22 de julho de 2012

A subversão de Deus.



A essência de nosso Deus é a sua atividade subversiva. Ele sempre subverte a ordem estabelecida pelos humanos quando constroem uma sociedade de classes. Deus é contra qualquer sociedade construída em cima de classes sociais. Por que? Porque as classes sociais mostram que há uma sociedade de desiguais onde uma classe domina sobre a outra e para legitimar e garantir esta dominação esta sociedade constrói o Estado que por sua vez subsidia a Religião (não o Evangelho que não se deixa aliciar) que é o aparelho ideológico do Estado a serviço da classe economicamente dominante. Deus quer uma sociedade de irmãos e de irmãs, por isso as pessoas na comunidade cristã se chamam de irmãos e irmãs. Quando esta sociedade de irmãos e irmãs não existe Deus começa com a sua atividade subversiva para acabar com esta sociedade de classes desiguais.

No NT Javé começa sua atividade subversiva fazendo-se pessoa num camponês sem terra que cresceu em Nazaré na Galiléia, região marginal de Israel. Em Jesus de Nazaré Javé fez sua opção de classe; ele se torna classe camponesa para a partir desta classe construir o Reino de Deus. Este Jesus de Nazaré durante 30 anos conviveu com a classe camponesa da Galiléia e aprendeu a ler corretamente a realidade na qual vivia. A partir desta realidade de exploração e de sofrimento aprendida nestes 30 anos ele começa a pregar o Evangelho do Reino de Deus que tem como proposta subverter a ordem estabelecida pelo modo de produção escravista imposto pelo Estado Romano e legitimado pelo Templo de Jerusalém.

A mensagem central de Jesus Cristo:

Lc 4.42 "Sendo dia, saiu e foi para um lugar deserto; as multidões o procuravam, e foram até junto dele, e instavam para que não os deixasse. 43 Ele, porém, lhes disse: É necessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado. 44 E pregava nas sinagogas da Judéia".

Jesus Cristo diz: Eu fui envidado para proclamar o Evangelho do Reino de Deus. Como ele fez isto? Ele o fez a partir de uma proposta de Javé que vem desde o AT através do profeta Isaías. Assim Javé mantém uma continuidade de seu Projeto de interferir na sociedade de classes para acabar com a sociedade de classes. E o faz a partir das vítimas do sistema econômico, o qual determina o poder político, social, cultural, ideológico e religioso. O que é o Evangelho do Reino de Deus aparece no seu Programa: subversão.

O Programa subversivo de Jesus Cristo:

Lc 4.16 "Indo para Nazaré, onde fora criado, entrou, num sábado, na sinagoga, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. 17 Então, lhe deram o livro do profeta Isaías, e, abrindo o livro, achou o lugar onde estava escrito:

18 O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos,

19 e apregoar o ano aceitável do Senhor.

20 Tendo fechado o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se; e todos na sinagoga tinham os olhos fitos nele. 21 Então, passou Jesus a dizer-lhes: Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir".

Como Jesus de Nazaré, um camponês palestino sem terra e sem teto, a partir da margem da sociedade israelita, da Galiléia (Galiléia dos gentios! - Mt 4.15), constrói a subversão de Deus no processo da construção do Reino de Deus?

Olhando o Programa de Jesus vemos primeiro que ele é uma continuação das ações subversivas de Deus do AT, não é coisa nova, pois Jesus usa a proposta de Deus a partir do profeta Isaías:

Is 61.1 "O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados; 2 a apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os que choram 3 e a pôr sobre os que em Sião estão de luto uma coroa em vez de cinzas, óleo de alegria, em vez de pranto, veste de louvor, em vez de espírito angustiado; a fim de que se chamem carvalhos de justiça, plantados pelo Senhor para a sua glória.

4 Edificarão os lugares antigamente assolados, restaurarão os de antes destruídos e renovarão as cidades arruinadas, destruídas de geração em geração. 5 Estranhos se apresentarão e apascentarão os vossos rebanhos; estrangeiros serão os vossos lavradores e os vossos vinhateiros. 6 Mas vós sereis chamados sacerdotes do Senhor, e vos chamarão ministros de nosso Deus; comereis as riquezas das nações e na sua glória vos gloriareis. 7 Em lugar da vossa vergonha, tereis dupla honra; em lugar da afronta, exultareis na vossa herança; por isso, na vossa terra possuireis o dobro e tereis perpétua alegria. 8 Porque eu, o Senhor, amo o juízo e odeio a iniqüidade do roubo; dar-lhes-ei fielmente a sua recompensa e com eles farei aliança eterna. 9 A sua posteridade será conhecida entre as nações, os seus descendentes, no meio dos povos; todos quantos os virem os reconhecerão como família bendita do Senhor".

Esta é uma palavra de esperança para dentro da exploração e da opressão exercida pela classe que controlava o Estado. Esta palavra de esperança Jesus Cristo usa para colocar como ele vai começar a construção do Reino de Deus, que é uma sociedade sem explorados e exploradores, onde a terra voltará para o controle da classe camponesa, onde a palavra original de 'quebrantado' (anayv) significa pobre e fraco e em 'quebrantados de coração' a palavra original é shabar que significa: ser quebrado, ser esmagado. A legitimação deste Programa vem do movimento profético que já lutava contra o esmagamento que os camponeses viviam sob a monarquia (Mq 2.1-2). Jesus começa a construção do Reino de Deus a partir dos esmagados pelo modo de produção escravista que usa o Estado para se reproduzir. A partir de uma proposta de Deus anunciada pelo profeta Isaías de restauração da dignidade dos esmagados pela exploração e opressão Jesus começa a sua ação e pregação subversiva. É a sua opção de classe. Jesus não olha de cima para baixo e nem de fora para dentro, mas olha e parte de dentro da exploração que ele mesmo está vivendo, pois é um camponês sem terra e sem teto. Viveu 30 anos no meio da classe camponesa como camponês sem terra trabalhando como diarista plantando e colhendo. Em Mc 4.1-9 ele coloca como era a realidade dos camponeses que detinham as piores terras, cheias de pedras, inços e lajes, em contraposição ao latifúndio que tinha as melhores terras e por isso tinha ótimas colheitas e isto acirrava as desigualdades (Mt 20.1-16). Este é o lugar onde Jesus Cristo tem os pés fincados, na miséria camponesa. E este lugar não está segundo a proposta que Deus tem para a humanidade, portanto este lugar tem que ser mudado e transformado no Reino de Deus. Deus se fez pessoa no camponês sem terra e sem teto Jesus de Nazaré para a partir dele iniciar com a classe camponesa empobrecida o processo da revolução do Reino de Deus em oposição ao reino do mundo, na época o modo de produção escravista sustentado pelo Estado romano e hoje o modo de produção capitalista sustentado pelo Estado da classe capitalista.

Olhemos o Programa de Jesus, que é o programa do Reino de Deus, por partes:

- O Espírito do Senhor está sobre mim

Paulo lembra em 1 Co 2.12: "Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente".

Deus nos deu em Jesus Cristo gratuitamente acesso ao Reino de Deus pela fé. Por isso Jesus diz que o 'Espírito do Senhor' está sobre ele e não o espírito do mundo, hoje o capitalismo. Paulo lembra que nós recebemos pelo batismo o Espírito de Deus e não o espírito do mundo, portanto vamos seguir o Espírito de Deus que ungiu Jesus para evangelizar os pobres. Qual é o 'espírito' de Deus? O 'espírito' de Deus é se colocar ao lado e junto com a classe explorada para acabar com a exploração e construir com os/as explorados/as uma nova sociedade que Jesus chama de Reino de Deus. A função do "espírito" de Deus é a subversão. A espiritualidade de Deus é a subversão, é subverter a ordem estabelecida no mundo dividido em classes sociais. A espiritualidade de Deus está com os pés fincados no chão da classe explorada, por isso ele se faz camponês sem terra explorado. Esta espiritualidade não tem nada de espiritual, no sentido normalmente entendida como alienação da realidade, mas é concreta, pois parte da postura classista de Deus em Jesus de Nazaré. Javé não se fez pessoa nas nuvens, mas no chão da classe camponesa da Galiléia desprezada pelo centro religioso que ficava em Jerusalém. A mística do Reino de Deus se torna real na luta iniciada por Jesus de Nazaré, o Cristo. Esta mística do Reino de Deus torna a nossa espiritualidade real e concreta na luta subversiva a partir da fé, embasada pelo batismo, em Jesus Cristo na caminhada coletiva pela construção desta nova sociedade não classista, o Reino de Deus. É uma espiritualidade profética que denuncia a exploração da classe trabalhadora que acontece no capitalismo e anuncia a construção a partir de Deus, que convida as pessoas batizadas e que tem fé em Jesus Cristo para participar deste processo revolucionário, de uma nova sociedade sem classes sociais onde todos são irmãos e irmãs. Para que isto seja possível os meios de produção deverão estar sob o controle de toda a sociedade a partir do Poder Popular, semelhante como foi nas montanhas da Palestina depois do Êxodo e como foi na primeira comunidade cristã segundo Atos 2 e 4 (que era uma sociedade de consumo por causa da esperança messiânica e não uma sociedade de produção).

- pelo que me ungiu para evangelizar os pobres

Por que começar o processo de evangelização com os pobres (ptochos = reduzidos à pobreza)? Porque esta é a opção de Deus, por eles serem explorados e oprimidos. O termo grego tem o significado correto que é: reduzidos à pobreza. A palavra melhor para pobre é empobrecido, pois ela mostra que a pobreza é um processo, a pessoa é tornada pobre pelo processo econômico. A palavra: empobrecido, contém dentro de si este processo exploratório e a denúncia do sistema econômico que torna as pessoas empobrecidas. Somente um sistema econômico baseado em classes sociais torna as pessoas empobrecidas.

Aqui Jesus diz, nas palavras do profeta, que um camponês empobrecido - ptochos - é ungido, como o eram os profetas e os reis no AT.

Em 1 Sm 10.1 fala: "Tomou Samuel um vaso de azeite, e lho derramou sobre a cabeça, e o beijou, e disse: Não te ungiu, porventura, o Senhor por príncipe sobre a sua herança, o povo de Israel?" Os reis eram ungido para proteger o povo, pastorear o povo. Mc 6.34 lembra: "Ao desembarcar, viu Jesus uma grande multidão e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor". Esta era a realidade: os governantes não eram pastores do povo, mas eram raposas (Lc 13.31-32 nos diz exatamente isso: "Naquela mesma hora, alguns fariseus vieram para dizer-lhe: Retira-te e vai-te daqui, porque Herodes quer matar-te. Ele, porém, lhes respondeu: Ide dizer a essa raposa que, hoje e amanhã, expulso demônios e curo enfermos e, no terceiro dia, terminarei".). Assim Jesus já mostra o papel do Estado. Ele não protege o empobrecido, mas produz o empobrecido, porque é um instrumento exploratório da classe economicamente dominante como nos fala o profeta Miquéias no capítulo 3. Em Is 1.23 lemos a definição da prática do Estado: "Os teus príncipes são rebeldes e companheiros de ladrões; cada um deles ama o suborno e corre atrás de recompensas. Não defendem o direito do órfão, e não chega perante eles a causa das viúvas". Palavra atualíssima em se referindo a muitos governantes de hoje.

Jesus é ungido como o eram os profetas, pelo Espírito do Senhor, para encarar de frente o sistema de exploração legitimado pelo Estado. Deus se faz pessoa na classe camponesa para a partir das vítimas construir uma nova sociedade igualitária que ele chama de Reino de Deus. Os pés de Deus em Jesus estão fincados no lugar vivencial das vítimas para se colocar contra os opressores e exploradores. Jesus não se ilude, como muitos cristãos de hoje, não adianta começar pelos exploradores, tem que começar com as vítimas do sistema, este é o caminho obrigatório da salvação, segundo Mt 25.33-45. Só é salvo quem acolhe as vítimas do sistema deste mundo, hoje o capitalismo. Por isso a opção de classe é fundamental: optar pelos que foram tornados pobres, que hoje é a classe trabalhadora. O resto é jogar pérola aos porcos (Mt 7.6), que é o grosso que se faz normalmente na Igreja.

Evangelizar - trazer a boa notícia - os pobres, o que é isto? É anunciar que eles deixarão de ser pobres. Simples assim? Nem tanto, pois isto significa organizar os empobrecidos para acabar com o sistema econômico que produz a pobreza e isto é revolução, a revolução do Reino de Deus. Opção de classe dá nisso: participar da revolução do Reino de Deus e isto vai nos trazer a cruz. Que significa: perseguição pela própria Igreja e pelo capitalismo, pois Jesus foi preso pelo Templo (Religião) e morto pelo Estado que é o instrumento do sistema econômico vigente para legitimar o processo de empobrecimento da classe subalterna. Aqui os pobres não são o problema, mas a solução que Deus usa para construir seu Reino. O problema é que a maioria dos pobres de hoje não se reconhecem como pobres, pois não sabem como acontece o processo de seu próprio empobrecimento. Faz parte do 'evangelizar os pobres' mostrar como acontece a exploração que os torna pobres. Significa que um dos papéis da Igreja é explicar como funciona o capitalismo e assim os empobrecidos vão saber como são empobrecidos, e não só isso, mas também como acabar com o sistema que produz os empobrecidos e como construir outra sociedade onde as pessoas são iguais. Este novo sistema Jesus chama de Reino de Deus.

Assim, evangelizar significa subverter a ordem a partir dos tornados pobres (At 24.5 mostra qual a prática de um cristão batizado: "Porque, tendo nós verificado que este homem é uma peste e promove sedições entre os judeus esparsos por todo o mundo, sendo também o principal agitador da seita dos nazarenos"; o cristão é uma peste para a classe dominante e um agitador em favor da revolução do Reino de Deus.). Evangelizar significa subverter e se insurgir contra a sociedade de classes existente. Evangelizar a partir do Evangelho de Jesus Cristo é participar do processo coletivo de construção de uma nova sociedade não classista a partir das vítimas do sistema opressivo capitalista e não meramente converter o meu coração para Jesus para poder ficar rico e assim reproduzir a sociedade de classes da qual sou vítima. Quando membros da IECLB, do Encontrão, vão para o Nordeste para evangelizar os pobres então eles estão fazendo subversão e se insurgindo contra o capitalismo? Deveriam, mas não é isto que fazem, portanto não estão evangelizando a partir do Evangelho de Jesus Cristo, mas estão cimentando a sociedade de classes e legitimando a pobreza deste povo. Estão evangelizando a partir da dinâmica do deus capital, assim como os europeus o faziam quando iam para a África ou Ásia, pois estavam de fato abrindo as portas para o capital ou para legitimá-lo; faziam isto na sua ingenuidade e às vezes nem tanto. Num processo verdadeiramente evangélico de evangelização no Nordeste deverá estar a denúncia do latifúndio, da indústria da seca, da sociedade de classes para mostrar que o Evangelho de Jesus Cristo não admite isto e requer a insurgência contra as raízes da pobreza que se chama capitalismo a partir da organização do empobrecidos nos movimentos populares, nos sindicatos e nos partidos de esquerda. Se não fizerem isto estão anunciando o Deus Jesus Cristo na forma do deus capital; estão iludindo o povo e praticando idolatria. A evangelização em qualquer lugar deve ter esta dinâmica de facilitar a organização popular para subverter a ordem estabelecida pelo capitalismo na direção da construção coletiva do Reino de Deus.

- enviou-me para proclamar libertação aos cativos

Aphesis (libertação) significa: livramento da escravidão ou prisão. Nesta frase já está o processo revolucionário do Reino de Deus: anunciar que os prisioneiros e os escravos têm que ser libertos. Quem hoje está na prisão? Os ricos? Não, os que são pobres, semi-analfabetos e pretos. Por isso Jesus coloca no Pai Nosso: "perdoa-nos as nossas dívidas", pois quem não podia pagar suas dívidas ia preso ou virava escravo (Mt 5.25-26: "Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás com ele a caminho, para que o adversário não te entregue ao juiz, o juiz, ao oficial de justiça, e sejas recolhido à prisão. Em verdade te digo que não sairás dali, enquanto não pagares o último centavo", Mt 18.30. Lv 25.39-40: "Também se teu irmão empobrecer, estando ele contigo, e vender-se a ti, não o farás servir como escravo. Como jornaleiro e peregrino estará contigo; até ao Ano do Jubileu te servirá".) O empobrecimento forçava as pessoas venderem sua família ou até a si mesmos como escravos para pagar suas dívidas. É desta realidade que Jesus fala no Pai Nosso e propõe uma nova prática econômica baseada na solidariedade e no amor.

"Proclamar libertação aos cativos" mexe com esta realidade que permite o empobrecimento e conseqüente escravidão; mexe com o sistema econômico que permite a escravidão e o empobrecimento que leva à cadeia. "Proclamar libertação aos cativos" não é apenas uma questão de anunciar isto, mas é tornar isto realidade: os presos e os escravos são libertos porque são vítimas de um sistema econômico injusto e desumano. Isto, falado no Império Romano, é pura pólvora, pois o Império estava construído em cima do modo de produção escravista que ocupava militarmente outros povos gerando neles o empobrecimento que levava muitos à prisão por causa do não pagamento de dívidas. Isto é minar as bases do sistema econômico escravista. É subversão e rebeldia pura, é promover a sublevação dos escravos, é propor um novo sistema econômico sem escravidão e que não gera a pobreza, que por causa de dívidas acaba na prisão ou na escravidão. Realmente, o proclamador deste Programa tem que ser crucificado, pois isto é um atentado à ordem econômica e social.

- restauração da vista aos cegos,

Temos os fisicamente cegos e os ideologicamente cegos. Os dois precisam recuperar a visão: a visão física em poder ver o mundo, pela cura física, e a visão de ver o mundo como ele é, no sentido de entendê-lo. Jesus propõe a cura da doença e das causas que levam à doença da perda da visão. Sabemos que pobreza, falta de água e higiene e parca alimentação são causas de doenças e também da doença da cegueira. Jesus propõe a cura física, também pela mudança das relações econômicas, e a cura de não ver, não enxergar, não se dar conta da realidade de exploração e suas causas. Esta cegueira é a maior, ainda hoje. Os empobrecidos não sabem por que e como são tornados pobres.

A Pastora Lola, quando estava em Iraí, RS, após três anos de pregação falando dos pobres, uma camponesa empobrecida lhe pergunta após o culto: Pastora, quem são estes pobres das quais a senhora tanto fala? A Lola responde: São vocês! A camponesa surpresa pergunta: Nós? Significa: os empobrecidos não sabem que são empobrecidos porque ninguém explica para eles como se dá este processo de empobrecimento. Então, ao anunciar o Evangelho de Jesus Cristo é necessário e imperioso a partir dele explicar como acontece o processo de empobrecimento e o processo de exploração da classe trabalhadora, caso contrário isto não é evangelização, mas é 'escondeção' da realidade do sistema econômico classista, a partir do qual Jesus parte para evangelizar,. Isto nos mostra que a Igreja normalmente não faz evangelização quando diz evangelizar, mas distribui cachacinha para dopar e enevoar a realidade opressiva com a qual o Reino de Deus quer acabar. O que a igreja tem feito normalmente e continua fazendo é não restaurar a vista aos cegos para que não possam enxergar de onde parte a sua situação de exploração na qual vivem. Por que? Porque também dentro da Igreja tem os que exploram e estes tem seus representantes na direção da comunidade que não permitem que se restaure a vista aos cegos para que não saibam como o sistema capitalista funciona.

Quando da passagem do ano 2000 em Ibirubá, RS, tínhamos um grupo ecumênico: IECLB, IELB, Igreja Católica Romana e Igreja Metodista. Decidimos marcar os dois milênios do nascimento de Jesus Cristo com uma placa de granito a ser afixada na parede de fora em cada igreja. Em nossa igreja a placa foi afixada perto da porta de entrada, com o texto de Lc 4.18-19. Hoje esta placa já foi posta no lado de dentro da igreja, pois ali ela é menos vista, perto da escada onde ninguém olha. São as formas de impedir a restauração da vista aos cegos. O Programa de Jesus Cristo é subversivo e por isso ele deve ser escondido.

- para pôr em liberdade os oprimidos

Pôr em liberdade os oprimidos é fazer a revolução, pois só assim se liberta os oprimidos porque os opressores não os libertam se não forem forçados a isso, como diz em Êx 3.19: "Eu sei, porém, que o rei do Egito não vos deixará ir se não for obrigado por mão forte". Como Javé sugere que se inicie o processo revolucionário? Em Êx 3.16 Javé diz: "Vai, ajunta os anciãos de Israel". O que isto quer dizer? Javé sugere que se inicie o processo de libertação a partir das organizações que o povo já tem e que tem legitimidade. Parte-se da realidade concreta do povo oprimido, assim como Javé o fez em Jesus de Nazaré que nasce numa família camponesa sem terra e trabalha como diarista até os 30 anos de idade para se familiarizar com a realidade e entendê-la e só depois parte para o seu ministério juntando 12 camponeses e mais um grupo de mulheres que formam seu grupo de base.

Os oprimidos no capitalismo são toda a classe trabalhadora e os povos originários. Libertar estes significa acabar com o capitalismo e construir uma nova sociedade sem classes sociais onde os meios de produção pertencem à toda a sociedade. A libertação só ocorrerá se houver uma 'mão forte' (a organização popular apoiada por Deus) que forçará a classe dominante a entregar os meios de produção ao povo.

- apregoar o ano aceitável do Senhor.

Aqui se fala do ano jubilar que na verdade tem dois momentos: um que acontece de seis em seis anos onde as dívidas são perdoadas e onde os escravos israelitas são libertos (não os estrangeiros) e o outro acontece a cada 50 anos onde a terra que foi vendida volta para a família de origem. São leis que procuram amenizar as desigualdades que vão se formando, pois o povo de Israel já vivia no modo de produção tributário. Estas leis são resquícios do modo de produção tribal para garantir uma volta à uma igualdade parcial de tempos em tempos. Provavelmente estas leis foram pouco usadas. São as leis do Lv 25.

A partir do projeto do Deus no NT o ano aceitável do Senhor é o início da construção do Reino de Deus, que é uma nova sociedade não classista e igualitária construída pelo próprio Deus com a nossa ajuda. Este reino já começou e se completará plenamente com a volta de Cristo. Enquanto isso cada cristão/ã batizado/a tem a tarefa revolucionária, a partir da fé em Jesus Cristo, de participar desta construção coletiva de uma sociedade de iguais em oposição à atual sociedade capitalista. Portanto, todo/a cristão/ã é um/a revolucionário/a no sentido pleno da palavra, junto com os/as revolucionários/as não cristãos/ãs que também acolhem as vítimas do sistema (Mt 25.33-45). Só que isto não acontecerá sem a cruz, como lembra Mt 25.14-30, pois o diabo não vai deixar barato a luta contra o seu instrumento, o capitalismo. Ele vai buscar aliados em toda parte, principalmente na Igreja, sobretudo na estrutura da Igreja que começa desde a diretoria da comunidade composta por muitos/as trabalhadores/as alienados/as e aliados/as do sistema.

O problema maior da Igreja está na comunidade, a Direção maior é apenas o reflexo da comunidade; o que não a exime de culpa por não propor a construção coletiva, a partir da realidade da classe trabalhadora, de um novo Projeto de Igreja que opte pela classe trabalhadora explorada onde se situam a esmagadora maioria dos membros da IECLB.

Nenhum comentário:

Postar um comentário