"Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." (Jo 8.32)
30 de abril de 2012
Desenvolvimentismo inglês, muito antes de Keynes
Por José Luís Fiori
A partir do século XVII, protecionismo, sistema financeiro muito avançado e expansão militar fizeram da Inglaterra primeira grande potência capitalista
O “milagre econômico inglês”, que deu origem ao capitalismo moderno, começou no século XVII, muito antes da chamada “revolução industrial”. De forma aproximada, pode-se dizer que seu início ocorreu entre a “República de Cromwell” (1649-1659) e o reinado de Guilherme III, o “rei holandês”, que governou a Inglaterra entre 1689 e 1702. Cromwell aumentou o poder naval da Inglaterra, fez guerra e venceu a Holanda (1652-1654) e a Espanha (1654-1660), as duas grandes potências marítimas do século XVII, e conquistou a ilha da Jamaica, em 1655, criando a primeira colônia do futuro Império Britânico. Além disto, Cromwell editou, em 1651, o 1º Ato da Navegação, que fechou os portos ingleses aos navios estrangeiros e se transformou no primeiro ato mercantilista agressivo da Inglaterra, fechando as fronteiras de sua economia nacional.
Três décadas depois, Guilherme III, enfrentou e venceu a França, na Guerra dos 9 Anos (1688-1697), iniciou a Guerra da Su-cessão Espanhola (1702-1712), conquistou e submeteu a Irlanda e a Escócia. Ao mesmo tempo, no campo econômico, promoveu uma “fusão revolucionária” das instituições financeiras holandesas – que eram mais avançadas – com as finanças inglesas, criando o Banco da Inglaterra e um novo sistema de financiamento da dívida publica inglesa, atrelado à Bolsa de Valores e ao sistema de crédito da banca privada. Uma “revolução financeira” que deu à Inglaterra um poder de fogo econômico e militar – em qualquer lugar do mundo – muito superior ao das demais potências europeias.
Foi neste período que Wiliam Petty (1623-1687) – o pai da economia política clássica – escreveu dois ensaios que revolucionaram o pensamento econômico do século XVII: o Tratado sobre Impostos e Contribuições, publicado em 1662, e a Aritmética Política, publicado depois da sua morte, em 1690. No momento em que Petty publicou sua obra, a Inglaterra ainda era uma potência de segunda ordem e se sentia cercada pela Holanda, Espanha e França. Esta era sua preocupação fundamental, quando formulou o conceito de “excedente econômico”, e estabeleceu uma relação direta entre o tamanho deste “excedente” e o poder internacional de cada país.
O que Petty não propôs nem previu foi que a Inglaterra virasse uma potência agressiva, e que seu expansionismo se transfor-masse num motor fundamental para o próprio crescimento do “excedente interno” da economia inglesa, consagrando uma estratégia desenvolvimentista pioneira na história do capitalismo. Basta dizer que a Inglaterra participou de 110 guerras entre 1650 e 1950, dentro e fora da Europa, e financiou este seu expansionismo bélico, depois da “revolução financeira” de 1690, através da sua “dívida publica”, que cresceu de 17 milhões de libras, em 1690, para 700 milhões em 1800, sem perder, em nenhum momento, a sua “credibilidade” nacional e internacional.
Resumindo e apressando a história, já é possível identificar alguns traços fundamentais e específicos deste “desenvolvimentismo inglês”:
1.O desenvolvimento inglês foi ligado umbilicalmente à expansão do poder internacional da Inglaterra, e esta expansão foi muito importante para o aumento da “produtividade” e do “excedente” da economia inglesa.
2.Neste contexto, pode se entender por que as guerras e a “preparação para a guerra” ocuparam um lugar tão importante no desenho estratégico do desenvolvimentismo do estado e dos capitais ingleses.
3.O expansionismo inglês nunca foi liderado pela indústria ou pela burguesia industrial, e sim pelas suas elites ligadas à terra, às armas e às finanças.
4.A estratégia de desenvolvimento da Inglaterra seguiu sendo basicamente a mesma, antes e depois da crítica ao mercantilismo, da economia política clássica, e também, antes e depois da “revolução industrial”.
5.O próprio protecionismo de Cromwell manteve-se até o século XIX e só foi abandonado depois que a Inglaterra já era a maior potencia militar e econômica mundial.
6.A finança, a dívida publica e a imposição progressiva da libra como moeda do “território econômico supranacional” da Inglaterra, foram os principais instrumentos de poder responsáveis pelo sucesso internacional do capitalismo inglês.
7.Por fim, o desenvolvimentismo inglês não teria sido o mesmo sem a complementaridade dos EUA, que foi sempre sua principal fronteira de expansão financeira, e depois se transformou no herdeiro direto deste mesmo modelo inglês de desenvolvimento e expansionismo contínuo. Só como ponto de comparação, entre 1783 e 2012, os EUA já fizeram ou participaram de cerca de 85 guerras, ou seja, em média, também uma a cada três anos, como no caso da Inglaterra.
Agora bem: este “desenvolvimentismo inglês” é o único caminho possível de sucesso? Não. Ele pode ser seguido por qualquer país? Também não. De qualquer forma, o importante é entender que este foi o caminho seguido pelas duas maiores potencias liberais da economia capitalista internacional.
http://www.outraspalavras.net/2012/04/26/o-desenvolvimentismo-ingles-muito-antes-de-keynes/
Para reler o “velho desenvolvimentismo”
Radiografa corrente que marcou América Latina por décadas e destaca particularidade especial de sua presença no Brasil…
Por José Luís Fiori
A hegemonia do pensamento desenvolvimentista, na America Latina, deita raízes na década de 30, se consolida nos anos 50, passa por uma auto-crítica nos anos 60, e perde seu vigor intelectual na década de 80. Nesse percurso é possível identificar três grandes “matrizes teóricas” que organizaram o debate em torno ao “papel do Estado” no desenvolvimento econômico, e contribuíram para a cons-trução e legitimação da ideologia “nacional-desenvolvimentista”:
I) a teoria weberiana da “modernização”, contemporânea da teoria das “etapas do desenvolvimento econômico“, de Walter Rostow. Sua proposta de modernização supunha e apontava, ao mesmo tempo, de forma circular, para uma idealização dos estados e dos sistemas políticos europeu e norte-americano;
II) a teoria estruturalista do “centro-periferia” e do “intercambio desigual”, formulada pela CEPAL. Sua defesa intransigente da industrialização lembra o nacionalismo econômico de Friedrich List e Alexander Hamilton, mas não dá a mesma importância destes autores, aos conceitos de nação, poder e guerra; e, finalmente,
III) a teoria marxista da “revolução democrático-burguesa” que via no desenvolvimento e na industrialização o caminho necessário de amadurecimento do modo de produção capitalista e da própria revolução socialista. Sua interpretação e estratégia traduziam de forma quase sempre mecânica experiências de outros países, sem maior consideração pela heterogeneidade interna da América Latina.
Estas três teorias consideravam que o desenvolvimento econômico era um objetivo indiscutível e consensual, capaz de constituir e unificar a nação; se propunham construir economias nacionais autônomas e sociedades modernas e democráticas; consideravam que a industrialização era o caminho necessário da autonomia e da modernidade, ou mesmo da construção socialista; e, finalmente, propunham que o Estado cumprisse o papel estratégico de condotieri desta grande transformação. Com o passar do tempo, entretanto, duas coisas chamam a atenção, nesta história desenvolvimentista. A primeira, é que apesar desta ampla convergência estratégica, as políticas desenvolvimentistas só tenham sido aplicadas de forma muito pontual, irregular e descoordenada. E em todo este período só se pode falar da existência de dois “estados desenvolvimentistas”, na América Latina: o mexicano, com muitas reservas; e o brasileiro, que foi o mais bem sucedido, do ponto de vista do crescimento econômico.
E a segunda coisa que chama muito a atenção é que exatamente no Brasil, a matriz teórica e estratégica que teve mais importância não foi nenhuma destas três, pelo contrário, foi a teoria da “segurança nacional” formulada pelos militares brasileiros que tiveram um papel central na construção e no controle ou tutela do “estado desenvolvimentista”, entre 1937 e 1985. O “desenvolvimentismo militar” deu seus primeiros passos no Brasil, com a Revolução de 30 e com o Estado Novo, mas só nos anos 50, com a criação da ESG, se transformou numa ideologia e numa estratégia específica e diferenciada dentro do universo desenvolvimentista, sendo a única que associava explicitamente a necessidade do desenvolvimento e da industrialização, com o objetivo prioritário da “defesa nacional”.
Como contribuição ao debate contemporâneo, vale uma rápida anatomia deste projeto militar, que teve grande sucesso econômico, mas foi muito frágil do ponto de vista político e social:
I) Os militares brasileiros propunham um projeto de expansão do poder nacional e uma visão competitiva do sistema mundial. Mas definiam sua estratégia de defesa a partir de um “inimigo externo” estritamente ideológico e longínquo, que nunca ameaçou nem desafiou efetivamente o país, e que foi importado da Guerra Fria.
II) A natureza exclusivamente ideológica deste “inimigo externo” permitiu aos militares transportá-lo para dentro do país, trans-formando todas as reivindicação e mobilizações sociais internas em manifestações que ameaçavam sua paranóia anti-comunista. Daí veio o caráter conservador, autoritário e anti-popular deste projeto desenvolvimentista.
III) Por sua vez, a desmobilização ativa da grande maioria da sociedade explica a composição heterogênea, oligárquica e quase sempre liberal da coalizão de interesses que sustentou política e socialmente, o sucesso econômico do desenvolvimentismo militar brasileiro. Uma coalizão que se manteve unida enquanto duraram as altas taxas de crescimento e se desfez rapidamente na hora da grande crise econômica internacional, do início dos anos 80.
IV) Por último, o projeto desenvolvimentista dos militares brasileiros utilizou a política macro-econômica como uma espécie de “variável de ajuste”. Ela nunca foi consistentemente ortodoxa nem heterodoxa, foi apenas a resultante possível, a cada momento, do grande paradoxo deste projeto: a necessidade de crescer e “fugir para frente, para manter unida uma coalizão de forças predominantemente anti-estatais e anti-desenvolvimentistas”.
http://www.outraspalavras.net/2012/01/04/para-reler-o-velho-desenvolvimentismo%e2%80%9d/
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