1 de setembro de 2012

Panorama religioso



O Censo 2010, recentemente publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE desenha os contornos que apontam para a grande transformação do campo religioso brasileiro. O mapa religioso que emerge desta publicação, já debatido por pesquisadores e pesquisadoras nas páginas diariamente atualizadas do sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, são tema desta edição da IHU On-Line.

Pluralismo, transformação, emergência do indivíduo e de suas escolhas

Impõe-se o reconhecimento do fenômeno fundamental de transformação do campo religioso no Brasil. Essa mudança implica transformações nas visões do mundo, nas convicções, nas atitudes, aponta Pierre Sanchis
Por: Thamiris Magalhães

“Um dos grandes problemas religiosos do próximo século será o da relação do indivíduo com a instituição que lhe propicia uma identidade religiosa”, aponta Pierre Sanchis, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Dizer-se católico ou umbandista, até proclamar-se evangélico, segundo ele, não será mais unívoco. “No caso de uma identidade tradicional, a situação está clara: continua-se aderindo a uma identidade, mas escolhe-se o conteúdo desta adesão”. E mesmo no caso de uma conversão, na medida em que o tempo vai passando, a iniciativa individual na bricolagem de uma cosmovisão de fé e de um mapa de vida tende a se alargar. “Neste sentido, as pesquisas deverão afinar as suas perspectivas”.

Para Pierre Sanchis, são múltiplas as pesquisas que detectam o fenômeno de múltipla pertença quando se trata de identidade religiosa declinada a partir de uma instituição, muito além dos 15.379 casos de “declaração de múltipla religiosidade” mencionados no Censo 2010. “Estas ‘declarações’ terão sido espontâneas? Induzidas? A experiência parece provar que uma pergunta explícita é necessária. Sem dúvida, várias perguntas são possíveis e seriam reveladoras”. E continua: “Lembro-me de uma, que deu sempre amplos resultados. Depois da pergunta clássica sobre ‘Qual é a sua religião?’, aquela outra: ‘Tem outra religião que você diria sua também?’ Afinal, um censo precioso, porque retrato de nossa realidade e incitação a modular este retrato. Em várias dimensões”.

Pierre Sanchis é doutor em sociologia pela Universidade de Paris e especialista em antropologia da religião. É professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, pesquisador do Instituto Superior de Estudos da Religião - ISER e membro do corpo editorial da revista “Religião & Sociedade”.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – De que maneira o senhor descreveria as principais características do mapa religioso brasileiro que emergem do Censo 2010?

Pierre Sanchis – Impressionou-me a continuidade teimosamente sistemática da mesma transformação: um crescimento do número daqueles que acham agora possível declararem-se não católicos (provavelmente as declarações de catolicismo de outros tempos eram, em muitos casos, mais declarações de identidade do que de convicções); um reconhecimento crescente de nova identidade religiosa, globalmente dita “evangélica”, como numa afirmação de autenticidade (“desta vez, sim!”) da adesão à mensagem de que fala o nome; e o alargamento – embora a um ritmo decrescente – do grupo multivariado dos “sem religião”.

Transformação do campo religioso brasileiro

Esta abertura do leque denominacional, detalhada muito além do que falei nas tabelas analíticas, impõe o reconhecimento do fenômeno fundamental de transformação do campo religioso no Brasil. Advento, desta vez inegável, da pluralidade religiosa, melhor ainda, do pluralismo, quer dizer, de uma pluralidade aberta, reconhecida, legítima, e em função da qual as relações sociais entre os grupos religiosos deverão doravante se construir. Não se impõe mais ao imaginário – político, cidadão, devocional e ético – a equiparação das identidades católica e brasileira. Num prazo mais ou menos longo, essa mudança implica transformações nas visões do mundo, nas convicções, nas atitudes. Por isso a categoria que domina a perspectiva é a da transformação. É das religiões tradicionais, que se confundiam com um quadro, individual e social, recebido (catolicismo, protestantismo importado junto com determinados grupos étnicos, até modalidades mais etnicamente fechadas de religiões-afro), que as pessoas tendem a se afastar. Para escolher autonomamente outra. Ou a mesma, mas numa redescoberta pessoal, cujos passos as dimensões de um censo dificilmente detectariam. Diria, então: pluralismo, transformação, emergência do indivíduo e de suas escolhas.
A notar um último traço: este processo está vigente de modo diversificado nas várias regiões do Brasil. No Nordeste (estendido às Minas) e no Sul, continua mais presente a tradição. A novidade, mais no Brasil Novo.

IHU On-Line – Por que, em seu ponto de vista, a redução católica, que ocorreu em todas as regiões do país, teve queda mais expressiva registrada no Norte, de 71,3% para 60,6%?

Pierre Sanchis – Precisamente!... Brasil Novo: o Norte, e especialmente o Pará profundo, os antigos territórios, os dois Mato Grosso. Populações recém-imigradas, oriundas das terras típicas da tradição: Nordeste, Sul. Cortadas desta tradição, não encontram nas novas terras a implantação da estrutura paroquial clássica, que amparava sua formação, sua vivência, suas expectativas. Vida profissional também em outra escala e em perspectivas dinâmicas de transformação – econômica e social. Neste ambiente novo, são através de outras “tribos”, outras redes, outros ajuntamentos comunitários, que o recém-afirmado “indivíduo” vai se reformulando como pessoa. Pesquisadores são de fato frequentemente surpreendidos pela fermentação da criatividade religiosa nessas regiões. Não necessariamente, aliás, dentro de uma perspectiva afirmativa. Já que é em determinados espaços do Amazonas, do Pará, de Rondônia e do Mato Grosso que, depois do Rio e do seu cinto metropolitano, o grupo dos “sem religião” encontra sua maior concentração.

IHU On-Line – Como avalia o número dos “sem religião”, de acordo com os dados divulgados no último censo?

Pierre Sanchis – Um crescimento significativo, embora menos acentuado do que parecia previsível, sobretudo levando em conta uma idade mediana de 28 anos e uma dominante de jovens adultos (18 a 30 anos). O senso comum, no entanto, pode achar-se surpreendido pela repartição em termos de cultura e também de renda e, correlativamente, de raça. Imaginar-se-ia facilmente a não religião tendo mais afinidade com a modernidade de níveis culturais e econômicos elevados. Ora, os sem instrução são ligeiramente mais representados entre os sem religião do que no total da população, enquanto a curva evolui para uma sub-representação no grupo dos possuidores de instrução superior, completa ou incompleta. Nitidamente mais negros e pardos e menos brancos de que na média nacional. Se lembrarmos, por outro lado, que assim como o sugerem as limitadas declarações de ateísmo e agnosticismo do presente censo e o afirmam os resultados de numerosas pesquisas, a declaração de não religião não implica necessariamente a ausência de uma dimensão de religiosidade, mas de preferência a não adesão a qualquer instituição religiosa. Podemos fazer a hipótese de que esta categoria recobra em boa parte uma “nebulosa místico-esotérica” próxima daquilo que costumamos chamar de nova era. E que situamos espontaneamente em certa elite cultural. Uma das lições deste censo parece-me então trazer à tona a necessidade de cobrir esta falha, detectando e analisando as especificidades de uma nova era popular.

IHU On-Line – Em entrevista anterior (disponível em http://migre.me/a36SG), o senhor falava da “larga malha do catolicismo”. Ela aparece nos dados do Censo 2010? Como ela pode ser descrita?

Pierre Sanchis – “Católica Apostólica Romana”, “Católica Apostólica Brasileira”, “Católica Ortodoxa”, três são as modalidades que o censo distingue na Católica. É evidente que estamos longe daquela “larga malha” a que faço alusão. E que o censo não estava destinado a revelar. Outras pesquisas o fazem, a partir de autorreconhecimentos explícitos ou de análises mais sutis de conteúdo. Costuma-se dizer que o gênio protestante se manifesta pelo reconhecimento de diferenças que levam à cisão e à multiplicidade denominacional, e que o gênio católico tende a articular as diferenças na complexidade de uma estrutura hierárquica que, dialeticamente, obstaculiza e promove o diálogo. Pense-se, por exemplo, no Brasil, à convivência, até numa estrutura paroquial, que não esgota o espaço da Católica, das comunidades de base com o movimento carismático.

IHU On-Line – Como podemos definir o pluralismo religioso? De que maneira ele aparece nos dados do Censo 2010? Quais são as suas principais características, possibilidades e cenários futuros?

Pierre Sanchis – Também falei acima em pluralismo. Que diz mais do que pluralidade, simples percepção da existência de uma dimensão plural. Um novo estado do mapa religioso e de suas relações internas – e externas, que implica uma atitude de abertura, de diálogo, de predisposição a certa relativização em função do encontro do outro. Se for assim, é evidente que as instituições, em maior ou menor grau, conforme a sua autodefinição como mediadoras de Sagrado, terão dificuldade em assimilar esta nova situação. Uma dialética tenderá a se instaurar entre afirmações de estrutura identitária e reformulações do estatuto da verdade em modernidade. “A verdade não se impõe senão por si mesma”, chegou a dizer João Paulo II, abrindo assim para sua Igreja uma nova época.

IHU On-Line – O que o censo revela em relação à postura dos jovens diante da religião? Qual é a tendência religiosa a ser seguida pelas novas gerações?

Pierre Sanchis – O grupo que, pela idade mediana dos seus participantes (26 anos) seria o mais afim à adesão dos jovens, seria o da não religião. De fato, várias pesquisas sobre a juventude distinguem entre os jovens uma tendência, às vezes intensa, ao exercício de uma religiosidade de cunho bastante individual ou de pequenos grupos. Este universo da não religião, complexo e multivariado, deverá ser estudado com mais atenção se quisermos mapear os caminhos desta dimensão no futuro próximo. Verdade, em todo caso, é que, ao contrário, o grupo católico é nitidamente menos jovem (idade mediana: 30 anos), o grupo evangélico (e não só “de missão”) parece tender a leve envelhecimento, provavelmente sinal, no primeiro caso, do caráter reprodutor do recrutamento, no segundo, dos anos que já vão passando sobre o período das primeiras conversões massivas. Por sua vez, o envelhecimento dos espíritas (a idade mediana mais avançada: 32 anos) parece opor-se em significação ao crescimento geral do espiritismo.

Mudança cultural

Enfim, não se poderia falar da juventude religiosa sem assinalar outra mudança, a que este censo não podia se referir. Uma mudança cultural de clima na expressão musical, nas assembleias católicas e, muito mais, nos grupos jovens evangélicos. Louvor, gospel, grupos musicais de oração, padres cantores: a modernidade entrou pela música, pretendendo transformar ou confirmar as atitudes. A julgar pelo movimento comercial dos livros e dos CDs, é bem possível que os resultados de frequência deste censo não seriam os mesmos sem este misticismo sonoro. Resta a medir as transformações que ele pode induzir.

IHU On-Line – Qual a peculiaridade dos evangélicos pentecostais em relação aos evangélicos de missão? O que levou, de acordo com dados do último censo, o primeiro a crescer e o segundo a decrescer?

Pierre Sanchis – Os evangélicos de missão, em outros termos, mas analogamente ao catolicismo, representam uma tradição. Em muitos casos até étnica. Ora, vimos que é da tradição, do dado, da identidade recebida, que o moderno “indivíduo” tende a se liberar. Ou pelo menos a reencontrar suas grandes linhas para recriá-las numa versão sua. Por outro lado, o neopentecostalismo parece em muitos casos colar à realidade quotidiana, tanto dos jovens (já falamos da música) quanto das camadas populares. Por sua inserção direta e agressiva na cosmovisão das religiões afro, muito presentes no imaginário popular (exorcismos); por seu cultivo do milagre – até ritual – que atende às preocupações de saúde; por sua insistência na compensação econômica (teologia da prosperidade), que permite até a constituição de uma versão empresarial de classe média, abrindo assim estas igrejas a camadas sociais que não lhes pareciam afins.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?

Pierre Sanchis – Dois pontos. O primeiro é sobre um necessário esclarecimento pelos pesquisadores analistas do valor das categorias denominacionais presentes neste censo. Um dos grandes problemas religiosos do próximo século será o da relação do indivíduo com a instituição que lhe propicia uma identidade religiosa. Dizer-se católico ou umbandista, até proclamar-se evangélico, não será mais unívoco. No caso de uma identidade tradicional, a situação está clara: continua-se aderindo a uma identidade, mas escolhe-se o conteúdo desta adesão. E mesmo no caso de uma conversão, na medida em que o tempo vai passando, a iniciativa individual na bricolagem de uma cosmovisão de fé e de um mapa de vida tende a se alargar. Nesse sentido, as pesquisas deverão afinar as suas perspectivas.

Sincretismo

O segundo ponto é relativo a uma dimensão bem brasileira, que, para ser breve aqui, continuaremos a chamar de sincretismo. São múltiplas as pesquisas que detectam o fenômeno de múltipla pertença quando se trata de identidade religiosa declinada a partir de uma instituição, muito além dos 15.379 casos de “declaração de múltipla religiosidade” mencionados no censo. Estas “declarações” terão sido espontâneas? Induzidas? A experiência parece provar que uma pergunta explícita é necessária. Sem dúvida, várias perguntas são possíveis e seriam reveladoras. Lembro-me de uma, que deu sempre amplos resultados. Depois da pergunta clássica sobre “Qual é a sua religião?”, vinha aquela outra: “Tem outra religião que você diria sua também?” Afinal, um censo precioso, porque retrato de nossa realidade e incitação a modular este retrato. Em várias dimensões.
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4586&secao=400


Novo mapa religioso brasileiro. Algumas características


Pesquisadores descrevem as principais características do mapa religioso que emerge do Censo 2010.
Por: Thamiris Magalhães

“O mapa religioso brasileiro que resultou do Censo 2010 deve ser analisado a partir dos números apresentados nos censos anteriores, especialmente os de 1991 e 2000. Como todo mapa, por causa de sua construção, não deve ser confundido com um retrato. Por meio da comparação, é possível detectar as mudanças no objeto – religião no Brasil – que ocorrem num período de maior duração. Sendo assim, podemos constatar a continuada queda nos números do catolicismo, nos últimos 40 anos, com mais força. Na última década, a religião católica caiu 1,3%, enquanto os evangélicos cresceram 61%. Houve uma novidade, que foi o aparecimento de uma tendência recente: dos “evangélicos sem igreja”. Penso que nenhum desses fatores deve ser analisado separadamente como se não fizessem parte de uma realidade maior. Visto nessa perspectiva, o censo de 2010 não apresenta grandes surpresas para os que estão acostumados a acompanhar tendências e realidades sociais com sinais de ascensão.”

Leonildo Silveira Campos, professor titular da Universidade Metodista de São Paulo – Umesp, lecionando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

“Sem dúvida, um mapa marcado por uma diversidade religiosa que se anuncia. Com respeito ao censo de 2010, algumas tendências se evidenciaram, como a diminuição dos católicos romanos, que caíram de 73,6% para 64,6% e o crescimento dos evangélicos, sobretudo pentecostais, que passaram de 15,4% para 22,2%. Numa população de 190,7 milhões de pessoas, os católico-romanos somam 123,2 milhões e os evangélicos 42,2 milhões, dos quais 25,3 milhões de origem pentecostal. Verificou-se ainda na última década um aumento percentual dos sem religião, mas um pouco abaixo do esperado, de 7,4% para 8,0% (15,3 milhões).
O país permanece com uma marca cristã, já que 86,8% da declaração de crença do último censo girou em torno das tradições católica ou evangélica. As outras tradições religiosas no país ainda são tímidas, em termos numéricos, ainda que sua influência possa ser maior que a expressa nos simples dados, como no caso do espiritismo, que, apesar de comportar apenas 2,0% da declaração de crença (3,8 milhões), tem uma ressonância social bem maior no país.

As duas grandes expressões das tradições religiosas afro-brasileiras, a umbanda e o candomblé, continuam tendo o mesmo registro estatístico do censo anterior, com 0,3% de declaração de crença (umbanda com 407,3 mil e candomblé com 167,3 mil). As demais religiosidades permanecem apertadas numa estreita faixa de 2,7%, onde estão incluídas algumas que começam a despontar com uma presença mais definida: budismo (243,9 mil), judaísmo (107,3 mil), novas religiões orientais (155,9 mil) e o islamismo (35,1 mil). Há também nesse bloco a presença das tradições indígenas, cuja declaração de crença envolveu 63 mil pessoas.”

Faustino Teixeira, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF

“As tendências se mantiveram sem surpresas. Como dizia Cândido Procópio Ferreira de Camargo , um dos fundadores da sociologia da religião no Brasil, a história das religiões no Brasil é a história do declínio inexorável do catolicismo. Os que deixam o catolicismo preferencialmente escolhem as denominações evangélicas como nova religião, mas se verifica também opção por outras religiões, entre elas os espíritas. Os sem religião cresceram pouco no período entre os dois últimos censos, mas já são uma opção importante demograficamente. Não é somente o catolicismo que cai, mas também igrejas protestantes tradicionais e grupos pequenos, como os umbandistas. Também crescem os espíritas. De todo modo, o Brasil continua cristão. A fatia das religiões não cristãs é muito reduzida; a diversidade religiosa do país é muito mais marcada pelo leque sempre crescente de denominações evangélicas.”

José Reginaldo Prandi, professor sênior do Departamento de Sociologia da USP e pesquisador 1 A do CNPq

“O Brasil das religiões do último censo apresenta algumas mudanças em relação à última década. A mudança mais importante a ser apontada é o aumento demográfico dos evangélicos em relação ao censo de 2000. Se em censos anteriores, o Brasil expressava uma hegemonia da religião católica incontestável, no Censo de 2010 esse fenômeno não mais se impõe. Observa-se um decréscimo considerável no número de fiéis católicos, ao mesmo tempo em que houve um aumento considerável do número de fiéis evangélicos. As igrejas protestantes, notadamente as pentecostais, tiveram um crescimento acentuado em número de adeptos. Está claro que a maior perda nesse sentido é de católicos que diminuem de 73% em 2000 para 64% em 2010. Em relação à religião judaica, há uma variação relativamente pequena se comparada às alterações demográficas de outras religiões, mas que, entretanto, convida a alguma reflexão. Nesse caso, os adeptos do judaísmo passaram de 101 mil para 107 mil. O desafio é identificar se o aumento resulta do crescimento vegetativo da população judaica ou de conversões advindas do crescimento de casamentos mistos, ou de um aumento de diversidade de práticas religiosas no interior do próprio judaísmo.

Monica Grin, professora Associada I do Departamento de História e da Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e Michel Gherman cursa doutorado no Programa de História Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4587&secao=400


Censo 2010, fotografia panorâmica da vida nacional


O censo é uma fotografia da autodeclaração religiosa em determinado contexto: ele não possibilita qualificar a mudança, ou entender suas nuances, mas apenas nos ajuda a visualizar as macrolinhas das transformações de uma década, esclarece Renata Menezes
Por: Thamiris Magalhães

Em relação à diferença da Igreja Católica com as outras religiões, Renata Menezes aponta que ela tem uma história milenar e uma estrutura que é simultaneamente permeável à convivência com a heterodoxia em suas margens internas, mas refratária a mudanças radicais que poderiam efetivamente colocá-la em diálogo com a modernidade. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Renata Menezes narra que, no Brasil, ela perde uma condição de monopólio e de hegemonia, ou de pilar da cultura e da sociedade, para cair no lugar de mais uma opção no campo religioso brasileiro, ainda que este permaneça marcadamente cristão. E diz: “Ela teve que aprender a ser a religião da maioria dos brasileiros em vez de ser ‘a religião dos brasileiros’, e está tendo que aprender a lidar com uma situação ainda mais desfavorável, em que ela cada vez mais perde espaço”. Portanto, continua, “saiu de uma posição em que sua reprodução se dava de forma quase automática, transmitida através da família e da cultura, para uma posição inédita no país, de ter que ‘disputar’, ensaiando formas de proselitismo. O que os dados demonstram é que sua estratégia de retomada de posições não tem dado muitos resultados”.

Renata Menezes é professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; pesquisadora “Jovem Cientista do Nosso Estado”, da Faperj e editora associada da Revista Mana. Possui Bacharelado em História pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Licenciatura em História, pela Faculdade de Educação da mesma universidade, mestrado em Antropologia Social pelo PPGAS/Museu Nacional/UFRJ e doutorado em Antropologia Social pelo mesmo programa. Sua tese de doutorado, A Dinâmica do Sagrado, foi publicada em 2004 pela Relume-Dumará.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Há uma mudança no mapa religioso atual de acordo com os dados do censo? No que consiste essa mudança?

Renata Menezes – A meu ver, existem dois conjuntos de mudanças: aquelas que confirmam o movimento dos últimos censos, isto é, que apresentam uma continuidade com as séries históricas, e aquelas que assinalam certa novidade, isto é, que apontam para descontinuidades com os censos anteriores.

Como mudanças esperadas, podemos falar do decréscimo expressivo do catolicismo e do crescimento evangélico, que são movimentos que vêm ocorrendo a largos passos desde a década de 1980. E, dentro do segmento evangélico, há novamente um decréscimo nas igrejas históricas, ligadas ao protestantismo clássico (luteranos, presbiterianos, metodistas) e um forte crescimento de igrejas pentecostais. Também em nível nacional, permanecem as tendências regionais de um norte mais evangélico e de um nordeste e sul mais católicos, sendo o sudeste uma interessante mistura de um estado mais católico do que a média nacional (Minas Gerais, com 70,43% de católicos e 20,19% de evangélicos); um estado um pouco menos católico que a média nacional (São Paulo, com 60,06% de católicos e 24,08% de evangélicos) e dois estados bem menos católicos e mais evangélicos do que essa média (Rio de Janeiro, com 45,81% de católicos e 29,37% de evangélicos, e Espírito Santo, com 53,29% de católicos e 33,12% de evangélicos).

Surpresas

Todos esses dados já foram sublinhados pelos pesquisadores que se pronunciaram sobre os resultados do censo de 2010, mas esses comentaristas também assinalaram algumas surpresas, como o decréscimo no número de membros da Igreja Universal do Reino de Deus, igreja de modelo hierárquico, centralizado e episcopal, e o crescimento expressivo da Assembleia de Deus, igreja de modelo mais congregacional, capilar e deliberativo, para além de diferenças teológicas e litúrgicas entre ambas. Esse dado é extremamente relevante, pois nos impede de tratar os evangélicos, mesmo os pentecostais, em bloco, de modo unívoco, e nos leva a pensar na riqueza de sua diversidade interna, bem como nas diferentes modalidades de agregação e pertencimento compreendidas por essa identidade religiosa.

Sem religião

Também me chamou a atenção o crescimento dos sem religião. Seu crescimento vinha ocorrendo desde a década de 1980: eles eram 0,8 %, em 1970, passando para 1,6% em 1980, isto é, dobrando seu percentual no conjunto da população, para 4,8% em 1991 e para 7,3% em 2000. E em 2010, chegam a 8,0% da população. Mas se esse bloco continua crescendo e permanece como a terceira categoria no universo religioso do país (bem acima da quarta colocada, a categoria espírita, com 2,0% da população), esse crescimento se deu de forma muito menos acelerada do que nas décadas passadas. Isso é curioso porque, em alguns momentos, nós, que pesquisamos religião, chegamos a levantar a hipótese de que esse bloco estaria crescendo num ritmo igual ao dos pentecostais, e isso não se deu. Será que essa categoria estaria atingindo seu teto?

IHU On-Line – De que maneira podemos definir o “sincretismo religioso”? Quais suas principais características? Ele é retratado no censo? De que maneira?

Renata Menezes – Sincretismo religioso é uma categoria bastante complicada de ser utilizada por cientistas sociais. Ela é uma categoria surgida nos debates teológicos para identificar as misturas (sínteses) entre sistemas religiosos, um amálgama de concepções heterogêneas, mas foi utilizada na maioria das vezes em disputas inter e intrarreligiosas com o sentido pejorativo de desqualificar as práticas alheias como impuras, misturadas, desconexas. E isso era pretexto para condenar essas práticas porque seriam pouco ortodoxas, vulgares, sem sentido, etc. Mas, na verdade, sabemos que todos os processos culturais têm uma dimensão de mistura, de integração das diversidades, pois os grupos humanos não vivem isolados, mas em comunicação. Assim, suas cosmovisões, suas maneiras de pensar, de exprimir afetos, seus valores e técnicas estão em contato, provocando influências mútuas e ressignificações constantes. O próprio catolicismo surgiu num processo de hibridação entre o judaísmo, as religiões de Roma, as tradições semíticas e orientais...

Sincretismo como um valor positivo

Na história do Brasil, algumas religiões, como a umbanda, inverteram o sinal pejorativo do termo sincretismo e passaram a tratá-lo como um valor positivo. A umbanda, assumindo-se como sincrética, trouxe a mistura de prática das tradições afro, indígena, católica e kardecista como um sinal de sua legitimidade e de sua brasilidade, por englobar as matrizes religiosas tradicionais da sociedade brasileira. Assim, transformaram um estigma numa afirmação positiva de singularidade. Mas essa posição é atacada por vários grupos religiosos, por condenarem uma mistura que consideram excessiva, incapaz de integrar um sistema fechado e coerente, pobre intelectualmente, etc.

É um debate sem fim, pois envolve categorias analíticas em embates políticos e sociais, em torno da mistura religiosa e cultural. Por isso os cientistas sociais passaram a utilizar o conceito de sincretismo com muito cuidado, para não embarcar num debate sobre legitimidade religiosa que não lhes dizia respeito. Mas como as formas puras só existem nos manuais das ortodoxias religiosas – as pessoas estão em movimento permanente, senão entre igrejas, ao menos em torno de sistemas de pensamento e formas de organização, o tema da mistura sempre retorna, seja com o nome de sincretismo, seja sob a forma de outro conceito.

Trânsito
A dinâmica de transformações no domínio das religiões no Brasil, dos anos 1980 até agora, em que se torna comum não apenas trocar da religião de nascimento para uma segunda, mas fazê-lo até mesmo várias vezes ao longo da vida, tem trazido à baila novamente o tema do sincretismo: que misturas, que combinações os agentes religiosos têm feito que justificam ou que acompanham suas passagens por diferentes religiões ou igrejas?

Mas se o tema está de novo na pauta, não é o censo que vai ajudar a respondê-lo. Pois o censo é uma fotografia da autodeclaração religiosa em determinado contexto: ele não possibilita qualificar a mudança, ou entender suas nuances, mas apenas nos ajuda a visualizar as macrolinhas das transformações de uma década. Só saindo da dimensão do macro e do quantitativo para a esfera do estudo de caso e do qualitativo conseguiremos identificar processos mais sutis de transformações e combinações nas esferas dos valores e das crenças.

IHU On-Line – Por que as regiões Nordeste e Sul ainda concentram o maior número de católicos e o Rio de Janeiro concentra o menor número?

Renata Menezes – A hipótese é que nessas regiões (Nordeste, Sul) a transmissão religiosa ainda ocorre largamente pela família, isto é, que há um grande peso da religião herdada dos pais, da comunidade de origem. E são regiões em que o catolicismo há muito tem o papel de demarcação de identidade, tanto étnica como regional. Tanto é que, nos anos 1990, por exemplo, era dessas regiões que vinha a maior parte do clero católico masculino do país. Será que a transmissão familiar diminuiu no Rio de Janeiro mais do que em outros estados? Teria o decréscimo do catolicismo no Estado alguma associação com a questão da migração, da pobreza, ou mesmo da violência, que marcou o estado nas últimas décadas? Alguns estudiosos, como a professora Christina Vital da Cunha  e o professor César Pinheiro Teixeira , têm encontrado na capital desse estado a figura do “bandido evangélico”, ou do “traficante evangélico”, ou seja, de criminosos que manifestam sua adesão à identidade evangélica por encontrarem nessas igrejas formas de proteção que consideram mais eficazes do que aquelas que encontravam anteriormente na Igreja Católica ou nos cultos afro-brasileiros.

Dificuldades

Acho, no entanto, difícil comparar duas regiões com um estado. Primeiro, porque há, como já indiquei, uma grande variedade intrarregional. O Rio de Janeiro encontra-se em uma região em que há uma diversidade interna muito grande, com estados mais e menos católicos, mais e menos evangélicos. Segundo, porque o Rio de Janeiro tem o mais baixo percentual de católicos do país, mas não é o mais evangélico: há um grande número de pessoas “sem religião”, o percentual de afro-brasileiros é quase o triplo do índice nacional e o de espíritas, quase o dobro. Assim, é preciso uma análise interna para a configuração do campo das religiões nesse estado, para entender para onde estão indo os católicos e de onde vêm os evangélicos, e definir em que medida se trata de condições generalizáveis a outros estados, ou seja, extrapoláveis para o resto do país.

Uma curiosidade: olhando os dados do espiritismo por dentro, seis estados estão acima da média nacional, de 2,02%: Rio de Janeiro (4,05%), Distrito Federal (3,5%), São Paulo (3,29%), Rio Grande do Sul (3,21%), Goiás (2,46%) e Minas Gerais (2,14%). A que se deveria essa diversidade?

IHU On-Line – Que rumos o catolicismo está tomando diante do futuro, de acordo com os dados do último censo?

Renata Menezes – O catolicismo vem diminuindo, mantendo quase o mesmo ritmo nos últimos trinta anos e, pela primeira vez, diminuindo não apenas em números percentuais, mas em números absolutos. Ou seja, há menos católicos no país do que no ano 2000. O teólogo Faustino Teixeira destacou que há prognósticos de demógrafos, como o professor José Eustáquio Diniz Alves, em artigo publicado no Globo de 1-7-2012, página 16, que até 2030 os católicos devem ser menos de 50% da população do país e até 2040 seu número empata com o de evangélicos. Mas isso ocorrerá, obviamente, se a dinâmica de transformações do campo religioso brasileiro se mantiver. Será interessante acompanhar esse processo e observar em que medida esses prognósticos irão se cumprir ou não, e quais os fatores que irão marcar as novas configurações dessa esfera da vida social.

IHU On-Line – Atualmente torna-se mais visível o trânsito religioso. Qual é o significado religioso desse trânsito e qual sua implicação para as instituições religiosas?

Renata Menezes – O trânsito religioso é um fenômeno que não se atém ao universo das religiões, pois tem implicações sociais, econômicas, culturais, como também na família, na escola, na construção de subjetividades, na noção de pessoa... Ele é fruto de transformações históricas, mas também as provoca, num processo de alimentação mútua do qual, pela velocidade com a qual tem ocorrido, muitas vezes é difícil perceber as minúcias. No Ocidente – e falo em uma escala ampla, para enfatizar que se trata de um processo que não se dá apenas no Brasil ou no “terceiro mundo” –, temos visto um processo de desinstitucionalização religiosa, de desfiliação das igrejas de origem. Esse processo pode desaguar no ateísmo, no agnosticismo, na opção por espiritualidades difusas ou por práticas new age, ou pode desaguar em conversões, como ao pentecostalismo (mais corrente na América Latina e na África), ao islamismo, religiões de matriz oriental (mais corrente na Europa e EUA), ou uma procura de formas fundamentalistas de sua religião anterior.
Esse movimento, como a socióloga Sílvia Fernandes  assinalou em entrevista ao Instituto Humanitas Unsinos – IHU, tem muito de experimentação, e pode se dar de formas diversas, isoladas ou combinadas, o que faz com que o quadro das mudanças seja multifacetado.

Implicações para as igrejas

As implicações para as igrejas são muitas. Elas têm se colocado, desde os anos 1980, em uma situação de competição aberta por fiéis, por legitimidade social, por recursos e espaço no Estado, por imposição de sua visão de mundo à sociedade. Em países em que há imposto religioso, como a Alemanha, a desfiliação de membros significa uma perda direta de recursos. Mas é claro que o foco da preocupação das igrejas não é meramente com “o caixa”, porém com o que isso significa em termos de seu espaço na sociedade, o que isso implica em termos civilizacionais: como seria um Ocidente não cristão, ou um Ocidente marcado por um cristianismo exclusivamente pentecostal? Estão em jogo projetos eclesiástico-eclesiológicos, e não apenas cifras numéricas.

IHU On-Line – A Igreja Universal também perdeu 10% dos fiéis na última década. Isso está relacionado com que fatores?

Renata Menezes – Novamente citando Sílvia Fernandes, uma hipótese é de que a estrutura hierárquica, centralizada da IURD, esteja enfrentando a concorrência de igrejas neopentecostais de estrutura mais flexível, portanto mais e abertas à criatividade e à incorporação de “novidades” em seus cultos.
Outra hipótese que poderia se somar a essa seria a de que haveria um limite ao crescimento de uma igreja tão calcada na teologia da prosperidade. Na África, por exemplo, existem igrejas neopentecostais surgidas como dissidências da IURD, como o Templo da Restauração, em Cabo Verde, constituídas por pessoas que, endividadas pelo dízimo doado à IURD, passam a desconfiar dos princípios teológicos dessa igreja e criam outras, permanecendo, no entanto, no universo pentecostal.

IHU On-Line – Qual é a grande diferença da Igreja Católica com relação às outras religiões?

Renata Menezes – A Igreja Católica tem uma história milenar e uma estrutura que é simultaneamente permeável à convivência com a heterodoxia em suas margens internas, mas refratária a mudanças radicais que poderiam efetivamente colocá-la em diálogo com a modernidade. No Brasil, ela perde uma condição de monopólio e de hegemonia, ou de pilar da cultura e da sociedade, para cair no lugar de mais uma opção no campo religioso brasileiro, ainda que este permaneça marcadamente cristão. Ela teve que aprender a ser a religião da maioria dos brasileiros em vez de ser “a religião dos brasileiros”, e está tendo que aprender a lidar com uma situação ainda mais desfavorável, em que ela cada vez mais perde espaço. Portanto, saiu de uma posição em que sua reprodução se dava de forma quase automática, transmitida através da família e da cultura, para uma posição inédita no país, de ter que “disputar”, ensaiando formas de proselitismo. O que os dados demonstram é que sua estratégia de retomada de posições não tem dado muitos resultados.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

Renata Menezes – A meu ver, a divulgação dos resultados referentes à religião no censo 2010 provocou uma comoção surpreendente: tanto as igrejas e as pessoas religiosas como a mídia e os pesquisadores esperavam esses dados com ansiedade, divulgaram-nos e comentaram-nos de uma forma que me pareceu singular. Gostaria de destacar esse ponto como um sinal do peso que esses dados estão tendo na sociedade brasileira atual: usados por políticos para construir alianças eleitorais, por religiosos para conseguir espaço na esfera pública, por Igrejas, como evidência de sua importância social, etc. Diante desse quadro, acho importante destacar os limites de um censo na compreensão da dinâmica religiosa de um país. A questão sobre religião no censo brasileiro é apenas uma, claramente considerada insuficiente pelos pesquisadores para dar conta de suas preocupações, aplicada apenas no questionário longo, de uma amostra dentro do país. As inúmeras categorias de agrupamento (66) não resolvem as dificuldades dos aplicadores em enquadrar as informações obtidas, pois muitas definições são ambíguas até mesmo para os especialistas do tema. Assim, é um dado com limitações. Porém, é o dado mais macroexistente, o único a oferecer uma fotografia panorâmica da vida nacional. Devemos nos apropriar dele, sem dúvida, mas também sem expectativas de extrair daí todas as respostas às nossas questões.
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4588&secao=400


O campo religioso brasileiro na ciranda dos dados


A tarefa de encarar a diversidade religiosa como um valor e uma riqueza é também um repto que se abre para as diversas igrejas cristãs, assinala Faustino Teixeira
Por: Thamiris Magalhães

“Se observarmos os dados dos últimos censos, a tendência da diminuição da declaração de crença católica é nítida: 1970 (91,1%), 1980 (89,2%), 1991 (83,3%), 2000 (73,6%) e 2010 (64,6%). E as projeções estatísticas indicam que até 2030 os católicos terão um índice menor que 50% e em 2040 ocorrerá um empate com o grupo evangélico”, constata o docente do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, Faustino Teixeira, ao comentar, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, os dados do Censo 2010.

Para Faustino, é curioso constatar como as estratégias realizadas no campo da Renovação Carismática Católica – RCC, com a presença dos padres cantores e uma busca de ação mais viva na área midiática, não surtiram os efeitos desejados. “As iniciativas realizadas revelam-se tímidas diante de outras implementadas pelos evangélicos, como a Marcha para Jesus, que se repete anualmente com grande sucesso”, diz. E completa: “A meu ver, vamos ter que nos acostumar com um país cada vez mais pontuado por diversidade religiosa e também por distintas opções espirituais, religiosas ou não. Saber lidar com essa pletora de inscrições de sentido constitui um dos grandes desafios desse novo milênio”.

Faustino Teixeira é professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, pesquisador do CNPq e consultor do ISER-Assessoria. É pós-doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Entre suas publicações, encontram-se Teologia e pluralismo religioso (São Bernardo do Campo: Nhanduti Editora, 2012); Catolicismo plural: dinâmicas contemporâneas (Petrópolis: Vozes, 2009); Ecumenismo e diálogo inter-religioso (Aparecida do Norte: Santuário, 2008); Nas teias da delicadeza: Itinerários místicos (São Paulo: Paulinas, 2006); e No limiar do mistério. Mística e religião (São Paulo: Paulinas, 2004). Acaba de lançar um novo livro intitulado Os caminhos da mística (São Paulo: Paulinas, 2012).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que mapa religioso se desenha no Brasil a partir dos dados divulgados no último censo?

Faustino Teixeira – Sem dúvida, um mapa marcado por uma diversidade religiosa que se anuncia. Com respeito ao censo de 2010, algumas tendências se evidenciaram, como a diminuição dos católicos romanos, que caíram de 73,6% para 64,6% e o crescimento dos evangélicos, sobretudo pentecostais, que passaram de 15,4% para 22,2%. Numa população de 190,7 milhões de pessoas, os católico-romanos somam 123,2 milhões e os evangélicos 42,2 milhões, dos quais 25,3 milhões de origem pentecostal. Verificou-se ainda na última década um aumento percentual dos sem religião, mas um pouco abaixo do esperado, de 7,4% para 8,0% (15,3 milhões).

Cristianismo ainda em destaque

O país permanece com uma marca cristã, já que 86,8% da declaração de crença do último censo girou em torno das tradições católica ou evangélica. As outras tradições religiosas no país ainda são tímidas, em termos numéricos, ainda que sua influência possa ser maior que a expressa nos simples dados, como no caso do espiritismo, que, apesar de comportar apenas 2,0% da declaração de crença (3,8 milhões), tem uma ressonância social bem maior no país.

Tradições religiosas afro-brasileiras

As duas grandes expressões das tradições religiosas afro-brasileiras, a umbanda e o candomblé, continuam tendo o mesmo registro estatístico do censo anterior, com 0,3% de declaração de crença (umbanda com 407,3 mil e candomblé com 167,3 mil). As demais religiosidades permanecem apertadas numa estreita faixa de 2,7%, onde estão incluídas algumas que começam a despontar com uma presença mais definida: budismo (243,9 mil), judaísmo (107,3 mil), novas religiões orientais (155,9 mil) e o islamismo (35,1 mil). Há também nesse bloco a presença das tradições indígenas, cuja declaração de crença envolveu 63 mil pessoas.

IHU On-Line – O que as pessoas esperam das religiões a ponto de fazerem trânsitos constantes?

Faustino Teixeira – De fato, as religiões funcionam como um dossel protetor, fornecendo significado e sentido para as pessoas. Como tão bem mostrou Peter Berger , as religiões têm o potencial de situar ou integrar as experiências-limites num quadro de significado, favorecendo um referencial importante para a construção e manutenção da identidade. As pessoas realmente transitam em busca de significado para a vida, e isso pode ser constatado no Brasil. O brasileiro, como diz o clássico personagem de Guimarães Rosa, gosta de “muita religião” e não se conforma com uma única parada, pois para ele uma só “é pouca”. Ele precisa ampliar o seu campo de proteção contra o infortúnio. Os dados dos últimos censos apontam para essa realidade da experimentação religiosa, mas não se consegue ainda captar com precisão a declaração de múltipla religiosidade no país. Trata-se de algo muito comum no Brasil, embora o censo tenha registrado apenas 15,3 mil pessoas que apontaram para isso.

Catolicismo como “celeiro”

O catolicismo exerce no país o papel de “doador universal”, ou seja, “o principal celeiro no qual outros credos arregimentam adeptos” (P. Montero e R. Almeida). Esse trânsito e mobilidade estão muito vivos entre os evangélicos, sobretudo os pentecostais, que circulam pelas denominações que não param de crescer nas últimas décadas no Brasil. A título de exemplo, em pesquisa realizada em 1992, pelo Núcleo de Pesquisa do Instituto de Estudos da Religião – ISER na área metropolitana do Rio de Janeiro, constatou-se a média de criação de cinco novas igrejas por semana ou uma igreja por dia útil no triênio de 1990-1992. Outra pesquisa realizada pelo ISER e desenvolvida em 1994 sobre a presença evangélica no Grande Rio evidenciou que cerca de 70% dos evangélicos daquela região “não nasceram nem foram criados num lar evangélico”. Ou seja, são fiéis que migraram de outras tradições religiosas, sobretudo do catolicismo (61%).

Trânsito religioso

Esse fenômeno de experimentação e trânsito religioso é também muito vivo entre aqueles que se declaram sem religião. Como sabemos, esse grupo de declarantes é composto, sobretudo, por pessoas que se desencantaram com suas filiações tradicionais e encontram-se “desencaixadas”, transitando em busca de vínculos sociais e espirituais. Para eles, o que conta mais são os “elementos subjetivos”, e de acordo com o foro íntimo, buscam um nicho de sentido que possa responder às suas expectativas pessoais. Eles se movem como peregrinos do sentido entre as instâncias nomizadoras. Em recente entrevista concedida ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, a socióloga Sílvia Fernandes  situou muito bem a questão: “Cada vez menos ouvimos a expressão ‘fulano se converteu’, mas é mais comum ouvirmos ‘fulano agora é de tal religião’. Assim, a transitoriedade da adesão religiosa é uma marca desses tempos”.

IHU On-Line – Em vinte anos, a população católica diminuiu 22%, ou seja, em proporção, a Igreja Católica perdeu mais de um quinto de seus fiéis. Em seu entendimento, a que se deve este fato?

Faustino Teixeira – A diminuição da declaração de crença católica vem se acentuando há mais tempo. Se observarmos os dados dos últimos censos, essa tendência é nítida: 1970 (91,1%), 1980 (89,2%), 1991 (83,3%), 2000 (73,6%) e 2010 (64,6%). E as projeções estatísticas indicam que até 2030 os católicos terão um índice menor que 50% e em 2040 ocorrerá um empate com o grupo evangélico. Não é tarefa muito simples indicar as razões que levaram a tal situação. Pode-se aventar a hipótese de que a estratégia missionária da Igreja Católica nas últimas décadas tem fissuras importantes. Verifica-se que o repertório doutrinal mantém-se defasado com respeito aos sinais dos tempos. Há muita resistência na igreja católico-romana para atualizar a reflexão e modernizar a postura pastoral em campos que são nodais, como os da atuação na história, no diálogo ecumênico e inter-religioso e no âmbito da moral. Nota-se um claro enrijecimento da conjuntura eclesiástica nos últimos 35 anos, e não há sinais de arejamento eclesial.
E é também curioso constatar como as estratégias realizadas no campo da Renovação Carismática Católica – RCC, com a presença dos padres cantores e uma busca de ação mais viva na área midiática, não surtiram os efeitos desejados. As iniciativas realizadas revelam-se tímidas diante de outras implementadas pelos evangélicos, como a Marcha para Jesus, que se repete anualmente com grande sucesso.

Ingênuo otimismo

Outro dado intrigante a respeito é a incapacidade dos setores eclesiásticos, no âmbito católico-romano, de perceberem com clareza a dimensão da crise em curso. Diante dos dados apresentados, reage-se com ingênuo otimismo. Ou se diz que aqueles que permanecem católicos são de fato os mais convictos, e que o catolicismo privilegia não o traço quantitativo, mas qualitativo; ou então se busca firmar um outro olhar, sinalizando, na contramão, a vitalidade do catolicismo. É o que se verificou com a reação de muitos clérigos diante dos dados apresentados no último censo.
Aos dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, buscou-se contrapor os dados do último censo realizado pelo Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais – CERIS – a respeito da Igreja Católica no Brasil, cobrindo o primeiro semestre de 2011, tendo como referência o ano de 2010. Segundo os dados do CERIS, o catolicismo no Brasil está “vivo e vicejante”, e isso vem demonstrado pelo considerável crescimento das vocações sacerdotais e pelo aumento do número de paróquias no território nacional. O documento sinaliza que há uma “evolução no número de fiéis” e que “as novas comunidades religiosas têm também despertado esse reencantamento da fé católica”.

Para quem lê atentamente os dados do censo do IBGE e as reflexões sociológico-antropológicas que se seguiram, não há como deixar-se de surpreender com tamanha ingenuidade. Reagindo a tal ocular, o sociólogo e ex-assessor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, Pedro Ribeiro de Oliveira  – em entrevista ao IHU –, assinala: “Achar que aumentar o número de paróquias é aumentar a presença da igreja no mundo é um equívoco, no meu entender, de todo tamanho. E o segundo é dizer que a igreja está viva porque aumentou o número de padres. A igreja está mais clerical, porque aumentou o número de padres, mas o número de padres não representa a vitalidade da igreja. A vitalidade da igreja sempre foi a atividade dos leigos” .

Esta análise de Pedro Oliveira é certeira, e vem de um perspicaz analista da Igreja Católica no Brasil. Concordo plenamente com ele quando diz que a vitalidade de uma igreja se mede por sua capacidade de congregar as pessoas, de entusiasmá-las no trabalho pastoral. E isso não se vê hoje com clareza. O que existe é uma igreja que fala para dentro, que deixa de exercer o seu papel público imprescindível e que perde seu potencial de contágio evangelizador. Como assinala Pedro, “hoje o que vemos é a força de atrair para dentro, ou seja, o bom católico é aquele que está na igreja. Isso aí é o definhamento da instituição”.
IHU On-Line – As regiões onde o catolicismo mais decresceu foram naquelas de “recepção de migrantes”, nas fronteiras agrominerais do Norte e do Centro-Oeste e nas periferias dos grandes centros urbanos do Sudeste. A que se deve esse fato e como a Igreja Católica atuou para acompanhar tanto a mobilidade territorial e, principalmente, a mobilidade religiosa?
Faustino Teixeira – De fato, é nessas regiões que se verifica a crescente presença pentecostal. Se olharmos atentamente para o gráfico apresentado pelo IBGE, veremos que o maior colorido pentecostal localiza-se nas frentes de ocupação das regiões Centro-Oeste e Norte, bem como na linha litorânea das grandes metrópoles do Sudeste, em particular nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo. Em cidades do Rio de Janeiro, como Duque de Caxias, Nova Iguaçu e Belfort Roxo, o número de evangélicos já superou o número de católicos. Estes últimos marcam sua presença mais decisiva nas regiões Nordeste, Sul e no estado de Minas Gerais. A meu ver, a Igreja Católica tem tido muita dificuldade de entender a dinâmica desta mobilidade religiosa, estando também carente de instrumentação para reagir a tal situação. O que alguns documentos da instituição assinalam como meta essencial da missão católica é “ir ao encontro dos afastados”, contrariando, de certa forma, a ideia por ela mesma defendida de que a igreja está viva e atuante.

Queda no número de religiosas

Um dado curioso apontado no censo do CERIS é a queda acentuada do número de religiosas no Brasil, que passou de 35.039, em 1961, para 33.386, em 2010. Vale lembrar que as religiosas tiveram um dos importantes trabalhos na irradiação evangelizadora. A Igreja Católica fala em buscar os afastados, mas está movida por um discurso que muitas vezes não lhes interessa ou motiva. Daí toda a “desafeição” em curso. Ela que era forte na dinâmica popular, de irradiação criadora no campo e nas periferias, deixou de incentivar ou apoiar o importante trabalho das comunidades eclesiais de base, que tinham um alcance evangelizador significativo. Como se diz com acerto, a Igreja Católica optou pelos pobres, mas não levou a sério essa opção, privilegiando um trabalho intestino e clericalizante. As igrejas se fecharam, muraram suas redondezas, protegeram-se dos incômodos outros e limitaram o tempo para a acolhida dos pobres e excluídos. Esse trabalho veio ocupado, com eficácia, pelas igrejas pentecostais, que atingem rincões inalcançáveis pela atual pastoral católica.

IHU On-Line – Em paralelo, percebe-se que há o crescimento da população evangélica, que passou de 15,4% em 2000 para 22,2% em 2010. O que isso significa?

Faustino Teixeira – Esse pujante crescimento pentecostal não é um exclusivo fenômeno brasileiro, mas mundial. Como mostrou Peter Berger em reflexão sobre a dessecularização do mundo, os dois maiores fenômenos verificados na cena religiosa mundial relacionam-se com a irradiação islâmica e a explosão pentecostal. A presença pentecostal, sinalizada por Harvey Cox com a imagem do “fogo do céu”, é um fenômeno impressionante e que merece dedicada atenção. O seu crescimento no Brasil é mesmo espantoso, embora se perceba um traço de pulverização, em razão das constantes divisões ocorridas em seu meio e da criação de novas igrejas a cada momento e nos espaços mais exíguos.

Disputas

Algumas igrejas pentecostais históricas, como a Assembleia de Deus, mostram um inaudito vigor, com presença em todos os cantos do país. É a igreja evangélica de denominação pentecostal mais numerosa, contando hoje com 12,3 milhões de adeptos, seguida pela Congregação Cristã do Brasil, com 2,2 milhões de fiéis. Não há semelhante registro de presença entre as evangélicas de missão, com exceção da Igreja Batista, que congrega 3,7 milhões de adeptos. Verificam-se, porém, nos últimos anos disputas acirradas por fiéis no âmbito de algumas pentecostais, como é o caso da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD e a Igreja Mundial do Poder de Deus. Segundo os dados do último censo, a IURD perdeu 228 mil fiéis na última década, quebrando o ritmo de um crescimento que era notável nos anos 1990.

IHU On-Line – Como vê o futuro das religiões no Brasil após a divulgação dos dados do Censo?

Faustino Teixeira – A meu ver, vamos ter que nos acostumar com um país cada vez mais pontuado por diversidade religiosa e também por distintas opções espirituais, religiosas ou não. Saber lidar com essa pletora de inscrições de sentido constitui um dos grandes desafios desse novo milênio. A tarefa de encarar a diversidade religiosa como um valor e uma riqueza é também um repto que se abre para as diversas igrejas cristãs. Nada mais problemático hoje em dia do que continuar defendendo a precária ideia de que as outras religiões são destinadas a encontrar o seu acabamento fora de si mesmas, numa pretensa religião que englobaria em si o domínio da verdade. Nada menos plausível hoje do que uma tal ideia que, infelizmente, continua viva no repertório da Igreja Católica pós-Dominus Iesus. Gosto muito de uma passagem do Diretório para a aplicação dos princípios e normas sobre o ecumenismo, de 1993, onde se diz que os católicos “hão de respeitar com todo o cuidado a fé viva das outras Igrejas e Comunidades Eclesiais que pregam o Evangelho e hão de alegrar-se de que a graça de Deus frutifique entre eles” (n. 206). E cada vez mais acho que uma tal perspectiva de abertura e reconhecimento da dignidade da diferença deve ser ampliada para as outras tradições religiosas.

IHU On-Line – Como pode ser descrita a “desafeição religiosa”? Em que consiste? O que ela significa?

Faustino Teixeira – Em sua entrevista ao IHU, Pedro Ribeiro de Oliveira recuperou essa expressão sociológica que se aplica muito bem aos 15,3 milhões de pessoas que se declararam sem religião no último censo. É curioso notar que, nesse quadro dos sem religião, os que se declaram ateus ou agnósticos constituem minoria, respectivamente 615 mil e 124,4 mil declarantes. Grande parte dos sem religião estão entre aqueles que se desencaixaram de seus antigos laços e mantêm sua religiosidade com os recursos da subjetividade, mais do que com o aporte da tradição. Há também aqueles que se desafeiçoaram de suas tradições e buscam caminhos alternativos. É um segmento mais afeito ou disponível às experimentações. Vem composto por pessoas que transitam entre vários pertencimentos, sempre sedentos por vínculos sociais e espirituais.
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4589&secao=400


As religiões segundo os dados do Censo 2010: desafios e perspectivas


As religiões no Brasil tendem a compor futuramente um campo complexo e difuso de filiações e trânsitos dos fiéis entre elas, com tendências ao acirramento da concorrência religiosa, antecipa José Rogério Lopes
Por: Thamiris Magalhães

Em relação ao perfil do católico que emerge do Censo 2010 e dos traços mais característicos deste perfil, José Rogério Lopes afirma, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, que, segundo os dados do Censo, trata-se de um perfil popularizado, concentrado nos estratos de baixa renda e escolaridade. “O crescente avanço dos carismáticos entre os católicos tem acentuado um perfil espiritualista, mas conservador, com foco nas interações midiáticas e em grandes eventos”, diz. E acrescenta: “Por outro lado, é importante considerar que o catolicismo tem historicamente uma dinâmica plural de identificações e filiações, característica dos consensos hegemônicos, que libera os católicos de filiações rígidas e disciplinadoras. Assim, mesmo considerando as tendências conservadoras acima citadas, o perfil do católico ainda se caracteriza por uma composição variada e multifacetada”.

José Rogério Lopes é graduado em Pedagogia pela Universidade de Taubaté, mestre e doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. É professor titular do PPG em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. De sua autoria, destacamos A imagética da devoção; a iconografia popular como mediação entre a consciência da realidade e o ethos religioso (Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2010). É um dos organizadores de Diversidade religiosa, imagens e identidades (Porto Alegre: Armazém Digital, 2007).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as principais características do mapa religioso brasileiro que emergem do Censo 2010? Como o senhor enxerga o futuro das religiões daqui para frente?

José Rogério Lopes – As características principais seguem uma tendência que vem se acentuando nas duas últimas décadas. O declínio dos católicos e o avanço crescente dos evangélicos. Dos 24.6% de queda do catolicismo, desde 1980, 19.7% decresceram desde 1991. No mesmo período, o número de evangélicos dobrou. Como o campo institucional dos evangélicos é mais diversificado, acelerou-se o processo de diferenciação religiosa no país. Para se ter ideia, no campo evangélico, que dobrou, os pentecostais triplicaram o número de adeptos no período de duas décadas, apesar da queda percentual de crescimento na última década (de 4.6% na década de 1990 para 2.7% na década de 2000).

Números

Os dados preliminares do Censo mostram também uma concentração dos que se declaram religiosos nas camadas menos escolarizadas (39.8% de católicos; 42.3% de pentecostais e 33.7% de evangélicos não determinados) e com baixa renda (66% de católicos; 75.3% de pentecostais e 69.6% de evangélicos não determinados), dispersados em regiões periféricas dos grandes centros e nas regiões nordeste e centro-oeste. Nessas mesmas camadas também aumentou muito o número dos que se declaram sem religião.

População cristã

Outro dado importante refere-se à soma da população cristã no país. Apesar de ligeira queda, elas atingem ainda o percentual de 86,8% da população, enquanto as demais religiões somam, juntas, 5%, e os sem religião chegaram a 8%, em um crescimento acelerado.

Aprimoramento

Essa diversificação institucional religiosa, porém, possui também características metodológicas e regionais que merecem mais atenção. Foi a primeira vez que o Censo aprimorou a tipologia de identificação da população, acrescentando ateus e agnósticos entre os sem religião. A mídia tem complementado esse aprimoramento com o uso de aplicativos na análise dos dados – como o Tableau Public – que permite realizar agrupamentos aprimorados dos dados, como fizeram os jornais Folha de S. Paulo e o Estado de São Paulo, nas matérias sobre o assunto.

Considerando a aceleração das mudanças dessas características, na série histórica recente, as religiões no Brasil tendem a compor futuramente um campo complexo e difuso de filiações e trânsitos dos fiéis entre elas, com tendências ao acirramento da concorrência religiosa.

IHU On-Line – Qual é o perfil do católico que emerge do Censo 2010? Quais são os traços mais característicos deste perfil?

José Rogério Lopes – Segundo os dados do Censo, trata-se de um perfil popularizado, concentrado nos estratos de baixa renda e escolaridade, indicados anteriormente. O crescente avanço dos carismáticos entre os católicos tem acentuado um perfil espiritualista, mas conservador, com foco nas interações midiáticas e em grandes eventos. Por outro lado, é importante considerar que o catolicismo tem historicamente uma dinâmica plural de identificações e filiações, característica dos consensos hegemônicos, que libera os católicos de filiações rígidas e disciplinadoras. Assim, mesmo considerando as tendências conservadoras acima citadas, o perfil do católico ainda se caracteriza por uma composição variada e multifacetada.

IHU On-Line – Muitos jovens, a partir dos dados do Censo, declararam não possuir religião, porque não encontram a verdade em nenhuma delas. Nesse sentido, como o senhor avalia o real papel das religiões? E como os jovens começam a ver, compreender e vivenciar a religião no mundo atual?

José Rogério Lopes – A “busca da verdade” torna-se, cada vez mais, um caminho com várias possibilidades. Essa justificativa indicada pelos jovens tem a ver também com o fato de que o crescimento da diversificação religiosa aumenta a “oferta de verdades”, mesmo quando esse aumento é produzido de forma mimética, como entre os evangélicos pentecostais e, sobretudo, os neopentecostais.

Trânsito religioso

Essa oferta crescente evidencia que o pluralismo religioso é concorrencial e as doutrinas religiosas apelam constantemente para a cooptação ou a fidelização dos fiéis. Assim, a concorrência religiosa que exterioriza essa variedade de verdades pode aparentar-se a uma prateleira de supermercado, como que expondo mercadorias à espera de clientes (o que favorece um trânsito religioso). Mas a crescente oferta de verdades tende a produzir uma reflexividade entre aqueles que a buscam. Afinal, entre tantas verdades, como escolher uma? Como já indicou o pensador americano Alvin Toffler , no livro O choque do futuro (4ª ed. Rio de Janeiro: Arte Nova, 1972), essa ilusão de uma miríade de escolhas acaba embotando a capacidade de discriminação dos indivíduos.

“Religião em trânsito”

Nesse sentido, o papel das religiões passa também por reflexividades institucionais endógenas, em contraste com “ameaças” exógenas diversas. Embora concorde com o pensador francês Luc Ferry  (O que é uma vida bem sucedida. Rio de Janeiro: Difel, 2004), na ideia de que a religião ainda tem um papel importante na definição do que seja uma boa vida, desde a composição de parâmetros éticos e ideais de realização pessoal e coletiva, a definição desse papel depende da dinâmica dessa reflexividade institucional em desenvolvimento e das orientações que as religiões passarão a adotar (o que evidencia um modelo de “religião em trânsito”, como indicado pelo antropólogo Ronaldo de Almeida ).

Já o aumento crescente de jovens em segmentos religiosos conservadores e desapegados da vida cotidiana (Toca de Assis  e Arautos do Evangelho , no catolicismo, por exemplo) mostra que a vivência dos jovens, em matéria de religião, tem se orientado por experiências com forte apelo corpóreo e espiritualista, de fundo disciplinador e comunitarista.

IHU On-Line – Qual o principal desafio que as religiões enfrentam atualmente?

José Rogério Lopes – Vejo dois desafios importantes. O primeiro refere-se à necessidade das tradições religiosas traduzirem suas místicas, seus princípios éticos e seus sistemas doutrinários em linguagens acessíveis e atrativas às novas experiências sociais (que muitos autores têm tratado como “novas gramáticas sociais”), sem perder suas “estruturas de plausibilidade”, como bem argumentou Peter Berger, frente aos desafios do secularismo . Nesse caso, o Simpósio que o Instituto Humanitas Unisinos – IHU promoverá sobre Igreja, Cultura e Sociedade. A semântica do Mistério da Igreja no contexto das novas gramáticas da civilização tecnocientífica  pode ser um marco importante de análise. O segundo desafio é encontrar mediações para ampliar o diálogo inter-religioso, em um campo de concorrência acirrada entre tradições ou denominações religiosas.

IHU On-Line – Que pistas os resultados trazidos pelo Censo podem nos oferecer com relação à sociedade atual e a do futuro?

José Rogério Lopes – Nos dois casos propostos para análise, vou me autorizar a reproduzir uma introdução que elaborei para um livro organizado por amigos.

Os resultados do último Censo permitem reconhecer que o campo religioso contemporâneo carrega a marca da pluralidade e se define, mais do que antes, pelas problematizações que tal pluralidade provoca. Isso porque os reptos constantes que as diversas denominações religiosas dirigiram, e ainda dirigem, à predominância católica no Brasil, têm flexibilizado as fronteiras e os padrões sociais das práticas religiosas, e modificado o cenário institucional religioso.

Simultaneamente, vimos emergir nesse mesmo campo religioso de pluralismo concorrencial, nas últimas décadas, processos de significação individuais e coletivos que, combinados com estruturas de sentimentos abertas a novas percepções, rearranja de forma reflexiva os modelos prevalecentes de religiosidade. Reagindo a esse reordenamento, as antigas tradições religiosas se atualizam seletivamente, ora incorporando, ora desincorporando representações e crenças diversas. E seguindo a máxima de que nada se perde, tudo se transforma, essas mudanças têm deixado lacunas sobre as quais os atores religiosos contemporâneos fabricam novos modelos, ou também atualizam os antigos.

Nesse quadro de atualizações e fabricações religiosas inacabadas (que tenho denominado de campo performático-religioso), as experiências religiosas populares têm ganhado força, novamente, pela sua capacidade performática de produzir estratégias e gerir identidades em negociação com alteridades distintas.

Enquanto as institucionalidades religiosas se atualizam vagarosamente, em virtude de suas premências normativas (isso repercutiu, no último Censo, na constatação da queda dos fiéis da Congregação Cristã no Brasil, por exemplo), foi agindo em um plano transgressor, subversivo ou residual às normas religiosas, mesmo sub-repticiamente, que as experiências religiosas populares se atualizaram e passaram a reivindicar reconhecimento, no campo religioso.

IHU On-Line – A Igreja Universal também perdeu 10% dos fiéis na última década. Isso está relacionado com que fatores?

José Rogério Lopes – Vários fatores estão envolvidos nessa queda. Destacaria três. As cisões no interior da Igreja Universal do Reino de Deus - IURD, tendo como exemplo a saída de bispos da Igreja que foram para a recém-fundada Igreja Mundial do Poder de Deus, arrastando milhares de fiéis; a difusão de uma ética indolor, pragmática e experimental – como indicada por Gillles Lipovetsky , em A sociedade pós-moralista. O crepúsculo do dever e a ética indolor dos novos tempos democráticos (Barueri: Manole, 2005) – na experiência de pertencimento religioso, que desobriga os fiéis do cumprimento de deveres absolutos e exteriores e reforça o processo de individualização e autonomia deles (perspectiva que atinge outras lógicas de pertencimento religioso contemporâneo); e a expansão da privatização religiosa, que era característica de católicos e, mais recentemente, de algumas denominações de protestantes históricos, que se define pela religiosidade vivida “à minha maneira”, como declaravam categorias de indivíduos, no Censo de 2000.

Hibridismo

Esses fatores permitem inferir que o crescimento religioso de uma denominação religiosa, sobretudo nos centros metropolitanos, como apontado pelos últimos Censos, está associado à crescente diferenciação de seus fiéis, pelo caráter contrastivo que sua concentração produz. Aqui, evidencia-se um hibridismo que se caracteriza pela intercorrência de escalas de crescimento religioso e urbano, como fenômenos que se interpenetram em fluxos constantes e que se arranjam em composições variadas. Esse fenômeno ainda carece de análise.

Outra explicação desse decréscimo diz respeito ao jogo de forças travado pela concorrência religiosa, no campo evangélico e pentecostal, com repercussões midiáticas que geram alianças conjunturais e repercussões na opinião pública, como ocorreu na última década, muito bem analisadas por Ricardo Mariano. 

IHU On-Line – Por que as regiões Nordeste e Sul ainda concentram o maior número de católicos?

José Rogério Lopes – Porque essas regiões estão dispostas em tradições populares e étnicas, respectivamente, da formação da sociedade brasileira, o que corresponde de forma apropriada com os resultados preliminares do Censo 2010, aqui em discussão.

IHU On-Line – Como pode ser definido o conceito de “desafeição religiosa”? Em que consiste? O que ela significa?

José Rogério Lopes – O conceito permite caracterizar uma indefinição crescente da identificação confessional declarada pelos informantes, sobretudo justificada por “uma insatisfação dos fiéis com os serviços prestados pelas suas igrejas”, como afirmou o sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira, em entrevista ao IHU (5 de julho de 2012) . Essa desafeição refere-se a uma mudança geracional que afeta as tradições religiosas (a diminuição crescente do número de jovens católicos e dos protestantes históricos), e que se reforça no aumento acelerado dos que se declaram sem religião nas décadas recentes.
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Pentecostalismo: mudança do significado de ter religião


Além de Rondônia, que já se destacou no último censo como o estado mais pentecostal, temos o Amapá, Pará e Acre com mais de 20% da população pentecostal, declara Cecilia Loreto Mariz
Por: Thamiris Magalhães e Graziela Wolfart

Ao considerar o número de pessoas que se declara sem religião, abordando especificamente a responsabilidade das igrejas pentecostais, nesse sentido, Cecilia Loreto Mariz levanta a seguinte hipótese: as igrejas pentecostais podem estar sendo responsáveis por uma mudança do significado do que é ter religião. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ela afirma: “no mundo pentecostal e protestante, a pessoa apenas se identifica com uma religião ou uma igreja se, de fato, pratica e participa da comunidade. Caso alguém tenha se tornado evangélico e abandonou a prática, em geral, passa a dizer que se tornou ‘sem religião’. Essa hipótese explica uma parte do universo dos sem religião”. E destaca: “observa-se que há um percentual importante de ‘sem religião’ com mesmo perfil sociogeográfico dos pentecostais”.

Cecilia Loreto Mariz possui graduação em Ciências Sociais e mestrado em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco e é Ph.D em Sociology of Culture and Religion pela Boston University. Professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, é uma das organizadoras de Novas Comunidades Católicas: em busca do espaço pós-moderno (Aparecida: Ideias & Letras, 2009). Sua especialização é sociologia da religião e tem pesquisado religiões no Brasil com maior ênfase no catolicismo e pentecostalismo.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que os dados do censo revelam em relação aos evangélicos do grupo pentecostal. O que este dado significa? Qual estado e/ou região apresenta um maior número de evangélicos pentecostais? Por quê?

Cecilia Loreto Mariz – Antes de discutir os dados sobre os pentecostais, faz-se importante destacar que, no censo de 2010, foi introduzida a categoria evangélicos “sem determinação de denominação”, que representa cerca de 21,8% dos evangélicos em geral, um percentual maior do que o dos evangélicos de missão. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE não tem como afirmar o que significa esse dado, se a não explicitação da denominação foi opção do entrevistado ou problema do recenseador. A hipótese mais plausível é que tenha sido problema na coleta dos dados. Dessa forma, ficamos sem informação da denominação de um percentual significativo de evangélicos. A análise de mudanças em relação aos dados do censo de 2000 pode ficar prejudicada quando se quiser investigar transformações no perfil de evangélicos de missão e pentecostais ou crescimento específico de cada denominação. Apesar desse problema não atingir a análise dos evangélicos como um único conjunto, dificulta, por exemplo, avaliar a queda percentual de várias denominações pentecostais. Dessa forma, embora os dados mostrem que o pentecostalismo continua crescendo, podemos ter dúvidas sobre o real percentual. Talvez seja maior.
Levando em conta o problema acima citado, destacamos que os dados apontam que a Assembleia de Deus se destaca como a denominação pentecostal que mais cresce ou que ainda cresce, porque várias denominações, segundo esses dados, estariam caindo em termos percentuais, como seriam os casos da segunda maior denominação pentecostal, a Congregação Cristã do Brasil, e também a Igreja Universal do Reino de Deus – IURD. Mas temos que relativizar esse decréscimo em vista do percentual dos que não informaram sua denominação.

Outro dado que chama atenção nesse censo foi o crescimento nos estados do norte do país. Além de Rondônia, que já se destacou no último censo como o estado mais pentecostal, temos o Amapá, Pará e Acre com mais de 20% da população pentecostal. Esse crescimento reforça uma hipótese levantada desde os primeiros estudos do pentecostalismo que relaciona seu crescimento com migrações.
Como há uma tendência de predominância da Assembleia de Deus no Norte e Centro-Oeste do país, os dados sobre crescimento regional e denominacional da Assembleia de Deus se mostram, portanto, coerentes.

IHU On-Line – Em sua maioria, os pentecostais são de qual classe social? Há uma explicação para isso?

Cecilia Loreto Mariz – Os dados apontam que há pentecostais em todas as camadas sociais. Todavia, tem havido sempre uma relativa predominância entre as menos abastadas e relativamente menos instruídas. Vários fatores podem explicar essa relação como os menos privilegiados. Essas igrejas propõem um caminho garantido e rápido de mudança de vida, que é o que procuram todos que estão em situação de maior penúria. Uma linguagem direta e simples, de defesa de acesso de todos à palavra, aos bens materiais, intelectuais e espirituais, também atinge os que têm menos instrução.

IHU On-Line – As mulheres evangélicas pentecostais são mais religiosas do que os homens? Qual o sexo que predomina no grupo dos evangélicos pentecostais? Por quê? A adoção do modelo patriarcal ainda prevalece entre as igrejas pentecostais?

Cecilia Loreto Mariz – Há, de fato, mais mulheres nas igrejas pentecostais do que homens. A afinidade da mulher com essas igrejas tem sido muito apontada e discutida. Uma das explicações seria o fato das igrejas valorizarem e, mais do que isso, apoiarem de fato com várias práticas e rituais a mulher sem companheiro, bem como também aquelas que se dedicam a cuidar da família e filhos. Uma forma desse apoio é defender um modelo homem ou um papel masculino mais semelhante ao feminino. Tal como a mulher, o homem pentecostal deve ter a família, esposa/o e filhos, deve ser fiel, ascético e não beber álcool. Apesar da defesa do modelo patriarcal, no sentido que o homem deveria em princípio ter a última palavra, o pentecostalismo propõe uma igualdade de gêneros em muitos aspectos que a cultura mais ampla mantém desigual. É importante também destacar que o patriarcalismo pentecostal não significa que a última palavra do homem possa ir contra a lei de Deus. E essa última limita muito práticas machistas, especialmente as que atingem negativamente as mulheres (violência, sexo sem compromisso, ingestão de álcool).

IHU On-Line – Algo mudou nos últimos anos em relação à importância da família entre os fiéis pentecostais?

Cecilia Loreto Mariz – As igrejas pentecostais continuam valorizando bastante a família. A importância não me parece ter mudado em nada. Até mesmo em denominações chamadas de “inclusivas”, que aceitam o homossexualismo, os pesquisadores têm observado que se defende a formação de famílias, ou seja, que casais homossexuais tenham relações monogâmicas e duradouras, que adotem crianças segundo o mesmo modelo da família heterossexual.

IHU On-Line – Que diferença pode ser estabelecida entre as igrejas protestantes, as pentecostais e a católica quanto à aceitação de lideranças femininas?

Cecilia Loreto Mariz – Há grandes diferenças. A primeira é que muitas igrejas pentecostais e protestantes, em geral, aceitam que as mulheres sejam ordenadas pastoras, e até alcancem o cargo de bispo. Há muitas denominações fundadas por mulheres. Já na Igreja Católica, o sacerdócio é permitido apenas a celibatários.

IHU On-Line – Como define e percebe o trânsito religioso de fiéis entre as igrejas pentecostais?

Cecilia Loreto Mariz – O trânsito religioso entre igrejas pentecostais, e entre igrejas evangélicas em geral, reflete, em minha opinião, a concepção corrente no universo protestante que todas as igrejas evangélicas, apesar de discordâncias diversas, são apenas denominações diferentes ou, dito de outra forma, nomes distintos para uma única igreja de Cristo. Daí transitar entre denominações não implicaria uma tensão ou ruptura do tipo que ocorreria com a mudança de uma religião para outra, ou com o abandono da Igreja Católica. O trânsito entre essas igrejas poderia ser fruto de uma mudança de cidade ou mesmo de bairro, de emprego, profissão, ou seja, podia ser gerada por questões de fora do próprio campo religioso, sem implicar mudanças nas convicções daquele que transitou. Assim, pode ser visto como fruto de uma identidade evangélica única que tem sido construída e reforçada no Brasil em vários momentos distintos como, por exemplo, durante campanhas políticas, ou eventos interdenominacionais, por exemplo, “Parada para Jesus”, entre outros.

IHU On-Line – Considerando o número de pessoas que se declara sem religião, qual a responsabilidade das igrejas pentecostais nesse sentido?

Cecilia Loreto Mariz – Uma hipótese que levantaria é que as igrejas pentecostais podem estar sendo responsáveis por uma mudança do significado do que é ter religião. No mundo pentecostal e protestante, apenas se deve se identificar com uma religião e igreja se de fato se pratica e se participa da comunidade. Se alguém se tornou evangélico e abandonou a prática, em geral, passa a dizer que se tornou “sem religião”. Essa hipótese explica uma parte do universo do sem religião. Observa-se que há um percentual importante de “sem religião” com mesmo perfil sociogeográfico dos pentecostais.
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“Rebanho virtual”, fator que contribui para o individualismo religioso evangélico?


Os evangélicos não determinados talvez sejam uma expressão dos “desigrejados” que nos EUA ou Europa são muitos, nestes tempos de individualismo e de formação de um rebanho virtual, explica Leonildo Silveira Campos
Por: Thamiris Magalhães

Ao analisar o perfil dos praticantes da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD, o professor titular da Universidade Metodista de São Paulo – Umesp, Leonildo Silveira Campos, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, conta que as pessoas atraídas pela pregação da IURD não aparentam ser de classes sociais paupérrimas. “Os muito pobres são mais facilmente atingidos pela pregação dos milagres e prodígios. Esses estão fora de esforços que resultem de um processo de planejamento das atividades cotidianas. Eles levam uma vida tão dura, que somente um milagre resolve. Nesse sentido, a Igreja Mundial, Igreja do Evangelho Quadrangular ou a Deus é Amor levam vantagem nessas camadas sociais mais pobres onde a IURD perde a competitividade”.

Em relação ao futuro da religião evangélica, com o surgimento e fortalecimento das mídias digitais, com os cultos e práticas religiosas podendo ser realizados cada vez mais pela internet, Leonildo avalia que há um crescente número de evangélicos que não mais se adapta às estruturas burocráticas (que exigem arrecadação de dízimos e ofertas) e preferem limitar a frequência aos cultos a alguns dias por ano, aumentando a prática do lazer, ou até fazendo parte do que temos chamado de “paróquia virtual”, praticando uma religiosidade evangélica na rede mundial de computadores. “Como prova disso, aumenta o número de igrejas que transmitem seus cultos pela internet, chegando os pastores ao agradecimento pelas visitas presenciais e invocando uma bênção especial para os que acompanham o culto virtualmente”.

Leonildo Silveira Campos é graduado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mogi das Cruzes, e em Teologia pela Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. Seu mestrado e doutorado foram realizados na Universidade Metodista de São Paulo – Umesp, com a tese Teatro, templo e mercado: uma análise da organização, rituais, marketing e eficácia comunicativa de um empreendimento neopentecostal – a Igreja Universal do Reino de Deus (Petrópolis: Vozes, 1997). Atualmente é professor titular da Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade de Humanidades e Direito, lecionando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, e como professor convidado, na Faculdade de Teologia de São Paulo da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A Igreja Universal perdeu 10% dos fiéis na última década. Essa perda está relacionada com que fatores?

Leonildo Silveira Campos – Os números indicam que a Igreja Universal do Reino de Deus – IURD perdeu 11% de seus fiéis ao longo da década. Os evangélicos tradicionais perderam desta vez só 0,1% e a Igreja Católica caiu do patamar dos 73,6% para o de 64,6% da população brasileira. Os evangélicos atingiram o patamar dos 22,2%. Entre os que mais cresceram estão a Assembleia de Deus, 46,4%; a Igreja do Evangelho Quadrangular, 38,5%; e a Igreja Pentecostal Deus é Amor, 9,2%. A Assembleia de Deus ganhou 3,8 milhões de novos fiéis na década, o que representa um total de 1.082 novos fiéis por dia, durante 10 anos.

Indagações

Por sua vez, há igrejas pentecostais que não cresceram. Entre elas está a Congregação Cristã no Brasil, que caiu 8%. Há uma questão interessante e pouco discutida: Por que há pentecostais que cresceram enquanto outros perderam força? Que tipo de mensagem atrai fiéis de um grupo e os afasta de outros? Por quais motivos esse significativo número de pessoas deixou a IURD? Para que grupo ela está doando fiéis? Ela estaria alimentando outras denominações pentecostais, a majoritária Assembleia de Deus? Ou as pessoas estão procurando igrejas pentecostais menores onde há um espaço social mais favorável para uma maior experiência comunitária? É possível também que todos esses fatores influenciem nesse trânsito. Porém, não se pode descartar que o pluralismo, a diversidade e a competitividade interna no pentecostalismo estimulam a disputa por fiéis, mesmo entre os que dizem ser a experiência com o Espírito Santo um fator de unidade.

Igrejas “clones”

Deve-se ressaltar também o aparecimento do que Marion Aubree  (pesquisadora francesa) chamou de “igrejas clones da Universal”. Isto é, ao longo de 35 anos de uma história marcada por sucesso numérico, essa Igreja, que trouxe significativas adaptações ao pentecostalismo dentro de um quadro marcado pela globalização, pluralismo e diversidade do campo religioso, experimenta hoje o ataque externo provocado por novos movimentos neopentecostais que a imitam. Entre outras, a de maior sucesso é a Igreja Mundial do Poder de Deus – IMPD, fundada pelo ex-bispo iurdiano Valdemiro Santiago. Porém, já nos primeiros anos de história da IURD, surgiu a Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada pelo cunhado do bispo Edir Macedo, um dos iniciadores da IURD. Com a saída dos demais empreendedores iniciais, Macedo ficou sozinho à frente do próspero empreendimento. Muitas das estratégias da Universal foram copiadas por esses novos empreendedores que foram acrescentando mais algumas características e adaptações julgadas necessárias para o continuado sucesso da fórmula herdada. O crescimento desses concorrentes, assim como a possível ascensão socioeconômica da classe C, encontra nas condições favoráveis de vida outras saídas além da busca do exorcismo e da prosperidade. É possível ainda que tenha aumentado o número dos que se sentem “decepcionados” com as promessas alicerçadas em estratégias publicitárias e marqueteiras. O aparecimento de produtos mais em conta no mercado e de ofertas mais vantajosas pode estar influenciando mais pessoas que as análises acadêmicas pressupõem.

IHU On-Line – Qual a peculiaridade e as principais características da IURD que a diferencia das demais religiões?

Leonildo Silveira Campos – Ao longo de sua história, a IURD construiu um império mediático que lhe fornece pontes para uma comunicação rápida, unificada e eficiente com a sua clientela. Há ainda uma rede capilar de templos, cobrindo quase que inteiramente a América Latina, partes da África e Europa. No entanto, essa expansão exigiu que a IURD se tornasse mais flexível e inclusiva com relação às culturas locais. As suas campanhas especiais, e muitas vezes a nomenclatura dos locais de cultos e formas de atividades, geram nas pessoas um sentimento de que, mesmo abandonando seus cultos católicos, mágico-indígenas ou africanos, eles continuam habitando o mesmo universo de sentido. A IURD conseguiu levar vantagem sobre as demais por ter optado e trabalhado a partir dos desejos e sonhos de uma vasta parcela da sociedade contemporânea. Enquanto isso, ela oferece produtos simbólicos “remasterizados”, dissimulando a ideia de ruptura, trocando-a por uma aparente continuidade com as culturas locais. Estaria a fórmula desenvolvida por Edir Macedo caindo no domínio público, tornando a sua Igreja vítima de suas próprias estratégias de um marketing de guerra?

IHU On-Line – Qual o perfil dos praticantes da Igreja Universal?

Leonildo Silveira Campos – As pessoas atraídas pela pregação da IURD não aparentam ser de classes sociais paupérrimas. Os muito pobres são mais facilmente atingidos pela pregação dos milagres e prodígios. Esses estão fora de esforços que resultem de um processo de planejamento das atividades cotidianas. Eles levam uma vida tão dura, que somente um milagre resolve. Nesse sentido, a Igreja Mundial, Igreja do Evangelho Quadrangular ou a Deus é Amor levam vantagem nessas camadas sociais mais pobres onde a IURD perde a competitividade.

IHU On-Line – A que se deve o sucesso de empreendimento da IURD? Quantos templos existem atualmente no Brasil?

Leonildo Silveira Campos – A IURD sempre escolheu o lugar para os seus templos: em corredores de passagem, próximos a estações de ônibus, de trem ou de metrô. Nos seus primeiros 20 anos, o número de pequenos e médios templos era grande. Havia uma maior capilaridade, incluindo-se os interiores dos bairros. Nos últimos 10 ou 15 anos, a IURD passou a construir enormes catedrais, cujos nomes vão desde a “Catedral da Fé” até o nome bíblico do lugar onde os cristãos se reuniam em Jerusalém – cenáculo ou aposento alto – chamados em seus programas televisivos de “Cenáculos do Espírito Santo”.

Cenáculo, templo e catedrais

Nos depoimentos, possivelmente editados, poucos dizem que a vida melhorou após frequentarem a Igreja Universal ou irem ao templo. Elas dizem com facilidade muito grande (como se não houvesse um calejar dos vocábulos anteriores) que a vida melhorou depois que passaram a frequentar os Congressos Financeiros no Cenáculo do Espírito Santo. Em São Paulo, está sendo construída uma réplica idealizada do templo de Salomão. A questão será, caso um dia o crescimento explosivo dos anos 1990 diminua, o que fazer com tantos imóveis tão grandes como os que estão sendo construídos. Quanto às catedrais, o ajuntamento deve ter criado a ilusão de crescimento numérico, com a correspondente queda nos gastos de aluguel, imposto predial, gastos com a manutenção de recursos humanos e de material necessário para o funcionamento de milhares de pequenos e médios templos.

Realmente houve um crescimento explosivo de evangélicos na década terminada em 2010. Mas o pentecostalismo que mais cresceu mesmo foi o da Assembleia de Deus e das que o Censo classificou como “outras igrejas de origem pentecostal”, que saltaram dos 1,84 milhão (2000) para 5,26 milhões (2010).

IHU On-Line – Os números do Censo 2010 mostram a explosão de fiéis que se dizem apenas evangélicos, mas não estão vinculados a nenhuma igreja. O que esse dado revela?

Leonildo Silveira Campos – O aparecimento de uma nova categoria, “evangélicos sem igreja” ou os “evangélicos não determinados”, foi uma novidade que já havia se manifestado em pesquisas anteriores, como a de 2009 (POF), que tomou por base os números da pesquisa dos orçamentos familiares. Esses “evangélicos não determinados” chegaram ao índice de 4,8%, acima dos 4% dos evangélicos de missão (ou tradicionais), porém, abaixo dos pentecostais, 13,3%.

Ricardo Mariano (Folha de S. Paulo, 30-06-12) apontou corretamente que “o inchaço da categoria evangélica não determinada reduzir artificialmente o crescimento pentecostal”. É possível que uma boa parcela desses evangélicos não determinados tenha práticas carismáticas ou pentecostais.

“Paróquia virtual”

Porém, há um crescente número de evangélicos que não mais se adapta às estruturas burocráticas (que exigem arrecadação de dízimos e ofertas) e preferem limitar a frequência aos cultos a alguns dias por ano, aumentando a prática do lazer, ou até fazendo parte do que temos chamado de “paróquia virtual”, praticando uma religiosidade evangélica na rede mundial de computadores. Como prova disso, aumenta o número de igrejas que transmitem seus cultos pela internet, chegando os pastores ao agradecimento pelas visitas presenciais e invocando uma bênção especial para os que acompanham o culto virtualmente. Talvez esses evangélicos não determinados sejam uma expressão dos “desigrejados” que nos EUA ou Europa são muitos, nestes tempos de individualismo e de formação de um rebanho virtual.
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Religiões afro-brasileiras e sua participação na cultura nacional não religiosa


Elas têm presença marcante na literatura, no teatro, cinema, televisão, nas artes plásticas, na música popular, sem falar do carnaval e suas escolas de samba, da culinária originária da comida votiva, e, sobretudo, da sua especial maneira de ver o mundo, frisa José Reginaldo Prandi
Por: Thamiris Magalhães

Ao assinalar a importância das religiões afro-brasileiras para o Brasil, José Reginaldo Prandi diz, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, que a importância dessas religiões de origem africana não pode ser medida simplesmente pelo minúsculo tamanho de seus contingentes, mas pela sua participação na formação da cultura nacional não religiosa. E enfatiza: “Com isso, têm ganhado visibilidade, prestígio social e respeito”. Talvez seja isso, segundo Prandi, uma das razões pelas quais o candomblé tem atraído adeptos brancos de boa renda e alta escolaridade, que se juntam nos terreiros aos extratos mais pobres da população brasileira, os negros, conforme atestam os dados do censo demográfico de 2010.

Em resumo, a umbanda, para José Reginaldo Prandi, é religião típica da classe média baixa, sempre foi. “O candomblé era religião exclusiva de negros, pobres, mas não é mais. No candomblé há os mais pobres, sim, sobretudo os segmentos negros, dada a origem étnica dessa religião, mas também expressivo contingente de não negros de alta escolaridade e renda. Essa presença branca de elevada extração social faz das religiões afro-brasileiras um grupo cujo perfil de escolaridade e renda somente é superado pelos espíritas”.

José Reginaldo Prandi tem graduação em Ciências Sociais pela Fundação Santo André, e mestrado, doutorado e livre-docência em Sociologia pela Universidade de São Paulo – USP. É professor sênior do Departamento de Sociologia da USP e pesquisador do CNPq. Dentre seus livros publicados citamos Os Candomblés de São Paulo (São Paulo: Hucitec, 1991); Um sopro do Espírito (São Paulo: Edusp, 1998); e Mitologia dos orixás (São Paulo: Companhia das Letras, 2000).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – No Censo 2010, as religiões afro-brasileiras, tanto a umbanda como o candomblé, mantiveram-se no eixo de 0,3% de declaração de crença. O que isso demonstra?

José Reginaldo Prandi – Significa estagnação, o que contraria o que os sociólogos pensavam no período de 1960 até começo dos 1980. A umbanda chegou a ser vista como opção ao pentecostalismo, como duas alternativas sacrais para a sociedade brasileira que mudava muito rapidamente e ia deixando o catolicismo para trás. Hoje, a umbanda mal se mantém nas pernas, mas como o candomblé tem crescido, as perdas umbandistas são compensadas pelos ganhos do candomblé, o que deu ao conjunto das religiões afro-brasileiras a marca de 0,3% nos dois últimos censos.

Perda

Mas se calcularmos até os centésimos, veremos que o grupo como um todo continua perdendo adeptos. Enfim, o quadro é desolador para o conjunto. Em resumo, a linha das religiões afro-brasileiras tem os seguintes pontos nos anos censitários de 1980 a 2010: 0,57%, 0,44%, 0,34% e 0,30%. E ainda devemos considerar que esses números, a cada censo, são melhorados, não somente pelo crescimento real dos adeptos, mas também pelo aumento continuado da liberdade de escolha religiosa no Brasil e dos movimentos de dessincretização, que levam cada vez mais afro-brasileiros a deixarem de se declarar católicos ou espíritas, declarando-se umbandistas ou de outras religiões afro-brasileiras aos recenseadores. Com esse devido desconto, o declínio ficaria bem acentuado.

IHU On-Line – No novo censo, de que maneira é retratado o aumento ou a diminuição dos praticantes da umbanda e do candomblé? O que isso significa?

José Reginaldo Prandi – A estagnação ou declínio afro-brasileiro está ancorado na queda de seguidores da umbanda, que sofre uma dupla ofensiva. De fora, a umbanda é corroída pela campanha evangélica que visa à conversão de seus seguidores e que chega ao ponto de se valer da invasão de templos e perseguição física dos umbandistas, como numa guerra. De dentro, sofre pelo avanço do candomblé sobre suas fileiras. Grande parte dos seguidores do candomblé, nas religiões em que ele avançou, além das fronteiras tradicionais étnicas, teve a umbanda como religião anterior.

IHU On-Line – O que diferencia o candomblé da umbanda? Quais são os membros de cada uma dessas religiões? Como podemos descrever os que frequentam a umbanda? Qual o perfil dos praticantes? E dos que frequentam o candomblé?

José Reginaldo Prandi – Ambas são religiões iniciáticas, organizadas em pequenos grupos que se congregam nos terreiros ou centros em torno de um pai ou mãe de santo. Os seguidores são chamados de filhos de santo. De alto conteúdo mágico, procuram resolver problemas dos filhos e também de uma larga clientela que vão aos terreiros em busca de auxílio.

Candomblé é religião de culto aos orixás nos moldes africanos, com a devida adaptação ao Brasil. É religião sacrificial e oracular que supõe a comunicação com os deuses orixás pelo transe dos iniciados, mas as divindades só se manifestam no transe para se congratularem com seus fiéis por meio de danças ao ritmo de tambores e sob cantos em língua ritual africana. Orixás não dão consultas nem fazem aconselhamento. O pai ou mãe de santo, sacerdote-chefe do terreiro (grupo ou local de culto), usa o oráculo do jogo de búzios para se comunicar com os orixás e resolver problemas dos seguidores e da clientela sem vínculo religioso. Para se alcançar os favores dos deuses, eles devem ser agraciados com oferendas, em geral alimentares, como é próprio das religiões politeístas antigas e clássicas.

Umbanda

A umbanda também louva os orixás, cantando para eles em português, mas o cerne do ritual consiste na manifestação pelo transe de espíritos de mortos mitológicos – segundo o modelo dos guias kardecistas –, que são os caboclos, pretos velhos e outros tipos característicos, que se encarregam de falar com os presentes, dar conselhos, orientar e oferecer tratamento ritual para a cura da doença e outros males. Tanto a umbanda como o candomblé apresentam muitas variações internas e também se entrecruzam, adotando cada uma elementos da outra.

Ambas contêm também muitos elementos do catolicismo e, às vezes, de outras religiões. Por conta disso, os orixás são sincretizados com santos católicos. A umbanda se originou do encontro do candomblé com o kardecismo, mantendo elementos dos dois. O rito sacrificial foi quase apagado na umbanda, que incorporou do espiritismo a prática sistemática da cura.

Para se ter uma ideia das diferenças sociais presentes nos diversos ramos religiosos e o lugar ocupado pelas religiões afro-brasileiras, podemos estabelecer o seguinte alinhamento: os brancos representaram 69% dos espíritas, 49% dos católicos, 47% dos afro-brasileiros e 41% dos pentecostais. Para o conjunto da população brasileira de 10 anos ou mais de idade, verifica-se que 22% dos espíritas estão concentrados na faixa até um salário mínimo mensal per capita, enquanto que na mesma faixa estão 44% dos afro-brasileiros, 56% dos católicos e 64% dos evangélicos pentecostais. No outro extremo, têm rendimento mensal per capita acima de cinco salários mínimos 20% dos espíritas, 7% dos afro-brasileiros, 5% dos católicos e 2% dos pentecostais. Em termos de educação, 32% dos espíritas têm nível superior completo, taxa que cai para 13% entre os afro-brasileiros, para 9% entre os católicos e que despenca a 4% entre os evangélicos pentecostais. Tomando-se a outra ponta da escala, apenas 2% dos espíritas não tiveram nenhuma instrução formal, número que sobe para 3% entre os afro-brasileiros e 6% para os católicos e os pentecostais.

Umbanda, religião típica da classe média baixa

Em resumo, a umbanda é religião típica da classe média baixa, sempre foi. O candomblé era religião exclusiva de negros, pobres, mas não é mais. No candomblé há os mais pobres, sim, sobretudo os segmentos negros, dada a origem étnica dessa religião, mas também há expressivo contingente de não negros de alta escolaridade e renda. Essa presença branca de elevada extração social faz das religiões afro-brasileiras um grupo cujo perfil de escolaridade e renda somente é superado pelos espíritas.

Importância das religiões afro-brasileiras para o Brasil
Em termos de Brasil, a importância dessas religiões de origem africana não pode ser medida simplesmente pelo minúsculo tamanho de seus contingentes, mas pela sua participação na formação da cultura nacional não religiosa, com presença marcante na literatura, no teatro, cinema, televisão, nas artes plásticas, na música popular, sem falar do carnaval e suas escolas de samba, da culinária originária da comida votiva e, sobretudo, da sua especial maneira de ver o mundo. Com isso têm ganhado visibilidade, prestígio social e respeito. Talvez seja isso uma das razões pelas quais o candomblé tem atraído adeptos brancos de boa renda e alta escolaridade, que se juntam nos terreiros aos extratos mais pobres da população brasileira, os negros, conforme atestam os dados do censo demográfico de 2010.
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Espiritismo, religião do meio


Ele olha para o avanço científico, mas prega a moral cristã, que acredita nos benefícios da tecnologia, porém se emociona com a mensagem psicografada da mãe falecida. Por isso, apesar de sua recente internacionalização, ele é tão bem ambientado em terras brasileiras, acredita Bernardo Lewgoy
Por: Thamiris Magalhães

“Os cientistas sociais são péssimos profetas, mas não creio em mudanças espetaculares das tendências dos últimos censos: acredito, sim, em mais liberdade, mais diversidade religiosa, todas concentradas em agregados urbanos cada vez maiores, mais problemáticos e mais contraditórios, com escolhas religiosas relacionadas a demandas crescentes por inclusão e ascensão social”, conjetura Bernardo Lewgoy, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Para ele, os dados do censo a respeito de religião são uma “caixa-preta” sujeita a interpretações variadas e não raro divergentes.

Ainda segundo Lewgoy, os dados revelam um aprofundamento das tendências já observadas no censo anterior: encolhimento dos universos católico e afro, crescimento do mundo evangélico e dos sem religião e, finalmente, um amplo crescimento do contingente de espíritas autodeclarados. E acrescenta: “Acredito que o espiritismo é invocado como recurso terapêutico em situações de crise pessoal, como doenças, separações, perdas, desemprego, etc. e que há, por um lado, uma grande circulação de pessoas não espíritas em centros espíritas e, por outro, uma grande circulação de crenças espíritas em espaços não espíritas, por outro”.

Bernardo Lewgoy possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, mestrado em Antropologia Social pela mesma universidade e doutorado em Ciência Social pela Universidade de São Paulo – USP. É professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É vice-presidente da Câmara de Pesquisa da UFRGS, membro do Conselho Deliberativo do Instituto Latino Americano de Estudos Avançados dessa instituição e membro do Núcleo de Estudos da Religião. É especialista em espiritismo e autor, entre outros, de O Grande Mediador. Chico Xavier e a cultura brasileira (Bauru: EDUSC - PRONEX/CNPQ/Movimentos Religiosos no Mundo Contemporâneo, 2004).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que os dados do censo revelam para a sociedade brasileira em relação à religião na contemporaneidade?

Bernardo Lewgoy – Os dados do censo a respeito de religião são uma “caixa-preta” sujeita a interpretações variadas e não raro divergentes. Analistas com pendor mais quantitativo tendem a ver sólidos agregados homogêneos, enquanto antropólogos de histórica inclinação hermenêutica desconfiam de um olhar apenas de superfície, que não captaria as dinâmicas e estratégias de mobilidade e afiliação religiosa concreta dos atores sociais. Os censos devem ser considerados como um retrato estatístico simultaneamente estático e dinâmico de um momento da sociedade brasileira, o qual deve ser interpretado à luz de um campo social complexo e multifatorial e, de outra parte, como vetores que anunciam tendências históricas, devendo ser interpretados comparativos com censos anteriores.
Os dados revelam um aprofundamento das tendências já observadas no censo anterior: encolhimento dos universos católico e afro, crescimento do mundo evangélico e dos sem religião e, finalmente, um amplo crescimento do contingente de espíritas autodeclarados.

Mercado religioso

O Brasil é um país mais diverso, mais identitário, menos controlado por uma posição hegemônica, salientando-se uma situação de mercado religioso, onde a escolha individual tem um papel pronunciado, mas, especialmente nas periferias das grandes cidades, há um crescimento de opções evangélicas, que devem ser lidas à luz de suas promessas e êxitos em termos de transformação de estruturas sociais. Ao mesmo tempo, há um inédito espaço de liberdade e manifestação para as diferentes opções individuais em termos de sexualidade, direitos reprodutivos, aumento das intervenções de grupos a sociedade civil no sentido da defesa da cidadania, criação de novos espaços para a discussão e reivindicação da laicidade, etc. Num Brasil mais rico, mais escolarizado, mais diverso, as religiões acabam tornando-se uma caixa de ressonância para a expressão dessas diferentes expressões identitárias.

IHU On-Line – Os dados do censo indicam um crescimento dos espíritas: de 1,3% para 2%. São agora cerca de 3,8 milhões de adeptos declarantes. O que isso representa e significa para o Brasil?

Bernardo Lewgoy – Durante muito tempo, por razões históricas, a filiação majoritária ao catolicismo indicava não apenas sua predominância numérica, mas também um grande guarda-chuva institucional que diluía e encobria práticas e adesões religiosas diversas. Hoje, vivemos uma situação diversa, em parte descrita na primeira resposta.
Esse crescimento de aproximadamente 65% no número de espíritas autodeclarados significa ascensão de prestígio e ações institucionais de proselitismo da parte dos espíritas, no qual o papel das produções cinematográficas em torno da vida e obra de Chico Xavier  tem um considerável papel.

O espiritismo no Brasil atual

Se somarmos a isso a campanha para a autodeclaração como espíritas no censo – e não mais sem religião ou inerciamente católicos nominais como antes – levada a cabo pelas federativas, assim como sua articulação com representantes do IBGE, de modo a acordar as diversas categorias que poderiam ser oferecidas, que representariam a opção “espírita” na resposta ao recenseador, temos uma situação muito interessante. Conjuga-se um ativo proselitismo com uma afirmação de identidades espíritas latentes que vão desbancando a sub-representação, de modo a que o contingente de espíritas autodeclarados vai ganhando um perfil mais completo, no qual os espíritas com identidade mais forte assumem-se com tranquilidade diante do censo. Isso é obviamente um conjunto de hipóteses sobre os mecanismos causais de crescimento recente dos espíritas e não esgota o problema do significado do movimento espírita no Brasil recente.

Presença espírita

Já escrevi em diversas ocasiões sobre o sentido dessa presença espírita, alocado numa classe média urbana pós-católica que se moderniza, combinando a crença espiritualista na reencarnação com o reconhecimento da importância de avanços científicos. Surpreende é a resiliência dessa cultura espírita como alternativa diante do encolhimento do catolicismo e dos cultos afro e do crescimento dos evangélicos e dos sem religião. Como já salientei, o espiritismo passa de minoria religiosa para alternativa religiosa, que oferece explicação de sucessos, conforto para fracassos e aflições e cura espiritual de infortúnios, bem como doenças, dentro de uma doutrina que se pretende simultaneamente racional e religiosa.

IHU On-Line – Os espíritas, de acordo com o censo, formam o núcleo que tem os melhores indicadores de educação, envolvendo o maior número de pessoas com nível superior completo (31,5%). O que esse dado nos revela?

Bernardo Lewgoy – Não há grande novidade em relação a censos anteriores, mantendo-se a consistência da ênfase de uma religião de letrados, que valoriza o conhecimento formal e a leitura de livros, constituindo um nicho de desencantamento do mundo no sentido weberiano clássico, do afastamento de causas mágicas (no caso, suas concorrentes católica e afro, mas que não se vê a si mesmo como “mágico”) e na explicação das coisas ordinárias, o qual mantém seus paradoxos por enfatizar uma complexa composição com elementos da cultura católica brasileira, como no caso de Chico Xavier, ele mesmo também um santo das letras.

IHU On-Line – O senhor acredita que as crenças e práticas espíritas têm uma alta “ressonância social”, transbordando a dinâmica de vinculação aos centros espíritas? Por quê?

Bernardo Lewgoy – Acredito que o espiritismo é invocado como recurso terapêutico em situações de crise pessoal, como doenças, separações, perdas, desemprego, etc. e que há, por um lado, uma grande circulação de pessoas não espíritas em centros espírita e, por outro, uma grande circulação de crenças espíritas em espaços não espíritas.
Gilberto Velho  já havia chamado atenção, há vários anos, para esse ecumenismo alternativo da linguagem dos espíritos na sociedade brasileira, onde o transe e a presença dos mortos no cotidiano resistem fortemente a uma ideia linear de modernização e desmagificação do mundo, sendo este um aspecto cultural próprio do Brasil.

Religião do meio

Em contraste com sociedades para quem transe e possessão são elementos exóticos, o espiritismo, a macumba, o candomblé e mesmo o neopentecostalismo afirmam esses componentes como centrais numa cultura popular religiosa, ocupando espaços sociais não colonizados pelo registro da cultura científica ou mesmo das religiões tradicionais, com sua fria despersonalização da explicação e ritualização do sentido da experiência humana. O espiritismo é exatamente a religião do meio, a que olha para o avanço científico, mas prega a moral cristã, que acredita nos benefícios da tecnologia, porém se emociona com a mensagem psicografada da mãe falecida. Por isso, apesar de sua recente internacionalização, ele é tão bem ambientado em terras brasileiras.

IHU On-Line – Qual o significado de ser “sem religião”, mas com Deus? A crença em Deus é diferente da adesão a uma determinada religião?

Bernardo Lewgoy – Sem religião é um guarda-chuva onde espiritualistas não organizados, ateus declarados e pessoas com variadas simpatias, mas sem afiliação explícitas, se identificam. É uma categoria polissêmica que se define em oposição a uma filiação identitária mais explícita, padecendo dos males e virtudes da negatividade. Como categoria, acredito que ela não capte senão uma tendência à indiferença perante as religiões tradicionais ou herdadas e uma vontade individual de liberdade em face de obrigações e compromissos religiosos. Ela, como categoria, diz muito pouco sobre as crenças e práticas religiosas (no sentido amplo) dos sem religião, marcando antes uma não filiação ou não identidade, característica da experiência urbana e individualista moderna, com sua grande ênfase no respeito à escolha individual. Com certeza, muitos sem religião acreditam em Deus, mas isso não tem propriamente um sentido socioantropológico senão quando essa crença tem implicações em termos políticos, educacionais, conjugais e reprodutivos, além dos propriamente confessionais. Sem dúvida, o termo “sem” acaba sendo mais importante do que “religião” ou “Deus” para este grupo.

IHU On-Line – Qual será, a seu ver, o futuro das religiões daqui para frente de acordo com os dados divulgados pelo último censo?

Bernardo Lewgoy – Os cientistas sociais são péssimos profetas, mas não creio em mudanças espetaculares das tendências dos últimos censos: acredito, sim, em mais liberdade, mais diversidade religiosa, todas concentradas em agregados urbanos cada vez maiores, mais problemáticos e mais contraditórios, com escolhas religiosas relacionadas a demandas crescentes por inclusão e ascensão social.
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4594&secao=400


O budismo étnico está gradativamente envelhecendo


Baseado nos dados atualmente disponíveis, pode-se dizer que em números absolutos, entre 2000 e 2010, houve um crescimento de brasileiros que se declaram budistas, declara Frank Usarski
Por: Thamiris Magalhães

“No decorrer do último censo, identificaram-se 243.966 pessoas como adeptos da religião budista. Isso significa um aumento de 29.093 pessoas em comparação com os números finais do censo de 2000 (214.873)”, aponta o pesquisador da PUC-SP, Frank Usarski, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Para ele, em termos percentuais não havia mudança significativa. E completa: “Pelo contrário, devido ao crescimento da população, a proporção dos budistas no Brasil ficou inalterada. Tanto em 2000 como em 2012 os budistas autodeclarados representam apenas 0,13% da população brasileira”.

Frank Usarski é doutor, com tese sobre os mecanismos e motivos da estigmatização pública de novos movimentos religiosos na Alemanha Ocidental e possui pós-doutorado na área de Ciência da Religião pela Universidade de Hannover, na Alemanha, sobre o papel das religiões nas Exposições Mundiais entre 1851 e 1900. Desde sua chegada ao Brasil em 1998, faz parte do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Em 2009, obteve o título de Livre Docente na área de Ciências da Religião pela PUC-SP. Entre suas atividades acadêmicas, destacam-se a pesquisa, o ensino e diversas publicações sobre as religiões orientais, bem como sobre a história e o perfil atual da ciência da religião. Além disso, é fundador e coordenador da Revista de Estudos da Religião – REVER – e líder do grupo de pesquisa Centro de Estudos de Religiões Alternativas de Origem Oriental no Brasil – CERAL. De suas obras, além de O Budismo e as outras. Encontros e desencontros entre as grandes religiões mundiais (Aparecida: Ideias & Letras, 2009), citamos Constituintes da ciência da religião. Cinco ensaios em prol de uma disciplina autônoma (São Paulo: Paulinas, 2006).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual o valor analítico dos dados fornecidos pelo IBGE até agora?

Frank Usarski – Até agora, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, baseado no censo de 2000, forneceu apenas dados provisórios relacionados ao budismo no país. Isso limita o valor heurístico dos números em dois sentidos. Primeiro, estamos em uma situação comparável com a divulgação dos primeiros resultados do penúltimo censo (2000), conforme os quais havia 245.871 budistas no Brasil. A publicação dos dados corrigidos alguns meses mais tarde indicou que, na verdade, foram contados apenas 214.873 budistas, ou seja, 31 mil a menos do que inicialmente afirmado. Tratou-se de uma discrepância numérica que fazia muita diferença em termos analíticos. A interpretação dos dados atuais, portanto, deve-se manter aberta para futuras variações de números, tanto para baixo como para cima. Segundo, como no caso do censo de 2000, as tabelas relacionadas ao budismo fornecidas pelo IBGE são menos detalhadas do que as de religiões numericamente mais relevantes. Por exemplo, faltam informações que permitem a dedução de correlações entre o budismo e a classe social. Para preencher tais lacunas, é preciso submeter os microdados do último censo a uma análise detalhada, o que é uma tarefa urgente para o futuro próximo.

IHU On-Line – Quantos e quem são os budistas no Brasil?

Frank Usarski – Baseado nos dados atualmente disponíveis, pode-se dizer que em números absolutos, entre 2000 e 2010, houve um crescimento de brasileiros que se declaram budistas. No decorrer do último censo, identificaram-se 243.966 pessoas como adeptos dessa religião. Isso significa um aumento de 29.093 pessoas em comparação com os números finais do censo de 2000 (214.873). Em termos percentuais, porém, não havia mudança significativa. Pelo contrário, devido ao crescimento da população, a proporção dos budistas no Brasil ficou inalterada. Tanto em 2000 como em 2012, os budistas autodeclarados representam apenas 0,13% da população brasileira.

IHU On-Line – Os dados do censo revelam um budismo em transformação no Brasil? No que consiste essa mudança?

Frank Usarski – Há indicações de uma crescente desproporção no interior do universo budista a favor do chamado “budismo de conversão”. Para entender essa dinâmica, deve-se lembrar que, na literatura especializada, encontra-se uma diferenciação analítica que sensibiliza para a existência de dois segmentos do campo budista. Trata-se da distinção categorial entre o “budismo de imigração” (ou “budismo étnico”) e o “budismo de conversão”. Obviamente, há limitações heurísticas implícitas em dicotomias desse tipo. O mesmo vale para as cinco rubricas da categoria “cor”, com as quais o censo nacional trabalha e aos quais os entrevistados se autoidentificam no momento da entrevista. Abstraindo de problemas metodológicos e “políticos”, a correlação entre as respostas “eu sou budista” e “considero minha pele amarela” representa um parâmetro para quantificar o segmento de brasileiros cujos antepassados imigraram de um país asiático, sobretudo do Japão, e cujas famílias mantiveram práticas e crenças budistas.

Dados

Em 2000, esta parcela do universo budista foi representada por 81.345 pessoas, ou seja, por 37,9% dos budistas brasileiros. Devido a uma diminuição de 4.449 “budistas amarelos” entre 2000 e 2010, o último censo contou 76.896 pessoas, o que corresponde a 31,5% dos budistas no Brasil. Essa queda estatística não surpreende. Em vez disso, confirma uma tendência que já foi observada em outros momentos da história dos censos nacionais, por exemplo, a partir de uma comparação entre os dados do censo de 1991 e os do censo de 2000. Em 1991, foram contados 236.405, dos quais 89.971 autoidentificaram-se como representantes da raça amarela. Isso significa que, naquela época, cada terceiro budista no Brasil se encaixava na categoria do “budismo étnico” (33,05%). Abstraindo da relação numérica entre os dois subuniversos do budismo brasileiro, pode-se dizer que os dados relevantes para o budismo étnico revelam um processo de uma constante diminuição estatística em relação ao campo religioso em geral. Em 1991, os budistas autodeclarados “amarelos” representavam 0,06% da população brasileira. Em 2000, o valor tinha caído para 0,05%.

Em 2010, a diminuição contínua se manifestou em uma porcentagem menor ainda (0,04%). Este desenvolvimento negativo aponta para dois problemas principais inter-relacionados: Primeiro, não há mais aquele fluxo numericamente significativo de imigrantes asiáticos, que décadas atrás contribuiu para uma “renovação” das comunidades de budistas étnicos no Brasil. Segundo, há dificuldades de manutenção da herança religiosa dentro das famílias de origem asiática, cuja maioria se estabeleceu definitivamente logo depois da segunda Guerra Mundial em nosso país.

IHU On-Line – Qual a faixa etária dos que frequentam o budismo em nosso país? Por quê?

Frank Usarski – Os dados fornecidos pelo IBGE referentes à opção religiosa de faixas etárias pelo budismo indicam uma “irregularidade” em comparação com a “pirâmide” demográfica da população brasileira. Concretizando: enquanto as brasileiras e os brasileiros acima de 50 anos representam cerca de um quarto da população nacional, mais que um terço de budistas brasileiros concentra-se nas correspondentes faixas etárias. Um olhar mais detalhado revela que, em 2010, apenas 4,84% da população brasileira tinha mais que 70 anos. A proporção de budistas desta idade é 11,96%, isto é, quase 2,5 vezes maior do que a média geral. Ao mesmo tempo, 24,08% da população tinha menos de 14 anos, mas apenas 14,21% dos budistas brasileiros pertencia a esta faixa etária.

Tendências

A concentração do budismo em faixas etárias mais altas é fruto de duas tendências: A primeira tem a ver com a problemática já refletida na resposta à pergunta anterior. Devido à incapacidade ou indisponibilidade de famílias com ascendência asiática de transmitir o budismo para as novas gerações, o budismo étnico está gradativamente envelhecendo. Quanto ao budismo de conversão, vale a observação de que a decisão de mudar de religião e aderir ao budismo é geralmente tomada em um momento de vida já “avançado”, ou seja, em uma fase biográfica em que o indivíduo já possui recursos intelectuais para avaliar a religião de origem de maneira crítica e entrar em negociação com uma alternativa. Os referentes dados do IBGE sustentam esta hipótese. Enquanto a proporção de budistas nas faixas etárias 0-14 anos (14,21% budistas versus 24,08% da população geral), 15-19 anos (5,4% versus 8,9%) e 20-24 (6,18% versus 9,04%) é numericamente inferior à porcentagem relativa à população geral, os valores da faixa etária 30-39 anos (15,24% budistas versus 15,53% da população geral) é quase igual. A partir da faixa etária 40-49 anos, a proporção de budistas (14,6% versus 13,02%) começa a superar as porcentagens da população geral.

IHU On-Line – Como avalia o fato de o budismo aparentemente depender, cada vez menos, da sua transmissão entre as gerações de descendentes de asiáticos, e começar a se desenvolver entre pessoas de outras raças ou cores, mesmo em regiões que tiveram pouca influência da imigração?

Frank Usarski – Trata-se de uma dinâmica histórica comum em países em que o budismo de imigração representa um fator importante para a presença desta religião em um sociedade anfitriã tradicionalmente marcada para uma tradição não budista. O mesmo vale para tendências de camadas conservadoras das comunidades étnicas, de resistir, na medida do possível, ao impacto da aculturação da sua herança religiosa. Quanto ao Brasil, diversos budistas, particularmente os porta-vozes das instituições mais ativas e articuladas, estão envolvidos em uma discussão intensa e duradoura sobre o potencial do budismo de se “aculturar” à mentalidade, ao ethos e à “estilística” religiosa do praticante brasileiro. Para um cientista da religião interessado em processos de “transplantação religiosa”, este debate “êmico” é muito interessante, inclusive o fato de que até agora a reflexão dos budistas brasileiros sobre o possível futuro caminho da sua religião no país não tenha chegado a uma conclusão, ou até mesmo, a uma tomada de providências no sentido de medidas sistemáticas em prol de um enraizamento sustentável do budismo no Brasil. Do meu ponto de vista, a relativa estagnação numérica do budismo é um sintoma da “perplexidade” dos líderes budistas diante do fato de que a imagem positiva que o budismo desfruta no país não se traduz em um movimento significante de adesão a essa religião.

IHU On-Line – Qual a peculiaridade do dudismo em relação ao islamismo e em relação ao cristianismo?

Frank Usarski – A pergunta aponta para uma problemática altamente complexa, e uma resposta satisfatória ultrapassaria o espaço limitado oferecido para esta entrevista. Portanto, contento-me aqui com dois aspectos principais que diferenciam o budismo do islamismo e do cristianismo.

A primeira diferença refere-se à ontologia favorecida pelas religiões em questão. Enquanto o cristianismo e o islamismo partem da hipótese da existência de um Deus criador onipotente e eterno, o budismo defende a ideia de que não existe nada que escape dos princípios universais da transitoriedade e não substancialidade, a não ser que se trate de nirvana que corresponde a um absoluto “impessoal”.

O segundo aspecto tem a ver com a soteriologia das três religiões. Em termos metafóricos, pode-se dizer que, para o cristianismo, a salvação vem de cima para baixo. O ser humano é marcado por uma natureza “decadente” que – na última consequência – impossibilita sua autossalvação. Sob estas circunstâncias, a salvação é pensada como um ato divino impulsionado pela Graça. O islamismo, por sua vez, relaciona a salvação à justiça divina em contrapartida à competência do ser humano de se submeter à vontade de Deus e de cumprir as regras impostas por Ele. O conceito de autorresponsabilidade para a própria salvação – através de atitudes corretas, do cumprimento de princípios éticos e de práticas contemplativas – é ainda mais acentuado no budismo, embora haja correntes, por exemplo, o budismo de “Terra Pura”, que reconhece o princípio de graça como um elemento salvífico essencial.
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Cultura judaica e brasileira. Uma síntese?


Do ponto de vista demográfico, o Censo de 2010 revela um crescimento da população judaica no Brasil, ao contrário do que se observa hoje em países vizinhos da América do Sul, notadamente Uruguai e Argentina, avaliam Monica Grin e Michel Gherman
Por: Thamiris Magalhães

“O Censo de 2010 representa uma espécie de maturidade do judaísmo brasileiro, pois revela a sua capacidade de renovação religiosa”, assinalam Monica Grin e Michel Gherman, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Para eles, desde uma perspectiva liberal, o aumento de pessoas que se autodefinem como praticantes da religião judaica pode estar na razão direta do aumento de casamentos mistos e da necessidade de tolerância ritual a fim de incorporar os que desejam a conversão. “Nesse campo, pode-se observar o fortalecimento de referências liberais e místicas do judaísmo. Saídos das sinagogas liberais mais consolidadas, avançam interessantes sínteses entre a cultura judaica e a brasileira, misturando tradições cabalistas com referências conservativas e reformistas”, analisam.

Monica Grin é professora-associada do Departamento de História e da Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RJ, é mestre em Ciência Política pelo IUPERJ, mestre em História pela Brown University e doutora em Ciência Política pela também pela IUPERJ. Realizou Pós-doutorado na Universidade de Coimbra. Coordena o Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ (NIEJ). É autora, entre outros, de “Raça”: Debate Público no Brasil (Rio de Janeiro, Mauad Editora, 2010). É coordenadora do Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS/UFRJ).

Michel Gherman possui graduação em História com licenciatura em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. É mestre em Antropologia e Sociologia – Hebrew University Of Jerusalem. Cursa doutorado no Programa de História Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que o censo de 2010 trouxe de novidade com relação ao judaísmo e às práticas judaicas no Brasil?

Monica Grin e Michel Gherman – Na realidade, observa-se uma variação positiva no número de adeptos do judaísmo que contam 107 mil no último censo – vejam que os números auferidos pela própria comunidade judaica não ultrapassam 90 mil judeus, a maioria em São Paulo. Essa estimativa, ademais, não se restringe à definição religiosa da identidade judaica. Outras definições de natureza social, cultural, étnica e histórica são igualmente consideradas. O que se pode observar na última década, como tendência que se confirma, é a segmentação das práticas religiosas. Há uma diversificação de práticas religiosas dentro do núcleo central das linhas religiosas presentes no Brasil (judaísmo conservador, judaísmo ortodoxo e judaísmo reformista).

IHU On-Line – Quem são os praticantes do judaísmo no Brasil? Qual o perfil das pessoas que frequentam essa religião?

Monica Grin e Michel Gherman – De uma perspectiva sociológica, mantêm-se no Censo 2010 as características observadas em décadas anteriores. Os judeus se concentram em grandes centros urbanos, possuem alta escolaridade, renda per capita acima da média e altíssimo Índice de Desenvolvimento Humano – IDH. De modo geral, são brancos, de origem europeia e com formação superior.

‘Praticantes do judaísmo’

Aqui há uma questão a ser considerada em relação à definição “praticantes do judaísmo”. O judaísmo não pode ser considerado exclusivamente pelas suas práticas religiosas. Nesse sentido, um dos mais importantes aspectos a ser ressaltado é que aqueles que se declaram judeus ou adeptos da religião judaica não necessariamente são “praticantes do judaísmo”. Eles podem ser desde praticantes fervorosos dos preceitos da religião até judeus fortemente seculares, cuja definição identitária encontra-se na cultura, na etnicidade ou na identificação com a história do povo judeu. Organizações de natureza cultural podem ser não religiosas, ao mesmo tempo em que são judaicas. Podemos, então, acrescentar mais um dado ao perfil dos judeus em nosso país: os judeus no Brasil são basicamente brancos, urbanos, com alto nível de escolaridade e, em grande medida, não estritamente religiosos, ou seja, frequentam a sinagoga poucas vezes por ano e em situações não raro específicas – festas judaicas, casamentos, enterros, brit milá (batizado) e barmitzvá e batmitzvá (ritual de passagem à maioridade de meninos e meninas).

Em primeiro lugar, devemos considerar a questão da origem. Os judeus brasileiros, de modo geral, possuem duas origens distintas. Eles vieram basicamente do Leste europeu (ou da Alemanha, no caso dos que chegaram às vésperas da II Guerra), os chamados judeus ashkenazitas, e do Oriente médio e do norte da África, das regiões do Magrebe e do Levante, os chamados judeus sefaraditas.

Judeus sefaraditas

Os judeus sefaraditas podem ser divididos ainda em dois grupos. O primeiro deles é originário de uma imigração minoritária, decorrente de regiões afetadas pelos resultados da primeira guerra mundial, que chegam ao Brasil nos anos de 1920. Formaram instituições comunitárias nesse período, como no caso das comunidades de Manaus e de Belém. A segunda onda de imigração sefaradita, majoritária, ocorre em finais dos anos 1940 e início dos 1950. São judeus que imigram desde países como Líbano, Egito e Síria, por questões políticas também decorrentes da criação do Estado de Israel. Importante notar que estes judeus sefaraditas, de maneira geral, têm formação mais tradicional no que diz respeito à religião judaica. Os ritos religiosos e as formas tradicionais de judaísmo têm muito peso nas suas identidades judaicas, que são constituídas por elementos típicos de suas origens étnicas.

Judeus “ashkenazitas”

No que se refere à segunda origem dos judeus brasileiros, a de judeus “ashkenazitas”, temos uma imigração contínua desde os anos 1920, onde já há a formação de uma vida comunitária judaica ashkenazita. Judeus de origem polonesa, húngara e da bessarábia, enfim, das mais diversas origens europeias, desenvolvem uma vida comunitária que busca reproduzir, de maneira adaptativa, a vida judaica tal como era em seus lugares de origem. Importante notar que as identidades judaicas e suas respectivas atividades (principalmente no caso de judeus ashkenazitas), não são necessariamente religiosas, sendo algumas delas abertamente seculares. Sendo assim, ao lado de sinagogas ortodoxas ashkenazitas, que remontam a práticas originais na Europa, há também instituições judaicas de ordem não religiosa, mas culturais e políticas, que, vale dizer, também reproduzem a cultura judaica europeia. Por outro lado, os judeus alemães chegam a partir dos anos 30 e fundam instituições religiosas não ortodoxas. Os judeus alemães renovam, portanto, as instituições e rituais judaicos no Brasil, alargando o leque de possibilidades das práticas religiosas no âmbito da religiosidade judaica.

Hoje, ainda se mantém na vida comunitária judaica certa definição “étnico-cultural”. A divisão entre ashkenazitas e sefaraditas é cada vez menos destacada e observam-se hoje atividades seculares e religiosas que concentram judeus de várias origens. Do ponto de vista religioso, isso pode ser visto entre os judeus ultraortodoxos do Beit Lubaviche, que, apesar de serem claramente ashknazitas, concentram em suas atividades judeus de todas as origens em programações geralmente de ordem litúrgica e religiosa. O mesmo pode ser visto em sinagogas de origem Alemã, conservativas ou reformistas, que atraem pessoas das mais variadas origens judaicas. Há também comunidades mais renovadoras, fortemente influenciadas por práticas religiosas típicas do movimento new age, onde há um diálogo religioso entre culturas judaicas e referências religiosas típicas de tradições místicas não judaicas, a exemplo do movimento da Cabala , que ganha cada vez mais adeptos no Brasil.

Casamentos mistos

Outro importante aspecto a ser considerado é o aumento dos casamentos mistos à medida que as novas gerações se tornam cada vez mais integradas à sociedade brasileira. Em algumas comunidades, eles chegam a ultrapassar 50% de todos os casamentos comunitários e apontam para fenômenos interessantes: a flexibilidade nos casos de conversão (principalmente no que se refere às comunidades não ortodoxas) e as intensas trocas culturais que permitem e consolidam a experiência judaica no Brasil, resultando em baixa incidência de antissemitismo, no caso brasileiro.

IHU On-Line – Os dados do censo revelam um judaísmo em transformação no Brasil? No que consiste essa mudança?

Monica Grin e Michel Gherman – O censo de 2010 representa uma espécie de maturidade do judaísmo brasileiro, pois revela a sua capacidade de renovação religiosa. Desde uma perspectiva liberal, o aumento de pessoas que se autodefinem como praticantes da religião judaica pode estar na razão direta do aumento de casamentos mistos e da necessidade de tolerância ritual a fim de incorporar os que desejam a conversão. Nesse campo, pode-se observar o fortalecimento de referências liberais e místicas do judaísmo. Saídos das sinagogas liberais mais consolidadas, no caso a CIP em São Paulo e a ARI no Rio, a Shalom e a CJB (embora essa se manifeste de forma mais restrita à conversão), avançam interessantes sínteses entre a cultura judaica e a brasileira, misturando tradições cabalistas com referências conservativas e reformistas. O rabino Nilton Bonder, no Rio de Janeiro, é um exemplo sugestivo de leituras rituais que trazem a cultura carioca, e mesmo a brasileira, para dentro da tradição judaica.

Crescimento do judaísmo ortodoxo

Entretanto, há hoje a consolidação de uma tendência, observada sobretudo desde os anos de 1980, nos grandes centros urbanos, notadamente no Rio de Janeiro e em São Paulo, de crescimento do judaísmo ortodoxo. Ao longo desse período, o número de instituições ortodoxas cresce sob influência de processos de fortalecimento de dimensões religiosas conservadoras em curso tanto nos Estados Unidos como em Israel. O processo da “tshuvá” (retorno às práticas religiosas), de judeus afastados da vida religiosa judaica, vem ensejando o aumento, no Brasil, dos chamados judeus ortodoxos ou charedim, em hebraico.
Nesse processo, sinagogas ashkenazitas e sefaraditas, que mantinham práticas religiosas conservadoras e tradicionalistas, passam, de maneira gradual, a incorporar elementos do judaísmo ortodoxo em seus rituais. É o que acontece em São Paulo, onde sinagogas tradicionais iniciam uma aproximação com os movimentos ortodoxos, principalmente aqueles ligados ao grupo americano Beit Lubavitcher, que seguem os ensinamentos de uma corte hassidica (movimento místico do judaísmo), liderada pelo rabino de Lubavitche (cidade da Rússia Branca). Desde os anos de 1930, o rabino e o movimento se estabeleceram em Nova Iorque. Nos anos de 1980, a influência desse grupo começa a ser sentida na comunidade judaica de São Paulo e depois no Rio de Janeiro.

Na segunda metade dos anos de 1990, há ainda o fortalecimento de outro grupo ortodoxo entre os sefaraditas, judeus de origem oriental, em resposta ao processo de ortodoxização dos judeus ashkenazitas. Nesse caso, a influência vem do modelo do rabino Ovadia Yossef, de Israel, cuja proposta é de um judaísmo ortodoxo etnicizado, que articula o contexto da tradição sefaradita com uma liturgia estritamente ortodoxa.

Aumento da população judaica no Brasil

Do ponto de vista demográfico, o censo de 2010 revela um crescimento da população judaica no Brasil, ao contrário do que se observa hoje em países vizinhos da América do Sul, notadamente Uruguai e Argentina. O demógrafo Sérgio De La Pergola identifica na estabilização econômica e política do Brasil a razão do aumento populacional dos judeus no país.

IHU On-Line – Qual a classe social, o grau de instrução e a renda dos que frequentam o judaísmo em nosso país?

Monica Grin e Michel Gherman – Mais uma característica entre os judeus brasileiros que pode ser verificada em outros grupos de imigrantes no país é o investimento constante na educação, nos seus diferentes níveis. Ao contrário do que qualquer análise mais essencialista pode indicar, os judeus brasileiros adotam práticas típicas das elites urbanizadas. Sendo assim, as estratégias de busca de capital cultural que encontramos entre os judeus garantem como resultado ascensão econômica e formação educacional significativas.

IHU On-Line – O judaísmo é uma religião de segmento? Por quê?

Monica Grin e Michel Gherman – Está claro que há que se problematizar a categoria de religião quando tratamos de judeus no Brasil. Por serem parte de um grupo que contém desde indivíduos religiosos que praticam de maneira constante cultos e práticas da tradição judaica até indivíduos pouco vinculados a quaisquer elementos da tradição judaica, com perspectivas secularizadas e pouco vinculado à religiosidade, mas que se consideram judeus, passando por pessoas que têm práticas religiosas não judaicas e se consideram judias, percebemos que tal “problematização” pode responder também a questões sobre a segmentação do judaísmo.
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4596&secao=400

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