17 de abril de 2012

A Utopia Camponesa: o Reino de Deus.

"Leandro Konder, no seu livro sobre Walter Benjamin, falando sobre o processo de descaracterização dos partidos de esquerda, nas primeiras décadas do século 20, capturados pelo reformismo, pelo economicismo e pelo pragmatismo, observa: “Quando a esquerda evita falar sobre os seus próprios erros e se recusa a discuti-los à luz do dia, ela não está, afinal, se protegendo da direita: está protegendo o conservadorismo que conseguiu se infiltrar no interior dela mesmo”. ...
“Foram-se os tempos dos grandes debates, do terçar de idéias, da esgrima filosófica. A Grande Política vê-se confinada aos livros, presa às letras ou arquivada na alma e na memória de algumas pessoas. A Grande Política foi escorraçada do Parlamento, corrida dos sindicatos, anatematizada pela mídia, apequenada pela academia, distanciada pela juventude. E parece sobreviver quase que apenas nos debates na internet. Estamos vivendo aqueles tempos tediosos de que falava Marx, tempos em que dias parecem condicionar séculos, arrastando-se monotonamente, mediocremente. Nada de notável acontece. Tempos em que, para alguns, cessam todas as dúvidas porque a história acabou, porque a luta de classes acabou, porque todas as contradições acomodaram-se com o triunfo final do capitalismo. Tempos, para outros, de angústia, de pessimismo, desanimadores. ... Foram poucos, são muito poucos os que não aceitam o fim das contradições de classe. Que não aceitam o fim das ideologias. Que não aceitam essa simplicidade rasa, fronteiriça que decreta a morte do conceito de esquerda e direita." Senador Roberto Requião.

Foi numa época dessas, parecida como a de hoje, onde o sistema imperialista de dominação romana dizia ter chegado o fim da história, que Javé se fez classe camponesa em Jesus de Nazaré e começou a tornar viva a esperança messiânica nele mesmo, falando da utopia camponesa que ele chama de Reino de Deus, em oposição ao reino do mundo. Assim como no mudo da política não se estuda e não se debate mais, também no mundo eclesiástico não se estuda e não se debate mais. A teologia também se arrasta mediocremente no marasmo eclesial da mera sobrevivência por causa do medo de enfrentar o capital e seus capachos, tornando-se capacho para que o capital limpe nela seus pés sujos de sangue e de lama na qual pisoteou os empobrecidos. Vivemos no marasmo da Ditadura do Pensamento Único que reproduz a Ditadura do Capital.

Naquela época a fé cristã quebrou este marasmo pelo Projeto de Deus: o Reino de Deus, que não aceitou esta história do fim da história, quando João no Ap 18.2 diz: "Caiu! Caiu a grande Babilônia" no auge do imperialismo romano; o que de fato ocorreu 300 anos depois. Assim será com o capitalismo: ele nasceu, cresceu e vai morrer. Só que nós estamos ficando sem tempo de esperar sua morte natural (no dizer de Marx: vai morrer pelas suas próprias contradições e é a classe trabalhadora que vai fazer o seu enterro), pois se não o matarmos logo ele nos matará. Aqui é que ressurge a esperança embutida no Evangelho do Reino de Deus que é essencialmente insurgente e revolucionária, pois pressupõe a construção da esperança de uma nova sociedade não classista e não capitalista que salvará a humanidade de sua autodestruição (se insistirmos na manutenção do capitalismo) além de salvar a humanidade da morte eterna. Este fato está dado, é indiscutível, por mais que hoje se fale na "economia verde", que é apenas uma nova máscara do velho e carcomido capitalismo que se regenera e se reformata periodicamente para não morrer. Ricardo Abramovay lembra que "reconhecer a importância das inovações tecnológicas embutidas na ideia de economia verde não significa dizer que ela (a economia verde) e, muito menos, o suposto crescimento verde são capazes de resolver os problemas que temos pela frente. A ideia de que o crescimento é bom porque produz empregos, impostos e um pouco de inovação é insuficiente para legitimar o que a vida econômica representa para a sociedade. Nos últimos 20 anos a economia global produziu emitindo 21% a menos de gases de efeito estufa por dólar, e consumindo 23% menos de materiais (relativamente a cada unidade de valor levada ao mercado) do que há duas décadas. Só que o crescimento da economia mundial foi tão espantoso que as emissões em termos absolutos, nesses 20 anos, aumentaram 39%, e o consumo de materiais aumentou 41%. Isso mostra que é redondamente falsa a expectativa de que se pode continuar com o pé no acelerador do crescimento e, por outro lado, que se possam introduzir inovações tecnológicas que mudariam a composição e os métodos produtivos para prosseguir no ritmo atual de expansão da economia mundial. Não basta falar em economia verde se em 1980, 1% mais rico da população estadunidense ficava com 8% da renda; hoje, esse mesmo percentual fica com 24% dela. Triplicou a participação na renda do 1% mais rico".

Só que quando hoje falamos desta Utopia Camponesa, o Reino de Deus, temos que ter em mente a urgência do tema, como relata o ambientalista Assadourian:
"Existe um movimento defendendo o “decrescimento” como a única forma de garantir a sustentabilidade do planeta a longo prazo. O decrescimento (“degrowth”, em inglês) significaria tirar as economias globais da “perpétua busca pelo crescimento” do Produto Interno Bruto (PIB), reduzindo a escala de produção e consumo, distribuindo melhor recursos e trabalho, com a meta de criar uma economia mais sustentável e frear o uso de recursos naturais. O autor do capítulo do relatório do World Watch Institute, Eric Assadourian, do qual é um dos seus diretores, defende que, “países e populações superdesenvolvidos terão que proativamente buscar o decrescimento, ou seguir no caminho atual até que o litoral se inunde (por conta do aquecimento global) e outras grandes mudanças ecológicas os forcem a não crescer”".

O jornalista Washington Novaes diz que o crescimento do PIB mundial em 3% ao ano já é demais para o Planeta suportar. Todos os economistas arrancam os cabelos de desespero quando se diz que o país só crescerá 3% ao ano. Ricardo Abramovay pergunta: “Não se trata de contestar o crescimento econômico por si só. Trata-se de fazer a pergunta que a ciência econômica habitualmente não faz: crescer para quê, para produzir o quê, para ter qual resultado na sociedade?”. Estamos à beira de um colapso planetário causado pelo capitalismo, que estará inviabilizando a vida da humanidade no Planeta, que na ânsia de produzir mercadorias para o consumo, pois é ali que se produz o lucro pelo trabalho em parte não pago ao trabalhador/a, se está acabando com os recursos naturais: minerais, água, terra (deterioração pela agricultura química, erosão, desertificação) e biodiversidade, e junto a isto está se gerando o aquecimento global pela industrialização descontrolada baseada no lucro ilimitado e no crescimento ilimitado da economia. Com as medições feitas nos últimos cinco anos, os geólogos da US Geological Survey concluíram que, em 2100, a Terra deve ter na superfície a mesma temperatura que no meio da era do Plioceno (cerca de 3 milhões de anos atrás), ou seja, 3,6°C a mais que agora, com o nível do mar cerca de 21 metros mais elevado. Esta é uma previsão simplesmente catastrófica se acontecer! Mas, nenhum governa está seriamente preocupado com isto por causa da pressão dos capitalistas que terão menos lucro a curto prazo, nem estamos falando de prejuízos apenas em menos lucros, e, se não fizerem nada e nós também não, os capitalistas serão extintos a longo prazo, juntamente com toda a humanidade. Em nome do capital, que a humanidade se estropie! Nach mihr die Sintflut! E ai daquele que disser que o capitalismo é um instrumento que o diabo usa para tentar impedir o Reino de Deus! Este será excomungado e crucificado como herege, como Jesus o foi. A maioria dos cristãos vai morrer agarrada ao deus capital jurando que crêem em Jesus Cristo. Bando de fariseus hipócritas! Jesus lembra em Mt 23.13: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque fechais o reino dos céus diante dos homens; pois vós não entrais, nem deixais entrar os que estão entrando!"

Para entender isto, de os capitalistas nem estarem aí para o desastre que estão construindo, coloco esta notícia sobre a ditadura militar da Argentina que assassinou 30 mil pessoas e também a do Brasil que assassinou 436 pessoas e torturou 30 mil. Os capitalistas nem só não estão nem aí como ainda acham que estão certos em continuar a fazer o que estão fazendo: depredando o Planeta, exaurindo a força de trabalho, acabando com a biodiversidade e gerando o aquecimento global; tudo sem arrependimento nenhum. O ditador assassino Videla é o exemplo desta falta de arrependimento, como nos diz a notícia a seguir:

""Disposição final" era, segundo o ex-ditador Jorge Rafael Videla, a expressão usada pelos militares para referir-se ao assassinato de presos pela ditadura argentina, entre 1976 e 1983. Para Videla, esse era o preço a ser pago para que a Argentina ganhasse a guerra contra a subversão. No livro, o ex-ditador assegurou que o regime militar fez os restos mortais das vítimas desaparecerem "para não provocar protestos dentro e fora do país." "Tínhamos de fazer algo que não fosse tão evidente (os desaparecimentos) para evitar que a sociedade percebesse", afirmou.
Videla afirma que era impossível levar milhares de pessoas à Justiça. "E tampouco podiam ser fuziladas", explicou. "Mas eram pessoas que tinham de morrer para que vencêssemos a guerra contra a subversão." O ex-general justificou as mortes: "eram pessoas irrecuperáveis". A líder da organização Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, lamentou a falta de arrependimento de Videla, que no livro Videla diz que Deus sempre esteve do seu lado." Disposição Final - A confissão de Videla sobre os desaparecidos, livro feito com as entrevistas com o ditador Videla feitas pelo jornalista Ceferino Reato.

O mesmo que o general Videla diz o padre jesuíta Manuel da Nóbrega, num processo inverso, em 1558, legitimando a exploração da mão de obra escrava indígena e a 'guerra justa' contra os povos indígenas no Brasil escrevendo ao rei de Portugal, na esperança que a escravidão "recupere para a civilização cristã ocidental" os povos indígenas durante o processo escravocrata, dizendo que a salvação está na escravidão:

“... Se S.A. os quer ver todos convertidos, mande-os sujeitar e deve fazer estender aos cristãos por a terra dentro e repartir-lhes os serviços dos índios àqueles que os ajudarem a conquistar e senhoriar como se faz em outras partes de terras novas ... Sujeitando-se o gentio, cessarão muitas maneiras de haver escravos mal havidos e muitos escrúpulos, porque terão os homens escravos legítimos, tomados em guerra justa e terão serviços de avassalagem dos índios e a terra se povoará e Nosso Senhor ganhará muitas almas e S.A. terá muita renda nesta terra porque haverá muitas criações e muitos engenhos, já que não haja muito ouro e prata”.

Esta é a forma mais horrenda e assassina de interpretar o Evangelho do Reino de Deus por um general cristão e um sacerdote cristão, ao menos assim se consideram: cristãos, mas a serviço do deus capital. O sacerdote a serviço do capitalismo comercial e o general a serviço do capitalismo imperialista estadunidense. Modelos distintos, pois são épocas distintas, mas a serviço do mesmo capital. Os dois estão piamente convencidos de que sua teologia está correta: condenar à morte e à escravidão como meios de salvação para os considerados "irrecuperáveis" pelo capital. Por isso os capitalistas do agronegócio continuam roubado a terra dos povos indígenas e dos quilombolas e matando-os porque são "irrecuperáveis": não consomem mercadorias. Não consumir mercadorias é um pecado grave para o capital, pois isto é subversão, porque não consumir mercadorias é impedir que elas sejam produzidas e não sendo produzidas não geram lucro para o patrão no processo de sua produção pela parte do tempo de trabalho não pago ao trabalhador, que é o processo de geração do lucro, do capital. Mahatma Gandhi nos ensinou isto quando começou a fiar as suas próprias roupas, negando-se a comprar as mercadorias dos capitalistas ingleses. Os enfraqueceu e os venceu desta forma. Não foi ele sozinho que venceu, mas junto com milhões que de forma organizada resistiram ao imperialismo inglês. A vantagem que na época de Gandhi: o inimigo era visível, hoje ele é quase invisível. Assim também hoje a esmagadora maioria dos cristãos está piamente convencida que o capitalismo é a única forma de organizar a vida e a sociedade. Não sabem os cristãos capitalistas de hoje, como o general e o sacerdote, que estão a serviço do diabo. Existe melhor forma do diabo trabalhar do que dizer que está trabalhando para Deus? O general e o sacerdote diziam estar trabalhando para Deus. O que faziam? Matavam e escravizavam para que o capital pudesse se reproduzir. Eles não matavam diretamente, mas mandavam matar e legitimavam a matança pela pregação do Evangelho de Jesus Cristo. É genial: o diabo trabalhando em nome de Jesus Cristo. Eram mandantes e os mandantes neste país não vão para a cadeia (com exceção do Videla, que não é brasileiro, por isso é exceção) como nos falam estes números: de 1985 a 2011: 1700 trabalhadores rurais foram assassinados; mas só 70 casos julgados e apenas 15 condenações. Os dados coligidos pela CPT nos dão conta que em 2011, foram assassinados 4 indígenas e 4 quilombolas, nas disputas territoriais. 82 conflitos por terra envolveram os índios e 100 os quilombolas. 77 quilombolas e 18 indígenas foram ameaçados de morte e 8 indígenas e 3 quilombolas, sofreram tentativas de assassinato. Os "irrecuperáveis" continuam sendo irrecuperáveis, por isso tem que morrer. Há poucos dias a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou a proposta de emenda Constitucional, PEC 215, pela qual os parlamentares querem ter exclusividade na demarcação de terras indígenas, de quilombolas e de unidades de conservação ambiental, retirando esta competência do Executivo. Com isso praticamente fica inviabilizado qualquer reconhecimento de novas áreas. Afinal, para que os "irrecuperáveis" querem terra, são subversivos, não alimentam o capitalismo comprando mercadorias e por isso tem que morrer. Não consumir mercadorias é extremamente subversivo. Querem continuar vivendo no modo de produção Tribal, que era o Projeto de Deus no AT. Crucifica-os!

A CPT diz em nota para a imprensa: "Os novos escravocratas se espalham pelo Congresso Nacional, nos mais diversos partidos, tendo constituído a assim chamada Bancada Ruralista. Esta bancada, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), é formada por 159 parlamentares, sendo 141 deputados e 18 senadores. Ela lidera as desastrosas mudanças no Código Florestal e em toda a legislação ambiental; desde 2004, praticamente, impede a última votação da PEC 438 que determina o confisco das áreas onde for constatada a exploração de trabalho escravo; e se opõe a qualquer tentativa de reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas e das comunidades quilombolas e outras.
Como à época do Brasil Colônia, povos indígenas inteiros foram devastados por não quererem se submeter aos ditames dos invasores; à época da escravidão, os senhores de escravos contavam com toda a estrutura do poder público para perseguir e destruir os espaços de liberdade construídos pelos negros, chamados de quilombos, hoje, novos escravocratas, com voracidade incomum, atentam contra as comunidades indígenas e quilombolas, com ações diretas ou utilizando de trincheiras, assim chamadas legais, para impedir o reconhecimento dos territórios historicamente por elas ocupados."

Sobre a nossa ditadura militar assassina o noticiário fala:
"Categórico, o procurador Giancarlo Capaldo afirma, durante uma entrevista concedida em seu escri-tório em Roma, que “já fechamos a fase indagatória sobre a Operação Condor e agora espero que o juiz con-sidere que temos elementos suficientes para abrir um processo talvez ainda este mês, pode ser depois do dia 20 de abril”, contra ex-militares e agentes dos serviços de inteligência brasileiros acusados de participar do desaparecimento dos ítalo-argentinos Horacio Domingo Campiglia Pedamonti e Lorenzo Ismael Viñas Gigli, seqüestrados, respectivamente, no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
“São dois casos onde a participação brasileira nos parece que foi clara. Campiglia foi capturado quando chegou ao aeroporto do Rio de Janeiro (12 de março de 1980, junto com a argentina Mónica Pinus de Binstock, também desaparecida). Não é possível que isso possa ter ocorrido sem a cumplicidade de auto-ridades brasileiras”.
Ao continuar com o processo sobre os crimes cometidos durante a ditadura brasileira, Capaldo dá como certo que os crimes de lesa humanidade são imprescritíveis e a anistia de João Baptista Figueiredo (1979-1985) é uma anomalia jurídica, seguindo um raciocínio similar ao da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Treze brasileiros, entre os quais estão Figueiredo e outros altos oficiais já falecidos, integram a lista de 146 militares e agentes de inteligência sul-americanos cuja prisão foi requerida pela Procuradoria de Roma. Nem todos os repressores morreram: o coronel Carlos Alberto Ponzi, chefe do Serviço Nacional de Informações no Rio Grande do Sul no dia 26 de junho de 1980, quando Viñas foi raptado, está vivo e, pelo que parece, saudável. Ou ao menos o suficiente para criticar os jovens que há duas semanas fizeram manifestações em frente à sua residência em Porto Alegre."

No entanto, vivemos num mundo cheio de contradições.
Na nota da CNBB sobre a legalidade do aborto de fetos anencéfalos decidida pelo STJ, foram mencionados os princípios da “inviolabilidade do direito à vida”, da “dignidade da pessoa humana” e da promoção do bem de todos, sem qualquer forma de discriminação, como reza o artigo 5° (caput; 1°, III e 3°, IV) da Constituição Federal. No entanto, para a maioria dos ministros – oito manifestações favoráveis e duas contra –, não há aborto no caso dos anencéfalos. Os magistrados entendem que não há vida em potencial, baseados na convicção que o feto anencéfalo é um natimorto biológico.

Aqui de repente a igreja fala da “inviolabilidade do direito à vida” e da “dignidade da pessoa humana” querendo dizer que a igreja defende irrestritamente a vida. O que não deixa de ser uma grande mentira e conversa demagógica, pois apóia irrestritamente o capitalismo, com suas devidas e honrosas exceções; como também apoiou irrestritamente a Conquista que matou 70 milhões de pessoas nas Américas e escravizou mais 15 milhões, além de ter apoiado as ditaduras militares na América Latina, o que nos confirma o falar do Videla que diz que sempre teve boas relações com a igreja. Videla, Viola, Galtieri, Castelo Branco, Costa e Silva, Medici, Geisel e João Figueiredo são todos a mesma coisa: assassinos de aluguel do imperialismo estadunidense. Assassinos em nome de Jesus Cristo.
Escravidão e assassinato realizados em nome de Deus! Palavras do representante do Estado e da Igreja, chamada de Igreja de Jesus Cristo. Arrependimento? Nenhum! Nem do Estado e nem da Igreja porque continuam fazendo o mesmo hoje com seu apoio irrestrito ao capitalismo. Quem apóia o capitalismo não defende a vida, defende a morte, por mais que diga o contrário.

O Reino de Deus.
Quando falamos em Reino de Deus temos que ter em mente este quadro no qual estamos e como a proposta de Deus vai garantir a sobrevivência da humanidade, assim como garantiu a construção nas montanhas da Palestina do Projeto de Deus pelos camponeses sem terra ali relocados. Este Projeto de Deus estava baseado em paradigmas totalmente diferentes da sociedade da qual estes camponeses sem terra vieram, o Egito e as planícies da Palestina. Esta sociedade igualitária foi construída em oposição à sociedade egípcia para garantir vida plena e digna para todos e todas.
Isto pressupõe hoje construir, a partir do Evangelho do Reino de Deus, uma nova sociedade em oposição ao capitalismo que seja igualitária e dê vida plena e digna para todos e todas. Jesus chama esta sociedade de Reino de Deus e por isso nós que fomos batizados em nome do trino Deus também a chamamos assim. A classe trabalhadora em suas lutas históricas contra o capitalismo chama esta sociedade de socialismo ou comunismo, os povos camponeses andinos a chamam de sociedade do bem viver, os povos camponeses africanos a chamam de ubuntu, o povo guarani a chama de Terra Sem Males. Como vamos chamar esta nova sociedade igualitária e não classista é o de menos, mas que teremos que acabar com o capitalismo isto é mais que certo ou desapareceremos como humanidade.

Hoje não dá mais para fugir do Egito e migrar para as montanhas da Palestina. O Egito é todo lugar e as montanhas da Palestina é todo lugar. Agora a questão é acabar com o "Egito" ou não haverá libertação da escravidão do capitalismo. Haverá 'apenas' morte da humanidade. Por que? Porque também nós, como o povo de Israel, seguimos falsos deuses, cujo projeto permite a opressão, a escravidão e extinção da humanidade. Os falsos deuses de hoje são a trindade: dinheiro, mercadoria, capital. Com o dinheiro eu consigo os meios de produção e matéria prima com os quais a classe trabalhadora produz a mercadoria, da qual me aproprio por ser o dono dos meios de produção, e na produção desta mercadoria surge o capital que é o resultado de parte do trabalho que não é pago ao trabalhador/a pelo trabalho realizado na produção da mercadoria. Assim foi ontem assim é hoje: seguir falsos deuses cria a opressão e a escravidão. Por isso o título dos Dez Mandamentos começa assim: "Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão" Êx 20.2, por isso: "Não terás outros deuses diante de mim". Seguir falsos deuses leva de volta ao Egito. Hoje estamos no Egito, chamado capitalismo. Acabar com este Egito é o desafio e não há escapatória: ou acabamos com ele ou ele acaba conosco. Alea jacta est, diria o ditador romano Julio César.

1. Quem é Jesus de Nazaré?
É Javé tornado pessoa em Jesus de Nazaré, um camponês palestino empobrecido sem terra e sem teto da Galiléia, que retoma o Projeto de Deus do AT que a monarquia frustrou por ser idólatra.

2. Qual era este Projeto de Deus?
O Projeto de Deus está resumido no credo histórico em Dt 6.20-23: libertação da escravidão e luta contra o Estado para garantir a Terra Prometida, que é uma sociedade onde a terra está ao alcance de todos e todas, onde não há Estado, nem classes sociais - uma sociedade igualitária. Este foi o desafio que aconteceu em parte nas montanhas da Palestina longe da influência das cidades-estado e em oposição à elas. A influência das cidades-estado nem ficou tão longe assim, pois o povo de Israel seguia os deuses cananeus e com isso legitimava a sociedade cananéia que vivia no modo de produção tributário e acabou copiando-a a partir da monarquia de Saul por causa das contradições internas e externas de então. Empobrecimento de muitos e enriquecimento de alguns, escravidão e bois (Êx 21-22), corrupção, rompimento da Aliança, idolatria como contradições internas e monarquias vizinhas, novas tecnologias, invasão estrangeira e exército permanente como contradições externas que necessitavam do Estado para proteger o acúmulo da classe que agora controla o Estado. O rompimento com o Projeto de Deus gerou a desigualdade econômica que gerou uma nova classe que necessitava de um mecanismo para proteger seu acúmulo, que é o Estado.

Com a saída da escravidão do Egito Javé guia os camponeses sem terra pelo deserto num processo de aprendizagem para com eles construir, já a partir do deserto, o Projeto de Deus.

3. Porque os camponeses ficaram 40 anos no deserto?
Nm 13.17 "Enviou-os, pois, Moisés a espiar a terra de Canaã; e disse-lhes: Subi ao Neguebe e penetrai nas montanhas".
Nm 13.30-31: "Então, Calebe fez calar o povo perante Moisés e disse: Eia! Subamos e possuamos a terra, porque, certamente, prevaleceremos contra ela. Porém os homens que com ele tinham subido disseram: Não poderemos subir contra aquele povo, porque é mais forte do que nós".
Nm 14.36-38: "Os homens que Moisés mandara a espiar a terra e que, voltando, fizeram murmurar toda a congregação contra ele, infamando a terra, esses mesmos homens que infamaram a terra morreram de praga perante o Senhor. Mas Josué, filho de Num, e Calebe, filho de Jefoné, que eram dos homens que foram espiar a terra, sobreviveram".
Nm 14.34: "Segundo o número dos dias em que espiastes a terra, quarenta dias, cada dia representando um ano, levareis sobre vós as vossas iniqüidades quarenta anos e tereis experiência do meu desagrado".
Quem é medroso e não confia em Javé e em seu Projeto não experimentará a nova sociedade a ser construída na Terra Prometida. Somente Josué e Calebe e os filhos e filhas dos hebreus entraram na Terra Prometida.

4. O que os camponeses aprenderam no deserto?
1. Ex 16 - nada de acumular - quem acumula não confia em Javé (Mt 6.25-34), além disso, o acúmulo fede e é podre (Tg 5.1-6) - acumular é coisa do Egito.

2. Ex 18 - democratizar o poder - o poder está no meio do povo - concentração de poder é coisa do Egito.

3. Ex 20 - leis que defendem a vida - escravidão e opressão são coisas do Egito.

4. Nm 27 - rompimento com o patriarcado: as mulheres participam de forma organizada da Assembléia Popular para defender os seus interesses e as mulheres têm direito a terra, pois participam da luta pela nova sociedade proposta por Javé - patriarcado é coisa do Egito.

5. Lv 25 - a terra é de Deus, portanto para nós é posse, herança da família e da tribo, e não é mercadoria, propriedade privada que gera a desigualdade, que se acontecer tem o jubileu que a cada 50 anos devolve a terra para a família, pois camponês sem terra não é livre - concentração de terra é coisa do Egito, como fala em Gn 47. Nm 26.52-54: "Disse o Senhor a Moisés: A estes se repartirá a terra em herança, segundo o censo. À tribo mais numerosa darás herança maior, à pequena, herança menor; a cada uma, em proporção ao seu número, se dará a herança". Terra é posse, pois é de Deus, e herança dos pais para os filhos/as.

6. Dt 12.12 - sacerdócio livre e independente - "o levita que mora dentro das vossas cidades e que não tem porção nem herança convosco". Js 14.3: "aos levitas não tinha dado herança entre seus irmãos". Js 18.7: "Porquanto os levitas não têm parte entre vós, pois o sacerdócio do Senhor é a sua parte".
Nm 35.1-2 "Disse mais o Senhor a Moisés, nas campinas de Moabe, junto ao Jordão, na altura de Jericó: Dá ordem aos filhos de Israel que, da herança da sua possessão, dêem cidades aos levitas, em que habitem; e também, em torno delas, dareis aos levitas arredores para o seu gado".
Dt 26.12: "Quando acabares de separar todos os dízimos da tua messe no ano terceiro, que é o dos dízimos, então, os darás ao levita, ao estrangeiro, ao órfão e à viúva, para que comam dentro das tuas cidades e se fartem".
Levita não ganha terra para não ser latifundiário como os sacerdotes do Egito e legitimar o Estado pela religião e a escravidão (Gn 47.22: "Somente a terra dos sacerdotes não a comprou ele; pois os sacerdotes tinham porção de Faraó e eles comiam a sua porção que Faraó lhes tinha dado; por isso, não venderam a sua terra".) Os levitas já controlam a religião e podem usar este poder para também controlar a economia ou legitimar um projeto econômico injusto e concentrador de riquezas. Com o Templo de Salomão os levitas ficam em segundo plano e ascendem os sacerdotes, pois agora a teologia a respeito de Javé é outra. Antes Javé lutava pela terra e contra o Estado e agora ele tem que legitimar o Estado. - sacerdócio controlado pelo Estado é coisa do Egito.

7. Ex 32 - a idolatria não é a saída. Javé não é igual a ouro e touro, que oprime. Javé liberta e concede a terra para ali construir uma nova sociedade igualitária. Idolatria não traz liberdade nem igualdade, é a reprodução do sistema opressor pela religião, que tem a função de legitimar o modo de produção vigente e o Estado. - idolatria é coisa do Egito.
A idolatria trouxe a opressão dos midianitas (Jz 6), quando os camponeses hebreus estavam tentando se estabelecer na terra, depois trouxe a opressão dentro de Israel (Is 1.21-23; Mq 3) e finalmente o Exílio na Babilônia.

Causas do exílio
II Rs 17.7-23
16 Desprezaram todos os mandamentos do Senhor, seu Deus, e fizeram para si imagens de fundição, dois bezerros; fizeram um poste-ídolo, e adoraram todo o exército do céu, e serviram a Baal. 17 Também queimaram a seus filhos e a suas filhas como sacrifício, deram-se à prática de adivinhações e criam em agouros; e venderam-se para fazer o que era mau perante o Senhor, para o provocarem à ira.
Zc 7.8-14
8 A palavra do Senhor veio a Zacarias, dizendo: 9 Assim falara o Senhor dos Exércitos: Executai juízo verdadeiro, mostrai bondade e misericórdia, cada um a seu irmão; 10 não oprimais a viúva, nem o órfão, nem o estrangeiro, nem o pobre, nem intente cada um, em seu coração, o mal contra o seu próximo. 11 Eles, porém, não quiseram atender e, rebeldes, me deram as costas e ensurdeceram os ouvidos, para que não ouvissem.

Nos dois textos se evidencia que as causas do exílio babilônico foram a idolatria, a injustiça e a opressão sobre os pobres. Significa o afastamento do Projeto de Deus - o afastamento da utopia camponesa.
Assim como o povo aprendeu na caminhada do deserto este mesmo povo teve que ir para o exílio para aprender:

Primeiro: descobrir os seus erros e reconhecê-los.
Segundo: retomar o Projeto de Deus - isto foi feito pela composição de quase todos os textos do AT para que os filhos e as filhas dos israelitas não cometessem os mesmos erros dos pais. Os exilados tiveram que responder à pergunta: Por que Deus deixou que fossemos escravizados no exílio? Descobriram a resposta ao discutir a Lei, a História, os Salmos e os Profetas. Colocaram isto por escrito e aí temos quase todo o AT composto. Depois ainda vem mais alguns escritos e profetas, mas o grosso está aí, quando retornaram do exílio em 538 a.C.

5. Tribalismo nas montanhas da Palestina: modo de produção tribal.
Na passagem de 1300 para 1200 a.C., surge uma nova experiência social na Terra de Canaã. Constitui-se nas montanhas, até então desocupadas. Esta nova experiência faz-se possível porque, ao mesmo tempo, cresce a crise na região das cidades-estado das planícies, devido ao repentino afastamento dos egípcios, e se amplia a contestação em meio aos próprios camponeses cananeus. A nova formação apresenta-se como alternativa, ao recorrer aos modelos do tribalismo e repudiar a formação de um Estado (Jz 8.22-23). Juntam-se a estes camponeses cananeus que emigraram das planícies para as montanhas diversos outros grupos.

O que agrupa todos estes emigrantes e imigrantes, retirantes e foragidos, seminômades e sem terra, pode ser resumido no seguinte:
Todos eles viviam em conflito com as cidades-estado, em parte até mesmo contra o Império egípcio mantenedor deste sistema de tributação e saque sistemático do trabalho camponês. O tribalismo das montanhas é um pacto anti-cidade e anti-império. É um projeto alternativo. Estes que se juntam nas montanhas são parecidos entre si: empobrecidos pela exploração, seja nas planícies cananéias, seja no Delta do Nilo, seja nas periferias das regiões de controle das cidades e eram adeptos de uma organização social baseada no clã e na tribo, não no centro urbano.

Ao grupo mosaico coube um papel todo especial. Afinal, fora libertado do próprio centro da opressão faraônica. Enfrentaram o inimigo de todos, cara a cara, e vencera. Podia-se viver sem a canga do faraó! (Hoje podemos também viver sem a canga do capitalismo.) Por isso sua experiência foi adotada como oficial, pois de certa forma todos tinham enfrentado o mesmo poder só de uma forma diferente.

O javismo é, pois, uma interpretação da história a partir da gente espoliada, de mulheres e homens massacrados, é uma interpretação da história a partir dos empobrecidos. Estes dois eixos do javismo - sua insistente leitura da história e sua intuição espiritual a partir dos fracos - ganham sua expressão maior na centralidade que passam a atribuir ao êxodo.

O foco inicial da resistência é nas estepes pelos pastores.
Os pastores vieram da região das cidades-estado.
Emigraram para fugir dos tributos
Propõem organizar a vida a partir de grupos menores - família/clã/tribo.
Elaboram grande sensibilidade pela terra.
Não admitem a terra como propriedade particular.
A terra é para o trabalho e para todas as famílias.
Animam a utopia sobre a função social da terra.
A resistência nasce na planície e se solidifica na montanha
TERRA encerra - Materialidade
- Espiritualidade = mística do porvir + espírito de agitação + insurreição

O Êxodo
A Bíblia fala de muitos Êxodos, pois o povo se forma a partir de vários grupos: abraâmico (camponeses da planície fogem para as montanhas por causa da opressão das cidades-estado), sinaítico (camponeses do Sinai são expulsos pelo poder das cidades-estado do sul do Mar Morto que querem controlar as minas de ferro e os camponeses se refugiam nas montanhas) e mosaico (é o grupo de escravos que fogem do estado egípcio que também se refugia nas montanhas). Ali, nas montanhas, estes grupos se encontram e descobrem que tem uma história em comum e um Deus único em comum e fazem alianças para se protegerem mutuamente. No êxodo do Egito os pequenos êxodos estão incluídos. O enfrentamento direto do maior Império da época foi absorvido como sendo um único, pelos outros grupos.

A terra de Canaã é “colônia” egípcia explorada pelos saques nas guerras movidas pelo Império Egípcio e explorados pelos preços dos produtos, pois os egípcios tinham o monopólio comercial. Os camponeses pagavam tributos para as cidades-estado e para o Egito e os ritos religiosos legitimavam os tributos.

Resistência na montanha.
1. Condições Objetivas:
Em 1250 os Faraós perderam o controle sobre Canaã.
As incursões dos filisteus fechou o acesso dos egípcios à Canaã.
Introduziu-se em Canaã novas técnicas - ferro e cisternas calafetadas para armazenar a água.
Os reis das cidades-estado rivalizavam muito entre si, enfraquecendo-se.

2. Condições Subjetivas:
Aumentou a eficiência da organização camponesa com novas formas de articulação.
Camponeses se aproveitavam da rivalidade entre as cidades-estado.
Libertaram parcelas de terra nas planícies do norte tornando-se posseiros insubmissos ao Estado.
Camponeses empobrecidos migraram para as matas das montanhas.
Na montanha formaram tribos.

A Bíblia fala desta época na ótica das gerações posteriores mantendo o essencial e diluindo os detalhes. Israel é a integração de diversas experiências de resistência: são retirantes não conquistadores.
O povo tem uma visão política da questão da terra e pouco ecológica. Terra é questão de luta.

O Tribalismo é a organização dos camponeses e pastores nas montanhas.
Os reis não tinham acesso às montanhas.
Os camponeses nas montanhas não se interessavam em conquistar as planícies.
Em 1250 a 1033 havia duas sociedades - nas montanhas - terra dos camponeses
- nas planícies - terra dos senhores
Na Planície:
Religião - culto à muitos deuses - deuses de muitos ritos
Governo - centralizado pelos senhores
Na planície, controlada pelas cidades-estado, havia o modo de produção tributário cujo processo espoliador consistia no pagamento de tributos em forma de mercadoria (produtos) e no trabalho forçado para os projetos do rei.
Na Montanha:
Governo está com as famílias.
A Tribo faz o que a família não consegue - guerra de defesa e exército popular.
Religião - culto ao Deus único - poucos ritos
- narração de fatos históricos
- Deus histórico
Na montanha o tribalismo toma o poder das cidades-estado (Js 6-8) e muda o modo de produção tributário para tribal: uma sociedade sem estado, sem exército permanente, sem tributos, sem templo, sem classes sociais e onde a terra é de todos.

O Tribalismo cria conceito bíblico sobre a questão agrária.
Exercita na prática a vida em terra liberta dos senhores da planície para trabalhar sem impostos e sem trabalhos forçados - é um novo modelo de acesso à terra.
A cidade-estado tinha aceso à terra porque tinha a força econômica e militar.
Na Montanha o acesso é por sorteio e consenso: a terra era posse coletiva do clã e não podia ser vendida, pois a terra era dos descendentes - herança - e nela se sepultava os parentes, o fruto do trabalho era do clã e quase não havia comércio.

6. Profetas remontam ao tribalismo: no exemplo de Isaías
A Proposta:
Is 1.26 Restituir-te-ei os teus juízes, como eram antigamente, os teus conselheiros, como no princípio; depois, te chamarão cidade de justiça, cidade fiel.
Aqui está embutida a proposta da volta ao Projeto de Deus que foi construído a partir do deserto nas montanhas da Palestina pelos camponeses sob a orientação de Javé: uma sociedade sem classes sociais igualitária onde a terra está para todos e todas e as decisões políticas eram tomadas em Assembléia Popular, no local do culto, na frente da Tenda da Congregação. Na monarquia o poder dos anciãos foi drasticamente reduzido, canalizado e centralizado nas mãos do rei. Na monarquia o rei tomou o lugar dos juízes.

Mensagem dos profetas e profetisas:
- aumento da produtividade
- abundância de frutos
- o futuro está nos pobres do campo e na distribuição da terra dos sacerdotes e dos latifundiários
- a cidade será destruída
- rei justo organizará o reinado em moldes novos
- reaparecem conteúdos do tribalismo
- anunciam avanço da organização do reinado
- não prevêem um juiz, e sim, um rei

Surgem no reinado pontos antagônicos quanto à questão agrária.
1. O Estado e classe dominante das cidades buscam apropriar-se de uma parcela cada vez maior da produção agrária.
2. Os camponeses resistem em intensidade cada vez maior e mais organizada participando de revoluções e golpes de estado
3. O Projeto profético-camponês passou a marcar toda a trajetória do povo de Deus.

7. O Messias, segundo o profeta Isaías, vai retomar a utopia camponesa do Projeto de Deus
Is 9.1-7
Is 10.10-16
Is 11.1-10

As características do Messias:
1. Origem camponesa
Do tronco de Jessé sairá um rebento, e das suas raízes, um renovo - Is 11.1
Naquele dia, recorrerão as nações à raiz de Jessé que está posta por estandarte dos povos - Is 11.10
Jessé, pai de Davi, era camponês. O Messias não vem da raiz do rei Davi, mas da raiz do camponês Jessé. O Messias não provém da realeza, mas do campesinato, da classe oprimida pelo Estado. O Messias é a personificação da utopia camponesa. Por isso Jesus entra em Jerusalém no Domingo de Ramos montado num burro e não num cavalo, como era a procissão de Pôncio Pilatos ao entrar na capital. O burro é o animal de carga do camponês oprimido, o cavalo é o animal que leva o opressor para a batalha. Os Evangelhos não contam a procissão de entrada em Jerusalém por contar, mas é a procissão dos oprimidos que celebram com alegria a vinda do Messias que vai retomar a utopia camponesa do Projeto de Deus. É a procissão da esperança com um novo projeto: a utopia camponesa, que Jesus Cristo chama de Reino de Deus, contra a procissão da opressão do governador, recebida com desprezo.

2. A realidade do povo camponês que o Messias mudará
Is 1.10 Ouvi a palavra do Senhor, vós, príncipes de Sodoma; prestai ouvidos à lei do nosso Deus, vós, povo de Gomorra. 17 Aprendei a fazer o bem; atendei à justiça, repreendei ao opressor; defendei o direito do órfão, pleiteai a causa das viúvas.

Is 1.21-23 Como se fez prostituta a cidade fiel! Ela, que estava cheia de justiça! Nela, habitava a retidão, mas, agora, homicidas. A tua prata se tornou em escórias, o teu licor se misturou com água. Os teus príncipes são rebeldes e companheiros de ladrões; cada um deles ama o suborno e corre atrás de recompensas. Não defendem o direito do órfão, e não chega perante eles a causa das viúvas.

Is 5.8 Ai dos que ajuntam casa a casa, reúnem campo a campo, até que não haja mais lugar, e ficam como únicos moradores no meio da terra!

Is 9.2 O povo que andava em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região da sombra da morte, resplandeceu-lhes a luz.

Is 9.4 Porque tu quebraste o jugo que pesava sobre eles, a vara que lhes feria os ombros e o cetro do seu opressor, como no dia dos midianitas;

Is 10.1-2 Ai dos que decretam leis injustas, dos que escrevem leis de opressão, para negarem justiça aos pobres, para arrebatarem o direito aos aflitos do meu povo, a fim de despojarem as viúvas e roubarem os órfãos!

3. Prática do Messias
Julgará com justiça os pobres e decidirá com eqüidade a favor dos mansos da terra; ferirá a terra com a vara de sua boca e com o sopro dos seus lábios matará o perverso. - Is 11.4
É tudo o que o Estado israelita não fazia.

8. Projeto do Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo.
1. A mensagem central de Jesus Cristo: Fui enviado para anunciar o Evangelho do Reino de Deus.
Lc 4.43 Ele, porém, lhes disse: É necessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado.
Lc 16.16 A Lei e os Profetas vigoraram até João; desde esse tempo, vem sendo anunciado o evangelho do reino de Deus.

2. Reino não acontece e nem se constrói sozinho, é um projeto coletivo a partir da participação popular - o discipulado:
Lc 8.1 Aconteceu, depois disto, que andava Jesus de cidade em cidade e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando o evangelho do reino de Deus, e os doze iam com ele, 2 e também algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual saíram sete demônios; 3 e Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes, Suzana e muitas outras, as quais lhe prestavam assistência com os seus bens.
3. Os três círculos de discípulos:
1. os doze,
2. o grupo de mulheres que sustentavam os doze e Jesus (Mc 15.40-41),
3. o grupo dos setenta (Lc 10.1).

4. A Proposta do Reino de Deus
- Eliminação de toda e qualquer opressão, que significa insurreição contra o sistema de opressão:
Lc 4.16 Indo para Nazaré, onde fora criado, entrou, num sábado, na sinagoga, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. 17 Então, lhe deram o livro do profeta Isaías, e, abrindo o livro, achou o lugar onde estava escrito: 18 O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, 19 e apregoar o ano aceitável do Senhor. 20 Tendo fechado o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se; e todos na sinagoga tinham os olhos fitos nele. 21 Então, passou Jesus a dizer-lhes: Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir.

- Salvação é um processo coletivo e não meramente individual (Zc 8.7; Dn 12.1; Sl 18.27; Sl 28.9; 2 Sm 22.28).
Mt 1.21 Ela dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles.

- "aquele que dirige seja como o que serve' - poder popular
Lc 22.26 Mas vós não sois assim; pelo contrário, o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve.

- distribuição justa da renda e fim do preconceito
Lc 14.12 Disse também ao que o havia convidado: Quando deres um jantar ou uma ceia, não convides os teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem vizinhos ricos; para não suceder que eles, por sua vez, te convidem e sejas recompensado. 13 Antes, ao dares um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; 14 e serás bem-aventurado, pelo fato de não terem eles com que recompensar-te; a tua recompensa, porém, tu a receberás na ressurreição dos justos.

- convívio com os marginalizados, pois todos somos pecadores
Lc 15.1 Aproximavam-se de Jesus todos os publicanos e pecadores para o ouvir. 2 E murmuravam os fariseus e os escribas, dizendo: Este recebe pecadores e come com eles.

- amor a Deus e ao próximo como regra geral
Lc 10.25 E eis que certo homem, intérprete da Lei, se levantou com o intuito de pôr Jesus à prova e disse-lhe: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? 26 Então, Jesus lhe perguntou: Que está escrito na Lei? Como interpretas? 27 A isto ele respondeu: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.

- a Ceia do Senhor como projeto econômico da partilha de comida e bebida
Lc 22.14 Chegada a hora, pôs-se Jesus à mesa, e com ele os apóstolos. 15 E disse-lhes: Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa, antes do meu sofrimento. 16 Pois vos digo que nunca mais a comerei, até que ela se cumpra no reino de Deus. 17 E, tomando um cálice, havendo dado graças, disse: Recebei e reparti entre vós; 18 pois vos digo que, de agora em diante, não mais beberei do fruto da videira, até que venha o reino de Deus. 19 E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim. 20 Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor de vós.

- batismo como sinal de pertença ao Projeto do Reino de Deus
Mt 28.18 Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. 19 Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; 20 ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século.

- a salvação é para queles que acolhem as vítimas do sistema
Mt 25.34 então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. 35 Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; 36 estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me. 37 Então, perguntarão os justos: Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te demos de beber? 38 E quando te vimos forasteiro e te hospedamos? Ou nu e te vestimos? 39 E quando te vimos enfermo ou preso e te fomos visitar? 40 O Rei, respondendo, lhes dirá: Em verdade vos afirmo que, sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.

- a ressurreição do corpo como ponto alto do Reino de Deus
At 1.3 A estes também, depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas provas incontestáveis, aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando das coisas concernentes ao reino de Deus.
O Projeto do Reino de Deus não pressupõe a existência do Estado. Nisto temos a similaridade com o Projeto de Deus do AT. Isto aponta para uma sociedade igualitária. Paulo até fala que Jesus entregará o reino pronto à Javé "quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder" (1 Co 15.24).

5. Vem para o meio! - Quem Jesus coloca no centro das discussões e de sua prática?
- os doentes
Mc 3.1 De novo, entrou Jesus na sinagoga e estava ali um homem que tinha ressequida uma das mãos. 2 E estavam observando a Jesus para ver se o curaria em dia de sábado, a fim de o acusarem. 3 E disse Jesus ao homem da mão ressequida: Vem para o meio! 4 Então, lhes perguntou: É lícito nos sábados fazer o bem ou fazer o mal? Salvar a vida ou tirá-la? Mas eles ficaram em silêncio. 5 Olhando-os ao redor, indignado e condoído com a dureza do seu coração, disse ao homem: Estende a mão. Estendeu-a, e a mão lhe foi restaurada. 6 Retirando-se os fariseus, conspiravam logo com os herodianos, contra ele, em como lhe tirariam a vida.

- as crianças e os demais pequeninos
Mc 10.13 Então, lhe trouxeram algumas crianças para que as tocasse, mas os discípulos os repreendiam. 14 Jesus, porém, vendo isto, indignou-se e disse-lhes: Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis, porque dos tais é o reino de Deus. 15 Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança de maneira nenhuma entrará nele. 16 Então, tomando-as nos braços e impondo-lhes as mãos, as abençoava.

- a mulher
Jo 8.4 disseram a Jesus: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. 5 E na lei nos mandou Moisés que tais mulheres sejam apedrejadas; tu, pois, que dizes? 6 Isto diziam eles tentando-o, para terem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo. 7 Como insistissem na pergunta, Jesus se levantou e lhes disse: Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra.

- os pequeninos
Mt 11.25 Por aquele tempo, exclamou Jesus: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos. (Mt 18.6)

- os empobrecidos
Lc 6.20 Então, olhando ele para os seus discípulos, disse-lhes: Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus. 21 Bem-aventurados vós, os que agora tendes fome, porque sereis fartos. Bem-aventurados vós, os que agora chorais, porque haveis de rir. 22 Bem-aventurados sois quando os homens vos odiarem e quando vos expulsarem da sua companhia, vos injuriarem e rejeitarem o vosso nome como indigno, por causa do Filho do Homem.

- a plebe
Jo 7.47 Replicaram-lhes, pois, os fariseus: Será que também vós fostes enganados? 48 Porventura, creu nele alguém dentre as autoridades ou algum dos fariseus? 49 Quanto a esta plebe que nada sabe da lei, é maldita.
Jesus coloca no centro de seu ministério os marginalizados pela doença, pela economia, pela religião e pela cultura patriarcal para denunciar a opressão e libertá-los dela.

9. Como este projeto da utopia camponesa é repassado e vivido na cidade pela primeira comunidade?
Rm 12.2 E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.

Tg 1.27 A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo.

Gl 3.28 Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.

1 Co 4.11 Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, 12 e nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; 13 quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos.

At 2.44 Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. 45 Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. 46 Diariamente perseveravam unânimes no templo partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração,

At 4.34 Pois nenhum necessitado havia entre eles, porquanto os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes 35 e depositavam aos pés dos apóstolos; então, se distribuía a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade.

I Tm 6.6-11: De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes.

I Co 16.1-2: Quanto à coleta para os santos, fazei vós também como ordenei às igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade, e vá juntando, para que se não façam coletas quando eu for. 2 Co 8.13-15: Porque não é para que os outros tenham alívio, e vós, sobrecarga; mas para que haja igualdade, suprindo a vossa abundância no presente a falta daqueles, de modo que a abundância daqueles venha a suprir a vossa falta, e, assim, haja igualdade, como está escrito: O que muito colheu não teve demais; e o que pouco, não teve falta.

Ef 2.19 Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus,

1 Pe 2.9 Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz;

At 24.5 Porque, tendo nós verificado que este homem é uma peste e promove sedições entre os judeus esparsos por todo o mundo, sendo também o principal agitador da seita dos nazarenos,

Justino, morreu em 165 d.C.:
Apologia, 1-2: Antes, nós nos comprazíamos na dissolução, agora, abraçamos apenas a moderação; antes, nos entregávamos às artes mágicas; agora, nos consagramos ao Deus bom e infinito, antes, amávamos, acima de tudo, o dinheiro e as rendas de nossos bens; agora, colocamos em comum o que possuímos e disso damos uma parte para todo aquele que está necessitado; antes, nós nos odiávamos e nos matávamos mutuamente e não compartilhávamos o lar com aqueles que não pertenciam à nossa raça e pela diferença de costumes; agora, depois da aparição de Cristo, vivemos todos juntos, rezamos por nossos inimigos e tratamos de persuadir os que nos aborrecem injustamente, a fim de que, vivendo conforme os belos conselhos de Cristo, tenham boas esperanças de alcançar conosco os mesmos bens que esperamos em Deus, soberano de todas as coisas.

Justino 67.6:
Os que possuem bens e quiserem, cada qual segundo sua livre determinação, dão o que lhes parecer, sendo colocado à disposição do que preside o que foi recolhido. Ele por sua vez socorre órfãos e viúvas, os que por enfermidades ou outro qualquer motivo se encontram abandonados, os que se encontram em prisões, os forasteiros de passagem; em uma palavra, ele se torna provedor de quantos padecem necessidade.
Sobre cristãos condenados ao trabalho nas minas Hipólito escreve: “O bispo de Roma Vitor possui uma lista de todos os cristãos condenados às minas na Sardenha e conseguiu de fato através das intercessões da concubina real Marcia libertá-los por Commodus”.

O bispo Dionisius escreve sobre o período da peste em Alexandria em 259 d.C.: “A maioria de nossos irmãos não poupavam, por grande amor ao próximo, a sua própria pessoa e permaneciam unidos e firmes. Sem medo visitavam os doentes, os serviam com muita dedicação, cuidavam deles por amor à Cristo e morriam alegres com eles. Sim, muitos morriam após terem curado os outros e terem transplantado a sua morte para si mesmo. Desta forma morreram os mais nobres de nossos irmãos, alguns presbíteros, diáconos e leigos muito considerados. Entre os pagãos acontecia exatamente o contrário. Eles expulsavam de si os que começavam a ficar doentes, fugiam do caminho mais caro e atiravam os moribundos na rua e deixavam os mortos sem enterro.”

Acrescento, para finalizar, um texto do Luiz Dietrich, assessor do CEBI:
No contexto do império, as comunidades cristãs assumem duas formas organizativas de negação e de resistência ao império: a casa (em grego = oikos) e a igreja. A palavra igreja é a tradução portuguesa da palavra grega - eklesia, que era o nome técnico da assembléia dos cidadãos. Porém a eklesia dos cristãos será a assembléia dos não-cidadãos, principalmente, mulheres, estrangeiros, escravos, diaristas, sem terra, peregrinos. Através destas duas organizações, que enfrentam o Império Romano, os cristãos querem ser fiéis ao seguimento de Jesus no processo da construção do Reino de Deus.

Na cultura greco-romana, a casa (oikos) era a unidade básica da produção; era o ponto de sobrevivência de um conjunto de parentes formando uma grande família. A palavra “Economia” significa a lei que rege a casa ou o sistema. Nesta cultura, saber administrar a casa ou as coisas a ela ligadas, como a posse da terra, eram fundamentais para a liberdade e a autonomia dentro do sistema sócio-político e econômico. Nesta perspectiva o ponto de partida para a administração do Estado era a administração da casa. O Estado era considerado a casa do pai-imperador.

A partir de Augusto, os imperadores exploram esta estrutura para monopolizar o poder político. Buscava a lealdade pessoal através da obtenção do juramento dos pais da família. Como extensão do poder do pai da família (patria potestas), emerge uma pretensão mais universal do poder (potestas), o poder de um “pai da pátria”. Os súditos leais seriam doravante os favorecidos filhos e filhas do “pai da pátria”. Assim a ideologia básica que sustenta o estado é a do cidadão que vê no imperador a figura do pai de uma grande família. A estrutura básica do estado é a estrutura familiar, a estrutura da casa (oikos).

O cristianismo, na sua expressão, assumiu esta estrutura de casa greco-romana, mas com uma lógica baseada na tradição do Antigo Testamento. A casa supõe a terra, a luta pela terra, mesmo que fosse com a reestruturação agrária feita por Vespasiano e sua dinastia, que estavam devolvendo o uso da terra aos camponeses empobrecidos, distribuindo algumas e arrendando outras.

Para os cristãos, a casa não era uma subordinação ao sistema paterno da casa no projeto imperial, mas está subordinada ao Pai, dentro da revelação de Jesus Cristo. “Aqueles que governam as nações delas se assenhoreiam, e os seus grandes as tiranizam. Entre vós não será assim...” (Mc 10.42-43). Assim no sistema de casa cristã nasceram muitos valores que contrariam os valores imperiais, como por exemplo, a justiça baseada no perdão, a partilha, mas principalmente o auxílio aos necessitados e o acolhimento dos doentes e dos marginalizados, proporcionando-lhes acesso à fraternidade e à terra, portanto: à vida. Pela nova prática de casa, os cristãos quebraram o feitiço que sustentava a estrutura piramidal do Império: o pai como o imperador e o imperador como um pai, figurando até como um deus pela concentração do poder econômico e político.
Em Atos o espaço da casa aparece como um espaço independente para a comunidade cristã. É o lugar do batismo, da catequese e da participação (At 16.32-34). Aparece idealizado com o lugar da fraternidade e da comunhão (At 2.42-47; 4.32s)

No confronto dom o judaísmo, a origem e constituição familiar do movimento cristão, aparece não só como contraste, mas também como crítica à hegemonia do templo e a ideologia sacerdotal. O lugar da salvação não é mais o templo e a pureza ritual, mas é a casa. Os inícios e a inspiração do movimento cristão e o derramamento do Espírito, sucedeu em uma casa e não o templo. A casa é doravante o lugar da presença e da bênção a Deus.
A outra estrutura de resistência e testemunho cristão é a eklesia = igreja. Ao contrário da eklesia da cidade, e que só participam os proprietários ou ricos artesãos e comerciantes (At 19) na assembléia cristã participam todos os cristãos no “caminho” (At 9.2; At 19.23), todos os que se juntaram à prática de Cristo. E estes eram principalmente os camponeses sem terra, arrendatários, assalariados, mulheres e escravos ou doentes, enfim os pobres (Tg 2.5; I Co 1.26-28; Lc 14.16-24). Todos marginalizados, tanto pela lei do Puro-Impuro, do judaísmo oficial (Jo 7.48ss), como pela assembléia (eklesia) da cidade grega. Através da casa (oikos) cristã e dentro da eklesia cristã todos estes marginalizados alcançavam os meios necessários para a vida e a dignidade de cidadãos plenos (Ef 2.29; Rm 8.17). Ali todos podiam participar.

Os pobres, os marginalizados, “a pedra rejeitada pelos construtores” da estrutura judaica e da estrutura greco-romana, tornaram-se a pedra principal da comunidade cristã (oikos) e através dela tem acesso à terra, principal meio de produção; assim são reintegrados na vida. Toma importância aquela parábola do “Filho Pródigo” (Lc 15.11-32), onde, no diálogo do pai com o filho mais velho, que questiona a reintegração do irmão, o pai o convence dizendo: “este teu irmão estava morto e torna a viver”, fora da casa não há vida. Viver significa voltar para casa (oikos).

Finalizando:
Estão aqui elencados os elementos principais que compõe esta nova sociedade que Jesus Cristo chama de Reino de Deus, começada a ser construída pelo próprio Jesus Cristo, a partir da utopia camponesa nascida a partir da ação de Javé desde a saída do Egito e passando pela nova sociedade igualitária e sem classes sociais iniciada nas montanhas da Palestina, e continuada por todas as pessoas batizadas nos dias de hoje. As pessoas batizadas em nome da trindade participam da construção do Reino de Deus e não do capitalismo. Quem optar em participar da construção do capitalismo está negando o seu batismo e sua fé em Jesus Cristo que veio a nós como camponês sem terra e sem teto para construir o Reino de Deus, em oposição ao reino do mundo, hoje o capitalismo. Quem manda no reino do mundo? O Diabo (Jo 14.30; Ap 13). Significa quem defende o capitalismo, que é o reino do mundo, defende o projeto do diabo. Jesus coloca isto nestes termos em Jo 8.43-47: "Qual a razão por que não compreendeis a minha linguagem? É porque sois incapazes de ouvir a minha palavra. Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira. Mas, porque eu digo a verdade, não me credes. Quem dentre vós me convence de pecado? Se vos digo a verdade, por que razão não me credes? Quem é de Deus ouve as palavras de Deus; por isso não me dais ouvidos, porque não sois de Deus".

Quem defende o capitalismo como sendo a única forma de organizar a vida e a sociedade não é de Deus. Ponto. Por que? Porque o/a cristão/ã defende o Reino de Deus como única forma de organizar a vida e a sociedade. Além do mais, só Jesus Cristo salva, o capitalismo não salva. O cristão é essencialmente contra o capitalismo, por ser obra do diabo. Sempre ouvimos dizer que quem é contra o capitalismo é comunista, mas nós somos contra o capitalismo por sermos cristãos. Por que somos contra o capitalismo? Porque ele é o instrumento que o diabo usa para tentar impedir a construção do Reino de Deus. O nosso projeto, por termos sido batizados, é o Projeto do Reino de Deus e não o capitalismo. Fomos batizados e no batismo recebemos o poder e os dons do Espírito Santo para participar da construção do Reino de Deus e não fomos batizados para participar da construção do capitalismo. Como diz Paulo em Rm 8.15-17: "Porque não recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai. O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados". Com o batismo fomos marcados com a cruz de Cristo para sermos filhos/as de Deus e fomos ungidos para o Projeto do Reino de Deus e não para o projeto do capitalismo. Destas coisas básicas nós não nos esquecemos ou já esquecemos?

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