2 de abril de 2012

Qual a função da teologia?

Do ponto de vista da fé cristã, do Evangelho de Jesus Cristo, é revelar o Projeto de Deus para com a sua criação. Falo em criação, e não apenas em humanidade, porque a criação de Deus é maior que a humanidade. Isto estamos descobrindo a duras penas com a destruição da criação feita pela humanidade imbuída pela sanha avassaladora capitalista capitaneada pelo lucro sem limites e sem escrúpulos. Sanha esta novamente revelada na reunião de Davos deste ano onde a deputada democrata estadunidense Nita Lowey, de New York disse claramente:
- Os Estados Unidos estão determinados a manter sua força militar e ser o poder predominante no século XXI.
E o senador republicano Bob Corker completou:
- Os americanos não estão psicologicamente preparados para ter um papel secundário nos assuntos globais.

Em outras palavras: não vem que não tem. Estamos enfraquecidos econômica, moral e hegemonicamente, mas ainda somos capazes de atacar, saquear e matar impunemente quem nós queremos. Não há justiça internacional que nos pegue, nos prenda e nos faça pagar pelos nossos crimes. Estamos e somos impunes e isto vai ficar assim! Isto que os acima mencionados são cristãos. Por querer, queremos saquear a todos, mas como alguns são bastante fortes optamos em saquear apenas os mais fracos, que preferencialmente detém muitas riquezas em seu território. Ora, pois, somos grossos, mas não somos burros!

Assim também pensavam os egípcios, os assírios, os persas, os gregos e os romanos, mas como previu o escritor do Apocalipse no capítulo 18.2-5, em torno de 300 anos antes da queda do Império Romano, quando ele estava em seu auge:
"Caiu! Caiu a grande Babilônia e se tornou morada de demônios, covil de toda espécie de espírito imundo e esconderijo de todo gênero de ave imunda e detestável, 3 pois todas as nações têm bebido do vinho do furor da sua prostituição. Com ela se prostituíram os reis da terra. Também os mercadores da terra se enriqueceram à custa da sua luxúria. 4 Ouvi outra voz do céu, dizendo: Retirai-vos dela, povo meu, para não serdes cúmplices em seus pecados e para não participardes dos seus flagelos; 5 porque os seus pecados se acumularam até ao céu, e Deus se lembrou dos atos iníquos que ela praticou".

Assim como todos os impérios que conhecemos da história desapareceram, o Império estadunidense também vai cair e desaparecer, assim como o modo de produção escravocrata e o feudal desapareceram o modo de produção capitalista também vai desaparecer, contra toda a sua propaganda. Por que? Porque é obra humana e toda obra humana é finita e passageira, somente Deus é eterno. É bom que se lembrem disto os cristãos, que seguem o capitalismo achando que não há outra forma de se organizar a vida e a sociedade além do capitalismo: o capitalismo também vai desaparecer, ele não é eterno, por mais que o deus capital o diga e por mais que nós cristãos ingênuos o acreditemos. O capitalismo vai desaparecer porque é obra humana, portanto finita e passageira. Não se esqueçam: Só Jesus salva, o capitalismo não salva!

Façam um adesivo para colar no vidro traseiro de seu carro com estes dizeres: "Só Jesus salva, o capitalismo não salva!" Alguém tem coragem para fazer isto? Até para isto os cristãos não tem coragem. Tememos mais a ideologia do capital do que o Juízo Final. Jesus já nos lembra em seu Evangelho, na versão de Mateus 10.28.28: "Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma (a vida); temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo". Parece, no entanto, que tememos mais os opressores capitalistas do que a Deus, porque nós nos identificamos com os capitalistas e não com o Projeto de Deus já tornado realidade em Jesus Cristo. Esta é a verdade, por mais que a neguemos. Que Deus tenha piedade de nós no Dia do Juízo Final!

Dizem que as guerras acontecem por razões muito nobres: a segurança internacional, a dignidade nacional, a democracia, a liberdade, a luta contra o terrorismo, a ordem, o mandato da civilização ou a vontade de Deus. Nenhuma pessoa ou país tem a honestidade de confessar: "Eu mato para roubar". A guerra é, na verdade, latrocínio: roubo seguido de morte ou morte seguida de roubo, tanto faz a seqüência.

Assim, já estamos falando da segunda função da teologia: garantir, legitimar e reproduzir o sistema econômico vigente e sua forma de poder político. Obviamente esta teologia não é a teologia do Deus Criador do universo que opta sempre pela classe oprimida, mas é a teologia do deus que legitima o modo de produção vigente, que entre os egípcios era Ra, entre os cananeus era Baal, entre os babilônios era Sol e entre os capitalistas é o deus capital.

Javé deixa claro, aos camponeses sem terra hebreus que ele conduz para a conquista da terra na Palestina e para isto tem que acabar com o Estado (Js 6-8) para que ali se construa uma sociedade de iguais, sem classes sociais, sem templo, sem estado e onde os meios de produção, no caso a terra, esteja ao alcance de todos e todas:
14 Agora, pois, temei ao Senhor e servi-o com integridade e com fidelidade; deitai fora os deuses aos quais serviram vossos pais dalém do Eufrates e no Egito e servi ao Senhor. 15 Porém, se vos parece mal servir ao Senhor, escolhei, hoje, a quem sirvais: se aos deuses a quem serviram vossos pais que estavam dalém do Eufrates ou aos deuses dos amorreus em cuja terra habitais. Eu e a minha casa serviremos ao Senhor. 16 Então, respondeu o povo e disse: Longe de nós o abandonarmos o Senhor para servirmos a outros deuses; 17 porque o Senhor é o nosso Deus; ele é quem nos fez subir, a nós e a nossos pais, da terra do Egito, da casa da servidão, quem fez estes grandes sinais aos nossos olhos e nos guardou por todo o caminho em que andamos e entre todos os povos pelo meio dos quais passamos. 18 O Senhor expulsou de diante de nós todas estas gentes, até o amorreu, morador da terra; portanto, nós também serviremos ao Senhor, pois ele é o nosso Deus. (Js 24)

Por que os camponeses sem terra escravos e seus descendentes servem a Javé? Porque ele os tirou da escravidão e lhes deu a terra. Camponês sem terra não é livre.
O livro de Juízes 6 deixa claro que todas as vezes que o povo de Israel seguia falsos deuses era oprimido:
1 Fizeram os filhos de Israel o que era mau perante o Senhor; por isso, o Senhor os entregou nas mãos dos midianitas por sete anos. 2 Prevalecendo o domínio dos midianitas sobre Israel, fizeram estes para si, por causa dos midianitas, as covas que estão nos montes, e as cavernas, e as fortificações. 3 Porque, cada vez que Israel semeava, os midianitas e os amalequitas, como também os povos do Oriente, subiam contra ele. 4 E contra ele se acampavam, destruindo os produtos da terra até à vizinhança de Gaza, e não deixavam em Israel sustento algum, nem ovelhas, nem bois, nem jumentos. 5 Pois subiam com os seus gados e tendas e vinham como gafanhotos, em tanta multidão, que não se podiam contar, nem a eles nem aos seus camelos; e entravam na terra para a destruir. 6 Assim, Israel ficou muito debilitado com a presença dos midianitas; então, os filhos de Israel clamavam ao Senhor.

Por que acontece isto? Porque os falsos deuses permitem a opressão, melhor, eles vivem da opressão e a incentivam, esta é a sua dinâmica. De fato, os falsos deuses nem existem. Existem apenas na cabeça e na ideologia da classe dominante economicamente para legitimar religiosamente o roubo e a exploração da classe subalterna. É a divinização do saque. Os falsos deuses não existem de verdade, são apenas a imagem da vontade dos opressores para legitimar a sua opressão econômica, política, cultural, religiosa e ideológica. Mas esta imagem gerada é tão forte e poderosa que se torna real e palpável nos ritos e na teologia. A teologia dos falsos deuses é poderosa porque reproduz e legitima a nossa ganância e os nossos desejos egoístas e assim tornamos os falsos deuses inexistentes reais e onipresentes. Porém, a dinâmica de Javé é a luta contra a opressão. Por que se oprime? Para explorar e roubar. Javé não permite a opressão e a exploração, os falsos deuses o permitem. Por isso Javé deixa claro: se seguirem os falsos deuses vocês serão oprimidos, explorados e até escravizados.

Jz 6.25 Naquela mesma noite, lhe disse o Senhor: Toma um boi que pertence a teu pai, a saber, o segundo boi de sete anos, e derriba o altar de Baal que é de teu pai, e corta o poste-ídolo que está junto ao altar. 26 Edifica ao Senhor, teu Deus, um altar no cimo deste baluarte, em camadas de pedra, e toma o segundo boi, e o oferecerás em holocausto com a lenha do poste-ídolo que vieres a cortar.

A isto a Bíblia se refere quando diz: "Fizeram os filhos de Israel o que era mau perante o Senhor". Os israelitas construíam um altar ao deus cananeu Baal e à deusa Astarote, que são os deuses da natureza e da fertilidade, adorados para pedir e garantir prosperidade. A teologia da prosperidade é bem antiga e se constrói em cima de deuses falsos que legitimam a opressão e a sociedade de classes. Assim ontem, como hoje. Por isso Salomão construiu o Templo, para legitimar o roubo e a exploração da classe camponesa, mudando a teologia de Javé, de lutador contra o Estado e pela terra, para um Deus que legitima o Estado, a grilagem de terra e a opressão pela teologia da prosperidade. Agora Javé é apenas o Deus que torna as pessoas ricas e quem não é rico é porque Deus não está com ele. Condenam assim a vítima duas vezes: pela opressão e exploração e a tornam culpada ideologicamente de sua própria pobreza. Agora Javé não é mais aquele Deus que explica que a riqueza vem do roubo e luta contra o sistema que gera o roubo. Agora Javé legitima o roubo. Hoje se usa o nome de Javé em vão para legitimar o deus capital. Adora-se o deus capital dizendo estar adorando a Javé. Adora-se Javé com a teologia do deus capital. Adora-se Javé de forma falsa, isto é idolatria. A idolatria é a prática teológica mais executada entre os cristãos. É a síndrome de Jefté, que adora Javé sacrificando sua filha no altar de Javé, que é uma prática religiosa pagã que Javé não abona

Jz 11.30-31: "Fez Jefté um voto ao Senhor e disse: Se, com efeito, me entregares os filhos de Amom nas minhas mãos, quem primeiro da porta da minha casa me sair ao encontro, voltando eu vitorioso dos filhos de Amom, esse será do Senhor, e eu o oferecerei em holocausto". Para ser fiel a seu voto, que achara ter dado à Javé, teve que matar sua filha. Porém, Javé jamais pediria algo assim. Isto já está escrito em Gn 22. Os deuses falsos exigem sacrifícios, Javé não exige sacrifícios. Ele salva por graça e fé. O deus capital sacrificou em seu altar no Iraque 1 milhão e 300 mil pessoas e o Bush disse que isto era em nome de Javé. Esta é a esperteza do diabo: nos fazer crer que ele é deus e que seus instrumentos (o capitalismo e sua dinâmica) são divinos. O capitalismo não é divino, é coisa do diabo. Quando a Ditadura do Pensamento Único para legitimar e reproduzir a Ditadura do Capital diz que ele é eterno temos que responder: Isto é mentira, somente Deus é eterno, somente Deus salva. Quando a Ditadura do Pensamento Único para legitimar e reproduzir a Ditadura do Capital diz que não existe outra forma de organizar a vida e a economia além do capitalismo temos que responder: Mentira! Existe outra forma de organizar a vida e a economia: o Reino de Deus, e isto está escrito na Bíblia já há 2 mil anos (Lc 4.43). Jesus não foi enviado para construir e reproduzir o capitalismo, mas para construir o Reino de Deus em oposição ao reino do mundo, hoje o capitalismo. É simples assim! Mas isto dá três nós em nossa cabeça que sempre foi determinada pela lógica do capital. Por isso Jesus inicia sua pregação, segundo Marcos 1.15: "O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho". Significa: primeiro é necessário o arrependimento, que é mudar o jeito de pensar e de organizar a vida segundo o deus capital, e o segundo passo é a fé no Evangelho do Reino de Deus e não a fé no deus capital. Sem este primeiro passo: arrependimento, não há salvação. Arrependimento hoje significa não mais legitimar o modelo de vida, que inclui o pensar, imposta pelo capital.

Por isso temos as três prioridades da igreja, que começam pelo arrependimento do pecador:
1ª prioridade da ação eclesial: é a tarefa da proclamação evangélica profética de que a pessoa e toda a sociedade são e permanecem pecadoras (Mc 1.15) e de que Deus justifica, salva e recria a pessoa arrependida (Rm 1.16-17) pela mediação verbal (Mc 2.1-12; Mt 9.22), e também, pela mediação palpável e degustável dos sacramentos em meio a comunidade (Mt 28.18-20; Mt 26.26-28);
2ª prioridade da ação eclesial: é a explicação e o estudo do significado do sacerdócio geral de todos os crentes com a comunidade, conseqüentemente também o ensaio e a execução, na própria comunidade, do sacerdócio das pessoas que crêem (I Pe 2.5 e 9) e foram batizadas, e, por isso, exercitam o sacerdócio comum (de todos os batizados crentes), mútuo (um é sacerdote para com o outro) e em conjunto (toda comunidade tem o ministério sacerdotal via batismo: o ministério da reconciliação - II Co 5.18-19);
3ª prioridade da ação eclesial: é toda luta por justiça em favor da construção desta nova sociedade que Jesus chama de Reino de Deus em que nós nos engajamos a partir da fé em Jesus Cristo. Este Reino de Deus já começou (Lc 17.21), mas ainda não está completo e o será apenas na volta de Cristo no Dia do Juízo Final.

A Conquista iniciada em 1492 pelos cristãos ibéricos estava baseada na idolatria e lastreada pelo Vaticano, assim como o capitalismo de hoje está baseado na idolatria e lastreado pela teologia das igrejas.

Como isto acontece hoje?
Javé opta, na luta de classes entre o Estado e os camponeses sem terra escravos hebreus, pela classe camponesa e se posiciona contra o Estado. Esta é a sua prática e a teologia descrita no credo histórico de Israel como o mostra Dt 6.20-23. No NT Javé radicaliza e ele mesmo se torna classe camponesa em Jesus de Nazaré, um camponês sem terra e sem teto, que foi assassinado na cruz pela teologia do Templo de Jerusalém e pelo Estado como subversivo, como fala Lc 23.1-5. Esta é a prática do trino Deus, ficar do lado do fragilizado pela dinâmica da sociedade. Em Tg 1.27 se diz o que é a verdadeira prática de fé: "A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo". Isto confirma a palavra de Mq 6.8: "Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o Senhor pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus".

Hoje, no entanto, nas igrejas da IECLB, as vítimas do sistema opressor capitalista não podem se reunir ali para se organizar contra a opressão advinda da prática teológica da adoração ao deus capital. A Bíblia deixa claro que a verdadeira religião está baseada no acolher das vítimas do sistema de opressão (Mt 25.44-45) que está ancorada na adoração à falsos deuses. Hoje, como no passado, a igreja cristã prega e pratica uma teologia idolátrica, pois não permite que as vítimas do sistema opressivo se organizem no seu espaço eclesial. Quem faz isto hoje é tido como subversivo e herege, as mesmas acusações pelas quais Jesus foi crucificado.
Ou, por acaso, na sua igreja os sem terra, as mulheres camponesas, as mulheres espancadas e violentadas, os sem teto, os atingidos por barragens podem se reunir diante do altar da igreja para se organizar na lutar contra a opressão capitalista? Lutar contra a opressão capitalista significa: se organizar e lutar para acabar com o capitalismo. A sua comunidade permite isto? A sua comunidade apóia e incentiva a luta contra o capitalismo? Ou a diretoria de sua comunidade diz: "Aqui vagabundo não entra". Vagabundo são para esta diretoria os sem terra e os sem teto, etc., as vítimas do sistema capitalista. Quem não acolhe as vítimas do sistema capitalista não está acolhendo o próprio Cristo, é o que diz em Mt 25. Quem expulsa do espaço da comunidade as vítimas do sistema capitalista está expulsando o próprio Cristo do espaço eclesial. Por que? Porque adora o deus capital, porque é idólatra. Um idólatra que diz confessar a Jesus Cristo como seu Senhor, mas na prática revela que confessa o deus capital como seu senhor. Pois, como diz no Evangelho, dizer apenas: Senhor, Senhor, não salva ninguém.

Assim vemos que a teologia tem duas funções:
- a de garantir o sistema econômico construído em cima de classes sociais antagônicas e o sistema político que lhe dá legitimidade pela ideologia, pela força das armas, da Lei e do Direito burguês e
- a de eliminar todo e qualquer sistema econômico baseado em classes sociais antagônicas.

Por isso Javé se fez classe camponesa em Jesus de Nazaré e "escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são" (1 Co 1.28) pelo Projeto do Evangelho do Reino de Deus (Lc 16.16) que sempre aponta para a esperança (1 Pe 3.15) da construção de uma nova sociedade não classista e não capitalista. A construção deste Reino de Deus se dá a partir dos humildes e desprezados, que nada são, pois Javé se faz presente e real nestes.

No entanto, exatamente estes, que nada são (os escolhidos de Deus), não podem se reunir nas igrejas da IECLB para se organizar na luta pela justiça e pela participação na construção do Reino de Deus que quer eliminar o capitalismo idolátrico. Isto significa que Javé não pode entrar nas igrejas da IECLB, com suas devidas e raras exceções. A esmagadora maioria das igrejas (comunidades) da IECLB se tornou Templo de Jerusalém que continua condenando Jesus Cristo à morte na cruz como herege (que fala de Deus de uma forma que a teologia da hierarquia não permite e considera falsa) e subversivo; apesar da mensagem do Concílio Geral da IECLB de 1982 dizer:

"...Para que todos possam usufruir das dádivas do Criador, agindo responsavelmente diante delas, propomos o seguinte:
- realizar campanha de ampla informação e conscientização dos problemas agrários e urbanos:
- apoiar o agricultor na sua luta pela permanência no campo:
- assumir e defender com responsabilidade evangélica as reivindicações dos movimentos sociais, fazendo um trabalho de base com associações de bairros, atingidos por barragens, colonos sem terra, bóias-frias, sindicatos, proteção ambiental, além de inúmeras outras formas de atuação onde o amor de Deus quer se tornar vivo e real entre as pessoas".

A igreja tem que fazer um Concílio para dizer que aquilo que está escrito na Bíblia vale, e, mesmo assim, a comunidade não deixa fazer o que a Bíblia e o Concilio dizem porque ela de fato adora e serve ao deus capital dizendo que está servindo a Jesus Cristo. O primeiro mandamento continua sendo um problema para nós:
Ex 20.2-3: Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim.

Até Martim Lutero não entendeu a opção de classe de Javé, pois deixou fora do primeiro mandamento: "que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão", que é exatamente a explicação de quem Deus é pela sua opção prática na luta de classes da sociedade. O nosso Deus é aquele que liberta da escravidão e dá a terra por isso nós o adoramos e o seguimos. Seguir a Javé significa participar da construção de seu Projeto que se caracteriza por uma sociedade sem classes, sem estado, sem templo (templo entendido como Religião em oposição ao Evangelho), igualitária, onde todos têm acesso aos meios de produção, que Jesus Cristo chama de Reino de Deus. Portanto, uma sociedade não capitalista, pois o capitalismo é o instrumento que o diabo usa para tentar impedir a construção do Reino de Deus. E, este instrumento a maioria das comunidades da IECLB legitima em sua prática comunitária. Este instrumento a maioria das comunidades da IECLB usa como seu instrumento para a construção comunitária, que por isso deixa de ser comunidade de Jesus Cristo para ser a comunidade do diabo. Por que? Porque não acolhe as vítimas do sistema capitalista, mas ainda por cima as produz e reproduz pelo processo econômico e ideológico capitalista.

A nossa luta é garantir que a IECLB seja Evangelho e não Religião, pois a Religião sempre tem o papel de legitimar o status quo e o Evangelho tem a função de se insurgir contra o status quo. O símbolo do Evangelho é o crucifixo, o Cristo crucificado e ressurreto, a teologia da Cruz de Cristo; o símbolo da Religião é a prosperidade, o capital, a teologia da glória. “O teólogo da glória afirma ser bom o que é mau, e mau o que é bom; o teólogo da cruz diz as coisas como elas são. Isto é evidente, pois enquanto ignora Cristo, ele ignora o Deus oculto nos sofrimentos. Por isso, prefere as obras aos sofrimentos, a glória à cruz, o poder à debilidade, a sabedoria à tolice e, de um modo geral, o bem ao mal. Esses são os que o apóstolo chama de inimigos da cruz de Cristo, certamente porque odeiam a cruz e os sofrimentos, ao passo que amam as obras e a sua glória. Assim, eles chamam o bem da cruz de um mal, e o mal da obra de um bem. Já dissemos, no entanto, que Deus não é encontrado senão nos sofrimentos e na cruz", diz Martim Lutero na Tese 21 da Demonstração das Teses Debatidas no Capítulo de Heidelberg.

Tanto o crucifixo como os crucificados pelo capital não tem espaço na maioria das comunidades da IECLB, se tornando, assim, comunidades do capital, portanto do diabo, pois é ele que manda no capital e conseqüentemente nas comunidades que não acolhem as vítimas do sistema capitalista. Isto não é meio forte dizer que o diabo manda nas comunidades? Forte é as comunidades não acolher as vítimas do sistema e assim estão impedindo o próprio Cristo de entrar na igreja. Comunidade que não oferece espaço para as vítimas do capitalismo (sem terra, sem teto, indígenas, negros, mulheres agredidas, crianças de rua, agricultores atingidos por barragens e terras indígenas, etc.) se reunir e se organizar não é comunidade de Jesus Cristo, mas comunidade do diabo e esta comunidade vai para os quintos do inferno.

Assim, a função da teologia é fomentar a insurreição do Reino de Deus, que sempre aponta para a esperança da construção de uma nova sociedade não classista e não capitalista e lutar contra a religião do capital que se instalou na igreja, dizendo ser mensagem de Jesus Cristo. O Reino de Deus aponta para a esperança, pois o capitalismo tira toda a esperança porque diz que não há outra forma de organizar a vida e a sociedade além do capitalismo; isto quer dizer que não há esperança: o nosso futuro é o presente, eternamente. Estamos condenados ao presente! O presente é como nós o conhecemos, na melhor das hipóteses, pois a maioria dos cristãos não conhece o presente porque nunca aprendeu a ler a realidade tal qual ela é, pois foi ensinada a não ver a realidade como ela de fato é. A igreja tem ajudado neste processo de nos ensinar a não ver a realidade como ela é para que o capital possa se reproduzir sem problema. O problema do capital se chama Evangelho do Reino de Deus anunciado pelo Deus que se fez pessoa na classe camponesa em Jesus de Nazaré à margem da sociedade para acabar com o centro do poder que controla a sociedade, tanto religiosa como civil, a partir do poder econômico, da classe social economicamente dominante que controla os meios de produção e com isto também o aparato do Estado, legitimado pelo poder político e ideológico.

A teologia do Evangelho do Reino de Deus anunciado e vivido por Jesus Cristo é o instrumento que nós temos e que nos foi dado por Deus para combater o projeto do diabo encarnado no capitalismo.

A função da teologia é dizer o que Deus é, quem ele é, o que ele quer, qual o seu projeto para conosco e como ele executa o seu projeto, mas ao mesmo tempo a função da teologia é dizer o que Deus não é, quem ele não é, o que ele não quer, qual não é o seu projeto e como ele não executa o seu projeto. A função da teologia é mostrar o que é teologia e o que é idolatria.

A função da teologia é dizer que Deus é Deus e que o capital não é deus, mas é instrumento do diabo com a intenção de tentar impedir a construção do Projeto de Deus que Jesus Cristo chama de Reino de Deus que aponta para a esperança da construção de uma nova sociedade não classista e não capitalista. A função da teologia é dizer e mostrar que o Reino de Deus já começou e já está no meio de nós e por isso não precisamos correr atrás do projeto opressor dos falsos deuses entre os quais o capital é o maior e o mais poderoso, mesmo não existindo de fato, mas apenas na nossa cabeça e na nossa prática. A função da teologia é mostrar como se adora Deus de forma falsa confessando a nossa fé em Jesus Cristo e vivendo e organizando a nossa vida conforme os ditames do capital, como se ele fosse deus e acabando ser deus, mesmo que falso e inexistente, mas com poderes verdadeiros que nós lhe delegamos pela nossa adoração.

O fetichismo do capital explica isto em que a pessoa vira mercadoria e a mercadoria vira pessoa com vida própria e manda nas pessoas que a criaram. O ser humano passa a ser escravo do produto de suas próprias mãos, da mercadoria por ele criada, e mesmo assim acreditamos sermos pessoas livres.

Reinaldo A. Carcanholo em “A dialética da mercadoria: guia de leitura” diz:
"No capitalismo, vivemos uma religião politeísta, e o dinheiro é um deus intermediário, entre os grandes. Outros existem: a mercadoria, a tecnologia, o mercado, o capital, a competitividade etc. Muitos são eles, mas, como na Grécia, há toda uma hierarquia, e os três maiores são: a mercadoria, o dinheiro e o capital. Este último é o senhor de todos: é Zeus, zeus-capital. O capital, como o deus dos deuses, tem ao seu lado direito o dinheiro, que é o segundo na hierarquia. Sentado ao lado esquerdo de Zeus, encontra-se a mercadoria. Capital, dinheiro e mercadoria, na verdade, formam uma trindade: são três em um só.
Que o dinheiro e também o capital sejam os deuses do nosso tempo, não é difícil perceber. A eles nos submetemos; nossa vida e nossa morte depende deles. Trabalhamos, estudamos, despertamos pela manhã, brigamos, nos vestimos de um jeito ou outro; tudo em função do dinheiro ou do capital.
Há uma passagem de Marx, referida por Rosdolsky, interessante nesse sentido. Segundo ele, Marx, nos Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844, referindo-se a uma passagem da obra de Goethe, afirma:
“O que posso pagar, ou seja, o que o dinheiro pode comprar, isso sou eu, o dono do dinheiro. Meu poder é tão grande quando o poder do dinheiro. ... Portanto, o que sou e o que posso não está determinado por minha individualidade. Sou feio, mas posso comprar a mulher mais formosa. Logo, não sou feio, já que o efeito da fealdade, seu poder de dissuadir, foi aniquilado pelo dinheiro. Eu, segundo minha individualidade, sou paralítico, mas o dinheiro me dá vinte e quatro pés; logo não sou paralítico. Sou um homem mau, desonesto, inescrupuloso, desalmado, mas como se prestam honras ao dinheiro, o mesmo se estende ao seu proprietário. O dinheiro é o bem supremo, e por isso quem o possui é bom. Além disso, o dinheiro me põe acima da condição de desonesto; pressupõe-se que eu seja honesto. Sou um desalmado, mas se o dinheiro é a verdadeira alma de todas as coisas, como pode ser desalmado quem o possui? Com ele se podem comprar os homens de espírito, e o que constitui um poder sobre os homens de espírito não é ainda mais espiritual que os homens de espírito? Eu, que através do dinheiro posso conseguir tudo a que o coração humano aspira, por acaso não possuo todas as faculdades humanas? Acaso meu dinheiro não transforma todas as minhas incapacidades em seu contrário?” (Marx, 1989, Manuscritos, apud Rosdolsky, 516-517)
Mas, quais são as características do fetichismo na sociedade capitalista em que vivemos, destacadas por Marx n'O Capital? A dominação talvez seja a mais importante e mais profunda dessas características: o fetiche, de criatura produzida pelo ser humano passa a ser seu senhor. As outras são:
a) o poder que os fetiches têm de relacionar-se uns com os outros e com os seres humanos;
b) o fato de que seus poderes, que são sociais, apareçam aos nossos olhos como poderes naturais deles mesmos e
c) a chamada reificação das relações sociais.
... É justamente o fato de os seres humanos terem se organizado socialmente de maneira mercantil que permite que seus produtos passem a relacionar-se entre si e com os homens, através do mercado. A mercadoria já é, então, um fetiche e os homens estão a ela subordinados, através do mercado. Essa subordinação é cada vez maior, quanto mais desenvolvido o mercado, quanto mais dependente são os produtores da existência das relações mercantis.
Os seres humanos deixam de relacionar-se diretamente entre si e entregam essa tarefa ao fetiche. As mercadorias mantêm relações entre si e com os seres humanos. O ser humano, de por si, deixa praticamente de relacionar-se com qualquer igual, para relacionar-se quase exclusivamente com as coisas. Quando se sente obrigado a relacionar-se com um igual, e até no sexo, tende a ver, no igual, um mero objeto. Assim, passa a ser objeto ele mesmo.
... Além disso, o fetichismo é um fenômeno indispensável na preservação da ordem capitalista. Através dele, o conjunto dos seres humanos, em particular os subalternos, acreditam que o mundo é regido por determinações naturais, por leis naturais e imutáveis, e que, portanto, nada podem fazer contra isso. Acreditando-se dominados por forças naturais, tais seres (e todos eles, mas especialmente os subalternos) convertem-se em escravos: ‘o mundo sempre foi assim e nada há a fazer’. Sua impotência, atribuída por si mesmos, torna-se real, concretiza-se.
... Quando o homem entrega a mediação de suas relações sociais a um objeto externo, ao dinheiro, esse objeto converte-se em algo superior a ele mesmo e como se tivesse poderes derivados de sua própria natureza de objeto. O homem torna-se escravo desse objeto e o objeto passa a ser cultuado como se fosse o próprio deus ou o maior deles.
É possível entender, assim, por que na nossa sociedade os seres humanos atuam como fantoches das coisas produzidas por eles mesmos: pela mercadoria e, posteriormente, pelo dinheiro e em seguida pelo capital. A relação de dependência e subordinação à coisa é cada vez mais profunda, na medida em que as relações mercantis desenvolvem-se e passam da simples mercadoria até chegar ao capital e à mercadoria-capital, como a conhecemos hoje. O capital transforma-se, então, no fetiche-deus-capital.
... O fetichismo consiste no fato de que o caráter social do trabalho humano aparece fantasmagoricamente como qualidade material do seu produto e o fetiche apresenta, em resumo, as seguintes características, todas elas relacionadas entre si:
- possui a capacidade de relacionar-se uns com os outros e com os seres humanos;
- seus poderes adquiridos e sociais, aparecem como derivados de sua própria natureza de coisas;
- as relações sociais mercantis aparecem como relações entre os fetiches e com os seres humanos;
- o fetiche passa a ser o senhor e os homens, seus escravos;
- não é produto da mente, mas da forma social;
- o mundo econômico aparece, e de fato é, organizado pela lógica do fetiche;
- as classes subalternas da sociedade conformam-se com sua dominação, ao parecer-lhes de ordem natural."

Assim o camponês criador de vacas pensa que manda em sua propriedade, quando de fato as vacas mandam na propriedade e no seu proprietário. Por que as vacas mandam na propriedade e no proprietário? Porque produzem uma mercadoria chamada leite. O camponês vive em função deste leite e de suas vacas que o produzem e por isso começa a pensar em tudo e a partir de tudo em função das vacas e do leite. Começa a pensar e a viver como a vaca e em função da vaca, pois esta determina a sua vida e a sua felicidade. A sua vida e a sua felicidade dependem das vacas. São as vacas que dizem como ele deve pensar, como ele deve viver, como ele deve trabalhar, como ele deve se comportar, como deve organizar as suas finanças, se pode casar ou não e se vai comprar um carro ou uma moto. O camponês deixou de ser gente para ser igual a vaca e a mercadoria que ela produz. A felicidade da vaca é a sua felicidade, as necessidades da vaca são as suas necessidades. Quando a vaca fica doente o médico da vaca, o veterinário, vem até a estrebaria onde a vaca mora e a trata de forma personalizada porque ela é o ser mais importante da propriedade, mas quando o suposto dono da vaca fica doente ele tem que caminhar ou viajar 20 km até a cidade para entrar na fila do SUS às 5,30 horas da manhã e se tiver sorte conseguirá uma ficha para ser atendido por um médico de gente, que às vezes nem toca nele e de trás da mesa lhe receita um remédio que é mais barato do que o remédio dada à vaca. A vaca, definitivamente, tem mais privilégios, por isso se tornar igual a vaca é uma grande vantagem, um privilégio e um sonho. Ser tratado como vaca e ter o status de vaca é o sonho do camponês. Isto se chama: alienação.

A função da teologia é denunciar que vivemos sob a ditadura do capital, que nos impõe a ditadura do pensamento único dizendo não haver saída além do capitalismo, e que Deus em Jesus Cristo e pelo poder do Espírito Santo nos quer libertar desta ditadura, aqui e agora (Gl 5.1).

Fomos criados a imagem e semelhança de Deus, somos pessoas e não mercadorias, objetos. Nós temos que escolher quem é o nosso Deus: Javé ou o capital. A escolha determinará se seremos livres ou escravos. Quem escolher Javé como seu Deus será livre e quem escolher o capital como seu deus será escravo. Mas a coisa não é tão fácil assim (o mundo não é apenas preto e branco), pois toda a sociedade está sujeita ao poder do capital e nossa tarefa, a partir da fé em Javé, é destruir o capital que é o instrumento que o diabo usa para tentar impedir que Javé seja Deus e viabilize o seu projeto de libertação dirigido a todas as pessoas, também aos capitalistas opressores e aos trabalhadores que interiorizaram a dinâmica do deus capital, na medida em que aceitarem Javé como seu Deus.

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