31 de julho de 2012

O "Progresso" e o "Desenvolvimento".




No período da Conquista o "Progresso", quando aqui chegou empurrado pela energia do vento, matou 70 milhões de pessoas nas Américas, saqueou as riquezas e usou a mão de obra escrava indígena e africana. Neste período e nos períodos posteriores o "Progresso" se limitava a pegar as coisas e levar para a Europa e EUA e deixava o resto, o lixo e os problemas advindos desta atitude para as populações locais. Agora com a "economia verde" quer não apenas pegar e ir embora, mas querem se adonar do que sobrou ou ainda não foi usado ou pouco usado. Querem privatizar os bens da Natureza, que pertencem à todas as pessoas, como último esforço para acabar com tudo o que ainda não puderam se apossar e privatizar.

Anexo uma parte de um artigo de Víctor Codina, publicado no sítio Ameríndia, 27-07-2012, que fala da Marcha Indígena de Tipnis [Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Secure], Bolívia.

"Um chamado ético

A dimensão ética destas marchas pode ser formulada de muitas formas, porém sempre tocam o mesmo núcleo essencial: podemos explorar a natureza a qualquer preço, em nome do progresso? O progresso econômico e técnico pode justificar qualquer ação destruidora da natureza e do meio ambiente? Somos donos e senhores absolutos de nosso entorno? Tudo o tecnicamente possível é necessariamente ético? Não temos responsabilidade para com as futuras gerações, que serão afetadas por nossas decisões exploradoras e extrativas?

Quando alguém reflete sobre o imenso esforço dos indígenas, homens, mulheres, crianças, inclusive idosos, caminhando durante dois meses das planícies tropicais às frias alturas do altiplano, suportando calor, chuvas e frio, mal alimentados e mal alojados em tendas, reprimidos pela polícia, vaiados por alguns moradores, mal recebidos por outros, com alguns mortos por acidente e outros pelo frio e a falta de atenção médica... Espontaneamente, surge a pergunta: de onde nasce esta convicção, esta tenacidade para seguir adiante? Esta valentia e fortaleza em meio de tantas dificuldades, qual é a causa desta audácia e desta valorosa e alegre postura?

Não se explica isto unicamente pela defesa de seu habitat, nem de seus costumes ancestrais, nem de seu “modus vivendi”, não é apenas o sentido de fidelidade à tradição secular de seus maiores. Existe algo mais, há um “plus”. Qual é este “plus” de sentido para além da razão instrumental pragmática, do logicamente razoável, para além do sentido comum e da própria utilidade prática?

Para além da ética

Aqui o ético é aberto para uma dimensão mais profunda e misteriosa, para a ordem do espiritual. Abre-se para a Transcendência, para algo Tremendo e Fascinante, ao Infinito, ao Outro, ao Incompreensível, ao Sagrado, ao Mistério último que podemos chamar Deus ou com outros nomes.

No fundo, os indígenas não defendem apenas seus rios, seus bosques, seus animais, sua casa e sua pesca... Mas, também defendem a Terra, a Criação, a obra do Criador, expressa em diferentes mitologias e crenças. Possuem um respeito religioso em relação à Terra e uma veneração que vai ultrapassa o progresso técnico e econômico, a utilidade pragmática e consumista.

Para muitos “modernos” a postura indígena é uma loucura, a negação do progresso, um fundamentalismo telúrico recalcitrante e reacionário. Por isto, eles a critica, combate, freia e a reprime, inclusive violentamente."

É o velho e carcomido "Progresso" capitalista em ação para garantir a dinâmica acumulativa do capital. Enquanto isso no Brasil a AGU pela Portaria 303 (que orienta os órgãos da União a agir de forma inconstitucional para diminuir os direitos fundamentais dos povos indígenas) faz a sua parte tentando anular a própria Constituição no que se refere aos povos indígenas na tentativa de legitimar a privatização do que ainda não foi privatizado pelo capital. A Portaria 303 determina uma regra geral de que todos os procedimentos relacionados às terras indígenas serão revistos, e que é proibido ampliar as terras indígenas já demarcadas, com exceção de casos em que for verificado um vício insanável no procedimento administrativo original. A portaria surge com esta proposta: a de restringir o direito de uso e de soberania. Os índios passam a ter a terra, mas com uma série de limitações. Em muitas hipóteses, terceiros poderão utilizar os recursos que estão disponíveis nessas terras, sem necessidade de consultar os povos indígenas. Este "Progresso" não é música pura para os ouvidos do capital? É a velha dinâmica do "Progresso da Conquista" aplicado nos dias de hoje. Eles tem o que nós queremos então vamos legalizar e legitimar esta tomada pela legislação já que não dá mais para fazer "Guerra Justa", como no passado para tomar suas terras.

Em nome do "Progresso" querem construir uma estrada que passa pelo território do Tipnis, na Bolívia, para escoar a produção capitalista (também a brasileira) pelo Oceano Pacífico e em nome do "Progresso" querem retirar o direito aos povos indígenas no Brasil de controlar as suas terras.

Enquanto isso o "Progresso" não faz a Reforma Agrária porque o capital internacional está de olho em privatizar as terras brasileiras para produzir commodities para exportação; além de construir grandes barragens para garantir a energia para este capital; as terras controladas pelos povos indígenas são um atrapalho para o capital e precisam ser integrados às demandas do capital. No tempo do Ditador Médici se dizia: 'Integrar para não entregar', mas era exatamente o que se queria fazer e se fez a ferro e fogo (com a morte via execução sumária e tortura de 457 pessoas, a tortura de outras 30 mil): Entregar as terras e os minérios ao grande capital.

O "Progresso" é um ser invisível e um deus que exige sacrifícios e usa tanto Ditaduras como Democracias burguesas para se viabilizar. O caminho da mentira é a forma de ele se reproduzir e de se legitimar. A mesma conversa fiada de Progresso e Desenvolvimento ouvi no tempo da Ditadura para legitimar as barragens no Rio Uruguai e ouvi agora no tempo da Democracia burguesa para legitimar as mesmas barragens. Esta é a linguagem do capital para enrolar os tolos e desavisados. O mesmo argumento usado uma vez pela direita e depois pela assim chamada "esquerda", que antes refutava este argumento. Coisas do capital.

Quando o "Progresso" precisa de energia ele diz que as barragens vão trazer o "Progresso" e o "Desenvolvimento" para a região, o problema é que estes dois nunca chegam. Os municípios do entorno da Barragem da Foz do Chapecó estão esperando estes dois seres divinos e milagrosos (o "Progresso" e o "Desenvolvimento") desde que a barragem foi fechada em 2009 e até agora não apareceram por aqui. Certamente se perderam em algum desvio de estrada.

De fato este "Progresso" e este "Desenvolvimento" nós chamamos de capitalismo, que por excelência é predador da natureza e do ser humano: devora tudo o que está no seu caminho: natureza e seres humanos.

Este "Progresso" e "Desenvolvimento" têm um apetite insaciável e usa o Estado para legitimar a sua fome e usa a Propaganda para transformar suas mentiras em verdades.

Este "Progresso" e este "Desenvolvimento" precisam de energia, de terras, de minérios e de mão de obra barata, mas não precisam mais de Reforma Agrária, nem dos povos indígenas que não consumem mercadorias produzidas pelo capital e que controlam suas terras preciosas em minérios e para o plantio de monoculturas. Este "Progresso" e este "Desenvolvimento" precisam agora privatizar toda a Natureza e quem está no caminho para impedir isto é troglodita e subversivo que precisa ser afastado e se necessário eliminado fisicamente. O assassinato de indígenas, ambientalistas e sem terra são a prova disto.

"Progresso" e "Desenvolvimento" eram os chavões da Ditadura e continuam sendo usados pelos governos, ditos, democráticos para fazer o que sempre se fez: massacrar os pobres que sempre estão no caminho deste "Progresso" e deste "Desenvolvimento". Estes pobres sempre estão no lugar errado: moram nas margens dos rios onde se quer inundar as terras pelas barragens, moram nas periferias onde se quer construir estádios para as Olimpíadas e para a Copa, moram nas terras cheias de minérios que as mineradoras cobiçam e moram em terras próprias para a monocultura do agronegócio. Para o capital estes pobres são apenas lixo para ser jogado fora ou para ser empurrado para algum outro lugar onde não são mais vistos.

O pior de tudo é que estes pobres são cabeças duras e não querem entender e compreender as necessidades do "Progresso" e do "Desenvolvimento" e ficam resistindo à sua remoção. Mas o "Progresso" sempre tem o Estado para defendê-lo e para lhe facilitar o processo de "limpeza" pela Lei e pelo Direito e na porrada se preciso for, afinal é o "Progresso" que controla o Estado. Os pobres servem apenas para trocar ou manter a cada 4 anos os peões que estão à serviço do "Progresso", num processo que se conhece como: eleições democráticas num Estado de Direito, porque o "Progresso" tem que ter o seu direito ao "Desenvolvimento" garantido. Quem é contra este "Desenvolvimento" (do Capital) e o atrapalha é Jeca Tatu: atrasado, debilóide e troglodita. Quem está no caminho deste "Desenvolvimento" tem que ser levado de arrasto.

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