29 de junho de 2012

A Teologia do Boi




A Igreja tem uma teologia oficial (que é para inglês ver) e uma teologia oficiosa, que é a real.

A teologia oficial começa com o nome da própria IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. O nome IECLB é um programa:

IGREJA – um povo que, chamado por Deus, se reúne em uma fé, celebra o culto e expressa sua vida em comunhão com Deus e serviço ao próximo; EVANGÉLICA – o fundamento, a fonte e a norma crítica da igreja é o Evangelho de Jesus Cristo; DE CONFISSÃO – a fé da comunidade cristã é testemunhada e vivida diante dos homens e do mundo; LUTERANA – segundo Lutero, o luteranismo em si é desinteressante, mas em espírito ecumênico cremos que há uma só igreja de Jesus Cristo, que se renova pelo evangelho gratuito, aceito em fé para uma vida em fidelidade e amor; NO BRASIL – cada igreja tem um lugar específico de vivência e testemunho. O Brasil é marcado por pluriformidade religiosa, diversidade racial, contrastes sociais, injustiças, crises políticas e de desenvolvimento. Esta definição é do P. Dohms.

A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) surgiu em 26 de outubro de 1949 sob nome de Federação Sinodal. Em 1954 foi denominada de Federação Sinodal/Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, recebendo seu nome atual em 1962.

Quando de seu primeiro concílio geral, ocorrido em 1950, em São Leopoldo, a Federação Sinodal expressaria seus planos e sua autocompreensão nas palavras:

“A Federação Sinodal é Igreja de Jesus Cristo no Brasil em todas as conseqüências que daí resultarem para a pregação do Evangelho neste país e a co-responsabilidade para a formação da vida política, cultural e econômica de seu povo.

Esta Igreja é confessionalmente determinada pela Confissão de Augsburgo e Pequeno Catecismo de Luther, pertence à família das Igrejas moldadas pela Reforma de Martin Luther, e quando adotará em lugar de “Federação Sinodal” a denominação de Igreja, o que esperamos para breve, exprimi-lo-á nesta mesma denominação.

Como Igreja assim determinada confessionalmente a Federação Sinodal se encontra na comunhão das Igrejas representadas no Conselho Ecumênico, as quais admitem o Evangelho de Jesus Cristo, que nos transmite a Sagrada Escritura como única regra diretriz de sua obra evangélica e de sua doutrina”.

A CONSTITUIÇÃO DA IECLB em seu TÍTULO II que fala dos DO FUNDAMENTO E DOS OBJETIVOS diz:

Art. 5º - A IECLB tem como fundamento o Evangelho de Jesus Cristo, pelo qual, na forma das Sagradas Escrituras do Antigo e do Novo Testamentos, confessa sua fé no Senhor da una, santa, universal e apostólica Igreja.

§ 1o - Os credos da Igreja Antiga, a Confissão de Augsburgo (“Confessio Augustana”) inalterada e o Catecismo Menor de Martim Lutero constituem expressão da fé confessada pela IECLB.

§ 2o - A natureza ecumênica da IECLB se expressa pelo vínculo de fé com as igrejas no mundo que confessam Jesus Cristo como único Senhor e Salvador.

Art. 6º - Constituem objetivos fundamentais da IECLB, além do disposto no art. 3o desta Constituição:

I - fortalecer e aprofundar a comunhão entre as Comunidades em sua ação evangelizadora;

II - zelar pela unidade na vida eclesiástica, no testemunho e na pura pregação da Palavra;

III - promover o ensino, a missão e a diaconia;

IV - proporcionar o aprofundamento teológico e o crescimento espiritual nas Comunidades;

V - propiciar condições para que os membros das Comunidades possam exercitar seus dons na missão da Igreja, na perspectiva do sacerdócio geral de todos os crentes e do ministério compartilhado;

VI - zelar pela formação em todos os níveis para seus diferentes campos de trabalho, de obreiros e colaboradores, que poderão ser de tempo integral, parcial ou de trabalho voluntário;

VII - zelar pela ordem e disciplina evangélica a serem observadas por suas Comunidades, seus membros, obreiros e instituições, de acordo com a presente Constituição e outros documentos normativos da Igreja.

Fazem parte também da teologia oficial as decisões conciliares, das quais cito apenas parte da mensagem e uma parte das decisões do Concílio Geral de 1982:

Mensagem

...Para que todos possam usufruir das dádivas do Criador, agindo responsavelmente diante delas, propomos o seguinte:

- realizar campanha de ampla informação e conscientização dos problemas agrários e urbanos:

- apoiar o agricultor na sua luta pela permanência no campo:

- assumir e defender com responsabilidade evangélica as reivindicações dos movimentos sociais, fazendo um trabalho de base com associações de bairros, atingidos por barragens, colonos sem terra, bóias-frias, sindicatos, proteção ambiental, além de inúmeras outras formas de atuação onde o amor de Deus quer se tornar vivo e real entre as pessoas.

Um extrato das conclusões do Concílio de 1982:

Apoio engajado e consciente ao pequeno agricultor e à pequena indústria, dentro da perspectiva de um modelo simples de vida, decorrente do próprio Evangelho. Por isso apoiar:

a) Movimentos Populares, associações de bairro, órgãos de classe, sindicatos dos trabalhadores rurais, cooperativismo sadio.

b) Projeto de CAPA (Centro de Aconselhamento ao Pequeno Agricultor), LACHARES, grupos em defesa da ecologia e ambiente natural

c) Movimentos no espírito de não violência

d) As prioridades de ação da IECLB e confessionalidade luterana

A teologia oficial não é bonita e fiel ao Evangelho de Jesus Cristo? É. Não dá vontade de fazer parte de uma igreja assim coerente e na qual se prega pura e retamente o Evangelho de Jesus Cristo? Dá. Quando a gente lê isto dá vontade de estufar o peito e dizer bem alto: Eu sou membro desta Igreja.

Mas... sempre tem um mas... mas que droga!

Mas, como a teologia oficial é apenas para inglês ver, o que então determina a teologia real desta Igreja? A teologia real é a teologia do boi.

Como funciona a teologia do boi, em que está embasada, qual a sua dinâmica e o que ela propõe?

A teologia do boi não é uma teologia específica da IECLB e de outras igrejas cristãs, é uma teologia muito antiga; já a encontramos em Êx 32.1-10 onde o povo de Israel adora o bezerro de ouro. O que este significa? Adorar o bezerro de ouro significa santificar o ouro (que simboliza a riqueza) e o boi (que na época era a tecnologia mais avançada de produção). Quem tinha bois? Tinha bois quem tinha bastante terra e terra boa, pois o boi precisa de muito pasto em contraposição da ovelha e da cabra que comem qualquer coisa que cresce em terras áridas. Por isso no Nordeste brasileiro se cria muitas cabras, por causa do pasto escasso.

Assim, quem tinha bois eram os agricultores mais abastados e com mais terra; hoje a gente os chamaria de latifundiários. Se você faz a sua lavoura na base da enxada você leva 15 dias para limpar um hectare de terra, mas se você tem uma junta de bois você lavra esta terra em 2 dias. Portanto quem tem bois pode produzir mais no mesmo espaço de tempo por que pode preparar mais terra para plantar. Hoje uma junta de bois mansa que puxa uma carroça ou um arado custa R$ 5.000,00 e uma enxada custa R$ 16,00. Assim já se define quem pode comprar uma junta de bois e quem pode comprar uma enxada.

Havia no Reino do Norte - Israel - um boi de ouro no templo de Betel, ao sul, e um em Dã, ao norte, (é disto que Êx 32 fala) simbolizando Javé, pois em Êx 32.4 diz: "São estes, ó Israel, os teus deuses, que te tiraram da terra do Egito". Javé que é um Deus de camponeses escravos empobrecidos agora é adorado na forma do boi de ouro. Isto é do interesse de quem? Dos que tem bois, que são também os que detêm mais terras e mais riquezas. Inverte-se a teologia a respeito de Javé: de um Deus de camponeses sem terra que luta com eles pela terra e contra o Estado ele se torna o deus de latifundiários que controlam o Estado. São os latifundiários (conforme Is 5.8 "Ai dos que ajuntam casa a casa, reúnem campo a campo, até que não haja mais lugar, e ficam como únicos moradores no meio da terra!" e Mq 2.1 "Ai daqueles que, no seu leito, imaginam a iniqüidade e maquinam o mal! À luz da alva, o praticam, porque o poder está em suas mãos. 2 Se cobiçam campos, os arrebatam; se casas, as tomam; assim, fazem violência a um homem e à sua casa, a uma pessoa e à sua herança".) que definem quem é Javé na forma de suas posses: ouro e bois. De fato estão adorando as suas posses como seu deus, como Jesus dizia em Mt 16.21 "porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração".

O reino do Norte - Israel - adotou como política de Estado construir dois templos nos dois extremos do país para o controle ideológico do povo na luta contra o Reino do Sul - Judá - no qual havia o Templo de Jerusalém, que poderia desagregar o país do norte unindo novamente os dois países em um. Como o Reino do Norte não tinha a Arca da Aliança, que estava no Templo de Jerusalém, no sul, o Estado colocou os bois de ouro como símbolo de Javé. Este símbolo não saiu da cabeça dos camponeses empobrecidos, mas da cabeça de quem controlava o Estado que são os latifundiários. Criaram um deus à sua imagem e semelhança. Esta é a teologia do Estado que usa como símbolo a que ele veio: defender os donos dos bois e o dono dos que possuem ouro.

A luta de classes gera um deus falso para legitimar e defender os interesses da classe economicamente dominante que controla os aparatos do Estado e o próprio Estado em benefício da classe que controla o Estado: os donos dos bois e do ouro. Freud e Marx explicam isto melhor.

Assim a Religião, que tem uma teologia, tem a função de explicar o mundo segundo os interesses da classe economicamente dominante que controla o Estado. Na época o símbolo da prosperidade era o ouro e o boi. A teologia da bênção, que diz que Javé abençoa com riqueza quem tem fé nele, substituiu a teologia inserida na Arca da Aliança que simbolizava a presença de Javé no meio da luta dos camponeses pela terra e contra o Estado no intuito de construir uma nova sociedade onde os meios de produção estão sob o controle de toda a sociedade e onde o poder é exercido por todos. O Estado não poderia ter uma teologia destas por isso Salomão construiu o Templo de Jerusalém e escondeu a Arca da Aliança no quarto do fundo do Templo para sumir com esta teologia do Javé que luta pela terra e contra o Estado para construir uma sociedade igualitária. O que o Reino do Norte fez foi a mesma coisa que o Reino do Sul fez. Este é o papel do Estado usar a Religião para se legitimar e legitimar o Modo de Produção dominante, no caso o Tributário. A função do Estado é garantir a perpetuação do Modo de Produção vigente, hoje o capitalismo, e para isto se usa a Religião, hoje, no caso, a Igreja (que deve deixar de ser Evangelho para virar Religião).

Para garantir que o Evangelho vire Religião é necessário mudar a teologia da Igreja, mas mesmo assim continuar dizendo que esta teologia mudada continua sendo a teologia de Jesus Cristo. Foi o que se fez em Israel e é isto que Êx 32 denuncia. "São estes, ó Israel, os teus deuses, que te tiraram da terra do Egito", fala-se de um bezerro de ouro, mas se diz: "São estes, ó Israel, os teus deuses", porque este texto denuncia os templos de Betel e de Dã, onde Javé foi representado na forma de um touro de ouro (cópia dos Estados cananeus vizinhos).

Como isto acontece hoje nas igrejas cristãs?

Conto duas histórias que já contei outras vezes:

Um pastor da Rondônia me contou o seguinte: Quando ainda fazia pouco tempo que chegara à Paróquia foi visitar o padre da cidade. Havia perto da cidade um acampamento de sem terra e o pastor perguntou ao padre se ele já havia ido visitar este acampamento de sem terra. O padre respondeu: “Nós temos os dois na igreja: os fazendeiros e os sem terra. Os fazendeiros sempre dão alguns bois para a festa da Paróquia e aí fica difícil visitar os sem terra”. O pastor perguntou: “A gente não poderia ir juntos visitar os sem terra acampados à beira da estrada?” O padre respondeu: “Pois é, a gente deveria um dia se sentar e falar sobre isto”. Mas nunca se sentaram para falar sobre isto e assim nem o pastor e nem o padre visitaram os sem terra. Isto mostra como funciona a luta de classes na igreja e de que lado a igreja fica nesta luta de classes.

Numa comunidade da paróquia de Palmitos, na festa da colheita, se anunciou várias vezes durante o dia que o boi do churrasco foi doado pela família do prefeito, que é candidato à reeleição. "Esqueceu-se" (entre aspas) de agradecer a todos os membros que doaram algo e a todos que trabalharam nesta festa porque quem manda na comunidade são os donos dos bois, do capital.

Isto significa que nesta comunidade não se pode falar contra a prática econômica dos donos do capital e nem contra o próprio capital, que nós sabemos como surge. Ele surge do roubo de parte do trabalho não pago no processo de produção da mercadoria feito pela classe trabalhadora. A origem do capital está no roubo. Para legitimar este roubo é necessária uma nova teologia, pois a teologia do Evangelho de Jesus Cristo não admite esta prática econômica baseado no roubo e na exploração.

Assim é necessário mudar a teologia a respeito de Jesus Cristo, mas continuar dizendo que é a teologia de Jesus Cristo. São os donos dos bois, do capital, que tem essa necessidade de se falar de Deus de uma forma a justificar a dinâmica do capital e todo o processo econômico, político, cultural e ideológico ali embutido.

A igreja visitando só os donos dos bois, do capital, e não os sem terra está dizendo que quem manda na igreja são os donos dos bois, do capital, e não todos os membros. Na luta de classes da sociedade a igreja fica do lado da classe economicamente dominante. A mesma dinâmica da sociedade se repete na Igreja: manda quem possui o poder econômico. Em outras palavras a igreja tem medo dos donos dos bois, medo de perder o dinheiro deles, pois eles (os ricos e os remediados que se consideram ricos, mas não o são) vivem dizendo que são eles que mantêm financeiramente a igreja, o que é uma grande mentira, pois são os pobres que mantêm financeiramente a igreja, é só pegar a ficha de cada membro e fazer a conta, porque os pobres são a esmagadora maioria na igreja.

O resultado da teologia do boi é o medo colocado no lugar da utopia evangélica. A igreja tem medo dos donos dos bois, do capital, e assim eles determinam a teologia da e na igreja. Desta forma a pregação pura e reta do Evangelho de Jesus Cristo foi para as cucuias, porque só se fala o que a classe capitalista permite. Se a igreja não tivesse medo dos donos dos bois ela visitaria também os sem terra acampados à beira da estrada.

Lembro-me que em 1990 levei uma família luterana assentada do MST em Itaiópolis, SC, para falar com o pastor de Taió para lhe dizer que neste assentamento havia 12 famílias luteranas e que ele as poderia visitar e ali formar uma comunidade da IECLB, mas ele nunca visitou ninguém e assim não há comunidade luterana neste assentamento até hoje. E a igreja vive falando em fazer missão. Pura balela. Por que? Porque o que determina a teologia da igreja são os bois, é a teologia do boi.

Ouvi no Encontro de Formação para Pastores e Pastoras da PPL em Palmitos desta semana de uma estudante de teologia o seguinte:

Ela contou que uma colega dela ao saber para onde ela iria (para o encontro da PPL) disse que a gente não deve participar e optar por qualquer movimento na igreja porque isto nos vai prejudicar no futuro campo de trabalho. Quer dizer em outras palavras: a gente não deve ter opção teológica; a gente não deve ter uma teologia clara e definida. Pastor/a tem que ser "Waschlappen" (pano de lavar a sujeira do chão), capacho, por medo da direita que manda na igreja. Este é o espírito da época: o medo. O medo nos faz assumir a teologia do boi como a teologia oficiosa da igreja porque isto agrada a classe capitalista que manda na igreja.

Por causa do medo a pastorada não consegue nem por ordem na bagunça e na roubalheira que há nas comunidades no que se refere ao roubo de parte do Dízimo, que não é enviado ao Sínodo. Os donos dos bois fazem na igreja o que fazem na prática econômica: sonegar impostos, roubar os trabalhadores e com isto compõe o seu capital. Como na vida do dia a dia isto é normal então na igreja também tem que ser assim porque nós mandamos na igreja, dizem os capitalistas donos dos bois. Pastor/a que se opuser não vai ter o seu TAM renovado após a próxima Avaliação por qualquer motivo que a gente achar na hora, porque não dá para dizer que é porque ele cobrou honestidade. Assim como se rouba no processo econômico se rouba na igreja retendo parte do Dízimo que deveria ser enviado para a Igreja.

Ml 3.8-9 lembra: "Roubará o homem a Deus? Todavia, vós me roubais e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas. Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, vós, a nação toda". Em outras palavras, em muitas comunidades, quem manda são os ladrões e os corruptos, que por sua vez são os que sentam nos primeiros bancos da igreja e são mencionados como sendo benfeitores. Roubam o Dízimo na igreja e roubam os trabalhadores nas empresas e nas fazendas. Isto nos lembra Lc 22.25-26 "Mas Jesus lhes disse: Os reis dos povos dominam sobre eles, e os que exercem autoridade são chamados benfeitores. Mas vós não sois assim; pelo contrário, o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve". Jesus Cristo está dizendo às diretorias das comunidades para não serem opressoras, ladras e corruptas como os dirigentes do Estado.

Como para os capitalistas, donos dos bois, eles são os donos da igreja e não Jesus Cristo então está tudo nos conformes. O que a Direção da Igreja diz? Ela diz, para se eximir da culpa: isto é coisa do Sínodo controlar, mas o Sínodo é composto por membros das paróquias onde muitos deles têm ou admitem esta prática de sonegação que por sua vez não vão fazer nada porque isto seria cortar na própria carne e admitir que são ladrões e corruptos. Por medo a igreja não enfrenta os corruptos e os ladrões dentro dela e muito menos se opõe ao sistema capitalista que é instrumento que o diabo usa para tentar impedir a construção do Reino de Deus. É a dinâmica do diabo que determina qual a teologia da igreja. Ai, essa doeu!

Assim o medo vai da comunidade até a Direção da Igreja. O medo sempre foi usado pela classe economicamente dominante, que controla o Estado, para manter a opressão sobre a classe dominada. Assim a Igreja, que é insurgente e revolucionária por princípio evangélico, virou aparelho do Estado para proteger os interesses dos capitalistas. A teologia de Jesus Cristo virou a teologia do boi, porque o boi doado, sacrificado, para a festa diz o que se deve e não se deve pensar e fazer na igreja. Ainda por cima se diz na igreja que hoje não há mais sacrifícios. O boi sacrificado (que virou churrasco) virou deus e determina a vida dos crentes.

Isto tudo faz parte da dinâmica do capitalismo que se denomina de fetichismo da mercadoria, em que a mercadoria ganha vida própria e manda no seu criador. O fetichismo do capital explica isto em que a pessoa vira mercadoria e a mercadoria vira pessoa com vida própria e manda nas pessoas que a criaram. O ser humano passa a ser escravo do produto de suas próprias mãos, da mercadoria por ele criada, e mesmo assim acreditamos sermos pessoas livres. Reinaldo A. Carcanholo em “A dialética da mercadoria: guia de leitura” diz:

"No capitalismo, vivemos uma religião politeísta, e o dinheiro é um deus intermediário, entre os grandes. Outros existem: a mercadoria, a tecnologia, o mercado, o capital, a competitividade etc. Muitos são eles, mas, como na Grécia, há toda uma hierarquia, e os três maiores são: a mercadoria, o dinheiro e o capital. Este último é o senhor de todos: é Zeus, zeus-capital. O capital, como o deus dos deuses, tem ao seu lado direito o dinheiro, que é o segundo na hierarquia. Sentado ao lado esquerdo de Zeus, encontra-se a mercadoria. Capital, dinheiro e mercadoria, na verdade, formam uma trindade: são três em um só.

Que o dinheiro e também o capital sejam os deuses do nosso tempo, não é difícil perceber. A eles nos submetemos; nossa vida e nossa morte depende deles. Trabalhamos, estudamos, despertamos pela manhã, brigamos, nos vestimos de um jeito ou outro; tudo em função do dinheiro ou do capital.

Há uma passagem de Marx, referida por Rosdolsky, interessante nesse sentido. Segundo ele, Marx, nos Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844, referindo-se a uma passagem da obra de Goethe, afirma:

“O que posso pagar, ou seja, o que o dinheiro pode comprar, isso sou eu, o dono do dinheiro. Meu poder é tão grande quando o poder do dinheiro. ... Portanto, o que sou e o que posso não está determinado por minha individualidade. Sou feio, mas posso comprar a mulher mais formosa. Logo, não sou feio, já que o efeito da fealdade, seu poder de dissuadir, foi aniquilado pelo dinheiro. Eu, segundo minha individualidade, sou paralítico, mas o dinheiro me dá vinte e quatro pés; logo não sou paralítico. Sou um homem mau, desonesto, inescrupuloso, desalmado, mas como se prestam honras ao dinheiro, o mesmo se estende ao seu proprietário. O dinheiro é o bem supremo, e por isso quem o possui é bom. Além disso, o dinheiro me põe acima da condição de desonesto; pressupõe-se que eu seja honesto. Sou um desalmado, mas se o dinheiro é a verdadeira alma de todas as coisas, como pode ser desalmado quem o possui? Com ele se podem comprar os homens de espírito, e o que constitui um poder sobre os homens de espírito não é ainda mais espiritual que os homens de espírito? Eu, que através do dinheiro posso conseguir tudo a que o coração humano aspira, por acaso não possuo todas as faculdades humanas? Acaso meu dinheiro não transforma todas as minhas incapacidades em seu contrário?” (Marx, 1989, Manuscritos, apud Rosdolsky, 516-517)

Mas, quais são as características do fetichismo na sociedade capitalista em que vivemos, destacadas por Marx n'O Capital? A dominação talvez seja a mais importante e mais profunda dessas características: o fetiche, de criatura produzida pelo ser humano passa a ser seu senhor. As outras são:

a) o poder que os fetiches têm de relacionar-se uns com os outros e com os seres humanos;

b) o fato de que seus poderes, que são sociais, apareçam aos nossos olhos como poderes naturais deles mesmos e

c) a chamada reificação das relações sociais.

... É justamente o fato de os seres humanos terem se organizado socialmente de maneira mercantil que permite que seus produtos passem a relacionar-se entre si e com os homens, através do mercado. A mercadoria já é, então, um fetiche e os homens estão a ela subordinados, através do mercado. Essa subordinação é cada vez maior, quanto mais desenvolvido o mercado, quanto mais dependente são os produtores da existência das relações mercantis.

Os seres humanos deixam de relacionar-se diretamente entre si e entregam essa tarefa ao fetiche. As mercadorias mantêm relações entre si e com os seres humanos. O ser humano, de por si, deixa praticamente de relacionar-se com qualquer igual, para relacionar-se quase exclusivamente com as coisas. Quando se sente obrigado a relacionar-se com um igual, e até no sexo, tende a ver, no igual, um mero objeto. Assim, passa a ser objeto ele mesmo.

... Além disso, o fetichismo é um fenômeno indispensável na preservação da ordem capitalista. Através dele, o conjunto dos seres humanos, em particular os subalternos, acreditam que o mundo é regido por determinações naturais, por leis naturais e imutáveis, e que, portanto, nada podem fazer contra isso. Acreditando-se dominados por forças naturais, tais seres (e todos eles, mas especialmente os subalternos) convertem-se em escravos: ‘o mundo sempre foi assim e nada há a fazer’. Sua impotência, atribuída por si mesmos, torna-se real, concretiza-se.

... Quando o homem entrega a mediação de suas relações sociais a um objeto externo, ao dinheiro, esse objeto converte-se em algo superior a ele mesmo e como se tivesse poderes derivados de sua própria natureza de objeto. O homem torna-se escravo desse objeto e o objeto passa a ser cultuado como se fosse o próprio deus ou o maior deles.

É possível entender, assim, por que na nossa sociedade os seres humanos atuam como fantoches das coisas produzidas por eles mesmos: pela mercadoria e, posteriormente, pelo dinheiro e em seguida pelo capital. A relação de dependência e subordinação à coisa é cada vez mais profunda, na medida em que as relações mercantis desenvolvem-se e passam da simples mercadoria até chegar ao capital e à mercadoria-capital, como a conhecemos hoje. O capital transforma-se, então, no fetiche-deus-capital.

... O fetichismo consiste no fato de que o caráter social do trabalho humano aparece fantasmagoricamente como qualidade material do seu produto e o fetiche apresenta, em resumo, as seguintes características, todas elas relacionadas entre si:

- possui a capacidade de relacionar-se uns com os outros e com os seres humanos;

- seus poderes adquiridos e sociais, aparecem como derivados de sua própria natureza de coisas;

- as relações sociais mercantis aparecem como relações entre os fetiches e com os seres humanos;

- o fetiche passa a ser o senhor e os homens, seus escravos;

- não é produto da mente, mas da forma social;

- o mundo econômico aparece, e de fato é, organizado pela lógica do fetiche;

- as classes subalternas da sociedade conformam-se com sua dominação, ao parecer-lhes de ordem natural."

Assim, na prática, o deus da maioria dos cristãos e da igreja são os bois sacrificados para o churrasco da festa da comunidade. Por que? Porque eles determinam a prática eclesiástica da comunidade, portanto a teologia da comunidade. Você dirá: Na minha comunidade não é assim. Pergunto: O/a pastor/a de sua comunidade pode dizer em alto e claro tom que o capitalismo é o instrumento que o diabo usa para tentar impedir a construção do Reino de Deus? Que o Reino de Deus propõe a construção de uma nova sociedade não classista e não capitalista, mas igualitária onde os meios de produção pertencem e estão sob o controle de toda a sociedade? A sua comunidade tem um trabalho com os sem terra, com os atingidos por barragens, com mulheres camponesas, com o movimento negro, com o movimento indígena, com os movimentos populares, com o movimento sindical no intuito de lutar por uma nova sociedade não capitalista? A resposta para estas perguntas define qual o Deus de tua comunidade. Se é Jesus Cristo ou o capital.

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