12 de novembro de 2012

Religião e política. A instrumentalização recíproca.



Entrevista especial com Ricardo Mariano

Num contexto onde vigoram liberdade religiosa, pluralismo religioso, acirrada competição inter-religiosa e onde o mercado não é regulado pelo Estado, o trânsito religioso tende a se intensificar, constata o sociólogo.


Sobre as relações entre religião e política no Brasil, o sociólogo Ricardo Mariano pontua que, de um lado, “observa-se uma crescente ocupação religiosa da esfera pública. Isto é, apóstolos, bispos, missionários e pastores pentecostais, a cada pleito, tentam transformar seus rebanhos religiosos em currais eleitorais, seja para eleger seus próprios representantes religiosos ao Legislativo, seja para, em troca de promessas e benesses diversas, apoiar eleitoralmente candidatos seculares a cargos majoritários. De outro, verifica-se que candidatos, políticos e partidos de Norte a Sul do país, independentemente de suas orientações ideológicas, cada vez mais tentam instrumentalizar a religião para fins político-partidários e eleitorais. Trata-se, portanto, de uma instrumentalização mútua”.

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele destaca que “no Congresso Nacional e nos legislativos municipais e estaduais a presença e o ativismo político dos pentecostais vêm ganhando terreno a passos largos. Trata-se de um ativismo político recheado de moralismo e corporativismo e, desde a Constituinte, marcado por escândalos. Pesquisa da ONG Transparência Brasil revela que 95% dos membros da bancada evangélica estão entre os mais faltosos do Congresso Nacional e, em sua maioria, são objeto de processos judiciais, enquanto, segundo o DIAP, 87% deles constam entre os ‘mais inexpressivos’”.



Ricardo Mariano é graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, onde também realizou o mestrado e doutorado em Sociologia. Hoje, é professor na PUCRS. Entre suas obras, citamos Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil (São Paulo: Edições Loyola, 2005).



Confira a entrevista.



IHU On-Line – Como o senhor analisa as relações entre religião e política no Brasil?

Ricardo Mariano – De um lado, observa-se uma crescente ocupação religiosa da esfera pública. Isto é, apóstolos, bispos, missionários e pastores pentecostais, a cada pleito, tentam transformar seus rebanhos religiosos em currais eleitorais, seja para eleger seus próprios representantes religiosos ao Legislativo, seja para, em troca de promessas e benesses diversas, apoiar eleitoralmente candidatos seculares a cargos majoritários. De outro, verifica-se que candidatos, políticos e partidos de Norte a Sul do país, independentemente de suas orientações ideológicas, cada vez mais tentam instrumentalizar a religião para fins político-partidários e eleitorais. Trata-se, portanto, de uma instrumentalização mútua. Dirigentes e leigos católicos também participam da vida política, geralmente através do lobby da CNBB, mas não só. Muitos deles, por exemplo, atuaram intensamente na eleição presidencial em 2010. Bispos e leigos conservadores (assim como muitos pentecostais) atacaram a candidata petista à presidência, opuseram-se ao III Programa Nacional de Direitos Humanos, especialmente às propostas de descriminalização do aborto e de retirada de crucifixos de edifícios da União.



A criminalização da homofobia

Em 2010, os evangélicos atacaram, sobretudo, o Projeto de Lei 122/2006, proposto por uma parlamentar petista, visando criminalizar a homofobia. Por isso o referido projeto de lei é percebido por muitos desses religiosos como um atentado à liberdade religiosa e de expressão. Defendem ferrenhamente seu direito de prosseguir, animados, pregando um discurso homofóbico que vê a homossexualidade como patológica, pecaminosa, diabólica e uma perversão da natureza humana. Fundamentados em preconceitos moralistas de extração bíblica e abertamente dispostos a discriminar minorias sexuais, muitos líderes pentecostais, versados em interpretações fundamentalistas dos evangelhos, se opõem abertamente ao espírito dos direitos humanos, dos direitos de cidadania e dos valores da democracia. A recente polêmica envolvendo o famigerado “kit gay”, usado como arma eleitoral contra o candidato petista a prefeito de São Paulo, foi apenas a mais nova dessas manifestações homofóbicas.



O caso Russomanno

Na campanha para prefeito de São Paulo deste ano, além da romaria de candidatos às missas de Padre Marcelo Rossi e de Aparecida, o cardeal-arcebispo, dom Odilo Scherer, entrou de sola na disputa, ao divulgar comunicado, lido em missas pela capital, desancando (sem citá-la nominalmente) a candidatura de Celso Russomanno. Apesar de afirmar-se um “católico fervoroso”, Russomanno foi alvo do tiroteio entre dirigentes da Igreja Universal e da Igreja Católica. Matérias de imprensa mostraram que pastores e obreiros da igreja, à revelia da lei, estavam atuando como cabos eleitorais e alguns templos, funcionando como comitês de campanha de Russomanno.

Ex-apresentador da Rede Record e candidato pelo PRB, partido criado e comandado pela Igreja Universal, ele não teve como desvencilhar-se dos ataques católicos, sobretudo quando veio a público as acusações (delirantes) feitas um ano antes pelo presidente do PRB, bispo Marcos Pereira, de que a Igreja Católica era uma das responsáveis pela promoção do chamado “kit gay”, isto é, o kit anti-homofobia formulado (mas cujo lançamento foi abortado por pressão de evangélicos) pelo Ministério da Educação sob a direção de Fernando Haddad, então candidato a prefeito do município de São Paulo pelo PT. Os ataques católicos chamaram a atenção para o fato (desconhecido por grande parte de seus eleitores, em boa medida pouco escolarizada) de que Russomanno era candidato de um conglomerado religioso, midiático e partidário pertencente à Igreja Universal, denominação neopentecostal pouco prestigiada, associada a escândalos diversos e, há décadas, promotora de estratégias de arrecadação heterodoxas.



Limites e dificuldades da instrumentalização religiosa para fins eleitorais

A instrumentalização religiosa para fins eleitorais apresenta limites e dificuldades consideráveis. Para o poder Legislativo, nem tanto, já que Assembleia de Deus, Igreja Universal e Quadrangular, entre outras, têm conseguido eleger crescente número de vereadores, deputados estaduais e federais. Para o Executivo, porém, sua influência é bem menor, muito menos decisiva. Isso ocorre não somente porque os evangélicos pentecostais compõem uma minoria da população. Deve-se também ao fato de que esse movimento religioso é fragmentado, diversificado, recortado por um sem-número de denominações concorrentes. Concorrência denominacional que, por diversas razões, se reproduz nas alianças e nos apoios eleitorais. Basta observar que, na eleição à prefeitura paulistana de 2012, três diferentes igrejas identificadas como Assembleia de Deus (duas de convenções concorrentes, outra de um ministério independente) apoiaram três candidatos distintos a prefeito. Divisionismo religioso e político.

No momento, os evangélicos podem vir a decidir uma eleição majoritária tão somente no caso de haver um candidato evangélico no segundo turno capaz de mobilizar seu voto (Garotinho recebeu 51% do voto evangélico no primeiro turno de 2002, mas apenas 6% do dos católicos, clivagem religiosa radical que o impediu de passar para o segundo turno) ou no caso de um dos candidatos em disputa no segundo turno for objeto de um amplo boicote ou rejeição eleitoral de sua parte, por algum sério motivo religioso ou moral.

No Congresso Nacional e nos legislativos municipais e estaduais, a presença e o ativismo político dos pentecostais vêm ganhando terreno a passos largos. Trata-se de um ativismo político recheado de moralismo e corporativismo e, desde a Constituinte, marcado por escândalos. Pesquisa da ONG Transparência Brasil revela que 95% dos membros da bancada evangélica estão entre os mais faltosos do Congresso Nacional e, em sua maioria, são objeto de processos judiciais, enquanto, segundo o DIAP, 87% deles constam entre os “mais inexpressivos”.



IHU On-Line – Quais os principais desafios para a sociologia da religião, considerando o chamado “trânsito religioso” e a forma de viver a religiosidade e a fé na sociedade contemporânea, marcada pelo individualismo e pela autonomia?

Ricardo Mariano – Num contexto onde vigoram liberdade religiosa, pluralismo religioso, acirrada competição inter-religiosa e onde o mercado não é regulado pelo Estado, o trânsito religioso tende a intensificar-se. Pois nesse contexto os indivíduos detêm enorme liberdade para fazer suas escolhas religiosas. De modo que, quando insatisfeitos, podem rompê-las, trocá-las, minimizá-las e largá-las. Decerto, seus laços familiares e de sociabilidade, incluindo os religiosos, pesam em suas opções religiosas.

O próprio esgarçamento do tecido familiar tende a reduzir, pouco a pouco, a importância da família na definição das opções religiosas dos indivíduos. Tais opções, assim, tendem a depender e apoiar-se mais e mais na subjetividade dos agentes, que, além de mediada por seus laços sociais e religiosos, é informada por uma série de outras fontes, como a literatura religiosa (incluindo as de matriz cristã, espírita, autoajuda, esotérica, nova era etc.), a internet e suas redes sociais, a música e as bandas religiosas (entre elas a gospel), as mais diversas publicações semanais, sobretudo as revistas destinadas a públicos femininos, os cursos e palestras de gurus, as feiras místicas etc.



A privatização da religião

Avança a privatização da religião. Com isso não se quer dizer que a religião se circunscreva cada vez mais à vida privada (decididamente não é isso que está ocorrendo), mas, sim, que se têm multiplicado as bricolagens, as experimentações idiossincráticas e privatizantes da religião. Aumenta também o contingente de pessoas que mantêm a identidade religiosa e a crença, mas preferem fazê-lo fora de instituições. Isso é algo que pode estar ocorrendo com parte dos 9,2 milhões de evangélicos identificados pelo Censo como evangélicos não determinados, isto é, como não filiados a igrejas. Em razão do contexto de liberdade, de pluralidade cultural, do individualismo e da crescente procura por autonomia individual em relação aos poderes constituídos, incluindo os religiosos, debilita-se, sobretudo, a capacidade do clero de impor a seu séquito condutas morais rigorosas, sectárias e indesejadas ou na contramaré das transformações culturais e comportamentais em voga na sociedade abrangente. Estão sob pressão crescente, portanto, os grupos religiosos que pretendem, por exemplo, moralizar a conduta individual e controlar rigidamente a sexualidade de seus adeptos segundo ditames bíblicos morais ascéticos.



O anacronismo da moralidade sexual nas igrejas

Tais proposições tendem a dilatar as defecções, a indiferença religiosa e a hipocrisia. Pesquisa realizada pelo Bureau de Pesquisa e Estatística Cristã – BEPEC revela que 26,2% de homens e mulheres evangélicos casados concordou totalmente com a afirmação de que “o comportamento da igreja evangélica em relação ao sexo é muito hipócrita” (Cristianismo Hoje, jun./jul. 2011). Afirmação que indica descontentamento com o anacronismo da moralidade sexual pregada pelas igrejas evangélicas, mas também reivindicação de autonomia individual em relação a essa moral bíblica e às autoridades religiosas que a difundem.

Cabe à sociologia da religião investigar mais atentamente como os fiéis ou adeptos praticam sua religião e vivenciam efetivamente sua religiosidade. Mas isso, defendo, deve ser acompanhado da pesquisa do que fazem e propõem as instituições e suas lideranças religiosas, e não somente para observar o descompasso entre as crenças e práticas dos adeptos e as orientações de seus líderes. Mesmo que reduzido o poder pastoral, não se pode descurar da importância sociológica das instituições religiosas na conformação do discurso, das crenças e práticas de seus adeptos, bem como em certos de seus padrões de comportamento. E é preciso que a sociologia da religião dialogue mais com outras sociologias e com outras ciências sociais para ampliar seu alcance e aperfeiçoar sua análise.



IHU On-Line – Considerando a trajetória histórica do movimento pentecostal no Brasil, o que marca a religiosidade pentecostal atualmente? Em que sentido ela mais mudou em comparação a 50 anos atrás, por exemplo? Qual a novidade que a corrente neopentecostal introjetou na vivência religiosa brasileira?

Ricardo Mariano – A corrente neopentecostal exerceu papel crucial na transformação do pentecostalismo nacional nas últimas três décadas. Implantou e disseminou a Teologia da Prosperidade, abandonou e desprezou antigos usos e costumes de santidade, reduziu, por princípio e estratégia, o ascetismo e o sectarismo, adotou crenças da teologia do domínio, enfatizou a guerra espiritual contra o diabo, hipertrofiou e sistematizou a oferta de soluções mágico-religiosas nos cultos e na mídia, forjou gestão denominacional em moldes empresariais, investiu pesado no tele-evangelismo, na música gospel e na aquisição e arrendamento de emissoras assim como na formação de redes de rádio e TV, encarou a pluralização religiosa e sociocultural como um desafio evangelístico e de mercado e, tal como a Assembleia de Deus, ingressou na política partidária na Constituinte. No caso da Igreja Universal, além de eleger bancadas parlamentares, fundou um partido político, o PRB. Toda essa transformação não ocorreu só em razão da deliberada disposição das novas lideranças pentecostais de promover, por razões diversas, tal acomodação às mudanças em curso na sociedade, mas também das pressões da concorrência religiosa e, sobretudo, dos constrangimentos impostos pelas demandas por mudança por parte de seus adeptos, clientes e diferentes públicos-alvo.



Acomodar o pentecostalismo à sociedade brasileira

A vertente neopentecostal liderou, portanto, diversas mudanças e inovações teológicas, estéticas, litúrgicas e comportamentais no pentecostalismo. Não obstante seu sectarismo no plano religioso, cujo destaque recai sobre sua demonização dos cultos afro-brasileiros, ela contribuiu fortemente para acomodar o pentecostalismo à sociedade brasileira. Colaborou, por exemplo, para abrir espaço ao surgimento e incorporação de artistas, modelos, surfistas, jogadores de futebol, políticos, rappers, roqueiros, atletas de Cristo, bandas gospel e até para a formação de blocos evangélicos carnavalescos: a folia de Cristo.

Desde então, tornou-se possível ser pentecostal e modelo; ser pentecostal e roqueiro, etc. Tal conjunção identitária, que até há pouco era inadmissível e radicalmente incompatível com sua moralidade, com seus usos e costumes e com seu ascetismo, tornou-se repentinamente aceitável. Sinal de que essa religião, ao se transformar, vai paulatinamente deixando de ser um retrato negativo da cultura brasileira. Demonstração de que suas fronteiras identitárias, tanto no plano moral como no comportamental, tornaram-se mais diluídas, porosas, flexíveis e mais difíceis de distinguir. A ponto de terem surgido até os traficantes evangélicos, repletos de tatuagens (verdadeiros amuletos protetores) contendo versículos bíblicos. Mesmo as fronteiras religiosas mostram-se menos nítidas do que frequentemente se espera.

Pesquisa do Datafolha, realizada em maio de 2007, mostrou que 8% dos pentecostais tinham um santo (católico) de devoção e 15% deles acreditavam totalmente em reencarnação (doutrina de origem hindu disseminada pelo kardecismo no Brasil). Não obstante tamanha transformação, esses religiosos mantiveram importantes traços ascéticos e sectários, como a rejeição ao consumo de álcool, do fumo e das drogas, ao sexo fora do casamento, ao homossexualismo e ao ecumenismo.



IHU On-Line – No contexto atual, marcado pela secularização, o senhor percebe um arrefecimento ou um reavivamento da religiosidade entre as pessoas?

Ricardo Mariano – No Brasil, os católicos decresceram, os pentecostais cresceram aceleradamente entre os mais pobres nas regiões urbanas (sobretudo nas periferias violentas e desassistidas pelos poderes públicos) e de fronteira agrícola, os sem religião, grupo que mais cresceu entre 1980 e 2000, continuaram se expandindo embora num ritmo menor, os espíritas avançaram entre os estratos sociais de maior renda e escolaridade, os umbandistas, depois de perderem mais de 144 mil adeptos entre 1980 e 2000, estagnaram na última década, as Testemunhas de Jeová (intensamente proselitistas) e as outras religiões continuaram crescendo.

De todo modo, excluindo católicos (64,6%), evangélicos (22,2%) e sem religião (8%), todas as outras somavam apenas 5% da população brasileira em 2010. A despeito do avanço dos sem religião, o Brasil retratado pelo último Censo Demográfico continua mostrando-se solo dos mais férteis para a prédica religiosa, em especial para o pentecostalismo. No conjunto, as igrejas pentecostais continuam crescendo vigorosamente mediante, entre outros recursos e estratégias, o proselitismo pessoal (efetuado por leigos e, em especial, pelas mulheres) e midiático e a oferta sistemática de serviços mágico-religiosos (e terapêuticos) para a solução de problemas pontuais e imediatistas de saúde, psicológicos, afetivos, familiares, financeiros etc. Com suas promessas mágicas e taumatúrgicas, aproveitam, sobretudo, a vulnerabilidade social de parcela considerável da população brasileira, a tradição mágica do catolicismo popular, o baixo número de padres católicos, o elevado contingente de católicos nominais.



Brasil: um país laico?

Nas comparações internacionais, o Brasil aparece sempre entre os países mais religiosos em termos de crença e de prática religiosas. Constitucionalmente, o país é laico, não obstante o ensino religioso facultativo em escolas públicas, a recente concordata católica, a referência a Deus no preâmbulo da Constituição. No plano político, contudo, a laicidade tem sido pressionada pela instrumentalização recíproca entre religião e política. Pois, à medida que correm atrás de apoio, voto e legitimação providos por líderes e rebanhos religiosos, nossos políticos, partidos e governantes contribuem para reduzir a autonomia da política em relação aos poderes eclesiásticos e a seus rompantes moralistas, integristas e fundamentalistas.

Muitas vezes isso ocorre por pura covardia ou por temor eleitoral diante dos lobbies religiosos e de seus representantes parlamentares. Com isso políticos seculares pressionados por grupos e parlamentares religiosos tendem a impedir que questões públicas fundamentais sejam tratadas e debatidas a partir de visões de mundo, expertises e conhecimentos seculares radicados na ciência, na medicina, na saúde pública, nos direitos humanos e daí por diante. Impedem, portanto, a secularização do encaminhamento e tratamento de uma série de problemas.



IHU On-Line – Quais as novidades nas pesquisas sobre a concordata católica, a Lei Geral das Religiões e as teorias sociológicas da secularização e da laicidade do Estado? Como essas pesquisas nos ajudam a compreender o cenário religioso brasileiro contemporâneo?

Ricardo Mariano – Não é possível resumi-los e nem fazer jus aos trabalhos que estão sendo realizados nos últimos anos sobre tais temas. O site do Observatório da Laicidade do Estado (OLÉ – http://www.nepp-dh.ufrj.br/ole/) pode dar uma boa dimensão da variedade de pesquisas e temáticas que estão sendo desenvolvidas em diferentes áreas do conhecimento (sociologia, antropologia, educação, história, direito, assistência social, psicologia, entre outras) envolvendo a questão da laicidade. Este tema vem se tornando mais e mais relevante à medida que se acelera a ocupação religiosa da mídia eletrônica, da política partidária e das campanhas eleitorais. Ocupação esta que deriva, em boa medida, do recrudescimento da competição entre pentecostais e católicos pela hegemonia religiosa no país. Tal competição intrarreligiosa desdobrou-se para a esfera pública nas últimas três décadas. O investimento maciço de pentecostais e católicos na compra de emissoras e na formação de redes de tevê exemplifica emblematicamente isso. Pela mesma razão, proliferaram os megatemplos e os megaeventos religiosos, efeitos de uma corrida desenfreada pela ocupação religiosa do espaço público.



O ativismo político e midiático de religiosos no Brasil

Ainda é cedo para sabermos as consequências, no médio e longo prazo, do crescente ativismo político e midiático desses religiosos no Brasil. Mas já se podem ver indícios – como ocorreu na exploração eleitoral do “kit gay” para tentar desmoralizar e prejudicar uma candidatura a prefeito em São Paulo nesta eleição – de reações seculares e religiosas adversas à mistura entre religião e política. No caso norte-americano, mais de três décadas consecutivas de ativismo da Direita Cristã não deram em bons resultados no campo político, já que a militância desses religiosos não conseguiu alterar nada de fundamental em prol de suas causas moralistas nos planos jurídico e político nos Estados Unidos.

Mais que isso: recente pesquisa realizada pelo Pew Research Center revela que cresceu muito e rapidamente o contingente dos norte-americanos sem filiação religiosa. Já são 19,6% dos norte-americanos (incluídos os 13 milhões ou 6% de ateus e agnósticos) sem filiação religiosa. E os jovens são, disparado, os menos filiados a grupos religiosos. Nada menos do que um terço (32%) dos norte-americanos abaixo de 30 anos são nones ou unaffiliated, isto é, sem filiação religiosa. Desde a Primeira Guerra, cada geração tem se revelado sempre menos religiosa do que a anterior.

Tal forma de secularização tende a se estender pelas próximas gerações, à medida que a socialização religiosa intrafamiliar mostra-se cada vez mais débil. Mais ainda que os filiados a grupos religiosos, os não filiados criticam fortemente as igrejas e organizações religiosas por estarem preocupadas demais com dinheiro e poder e envolvidas demais na política. O envolvimento da Direita Cristã na política, além de criticado por religiosos e por não filiados à religião alguma, resultou na formação de diversos movimentos e coalizões seculares, que constituíram lobbies diversos para atuar sobre os poderes públicos. Reações laicas no Brasil não tardam por esperar, embora seja de todo improvável que ocorram nos moldes organizados, sistemáticos e pragmáticos dos movimentos seculares dos Estados Unidos, especialmente da encabeçada pela Secular Coalition for America.

Sexta, 09 de novembro de 2012

Mesa redonda aborda relação entre religião e política

Religião e política foram as palavras chaves para a mesa redonda promovida pelo IV Encontro Nacional do GT História das Religiões e Religiosidades ontem (8). O evento, que ocorreu na sala Ignacio Ellacuría, na Unisinos, trouxe os professores Oneide Bobsin (EST), Ricardo Mariano (PUCRS) e Aldino Segala (UNISINOS), que apresentaram aspectos diferentes da união político-religiosa.

Oneide Bobsin, professor e reitor das Faculdades EST, iniciou a reflexão falando do estudo de caso da relação da Igreja com a ditadura militar nos anos 70 e 80. Bobsin, que foi aluno de teologia na época do período ditatorial no Brasil, diz que os preparativos para a Copa do Mundo de 2014 avivam lembranças do ano de 1970. “Lembro do campeonato daquele ano, que, enquanto alguns comemoravam os jogos, outros gritavam de dor por causa da ditadura. Isso é o que a gente pode chamar de ideologia do esquecimento”.

A ditadura não foi ignorada pela Igreja. Tanto é que a Igreja de Confissão Luterana do Brasil – IECLB elaborou em 1970 o “Manifesto de Curitiba”. O documento aprovado no VII Concílio Geral da IECLB apresentou a posição contrária à ditadura e à violação dos direitos humanos, levando em conta que a “mensagem da Igreja em relação ao que acontece no mundo não pode divergir de seu testemunho público”.

Dessa forma, Bobsin comenta que a Igreja se sente chamada para cooperar com as ações do país que não sejam de caráter puramente técnicos. Como exemplo, em 1978, a IECLB criou o documento “Nossa responsabilidade social”, destinado às comunidades. “O documento faz uma análise da situação social do Brasil e vai motivar as comunidades a olhar e agir sob uma perspectiva diferente”, afirma o professor.

A religião no governo

Outro aspecto desse casamento entre política e religião foi abordado por Ricardo Mariano, professor da PUCRS. Mariano analisou um fenômeno que foi explícito nas últimas eleições municipais, especificamente percebido na cidade de São Paulo com o candidato Celso Russomanno: a ocupação religiosa na esfera pública e política. O destaque vai para os pentecostais que, antigamente, não se envolviam no assunto. “Os pentecostais eram vistos como apolíticos, pertencentes do segmento alienado e alienante. Depois isso mudou. Muitos dirigentes resolveram abandonar a aversão à política partidária e adotaram o lema de que ‘irmão vota em irmão’”, comenta Mariano. A partir de 1986, os pentecostais assumiram protagonismo entre os evangélicos brasileiros. Segundo o professor, a denominação protestante, em geral, não lança e apoia candidatos, como uma forma de resistir a essa transformação do "rebanho" em currais eleitorais.

A bancada da Igreja Universal vem diminuindo devido à participação em escândalos de governo, entretanto tem uma boa aliança com os governos Lula e Dilma, principalmente em virtude do aumento da população evangélica no Brasil. “Hoje, quase ¼ da população brasileira é composta por evangélicos”, afirma Mariano. Lula, em sua campanha há 10 anos, buscou o apoio dessa parcela significativa e obteve êxito. A parceria continua com Dilma que, nesse ano, nomeou Marcelo Crivella, bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, ao cargo de ministro da Aquicultura e Pesca.

Outro aspecto apresentado por Mariano é a “dobradinha evangélica e católica”, que começou nos últimos anos no Congresso Nacional. Segundo o professor, isso acontece porque o tradicionalismo moral vigora em ambas denominações. “Isso ficou muito claro nas eleições de 2010, em que fizeram com que questões de moral religiosas fossem tema principal da época eleitoral. Todo o protagonismo foi conservador”, sublinha e completa: “O ativismo pentecostal na política veio para ficar. Para o bem ou para o mal”.

O ensino religioso no Brasil

Aldino Segala, professor da Unisinos, completou a mesa redonda abordando o ensino religioso e sua relação com a legislação brasileira. Ele comenta que o começo desse ensino no Brasil se deu com a chegada dos jesuítas nos anos 1500, quando houve uma união entre estado e religião muito forte. Depois, entre os anos 1890 e 1930, a fase do período republicano foi marcada pela separação plena dos dois elementos. Só em 1931, com Getúlio Vargas, isso se modificou, tornando-se, então uma separação atenuada do Estado e da Religião. Vargas reintroduziu o ensino religioso nas escolas públicas como caráter facultativo.

O segundo momento dessa época acontece a partir e na Constituição de 1988. Ela aponta o ensino religioso como uma área específica de conhecimento no Ensino Fundamental e aplica isso nas escolas públicas. Segundo Segala, o fato de a Constituição apenas citar as escolas públicas dá liberdade às escolas particulares para formar seu plano curricular sobre o assunto.

Os motivos que tornam o ensino religioso uma área de conhecimento são o conhecimento, a formulação de uma reflexão existencial, a influência da religião na cultura, os preceitos morais que vêm da religião e o intuito de assegurar a diversidade religiosa, que é tão rica no Brasil. Porém, o jeito que o assunto é abordado ainda não é ideal. “Segundo o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso – Fonaper, o país ainda carece de regras mais claras sobre essa disciplina, visto a sua importância”, finaliza Segala.

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