Banir a pobreza: um movimento e uma campanha
para fazer com que a ONU considere ilegal a condição de grandes massas humanas
e para explicar que tudo depende dos sistemas econômicos que produzem exclusão,
desigualdade, injustiça. Doze princípios para combater a criação dos novos
pobres.
A opinião é
do economista e cientista político Riccardo Petrella, professor emérito da
Université Catholique de Louvain. O artigo foi escritor em nome de um coletivo
de 33 pessoas, representantes de 24 associações e organizações da sociedade
civil (www.banningpoverty.org).
O artigo foi
publicado no jornal La Repubblica, 14-09-2012. A tradução é de Moisés
Sbardelotto.
Foi feita. No
sábado, 8 de setembro, a tradicional "Marcha pela Justiça
Agliana-Quarrata", organizada pela Rede Radiè Resch, foi dedicada ao
lançamento na Itália da campanha "Banimos a pobreza". Concebida por
um coletivo de 24 associações, por iniciativa da Universidade do Bem Comum e da
Associação do Mosteiro do Bem Comum, a campanha visa a obter em 2018 (70º
aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas) uma
resolução da Assembleia Geral da ONU com a qual os Estados declarem ilegais as
leis, as instituições e as práticas sociais e coletivas que geram e alimentam
os processos de empobrecimento nos vários países e regiões do mundo. Será como
foi quando os vários povos declararam ilegal a escravidão.
"Banimos"
significa que nós, cidadãos, em particular italianos, belgas, quebequenses,
argentinos e também malaios, indonésios, filipinos... (que estarão entre os
povos que participarão da campanha) iniciamos um processo de mobilização civil
e política contra as causas estruturais da pobreza.
Os 12
princípios da ilegalidade da pobreza
Primeiro
princípio: "Ninguém nasce pobre nem escolher ser ou se tornar pobre".
É o estado da sociedade em que nascemos que nos torna pobres ou ricos. Pode-se
decidir viver em uma situação de grande sobriedade, mas não é a pobreza sofrida
pelos três bilhões de seres humanos que estão excluídos do direito a uma vida
digna, contra a sua vontade e desejo.
Segundo
princípio: "Tornamo-nos pobres. A pobreza é uma construção social". A
pobreza não é um fato da natureza como a chuva. É um fenômeno social,
construído e produzido pelas sociedades humanas. As empresas escandinavas dos
anos 1960 e 1980 conseguiram fazer desaparecer os processos estruturais de
empobrecimento. Outras sociedades, ao invés, fundamentadas em princípios e
práticas sociais diferentes das escandinavas, produziram e produzem
inevitavelmente fenômenos de extensa pobreza. É o caso dos Estados Unidos.
O terceiro
princípio reforça os dois primeiros: "Não é somente nem principalmente a
sociedade pobre que produz pobreza". Os EUA são o país mais rico do mundo
em termos monetários, mas o empobrecimento de dezenas de milhões (de 300
milhões) dos seus cidadãos faz parte da sua história.
Quarto
princípio: "A exclusão produz o empobrecimento". A fatalidade ou a má
sorte não são a causa do empobrecimento, mas sim as formas de exclusão
deliberada do acesso às condições de cidadania civil, política e social.
Por essas
razões, o quinto princípio: "Como processo estrutural, o empobrecimento é
coletivo". Não diz respeito apenas a uma pessoa ou a uma família, mas sim
a populações inteiras (as famílias de imigrantes, nômades, vilarejos sem
futuro, zonas atingidas por recessões econômicas, habitantes de bairros
degradados...), e categorias sociais (trabalhadores, agricultores, segmentos da
classe mídia, crianças, mulheres, jovens que não conseguem entrar no mundo do
trabalho, idosos...).
Primeira
grande conclusão, sexto princípio: "O empobrecimento é filho de uma
sociedade que não acredita nos direitos de vida e de cidadania para todos nem
na responsabilidade política coletiva para garantir tais direitos a todos os
habitantes da Terra". Os grupos dominantes não acreditam na existência dos
direitos humanos de vida e de cidadania (universais, indivisíveis,
imprescritíveis). Eles acreditam, ao invés, na igualdade "natural",
hereditária, entre as pessoas, e nos direitos fundamentados no mérito. Os ricos
o são porque se esforçaram, e por isso são meritórios. Os pobres o são porque
não trabalharam duro, porque são inaptos e incapazes, e por isso culpados pelo
seu estado.
Nesse
sentido, sétimo princípio: "Os processos de empobrecimento somente ocorrem
em sociedades injustas", isto é, negadoras da universalidade, da
indivisibilidade e da imprescritibilidade dos direitos de vida e de cidadania.
Nas sociedades injustas, o acesso só pode ser seletivo e condicionado de acordo
com as regras e os critérios estabelecidos pelos grupos dominantes.
O oitavo
princípio descende do anterior: "A luta contra a pobreza (o
empobrecimento) é acima de tudo a luta contra a riqueza desigual, injusta e
predatória (o enriquecimento)". Há empobrecimento porque há enriquecimento.
Quanto mais as nossas sociedades se enriqueceram sobre bases desiguais,
injustas e predatórias, mais elas deram valor unicamente à riqueza individual e
apagaram do imaginário dos povos a cultura da riqueza coletiva, particularmente
dos bens comuns públicos.
Daí o nono
princípio: "O planeta dos empobrecidos tornou-se populoso por causa da
mercantilização dos bens comuns e da vida". O trabalho, os direitos, a
proteção social foram tratados como custos e, como tais, devem ser
racionalizados, cortados e/ou privatizados. Não há comunidades humanas, mas sim
mercados.
Nesse
contexto, o décimo princípio: "As políticas de redução e de eliminação da
pobreza buscadas nos últimos 40 anos fracassaram porque só podiam atacar os
sintomas (medidas curativas) e não as causas (medidas resolutivas)".
Dupla
conclusão geral. Décimo primeiro princípio: "A pobreza é hoje uma das
formas mais avançadas de escravidão, porque se baseia em um furto de humanidade
e de futuro", e décimo segundo princípio: "Para libertar a sociedade
do empobrecimento é preciso banir as leis, as instituições e as práticas
sociais coletivas que geram e alimentam os processos de empobrecimento".
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