6 de julho de 2012

A foto e o fato: há limites para a política de alianças?

Conjuntura da Semana.



A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.


Sumário:


Política de alianças. Pode tudo?

A foto e o fato

Indignação e justificação

O gesto insólito e educativo de Erundina

O dedazo de Lula

O jogo político comporta uma ‘zona de amoralidade’?


Eis a análise


Política de alianças. Pode tudo? A foto e o fato

No mundo midiático, da grande imprensa e das redes sociais, a foto da semana não veio do Riocentro onde aconteceu a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, ou do Aterro do Flamengo onde se realizou a Cúpula dos Povos – eventos de grande repercussão mundial. A foto da semana veio dos jardins de uma mansão do bairro Morumbi, região residencial da elite paulistana. Nela, Fernando Haddad, ex-ministro da Educação e candidato do PT à prefeitura de São Paulo, aparece ladeado por Lula e Maluf.


É uma daquelas fotos que no mundo da política supera o fato. Uma foto que vale por mil palavras, como se diz popularmente.


A foto registra e sela a aliança entre o PT e o PP para a eleição municipal em São Paulo. O PT, particularmente Lula, perseguia esse apoio para aumentar o tempo no horário eleitoral na campanha de Haddad. José Serra, de olho no tempo de TV, também queria a aliança com Maluf. Em disputa os 103 segundos do PP. No leilão feito pelo ex-prefeito de São Paulo, ganhou o PT. Após optar pelo partido de Lula, Maluf resumiu a negociação da seguinte forma: "Tenho conversas com todo mundo, todas muito elegantes. Não há mais esquerda e direita, o que há são segundos de TV".


Maluf, destaca o jornalista Ricardo Kostcho, ganhou no acerto com o PT a nomeação de um cupincha, o engenheiro Oswaldo Garcia para um importante posto no Ministério das Cidades, já controlado pelo seu partido, o PP. Garcia ficou com a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, dono de um orçamento respeitável.


Maluf, porém, ganhou muito mais, ganhou uma foto ao lado de Lula. A foto foi uma exigência do ex-prefeito e governador de São Paulo. Maluf deu a entender a interlocutores do PT que, sem tirar uma foto com Lula não selaria a aliança. Lula que não havia ido ao anúncio da aliança com o PSB após a indicação de Luiza Erundina como vice na chapa do PT, cedeu e foi acompanhado por Haddad até a casa de Maluf. A cena constrangedora de um Lula e um Haddad de sorrisos amarelos em minutos ganhou os portais da grande imprensa e das redes sociais.

Indignação e justificação


A reação à foto foi imediata nas redes sociais. Destacamos uma pequena amostra do que se disse no twitter:


Luizfilósofo ‏@Luisfilosofo13: Ainda sou petista por uma questão conjuntural histórica, mas o PT broxa politicamente a militância e seus simpatizantes.

Marcelo Rubens Paiva ‏@marcelorubens: Erundina e Maluf no mesmo palanque com Lula, Collor e Sarney. A democracia brasileira amadureceu e passou do ponto. Apodreceu

Ancelmo.Com ‏@Ancelmocom: Em 1980, quando o PT foi fundado, seria impossivel imaginar que 32 anos depois Lula seria aliado de Maluf, Sarney, Delfim, Collor, Renan.

Letícia ‏@lele_cantara: O mais constrangedor e ver Lula ir aos Jardins selar a aliança com Maluf, mas não comparecer ao evento com a Luiza #Erundina.

Ivan Marsiglia ‏@ivanmarsiglia: troca-se biografia política de 30 anos por 1 minuto e meio de TV.

Túlio Vianna ‏@tuliovianna: O processo de PMDBização do PT corre a passos largos. Não duvido nada que na próxima eleição presidencial aliem com Serra ou Aécio.


Há inclusive os que se utilizaram do humor para comentar a foto-aliança entre PT e Maluf:


O Capeta tá de volta ‏@elcapeto: Imaginem no futuro: "o prefeito Haddad, acompanhado pela vice Erundina, encontra o secretário de obras Maluf no canteiro do Minhocão II"

Marcelo Gerald ‏@mkGerald: E agora quem será o vice? Maluf? O haddad deveria botar logo bolsonaro, assim neutralizaria o ataque contra o "kit gay"

cynara menezes ‏@cynaramenezes: parece que o mubarak morreu de desgosto quando soube que seu amigo maluf decidiu apoiar


Muitos saíram em defesa – mesmo que tímida – da aliança. Entre eles o sociólogo Emir Sader que em seu twitter escreveu: “Sou contra aliança c/ o Maluf, mas o essencial numa aliança é quem detem a hegemonia.Quem não faz aliança -c/o a ultraesquerda - sempre perde”. O mesmo Sader atacou ainda Erundina: "A Erundina sabia do apoio do Maluf quando aceitou ser candidata a vice. Então, por que aceitou?" e justificou a aliança: "O fundamental é derrotar a 'tucanalha' em São Paulo. Eu posso gostar ou não do Maluf, mas vou fazer campanha para o Haddad do mesmo jeito".


Aliados históricos do PT não esconderam o seu desgosto, como o jornalista Ricardo Kostcho: “O pior de tudo foi ver o sorriso de vitorioso de Paulo Maluf ao passar a mão na cabeça de Fernando Haddad sob o olhar conformado de Lula. As eleições passam, mas essa foto vai ficar na memória como sinal de um tempo - um tempo de descrença na política e nos valores democráticos”.


“No acordo com o Maluf, trocou-se uma história e uma coerência por um minuto e pouco a mais de espaço para o candidato do PT na TV. Ó, Lula!, disse o escritor Luís Fernando Verissimo.


Há, porém, os que constrangidos evitaram emitir opinião: “Não vou dar entrevista, meu bem. Não acho nada [da aliança]. Nadinha. Até logo", disse a filósofa Marilena Chauí, ou ainda a reação de Paul Singer: "Não tenho interesse em tornar pública qualquer opinião. Vai ficar entre mim e mim mesmo".


Os dirigentes do PT, entretanto, saíram em defesa do gesto de Lula e da aliança. O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, artífice da abertura do PT para alianças com partidos conservadores, escreveu em seu blog que seria um "grave erro" recusar o apoio do PP por causa de Maluf: "Aí seria negar nossas vitórias conquistadas graças a alianças em 2002, 2006 e 2010, bem como nossos três governos de coalizão", disse. O presidente nacional do PT, Rui Falcão foi outro que justificou a foto-aliança: “O Brasil mudou. Mudou o eleitorado e mudaram os partidos que resolveram apoiar nosso projeto nacional, como é o caso do PP", disse ele. Falcão já foi de um grupo político interno do PT – Articulação de Esquerda – que se opunha a José Dirceu.


Também o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República Gilberto Carvalho defendeu a aliança: “Houve uma troca [de cargos], como tem havido em qualquer negociação. Não houve dinheiro". Segundo ele, “assim como nós aceitamos o apoio do PP no governo federal, é natural que houvesse uma aproximação com o PP paulista".


O gesto insólito e educativo de Erundina


Num gesto pouco comum no mundo da política em que a busca por espaço político e poder é a norma e regra geral, a deputada federal pelo PSB-SP, Luiza Erundina, surpreendeu ao anunciar a desistência de ser vice na chapa de Fernando Haddad. O mais comum no mundo da política e das alianças é a interpretação do jornalista Vinícius Torres Freire: “Sim, política é colocar as mãos na lama”. Não são poucos que consideram que a política implica em trocas de favores, dinheiro, cargos, influências e se traduz em um jogo pesado, no qual vale tudo.


Independente da decisão de Erundina ter sido tomada após o bombardeio que recebeu via redes sociais, como ela mesmo admite ou mesmo após o conhecimento da aliança que se costurava como diz Emir Sader tentando desqualificar o gesto da ex-prefeita, o fato é que Erundina se recusou a “meter as mãos na lama”.


A ex-prefeita de São Paulo, disse que “engrandecer este homem no momento em que queremos passar a limpo o regime militar, o regime da ditadura, não dá, não dá. O Maluf atuou na ditadura e quando eu fui prefeita, 22 anos atrás, encontrei uma vala clandestina no cemitério de Perus, com 1049 corpos, sendo cinco corpos de desaparecidos políticos... Subir no palanque com ele, não vou”.


O gesto de Erundina é pedagógico para o mundo da política, particularmente para os que acreditam que é possível ética na política – conteúdo que anima dezenas de Escolas de Formação Fé e Política Brasil afora: “Eu faço política com uma preocupação de ordem pedagógica. Tanto podemos educar como deseducar. Nós da geração que está passando não podemos aceitar práticas políticas condenáveis que afastem a juventude do processo político”, disse Luiza Erundina.


A ex-prefeita reprovou o gesto de Lula: “Nós que temos história de militância temos responsabilidade de qualificar o processo eleitoral, temos que ter um cuidado para não estragarmos a prática política”.


A atitude de Erundina despertou surpresa e muitos manifestaram o seu apoio como Ramiro ‏@ramirogoncalez numa tuitada: #erundina já tem meu voto para qualquer eleição futura. Razão: coerência (escassa no Brasil)


A realidade é que o PT ganhou o apoio de Maluf e perdeu Erundina e já não está certo se fez um bom negócio. “Apesar dos discursos públicos que minimizam o episódio, o comando da campanha de Haddad concluía ontem que a foto de Lula com Maluf foi um desastre que a campanha não conseguiu dimensionar", destaca a jornalista Mônica Bergamo.


O dedazo de Lula


A ida de Lula até Maluf - que não deve ter sido fácil para o ex-presidente - não chega a ser surpreendente. Faz tempo Lula move-se à direita no tabuleiro do xadrez político. Ainda antes da aliança com Maluf, Lula tentou uma aliança com Kassab, o criador do PSD, egresso do PFL e do DEM, que já afirmou que não é nem de esquerda, nem de centro e nem de direita, é pragmático.


A tentativa de aliança do PT com o PSD de Kassab apenas não deu certo porque José Serra entrou na jogada. Kassab é devedor de Serra, uma vez que se tornou vice-prefeito e posteriormente prefeito graças ao apoio do tucano.


Antes ainda, porém, da aliança com Maluf e da tentativa de atrair Kassab, Lula passou por cima do partido em São Paulo que se decidia por Marta Suplicy para disputar as eleições na cidade e impôs o nome de Haddad. Na oportunidade, a ex-prefeita ainda tentou uma reação. Chegou a dizer, desafiando Lula: "A candidata natural sou eu. O candidato ungido é ele [Haddad]. Nós vamos ver como o processo caminha e como a conjuntura determina. Não existe varinha mágica que chegue e diga: ‘é esta a candidatura’", mas percebendo que ficaria isolada, recuou. Ninguém no Partido ousou questionar Lula que usou o argumento do “novo na política” para defender a indicação de Haddad.


“Em nome da novidade, Lula afastou Marta Suplicy da disputa e lançou o ex-ministro da Educação Fernando Haddad, que ganhou do marqueteiro João Santana o slogan ‘um novo homem para um novo tempo’”, diz o jornalista Ricardo Kostcho. “Coitado de Haddad, o novo que já entra velho. Sorte de Marta, que escapou dessa”, ironiza a jornalista Eliane Cantanhêde numa referência à aproximação com Maluf.


O dedazo de Lula – a expressão passou a ser usada no México para designar a prática de os presidentes da República indicarem seus sucessores nas fileiras do PRI, que exerceu o poder por mais de 70 anos –, porém, não se vê apenas em São Paulo. Em todo o país, particularmente nas capitais, é Lula quem decide as políticas de alianças.


Em Curitiba, em Recife, em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro [faz tempo] é Lula quem dá a última palavra ou mesmo faz valer sua opinião.


A aliança com Maluf reedita a aliança com Sarney. Em 2010, para a disputa do governo do Estado do Maranhão, Lula exigiu que o partido apoiasse Roseana Sarney. À época, vários fundadores do partido no Maranhão reagiram fortemente à intervenção do PT nacional e também se manifestaram: “Somos fundadores do PT, nosso primeiro e único partido. Nestes 30 anos dedicamos o melhor de nossas vidas à sua construção, andando a pé, debaixo de chuva, sob o sol quente, enfrentando a fome, pobreza, violências, perseguições, abusos do poder econômico e o massacre político e midiático da família Sarney”. De nada adiantou.

As resistências ao dedazo crescente de Lula são poucas e esparsas, vê-se resistência em Porto Alegre, tentativa em Recife. O fato é que o poder de Lula sobre o partido é enorme. As prévias, proposta inovadora surgida no PT, perdeu força no partido. “O PT tem, hoje, uma só ideologia, uma só direção e uma só concepção política: é o que Lula mandar. O ex-presidente é o senhor do voto, da força de arrecadação, da linguagem e do discurso das campanhas e das vitórias. Portanto, ele manda e o PT obedece”, afirma a jornalista Rosângela Bittar. Prevalece o estilo, “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.


O “erro” de Lula em ir até os jardins da mansão de Maluf para alguns tem a ver com o crescente isolamento de Lula em fazer política no PT: “Na avaliação de um dos petistas mais próximos de Lula hoje, o ex-presidente está muito ‘solitário’ na condução da campanha. Faltam generais que o ajudem a pensar. ‘José Dirceu está preocupado com o mensalão, Antonio Palocci está fora de combate. Ele tem que analisar e decidir tudo sozinho. Às vezes, num curto espaço de tempo, como foi o caso do Maluf’”, diz o petista segundo a jornalista Mônica Bergamo.


O fato é que se olhando a trajetória do PT nos últimos anos, vem se ampliando a política de alianças do partido. Até mesmo a coligação de petistas com tucanos e integrantes do DEM e do PPS – partidos de oposição à Dilma - vem se tornando cada vez mais frequente nas eleições para prefeito. A inflexão do PT à direita na sua política de alianças está relacionada à chegada do PT ao Palácio do Planalto, desde então, o partido, e particularmente Lula tem realizado um forte movimento de ampliar a base de apoio ao governo.


O jogo político comporta uma ‘zona de amoralidade’?


O gesto de Lula em ir até Maluf é considerado por muitos como aético, considerando-se que Maluf é símbolo do que há de mais retrógado na política nacional, réu em vários processos por corrupção, cria dos militares, leniente com a ditadura e por aí vai. O gesto de Lula lança uma pergunta: Pode-se tudo na política de alianças ou há limites?


Há aqueles que sustentam que no mundo da política é aceitável uma ‘zona cinzenta da amoralidade’. Quem sustenta essa tese é o filósofo José Arthur Giannotti [1]. Segundo ele, “na medida em que a política, entre muitas coisas, consiste numa luta entre amigos e inimigos, ela pressupõe a manipulação do outro, desde logo suporta, portanto, certa dose de amoralidade”. Giannotti diz que a política assim como “qualquer jogo competitivo sempre requer um espaço de tolerância para certas faltas”. Segundo ele é “preciso diferenciar o juízo moral na esfera pública do juízo moral na intimidade, pois são diferentes suas zonas de indefinição. No primeiro caso, o juízo moral se torna inevitavelmente arma política para acuar o adversário e enaltecer o aliado, de tal modo que a investigação da verdade fica determinada por essa luta visando a vitória de um sobre o outro”.


Por outro lado, alerta ele que “cada vez mais tendemos a aceitar a regra de que o político, devendo se aventurar na zona da amoralidade, pague quando ultrapasse os limites sociais da tolerância”.


É corrente no mundo da política a ideia de que a ética dos fins justifica os meios. Esse raciocínio encontra justificativa na afirmação de Emir Sader para quem "o fundamental é derrotar a 'tucanalha' em São Paulo. Eu posso gostar ou não do Maluf, mas vou fazer campanha para o Haddad do mesmo jeito", diz ele. De acordo com essa argumentação vale tudo para derrotar o outro, inclusive aceitar em seu palanque quem sempre defendeu ideias radicalmente opostas e, mais grave, praticou atos ilícitos no poder. Por esse raciocínio não há limites para a política de alianças.


Outros, entretanto, defendem que a ética é imprescindível na política, que a política não comporta e não pode aceitar tudo, que há limites para a política de alianças. No debate sobre a ética na política, afirma o jurista Dalmo Dallari [2]: “Princípios não são metais que se fundem. Então, a negociação, a concertação tem limites. Não posso me aliar a alguém que quer o oposto do que quero, que defende uma ideia que oposta à minha, que pauta as suas atividades por princípios que são opostos aos meus. Então há um limite nessa busca de composição de forças”.


Nesse sentido, o gesto e a decisão de Erundina ao não aceitar Maluf no mesmo palanque é reparador da ética na política e sinaliza que há limites para a política de alianças.


Notas:


1 - Artigo publicado na Folha de S.Paulo, 17-5-2001.

2 – Entrevista à Caros Amigos - dezembro de 2003.

0bs – O artigo na íntegra e a entrevista estão publicados no Boletim Cepat Informa nº 105, ano 10 - Janeiro 2004.

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/510778-conjuntura-da-semana-a-foto-e-o-fato-ha-limites-para-a-politica-de-aliancas

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