15 de outubro de 2012

Justificação pela fé ou salvação pelo consumismo: repensando a teologia luterana no mundo urbano atual







(Aqui vão dois textos para ajudar na discussão sobre a realidade da IECLB; o primeiro do Lauri Wirth e uma resposta à um texto meu do Oneide Bobsin)


O título acima é intencionalmente provocativo. Ele quer provocar reflexão. Por isto, as palavras que seguem não querem ser entendidas como uma verdade absoluta. Elas entendem que a verdade nasce da conversa, do diálogo, do questionamento. Diz a Bíblia que a verdade é um caminho, construída por andantes que seguem as pegadas de um filho de carpinteiro. Pegadas estas são mais que rastros. São sinais que revelam o perfil de vida daqueles e daquelas que creem num Deus que se revela na história como amor, como amor incondicional.
Foi-me solicitado escrever sobre a teologia luterana no meio urbano. O convite revela uma preocupação. É que a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) faz parte do grande leque das Igrejas Evangélicas. E as Igrejas Evangélicas são um assunto relevante não só para aqueles e aquelas que se interessam por religião. Cientistas sociais criam teorias para explicar o “grande crescimento” dos evangélicos no meio urbano, políticos disputam os votos dos evangélicos, pois perceberam que eles podem decidir eleições, projetos de lei que não contam com o apoio das “bancadas evangélicas” dificilmente serão aprovados pelo nosso Congresso Nacional. Enfim, o campo religioso brasileiro passa por grandes transformações e isto tem a ver com o crescimento dos evangélicos no Brasil.
Curiosamente, o fenômeno que alegra amplos setores evangélicos, para nós luteranos é motivo de preocupação. Suspeitamos estar doentes. Os sintomas? Somos uma Igreja com fortes raízes no meio rural. Ali sim, a Igreja Luterana era uma referência. A vida na roça girava em torno da Igreja, da família, das relações de parentesco e vizinhança. O mundo urbano vive o colapso destas instituições de socialização. No mundo urbano o ambiente de transmissão da fé deixa de ser homogêneo. Ali as Comunidades são compostas de pessoas que não mais compartilham os mesmos valores, pois a cidade é um espaço irreversivelmente plural. Perde-se a noção de pertença tão típica do mundo rural. Como lidar com o pluralismo religioso e com os secularismos típicos do meio urbano?
Ouvi de um experiente pastor de uma grande cidade as seguintes palavras: “Quem vem de fora, continua com a comunidade anterior como referência. Quando se adapta, prefere se adaptar a outra igreja. Já que precisa romper, rompe com tudo de vez”.  Esta constatação sugere dois horizontes de reflexão: a) O deslocamento do campo para a cidade parece envolver nossos migrantes em um profundo dilema: preferem manter os vínculos com o mundo rural, com a comunidade de origem, ao mesmo tempo são levados a romper com esta referência pela dinâmica da vida no meio urbano. Não é difícil imaginar que temos aí vários processos de mudança. Por exemplo, se para as gerações mais antigas o mundo rural permanece como referência, as novas gerações certamente já não se sentem vinculados às antigas comunidades de seus pais e avós. Como as Igrejas Luteranas enfrentam este dilema? Ainda é sustentável estruturar o trabalho pastoral no quadrilátero batizar, confirmar, casar e sepultar?;  b) Contudo, a constatação acima sugere também que as Igrejas Luteranas nos grandes centros urbanos são pouco acolhedoras para pessoas que passam por processos de desenraizamento. Ouvi de outro obreiro a seguinte afirmação: “Não sabemos lidar com luteranos favelados, nem com quem não se enquadra no status social de nossos membros. Nossas Igrejas mais se parecem com organizações culturais que prestam atendimento religioso para seus associados”.
E como se mostra este “status social” de nossas comunidades urbanas? Esta pergunta atinge o cerne da nossa identidade luterana no meio urbano. Somos uma Igreja trazida ao solo brasileiro por imigrantes, predominantemente, de origem germânica. A referência a nossa origem nos remete para fora do Brasil. Este é um fenômeno bastante comum no protestantismo brasileiro. Metodistas, Batistas, Presbiterianos e até Igrejas Pentecostais surgiram com imigrantes de diferentes países. Contudo, diferentemente dos Luteranos, estas Igrejas rapidamente assumiram a cultura local, adotaram o português como idioma do culto, esforçaram-se para a formação de um clero nacional e adaptaram a estrutura eclesiástica às condições e demandas do povo brasileiro. E o mais importante, todas estas Igrejas, depois de certo tempo, deixaram de ser Igreja de imigrantes para se transformar em Igrejas missionárias, o que transformou profundamente seu rosto e sua identidade. Deixaram de ser Igrejas étnicas para se transformar em Igrejas brasileiras.
Os luteranos optaram por outro caminho. Preferiram adotar o germanismo como definidor de sua identidade. Isto se mostrou na preservação do alemão como língua de culto, na ausência de qualquer esforço missionário, na condução das comunidades exclusivamente por teólogos e missionários alemães, na preservação e reprodução da cultura alemã como critério definidor de sua identidade. Antes de sermos luteranos, éramos a Igreja Evangélica Alemã. Ainda hoje, muitos nos identificam como a igreja dos alemães. Assim, o luteranismo é uma identidade bastante recente entre nós, uma identidade a espera de ser assumida e construída. Se não o fizermos, o luteranismo brasileiro permanecerá uma espécie de apelido que adotamos, quando o germanismo, por razões históricas, se mostrou impraticável.
Temos, pois, ao menos dois desafios enormes a vencer, se pretendermos inscrever o futuro do luteranismo brasileiro na pauta de nossas preocupações: a) Como assimilar em meio urbano o perfil de uma Igreja de raízes agrárias, na medida em que o próprio mundo rural assume, cada vez mais, o ethos do mundo urbano? b) Como lidar com a herança germânica que já não se sustenta como referencia de pertencimento em contextos cada vez mais plurais, difusos e contraditórios como são os espaços metropolitanos?
Em 2017, o luteranismo mundial celebrará seus 500 anos de existência. Os preparativos desta celebração já se fazem notar em diferentes lugares e com múltiplos sentidos: festas, celebrações, publicações etc. Temos uma oportunidade singular para a reflexão e a definição de horizontes da Igreja que queremos ser. Tempo propício para a imaginação criativa! Segundo Lutero, cristãos e cristãs são seres portadores de uma liberdade específica e especial: uma liberdade que se efetiva na prática do amor incondicional. Livres para servir, verdadeiros carregadores de cruzes. Lutero atualizou para seu tempo a orientação do apóstolo Paulo aos Gálatas: “Carreguem os fardos uns dos outros, e assim vocês estarão cumprindo a lei de Cristo” (Gal 6.2). Por que não adotar esta orientação como lema e horizonte de ação para repensarmos a identidade luterana em contexto urbano?
Penso que temos uma oportunidade singular para a afirmação de um diferencial, que nos distingue de Igrejas que adotaram a lógica da sociedade de consumo como caminho de salvação. Contudo, a credibilidade deste diferencial dependerá de nossa capacidade em demonstrar que a justificação pela fé se concretiza num estilo de vida, pessoal e comunitário, muito mais que em discursos e doutrinas.
Que Deus nos ajude.
Lauri Emilio Wirth


Estimados/as!

Quem ama, questiona; que usa para os seus interesses, critica que ama de forma questionadora. Nosso colega Lobo nunca pediu que concordássemos com ele. Ele exerce a liberdade evangélica de se posicionar, o que hoje é uma ave rara em nosso sociedade. Acho que devemos defender a publicação de vários posicionamentos. É no debate que buscamos um rumo para a morte lente de nossa Igreja.  Lobo, ama a IECLB. Isto é inquestionável. Repito, ele não pede que concordemos com ele. Se ele estiver equivocado, o debate dirá.

Sinto falta de um olhar em nosso debates. Penso que falta na reflexão teológica na IECLB alguns temas  quentes. Primeiro, não podemos ignorar que somos uma igreja unida, com várias tendências teológicas. E assim continuará. O projeto de  uma postura única – luterana ortodoxa – quebra a IECLB. A tendência hegemônica na IECLB não é garantia de confessionalidade correta. Por que?  Vamos ao segundo ponto, pouco considerado. A maioria dos membros faz parte de um complexo de variáveis que poderia ser assim caracterizado: somos uma igreja que se assentou num processo  alheio ao evangelho, a imigração alemã. Em outras palavras, a imigração é o cavalo sobre o qual  tentou-se montar uma Igreja. Nunca avaliamos seriamente este processo. Não questiono o fato de sermos uma igreja étnica e de pequenos agricultores. Mas a etnia está se dissolvendo. Como as variáveis se integram, a dissolução duma enfraquece a outra. Outro ponto, mais no passado que no presente, a IECLB foi igreja de pequenos agricultores, que fizeram um rastro de crimes ecológicos do sul ao norte, por ignorarem  a sustentabilidade ou por  participarem de um processo de colonização governado por uma capitalismo cruel no campo. Novamente, fazemos parte de processos maiores que nos definem a partir de fora. Em suma, colocamos  sobre o alicerce da imigração um projeto de Igreja; até hoje formam duas camadas distintas, que não se interpenetram, ou quando ocorre, o ser Igreja subsume no projeto de manter uma cultura/s. A maioria das comunidades tradicionais mais parecem um centro cultural com um departamento religioso, prestador de serviços rituais. Num dos desfiles das festividades  das imigração alemã o locutor anunciou o bloco das igrejas. De repente é anunciada a Assembleia de Deus. Vem um grupo de mulheres com cabelo amarrados, vestidos longos, todas com a Bíblia sobre o coração. Este bloco é seguido pelos luteranos. Identifico membros do coral e da OASE, gente combativa no dia a dia da comunidade, mas sem nenhuma identificação eclesial. Estavam com roupas típicas  das oktoberfest. A vizinha do lado comenta – é a igreja do alemães! Não sou contra as manifestações culturais, apenas acho que qualquer associação cultural poderia fazer isto, e não uma comunidade de fé. Cito este exemplo para demonstrar um problema: estamos acoplando longe do chão a ideia de uma igreja evangélico-luterana a um projeto do passado de colonização/imigração alemã. Para o membro comum - aquele que nossa querida pastorada chama de  4 rodas( batismo, confirmação, casamento e sepultamento -, isto ainda é normal. É sua vida. Isto  denomino de luteranismo cultural. Sim, este luteranismo cultural está sendo enfraquecido, também pelo pluralismo eclesial no Brasil. O pluralismo religioso é pequeno em nosso país. Cada vez somos mais cristãos, no Brasil. A membresia majoritária do luteranismo cultural tornou-se base frágil para a IECLB. Muita gente sábia confunde o luteranismo cultural com confessionalidade evangélico-luterana. É o grande centro da Igreja, mas cada vez mais fragilizado.  Esta tendência hegemônica a partir de baixo, cada vez menos sustenta um proposta de igreja. Por isto que as decisões de concilio se tornam irrelevantes para a maioria na base, embora legais.  Esta base do luteranismo cultural  fragiliza as decisões de concílio. Outro problema é o da representatividade. Nos órgãos superiores da IECLB a representação afirma-se num público minoritária de classe média urbana. Como no urbano está a nossa maior fragilidade – como procurei problematizar a cima – a maioria não se sente representada na IECLB. Temos ai um novo descompasso que nos fragiliza enquanto igreja. Por este viés, seremos cada vez mais minoritários. Precisamos dialogar com nosso luteranismo cultural e com as sombras de uma igreja com base rural. Fazer de conta que estes fatores são irrelevantes, nos fragiliza mais. Enquanto forças hegemônicas de governo na IECLB buscarem sua sustentação no luteranismo cultural em dissolução, nenhum projeto vai avançar. O Evangelho está sendo traduzido, pela maioria da base, para um registro do luteranismo cultural com sombreamento rural bastante conservador ideologicamente. Vejo isto em minha paróquia.  Há trinta anos leio que nossa paróquia tem em torno de 1700 membros, famílias ou indivíduos.  Os boletins sempre mostram muita gente entrando, mas o número não se altera. E somente 20% carrega financeiramente a Comunidade.  O não contribuir financeiramente é sinal de  laço frágil.  É uma excelente prova de que o luteranismo cultural está se esvaindo. A IECLB urbana está perdendo gordura e ganhando musculatura. Até  quando? Os textos dos evangelhos que narram curas de cegos deveriam  estar  na ordem do dia da pregação. Mas sem perder a noção de que  somente os outros precisam recobrar as vistas. Apenas um opinião vinda do coração. Apenas um ponto de vista. Estou com pressa. Não corrigi o texto.

Oneide

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