17 de outubro de 2012

"Noção histórico social da energia, especialmente, a elétrica"


Dorival Gonçalves Junior


5.4 O valor trabalho social, o movimento na produção e a noção força

Compreender a indústria de energia elétrica, exige verificar que a noção de energia tem sua gênese e resulta desta relação social - capital e trabalho - em que intensificar e transformar o processo do trabalho é uma necessidade que se impõe. Por isso, a abordagem aqui empregada considera a "energia", neste estudo especialmente a eletricidade, não como algo objetivo na natureza e que os humanos através das ciências da natureza foram capazes de descobri-Ia e lhe dar utilidade. Isto é, compreender a energia elétrica não se trata de um estudo voltado às propriedades químicas, físicas e mecânicas que independente das relações sociais de produção humanas estavam dadas historicamente. Nada mais absurdo, que tentar fazer qualquer afirmativa acerca da energia demandada pelas sociedades anteriores a capitalista. Na sociedade feudal ou na sociedade escravista a noção de energia não tinha sentido material. As relações sociais de produção não determinavam uma relação com a natureza que os obrigassem a desenvolver esta noção. As relações objetivas que os humanos estabelecem com a natureza são social e historicamente construídas dentro dos processos de organização da produção segundo as relações sociais estabelecidas. A "eletricidade", historicamente, enquanto manifestação "abstrata" da natureza, a humanidade a conhece milenarmente. Registros históricos dão conta que Tales de Mileto, que vivera em 600 a.C., já havia apontado a propriedade de determinados materiais que submetidos a certas condições - o atrito - apresentavam reações especiais como as de repulsão e/ou atração entre si. Porém, aquela sociedade não viu nesta manifestação da natureza um potencial instrumento de produção. Por isso, a noção de eletricidade na sociedade grega não existiu. O mesmo pode ser dito sobre a maquina a vapor de Heron, que por volta de 70 a 10 a.C, já havia construído e manuseava um dispositivo que produzia movimento mecânico a partir do calor. Dispositivo que, ao invés de produzir a revolução industrial na Grécia - como se equivocam os historiadores idealistas que atribuem a maquina a vapor a revolução industrial - era utilizado em apresentações teatrais e "encantava a alma dos gregos". Portanto, a indústria elétrica, é aqui, abordada segundo o entendimento expresso por Gramsci:

"O conjunto das forças materiais de produção é, ao mesmo tempo, uma cristalização de toda a história passada e a base da história presente e futura, é um documento e, ao mesmo tempo, uma força ativa atual de propulsão. Mas o conceito de atividades destas forças não pode ser confundido, nem mesmo comparado, com a atividade no sentido físico ou metafísico. A eletricidade é historicamente ativa, mas não como mera força natural (como descarga elétrica que provoca incêndios, por exemplo), e sim como elemento de produção dominado pelo homem e incorporado ao conjunto das forças materiais de produção, objeto de propriedade privada. Como força natural abstrata, a eletricidade existia mesmo antes de sua redução a força produtiva, mas não operava na história, sendo um tema para hipóteses na ciência natural
(e, antes, era o "nada" histórico, já que ninguém se ocupava dela, ao contrário, todos a ignoravam). "
Quando o modo capitalista de produção tende a ser o modo dominante, as forças produtivas estabelecem uma combinação, que dialeticamente, conduzem inexoravelmente a inúmeras contradições, cuja superação exige intensa mobilidade no âmbito social. Assim, os agentes

organizadores da produção visando superar os obstáculos que surgem na produção do "lucro" vão cada vez mais intensificando o movimento através do rearranjo da "natureza", das técnicas, das tecnologias e dos agentes de produção (força de trabalho), de modo que, esta prática produtiva relacionada a um intenso movimento na sociedade implica uma prática subjetiva capaz de representar este movimento existente na produção. É por essa época, dentro destas condições materiais, que quantificar o movimento passa a ser uma questão fundamental na realidade social. Por isso, e não pelo "gênio" de Newton como apresentam os historiadores idealistas da ciência, é estabelecida a poderosa noção de força como aproximação do movimento. Concomitante à noção de força foram refeitos e reconstruídos uma série de instrumentos subjetivos fundamentais à prática produtiva, como a noção de espaço absoluto, a noção de tempo que se repete mecanicamente, a noção de massa invariável, entre muitas outras. As relações e respostas que estas noções desenvolvem, enquanto modo de representar o movimento, vinculam-se diretamente a inúmeras questões dadas pela prática da produção capitalista que se iniciava, a exemplo, do desenvolvimento das denominadas ferramentas simples.

No início, à medida que, os capitalistas conquistam o poder de serem os organizadores da produção executam basicamente dois encaminhamentos visando o aumento dos "lucros". Procuram estender a jornada de trabalho como forma de obter maior trabalho excedente por trabalhador e/ou mobilizam maior número de trabalhadores para aumentar a quantidade de mais-valor. Mas, ao impor maior número de horas de trabalho e/ou ao concentrar um maior número de trabalhadores, a força de trabalho sob o comando direto da classe capitalista, enquanto classe explorada, reage ao processo de exploração procurando impedir a expansão da jornada de trabalho, bem como, reivindicando maior participação nos resultados da produção. Esta reação, de oposição aos agentes organizadores da produção, ocasiona uma diminuição no "lucro" e obriga os capitalistas a desenvolverem meios e estratégias que criem obstáculos às ações da força de trabalho. Assim, como a posse dos meios de produção não é suficiente para estabelecer o controle mais eficiente - para o lucro - da produção é necessário fragmentá-Io.

A manufatura é deste modo "o enriquecimento do trabalhador coletivo, e, por isso, do capital, em forças produtivas sociais, [que] realiza-se à custa do empobrecimento do trabalhador em forças produtivas individuais'. Vale destacar, que este processo se desdobra, também, na concorrência intercapitalista. Pois, o capitalista, que enriquece o seu trabalhador coletivo amplia sua produtividade. Isto lhe permite produzir maior número unidades de valor de uso no mesmo tempo de trabalho que o capitalista que não alterou o seu processo de organização da produção. Assim, ou este último corre atrás do processo de inovação, ou certamente ele desaparece, pois o primeiro por ser mais eficiente- produz cada unidade valor de uso com menor tempo de trabalho - pode inundar a circulação com produtos de menor valor absorvendo os compradores do capitalista que não reorganizou o seu processo de produção. Por isso, - ao contrário da aparência que domina as análises econômicas da atualidade que afirma a concorrência o motor do progresso e da eficiência capitalista -, Marx adverte para "o que a concorrência não mostra é a força determinante do valor que rege o movimento de produção, os valores que estão atrás dos preços de produção e, em última análise, os determinam." Por isso, compreender as mudanças na organização da produção implica necessariamente compreender os processos de transformação no valor.

Assim, instaura-se uma busca permanente de inovações na organização, nas técnicas e nas tecnologias dos processos de produção, visando prosseguir o curso "natural" de acumulação do capital. Desse modo, o poder do capital aumenta sobre os trabalhadores, pois a intensificação da divisão do trabalho concebida pelos capitalistas, de um lado, retira do domínio do trabalhador o conhecimento relativo ao processo da produção, dessa forma "o produto do trabalho aparece ao sujeito responsável pela criação - trabalhador- como algo fora e independente de sua atuação" e por outro, a produtividade aumenta (relação unidades de produtos por horas de trabalho humano), através do menor tempo de trabalho socialmente necessário para produzir uma unidade de valor de uso. Enquanto, esta inovação é domínio de alguns capitalistas, estes podem oferecer mercadorias a menores preços, conquistar consumidores e aumentar seus "lucros".
Contudo, novas contradições emergem, pois o trabalhador - relativamente a sua habilidade - executa o papel de transferir "energia" humana a uma ferramenta que realiza determinada operação. Logo, aumentar a produção significa mobilizar maior número de trabalhadores para atuar sobre um número maior de ferramentas. Isto implica aumento da força de trabalho, que historicamente nunca esteve passiva diante da exploração capitalista. Assim, o capital no interesse de resolver sua expansão - cada vez maior - de lucro atenuando o conflito com os agentes da produção, estimula a criação das primeiras máquinas. Estas, no princípio, correspondem à junção de atos mecânicos produzidos por duas ou mais ferramentas, o limite desta inovação está na quantidade de "energia" mecânica fornecida pelos trabalhadores e em algumas situações por animais conduzidos pelos trabalhadores. Dimensionar a força mecânica é crucial para o desenvolvimento das máquinas que combinam ferramentas. Deste modo, a noção de força, é a força subjetiva que instrumentaliza e potencializa a prática produtiva dada pelas relações sociais de produção da sociedade capitalista que iniciava a sua célere expansão.

A expansão da produção depende da possibilidade de disponibilizar maior quantidade de força mecânica às máquinas. Estas, cada vez mais, reúnem um maior número de ferramentas provocando o aumento da força mecânica requerida. A força humana e animal não são mais suficientes. Assim, máquina a vapor que já era utilizada para retirar água das minas de carvão, é desenvolvida no sentido de através da utilização de grandes quantidades calor obter elevadas quantidades de trabalho mecânico a serem disponibilizadas nos processos de produção. A máquina a vapor amplia e expande a capacidade de produção da sociedade capitalista. A concentração de força mecânica implica o desenvolvimento de máquinas que realizam, em algumas situações, o trabalho equivalente a centenas de trabalhadores. Ou seja, a relação unidade de produtos por tempo de trabalho humano apresenta um crescimento fantástico. Outro resultado é o aumento da massa de produtos em circulação, com a utilização da máquina a vapor nos transportes - navios e trem de ferro -. A máquina a vapor constitui inovação tecnológica que combina resultados significativos, simultaneamente, em duas instâncias cruciais à acumulação capitalista: na produção - momento da criação do trabalho excedente e/ou mais-valia incorporada na mercadoria - e na circulação - momento de conquista da mais valia na forma de dinheiro - de mercadorias.

Cabe aqui recuperar o mais valor. Este é resultado da diferença do valor criado pelo trabalho do trabalhador social durante o tempo em horas, com o valor necessário a reprodução do trabalhador social em horas de trabalho. Por isso, o mais valor pode ser ampliado de dois modos. Primeiro, pelo aumento do número de horas trabalhadas durante a jornada de trabalho, a chamada mais valia absoluta. Segundo, pela diminuição do valor necessário a reprodução do trabalhador social, em horas de trabalho, esta é a denominada mais-valia relativa. Quando a extensão da jornada se torna obstáculo, os capitalistas são incentivados a direcionarem seus esforços de exploração do trabalho para a mais-valia relativa. Assim, a inovação tecnológica aparece como uma trajetória interminável na sociedade capitalista, pois o aumento da produtividade pode ser obtido, de um lado, através de medidas que aumentam a produtividade dos sistemas de produção que produzem bens e serviços destinados à reprodução dos trabalhadores (alimentos, moradia, saúde, transportes, educação, etc.) diminuído o valor da força de trabalho; ou de outro aumentando a produtividade nos próprios sistemas industriais, em geral. Para melhor compreender esta última, suponha uma condição de produtividade no trabalho em que o trabalhador social trabalhe 50% da jornada de trabalho para si e os outros 50% para o capitalista. Agora admita que a produtividade dobre, isto é, durante a jornada de trabalho o trabalhador social produz duas vezes o que produzia antes. Isto significa que o trabalhador precisa trabalhar apenas 25% da jornada de trabalho anterior para obter o valor necessário a sua reprodução.

Assim, a máquina a vapor, enquanto tecnologia que por meio da reação de combustão converte a "energia" armazenada (pela fotossíntese) de uma matéria qualquer da natureza (madeira, carvão mineral ou vegetal, entre outros) em "energia "na forma de calor com a finalidade de transferir a "energia" na forma de calor a um fluido, por exemplo, a água. A água quando absorve calor, suas moléculas ganham "energia cinética" e se expandem. Esta "energia cinética" contida no fluido se estiver pressionando um êmbolo pode transferir a "energia" e/ou força mecânica do fluido sobre a peça, produzindo nesta um movimento mecânico. Situação análoga das turbinas a vapor, que são construídas de modo que o vapor ao percorrer as palhetas da turbina, transfere parte da energia cinética contida no fluido para as palhetas, logo ao eixo da turbina, que devidamente acoplada a uma máquina qualquer, fornece a energia mecânica a esta.Assim, esta tecnologia de conversão de grande quantidade de "energia" - máquina a vapor -, que pode ser localizada e transportada para qualquer lugar, respeitadas certas condições, irá possibilitar a expansão da produção capitalista marcada por um intenso processo de urbano-industrialização, em face das inúmeras vantagens, a exemplo, da concentração do trabalho humano, resultado das circunstâncias de localização. Destaca-se, assim, que nessa época, ao contrário de hoje, a tecnologia a vapor para obtenção de trabalho mecânico superava, por exemplo, a tecnologia de obtenção do trabalho mecânico a partir dos aproveitamentos de potenciais hidráulicos. Pois, estes determinavam a construção das instalações (roda hidráulica) industriais dispersas e localizadas junto aos mananciais que ofereciam força hidráulica. Isto não permitia a expansão da produção capitalista aos moldes da grande indústria, ou seja, o urbano- industrial. Porém, as contradições não cessam, o conflito trabalho-capital se intensifica, na medida em que, o grau da exploração capitalista, agora proporcionado pelo aumento da força de trabalho reserva (desempregada), confere maior poder aos capitalistas para "negociar" o valor da reprodução da força de trabalho. Ademais, esse aumento da capacidade de produção acirra ainda mais, o conflito ocasionado pela concorrência entre os capitais para controlar os setores de produção que apresentam maior lucratividade.

Por isso, os limites desta tecnologia - máquina a vapor - serão, ato continuo, conhecidos. Processos industriais sempre mobilizam uma série de máquinas. A solução de colocar uma máquina a vapor para cada máquina é praticamente inviável, as determinações tecnológicas implicam um complexo sistema com custos elevados em capital fixo. A concentração de uma máquina para a produção de vapor, até hoje empregada, principalmente, para distribuir vapor de aquecimento, é uma solução. Mas, distribuir vapor para produção de força mecânica, esbarrava-se nas elevadas perdas de transporte e de transformação nas máquinas, e a superação técnica desta questão impõem elevados custos nas instalações, isto é, este tipo de instalação é intensiva em capital fixo. Outra forma que se fazia - com eficiência técnica inferior a anterior - era a distribuição da força mecânica por meio de um eixo que a partir da máquina a vapor percorria a instalação, dispondo sobre o eixo polias para transmitir por meio de correias a força mecânica às máquinas a serem acionadas.

Outro fator limitante que despontava relacionado à intensa utilização desta tecnologia, era a disponibilidade dos elementos materiais ao seu funcionamento. Pois, como se trata de um sistema de conversão de "energia" que necessariamente passa pelo processo de transformação no estado de alta temperatura - o que mostra a sua baixa eficiência técnica, grande quantidade de "energia" na entrada com pouca "energia" útil na saída -, demanda elevado volume de água, já que a troca de calor implica a existência de fonte fria e quente. Além disso, como a produção de calor é feita através da combustão, isto confere grande demanda de substâncias intensivas em "energia" química (carvão mineral e/ou vegetal, petróleo, entre outros). Assim, como todos estes elementos não são distribuídos de forma isonômica na superfície terrestre, acabam influenciando diretamente os custos do funcionamento.

Desse modo, aqueles capitalistas que dispõem dessas fontes: água e fontes de "energia" química, próximas aos seus sistemas de produção obterão lucro maior em relação aos outros, pois como afirma Marx: "O superlucro que um capital individual realiza numa esfera especial da produção ... provém, se afastarmos desvios fortuitos, de uma redução no preço de custo, nos custos de produção." Assim, a necessidade de novas tecnologias, continuava posta ao capital, seja pela necessidade permanente da expansão da produção-circulação como forma de, cada vez mais, se apropriar do trabalho excedente, seja pela concorrência intercapitalista existente, proporcionada pela luta entre estes por lucros diferenciados, pois segundo Marx:

"As taxas industriais de lucro nas diversas esferas produtivas são, por si mesmas, mais ou menos incertas, ... o que se revela não é sua uniformidade, mas a sua diversidade. A taxa geral de lucro, aparece como limite mínimo de lucro e não como forma empírica, diretamente visível, da taxa real de lucro .... , a taxa de lucro pode variar inclusive dentro da mesma esfera, para mercadorias com o mesmo preço comercial, de acordo com as diferentes condições em que os diferentes capitais produzem a mesma mercadoria, porque a taxa de lucro para cada capital não se determina pelo preço comercial de uma mercadoria, mas pela diferença entre o preço de mercado e o preço de custo.

Quando o processo industrial decorrente da tecnologia a vapor começava a mostrar seus limites sociais de expansão, na Inglaterra, centro irradiador do modo de produção capitalista, no final do século XVIII e início do XIX, já estavam sendo realizados os principais experimentos que buscavam estabelecer relações entre os fenômenos da eletricidade, do magnetismo e do movimento. Em 1785, Coulomb traz a público seus estudos sobre eletrostática, resgatando uma antiga observação, de que certas matérias da natureza quando atritadas apresentam a propriedade de serem atraídas e/ou repelidas. As condições materiais de produção já haviam estabelecido uma simbolização, representada na interpretação Newtoniana do Movimento, que permitia relacionar os efeitos verificados pelas propriedades elétricas ao movimento mecânico. Assim, o enunciado de força elétrica entre duas cargas pontuais como: "diretamente proporcional ao produto do valor das cargas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que separa as cargas, variando com uma constante que representa a qualidade do meio de ser permeável ao campo elétrico produzidos pelas cargas". Este modo proclamado para os fenômenos de natureza elétrica possui, como se observa, estreita relação com o enunciado de Newton para justificar a força gravitacional. Apesar da transposição da interpretação mecânica para a elétrica, isto não desvaloriza o salto qualitativo dado no conhecimento humano, com esta relação estabelecida entre força mecânica e elétrica. Destas verificações muitas questões fundamentais colocadas pela natureza do movimento puderam ser relacionadas possibilitando o início de uma modelagem/quantificação dos fenômenos elétricos em equivalentes mecânicos.

Outra experiência marcante do início do século XIX (1819) foi a observação das interações: elétrica - magnética - mecânica, verificada por um experimentador - Oersted - ao examinar certos fenômenos relacionados à corrente elétrica, ele percebeu um efeito mecânico produzido sobre uma agulha magnética em uma bússola próxima ao circuito elétrico. E, esta manifestação só acontecia no momento em que ligava ou desligava o circuito elétrico. Esta singela observação determinou a explicação do fenômeno natural de que o movimento elétrico em um corpo - material condutor elétrico - é capaz de produzir num segundo - material magnético - um movimento mecânico. Um ano após esta observação, um experimentador da época, sugeriu à construção de um sistema de comunicação precursor do telégrafo. Este conhecimento, que é sem dúvida, um dos principais alicerces que permitiram posteriormente o desenvolvimento de grande parte das tecnologias que deram origem a indústria elétrica, é visto neste estudo como resultado tecido internamente nas relações sociais de produção capitalista.



5.5 O império das "transformações" na produção capitalista e a noção energia.
Assim, a realidade da intensificação das mudanças na sociedade capitalista, começa a colocar questões que evidenciam os limites da subjetivação proporcionados pela noção de força, adequada a quantificação do movimento mecânico, porém, insuficiente para quantificação das transformações. No campo da produção, a busca permanente do mais valor, agora, também pela mais-valia relativa, a incorporação de processos tecnológicos visando o aumento da produtividade do trabalho social, implica muitas contradições. Uma delas é o aumento do chamado capital fixo que determina maior duração nos processos de produção e circulação do capital. Aqui, cabe acrescentar alguns elementos fundamentais da representação valor trabalho social, com a finalidade de amparar os argumentos subseqüentes relacionados aos primórdios da produção da eletricidade e de sua respectiva subjetivação.

A acumulação e expansão do capital é respectivamente um processo social de apropriação do trabalho excedente (mais valia) e um processo de aplicação deste na forma de capital de forma crescente. Assim, como a sociedade capitalista é uma sociedade de classe, a produção é realizada sob a hegemonia da classe capitalista, cujo poder está representado na propriedade do capital. Nesta, o processo de produção segue - sinteticamente - o seguinte curso. O capitalista, de posse do capital na forma dinheiro, vai ao mercado e transforma seu dinheiro em mercadorias. Os meios de produção, compostos de: infra-estrutura física, máquinas, equipamentos, e outros bens materiais empregados diretamente na produção. Encontra e compra, também, no mercado força de trabalho dos trabalhadores. Agora, como proprietário das mercadorias, organiza a produção para que a força de trabalho transfira aos bens ou serviços o valor e/ou frações de valor dos meios de produção, de modo que, ao fim da jornada, seja gerado um novo valor total de bens ou serviços que corresponda: ao valor transferido dos meios de produção; ao valor necessário a reprodução da força de trabalho; e mais um valor excedente e/ou mais valor. Por isso, o capitalista comanda o uso da força de trabalho para conservar o valor dos meios de produção - enquanto esta transfere valor -; para criar o valor que a reproduz, e também, para gerar o valor excedente. Marx denominou o capital empregado nas mercadorias meios de produção, que participam, direta ou indiretamente, na criação de valor de outras mercadorias - através da transferência de seus valores ou frações de valores pelo trabalho do trabalhador - de capital constante. Estas, são assim denominadas porque não alteram o seu valor no processo de produção, cabe ao capitalista organizar o processo do trabalho de modo a garantir que o trabalhador transfira a totalidade de seus valores às mercadorias criadas. Por isso, a força de trabalho é a única mercadoria - na sociedade capitalista - capaz de conservar e gerar valor maior do que o seu próprio valor. Daí a denominação de capital variável, dada por Marx, ao capital utilizado na compra da força de trabalho.

Assim, o valor é gerado na produção, e nasce com o trabalho do trabalhador, pois o trabalhador vende sua capacidade de realizar trabalho e não o que realiza de trabalho sob o mando e direção do capital. Desse modo, o capital ao fazer uso da força de trabalho na produção, faz no sentido de que o trabalhador, durante a jornada de trabalho, lhe restitua o que empregou para sua contratação - capital variável - mais um valor excedente, também chamado de mais-valia. Esta, a mais valia, corresponde a trabalho não pago ao trabalhador, o qual, é incorporada a mercadoria. No entanto, o valor gerado na produção contida na mercadoria só se consolida como valor se vendido no mercado e trocado por dinheiro. Pois, o poder de controlar a produção do capital está no poder representado no dinheiro, que confere ao capitalista a capacidade de comprar meios de produção e força de trabalho no mercado. O capitalista retorna ao mercado, após a produção, agora como vendedor de mercadorias, mas com mercadorias que estão dotadas de mais valor. E, ao vendê-Ias, objetiva na venda receber em dinheiro, o capital empregado constante - compra dos meios de produção /ou fração destes - e variável - compra da força de trabalho - adicionado ao mais-valor gerado pelo trabalho não pago ao trabalhador.

Neste sentido, outras noções básicas são acrescentadas visando melhor entender o processo de valorização do valor, pois o valor se mede pelo e no tempo. O tempo que mede o valor não é uma grandeza padrão. Como a produtividade do trabalho varia, o valor varia, pois o tempo de produção altera, por isso, é "socialmente determinado" como tempo de trabalho necessário. Assim, o valor de uma mercadoria é dado não pelo tempo e ou duração para a sua realização, mas sim pelo tempo social - presente ou atual - necessário à sua reprodução. Desse modo, como o valor se valoriza quanto menor o tempo social necessário, esta é uma sociedade impregnada e premida pela duração que deve sempre se encurtar. Daí, o tempo empregado para produzir uma mercadoria é denominado ''período de produção". E o tempo utilizado para realizar o valor, que está "personificado" na mercadoria, por meio do processo de troca se chama tempo de circulação. E o tempo total - produção/circulação - denomina-se tempo de rotação do capital, o tempo que leva o valor de determinado capital para realizar-se desde a produção até a troca por dinheiro, ou seja, é a soma do período de produção e o tempo de circulação.

Deste conjunto de relações da representação do valor trabalho social, verifica-se que as noções de capital variável e constante dão conta de mostrar as diferentes quantidades de valor envolvidas na produção, bem como, determina a quantidade que é responsável pela geração do valor - capital variável-. Estas permitem importantes relações.

A primeira relação é a taxa de mais valia (Tmv) ou taxa de exploração expressa pela razão entre o trabalho excedente e o trabalho necessário ou a relação entre a mais-valia (mv) e o capital variável (cv), dado pela expressão: Tmv = mv / cv. Esta relação mais do que uma razão numérica, expressa a relação social contraditória entre capital e trabalho da sociedade capitalista, onde a taxa de exploração da classe capitalista sobre a classe trabalhadora para aumentar está condicionada pelo aumento da jornada de trabalho, ou pela redução do salário real dos trabalhadores, ou ainda, pelo aumento da produtividade na produção. Historicamente, no capitalismo, todos estes recursos são usados sistematicamente e combinados de diversas formas para a reprodução das relações sociais que garantem a acumulação do capital.

A segunda relação (usando as noções de capital variável (cv) e constante (cc)) é a razão entre o capital constante e o capital total empregado - adição do variável e o constante -, chamada de composição orgânica do capital (coe). Esta é representada pela seguinte expressão: coe = cc / (cc + cv). Ela mostra uma tendência histórica na produção capitalista, na medida em que, procura ampliar a mais valia relativa ocorre uma substituição do trabalho do trabalhador por máquinas e equipamentos aumentando o capital constante na produção, tornando a produção cada vez mais intensiva em capital.

A terceira relação é a denominada taxa de lucro do capital (Tlc), sua denominação já mostra sua razão, isto é, ela é função direta da mais valia (mv) e inversa do capital total empregado na produção (cc + cv), podendo ser representada nas seguintes expressões: Tlc = mv / (cc + cv) ou ainda pela Tlc = Tmv (1 - coe), Esta última expressão representa a lei da tendência decrescente da taxa de lucro. Isto é, a taxa de lucro cresce diretamente com o aumento da taxa de exploração, contudo a produção capitalista apresenta a disposição ao aumento da composição orgânica do capital fato que impõe a tendência à diminuição da taxa de lucro. Destaca-se que esta Lei é considerada controversa na teoria marxista. Contudo, neste estudo, admite-se que grande parte do debate tem sido formulada, por aqueles que procuram interpreta-la exclusivamente como uma expressão matemática, isto é, como uma lei objetiva. O que não cabe nas expressões marxistas, uma vez que, estas devem ser analisadas segundo a perspectiva histórica e como função das relações contraditórias que emergem do interior das relações sociais de produção capitalistas.

Assim, estas relações associadas ao tempo social da produção, requerem também supor o processo da produção como constituído de capital que se divide em duas partes em relação a seu emprego no tempo. Uma parte do capital é completamente consumida durante a produção, como o capital empregado no pagamento da força de trabalho e outros corpos materiais que entram diretamente na composição das mercadorias produzidas (matéria prima e outros materiais). Esta parte do capital é denominada capital circulante. Uma segunda parte do capital corresponde ao capital empregado nos bens que são "consumidos" gradativamente durante o processo de produção, como as máquinas, os equipamentos, as instalações, entre outros. Estes são chamados de capital fixo. O montante destes dois capitais (capital circulante e capital fixo) reflete sobre importante aspecto do processo de produção capitalista que é: "0 tempo necessário para que o valor investido em determinado capital retome como resultado da venda de todas as mercadorias em cuja produção entrou é o tempo de rotação do capital .... esse tempo é muito maior para o capital o fixo que para o circulante."

Daqui, tendo como referência este conjunto noções e relações que decorrem da teoria do valor trabalho social para análise dos sistemas de produção da sociedade capitalista, verifica-se que os capitalistas são estimulados a promover a inovação tecnológica visando a mais valia relativa. Isto acaba levando a ter cada vez mais instalações de produção com máquinas e equipamentos sofisticados tecnologicamente, e que encerram quantidades de valor com elevados tempos de rotação. Assim, a tendência histórica da produção capitalista de ser cada vez mais intensiva em capital. Isto é, o capital fixo, que por um lado, traz o "benefício" do aumento da produtividade, e conseqüentemente, da mais valia relativa, por outro, o capital investido - capital fixo -, por exemplo, numa máquina, bem como, os outros insumos de capital constantes têm que ter seu valor transferido e realizado nas mercadorias produzidas pelo trabalho do trabalhador, isto comumente, leva ao problema de aumentar o tempo de rotação do capital. Este traz conseqüências à lucratividade, já que os sistemas de produção com tempo de rotação mais curto realizam o valor mais rapidamente, o inverso, também, pode acontecer.

Assim, referenciado neste conjunto de relações engendradas a partir da teoria do valor trabalho social, é possível retornar a meados do século XIX, não sob a visão cronológica, mas segundo o contexto da prática produtiva, social e simbólica, que, cada vez mais, implicava sistemas de produção mais complexos, em face das máquinas, equipamentos e dos processos de produção voltados, também, a ampliação da mais valia relativa. Inicia-se, deste modo, o aumento do trabalho morto fixado a produção, fato que ocasionava o aumento do tempo de rotação capital como resultado do aumento do capital fixo na produção. Um problema imediato ao capital fixo, vincula-se a sua condição de capital constante que é gradativamente consumido pelo seu uso, em geral, ao longo de vários períodos de produção, no qual, o valor pago pelo capitalista tem que ser restituído. Em síntese, diz respeito ao problema de como assegurar o consumo produtivo dos capitais fixos nas instalações de produção. Abstraindo os problemas decorrentes da realização (circulação) do valor, o consumo produtivo depende fundamentalmente das condições existentes no processo da produção, a exemplo, da jornada de trabalho, da intensidade do trabalho, da durabilidade e da eficiência dos bens em capitais fixos, pois estas características influenciam diretamente o tempo de transferência de seu valor às mercadorias produzidas.

Por isso, aumentar o controle de todos os processos é necessário. A prática produtiva e social, cada vez mais, coloca questões que a representação ligada exclusivamente à determinação do movimento não dá mais conta de responder. A força é movimento explicando movimento, esta não esclarece como e que quantidades da natureza produzem o movimento. Em síntese, a força não explica as transformações que determinam o movimento. A nova realidade social da produção intensiva em capital fixo exige uma representação que dê conta das transformações, como diz Gramsci:

"Sem o homem, que significaria a realidade do universo? Toda a ciência é ligada às necessidades, à vida, à atividade do homem. Sem a atividade do homem, criadora de todos os valores, inclusive os científicos, o que seria a "objetividade"? Um caos, isto é, nada, o vazio, se é possível dizer assim, já que, realmente, se se imagina que o homem não existe, não se pode imaginar a língua e o pensamento. Para a filosofia da práxis, a atividade da matéria, o sujeito do objeto; se se faz esta separação, cai-se numa das formas muitas de religião ou na abstração sem sentido."

Por isso, a energia não é algo dado, e nem estava determinada na e pela natureza. A energia é uma noção humana, histórica e socialmente produzida diante determinadas necessidades concretas da relação social de produção que precisa aproximar-se das transformações com maior precisão, conhecendo as suas modalidades e quantificando-as em seus processos. Isto é, na relação social em que o tempo de trabalho socialmente necessário na produção deve incorporar e combinar à noção do tempo de rotação do capital. A diversidade dos meios de produção - capital constante - com diferentes tempos de rotação envolvidos na produção/circulação em processos que se transformam. É nesta condição social de produção que o controle ''preciso" das transformações é uma necessidade concreta da prática social e produtiva que reivindica outra representação. Por exemplo, o funcionamento de uma máquina a vapor - de modo simplificado - implica considerar: o tipo e a quantidade de matéria a ser submetida ao processo de combustão visando identificar a utilização daquela que libera maior quantidade de calor por unidade de volume; na combustão as condições de "queima" da matéria utilizada tem que ser dimensionada como forma de poder aproveitar adequadamente a matéria "queimada", bem como, otimizar a utilização do calor liberada neste processo; o calor liberado deve ser transferido ao fluído segundo condições que determine no fluído máxima absorção do calor combinado a condição de máxima manifestação mecânica no fluído; o fluído - agora enriquecido de movimento mecânico - deve ser conduzido e transmitidos a peças mecânicas, as quais, tem que ser dimensionadas para absorver o máximo do movimento do fluído e a peça que recebe o movimento do fluido deve transmiti-Ia do modo mais eficiente as máquinas que aciona.

Assim, a noção energia não é algo objetivo na natureza sem vestígios sociais. O objetivo na natureza-social são as transformações que os seres sociais, do modo de produção capitalista, realizam na interação produção social. Desse modo, a energia é uma noção desenvolvida, no interior da sociedade capitalista, frente a necessidade de compreender - quantificar e qualificar - as transformações objetivas decorrentes da incorporação de fenômenos naturais como forças produtivas para fortalecer e intensificar a reprodução do valor. Por isso, a noção de energia:
- "energia é a capacidade de realizar trabalho";
- "a energia no universo é constante";
- "a energia sempre se transforma aumentando a entropia"; e
- a "entropia" a noção que indica a eficiência das transformações, isto é, toda vez que ocorre uma transformação parte dela decompõe-se em calor que se esvai junto ao meio em que se realizam as transformações.

5. 6 O nascimento de um novo "elemento de produção" e os primeiros passos da indústria elétrica mundial
A noção de energia "nasce" concomitante a uma série de experimentos que vinculavam movimento mecânico, ao magnetismo e a eletricidade. Um destes ensaios mostrava que o fornecimento de energia mecânica a um corpo com características magnéticas, podia sob certas circunstâncias, transferir a energia mecânica para um segundo corpo com certas propriedades elétricas, aparecendo nele como energia elétrica ou eletricidade. Deste modo; o observado era nada mais do que a base fundamental daquilo que é denominado, na atualidade, de gerador de energia elétrica ou de eletricidade. Se a energia sempre se transforma, Por que o inverso não é possível? Daí, fornecendo eletricidade a um material que tenha propriedade elétrica este pode interagir com um material que tenha propriedade magnética, de forma a manifestar neste material uma energia mecânica. Estava assim estabelecido o princípio para a produção do motor elétrico. Outro experimento efetuado foi à transferência de energia elétrica de um circuito para um outro circuito elétrico por meio de um acoplamento magnético, sem a existência de ligação elétrica direta entre os circuitos elétricos. Desse modo, ficou constituída a base para a produção do equipamento que permitiu facilitar a difusão da utilização da eletricidade, em face de sua facilidade de ser transportada e distribuída, o transformador. Nestes experimentos constatava-se, também, que os fenômenos de
transformação se davam de forma "instantânea" independendo das distâncias.

Aqui, é importante recuperar no método de investigação utilizado por Marx em todo o seu desenvolvimento da teoria do valor trabalho social como forma de aproximar da realidade social capitalista, onde a categoria contradição aparece como guia para sua construção teórica. A cada contexto novas questões surgem, estas se transformam em contradições que colocam em cheque a reprodução. Isto exige novas soluções que determinaram novos cenários, novos contextos. Contudo, não existe uma teleologia, nem linearidade no método de abordagem. São os homens que fazem à história. O futuro não está determinado, no entanto, as tendências podem ser captadas, e, dadas certas condições, certos encadeamentos de fatos, as tendências podem se verificar. Ressalta-se a constatação de que a finalidade da produção capitalista é o lucro. Isto não significa que a interpretação aqui empregada, supõe esta sociedade dirigida por um ''piloto automático". É o poder social presente resultado da luta e da correlação de forças entre os interesses de classes que determina o caminho que se manifesta como tendência, porém, incerto. Não poderia ser diferente, pois quem procura compreender o caminho para transformá-lo não o imagina determinado. De novo, cabe recorrer a Gramsci, pois este traduz com nitidez o sentido do método/conteúdo "científico" que se procura utilizar neste estudo:

"Na realidade, é possível prever 'cientificamente' apenas a luta, mas não os momentos concretos dela, que não podem deixar de ser resultados de forças contrastantes em continuo movimento, sempre irredutíveis a quantidades fixas, já que nelas a quantidade transforma-se continuamente em qualidade. Na realidade, pode-se 'prever' na medida em que se atua, em que se aplica um esforço voluntário e, desta forma, contribui-se concretamente para criar um resultado 'previsto'. A previsão revela-se portanto, não como ato científico de conhecimento, mas como a expressão abstrata do esforço que se faz, o modo prático de criar uma vontade coletiva."

Assim, a verificação dos efeitos de interação entre os fenômenos relacionados às energias: elétrica, magnética e mecânica, não é interpretada aqui, como determinados segundo processos teleológicos. Estes experimentos, observados por Faraday em 1831, aos quais não Ihes deu nenhuma utilidade prática, no entanto, no ano subseqüente (1832), foi utilizado por Hippolite Pixii que construiu o primeiro gerador de corrente continua. Assim, ao contrário de Aldous Huxley que reverencia Faraday como um dos maiores vultos da "ciência "em seu tempo, dizendo: "se eu pudesse escolher entre ser Shakespeare ou Faraday, teria preferido ser Faraday". O entendimento, neste estudo, é de que os experimentos só foram possíveis, por essa época, pois as condições materiais existentes determinavam uma prática social, produtiva e de representação que possibilitava os meios concretos para a realização destes experimentos.

Assim, o entendimento destes fenômenos colocava a possibilidade do desenvolvimento potencial de uma série de inovações tecnológicas. Delineava, a partir de então, o início da utilização de uma nova modalidade de energia, que no seu processo de construção tem estabelecido uma cadeia produtiva, ainda inacabada. Esta tem marcado profundamente o modo de produção capitalista nos últimos 150 anos, seja pela multiplicidade de aplicações com elevada produtividade do trabalho social nos sistemas produtivos em geral, seja pelas interações sociais econômicas e ambientais contraditórias que são estabelecidas por essas novas tecnologias na sociedade. Por isso - repete-se -, distante das interpretações idealistas, "a eletricidade é historicamente ativa, ... como um elemento de produção dominado pelo homem e incorporado ao conjunto das forças materiais de produção, objeto de propriedade privada."

A primeira utilização prática da eletricidade feita pelo capital foi o seu emprego no telégrafo a fio. Assim, a eletricidade fez sua "estréia" como mercadoria, quando a produção capitalista iniciava a uma nova fase. Isto é, tornava-se capital intensiva e trazia o problema de ter que arranjar estratégias para diminuir o tempo de rotação do capital. Certamente, o telégrafo, ao aumentar a velocidade da informação colocava-se como mercadoria indispensável para os capitalistas. Esta era de fato uma nova mercadoria, pois atendia ao preceito de que "para criar mercadoria, é mister não só produzir valor de uso, mas produzi-Ia para outros, dar origem a valor de uso social". O primeiro uso social e a primeira atividade comercial realizada com essa nova tecnologia foi feita pela Siemens - hoje uma das maiores corpo rações multinacional da indústria elétrica mundial - que já na metade do século XIX atuava na área de construção e implantação de sistemas telegráficos. O seu nome de fundação, em 1847, mostra sua primeira atividade produtiva: Telegrafen-Bauanstalt Siemens & Halske.

Por isso, nada mais "ingênuo" - para não dizer ideológico - atribuir o "nascimento" da indústria elétrica como resultado da iniciativa de um grupo de "inventores" - caso de Thomas Edison, fundador da General Electric, quando jovem foi telegrafista15 -. No entanto, esta é uma história que precisa ser recontada. Pois, os precursores desta indústria foram estes personagens históricos - os inventores - associados aos capitais financeiros em ascensão no último quartel do século XIX. Os pioneiros que acorreram a esta atividade produtiva vislumbraram, desde o princípio, uma elevada potencialidade para gerar valor em face de sua cadeia produtiva. Sua característica é ser fonte de produtos que poupam tempo de trabalho, isto é, produtos que demandam menor tempo de trabalho socialmente necessário para produzir unidades de valor de uso. Por exemplo, a lâmpada elétrica, produto de baixo valor e de grande valor de uso, pela facilidade de emprego, não exigindo manutenção e de fácil substituição, constituiu-se uma revolução nos produtos relacionados à iluminação. Inventada simultaneamente, nos EUA por Thomas Edison, e Joseph Swan na Inglaterra nos anos 1878 e 1879, em face de suas peculiaridades, teve um mercado sempre crescente (facilidade de realização do valor) aos seus fabricantes. Produto de circulação garantida revelou-se elemento fundamental para a expansão da cadeia produtiva da indústria elétrica, uma vez que, não é possível ligar a lâmpada sem a existência de um gerador elétrico e toda uma série de produtos ligados a essa indústria.

Por isso, já nos seus primórdios esta indústria é palco de intensa disputa intercapitalista. Cada novo produto é motivo de luta interminável entre os que detêm o conhecimento do novo produto. A competição para controlar as novas tecnologias sempre foi muito acirrada. A incorporação das indústrias menores pelas maiores ou a fusão coloca a tendência à centralização da produção como particularidade inerente a sua organização produtiva.

No início dos anos 1890 surgia a empresa General Electric Company como resultado da fusão das empresas Edison General Electric Company e a The Thomson Houston lnternational Electric Co. tornando a mais poderosa empresa da indústria elétrica dos EUA, empregando cerca de dez mil pessoas e com o domínio de 75% do mercado de lâmpadas do EUA . Outra grande empresa que foi criada nos EUA é a atual Whestinghouse, em 1869. Esta ao adquirir a Union Switch & Signal obteve patentes importantes ligadas à fabricação de geradores de corrente contínua e de lâmpadas incandescentes, fato que lhe possibilitou sobreviver, apesar das duras investidas realizadas pela General Electric para abocanhar o espaço de mercado que lhe garantia sua existência dentro dos EUA. Mas a sua verdadeira ascensão no mercado de energia elétrica se deu quando, em 1894, a Whestinghouse comprou as patentes dos equipamentos de energia elétrica de corrente alternada. Esta condição lhe permitiu ser reconhecida pela General Electric e possibilitou um acordo, no final do século XIX - Whestinghouse e General Electric -, de compartilhamento das patentes de produtos elétricos e de divisão dos espaços de mercados que perdurou durante todo o século XX. Na Alemanha a Siemens, desde o seu começo, juntamente com AEG (Allgemeine Electricitaets Gesellschaft) foram incorporando outras pequenas indústrias elétricas e seguindo o caminho que a General Electric e a Whestinghouse percorria nos EUA. Estas duas indústrias elétricas alemãs, desde 1883, decidiram renunciar a concorrência e atuar na forma de cartel.

Desse modo, há mais de um século, estas empresas participam do controle de parte substantiva do mercado mundial da cadeia de produtos relacionados à indústria elétrica. Esta prática foi engendrada no princípio da indústria elétrica como declarou Werner Von Siemens, em 1883, em carta dirigida ao seu irmão: "acredito que a política certa seja agora a de estabelecer as pazes com Edison no mundo inteiro, dominaremos assim a indústria elétrica mundial".

O primeiro cartel da indústria elétrica foi o de lâmpadas incandescentes estabelecido em 1896. A Incandescent Lamp Manufacturing Association patrocinada pela General Electric, Westinghouse e outras empresas. Estes primeiros acordos foram celebrados inicialmente em escala nacional, porém, à medida que, as empresas expandiram-se mundialmente, elas passaram a promover acordos internacionais de partição dos mercados.

5.7 Indústria elétrica: uma cadeia produtiva intensiva em capital

O desenvolvimento da indústria elétrica - inicialmente destinada para comunicação - desde o seu princípio mostrou, aos empreendedores - nesta área, ser intensiva em capital. Pois, a elaboração de um único produto implicava no estabelecimento de toda uma nova cadeia de produtos, cuja maioria tinha que ser desenvolvida a peso de muitos investimentos: na linha de produção; no desenvolvimento de pesquisas; na capacitação dos trabalhadores para realizar os novos produtos; entre outras etapas, uma vez que, até então, não havia conhecimento da maioria dos elementos constitutivos dos novos produtos. Ademais, como novidade, não existia demanda definida. Por exemplo, os primeiros sistemas de comunicação, estes eram dotados de: baterias; relés magnéticos; chaves; fios condutores; etc. Portanto, oferecer um sistema destes implicava pesados investimentos para a confecção do conjunto de produtos, assim como, cada nova instalação obrigava a confecção de um novo projeto (em função da distância), ou seja, os produtos inicialmente estavam longe de serem padronizados. Outro exemplo elucidativo desta situação, refere-se as primeiras experiências de utilização da energia elétrica para iluminação. Estas de imediato colocaram o problema da quantidade de energia elétrica requerida para ser transformada em energia luminosa nas lâmpadas, demonstrando a inviabilidade das baterias elétricas para o fornecimento de eletricidade. Daí a solução foi à busca de meios de produção de energia elétrica mais eficientes, isto resultou no desenvolvimento dos primeiros geradores de corrente contínua, que concomitante, permitiu o desenvolvimento dos motores de corrente contínua. A intensificação da utilização de energia elétrica em corrente contínua, acabou impondo novos limites. Um que se destacava era o problema da produção e transporte de eletricidade em grande escala, em face dos níveis proibitivos dos investimentos em capital fixo nas instalações de geração/transporte motivados pelos níveis de tensão da geração e intensidades de
correntes elétricas dos sistemas destinados ao transporte. Cumpre, observar que o antagonismo motivador das novas tecnologias, não é considerado aqui, determinado pelas dificuldades surgidas objetivamente das técnicas ou tecnologias empregadas, estas surgem da relação social dominante movida e estimulada pelos seus objetivos de gerar valor. Por isso, cria e desenvolve produtos visando atender ao preceito dê ser feita com o menor "tempo trabalho socialmente necessário por unidade de valor de uso", este é o ''padrão'' do valor que dá a direção da organização da produção na sociedade capitalista.

Para dar conta destas questões, os novos avanços na indústria elétrica acabaram impondo o desenvolvimento de outras áreas tecnológicas. Uma situação exemplar, foi a tecnologia de transformação de energia hidráulica, utilizada por tempos imemoriais, agora, dada as necessidades impostas pela relação social, bem como, instrumentalizada pelas novas subjetivações permite uma revolução com o desenvolvimento das primeiras turbinas hidráulicas. Isto permitiu o emprego de turbinas robustas com capacidade de transformação de grandes quantidades de energia mecânica, as quais, disponibilizadas nos eixos dos geradores de energia elétrica, criavam as condições para a oferta de eletricidade em grande escala. Este acontecimento implicou no desenvolvimento dos geradores e motores de corrente alternada, bem como, dos transformadores, equipamentos fundamentais para o processo de evolução do transporte de energia elétrica.

No entanto, apesar das características técnicas em termos de eficiência a maioria das tecnologias de energia elétrica não teve facilidade para conquistar a sua demanda. Isto mostra que a seleção desta ou daquela tecnologia na sociedade capitalista não é uma função determinada pelos condicionantes técnicos, ou seja, a produtividade técnica ou física é apenas meio para aumentar a expansão do valor. A iluminação elétrica, por exemplo, teve dificuldade para se impor como tecnologia de iluminação na Europa. Pois, nos países europeus, quando do surgimento da indústria elétrica, já existia uma extensa rede de distribuição de gás, e nas regiões que não dispunham da rede de distribuição, o aparecimento do querosene era obstáculo à expansão dessa indústria, situação inversa a verificada nos EUA. No entanto, a indústria elétrica na Europa, ao contrário dos EUA, teve- nos primórdios - utilização predominante como fonte mecânica, ou seja, como motor principalmente na utilização nos transportes urbanos, bondes elétricos e em alguns metrôs, antes da intensificação do uso do automóvel.

Assim, apesar de grande parte das experiências que marcaram a possibilidade do desenvolvimento da indústria elétrica ter sido realizada por experimentadores da Inglaterra e da França, não foram estes países que constataram a imediata expansão da indústria elétrica. Pois, os capitalistas, quando podem, não promovem a alteração tecnológica dos seus meios de produção antes que todo o seu capital fixo tenha atingido o tempo de rotação para a restituição do capital empregado. Por isso, a indústria elétrica teve um impulso maior de crescimento - no início - nos EUA e na Alemanha, pois estes países não tinham seu parque industrial marcado pelas tecnologias da primeira "Revolução Industrial", a máquina a vapor.

A expansão da indústria elétrica em seus primórdios é fundada no atendimento das indústrias que requeriam energia elétrica para a produção de energia mecânica, isto é, a utilização dos motores elétricos para acionamento de máquinas e das empresas que vendiam os chamados "serviços públicos" como a iluminação e o acionamento de motores elétricos para transporte urbano. Estas empresas - indústrias e empresas de serviços públicos - ao requererem da indústria elétrica o atendimento de suas necessidades, acabam tendo que adquirir a totalidade dos elementos constitutivos da cadeia. Assim, a indústria elétrica em seu princípio organiza-se empresarialmente basicamente em três segmentos. O primeiro segmento é a indústria de máquinas e equipamentos elétricos, esta fabrica a quase totalidade dos elementos componentes da cadeia produtiva: os sistemas geradores; os motores; as lâmpadas; e os respectivos meios de comando e controle destas tecnologias. O segundo segmento compreendido pelas indústrias que utilizam máquinas (motores e geradores) e iluminação a partir da energia elétrica, é condicionado a comprar toda a linha da cadeia de produção da indústria de equipamentos, isto é, o sistema de produção de eletricidade/distribuição de eletricidade; os motores e comandos; e os sistemas de iluminação. O mesmo acontece com terceiro segmento, isto é, com as empresas que prestam os denominado "serviços públicos" de iluminação e transporte.

Assim, grande parte - dos primeiros industriais - é, também, produtora de energia elétrica, e ainda, mundialmente, os serviços urbanos de iluminação e transporte foram, em geral, iniciativas das administrações municipais, gerando e distribuindo a energia aos serviços de iluminação e transporte.

Outra forma de organização que a indústria elétrica de equipamentos encontrava para difundir a utilização de seus equipamentos era à criação de subsidiárias em regiões estratégicas visando ampliar a demanda de seus produtos. As que geram e distribuem energia elétrica são filiais das mesmas companhias que fabricam geradores, transformadores, cabos e demais equipamentos de proteção e controle para geração, transporte e distribuição de energia elétrica. Esta tática comercial intensificou a propagação e utilização da energia elétrica, bem como, de todos os produtos de sua cadeia produtiva da indústria de equipamentos elétricos.

Assim, a nascente indústria elétrica mostrava-se ao final do século XIX início do século XX, sua elevada potencial idade de gerar produtos que atende a base que estrutura a produção capitalista. Pois, a cada produto desenvolvido, estes resultavam produtos - quando incorporados à produção - capazes de diminuir o tempo de trabalho social para produzir uma unidade de valor de uso, por isso, reduziam o tempo de trabalho necessário (reprodução do trabalhador) e conseqüentemente aumentava o trabalho excedente (mais valor), isto é, mostrava-se "fonte inesgotável" de mais valor. Desse modo, a inovação tecnológica nesta indústria atinge, no princípio, uma celeridade que contraposta a sua condição de ser intensiva em capital fixo passa a trazer questões complexas que colocavam em risco a própria reprodução.

Cabe recuperar a noção de capital, como valor que em movimento se valoriza. Assim, a noção de capital fixo, aqui empregada, tem o seu sentido relacionado às máquinas, equipamentos, enquanto meios de trabalho, ou de um modo geral, refere-se aos meios de produção que não deixam os processos de produção, e que, somente através do uso pelos trabalhadores pode ter fração de seu valor transferido aos produtos criados pelo trabalho do trabalhador, por isso, auxiliam a geração de mais valor. Daí, o meio de produção "fixo" em si não é capital fixo. Este só é valor no contexto da produção de mais-valia, na medida em que, pelo trabalho do trabalhador o valor do capital fixo circula gradativamente, na proporção que o seu valor é repassado a mercadoria. Desse modo, quando a produção capitalista incorpora aos seus processos meios de produção intensivos em capital fixo implica questões relacionadas a como assegurar o consumo produtivo destes meios. Em geral, na prática de produção, parece a primeira vista, que os principais problemas vinculam-se às características físicas dos meios de produção, como sua durabilidade e a sua capacidade técnica transferir valor. Contudo, estas peculiaridades estão intrinsecamente ligadas às determinações sociais. Pois, elas para serem avaliadas dependem - considerada apenas a produção - da duração da jornada e a intensidade do trabalho, elementos sociais que afetam a velocidade com que são utilizados os meios "fixos". "Estes não podem parar". Daí - outra questão surge -, quanto mais o capital circula na forma fixa, cada vez mais a produção e circulação se ligam.

A concorrência pela mais valia relativa acelera o processo de inovação tecnológica trazendo a aceleração nos investimentos em capitais fixos. Num sistema de competição em que as mercadorias se trocam a seus preços de produção, o capitalista que possui meios de produção "fixos" mais eficientes do que a média social realiza um lucro maior.

Na economia capitalista as mercadorias não se trocam pelos seus valores. Em geral, o processo da
concorrência intercapitalista leva a formação de uma taxa média de lucro para o capital. Deste modo, os preços dos produtos tendem aos preços de produção. Estes, correspondem ao custo de produção dos produtos mais a taxa média sobre o capital investido na produção. Esta afirmação, não significa que se está abrindo mão da teoria valor-trabalho-social. Pois, como se verá ao longo do texto, as variações que ocorrem nos preços e por sua vez nos preços de produção e consequentemente dos custos de produção e das taxas médias de lucro do capital-lucro médio - são resultados da variação da produtividade do trabalho, logo, só a representação valor-trabalho-social é capaz de explicar as modificações dos preços. Portanto, o capitalista que detém uma tecnologia de produção que ultrapassa a média social, e por isso é base de maior produtividade do trabalho, consegue para si um lucro maior que o capitalista cujo sistema de produção corresponde a média social. Pois, o primeiro ao vender o seu produto vende-o ao mesmo preço do que tem a menor produtividade. De novo, ao longo do texto, esta explicação será mais detalhada.

Daí procede, em geral, que a vida útil dos meios passa a depender do estado de competição, do valor das mercadorias no mercado e da média de eficiência dos meios de produção "fixos" para a indústria considerada. Desse modo, as inovações tecnológicas podem trazer graves impactos tornando obsoleta toda uma cadeia de produtos e em alguns casos toda a estrutura de produção. Este foi um problema que se manifestou no princípio da indústria elétrica mundial. Para exemplificar, em meados dos anos 1880, quando já tinha sido desenvolvida toda uma cadeia de produção que permitia a expansão da indústria elétrica via a sua utilização na forma de corrente contínua (gerador e motor). Esta se tornou obsoleta da "noite para o dia "com o domínio da produção e distribuição da energia elétrica através das tecnologias em corrente alternada. A versatilidade de aplicações que as tecnologias de corrente alternada determinava em termos: das potencial idades imediatas de outros usos; da possibilidade de geração e transporte e distribuição em larga escala e da facilidade de padronização dos produtos, constituíram elementos que "aposentaram" precocemente todo um parque industrial ligado a corrente continua. Este evento é demonstrativo da natureza social e não física das tecnologias. A empresa capitalista não descarta uma tecnologia pela sua idade. É a condição de maior ou menor extração de mais-valia que determina o valor de uso de uma dada tecnologia, por isso, a sua substituição é motivada pelas condições sociais. Este resultado serviu como alerta a toda indústria elétrica, mostrando que um processo de livre competição era prejudicial a todos os interesses capitalistas do ramo. O ritmo das trocas tecnológicas dentro de uma indústria intensiva em capital fixo não podia ser feito segundo um processo de inovações tecnológicas descontrolado. Pois, os valores das tecnologias, deste modo, revelam-se muito instáveis. Assim, assegurar a transferência de valor não pode ser analisado como uma questão restrita à produção, tem que estar diretamente ligado ao processo de circulação. Se os produtos não se realizam, não justifica a continuidade da produção. Para fazer frente a estas questões, as estratégias foram a de centralizar a produção (fusão e/ou incorporação das empresas menores pelas maiores) e a apropriação das informações e das tecnologias, bem como, estabelecer o controle do processo de inovação, da gestão dos recursos financeiros e do controle dos principais mercados. Outra tática empregada foi a de influenciar as instituições de Estado para Ihes garantir por meio de regulamentação, a padronização e licenças de exploração de produtos, e principalmente, o registro de patentes.

Assim, nos EUA a General Electric Co foi produto de fusão e também a Whestinghouse, ainda antes do século xx.

"Na Europa são os alemães (Siemens e AEG) que dirigem o movimento graças a duas grandes empresas que exploram as patentes dos dois gigantes americanos .... (GE e Westinghouse) Essas quatro grandes da construção elétrica serão, em seguida, ladeadas por algumas outras como a Brown Broveri (Suíça), a General Electric e Parsons (Reino Unido). Todas essas firmas tecem a seu redor redes cerradas de acordos comerciais e tecnológicos, inicialmente com outras firmas européias (França, Itália, Espanha) em seguida, depois da primeira Guerra  Mundial, com as firmas japonesas Toshiba e Hitachi, licenciadas pela GE, Mitsubishi pela Westinghouse e a Fuji Electric pela Siemens."

Para evidenciar este processo de centralização, a indústria elétrica na crise econômica de 1929, com o propósito de inviabilizar qualquer iniciativa de novos concorrentes no mundo, articulou em dezembro de 1930, o Acordo de Compensação Internacional (INCA) como forma de impedir a competição e também acomodar a elevação dos preços dos produtos de nove corporações internacionais (AEG e Siemens da Alemanha, British Thompson-Houston, English Electric, GEC, Metropolitan Vickers do Reino Unido, Brown Broveri da Suíça, International General Electric e Westinghouse Electric International dos EUA). Pelo Acordo, as corporações participantes se obrigavam a comunicar ao cartel todas as consultas de fornecimento de materiais elétricos encaminhando-as a secretaria do INCA que:

"coordenando as operações, indicaria então a que empresa caberia a vez de atender à encomenda e o valor a cobrar. Para isso, os outros membros do cartel apresentariam preços superiores em suas propostas. O INCA também mantinha um fundo de compensação, ao qual a firma vencedora recolheria determinada importância, como parte do ressarcimento das despesas que as demais associadas teriam com as propostas de fornecimento destinadas a perder a licitação."

Em 1936 o INCA foi transformado na International Electrical Association (IEA) agora com uma atuação mais aperfeiçoada no controle e regulação da totalidade desta indústria no mundo, a seguir na tabela 5.1 tem-se o quadro das principais empresas participantes do IE Ano ano de 1936.

Tabela 5.1 Principais Membros da International Electrical Association (lEA), em 1936

Empresas País Produtos (ver abaixo *)

AEG Alemanha A,B,e,D,E,F,G,H,J,K,L,N,P

British Thomson-Houston Inglaterra A,B,e,D,E,F,G,H,J,K,L,N'p

Brown Boveri & co Suíça A,B,e,D,E,F,G,H,J,K,L,N,P

English Electric Co. Inglaterra A,B,e,D,E,F,G,H,J,K,L,N'p,W

General Electric Co. Ltd. Inglaterra A,B,e,D,E,F,G,H,J,K,L,N,P

International General Electric EUA A,B,e,D,E,F,G,H,J,K,L,N,Z

M etrop 01 itan- Vickers Inglaterra A,B,C,D,E,F,G,H,J,K,L,N

Siemens Alemanha A,B,e,D,E,F,G,H,J,K,L,N

Westinghouse Electric International EUA A, B .c. D, E, F, G, H ,J ,K, L, N, P ,Z

ASEA Electric Ltd. Suécia A,B,e,D,E,F,G,H,J

Escher \l\lyss Eng. Suíça A,W

J. M. Voith-Heldenheim & St. Poelten Alemanha W

Ateliers des Charnielle S.A. Suíça W

A - Turbina a vapor; B -Alternadores acionados por turbina a vapor; C - Compressores e ventiladores; D - Geradores e motores maiores de 200 KVAlHP; E - Alternadores acionados por turbinas hidráulicas; F - Compressores rotativos; G - Disjuntores de alta e baixa tensão; H - Transformadores; I - Conversores rotativos; K - Retificadores; L - Material de tração elétrica; N - Equipamentos para manobra de peso; P - Equipamento elétrico para acionamento de laminadoras; Z - Porcelanas de isolamento; W - Turbinas hidráulicas

Fonte: dados retirados de MIROW, Kurt Rudolf - A Ditadura dos Cartéis - Editora Civilização
Brasileira - 16a. Edição - 1979 e Bandeira, Moniz - Cartéis e Desnacionalização - Editora Civilização
Brasileira - 3a. Edição -1979.

A integração de quase a totalidade dos processos de produção com os de distribuição - desde a fase do desenvolvimento de novos produtos, pesquisa de novas tecnologias, acesso à matéria prima para os produtos, o controle de praticamente todas as fases do processo industrial, a entrega do produto final e na maioria das situações já tendo os compradores definidos -. dava as empresas à capacidade de coordenar e planejar suas ações reduzindo custos, riscos e incertezas na movimentação de seus produtos. E estas "empresas verticalmente integradas passaram a desfrutar de vantagens competitivas decisivas em relação às empresas formadas por uma só unidade, ou mesmo as empresas de unidades múltiplas, menos especializadas."

O crescimento destas empresas não se limitou ao atendimento ao mercado interno, avançando para o exterior, monitorando e controlando todos os possíveis mercados, estabelecendo articulações para a promoção e venda de seus produtos. Assim, além das inúmeras barreiras à entrada de novos capitais na indústria elétrica em função: das dimensões da cadeia produtiva; do domínio da informação das tecnologias por um restrito grupo de indústrias no mundo e a quantidade de capital requerido, também, uma barreira não menos importante, foi o sistema organizacional que foi sendo construído nesta indústria. Pois, como afirma Arrighi citando Chandler:

"Um concorrente que adquirisse a tecnologia tinha que criar uma organização nacional e freqüentemente global de administradores, compradores e vendedores, caso pretendesse retirar o negócio das mãos de uma ou duas empresas que já se haviam firmado nos principais canais de comercialização. Além disso, enquanto o pioneiro tivera a possibilidade de financiara construção da primeira dessas organizações com o fluxo de recursos gerado pelo grande volume, o novato tinha que construir uma rede concorrente para que o volume de produção elevado pudesse reduzir o custo unitário e criar um fluxo de recursos considerável. [E tinha que faze-lo enquanto enfrentava} um competidor cujas economias de velocidade permitiam-lhe fixar preços e continuar a manter uma margem de lucro"

Assim, a organização de produção da indústria elétrica acabou sendo formada segundo dois eixos empresariais: um ligado a indústria de máquinas, equipamentos, compreendendo a quase a totalidade dos elementos utilizados na cadeia, isto é, desde os elementos da geração, transporte e utilização final da energia elétrica e outra ligada à produção e distribuição da eletricidade.

A primeira, como aqui já mostrado, desde o princípio, manifesta-se concentrada e centralizada em grandes corporações, compondo - ainda na atualidade - a indústria de produtos elétricos mundial (Siemens, General Electric, Westinghouse, ASEA-Brown Boveri, Philips, Toshiba; Mitsubishi; entre as principais). Mas, apesar de serem constituídas por um parque de produção intensivo em capital, pois, a maioria dos produtos que fabricam - grupos geradores, motores, transformadores, fios e cabos de transporte de energia elétrica, bem como, os sistemas de uso final da eletricidade composto de toda a gama de produtos de bens de produção e consumo como: iluminação; aquecimento; refrigeração, transporte; comunicação; entre outros, e ainda, os equipamentos de controle e comando. - e que integram a sua cadeia de produção, são bens e produtos com grandes quantidades de capital constante, porém, para as indústrias, grande parte destes bens participa do processo de produção como capital circulante. Por isso, o processo de centralização deste segmento empresarial da indústria elétrica, deve-se a necessidade de controlar o ritmo do lançamento das inovações tecnológicas como forma de preservar o valor de suas linhas de produção e de seus produtos. Daí porque, historicamente, esta parte da cadeia de produção da indústria elétrica mundial esteve sempre sob o domínio empresarial privado, pois, apesar de constituírem sistemas fabris intensivos em capital constante, grande parte destes se apresenta como capitais circulantes, isto é, mesmo com uma composição orgânica de capital elevada, em geral, seus produtos têm baixo tempo de rotação, fato que atua no sentido de Ihes preservar e garantir elevadas taxas de lucratividade.

No entanto, a expansão deste eixo empresarial da indústria elétrica, onde suas mercadorias são os produtos que transformam (iluminação, aquecimento, força motriz, comunicação, etc.), controlam e comandam a eletricidade, não tem o menor sentido sem a existência da eletricidade. Daí, o outro eixo empresarial da indústria elétrica, a indústria de produção, transporte e distribuição de eletricidade. Esta esfera da indústria elétrica tem na eletricidade a sua mercadoria. Este eixo empresarial, como" aqui já colocado, teve sua origem segundo dois modos de propriedade. Em primeiro lugar, através da iniciativa - do setor privado - de industriais que em busca de sistemas de produção mais eficientes - menor tempo de trabalho socialmente necessário para produzir uma unidade de valor de uso - colocam em suas instalações máquinas e equipamentos que utilizam eletricidade. Por isso, geram a sua energia elétrica, mas quando apresentam excedentes de eletricidade, seja pelo sobre-dimensionamento de seus equipamentos ou pela característica de sua utilização diária que permite combinar para outros fornecimentos, passam a vender o excedente de energia elétrica como mercadoria a terceiros. Inicialmente, e em geral, esta é comprada pelas comunidades - prefeituras municipais - para utilização em iluminação. Em segundo lugar, por iniciativa das prefeituras municipais, decorrente da demanda da comunidade, estas organizam a produção da eletricidade para o atendimento dos serviços de iluminação e em transportes. Isto é, como se tratam de instalações intensivas em capital fixo, estes bens (iluminação e transporte), no princípio não são produzidos exclusivamente por relações capitalistas, como diz Marx:

"Nos estágios menos desenvolvidos da produção capitalista, não se realizam por métodos capitalistas os empreendimentos que exigem longo período de trabalho, portanto grande dispêndio de capital por longo prazo, notadamente os que só são exeqüíveis em grande escala. É o que se dava, por exemplo, com as estradas, canais etc. feitos à custa das comunidades ou do estado ( ... )"

5.8 Os primórdios da indústria elétrica no Brasil

Neste sentido, ao ser feito o resgate histórico da indústria elétrica no Brasil, dois episódios são
relatados como marcos. Primeiro, a implantação em junho de 1883 do primeiro sistema de iluminação pública por iniciativa da prefeitura municipal de Campos, Estado do Rio de Janeiro. Nesta época uma das mais prósperas cidades do País, com sua economia fundada na agro-indústria do açúcar. Esta cidade, já em 1872, possuía um sistema de iluminação a gás, sendo este substituído por um sistema com lâmpadas elétricas que tinha sua eletricidade produzida a partir de uma máquina a vapor que transferia energia mecânica a três dínamos (geradores de corrente contínua) que forneciam eletricidade a 39 lâmpadas dispostas em logradouros públicos desta cidade. O segundo acontecimento marcante, sempre relatado, é o relacionado à iniciativa, de um industrial de Juiz de Fora em Minas Gerais, que em setembro de 1889 colocou em operação a primeira hidrelétrica do país. Esta tinha duas unidades geradoras de 250 KW, totalizando uma capacidade de 500 KW. Esta hidrelétrica foi projetada e construída por uma empresa dos EUA, sendo as maquinas e os equipamentos utilizados nas instalações comprados da Westinghouse. A eletricidade gerada destinava ao fornecimento das máquinas e equipamentos da fábrica, e o excedente de eletricidade o industrial construtor da hidrelétrica vendia à prefeitura de Juiz de Fora que a utilizava para a iluminação pública da cidade.

Estes dois episódios são exemplares para evidenciar o surgimento da eletricidade no Brasil, intrinsecamente ligada aos interesses de difusão e criação de novos mercados para as grandes corporações, que já estavam em formação desde o nascimento da indústria elétrica mundial. A principal aplicação destas novas tecnologias destinava-se ao uso enquanto um bem de consumo e produção. Esta condição proporcionava a criação da demanda de uma cadeia de produtos, cuja estrutura produtiva desde a concepção de projeto, equipamentos, instalação e a manutenção das instalações estavam sob total controle da indústria fornecedora da tecnologia empregada. Esta forma de integração ao mercado mundial, implicava expandir as condições subordinadas de inclusão do Brasil a economia mundial, à medida que a troca de mercadorias produzidas em condições de mais alta produtividade do trabalho por mercadorias produzidas por condições de mais baixa produtividade do trabalho, inevitavelmente conduz a evasão para fora de valor e conseqüentemente de capital. Esta situação, além dos prejuízos imediatos, resultado da troca desigual, adiou o processo de transição para o modo de produção capitalista e prolongou a existência de diversas formas econômicas mistas, combinando elementos de relações de produção arcaicas e as modernas.

De modo geral, a implantação inicial das instalações elétricas no Brasil, foi bastante limitada, tanto pela demanda interna quanto pela capacidade de investimento. A maioria dos empreendimentos, no início, foi realizada por iniciativa de investidores nacionais, cujos excedentes econômicos eram reduzidos e fundamentalmente ligados à agricultura, principalmente, as formas atrasadas de exploração proporcionada pela grande população rural, que criava as condições para que as oligarquias locais reproduzissem formas pré-capitalistas de exploração. Este fato pode ser atestado no trabalho forçado por grande massa de trabalhadores nordestinos no ciclo da borracha na Amazônia, ou pelos imigrantes no final do século XIX nas fazendas de café, entre outras que existiam.

Assim, como a quase totalidade dos processos produtivos eram intensivos em energia humana e animal, a produção da energia elétrica tinha reduzido emprego em atividades relacionadas aos bens de produção, sendo majoritariamente utilizada como bem de consumo, especialmente, iluminação. Isto, do ponto de vista da economia nacional, constituía-se em mais um elemento de expropriação através do capital estrangeiro do produto excedente social produzido no País. Contribuía ainda, para que as classes dominantes nacionais não acumulassem o capital necessário para que pudessem superar a condição de responsáveis apenas pela produção de bens primários. Deste modo, este nascente setor cooperava para - com palavras de Theotônio dos Santos - "o desenvolvimento da dependência."

Um indicador que mostra a propagação inicial da eletricidade no Brasil como pacote tecnológico exógeno, pode ser verificado na forma como eram comprados os equipamentos compreendidos pela cadeia de produtos que compõem o uso da eletricidade. Por exemplo, para a produção da eletricidade a maioria, principalmente dos primeiros projetos, não levou em consideração a disponibilidade de recursos hidráulicos existentes no país. Pois, nos primeiros anos de emprego da eletricidade no Brasil sua expansão tinha como fonte de energia mecânica os motores a vapor acoplados aos geradores elétricos, cabe destacar que os geradores de eletricidade eram predominantemente em corrente continua. Assim, apesar da abundância de recursos hidráulicos no Brasil e de já estar desenvolvida desde meados dos anos 1880 a tecnologia de corrente alternada, a grande indústria no sentido de vender sua tecnologia como "pacote", comercializava aqui grupos geradores térmicos acionando geradores de corrente continua já obsoletos em seus países. Na tabela 5.2 a seguir constata-se que nos primórdios do emprego da eletricidade no Brasil, apesar do elevado potencial hidráulico, a expansão se deu com a utilização de fonte mecânica de origem térmica.

Tabela 5.2

Potência Elétrica no Brasil• 1883 a 1895
ANOS Térmica (KW) Hidro (KW) Total (KW) % Hidro

1883 52 - 52 -

1885 80 - 80 -

1890 1.017 250 1.267 20

1895 3.843 1.991 5.834 34

Fonte: Conselho Mundial de Energia, Comitê Nacional Brasileiro, Estatística brasileira de energia, n.1, 1965.

A eletricidade, como estratégia de expansão de mercado da indústria elétrica dos EUA e dos países da Europa, foi sendo introduzida de forma dispersa em praticamente todo o território nacional, por meio de pequenas empresas privadas que forneciam energia para a iluminação de locais públicos e para outras finalidades. Mas, já em 1892, a eletricidade é usada como força motriz para o transporte urbano no Rio de Janeiro, quando a Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico implantou a primeira linha de bondes elétricos instalada em caráter permanente no País. À medida que novas formas econômicas eram estabelecidas o potencial hidráulico brasileiro foi sendo reconhecido, as instalações foram se expandindo principalmente nas cidades do interior de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, sendo que na região Norte e Nordeste estes sistemas foram implantados principalmente nas capitais: Manaus, Belém e Recife sendo as companhias todas inglesas. Também, no Rio Grande do Sul existia uma companhia inglesa. É neste Estado que são implantadas a primeira empresa pública destes serviços, uma municipal e uma estadual, isto aconteceu entre os anos 1895 e 1930

No século XIX, os capitais ingleses eram os principais investidores no Brasil, representando 78% do total de investimentos externos. Sendo a maioria empregada na expansão das ferrovias e outras empresas de "serviços públicos". Estes capitais representavam 70% e 12%, respectivamente, do total de investimentos em 1885; 58% e 16%, em 1905; e 44% e 41%, em 1913.31 Estes investimentos em infra-estrutura - na época, de um modo geral realizados pelos capitalistas ingleses- se inseriam na estratégia em realizar investimentos, nos paises denominados subdesenvolvidos, de modo que estes exercessem papel complementar no desenvolvimento das indústrias localizadas nos países industrializados. Isto implicava venda para estes paises de sistemas de infra-estrutura que, conseqüentemente, atendia aos interesses dos grupos empresariais produtores destes sistemas.

Possibilitando a exploração destes serviços, além de, resultar um sistema de transporte mais eficiente para as matérias primas produzidas no interior do Brasil. Tal condição repercutia nos preços dos produtos exportados para os capitais ingleses, atendendo, deste modo, a outro objetivo o de proporcionar o acesso a matérias primas de menor custo de produção como forma de ampliar os seus lucros. O chamado período da República Velha, compreendendo os anos entre 1889 e 1930, é assinalado como uma época que na economia brasileira, suas atividades eram ligadas, principalmente, as atividades agro-exportadoras diretamente subordinadas aos interesses dos capitais dos países industrializados. A tabela 5.3 demonstra esta política de produção no Brasil ao indicar a distribuição da população brasileira por setor econômico em 1920.

Potência Elétrica no Brasil• 1883 a 1895

ANOS Térmica (KW) Hidro (KW) Total (KW) % Hidro

1883 52 - 52 -

1885 80 - 80 -

1890 1.017 250 1.267 20

1895 3.843 1.991 5.834 34

Essa organização econômica, marcada pelas atividades na agricultura, combinava os interesses das oligarquias agrícolas nacional com os propósitos dos capitalistas dos países industrializados. No entanto, esta não acontecia sem conflitos com outros grupos econômicos internos que ambicionavam a industrialização. Já em 1880 estes interesses estavam manifestados com a criação daquela que foi a primeira associação industrial brasileira. Esta, por iniciativa de grupos empresariais nacionais, passou a exercer pressões políticas no âmbito do estado brasileiro objetivando estabelecer regras tarifarias que permitissem proteger a incipiente indústria local em relação aos produtos importados. Contudo, Durante este período, apesar de nunca terem cessado os esforços deste segmento em prol de uma política industrial delineada com o auxílio do Estado, os interesses da classe dominante tradicional eram os que logravam melhores resultados. A proteção tarifária existente, neste período, determinava impostos elevados, sobretudo, aos produtos agrícolas que podiam competir com os ofertados pelos produtores nacionais. Para registro, somente entre os anos 1891-1894, é que foram tomadas algumas medidas, pelo estado brasileiro, de proteção aos produtos manufaturados no Brasil, época que também foi promulgada a lei de proteção à indústria.

Porém, estas medidas foram todas revogadas no ano de 1894, retomando as regras que novamente combinavam os interesses dos setores da agricultura, ao nível interno, com os externos ligados aos países industrializados. Esta foi à política hegemônica até 1934. Para ilustrar na tabela 5.4 são lançados alguns dados relativos aos principais elementos da matriz energética (Carvão, derivados de petróleo e Eletricidade), os quais, relacionados com população nacional permitem uma ordem de grandeza per-capíta (quantidade de energia por elemento por habitante) que possibilita, de modo estimado, avaliar o grau de desenvolvimento industrial do Brasil por essa época.


Tabela 5.4 Produção e Consumo Anuais de Energia por Habitante no Brasil 1990-1930

Anos nº de Eletricidade Eletricidade Carvão Carvão I Derivados Derivados de habitantes (KWh) I habitante (tEP) Hab. de Petróleo Petróleo I (milhões) (KWh/hab) (KgEPI (TeP) habitante Hab) (KgEP/habl

1900 17.438.434 32.721.753 1,87 555.000 31,82 59.000 3,38

1910 24.037.019 480.611.793 19,99 1.107.000 46,05 98.000 4,07

1920 30.635.605 1.157.427.965 37,78 870.000 28,39 331.000 10,8

1930 35.935.960 2.456.029.987 68,34 1.524.000 42,40 740.000 20,59

Fonte: Tabela montada a partir dos dados do IBGE, Estatísticas Históricas do Brasil, v3, 1987, e estimativas de população para os anos 1910 e 1930 e de produção de energia elétrica a partir da potência instalada considerando fc=O,4 e fu=0,9. (fc - fator de carga e fu - fator de utilização)

Os números são inequívocos, como evidência, de que, neste período, as atividades econômicas estavam ligadas à utilização de energia humana, como mostra a baixa intensidade dos energéticos por habitante ao ano. Para materializar, o consumo por habitante de energia elétrica por ano, equivale ao consumo de um ano de uma lâmpada incandescente de 60 W que operasse: 5 minutos por dia, em 1900; 54 minutos por dia, em 1910; 1 hora e 43 minutos por dia, em 1920 e 3 horas e 7 minutos por dia, em 1930.

Outro instrumento indicador desta condição - reduzida demanda de energia elétrica - é o recenseamento de 1920. Neste, encontram-se dados relativos as empresas industriais que permitem ter uma idéia do estágio do desenvolvimento industrial na época. Este é um processo que se inicia a partir da derrocada definitiva do sistema escravista e nos primeiros anos da República. No entanto, restabelecido o poder da oligarquia tradicional, depois de 1894, esse processo tornou-se mais lento, para voltar a acelerar, na década anterior à primeira guerra mundial e durante a própria guerra. Mais de 55% da capacidade instalada da indústria brasileira, registrada pelo recenseamento de 1920, foi criada entre 1905-1919; aproximadamente um quarto dela, entre 1884 -1894; e apenas 9,6% até 1884. Em 1884, no Brasil havia apenas 200 empresas industriais. Em 1889, o número aumentou para 600 (60% das quais eram têxteis). Mais de 450 empresas industriais foram fundadas entre 1890 e 1895. Em 1907 o número de empresas registradas como industriais chegou a 3,2 mil, e em 1920, a 13,3 mil. Concomitante ocorria o aumento do número de operários ocupados na indústria. Em 1890, havia no país entre 50 e 60 mil; cerca de 152 mil em 1907; e 297 mil em '1920. Existiam, ainda, 233 usinas de açúcar onde trabalhavam 18.000 operários e 231 salinas que empregavam cerca de 5.000 trabalhadores. Essas indústrias estavam concentradas principalmente em São Paulo com 31,1 %, Rio Grande do Sul com 13,3%, Rio de Janeiro com 11,5% e Minas Gerais com 9,3%. Todos estes dados são importantes para entender a distribuição da demanda de energia elétrica no território nacional, bem como, para compreender como será organizada a indústria de produção e distribuição de eletricidade, em termos de sua constituição empresarial, nos primórdios de sua implantação no Brasil.

Em 1907, a ação política do nascente setor industrial conquista algumas regras no sentido de estabelecer certa proteção alfandegária. Condições favoráveis para o desenvolvimento da indústria aconteceram, também, durante a primeira guerra mundial, em face de o mercado interno ressentir a falta de certas mercadorias supridas pelas empresas de origem estrangeira. Ritmos relativamente altos de crescimento da indústria verificaram-se, ainda, em alguns anos do período do pós-guerra. Mas a partir de 1923, e até 1929, houve praticamente uma estaqnação. Este cenário, de domínio da agricultura de exportação, especialmente a cafeicultura, promove o desenvolvimento urbano centrado numa série de serviços voltados ao atendimento das atividades agrícolas, como oficinas de consertos de ferramentas e máquinas. Estes, serão os lugares precursores das primeiras indústrias, tais como: a de tecidos para a confecção de sacaria e vestimenta das classes trabalhadoras; a de alimentos/bebidas; a de ferramentas simples; a de couro, entre as principais. Ao mesmo tempo ocorre um processo de desenvolvimento de atividades ligadas ao comércio, aos serviços de saúde, educação, entre outros. Permeando um conjunto de atividades que mobilizavam grandes contingentes humanos, dando origem às primeiras grandes cidades brasileiras.

Os grandes centros urbanos começam a despontar no Brasil. A medida que se expandem revelam ser potenciais demandantes de serviços, como: transporte; iluminação; telefonia; entre muitos outros. Assim, é no interior deste cenário nacional, que será constituída a indústria elétrica brasileira de geração transporte e distribuição de eletricidade. Estas, inicialmente, tiveram sua origem em estruturas empresariais em que a geração de energia elétrica era destinada para uma finalidade especifica, por exemplo, o fornecimento de eletricidade para o atendimento de serviços de transporte - bonde elétrico -. Esta atividade implicava investimentos num sistema de geração de energia elétrica, transporte e distribuição no eixo da linha do serviço - transporte - para fornecimento de energia elétrica ao motor elétrico responsável pela tração dos bondes. A implantação de uma empresa para este tipo atividade era intensiva em capital fixo, e ainda, não apresentava volume de venda de serviços para atrair a iniciativa privada. Mas, isto não impedia que a indústria elétrica mundial de máquinas e equipamentos, que já percorria o mundo difundindo seus produtos - colocando-se como projetista, fornecedora e responsável pela manutenção - lograsse os primeiros resultados convencendo os poderes políticos das primeiras grandes cidades, a comprar e prestar serviços de transporte e iluminação a partir da utilização de sua cadeia produtos.

No entanto, com o adensamento populacional, a quantidade de usuários que demanda este tipo de serviço aumenta levando estas atividades a galgar a possibilidade da lucratividade, tornando-as convidativa a iniciativa empresarial privada. Por exemplo, considere certa instalação de transporte localizada numa cidade, com capacidade de transporte por viagem igual a X passageiros, porém, a média de passageiros por viagem realizada é de X/4 passageiros. Admitindo que o tempo médio socialmente adotado de existência da instalação do sistema de transporte sejam 10 anos, e que, neste tempo de existência das instalações são vendidas um milhão de passagens. Agora, admita que o valor de 1.000.000 de passagens é distribuído, enquanto capital em 10 anos, da seguinte maneira: 500.000 passagens correspondem ao capital constante (custos: de projeto, das máquinas/equipamentos, de construção; manutenção das instalações elétricas); 250.000 passagens necessárias ao capital variável (força de trabalho em 10 anos), e 250.000 passagens correspondendo ao lucro do capital (trabalho excedente e/ou mais valia).

Agora, de outro modo, suponha que uma instalação idêntica de transporte esteja localizada numa outra cidade, cuja densidade populacional, permite que o número de passageiros médio por viagem seja igual a X/2. Este número corresponde ao dobro da ocupação média da instalação na primeira cidade. Assim, o tempo necessário para transportar 1.000.000 de passageiros passa a ser 5 anos. E nesta cidade, o valor de 1.000.000 de passagens como capital é distribuído do seguinte modo: 500.000 passagens correspondem ao capital constante (custos: de projeto, das máquinas/equipamentos, de construção; manutenção das instalações elétricas, que, com menos anos de operação deve diminuir, mas admitamos que o valor seja o mesmo); 125.000 passagens necessárias ao capital variável (o valor da força de trabalho reduz a metade, pois corresponde ao custo de reprodução dos trabalhadores em 5 anos, não mais em 10 anos como para o primeiro caso) e como o lucro é realizado em cada mercadoria vendida, este está em cada uma das passagens vendidas. Por isso, 250.000 + 125.000 = 375.000 passagens, correspondendo ao lucro do capital em 5 anos (trabalho excedente e/ou mais valia).

Porém, na segunda cidade, o lucro não cessa em 5 anos, considerando que as instalações têm um tempo de vida de 10 anos, o capitalista segue com sua instalação - mais cinco anos -, supondo que a média de passageiros por viagem não altere, transportando mais 1.000.000 passageiros, sendo que o valor de 1.000.000 passagens nos próximos 5 anos, são, agora, distribuídos do seguinte modo: capital constante será nulo, pois foi pago nos primeiros 5 anos, a exceção da parte de manutenção, porém como não diminuímos o valor nos primeiros 5 anos vamos admitir que já esta paga; o capital variável, o custo da força de trabalho para 5 anos é 125.000 passagens. Então, o trabalho excedente agora é: 250.000 + 125.000 + 500.000 = 875.000 passagens.

Pelo exposto, isto mostra que uma empresa que tenha uma instalação com capacidade transporte por viagem de X, e opera numa cidade com uma média de passageiros por viagem de X/4 tem em 10 anos um "lucro" correspondente a 250.000 passagens. Enquanto uma outra empresa que colocasse uma instalação idêntica em outra cidade, em que a média de passageiros fosse X/2, esta segunda empresa atingiria em 10 anos um "lucro" correspondente a 1.250.000 passagens. Pois, em 10 anos seriam vendidas 2.000.000 de passagens. Sendo que 500.000 passagens são empregadas como capital constante e 250.000 passagens para o pagamento do capital variável (custo da força de trabalho em 10 anos). Assim, o "lucro" da empresa capitalista na segunda cidade (média de passageiros igual a X/2 por viagem) será 5 vezes o "lucro" da empresa capitalista da primeira cidade (média de passageiros por viagem igual a X/4).

Este exemplo hipotético, fundado na teoria do valor trabalho social, permite vislumbrar e compreender as estratégias empregadas, pelas empresas estrangeiras que vieram para o Brasil, no início do século do século XX, ligadas à produção e distribuição de eletricidade e serviços demandantes desta modalidade de energia.
Neste período, já existiam concentrações urbanas com elevada densidade populacional e com atividades que requeriam uma série de serviços de públicos, tais como: sistema de transportes de pessoas e cargas, sistema de iluminação-pública, distribuição e venda de energia elétrica, sistema de telefonia, entre outros. O desenvolvimento da indústria elétrica, no final do século XIX, já tinha estabelecido condições para que estes serviços fossem oferecidos de maneira associada entre si. Isto permitia que parte do conjunto das instalações e pessoal dimensionada para o atendimento do sistema de transporte, também, podia ser combinada para ser utilizada para o atendimento de outros serviços. Por exemplo, como iluminação e venda de energia elétrica. Esta característica possibilitava a redução do tempo de rotação socialmente necessário do capital de certas atividades consideradas intensivas em capital, caso dos serviços de eletricidade e seus congêneres. Era assim criado um novo espaço para obtenção de "lucro", isto é, para geração de valor como mostrado no simples e revelador exemplo sobre a dinâmica do capital para a apropriação do trabalho excedente nestes tipos de atividades produtivas.

5.9 A mercadoria eletricidade no Brasil

Assim, com os fundamentos da representação valor trabalho social, é possível uma melhor aproximação para a compreensão dos movimentos empreendidos pelas empresas capitalistas que se dirigiram para o Brasil para atuar no setor de serviços ligados à eletricidade. Caso da Light que aqui chegou ao final do século XIX início do século XX. O texto a seguir transcrito extraído da publicação Memória da Eletricidade, apesar de ser carregado de apologia à vinda da Light, se lido com perspectiva crítica desvela a lógica de uma época e ajuda a compreender a de hoje. Ressalta-se que qualquer semelhança com as formas de conduta de certos personagens na condução dos interesses públicos, na atualidade, no âmbito dos poderes de estado, relacionado às questões referentes à organização da indústria elétrica no País, também, não podem ser desprezadas (laços familiares, homens de negócio com livre trânsito no poder legislativo e executivo, grupos estrangeiros interessados em negócios, organizam-se no exterior, obtém concessão). Cabe esclarecer, antes de prosseguir, que com este destaque não se está dizendo que os recentes acontecimentos durante a reorganização da indústria elétrica brasileira foi um processo de repetição.

"A história da Light no Brasil começa nos últimos anos do século XIX. Em junho de 1897, o capitão da marinha italiana e homem de negócios Francesco Gualco, residente no Canadá, e o comendador Antonio Augusto de Souza obtiveram da Câmara Municipal de São Paulo a concessão do serviço do transporte urbano de passageiros e cargas em bondes elétricos, por um prazo de quarenta anos. Em seguida, Gualco regressou ao Canadá com o objetivo de reunir os recursos técnicos e financeiros necessários ao empreendimento. A concessão fora obtida com facilidade graças ao livre trânsito do Comendador Sousa nos meios políticos paulistas. Seu genro, o advogado Carlos de Campos, era, naquele momento, secretário de Justiça do estado e membro influente do poderoso Partido Republicano Paulista (PRP).

Nesse mesmo ano de 1897, o renomado engenheiro e capitalista norte-americano Frederick Pearson, em viagem de férias ao Brasil, visitou a capital paulista. Certo de que o processo de expansão urbana que passava a cidade exigiria a instalação de bondes por tração elétrica, Pearson voltou aos EUA em busca de financiamento para o projeto, estabelecendo os primeiros contatos com Gualco.

Orientados por Pearson, Gualco e o comendador Sousa receberam, em dezembro de 1898, autorização da Câmara Municipal de São Paulo para ampliar a concessão original, permitindo a instalação de novas linhas de bonde. Além disso, obtiveram uma segunda concessão, por meio da qual poderiam atuar no campo da geração e da distribuição de energia elétrica. Paralelamente entraram em negociações com Pearson, visando uma posterior transferência das duas concessões.

Em Abril de 1899 foi então constituída em Toronto, Canadá, a São Paulo Railway, Light and Power Company Limited, por iniciativa de um grupo de capitalistas canadenses. O capital inicial da empresa era de US$ 6 milhões. Designado consultor técnico da empresa, Pearson teve participação decisiva na sua criação, tendo sido responsável pela aproximação dos sócios fundadores.

Foi ainda Pearson quem sugeriu a vinda para o Brasil do advogado Alexander Mackenzie, para estudar os problemas jurídicos atinentes ao decretos das concessões, do engenheiro hidráulico Hugh Cooper, para escolher uma queda dágua que fornecesse a energia necessária aos empreendimentos iniciais da Light, e do engenheiro Robert Brown, para exercer o cargo de superintendente da companhia de São Paulo.

O objetivo da Light and Power ia além da produção, utilização e venda de eletricidade gerada por qualquer tipo de força (vapor, gás, pneumática mecânica e hidráulica), abrangendo igualmente o estabelecimento de linhas férreas, telegráficas e telefônicas. A empresa pretendia ainda adquirir bens móveis e imóveis, que incluíam terras, lagos, açudes, rios quedas e correntes de água necessários as suas atividades.

Em junho de 1899, decreto do presidente da Republica Campos Sales autorizava a São Paulo Light and Power a funcionar no Brasil. Em setembro Gualco e o comendador Sousa transferiram suas concessões para o grupo canadense".

O texto mostra a Estratégia da Light para o lucro. Suas táticas combinam o poder das instituições do Estado Brasileiro para o estabelecimento das normas visando organizar a indústria elétrica, no âmbito do espaço político e social, em acordo, com os seus objetivos econômicos, e segundo as características peculiares proporcionadas pelas inovações tecnológicas que possibilitavam ofertar uma série de mercadorias através de uma mesma instalação. É assim que a Light ao "conquistar" a concessão para o fornecimento dos serviços de transporte e de eletricidade na cidade de São Paulo foi eliminando os concorrentes locais menores, absorvendo os seus consumidores e transformando esta nova atividade em território econômico promissor que lhe permitiu desfrutar, por muitas décadas, elevadas taxas de lucro.

Assim, este estudo, como trata da análise da indústria de produção, transporte e distribuição de eletricidade, têm como pressuposto que o papel central desempenhado pelo Estado para este ramo de produção - independente da propriedade da atividade, se estatal ou privada -, tem sido no sentido de atenuar a tendência à baixa da taxa de lucro - não se supõe aqui este o único papel do estado, mas os dados empíricos da realidade histórica de intervenção estatal na organização da indústria elétrica, esta aparece como ação determinante. -. Esta posição segue a adotada por Poulantzas quando avalia a ação estatal no desempenho de suas "funções econômicas", e aproveita para resgatar o sentido da expressão da tendência à taxa de lucro decrescente na teoria valor trabalho social.

(. . .) resta compreender as diferentes e aparentemente muito heterogêneas funções econômicas do Estado em sua articulação orgânica, e não sob a forma de uma adição- acumulação descritiva. Este estudo deveria tomar como fio condutor à baixa, tendencial da taxa de lucro e entender, no essencial, essas intervenções do Estado corno recursos de contra tendências e esta baixa tendencial em relação às novas coordenadas, na fase atual, de estabelecimento de taxas de lucros médios: o conjunto das intervenções econômicas do Estado se articula, finalmente, em torno desse papel fundamental. Mas é preciso já ter aceito que esta tendência a baixa de lucro está sempre em curso nas formações capitalistas, o que não goza sempre de unanimidade entre os pesquisadores da esquerda. Não tenho intenção de entrar agora no debate: assinalaria simplesmente que uma série de objeções à teoria marxista da baixa tendencial de taxa de lucro é desprovida geralmente de objeto, pois se apóiam na realização concreta, empírica, e mensurável desta baixa, mesmo quando se trata de uma tendência. Ainda que ela não se efetive concretamente, ela sempre permanece sempre ativa e explica a intervenção de contra tendências que fazem frente a esta tendência impedindo-a de manifestar-se concretamente. Ora, se pode entender esta baixa tendencial como fio condutor unicamente sob a condição de ter a clareza do fato de que, na medida em que ela não designa diretamente a extração da mais-valia (o lucro), ela só tem valor de índice e sintoma das profundas transformações das relações de produção e da divisão do trabalho, em suma, da luta de classes em torno da exploração. Em outros termos, as operações do Estado suscetíveis de aplicar as contratendências a esta baixa atingem o processo de produção e reprodução cujo índice é esta baixa: finalmente, esta baixa tendencial não passa de expressão das lutas populares contra a exploração."

Assim, retornando ao texto em defesa da chegada da Light ao Brasil, verifica-se que o encaminhamento inicial da empresa no âmbito do Estado visava dar conta do problema de como assegurar uma lucratividade crescente num segmento de produção intensivo em capital fixo, e, conseqüentemente, das questões ligadas ao tempo de rotação do capital. A intensificação do uso de tecnologias visa combina-Ias em relação ao trabalho, de modo que, se obtenha no arranjo maior quantidade de valor de uso por trabalhador no mesmo tempo de trabalho. Esta condição só é alcançada disponibilizando aos trabalhadores maior quantidade de meios de produção para que sejam transformados em unidades de uso num certo tempo. Isto é, o aumento da produtividade na relação capital/trabalho é determinado pela diminuição dos trabalhadores em relação aos meios de produção empregados ou pela manutenção do mesmo número de trabalhadores e com o aumento dos meios de produção. Deste modo, a verticalização mostrava-se uma alternativa organizacional adequada, considerada a escala de produção e de venda das primeiras empresas de serviços ligados à eletricidade. Pois, esta assim estruturada conseguia tirar partido de uma combinação mais precisa dos meios de produção em relação à força de trabalho, isto é, aumentando o número de meios de produção por trabalhador objetivando obter maior número de unidades de uso - no caso, de serviços- por trabalhador no mesmo tempo, elementos fundamentais para a lucratividade da empresa. Por isso, "o objetivo da Light and Power ia além da produção, utilização e venda de eletricidade gerada por qualquer tipo de força (vapor, gás, pneumática mecânica e hidráulica), abrangendo igualmente o estabelecimento de linhas férreas, telegráficas e telefônicas".

Outra tática adotada pela empresa era a de adquirir bens móveis e imóveis, que incluíam terras, lagos, açudes, rios quedas e correntes de água necessários as suas atividades". Pois, ganhava, também, o poder de escolher os melhores recursos hidráulicos disponíveis nos arredores dos centros de distribuição, e ainda, com o domínio sobre as terras urbanas, além de ser o principal agente imobiliário, obtinha também a capacidade de interferir diretamente na definição dos traçados de ocupação urbana podendo projetar a futura expansão da cidade em acordo com os serviços que Ihes cabia prestar pela concessão com a capacidade de aperfeiçoar, ainda mais, o uso de seus meios de produção em relação a força de trabalho. Isto é, conquistava o poder de planejar praticamente a totalidade de suas atividades com rigor inclusive nos detalhes.

Se a empresa era organizada combinando uma série de atividades no sentido de estabelecer elevadas taxas de lucro, estas deveriam ser garantidas com medidas e regras do Estado visando atenuar os elementos que pudessem acelerar a tendência à baixa dos lucros. Daí, a atuação no interior do Estado para estabelecer as normas que melhor acolhessem os seus interesses. Por isso, o contrato firmado com a prefeitura de São Paulo, quanto o fechado com a do Rio de Janeiro, parecem feitos exclusivamente para atender os objetivos econômicos da empresa. Cláusulas como: exclusividade de fornecimento de energia de origem hidráulica; garantia do espaço econômico por 50 anos e a de assegurar a venda da energia, indexada a moeda internacional - "cláusula ouro" - demonstram este movimento da empresa. A histórica "cláusula ouro" estabelecia que "Durante o prazo do privilégio (. . .) o preço de unidade para o fornecimento da energia elétrica será regulado pela seguinte tabela de preços máximos, cujo pagamento será feito metade papel e metade ouro, ao câmbio médio do mês de consumo." Esta medida instaurava a correção cambial nos preços e procurava garantir a mercadoria eletricidade, no mínimo, o preço que regulava a produção deste produto em nível internacional.

Esta última medida, que vinculava o preço dos serviços de eletricidade a moeda internacional, tem que ser explicada pela representação valor trabalho social, a qual, considera a formação dos preços das mercadorias a partir de seus valores - determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário -. Esta abstração com base no modo de produção capitalista, observa que a concorrência entre os capitais pelos segmentos de produção com maiores taxas de lucratividade, acaba estabelecendo um nivelamento geral da taxa de lucro - admitindo que não existam barreiras a entradas -, que se manifesta em torno de um lucro médio, isto é, na sociedade capitalista as mercadorias não são transacionadas pelo seu valor - capital constante + capital variável + mais-valia -. Elas são trocadas por preços em torno dos seus preços de produção - custo de produção social médio + taxa de lucro médio geral, aplicada sobre o capital -. A taxa média de lucro geral é função direta do grau de exploração de toda a força de trabalho empregada pela totalidade do capital. Desse modo, o preço de um bem ou serviço, em cada segmento de produção, gravita em torno de um preço de produção médio geral. Este é determinado pelo preço do custo de produção social médio - que corresponde ao capital empregado em meios de produção e força de trabalho, em condições médias no segmento de produção - mais o lucro médio geral que é uma quantidade em dinheiro resultado do produto do capital empregado pela taxa média de lucro geral do capital. Este último resultado (o lucro médio geral) expressa a tendência de que os capitais de mesma dimensão e utilizados em um mesmo período procuram produzir lucros, pelo menos, em torno da taxa média de lucro geral do capital. Com este referencial, é possível compreender porque a eletricidade, tão logo passa a ser produzida pelos capitais internacionais, estes procuram vendê-Ia a preços ligados a moeda internacional, isto é, o preço da mercadoria eletricidade tem que corresponder ao preço de produção ancorada no valor da moeda internacional e não da moeda local.

Contudo, o capital estrangeiro que por essa época veio para o Brasil, além assegurar a venda de sua mercadoria em moeda referenciada na moeda internacional, parâmetro essencial para manter e qualificar o lucro aqui obtido em relação à taxa media de lucro do capital, visava também, alcançar lucros extraordinários decorrentes da utilização de um arranjo produtivo, em toda a extensão da cadeia produtiva da indústria de eletricidade, que Ihes assegurasse uma força produtiva com a capacidade de produzir com maior produtividade quando comparada às condições sociais médias do setor de eletricidade. Por isso - admitindo que a cláusula ouro garantisse à venda da eletricidade ao preço determinado pelas condições médias sociais de produção da eletricidade mundialmente -, apesar de não venderem a eletricidade por preços maiores que o preço de produção médio geral, este investidor lograva neste segmento lucros extraordinários. Pois, os arranjos empresariais e institucionais relacionados aos seus negócios alcançavam - individualmente - uma produtividade elevada do trabalho, reduzindo o valor por unidade de uso produzida, quando comparada à unidade de valor de uso social média feita no mesmo tempo. Deste modo, ao demandar menos meios de produção e força de trabalho para produzir uma unidade de valor de uso e/ou de serviço reduziam os custos de produção, conseguindo extrair lucros extraordinários resultado da diferença entre o preço do custo de produção médio social e o preço de custo de produção determinado por suas forças produtivas. Isto é, supondo que o preço de venda da eletricidade estabelecido fosse o preço de produção médio geral, o lucro aqui alcançado por unidade de valor uso produzida, era determinado pelo resultado da taxa média de lucro do capital aplicada sobre o preço do custo de produção social médio de uma unidade de valor uso, adicionado à diferença entre o preço do custo de produção social médio e o preço do custo de produção em suas instalações, para produzir uma unidade de valor uso num mesmo tempo.

Por isso, levantar e garantir a exclusividade dos recursos hídricos para produção de energia elétrica por meio dos potenciais hidráulicos, foi uma das principais táticas empregadas pela Light para aumentar a produtividade do seu arranjo empresarial como um todo. Pois, o preço de custo de produção da eletricidade é dado pelo preço de custo da geração adicionados aos preços dos custos de transmissão e distribuição. Como, o preço de custo da geração, comumente, corresponde ao custo de maior peso, principalmente, no início da indústria elétrica onde o volume de energia a ser transportada e distribuída não determinava elevados preços de custos para as instalações de transmissão e distribuição da eletricidade. Alcançar elevada produtividade na geração era um elemento tático fundamental a ser assegurado com vistas às taxas elevadas de lucratividade na venda da mercadoria eletricidade.

5.10 Preço de produção da mercadoria eletricidade

Historicamente os combustíveis fósseis e os sistemas térmicos têm sido os hegemônicos para a produção de eletricidade. Os dados da International Energy Agency confirma que esta situação não mudou, pois dos 10.678 TWh de energia elétrica consumida nos países da OCDE, no ano de 2004, 6.530 TWh foram produzidos a partir dos combustíveis fósseis (predominantemente carvão; gás natural e derivados de petróleo); 2.533,9 TWh a partir de elementos físseis (energia nuclear); 1.481,6 TWh oriundos de potenciais hidráulicos e mais 132,5 TWh de geotermia e outras fontes (eólica, solar direta, biomassa, etc.). Assim, referenciado em dados da atualidade - aqui se utiliza números do presente, pois atualmente, como no passado, a fontes dominantes para a produção de eletricidade advém de processos térmicos -, e esclarecendo que a representação do valor trabalho social, aqui empregada, não tem por objeto corresponder a uma teoria de preços de bens e serviços, mas o que de fato se busca é aproximar-se da relação social de produção - capital/trabalho - por meio de suas noções de valor e preço de produção, utilizando-os, como instrumentos de análises para compreender as relações estabelecidas, entre a distribuição social do trabalho e a distribuição do capital na produção capitalista, neste estudo, especialmente da indústria elétrica. Por isso, com este referencial, a seguir procura-se demonstrar o papel desempenhado pelos recursos naturais como "fonte" de mais-valor diferenciada nas relações de produção capitalista, em especial nos sistemas de produção de eletricidade.

A eletricidade, se feita à abstração de sua fonte de geração, é uma mercadoria que tem um preço de produção médio geral - se produzida em condições exclusivamente capitalista -, cuja magnitude gira em torno do preço de custo de produção médio das fontes e tecnologias dominante, adicionada à taxa de lucro média do capital. Importa destacar que este preço de produção médio geral não é determinado pelo preço de custo individual de cada sistema de geração, ele expressa o preço de produção de custo médio da eletricidade nas piores condições de produtividade de todo o segmento de produção.

No caso, da geração de eletricidade, esta corresponde à condição de geração térmica a partir dos combustíveis fósseis. Esta forma - geração de eletricidade de origem térmica - determina o preço médio geral. Pois, suas tecnologias e os recursos naturais empregados para geração de eletricidade estão disponíveis sem restrições para todos os capitais que se propõem realizar este tipo de investimento. Isto é, não existem barreiras específicas de acesso aos produtos energéticos naturais para "queima" e nem às tecnologias para obtenção da energia mecânica-eletricidade (grupos geradores, sistemas de comando e controle, etc.)" Por isso, o preço médio de produção por unidade de eletricidade produzida é dado pelo custo de produção por unidade de eletricidade nesta condição (térmica de combustíveis fósseis) mais a taxa média de lucro aplicada sob o total de capital empregado para produzir uma unidade de eletricidade.o

Destaca-se que os produtores de eletricidade, a partir de térmicas a combustíveis fósseis, usam recursos naturais diretos da natureza, como o carvão usado para combustão nas caldeiras. E ainda, fazem uso de uma série de fenômenos naturais, por exemplo, utilizam energia mecânica para converter em eletricidade. Porém, este conjunto - recursos naturais e fenômenos da natureza - está disponível a todos os capitalistas. É certo, que se diz aqui, daqueles que têm disponível o montante de capital necessário para ser empregado neste segmento da produção. Portanto, estes bens naturais não são fontes de lucro ao capitalista individual, podem auxiliar na taxa média de lucro se contribuir para aumentar a produtividade - menor tempo de trabalho socialmente necessário para produzir uma unidade de valor de uso -, mas como está disponível a todos, isto contribui para aumentar a taxa média de lucro geral.

As hidrelétricas, em geral, envolvem um conjunto de particularidades, que combinam questões relacionadas: as populações; a localização; a vazão; a altura; etc., conformando-se característica exclusiva de cada potencial hidráulico. Todos estes fatores são determinantes para a construção do aproveitamento e definem o arranjo das estruturas componentes, como: a altura e posicionamento da barragem; a estrutura vertedoura; o posicionamento da tomada d'água; o sistema de adução d'água; o arranjo e a localização da casa de máquinas; o canal de fuga; as máquinas e os sistemas de controle e comando. Ainda, a distância da hidrelétrica aos centros de consumo implica as instalações de subestações e as linhas de transmissão. O acesso ao local do aproveitamento, condiciona a construção de estradas de acesso; à distância em relação a outros sistemas de produção podem exigir canteiros de obras mais ou menos sofisticados. Todos estes elementos são ligados à localização da construção. Outros, ainda, como: o tempo de construção; áreas de inundação; desapropriação de áreas; negociação com populações nativas atingidas; e etc., referentes à construção, demonstra o conjunto de questões envolvidas neste tipo de instalação. Estas são todas distintas entre si. Inclusive na operação da hidrelétrica, pois a combinação vazão no tempo e a concepção da hidrelétrica - reservatório de acumulação ou a fio d'água - implica diferenciados regimes de geração para cada aproveitamento. Isto diz respeito a sua produtividade. No entanto, apesar deste conjunto complexo de fatores para implantação e operação deste tipo de instalação, estes empreendimentos - de um modo geral- apresentam maior produtividade do que qualquer tipo de geração térmica de eletricidade. Por exemplo, mesmo as térmicas a gás natural de ciclo combinado, as de maior produtividade neste tipo de tecnologia, cujas instalações de geração são sempre mais simples que as hidrelétricas, sua produtividade é bem menor. Pois, sua vida útil e o custo do gás natural são elementos que não permitem paralelos com as hidrelétricas, uma vez que, as últimas, são "centenárias" e o seu "combustível" a água dos rios, que, por enquanto, as relações sociais de produção capitalistas não conseguiu ainda, colocá-Ias à venda.

Assim, recuperando que o preço de produção da eletricidade é dado pelo custo de produção na pior condição de geração adicionado a taxa de lucro médio geral do capital aplicada à totalidade das instalações, ou seja, é o preço de produção médio para geração de eletricidade a partir dos combustíveis fósseis que constitui o preço regulador do mercado. Não se trata aqui do preço exato da mercadoria eletricidade. Mas, é ele o preço em torno do qual o preço da eletricidade oscila no mercado e é geralmente vendida. Daí os empreendedores em geração de eletricidade que dispõem de potenciais hidráulicos podem obter lucros suplementares - termo usado por Marx para introduzir a noção de renda diferencial segundo a representação do valor trabalho social- resultado da diferença entre o seu preço de produção a partir dos recursos naturais hidráulicos e o preço de produção social médio (térmicas a combustíveis fósseis).

Do ponto de vista da produção, o valor da eletricidade produzida a partir dos potenciais hidráulicos é menor do que o valor da eletricidade produzida a partir de combustíveis fósseis, por meio das termelétricas. Pois, uma unidade de eletricidade de origem hidráulica demanda menor quantidade de meios de produção - menos capital constante - menor número de horas de força de trabalho - menos capital variável- do que uma unidade de eletricidade de origem térmica. Isto mostra que a geração de eletricidade a partir de potencial hidráulico tem uma produtividade em sua instalação que requer menos tempo de trabalho para produção de uma unidade de eletricidade. Por isso, o preço próprio de eletricidade de origem hidráulica é menor que o preço próprio de origem térmica.

Desse modo, o lucro suplementar da geração da eletricidade hidráulica é resultado da diferença do preço de produção social médio - térmicas a combustíveis fósseis - e o preço de produção próprio das hidrelétricas. Esta noção - lucro suplementar - é neste estudo uma das categorias basilares para a aproximação e entendimento da produção de energia elétrica no Brasil. Pois, ela historicamente, e principalmente, na atualidade, tem sido um dos fatores centrais na "disputa pelas 'fontes' e controle dos excedentes" da indústria elétrica brasileira. Por isso, a seguir procura-se caracterizá-Ia com maior rigor.

Primeiro, o lucro suplementar embolsado pelo produtor de eletricidade a partir de hidrelétricas não decorre de vantagens obtidas na venda de sua mercadoria. Isto é, não nasce na circulação.

Segundo, ao contrário do que falam certos estudiosos - afinados com os fisiocratas quando afirmam que a geração de eletricidade predominantemente hidrelétrica brasileira é fonte financeira de uma "renda hidráulica" - o lucro suplementar não resulta do recurso natural. O recurso - natural - hidráulico é a base para produção da eletricidade em condições de elevada produtividade, mas não é ele o componente determinante do lucro suplementar. O componente determinante é o preço de produção social médio. Pois, se a produtividade da produção social média da eletricidade alcançar a produtividade dos recursos hidráulicos o lucro suplementar proveniente da geração hidrelétrica deixa de existir.

Terceiro, o lucro suplementar advém então do preço de produção social médio, que para a eletricidade - historicamente - é dado pelo preço de produção a partir das térmicas a combustíveis fósseis.

E quarto, assim como o recurso hidráulico não determina o lucro suplementar a propriedade também não o determina. Porém, é ela que credencia a quem tiver a sua posse o direito de se apropriar do lucro suplementar, seja na forma de renda se proprietário do potencial, ou lucro suplementar adicionada a taxa de lucro médio sobre o capital quando empregado pelo empreendedor que tenha a posse do recurso hidráulico.

Assim, a representação do valor trabalho social expressa aqui a sua superioridade para a compreensão da disputa que existe na sociedade capitalista pela propriedade dos recursos naturais que são o suporte de obtenção de maior produtividade em determinados segmentos da produção.

Do ponto de vista da representação do valor trabalho social, a sua coerência está demonstrada, pois retira qualquer possibilidade de se compreender o mais-valor (lucro suplementar) como atributo natural ou decorrente de qualquer princípio subjetivo de maximização de benefício ou lucro, ou ainda, da utilidade marginal.

O lucro suplementar nasce da diferença entre a produtividade dada pelas condições sociais médias de produção, a qual, os capitais não têm nenhuma restrição a sua entrada, e a maior produtividade - que independe do capital e do trabalho - proporcionada por um capital empregado em um recurso natural que não está disponível a todos os capitalistas. Esta condição de assim poder produzir é privilégio daqueles - empreendedores - que tem acesso a determinados territórios dotados de recursos naturais que são base para maior produtividade do trabalho, em determinado segmento da produção, quando comparada à produtividade do trabalho social neste mesmo segmento. Não existe aqui, contradição na representação do valor do trabalho social pela existência de certa porção de valor (lucro suplementar) desvinculada do trabalho, pois, o valor - nas palavras de Marx - é uma relação social de produção.

"É a determinação pelo valor de mercado, tal como se impõe no sistema de produção capitalista por meio da concorrência, que gera falso valor social. O fenômeno decorre da lei do valor de mercado, à qual estão sujeitos os produtos do solo. A determinação do valor de mercado dos produtos, inclusive dos produtos do solo, portanto, é um ato social, embora sua realização social não seja consciente nem intencional, e se funda necessariamente sobre o valor-de-troca do produto, não sobre o solo e sobre as diferenças de sua fertilidade. (. . .) A identidade do preço de mercado de mercadorias da mesma espécie é a maneira como se impõe o caráter social do valor na base da produção capitalista e, em geral, da produção fundada na troca de mercadorias entre indivíduos. O 'que a sociedade, no papel de consumidora, paga demais pelos produtos agrícolas [pecuária, mineração e energia], o que para ela representa quantidade negativa na realização de seu tempo de trabalho na agrícola [pecuária, mineração e energia], constitui então excedente de parte da sociedade: os proprietários da terra [ou os capitalistas}(. . .)que dispõem do monopólio de parcelas especiais do globo terrestre"

Outra questão implícita a representação do valor trabalho social expressa pela relação lucro suplementar proporcionados pelo emprego de capital em determinadas bases naturais que apresentam maior produtividade que a média social, está relacionada a sua importância enquanto instrumento político, na medida em que, permite a classe trabalhadora, que em muitos países empreendem lutas em defesa de seus recursos naturais, compreender - para transformar - a disputa que os capitais travam entre si para monopolizar determinados recursos naturais em certas porções dos territórios, de maneira, a colocá-Ios - pelo uso exclusivo dos recursos naturais - em condição de maior lucratividade pelo capital aplicado. A atualidade política desta compreensão, está, de certo modo, manifesta nos encaminhamentos dos governos: "Chavez" na Venezuela e "Evo Moralez" na Bolívia, em relação ao controle pelo Estado de parte substantiva dos "Iucros suplementares", advindos das peculiaridades de produção, determinadas, principalmente, pelos recursos naturais energéticos destes países. Na contramão da classe trabalhadora brasileira, o "Governo Lula" no Brasil, segue realizando uma política de transferência integral do controle dos "Iucros suplementares", que continuam sob o domínio do estado brasileiro, como também, estimulando e criando condições à incorporação de muitas outras "fontes naturais", base para elevada produtividade, numa clara política de atendimento aos interesses capitalistas - em detrimento da classe trabalhadora - ao colocar sobre domínio destes, porções privilegiadas dos recursos naturais brasileiros fontes de lucros suplementares.

A seguir, para evidenciar a capacidade de representação das categorias oriundas do valor trabalho social esta é colocada em confronto com a posição do pensamento hegemônico e até de alguns dos - neste estudo, denominados - "críticos da reforma" para realizar a análise dos movimentos dos preços que ocorrem na produção de bens e serviços intensivos em recursos naturais passíveis de monopolização. Por isso, recorre-se a atualidade dos acontecimentos na agro-indústria brasileira ligada a produção-distribuição do etanol que teve uma ascensão vertiginosa no preço de venda, pela indústria, saltando de US$ 0,3I1itro, em meados de 2005, fechando fevereiro de 2006 a US$ 0,52/1itro de álcool.

Para o pensamento hegemônico, a explicação que propugnam, em geral, considera a realidade dos preços do etanol em elevação fruto do aumento da demanda. E esta tem suas raízes em dois elementos. Primeiro, pela manifestação de vários países de adicionar o etanol a gasolina, frente à escalada dos preços do petróleo e/ou pelas restrições as emissões firmadas no protocolo de Kyoto, caso de: muitos estados dos EUA; boa parte dos principais países da Europa - como se verifica em documento da União Européia que incentiva o uso do Etanol - e ainda, da Ásia através da China, Japão e Coréia do Sul. Segundo, pelo aumento do consumo interno - nacional- proporcionado pelo crescente uso de veículos bi-combustíveis. Este mesmo acontecimento - para eles - serve também para colocar em xeque a representação valor trabalho social, uma vez que, o pressuposto central desta teoria é de que a variação no preço deve-se a variação da produtividade do trabalho, e como a produção de álcool no Brasil não incorporou avanços tecnológicos e ou arranjos nos processos agro- industriais que proporcionassem um aumento na produtividade, concluem: a representação do valor trabalho social nada tem a dizer. Logo, por meio da histórica lei da "oferta e procura", profetizam, algo a semelhança do que se segue: "o indivíduo comprador de álcool esta disposto a consumir mais, mesmo sem o aumento da oferta. Por isso, frente à disposição do individuo comprador, os indivíduos vendedores maximizam seus lucros aumentando os preços".

Como já foi mostrada a interpretação da produtividade para o pensamento hegemônico, e também, para os críticos da reforma está ligada exclusivamente ao trabalho físico. Esta - a produtividade - não tem qualquer vinculo social. Sabem, por exemplo, que o custo de produção do litro do etanol, no Brasil, a partir da cana-de-açúcar está em torno de U$ 0,2/litro; de que na China e no EUA este é por volta de US$ 0,33/litro; e na Europa onde o etanol é produzido a partir do trigo e da beterraba, o custo de produção gira, respectivamente, ao redor de US$ O,4S/litro e US$ 0,52/litr043, e que, vários grupos econômicos internacionais - oriundos das mais distintas áreas de produção, inclusive as consideradas vanguardas da tecnologia mundial, caso da Microsoft e Googlle - têm manifestado interesse de realizar investimentos em empreendimentos agro-industriais no Brasil visando à produção do etanol. Sabem também, que a partir de 2005 muitos países diante dos aumentos dos preços de petróleo, têm decidido incluir em suas respectivas matrizes energéticas o uso do etanol. Contudo, este conjunto de fatos e dados só Ihes informa que existe: em primeiro lugar, uma tendência no crescimento na demanda de etanol pela sua inclusão - em muitos países - como mais um elemento da matriz energética; e, em segundo lugar, conseqüência do primeiro, com a elevação da demanda o aumento de seu preço tem mobilizado os mais distintos grupos econômicos para esta atividade.

Como a análise que fazem tem como fundamento específico as quantidades e o entendimento de suas variações para a compreensão - talvez por isso o poder, ainda na atualidade, da linguagem matemática expressa no cálculo diferencial/integral-, não percebem elementos cruciais relacionados à qualidade, e, principalmente, a sua variação. O que se quer dizer é que não observam - seja pela postura alienada e/ou pelo conteúdo ideológico de suas análises - a mudança de qualidade que a mercadoria etanol está sendo submetida. O aumento dos custos de produção do petróleo, mais do que isto, o crescente índice de incerteza político para assegurar o seu fornecimento como combustível, está oportunizando a entrada de outros energéticos em substituição aos combustíveis derivados do petróleo, caso do etanol, que ao ser adicionado à gasolina ganha um novo uso. Isto é, assume uma utilidade idêntica a gasolina. É aqui, que a representação valor trabalho social, através das relações entre suas categorias permite construir uma aproximação com maior profundidade explicativa sobre a mudança de preço do etanol. Nesta representação uma mercadoria tem valor de uso e valor. O valor de uso não diz nada sobre o tempo de trabalho socialmente incorporado na mercadoria, mas ele é suporte para a troca. Já o valor corresponde ao tempo de trabalho socialmente incorporado na mercadoria, e, é este o valor que tende a mediar às trocas. Daí, como o produto etanol passou a ter o mesmo uso que o produto gasolina, nada mais os distingue enquanto mercadorias para o intercâmbio. Pois no ato de troca abstrai-se da mercadoria o seu processo de produção, e ela se apresenta no intercambio como valor, como tempo de trabalho socialmente incorporado para produzir uma unidade de uso, neste caso, em energia na forma de uma quantidade definida em kilocaloria. Por isso, gasolina e etanol não se diferenciam e passam a ter o mesmo valor, ou seja, o novo conteúdo social dado ao etanol determina agora o seu valor.

No entanto, cabe recuperar que na sociedade capitalista as mercadorias não se trocam pelos seus valores. A concorrência de capitais entre os diferentes campos da produção - onde não existe impedimento a entrada - acaba estabelecendo uma redistribuição da mais valia que se exprime como taxa média de lucro do capital, fato que, implica as trocas serem feitas pelo preço de produção médio geral. Este, para as mercadorias, cuja produção está intrinsecamente ligada a recurso natural monopolizável e que é alicerce de condição inusitada de produtividade, tem a formação do preço fixada pela condição onde ocorre o maior custo de produção. Assim, o que se está dizendo, é que o etanol ao ter "ganho" o valor da gasolina assume um preço que oscila em torno do preço médio geral de produção da gasolina. Certamente, considerado os valores equivalentes em kilocaloria por unidades de volume dos respectivos energéticos. Portanto, é preciso entender que a representação do valor trabalho social, quando versa sobre a produtividade do trabalho para compreender os preços, faz não no sentido do trabalho cristalizado em Ricardo, mas, com o significado dado por Marx de produtividade do trabalho social. Por isso, "a identidade do preço de mercado de mercadorias da mesma espécie é a maneira como se impõe o caráter social do valor na base da produção capitalista e, em geral, da produção fundada na troca de mercadorias entre indivíduos "

Daí, dada à escala de demanda que se coloca no horizonte de utilização pelo novo uso do etanol como gasolina, dois interesses externos já estão expressos, por um lado, os governos dos países que possuem custo de produção por unidade de etanol maior do que, por exemplo, o Brasil, estão diminuindo às restrições a importação, como formas de desestimular os seus produtores a produção, e, conseqüentemente, reduzir os seus déficits orçamentários proporcionados pelo subsídio dado a estes segmentos de produção em seus territórios, por outro lado, investidores destes países, por terem conhecimento da elevada produtividade do trabalho na produção do etanol em terras brasileiras, para cá se dirigem em busca do lucro suplementar que poderão auferir aqueles que aqui produzirem. Este, neste caso dado pela diferença do preço de produção médio geral da gasolina e o preço de produção individual do etanol no Brasil. Assim, sem estar citando, retorna-se a Rubin44 quando expressa que só a teoria do valor trabalho social é capaz de no movimento visível da distribuição do capital compreendera processo invisível da distribuição do trabalho e as relações que são desenvolvidas para conservar o processo de exploração do trabalho e a conseqüente acumulação do capital como acontece, na atualidade, na agro-indústria de etanol do Brasil.

Esta noção, determinada a partir da representação do valor trabalho social, de que o recurso natural em si não é o gene do lucro suplementar, está sendo demonstrada, exemplarmente, pelo novo conteúdo social dado ao etanol, por isso, assume também a forma valor da gasolina. Deste modo, a mesma base natural de produção, sem qualquer mudança na produtividade do trabalho passa a ser a fonte de lucro suplementar maior. Aqui, outra mensagem política importante à classe trabalhadora dos países que possuem em seus territórios recursos naturais 'fontes' de condições excepcionais da produtividade do trabalho, que em muitas situações tem sido seduzida por projetos econômicos de exploração de recursos naturais, em nome da criação de empregos, melhorias da infra-estrutura social, entre outras argumentações da ideologia capitalista para dar continuidade à exploração do trabalho e acumulação do capital. Estes, em grande parte têm curto período de existência, e comumente, são abandonados, tão logo às condições da base natural fonte do lucro suplementar se esgote ou um novo preço regulador de mercado se imponha, deixando massas de trabalhadores totalmente fragilizadas e disponíveis as formas mais vis de exploração. Como lamentável exemplo, as frentes de mineração e colonização na região amazônica brasileira.

Assim, tendo por suposto os elementos centrais da teoria do valor trabalho social, até aqui expostos, retoma-se no capítulo seguinte a análise da indústria elétrica brasileira, procurando nos movimentos "visíveis" deste segmento da produção, tais como: a apropriação dos recursos naturais, a implementação de tecnologias; a regulamentação da produção/distribuição nas instituições de estado e, principalmente, na (re)organização permanente da distribuição do capital e do trabalho os elementos "invisíveis" que só a representação do valor trabalho social é capaz de revelar através das relações de suas categorias, que são forjadas das contradições centrais da produção capitalista, que no caso da indústria elétrica, se exprime na "disputa pelas 'fontes' e controle dos excedentes "travada pela luta de classes entre capital e trabalho e na luta no interior da classe capitalista pela mais-valia-relativa e do "lucro suplementar".

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