Sempre se fala na Igreja que o espiritual nada tem a ver com o material. A fé é espiritual e por isso o/a pastor/a tem a função de se ocupar com o espiritual e a diretoria da comunidade tem que se ocupar com o material: as finanças. Por isso o/a pastor/a nada tem de se meter com as coisas administrativas materialistas, principalmente se a diretoria está sonegando parte do Dízimo que deveria ser enviado à Igreja.
Deus é espiritual e por isso a Igreja tem que se ocupar somente com o espiritual, nada de se meter com os problemas materiais do povo que está sendo desalojado pela construção de uma barragem e muito menos se meter com os sem terra que lutam pela Reforma Agrária, mesmo que sendo apenas clássica que vai favorecer o desenvolvimento capitalista ou mesmo que seja pequeno agricultor e não tenha dinheiro para comprar uma terra para seu filho que por causa disso está viajando 2 horas de ida e duas de volta para trabalhar na Sadia em Chapecó indo num ônibus com outros jovens sem terra de sua comunidade e mesmo sabendo que um trabalhador dos frigoríficos de carne tem uma vida útil de 5 a 10 anos, pois depois estará permanentemente fora do mercado de trabalho como inválido, quem sabe com menos de 30 anos de idade, por causa das doenças relacionadas aos movimentos repetitivos chamados LER/DORT. São coisas materiais com as quais a Igreja nada tem a ver, dizem muitos membros. Só que quando o povo guarani ameaçou os camponeses de Cunha Porã em requerendo a terra que diziam ser originariamente deste povo os membros das Igrejas exigiram que as Igrejas se posicionassem nesta luta pela terra a favor dos camponeses ameaçados de perder suas terras.
Como é que fica? Quando a Igreja fala de Reforma Agrária e fala em lutar pelos direitos dos atingidos pelas barragens muitos membros dizem que esta não é a função da Igreja. Por que agora a Igreja tem que defender os camponeses ameaçados de perder suas terras ao povo guarani? A Igreja não está se metendo em algo que não é espiritual e que não é de sua alçada? Por que em algumas lutas pela terra ela deve se meter e em outras lutas pela terra ela não se deve meter? Isto não é uma grande contradição? Se a Igreja tem que se meter numa luta pela terra porque não se pode meter em outra?
Ouço muitos dizer que a Igreja não deve falar da realidade capitalista em que vivemos e muito menos explicar como funciona o capitalismo e a luta de classes, pois os membros se assustam e acham que esta não é a tarefa da Igreja, pois a tarefa da Igreja é espiritual. Como, se a tarefa da Igreja é espiritual, os membros de Cunha Porã exigiram que a Igreja se posicionasse a favor dos camponeses para que pudessem ficar em sua terra que é um bem material? Isto não é uma contradição?
Os membros de Cunha Porã estavam errados em exigir que a Igreja se posicionasse na luta pela terra? Não, estavam certíssimos. A Igreja sempre tem que se posicionar na luta pela terra e tem que tomar parte desta luta. A Igreja tem que se posicionar em toda a luta pela terra e não apenas quando nos interessa e nos atinge diretamente.
Aposto que se os pastores de Cunha Porã começassem agora a falar e a se engajar na luta pela Reforma Agrária sob o controle dos trabalhadores para que os filhos e filhas dos camponeses tivessem um pedaço de terra; por um salário mínimo que reconquistasse o seu valor de 1940; contra o agronegócio escravocrata; contra a exploração capitalista; contra a revolução verde; contra a economia verde e por uma agricultura ecológica estes pastores não durariam muito tempo nesta paróquia. Seriam expulsos como subversivos e por não exercerem o seu papel espiritual na paróquia.
Mas como é isso, por um lado os pastores têm que se posicionar na luta pela terra dos camponeses de Cunah Porã e por outro lado não devem se meter na luta pela terra para que haja uma Reforma Agrária sob o controle dos trabalhadores e contra o agronegócio escravocrata e destruidor da natureza. Isto não é uma grande confusão e contradição? É.
Esta confusão e contradição se chama: luta de classes. Na luta de classes a classe economicamente hegemônica, que controla o aparato do Estado, controla a ideologia, o jeito de pensar de toda a sociedade. A classe economicamente hegemônica, a classe capitalista, para garantir a reprodução do capitalismo precisa fazer com que todo o povo pense como ela. Caso contrário perderá a hegemonia sobre a economia e a política desta sociedade. A classe capitalista produz o seu jeito de pensar e o repassa à toda sociedade como se fosse o único jeito de pensar existente. Assim as pessoas empobrecidas e vítimas da exploração capitalista repetem que nem papagaio a linguagem de seus donos, os capitalistas, garantindo assim a perpetuação de sua própria exploração. Dentro desta luta ideológica entra a teologia, que segundo a classe capitalista, deve legitimar os seus propósitos. Por isso uma vez a Igreja deve se meter na luta pela terra (no caso contra os povos indígenas que não estão ajudando a reproduzir o capitalismo e por isso precisam desaparecer fisicamente - por isso temos o grande número de assassinatos indígenas no Mato Grosso comandado pelo agronegócio onde este se apropriou de suas terras) e outra vez não se deve meter na luta pela terra, no caso da luta pela Reforma Agrária, que ameaça o latifúndio improdutivo (228 milhões de hectares são considerados improdutivos neste país o que representa 40% das terras registrada no INCRA, portanto passíveis de desapropriação para fins de Reforma Agrária por não cumprirem a sua função social). Quando a questão é se colocar a favor dos sem terra e contra o latifúndio então a Igreja não deve se meter, diz a ideologia capitalista, mas na luta contra os povos indígenas a Igreja pode se meter se apóia os não índios.
Quando na luta de classes a Igreja se coloca ao lado dos explorados então isto ela não pode fazer, mas se na luta de classes a Igreja se coloca do lado da classe opressora então isto é legítimo. No caso de Cunha Porã a luta é entre duas vítimas das tramóias do Estado feitas no passado que fazia colonização em cima de terras indígenas com a clara política de extermínio destes povos originários. Os camponeses não têm culpa por terem comprado uma terra oficialmente legalizada pelo Estado, não sabiam que era terra indígena, são ocupantes de boa fé, portanto vítimas das tramóias da classe capitalista que controla as políticas do Estado. O culpado é o Estado que tem esta política de extermínio dos povos originários por não se enquadrarem nas dinâmicas reprodutivas do capitalismo. Portanto, o inimigo dos camponeses de Cunha Porã não é o povo guarani, mas a classe capitalista que controla o Estado que adotou desde 1500 uma política de extermínio dos povos originários para se apropriar de suas terras boas para a agricultura ou para a mineração. Assim a luta dos dois: camponeses e povo guarani, deve ser contra o Estado que é o responsável por esta situação e não entre si. Isto os camponeses não conseguem entender porque aí novamente entra a luta ideológica da direita que não permite que se veja as coisas como de fato são. A classe dominante que controla o aparato do Estado em Santa Catarina é tão vil que até hoje não aprovou a regulamentação da obrigatoriedade do Estado indenizar prévia e justamente os camponeses que foram colonizados de boa fé em terras indígenas. Os deputados não conseguiram explicar ainda porque esta regulamentação ainda não foi feita, pois esta não regulamentação prejudica os camponeses, quando estes mesmos deputados dizem defender os camponeses. A gente sabe porque esta regulamentação ainda não foi feita. Porque o Estado não quer assumir a sua parte de culpa neste processo. Que ele é o culpado por esta situação de sofrimento tanto dos camponeses como do povo guarani. E está na hora dos camponeses de Cunha Porã perguntarem aos deputados da situação porque ainda não fizeram a sua tarefa de casa.
Em todo caso estava certo a IECLB em Cunha Porã ao se colocar ao lado dos camponeses, pois ela pelo Comin também se colocou do lado dos guaranis, pois os dois são vítimas das tramóias do Estado.
Quando na luta de classes a Igreja se posiciona e fica do lado dos explorados e oprimidos, como no caso da luta pela Reforma Agrária, então a classe capitalista, via sua ideologia, quando isto lhe interessa, consegue fazer com que até os explorados critiquem a Igreja, por se colocar do lado destes. Esta postura é fundamental, pois a classe capitalista é uma esmagadora minoria então ela precisa do apoio ideológico da classe trabalhadora, que é a esmagadora maioria, para se legitimar e se manter no poder. Por causa deste processo ideológico em 2010 os pobres elegeram para o Congresso Nacional 220 milionários que nunca irão defendê-los.
Por isso a Igreja não pode falar da realidade como ela é e nem como funciona o sistema capitalista, nem como funciona a ideologia e nem como a classe capitalista, via trabalhadores ingênuos, controla a Igreja via ideologia da classe capitalista dizendo que a Igreja tem que cuidar somente do espiritual, pois do material (da propriedade privada dos meios de produção) cuida a classe capitalista.
Mas na luta de classes diária as contradições aparecem, como no caso de Cunha Porã, pois se a Igreja pode se meter na luta pela terra, entre indígenas e camponeses, ela também pode e deve se meter na luta pela Reforma Agrária como um todo, o que obviamente vai prejudicar o latifúndio e este aí vai dizer que neste caso a Igreja não deve se meter porque os sem terra são vagabundos, etc. e tal. Quando interessa ao capital então a Igreja pode se meter na luta de classes e quando não interessa ao capital então ela não pode ser meter. Temos que mostrar estas contradições que o capital levanta e nas quais a Igreja vive e com isto mostrar como a classe capitalista controla a teologia da Igreja.
Na luta de classes da história, como nos mostra a Bíblia, Deus sempre se colocou ao lado dos explorados e contra os exploradores, como foi no Êxodo, nos profetas e no NT, com Jesus de Nazaré.
Coloco esta questão para voltar a falar da espiritualidade, especificamente da materialidade da espiritualidade. Assim como corpo e alma não se separam (são uma unidade, pois não existe alma - vida - fora de um corpo material - só os espíritas dizem isto) também a espiritualidade não se separa da materialidade.
Vamos olhar isto a partir da Bíblia.
Em Jo 1.14 diz: "E o Verbo se fez carne", se fez matéria. O Deus espiritual se fez matéria. Não qualquer matéria, não qualquer carne, mas carne (corpo) na classe camponesa oprimida pelo Império Romano e pelo Templo de Jerusalém. Na luta de classes existente Deus se fez classe camponesa marginalizada na Palestina ocupada militarmente pelos romanos, como diz em Lc 2. Não nasceu romano e latifundiário. É o que nos conta a história de Natal de Lc 2.1-20. Este relato começa falando da luta de classes existente em que o Império Romano dominava a Palestina e esta dominação militar era para conseguir expropriar os camponeses, como as demais pessoas palestinas, via a cobrança de impostos, por isso o censo era fundamental.
E na Páscoa, após a cruz, Deus ressuscita Jesus com o corpo dos mortos. Isto Lc 24.39 deixa claro ("Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e verificai, porque um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho").
Tanto no nascimento como na ressurreição se mostra a materialidade da espiritualidade. Paulo continua este tema em 1 Co 15 (todo capítulo) quando fala da ressurreição dos mortos: "35 Mas alguém dirá: Como ressuscitam os mortos? E em que corpo vêm? 36 Insensato! O que semeias não nasce, se primeiro não morrer; 37 e, quando semeias, não semeias o corpo que há de ser, mas o simples grão, como de trigo ou de qualquer outra semente. 38 Mas Deus lhe dá corpo como lhe aprouve dar e a cada uma das sementes, o seu corpo apropriado. ... 44 Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual."
A separação do espiritual do material é coisa da sociedade de classes para legitimar a opressão de classe que é material e espiritual. A Igreja, por ser capacho, para legitimar o domínio da classe economicamente hegemônica faz esta diferenciação entre material e espiritual, que não é coisa bíblica.
Vejamos a confissão de fé do povo de Israel em Dt 6.21-23:
"Éramos servos de Faraó, no Egito; porém o Senhor de lá nos tirou com poderosa mão. Aos nossos olhos fez o Senhor sinais e maravilhas, grandes e terríveis, contra o Egito e contra Faraó e toda a sua casa; e dali nos tirou, para nos levar e nos dar a terra que sob juramento prometeu a nossos pais".
Aqui temos a espiritualidade da luta pela terra e lemos aqui que a fé em Javé propõe a luta contra a sociedade de classes onde a classe economicamente dominante controla o Estado, no caso o seu líder é o Faraó. A Bíblia mostra que o Faraó não se converte pela pregação de Moisés porque a economia não deixa ele se converter. Ele fez sua opção de classe e esta opção de classe não lhe permite conversão e entender a situação dos camponeses sem terra escravos hebreus. A classe dominante, como classe, não se converte ela apenas cede se for obrigada por mão forte, como diz em Êx 3.19 ("Eu sei, porém, que o rei do Egito não vos deixará ir se não for obrigado por mão forte".). Se a classe dominante se convertesse ela se auto-destruiria como classe e isto ela não fará. A gente deve, como Moisés, falar a Palavra de Deus à classe economicamente dominante, mas não ter a ilusão de que ela se converterá como classe (algumas pessoas talvez sejam convertidas pelo Evangelho e se disporão depois à lutar contra a sociedade de classes em direção ao Reino de Deus que é uma sociedade sem classes sociais), pois isto seria a destruição da sociedade de classes. Na luta de classes da sociedade Javé se coloca ao lado e junto com a classe explorada. A espiritualidade baseada em Javé mostra que ele luta contra o Estado e contra o sistema econômico tributário para libertar o corpo dos escravos da exploração imposta pelo Estado, que é um instrumento da classe dominante para a classe dominante. Libertar os camponeses sem terra escravos significa lhes garantir uma nova sociedade nas montanhas da Palestina onde destroem o Estado (Js 6-8) e constroem um novo modo de produção, o tribal, onde a terra (meio de produção) está sob o controle de toda a sociedade. Aqui a espiritualidade está em função da materialidade, o que Jesus Cristo chama de vida abundante para todos em Jo 10.10.
Mateus chama isto de salvar o povo dos pecados deles, em Mt 1.21: "Ela dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles". Aqui a salvação é um processo coletivo, pois o pecado está embasado num processo coletivo de exploração e opressão do corpo das pessoas e estas mesmas pessoas exploradas reproduzem esta exploração e opressão sobre seus semelhantes. Por isso temos hoje esta discussão que uma vez a Igreja deve entrar na luta pela terra e outra vez ela não deve entrar na luta pela terra. Este é o pecado coletivo no qual estamos como sociedade de classes. A sociedade de classes é o pecado maior, como diz em I Sm 12.19: pedir um rei foi o maior pecado: "porque a todos os nossos pecados acrescentamos o mal de pedir para nós um rei". Pedir um rei foi pedir um novo sistema econômico em oposição ao modo de produção tribal. Pedir um rei foi pedir que houvesse uma sociedade de classes onde a classe do Estado dominasse sobre a classe dos camponeses. Esta foi a falta de clareza do povo de Israel e o seu pecado e esta continua sendo a falta de clareza e o pecado do povo trabalhador de hoje quando apóia o capitalismo.
Para que não haja esta clareza sobre o pecado maior, que é a sociedade de classes construída em cima da propriedade privada dos meios de produção, a Igreja não deve falar sobre isto e nem mostrar as contradições de nossa sociedade capitalista que a ideologia procura encobrir. Em outras palavras a Igreja não deve falar do pecado coletivo e estrutural de nossa sociedade. Pois, se a Igreja revelar a luta de classes existente e se posicionar a favor da classe trabalhadora, isto pode levar a um processo de transformação da sociedade que Jesus Cristo chama de Reino de Deus, que é uma nova sociedade sem classes sociais, igualitária, de irmãos e de irmãs, como a quer a Bíblia.
Esta nova sociedade não ocorrerá sem luta, como também o foi no AT, como nos conta Js 6-8 e o livro do Apocalipse.
A fé (o espiritual) é fundamental para que haja uma vida (material) abundante. A fé (o espiritual) é a chave também para garantir a opressão da vida material e espiritual da classe explorada para que não haja mudanças na sociedade. A fé (o espiritual) não se separa da vida (o material). A Bíblia nos relata como a fé garantiu uma vida material plena para o povo de Israel nas montanhas da Palestina e como Deus se fez matéria (corpo) no camponês sem terra palestino Jesus de Nazaré para que a fé continue a animar na luta por esta nova sociedade, que ele chama de Reino de Deus, onde a vida material é plena e onde o espiritual não se separa do material, mas onde o material não tem a primazia e a exclusividade, como no capitalismo. Vida material plena não é ser rico (pois para ser rico se precisa explorar muitas pessoas e o rico precisa do Estado para proteger e aumentar a sua riqueza), mas ter o necessário para o viver digno para todas as pessoas.
Assim a Igreja sempre deve se meter em toda a luta pela terra e em todas as lutas no processo de construção desta nova sociedade, que Jesus Cristo chama de Reino de Deus. A função da fé (espiritualidade) é dar força para a luta por uma vida abundante (materialidade) para todas as pessoas. Isto pressupõe a revolução: do Reino de Deus.
Para impedir a revolução do Reino de Deus a Igreja é pressionada pela classe economicamente hegemônica (colocando explorados neste papel intimidatório - diretorias das comunidades e paróquias - para controlar isto por serem também ideologicamente dominados) para se adaptar às suas exigências e para isso é necessário separar o espiritual do material, para que o material (os meios de produção como propriedade privada) e o espiritual (a ideologia, a cultura e a religião) possam continuar sob a hegemonia da classe capitalista e desta forma nunca haverá mudança nenhuma da realidade. O pior é que a Igreja se presta para este papel e historicamente tem desempenhado este papel contra o que diz o Evangelho. Ainda hoje ouço pastores/as, que se dizem de esquerda, dizer que a gente não pode dizer ao povo como as coisas são porque ele se assusta e assim se afasta da Igreja. Com isto se propõe que se continue com esta mentira que serve aos propósitos da burguesia, pois, na verdade, no fundo estes pastores/as também têm medo da mudança e defendem lá no íntimo o capitalismo como única forma de organizar a sociedade. Via de regra a Igreja é prisioneira da direita que dita a teologia na prática nas paróquias. Já o era antes da Reestruturação Neoliberal de 1997, mas agora o é de forma mais clara e revelada, pois a direita tem se dado conta disto sempre mais. A pregação pura e reta do Evangelho na Igreja é fábula para criançinhas, via de regra. Não vejo nenhum movimento dentro da Igreja em ter coragem de reverter este fato da direita dar a direção teológica na Igreja. Aparentemente parece que a Igreja não tem projeto claro, mas de fato o tem que é o projeto de não atacar e ameaçar o projeto do capital. Por que não se discute nas Assembléias Sinodais e nos Concílios da Igreja a construção de um Projeto para a IECLB? Porque ela já tem um projeto que é o projeto do capital. É óbvio que todo mundo vai negar este fato, pois seria uma traição ao Evangelho de Jesus Cristo. Mas assim é! Nas comunidades da IECLB tem-se feito um Planejamento Estratégico sem ter um referencial a nível sinodal e nacional, o que significa que vamos ter o mesmo do mesmo: a "Associação Cultural Recreativa Alemã com fins Religiosos" - uma Igreja de Atendimento às necessidades religiosas dos membros. É o que o Baeske fala em seu relato sobre Esteio comentando do "pastorado igrejeiro de atendimento rotineiro. Aí residia o xis da questão, o epicentro que barrava qualquer serviço eclesial". O "pastorado igrejeiro de atendimento rotineiro" é o Projeto de Igreja da IECLB que não se envolve em nada além dos muros eclesiais. É um projeto muito cômodo para pastores/as e membros, pois esconde os conflitos de classe havidos na sociedade brasileira, da qual parece que nós não fazemos parte.
É claro que muitos do povo empobrecido se assustam se a Igreja de repente começa a ter outra linguagem e outra postura dentro da luta de classes que há na sociedade, pois também o povo empobrecido está embebido da ideologia da classe dominante e defende o capitalismo, por não saber como ele o explora e não saber que há outra possibilidade de organizar a sociedade que Jesus Cristo chama de Reino de Deus. Mas também tenho visto muitas pessoas empobrecidas serem gratas por ouvirem a outra versão da realidade e da pregação do Evangelho, não subordinada aos interesses do capital.
Recordo-me de um filho de camponês de Maravilha que, nos anos 80, participava de um curso de formação de 10 etapas de dois dias ao mês cada, em Palmitos me contar, anos mais tarde, que seu pai lhe perguntou o que estavam estudando neste curso e quando ouviu o conteúdo ele se assustou dizendo: Mas isto é comunismo! Este jovem camponês quase desistiu e somente começou a entender as coisas no terceiro encontro e hoje dá graças que não desistiu. Corre-se o risco do povo se assustar, sim. E de fato o povo empobrecido e explorado se assusta quando ouve a Igreja falar outra linguagem: a linguagem de dor do explorado e oprimido que é a linguagem de Deus (Êx 3.7 "Disse ainda o Senhor: Certamente, vi a aflição do meu povo, que está no Egito, e ouvi o seu clamor por causa dos seus exatores. Conheço-lhe o sofrimento";), pois esta não é a linguagem que ele historicamente associa à Igreja. A linguagem da Igreja sempre foi a linguagem dos poderosos e opressores, a linguagem da classe economicamente dominante do modo de produção vigente. O povo de Nazaré não quis apedrejar Jesus quando ouviu a sua primeira pregação segundo Lucas capítulo 4? Se a Igreja insistentemente pregar o Evangelho do Reino de Deus como oposição ao capitalismo, explicar como o capitalismo funciona e que este é o instrumento que o diabo usa para tentar impedir a construção do Reino de Deus aos poucos o povo empobrecido vai começar a entender esta mensagem. É claro que a burguesia vai vir por cima da Igreja com quatro pedras em cada mão. Os primeiros a reclamar vão ser os representantes oficiais da Igreja que são os presbitérios, gente normalmente empobrecida ou da baixa classe média, mas ideologicamente agregada ao capital. A pastorada que ousar esta linguagem não vai ser muito querida na paróquia e não vai agüentar muito tempo em qualquer lugar, pois os empobrecidos que concordam com esta linguagem normalmente não tem coragem de enfrentar os aliados do capital que controlam o poder na paróquia e nas comunidades. Não foi por acaso que Jesus Cristo foi condenado à cruz como subversivo e herege como nos conta Lc 23.1-5.
Contra isto Javé se fez pessoa no camponês sem terra Jesus de Nazaré, para que haja uma mudança radical na vida das pessoas e de toda a sociedade. Por isso ele ao iniciar, segundo Marcos, a sua pregação começa dizendo (Mc 1.15): "O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho." A exigência do arrependimento e da fé no evangelho do Reino de Deus é para todos e todas (classe dominante e dominada), pois sem isto não haverá participação no Reino de Deus. A classe dominante deve se arrepender de sua dominação, se desfazendo da propriedade privada dos meios de produção colocando-os à disposição de toda a sociedade (At 4.32-37), pois foram produzidas com o trabalho desta, e a classe dominada deve se arrepender de reproduzir esta realidade de dominação como sendo a única possibilidade de organizar a sociedade. Assim os dois serão nova criatura, pois as coisas antigas já passaram e se fizeram novas, como diz Paulo em 2 Co 5.17.
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