocês eles têm a mesma dignidade que os profetas e mestres.


Esta primazia pelos profetas temos também em Paulo em 1 Co 12.28: “A uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres; depois, operadores de milagres; depois, dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas”.

Ef 2.20: “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular”.

Os profetas aparecem conforme a importância em segundo lugar logo após os apóstolos.


Aristides, cidadão romano (não cristão) de 125 d.C. escreve sobre os cristãos:

“Eles andam em humildade e bondade: não existe falsidade entre eles; amam uns aos outros, se ouvem que alguém dentre eles é preso ou oprimido por causa do nome do seu Messias, todos providenciam para suas necessidades, e quando possível de ser liberto eles o libertam e se há alguém entre eles pobre e necessitado, jejuam dois ou três dias para suprirem-no com alimento de que precisa”.

“Eles não desviam a sua atenção das viúvas, e os órfãos eles libertam de quem os violenta”.


Justino, morreu em 165 d.C.:

Apologia, 1-2: Antes, nós nos comprazíamos na dissolução, agora, abraçamos apenas a moderação; antes, nos entregávamos às artes mágicas; agora, nos consagramos ao Deus bom e infinito, antes, amávamos, acima de tudo, o dinheiro e as rendas de nossos bens; agora, colocamos em comum o que possuímos e disso damos uma parte para todo aquele que está necessitado; antes, nós nos odiávamos e nos matávamos mutuamente e não compartilhávamos o lar com aqueles que não pertenciam à nossa raça e pela diferença de costumes; agora, depois da aparição de Cristo, vivemos todos juntos, rezamos por nossos inimigos e tratamos de persuadir os que nos aborrecem injustamente, a fim de que, vivendo conforme os belos conselhos de Cristo, tenham boas esperanças de alcançar conosco os mesmos bens que esperamos em Deus, soberano de todas as coisas.


Justino cita Is 1.16-20 como prática necessária dos cristãos:

“Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos; cessai de fazer o mal. Aprendei a fazer o bem; atendei à justiça, repreendei ao opressor; defendei o direito do órfão, pleiteai a causa das viúvas. Vinde, pois, e arrazoemos, diz o SENHOR; ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã. Se quiserdes e me ouvirdes, comereis o melhor desta terra. Mas, se recusardes e fordes rebeldes, sereis devorados à espada; porque a boca do SENHOR o disse”.


Justino 67.1:

Nós, depois disso, (após terem sido batizados) recordamos constantemente para o futuro entre nós estas coisas; e os que possuímos bens socorremos todos os necessitados e sempre estamos unidos uns com os outros.


Justino 67.6:

Os que possuem bens e quiserem, cada qual segundo sua livre determinação, dão o que lhes parecer, sendo colocado à disposição do que preside o que foi recolhido. Ele por sua vez socorre órfãos e viúvas, os que por enfermidades ou outro qualquer motivo se encontram abandonados, os que se encontram em prisões, os forasteiros de passagem; em uma palavra, ele se torna provedor de quantos padecem necessidade.


Tradição Apostólica - Hipólito de Roma, século III:

42: Escolhidos os que receberão o batismo, sua vida será examinada: se viveram com dignidade enquanto catecúmenos, se honraram as viúvas, se visitaram os enfermos, se só praticaram boas ações. E, ao testemunharem sobre eles os que os tiverem apresentado, dizendo que assim agiram, ouçam o Evangelho.



62: O diácono – se o presbítero não estiver presente – dará, em caso de necessidade, o signum aos enfermos com solicitude. Depois de dar-lhes quanto é necessário e receber o que for distribuído, dará graças e aí comerão. Todos aqueles que recebem devem dar com desvelo: se alguém receber algo para levar a uma viúva, a um enfermo ou a alguém que se dedique à Igreja, leve-o no mesmo dia; se o não fizer, leve-o no dia seguinte, aumentando com algo de seu o que havia – por ter permanecido na sua casa o pão dos pobres.

Era serviço dos diáconos prover um enterro decente para as pessoas e visitar os doentes. A comunidade provia o sustento das pessoas idosas e tinha um trabalho para cuidar de doentes e pobres; as pessoas que se dedicavam a isto eram os diáconos e as viúvas designadas para este serviço que desta forma também tinham o seu próprio sustento e aos poucos, com o correr do tempo, daí surgiram as diaconisas. No segundo século uma orientação dizia que cada comunidade deveria empregar uma viúva para visitar as mulheres doentes, além de comunicar os problemas aos presbíteros. Muitos bispos eram ao mesmo tempo médicos com a tarefa de curar os doentes.

O ministério dos diáconos era difícil, principalmente nos tempos de perseguições, pois eram os mais expostos. Muitos deles se tornaram mártires. O fato de haver os diáconos não tirava a tarefa das demais pessoas da comunidade de também exercer estas funções.

Tertuliano pergunta sobre a situação de uma mulher cristã que está casada com um pagão: “Ele lhe permitirá ir rua por rua e penetrar em casas de estranhos e principalmente nos barracos dos mais pobres para visitar os irmãos?”

Sobre cristãos condenados ao trabalho nas minas Hipólito escreve: “O bispo de Roma Vitor possui uma lista de todos os cristãos condenados às minas na Sardenha e conseguiu de fato através das intercessões da concubina real Marcia libertá-los por Commodus”.

Tertuliano conta que ladrões núbios seqüestraram cristãos e a comunidade de Cartago fez uma coleta para pagamento do resgate de 100.000 sestércios e se declarou aberta a mais ajuda se necessário. Quando os godos raptaram cristãos na Capadócia em 255 d.C. a comunidade de Roma enviou contribuições para seu resgate.

O imperador Juliano escreve para Arsacius; “Os incrédulos galileus, alimentam além dos seus pobres ainda os nossos: os nossos necessitam de nossa ajuda”.

“A incredulidade (dos cristãos) foi mais promovida pela filantropia em relação aos estranhos e pela preocupação pelo enterro dos mortos”.

Os cristãos eram considerados ateus (incrédulos) pelas pessoas do Império, pois não criam nos deuses do império. Pois, na Antigüidade a cidade - polis - se fundava sobre a religião. Cada cidade tinha seu deus ou deusa. Ser contra este deus era ser contra a cidade, contra o Estado. Era impossível separar a política da religião. O ato religioso era ao mesmo tempo um ato cívico e vice-versa. O culto aos deuses dava a união e harmonia a toda a sociedade. Os romanos entendiam que deviam a sua prosperidade e vitórias, contra outros povos, aos deuses.

O crescimento do cristianismo foi considerado uma ameaça à religião romana, o que era o mesmo que uma ameaça política. Considerados ateus os cristãos não adoravam deuses romanos. O cristianismo foi considerado uma espécie de crime contra o império. Ser cristão era o mesmo que ser criminoso. Lembre mos das palavras de Paulo em Rm 12, 1-2: não vos conformeis com este século. Por isso de tempos em tempos havia perseguições oficiais contra os cristãos.

A igreja primitiva entre os anos de 64 e 313 conheceu 129 anos de perse guição e gozou de 120 anos de relativa tranqüilidade. Calcula-se o número de mártires no período em torno de 100 mil a 200 mil pessoas. Fora as pessoas que tiveram os seus bens confiscados, foram presas, torturadas e exiladas e condena da ao trabalho nas minas.

O Império perseguiu o cristianismo por ver nele uma ameaça. Por isso queimavam os livros sagrados, destruíam igrejas, proibiam a atividade e difusão, interditavam as reuniões e mesmo a freqüência aos cemitérios (que eram locais de reuniões). Os primeiros visados em quase todas as perseguições eram os líde res, os chefes das comunidades.

Ser cristão era crime. Assim, confessada a fé, a pessoa podia ser imediata mente julgada e sentenciada. Não havia necessidade de instrução, nem testemunhas, nem prazos. Ser cristão era crime sem direito a defesa. Muitas vezes para conseguir a apostasia - a negação da fé e sacrifício aos deuses - os magistrados determinavam que o réu fosse torturado. Só depois que ele se demonstrasse convicto - o processo podia durar anos - é que era lavrada a sen tença.

Várias eram as penas a que podiam ser condenados:

A pena de morte - crucificação, a queima na fogueira, a decapitação, os suplí cios até a morte, as feras do circo. Outra pena era o exílio ou o trabalho forçado nas minas.

A tortura tinha por finalidade forçar os cristãos a negarem a fé. Visava tam bém fazê-los delatar outros cristãos, denun ciar seus nomes e endereços. Era uma nor ma das comunidades primitivas: não largar em hipótese alguma os que fraquejavam nas torturas e negavam a fé, enquanto hou vesse possibilidade de uma recuperação.

O cristianismo foi considerado não apenas religião ilícita, mas associação ilícita (collegium illicitum). Todo aquele que formava uma associação não permitida ou fora da lei cometia um crime equiparado à lesa-majestade, para o qual não havia perdão.

O texto que condenou Cipriano, bispo de Cartago, à morte pela espada diz: “Durante muito tempo viveste sacrilegamente e juntaste contigo muita gente numa conspiração criminosa, constituindo-te em inimigo dos deuses romanos e de seus sagrados ritos, sem que os piedosos e sacratíssimos príncipes Valeriano e Galieno tenham conseguido fazer-te voltar à sua religião. Portanto, tendo sido provado que foste cabeça e líder de homens réus dos mais abonáveis crimes, servirás de exemplo para aqueles que juntastes para tua maldade, e com o teu sangue ficará sancionada a lei”. Outro exemplo exprime muito bem a maneira como os cristãos eram vistos: em setembro de 303 d.C. o imperador Dioclesiano promulgou anistia que abriu as portas das prisões a numerosos condenados. Ela não se estendeu, porém, aos cristãos. Eles não eram considerados presos comuns, mas rebeldes.

Por serem livres, os cristãos não temiam perder a liber dade exterior de locomoção, de vida in clusive. Havia algo que impressionava de modo todo especial os pagãos: era o desprezo dos cristãos pela morte. Havia uma consciência muito profunda nos cristãos do fu turo que está para vir: a esperança era a virtude vivida intensamente, não apenas individual, mas coletiva mente. Esperança no mundo futuro, no novo céu e na nova terra que já haviam iniciado com a ressurreição de Cristo. Os cristãos traziam em si esta certeza de vida nova inaugurada pelo Senhor ressuscitado. Apesar da obscuridade da fé, a esperança era neles a maior garantia de que no sofrimento e na morte o amor al cançava sua vitória definitiva sobre o ódio.

O regime legal em relação ao cristianismo nos dois pri meiros séculos, portanto, era este: a justiça podia sempre ser acionada contra os cristãos ou quando havia denúncias particulares. O que não era difícil de ocorrer em meio à hostilidade reinante.

Era, portanto um crime ser cristão. Mas um crime «sui generis». Pois aqueles que o cometiam não deviam ser pro curados; mas, como o simples fato de ser cristão infringia a lei, se alguém fosse acusado e confessasse, devia ser cas tigado. Porém não de modo absoluto, porque se renegasse a sua fé estava automaticamente absolvido: para isso bas tava uma palavra e alguns gestos.

Com Septímio Severo, em 202, iniciou-se um novo regi me, seguido por vários de seus sucessores: a autoridade pú blica assume, em ocasiões que variarão, a iniciativa de per seguições. A regra de Trajano - «os cristãos não devem ser procurados» - foi abandonada; a era das perseguições por editos (decretos) começava.

A Igreja sofreu, do início do século III ao inicio do sé culo IV, o choque de explosões bruscas e violentas, uma violência sempre crescente até chegar ao fracasso. Cada no vo fracasso marcava a importância do Império pagão con tra o cristianismo ascendente. Seguiam-se então períodos, às vezes longos, de uma paz que, de tempos em tempos, era quebrada pela aplicação do regime antigo, mas que ten dia a se firmar.

Em 202, Severo baixou um edito proibindo aos cristãos e aos judeus o proselitismo, isto é, a propagação de suas religiões. Foi o primeiro edito imperial direto contra a Igre ja. A motivação desta medida era a preocupação com o Império: os avanços da propaganda cristã (e judaica) alar mavam a autoridade romana, que via a ordem imperial ameaçada, na medida em que a religião tradicional estava sendo solapada.

Somente a partir de meados do século III é que se ini ciou o regime de perseguição, com editos cuidadosamente elaborados, para o extermínio sistemático do cristianismo.

Décio foi o primeiro imperador a decretar uma perseguição geral contra os cristãos. Apesar da curta duração (250-251) a perseguição atingiu uma intensidade e uma extensão nun ca dantes vista. O objetivo de Décio, assim como o de Se vero, foi o de reforçar a unidade romana em torno da reli gião. Daí o interesse em fazer mais apóstatas do que már tires. O edito determinava que todo cidadão do Império devia sacrificar aos deuses. Depois de ter sacrificado, o cidadão recebia um certificado (libellus) comprovando sua fidelidade à lei. De posse desta, o individuo estava desobri­gado. O certificado continha, além da identificação e data, os seguintes dizeres: “À comissão de sacrifícios... Sempre cumpri com os sacrifícios aos deuses, e agora, em vossa pre sença conforme ao mandado pelo edito, sacrifiquei, ofereci libações e tomei parte no banquete sagrado, e suplico-lhes que assim o certifiqueis”.

A perseguição foi meticulosamente organizada. As prisões ficaram cheias de cristãos. A primeira vitima foi o Papa Fabiano, martirizado a 20 de janeiro de 250. Os bispos fo ram especialmente atingidos, pois o edito visava em primeiro lugar os chefes das igrejas.

Houve casos inclusive em que os cristãos, em seguida à prisão do bispo, se apresentaram juntos ao governador e declararam a sua condição de cristãos, dispostos a sofrer as mesmas conseqüências que seu pastor.


As Comunidades Cristãs dos Primeiros Séculos – Eduardo Hoornert.

Alimentos são levados para viúvas necessitadas e órfãos, há caixa de ajuda mútua para casos de urgência. Em algumas comunidades há um serviço regular de alimentação e hospedagem para necessitados, viúvas e órfãos, uma caixa de ajuda mútua para casos de urgência. As pessoas oferecem donativos em gêneros alimentícios em dias de jejum.

Enterro de falecidos em geral é um serviço bem organizado e a comunidade comprava terrenos para enterrar os mortos.

Doentes recebem visitas regulares ou são recebidos em casa de cristãos até se recuperar.

Na hora de interrogatórios pelas autoridades os cristãos se dão mutuamente apoio moral. Há um serviço de visita aos presos e amparo psicológico para os que tentam suicídio na prisão.

Sobre Orígenes o Eusébio diz que: “Ele ficava junto com os mártires não apenas quando estavam na prisão e a sentença ainda não havia sido dada, mas também quando eram conduzidos para a execução, ele ia voluntariamente junto com os condenados expondo-se abertamente ao perigo”.

Registros oficiais sobre perseguições revelam a predominância das mulheres nas comunidades.

Paroikoi = estrangeiros (gente sem casa, sem terra, sem cidadania, diaristas). I Pe 1.1 diz: “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos que são forasteiros da Dispersão no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia” e em I Pe 2.11-12 diz: “Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma, mantendo exemplar o vosso procedimento no meio dos gentios, para que, naquilo que falam contra vós outros como de malfeitores, observando-vos em vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da visitação”.

Os estrangeiros estavam sujeitos a penas e castigos mais severos. Para qualquer coisa que o estrangeiro necessitava do Estado tinha que pagar. Eram explorados em tudo. Economicamente os estrangeiros eram meeiros, diaristas recebendo apenas um salário de subsistência de um dia. Não podiam ser donos de terra. Social e politicamente eram marginalizados.

Eram sempre suspeitos de inveja e de competição para com os “cidadãos”. Em I Pe 2.11-12 diz: “Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma, mantendo exemplar o vosso procedimento no meio dos gentios, para que, naquilo que falam contra vós outros como de malfeitores, observando-vos em vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da visitação”. Este é o projeto: criar a igualdade em todos os níveis. A prática da comunidade estava construindo uma nova sociedade e questionando profundamente os valores da sociedade escravista romana.

A palavra grega que os denominava era “paroikoi” que significava “estrangeiros residentes”, donde vem a palavra “paroquiano”. O direito que tinham era realmente apenas o direito de pagar impostos e de cumprir a lei do Estado.

Esses estrangeiros da Diáspora, gente pobre, também organizaram sua assembléia (eklesia). Ao contrário da eklesia da cidade, e que só participam os proprietários donos de escravos ou ricos artesãos e comerciantes (At 19) na assembléia cristã participam todos os cristãos no “caminho”, todos os que se juntaram à prática de Cristo. Era uma assembléia alternativa à da cidade, onde todos podiam entrar, sem discriminação. Em Efésios 2.11-22 mostra como nessa assembléia cristã os marginalizados do mundo também podiam ser cidadãos. Era uma forma de resistência dos pobres contra a organização oficial. Eram as comunidades cristãs. Essas assembléias, pois, não eram só espirituais: tinham conotação política. Apresentavam uma alternativa de sociedade que dava “status” aos marginalizados do sistema romano.


Os cristãos promoviam o resgate de presos e escravos que são comprados para serem libertados.

Um relato do ano 100 feito por Clemente romano: “Conhecemos muitos dentre nós que se entregam às cadeias (da escravidão) para libertar outros. Não poucos se entregam como escravos e, com o preço da venda, dão alimento a outros”. Parece que isto não foram ações de comunidades, mas de ações individuais de pessoas.

Marcião quando ingressou em 139 d.C. na comunidade de Roma lhe doou 200.000 sestércios, os quais lhe foram devolvidos quando foi expulso. 4 sestércios equivalem a 1 denário, que é considerado o salário de um diarista; isto equivale a 136,9 anos de trabalho de um diarista.

Tertuliano diz: “A preocupação pelos desamparados, que nós praticamos, nossa atividade de amor, se transformou em uma característica para nós entre nossos oponentes”.

O imperador Juliano quer corrigir a política do seu antecessor Constantino, protetor do cristianismo, recomenda que as autoridades locais criem centros de assistência social e hospedagem como um dique contra a avassaladora penetração do cristianismo em meios populares.

Nas épocas de epidemias, diz Eusébio, os cristãos carregavam para dentro de suas casas os doentes deixados nas ruas pelo medo dos familiares de contaminação. (Em 305 d.C. e 313 d.C. houve epidemia seguida de fome generalizada) Eusébio escreve: “Os fatos falam por si ... Todos exaltam o Deus dos cristãos e admitem que eles são os únicos verdadeiramente religiosos e piedosos.”

O bispo Dionisius escreve sobre o período da peste em Alexandria em 259 d.C.: “A maioria de nossos irmãos não poupavam, por grande amor ao próximo, a sua própria pessoa e permaneciam unidos e firmes. Sem medo visitavam os doentes, os serviam com muita dedicação, cuidavam deles por amor à Cristo e morriam alegres com eles. Sim, muitos morriam após terem curado os outros e terem transplantado a sua morte para si mesmo. Desta forma morreram os mais nobres de nossos irmãos, alguns presbíteros, diáconos e leigos muito considerados. Entre os pagãos acontecia exatamente o contrário. Eles expulsavam de si os que começavam a ficar doentes, fugiam do caminho mais caro e atiravam os moribundos na rua e deixavam os mortos sem enterro.”


Eusébio escreve sobre a grande peste do tempo do imperador Maximinus Daza:

“Eles se revelavam aos pagãos em plena luz do dia; pois os cristãos eram os únicos que em meio a tão grande sofrimento mostravam o seu sentimento e seu amor às pessoas através de seus atos. Alguns trabalhavam dia após dia com o cuidado e com o enterro dos cadáveres (havia inúmeros pelos quais ninguém mais se importava), outros reuniam pela cidade afora os que estavam sofrendo por causa da fome num lugar só e distribuíam entre todos pão. Quando isto foi divulgado, se glorificava o Deus dos cristãos e reconheciam que somente estes eram os verdadeiros religiosos e piedosos porque eles mostraram isto pelos seus atos.”

Outro tema querido era a hospitalidade por ser o cristianismo uma religião de peregrinos e era necessário zelar pelo contato com outras comunidades, além de haver muitos cristãos presos que eram arrastados pelo império afora, além dos exilados que eram irmãos sofredores que procuravam proteção e consolo. O pagão Caecilius falando dos cristãos disse: “Eles se reconhecem em sinais e símbolos misteriosos e se amam mutuamente mesmo antes de se conhecer”.

O cristianismo cresce pela propaganda dos beneficiados e não pelo trabalho dos bispos ou presbíteros; a propaganda de boca em boca pelos beneficiados é que propaga a fé cristã.

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