5 de julho de 2012

As Propostas.




As pessoas às vezes me dizem: Você é muito pessimista e só fica criticando, tem que colocar mais propostas, ser mais propositivo. Não acho meus textos pessimistas, apenas procuro ler e mostrar a realidade da Igreja e do mundo como a vejo. Os meus textos não são pessimistas, a realidade é que o é. Pois bem, aqui vão as propostas, não são minhas, lamento dizer, mas as assumo como minhas.

A primeira proposta é de Jesus Cristo: o Reino de Deus, que é construído pelo próprio Deus com a nossa ajuda a partir do compromisso inerente à fé e ao batismo. Segundo entendi da Bíblia o Reino de Deus já começou (Lc 17.21) e é uma sociedade sem classes sociais, igualitária, sem Estado, onde os meios de produção pertencem e são controlados por toda a sociedade (At 2 e 4). Não conheço nenhum texto em que Jesus Cristo tenha defendido a existência do Estado (Ap 13.1-2: "Vi emergir do mar uma besta que tinha dez chifres e sete cabeças e, sobre os chifres, dez diademas e, sobre as cabeças, nomes de blasfêmia. A besta que vi era semelhante a leopardo, com pés como de urso e boca como de leão. E deu-lhe o dragão o seu poder, o seu trono e grande autoridade". Aqui João diz que o poder do soberano opressor - a besta - e do Estado opressor - o seu trono - vem do diabo - o dragão.). Isto é bastante complicado para nós, pois não conseguimos imaginar uma sociedade sem Estado. Coisa de comunista, diria a direita, mas é do próprio Jesus de Nazaré, o Deus encarnado na classe camponesa palestina. Isto mostra que Javé faz uma opção de classe, a partir da luta de classes que há na sociedade. Dentro desta luta de classes Ele parte da classe oprimida para acabar com todo o sistema opressivo montado pela sociedade de classes, que inclui o Estado e a Religião montada para legitimar esta sociedade classista opressora.

Deus é contra a Religião? Sim, Deus quer acabar com a Religião (no relato do Apocalipse na volta e Cristo na nova Jerusalém não há mais templo - Ap 21.22: "Nela, não vi santuário, porque o seu santuário é o Senhor, o Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro".) e por em seu lugar o Evangelho. Por que Deus quer acabar com a Religião? Não parece contraditório? Deus quer acabar com a Religião porque ela sempre foi e é usada para legitimar a sociedade de classes. A Religião sempre foi um aparelho do Estado para legitimar a opressão de classe. Salomão (o Estado) constrói o Templo, os persas dão dinheiro para reconstruir o Templo em 515 a.C., Herodes ajudou a embelezar o Templo. Por que? O Estado não faria isto se isto não fosse parte de sua política de Estado. Como normalmente o rei se considerava deus ou filho de deus ou instalado por deus (deus sempre em minúsculo) então nada mais justo ele ser o chefe da Religião, pois ele se considerava o controlador da realidade e da natureza para que tudo corresse bem em seu reino. O rei era o intermediário entre os deuses e os súditos para que a vida funcionasse nos conformes e também se responsabilizava pela defesa do país de ataques externos. Em troca os súditos lhe davam os impostos: em mercadorias e em trabalhos forçados (1 Rs 5). O Estado era divinizado, a tal ponto que o César de Roma se dizer deus. Isto é Religião. Evangelho é o que Jesus Cristo propõe: desmontar toda esta estrutura social, político, econômica, cultural e religiosa opressora e mentirosa encapsulada pelo Estado. O Evangelho de Jesus Cristo propõe trocar toda esta realidade opressora pelo Reino de Deus, uma sociedade de iguais, portanto sem classes sociais e, por isso mesmo, sem Estado, onde os meios de produção pertencem e são controlados por toda a sociedade. Em suma, o Evangelho é pura subversão da ordem estabelecida pela classe economicamente dominante que controla o Estado e o jeito de pensar (a ideologia - onde a religião se encaixa) da sociedade. O Estado em sua origem é apenas um aparelho da classe economicamente dominante para controlar a sociedade e que lhe repassa parte dos impostos arrecadados, como forma de se apropriar do mais-valor social, que são colocados como benefício aos trabalhadores, pois garantiriam seus empregos e gerariam novos empregos. É a tal redução do IPI, incentivos fiscais, PAC, etc e tal. Se o Estado está preocupado em ajudar os trabalhadores por que não repassa diretamente os recursos dos impostos à classe trabalhadora para que ela possa construir as fábricas que seriam autogestionadas ou cooperativadas onde os trabalhadores trabalhariam e teriam assim garantidos os seus empregos? Por que o Estado repassa os recursos primeiro para os 'bondosos' capitalistas para que eles construam as fábricas para depois dar emprego aos trabalhadores? Não seria mais fácil eliminar estes atravessadores dos recursos públicos? Ora, isto tudo é conversa pra boi dormir para legitimar a apropriação dos recursos públicos pelos capitalistas para aumentar o seu lucro. Assim os capitalistas lucram pela retenção de parte do valor do trabalho da classe trabalhadora e lucram com a apropriação de grande parte dos impostos recolhidos da população pelo Estado, que é a única que os paga, porque os comerciantes e industriais não pagam impostos apenas os recolhem na hora da venda das mercadorias onde eles estão embutidos. O resto é conversa fiada.

Para participar do processo coletivo da construção do Reino de Deus todos passam pelo que Jesus Cristo diz em Mc 1.15: arrependei-vos e crede no evangelho. Isso vale para todos: pobres, remediados e ricos. O arrependimento é a revolução que acontece na vida da pessoa com conseqüências coletivas para toda a sociedade, uma mudança radical: os pobres se arrependem de seus pecados individuais e coletivos deixando de querer ser ricos e de pensar como os ricos e reproduzir o processo econômico, político e cultural dos ricos e os ricos se arrependem de seus pecados individuais e fazem o que Zaqueu (Lc 19.1-10) fez: devolvem quatro vezes o que roubaram e dão a metade para os pobres e isto os deixará com nada; por que? Porque a pessoa fica rica pelo não pagamento de parte do trabalho realizado pelo trabalhador no processo de produção da mercadoria, que é o trabalho excedente, portanto toda riqueza tem sua origem no roubo (dentro da sociedade de classes este roubo é legal e permitido, por ser a base de toda sociedade de classes), e do qual Tg 5.4 fala: "Eis que o salário dos trabalhadores que ceifaram os vossos campos e que por vós foi retido com fraude está clamando". O salário é uma fraude porque esconde este processo de apropriação de parte do resultado do trabalho pelo patrão. Provavelmente foi dali que o bispo de Antioquia João Crisóstomo que morreu em 407 d.C. formulou a frase: todo rico é ladrão ou é filho de ladrão. Pelo arrependimento tanto o rico arrependido como o pobre arrependido agora querem uma sociedade de iguais, de irmão e de irmãs e de concidadãos dos santos (Ef 2.19), que é a proposta do Reino de Deus, sinalizada na celebração da Ceia do Senhor na qual nos comprometemos, em memória do Cristo que viveu e morreu por nós, a lutar para construir uma nova sociedade na qual haverá comida e bebida para todos e todas e isto só acontecerá se toda a sociedade controlar os meios de produção, numa sociedade sem classes sociais, que por isso mesmo não necessita mais do Estado.

O que o Evangelho tem a mostrar sobre os ricos está em Mt 19.16-22 onde mostra que eles não estão dispostos, em sua esmagadora maioria, a se despojar da riqueza e por isso não querem assumir o Projeto do Reino de Deus que propõe uma sociedade igualitária. Os pobres, no exemplo dos discípulos - Mt 19.22-30, deixaram tudo para seguir a Jesus Cristo, porque os ricos não podem deixar também tudo? Por que as pessoas mais conservadoras logo perguntam: E os ricos? Uma vez porque elas também querem ser ricas porque assumiram a ideologia do capital, mesmo sendo pobres (pobre normalmente é conservador e classe média mais ainda), e outra porque são os ricos que mandam na Igreja. Não se pode excluir o patrão é o sentimento geral. Ninguém exclui ninguém, os ricos se auto-excluem como mostra o texto do jovem rico. Jesus não era ingênuo e nem estava todo dia no palácio do Herodes para convertê-lo (na verdade Jesus só entrou uma vez no palácio do Herodes, na Sexta-feira Santa, algemado e torturado, antes de ser crucificado, para que o Herodes legitimasse a condenação à morte dele), mas não deixou de dizer sobre ele o que tem que ser dito e Herodes não gostou (Lc 13.32), como não gostou da pregação de João Batista (Mt 14.1-12). O Faraó também não se converteu com a pregação de Moisés (Êx 5) porque a sua opção econômica não o deixou. São projetos totalmente opostos, não dá para fazer uma aliança com Herodes, como o PT o faz, pois ao fazer alianças você tem que dar concessões. O Evangelho não dá concessões e Lc 9.62 mostra isso: "Mas Jesus lhe replicou: Ninguém que, tendo posto a mão no arado, olha para trás é apto para o reino de Deus". Jesus lembra em Lc 11.23: "Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha".

O problema da riqueza não é o único pecado coletivo da sociedade de classes. O pecado maior é a própria existência da sociedade de classes junto com o pecado individual de cada um. Israel reconheceu isto na confissão, após o Exílio, em I Sm 12.19: "porque a todos os nossos pecados acrescentamos o mal de pedir para nós um rei". Por que o rei é o pecado maior? Porque querer o rei é querer o Estado e o Estado é necessário em uma sociedade de classes para garantir a reprodução da desigualdade econômica pela exploração da classe subalterna pela classe economicamente dominante que se apropriou dos meios de produção e do próprio Estado para perpetuar esta realidade opressora. O Projeto de Deus construído nas montanhas da Palestina era uma sociedade sem classes, de iguais e por isso sem Estado e sem templo (que tem a função de legitimar o Estado e a sociedade classista que criou o Estado), onde os meios de produção e o poder eram controlados por toda a sociedade (Nm 27.1-11). Isto tudo tem que passar pelo processo de arrependimento e aí vem a segunda parte: 'crer no evangelho' e não no sistema deste mundo, hoje o capitalismo. Isto é tão difícil como o arrependimento, pois a Ditadura do Pensamento Único para reproduzir, perpetuar e legitimar a Ditadura do Capital diz que somente se pode crer no capitalismo como única forma de organizar a vida e toda a sociedade e com isto se rompe com o primeiro mandamento, pois se está divinizando o capital. Diante disso Jesus Cristo diz: "O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho". O Reino de Deus é a saída para a humanidade e não o capitalismo. A Igreja não prega sempre: "Só Jesus salva?" Com isto está apontando que o capitalismo não salva, mas isto ela não diz. Aí está um grande pecado da Igreja. Por que ela não diz isto? Porque ela se tornou aliada do sistema, foi integrada e cooptada por ele, faz parte do sistema assim como o Templo de Jerusalém (que prendeu Jesus de Nazaré, o Deus encarnado na classe camponesa, e o condenou à morte como herege e subversivo como nos conta Lc 23.1-5).

A segunda proposta, também não é minha, desculpem, é de Paulo: em 1 Co 1.27-29 ele diz que Deus vai reduzir a nada o que é a partir das coisas que nada são, as humildes. É a revolução do Reino de Deus protagonizado pelos humildes e fracos, a ralé organizada da sociedade (2 Co 12.7-10; 6.4-10; 11.23-29). Paulo ainda diz, em 1 Co 15.24: "E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder", que Jesus Cristo vai destruir todo o poder no e do mundo, também o poder do Estado. Por que? Porque a função do Estado é garantir a existência de uma sociedade de classes e conseqüentemente a luta de classes, onde a classe que tem a hegemonia sobre a economia controla o Estado para garantir a opressão e exploração da classe subalterna. Em seu tempo, de Paulo, o Estado, na pessoa do César, rivalizava com o próprio Deus dizendo ser divino e assim é divina toda a sociedade de classes que o Estado protege e viabiliza. Quando, hoje, os cristãos dizem que não há alternativa ao capitalismo eles o estão divinizando. Cada Deus tem seu projeto de sociedade: Javé o tem e o deus capital também o tem. Por isso Javé adverte os camponeses hebreus para não seguirem os deuses cananeus que tinham a sociedade de classes como seu projeto. Podemos ver isto em Dt 20. 16-18: "Porém, das cidades destas nações que o Senhor, teu Deus, te dá em herança, não deixarás com vida tudo o que tem fôlego. Antes, como te ordenou o Senhor, teu Deus, destruí-las-ás totalmente: os heteus, os amorreus, os cananeus, os ferezeus, os heveus e os jebuseus, para que não vos ensinem a fazer segundo todas as suas abominações, que fizeram a seus deuses, pois pecaríeis contra o Senhor, vosso Deus". A sociedade de classes embasada em falsos deuses tem que ser destruída pela raiz. Em Jz 2.2-3 diz: "Vós, porém, não fareis aliança com os moradores desta terra; antes, derribareis os seus altares; contudo, não obedecestes à minha voz. Que é isso que fizestes? Pelo que também eu disse: não os expulsarei de diante de vós; antes, vos serão por adversários, e os seus deuses vos serão laços". Os deuses do capitalismo de hoje, a trindade: o dinheiro, a mercadoria e o capital, também são laços nos quais os cristãos se enroscam e se prendem. O projeto do deus capital é esta sociedade de classes hoje vigente e o projeto de Javé é a sociedade sem classes sociais, igualitária, de irmãos e de irmãs.

Aqui entra a teologia da cruz (1 Co 1.18-25), pois na luta contra o sistema deste mundo nos será imposta a cruz (Lc 9.23: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me.) e isto nos lembra Martim Lutero na quarta estrofe do hino Castelo Forte, o coloco em alemão onde o texto é mais claro e faço uma tradução literal livre:

4. Das Wort sie sollen lassen stahn    4. A palavra eles deverão deixar estar,

Und kein’n Dank dazu haben;            E nenhum agradecimento haverá,

Er ist bei uns wohl auf dem Plan         Ele nos tem em seu plano

Mit seinem Geist und Gaben.             Com seu Espírito e dons.

Nehmen sie den Leib,                        Se nos tomarem o corpo

Gut, Ehr’, Kind und Weib:                 bens, honra, filho e mulher;

Lass fahren dahin,                              Deixe estar,

Sie haben’s kein’n Gewinn,                Eles não terão lucro

Das Reich muss uns doch bleiben.      O reino ficará conosco.

A teologia da cruz não é o forte das igrejas cristãs por isso se submetem às dinâmicas do capitalismo negando assim o Evangelho de Jesus Cristo. Por isso temos na maioria das igrejas da IECLB apenas a cruz vazia do Cristo glorificado e não o crucifixo do Cristo que também morreu por nós. O crucifixo nos mostra a parcialidade do Deus, que na luta de classes da sociedade palestinense dominada pelo Império Romano, que opta em se tornar um camponês sem terra marginalizado em Jesus de Nazaré assassinado como subversivo pela Religião e pelo Estado. Hoje o crucifixo nos lembra dos crucificados pelo sistema capitalista pelo Brasil afora. É disto que queremos fugir ao colocar apenas a cruz vazia na igreja, é a teologia da glória. Queremos fugir dos gritos dos crucificados de hoje pelo capitalismo que nós apoiamos em sua totalidade. É ali, no crucifixo, que o nosso pecado individual e coletivo nos é mostrado e disto queremos nos esquivar. Lutero acentuava o Cristo que morreu por nós e ressuscitou; cruz e ressurreição não dá para separar. Somente quem tem muita coragem e muita fé pode cantar a quarta estrofe do hino Castelo Forte.

A terceira proposta, também não é minha, lamento: é do Espírito Santo que construiu a partir de Pentecostes (originalmente uma festa da colheita onde após os pobres podiam recolher as espigas de trigo caídas no chão - Lv 23.22: "Quando segardes a messe da vossa terra, não rebuscareis os cantos do vosso campo, nem colhereis as espigas caídas da vossa sega; para o pobre e para o estrangeiro as deixareis".) uma Igreja (assembléia do povo de Deus em oposição à assembléia da cidade dos cidadãos romanos onde somente os homens latifundiários escravocratas participavam), uma sociedade de irmãos e de irmãs, igualitária, conforme At 2 e 4, composta pelo lixo da sociedade, como diz Paulo em 1 Co 4.10-13: "Nós somos loucos por causa de Cristo, e vós, sábios em Cristo; nós, fracos, e vós, fortes; vós, nobres, e nós, desprezíveis. Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos". Qual era o lixo da sociedade? As mulheres (em Rm 16.3-16 ver a lista de mulheres líderes comunitárias), os escravos, as viúvas, os estrangeiros, os sem terra diaristas, os sem casa, os não cidadãos; "aquelas que não são", segundo Paulo em 1 Co 1.27-29. O caminho da construção da Igreja de Jesus Cristo é o caminho a partir dos fracos e dos humildes porque o próprio Cisto se tornou um servo humilde (Fp 2.5-8). A partir significa começar com estes. Por que? Porque são oprimidos pela sociedade de classes. Deus escolheu o caminho dos oprimidos contra os opressores desde o Êxodo passando pela manjedoura e pela cruz. Na luta de classes, no modo de produção tributário, entre o Estado e os camponeses sem terra escravos hebreus Deus escolheu ficar do lado e com a classe camponesa e contra o Estado comandado pelo Faraó conforme fala a confissão de fé do povo de Israel (Dt 6.21-23). Este deve ser o caminho da Igreja de Jesus Cristo: ficar com e do lado da classe oprimida. É isto que os capitalistas que mandam na igreja querem impedir, pois isto significa ter que se arrepender (participar do processo revolucionário de construção de uma nova sociedade não classista que significa devolver os meios de produção aos trabalhadores que os pagaram com o seu trabalho - Mt 19.16-22) e crer no evangelho de Jesus Cristo e não ter o capital como referencial principal. Este Evangelho de Jesus Cristo diz o que? Diz que os oprimidos deixarão de ser oprimidos e os pobres deixarão de ser pobres e os escravos deixarão de ser escravos (Lc 4.18-19). Isto significa que o poder opressivo montado pelo sistema econômico classista será desmontado para que haja uma sociedade de iguais e isto é pura subversão.

Como me lembrou um colega: o "símbolo da IECLB é cópia do palácio de Brasília e não do casebre do camponês" e isto quer dizer muito, muito mesmo (!) na opção teológica e de classe desta igreja. O símbolo representa o que se é e a que se está ligado e no que se acredita. O Dicionário Houaiss lembra que o símbolo é "aquilo que, por um princípio de analogia formal ou de outra natureza, substitui ou sugere algo". O nosso símbolo sugere claramente a nossa aliança com o Estado capitalista. E a cruz, que simboliza o Evangelho de Jesus Cristo pregado no mundo (o globo), está delimitada pelas linhas dadas pelo Palácio da Alvorada, está dentro das linhas da colunata e não ultrapassa estas linhas. Estamos enquadrados dentro das linhas dadas pelo poder do Estado que é determinado pelos interesses da classe capitalista. Por isso a nossa prática e nossa pregação são determinadas normalmente somente pelo que o capital permite. Normalmente só falamos o que a direita permite, pois é ela que normalmente controla o aparato administrativo da Igreja, desde a comunidade, e do Estado. Quem controla o dinheiro paga para ouvir o que ele quer ouvir, mesmo que seja com o controle do dinheiro dos empobrecidos que são a maioria esmagadora na Igreja que mantêm financeiramente esta igreja. Por isso a pregação pura e reta do Evangelho de Jesus Cristo na Igreja é normalmente uma falácia.

Paulo, em 1 Co 7.29-31: "Irmãos, o que eu quero dizer é isto: não nos resta muito tempo, e daqui em diante os casados devem viver como se não tivessem casado; os que choram, como se não estivessem chorando; os que estão rindo, como se não estivessem rindo; os que compram, como se não fosse deles aquilo que compraram; os que tratam das coisas deste mundo, como se não estivessem ocupados com elas. Pois este mundo, como está agora, não vai durar muito" (na versão NTLH) aponta para o novo que virá, como me lembrou um colega, que aponta para o novo paradigma do Reino de Deus que não é determinado pela dinâmica normal de nossa sociedade atual determinada pelo capital e suas relações. Aqui se desvaloriza o centro do capitalismo, as mercadorias, quando se diz: "os que compram, como se não fosse deles aquilo que compraram", pois é no processo da produção das mercadorias que se cria o lucro pelo não pagamento de parte do trabalho feito pelo trabalhador. Acaba-se com o consumismo capitalista. Aqui a mercadoria não é um fetiche que determina a vida de seu dono e seu criador como sói acontecer no capitalismo. Paulo diz: "este mundo, como está agora, não vai durar muito", mas a igreja normalmente em sua prática organizativa (não na teologia) não olha por este lado ao se deixar determinar pela dinâmica do capital vive como se este mundo capitalista durasse para sempre. Por isso não combate suficientemente a Ditadura do Pensamento Único que diz que não há outra proposta de sociedade além da capitalista, quando a Igreja sabe que o Reino de Deus é a outra proposta. Mas isto pressupõe a revolução do arrependimento, que é uma verdadeira revolução nas relações entre as pessoas, nos meios de produção e na sociedade toda.

A quarta proposta, também não é minha, me perdoem, pois é de Martim Lutero que a copiou de Paulo que diz em 1 Co 9.19: “Porque sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número de pessoas”. A partir disso Lutero diz: “Um cristão é senhor livre sobre todas as coisas e não está sujeito a ninguém. Um cristão é servidor de todas as coisas e sujeito a todos”. Somos livres pela fé (Gl 5.1), pois pela fé e de graça somos salvos para participar do processo coletivo de construção desta nova sociedade igualitária que Jesus Cristo chama de Reino de Deus; com isto somos automaticamente livres para combater o capitalismo que é um instrumento que o diabo usa para tentar impedir a construção coletiva do Reino de Deus, capitaneada pelo próprio Deus. Fomos libertos pela fé e pelo batismo para nos engajarmos na luta contra o capitalismo (o reino do mundo governado pelo diabo - João 16.11) e a favor do Reino de Deus. Esta nova sociedade já começou no processo de resistência contra a dinâmica do capital e quando este for vencido teremos que construir novas relações baseadas no Poder Popular (como era nas montanhas da Palestina no AT) onde os meios de produção pertencem a toda a sociedade, onde as decisões são tomadas coletiva e democraticamente pelo Poder Popular. Teremos que reinventar todas as relações entre as pessoas e as coisas nesta nova sociedade sem classes sociais. Foi isto que a Igreja Primitiva fez numa sociedade classista escravocrata patriarcal: as mulheres eram líderes das comunidades, os sem terra estrangeiros e todos os não cidadãos perante o Estado Romano eram concidadãos do Reino - iguais - Ef 2.19 "Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus". Esta é uma prática revolucionária; quebraram-se os paradigmas da sociedade classista escravocrata juntamente com a não observância da religião do Império que dava sustentação ideológica ao sistema econômico escravista e seu aparato estatal. Isto tudo tornou a Igreja de Jesus Cristo totalmente subversiva e foi tratada como tal: 100 mil cristãos foram martirizados, fora os escravizados, exilados e expatriados.

A Igreja Primitiva nunca usaria como símbolo da Igreja a colunata do palácio de Nero (a besta que recebeu o poder do dragão - Ap 13) ou o símbolo das legiões romanas. No entanto, nós, a IECLB, o fazemos e nem nos damos conta da barbaridade teológica que praticamos. Por que não mudamos o nosso símbolo? Porque não temos coragem de colocar o barraco dos sem terra (que tem fundamento em Jo 1.14 - o Verbo se fez carne e armou tenda [barraco] entre nós) como símbolo da realidade do povo brasileiro oprimido entre o qual Deus está presente (um barraco que pode ser desmontada o qualquer hora e levado para outro lugar conforme a necessidade da luta pelo Reino de Deus) porque estamos acorrentados ao capital; porque não temos coragem como Igreja de fazer a opção de classe que Javé faz no Êxodo, na manjedoura e na cruz. Apesar de que numa decisão conciliar a Igreja faz esta opção, como mostro na quinta proposta.

Já pensou o símbolo da IECLB sendo assim: o crucifixo (não a cruz vazia, pois na pintura de Lucas Cranach que está no altar da igreja em Wittenberg Lutero aponta para o Cristo crucificado que morreu por nós como sendo o centro de nossa fé) sobre o barraco (barraco de lona preta), cercado de muitos outros barracos (morada dos oprimidos) e edifícios (morada dos capitalistas e dos que pensam como eles), que é a realidade classista brasileira, sobre o mapa do Brasil dentro do globo (mas o crucifixo passando para além das linhas do mapa do Brasil e das linhas do globo terrestre)? Quem sabe ainda tendo pessoas na frente dos barracos e dos edifícios, porque Jesus Cristo morreu por todas as pessoas, também pelos capitalistas, que também tem que se arrepender e crer no Evangelho de Jesus Cristo como os/as trabalhadores/as. Alguém que é bom no desenho ariscaria desenhá-lo? Não seria um escândalo tal símbolo? Por isso mesmo evangélico, diria Paulo segundo 1 Co 1.18: "Certamente, a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus".

A quinta proposta, também não é minha, me absolvam, é da IECLB: é do Concílio Geral de 1982 que em sua Mensagem às Comunidades diz:

"Para que todos possam usufruir das dádivas do Criador, agindo responsavelmente diante delas, propomos o seguinte:

- realizar campanha de ampla informação e conscientização dos problemas agrários e urbanos:

- apoiar o agricultor na sua luta pela permanência no campo:

- assumir e defender com responsabilidade evangélica as reivindicações dos movimentos sociais, fazendo um trabalho de base com associações de bairros, atingidos por barragens, colonos sem terra, bóias-frias, sindicatos, proteção ambiental, além de inúmeras outras formas de atuação onde o amor de Deus quer se tornar vivo e real entre as pessoas." Esta é uma proposta altamente subversiva, mas evangélica, por isso nunca foi encaminhada pela direção da igreja para ser posta em prática, a não ser praticada por alguns isoladamente e às vezes de forma organizada nos Distritos Eclesiásticos sem muito apoio da instituição.

Esta proposta do Concílio é muito atual hoje e sempre: fazer o trabalho de base. Isto a via Campesina está retomando após uma discussão e avaliação da conjuntura das lutas populares. O trabalho de base vai junto com a formação a partir da prática da luta. Sem trabalho de base não acontece revolução nenhuma.

Como Jesus Cristo fazia o trabalho de base?

- Começou com a vocação dos discípulos numa prática de corpo a corpo em três níveis: os doze mais próximos (Mc 1.16-20), o grupo de mulheres que dava sustentação econômica e logística à Jesus e ao grupo dos 12 discípulos (Lc 8.1-3) e o grupo dos 70 (Lc 10.1-12). Tanto os doze como os setenta Jesus mandou de dois em dois (Mc 6.7-13), como uma espécie de estágio prático-teórico, o que o MST chamaria de Frente de Massas, e ao voltarem foi feito uma avaliação (Lc 10.17-20).

- Contato permanente com a massa (Mc 6.33-34).

- Formação teológica a partir da realidade opressiva da luta de classes em que o povo vivia (Mc 4.1-9; Mt 20.1-16; Mt 25). Formação diferenciada para os discípulos e o povo em geral (Mc 4.11): lideranças e base popular. A formação era individual (Jo 3.1-15), grupal (Mt 20.17) e de massa (Mt 5) a partir dos conceitos teológicos conhecidos fortalecendo e contestando; a partir da realidade política, social, econômica, religiosa e cultural; a partir do Espírito da Época: o Messianismo.

- A formação partia da prática de luta diária do povo, dos conflitos de classe, e não da teoria, do discurso legalista (da Lei), como os fariseus e sacerdotes o faziam. Jesus construía a teologia a partir da prática para uma nova prática: Prática-Teoria-Prática era a metodologia usada. A formação e o trabalho de base foram eficientes porque o Movimento de Jesus não desapareceu depois de sua crucificação, mas se espalhou e tomou conta do Império romano.

- Jesus se posicionava no contexto da luta de classes que havia na sociedade, se colocando, quando necessário, contra o Templo de Jerusalém e contra o Estado e sempre ao lado do povo oprimido, colocando no centro da discussão as vítimas do sistema opressivo e não a Lei (a salvação é de graça pela fé - Mc 2.1-12): os doentes (Mc 3.1-6), as viúvas (Lc 7.11-17), as crianças (Mc 10.13-16), os empobrecidos (Mt 25.31-45), os explorados (Mt 20.1-16).

- Mobilidade permanente (Lc 8.1) acompanhado pelos grupos de discípulos (os doze e o grupo de mulheres) ficando no meio da massa que o protegia e o apoiava (Mc 12.12).

- Reuniões de massa, de grupos e conversas individuais.

- Sinais do Reino de Deus com ações concretas para mostrar o seu Projeto: curas, milagres, comunhão, acolhida, partilha, amor, compreensão da realidade.

- Marcha popular sobre Jerusalém no Domingo de Ramos, recebido com festa e alegria, em oposição à marcha de entrada na cidade pelas tropas de ocupação para impedir o levante popular durante a festa da Páscoa, sempre recebida com ódio e desprezo. O poder popular messiânico montado num jumento que é um animal de carga e de trabalho do camponês contra o cavalo do governador que é usado como arma na guerra - a cavalaria.

- Jesus apontava para um novo Projeto: o Reino de Deus em oposição ao reino do mundo (modo de produção escravista legitimado pelo Estado Romano) com um Programa construído a partir da realidade opressiva histórica da luta de classes (cita o profeta Isaías - Lc 4.18-19 para apontar para a continuidade do Projeto de Deus desde o AT) em que o povo vivia, como lemos em Lc 4.16-30, apontando para o universalismo de seu Projeto que inclui os estrangeiros, rompendo as barreiras étnicas, religiosas e culturais. Javé é Deus de toda humanidade e do Universo.

- Jesus fazia seu trabalho de base com o objetivo de construir o Reino de Deus que é um projeto em oposição ao projeto do mundo, portanto o trabalho de base tem que ser em vista da revolução do Reino de Deus e não para reproduzir a Igreja como Religião. Em vista da revolução do Reino de Deus o Concílio Geral da IECLB de 1982 propõe em sua Mensagem às Comunidades um projeto missionário a partir do trabalho de base dentro da igreja com os movimentos populares e sindicais. O trabalho de base integra missão, formação, diaconia e luta popular. É o que também propunha o XIII Concílio da RE III: "Integração do Movimento Popular na concepção do trabalho missionário". Trabalho missionário não é só fazer proselitismo para aumentar o número de membros, mas é também participar do processo revolucionário da sociedade contra o capitalismo em direção ao Reino de Deus. Trazer mais pessoas para dentro da IECLB por trazer não muda nada no processo coletivo de construção do Reino de Deus que se opõe ao capitalismo. Jesus já falava sobre isto aos fariseus em Mt 23.15: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito; e, uma vez feito, o tornais filho do inferno duas vezes mais do que vós!"

Para sairmos desta conjuntura eclesial e do Movimento Popular em descenso o trabalho de base é essencial. Sem trabalho de base não há movimento de massas e sem movimento de massas não há revolução. Para isso temos que ter uma estratégia clara. Podemos errar na tática, mas nunca na estratégia.

O Movimento da Consulta Popular fala dos elementos centrais de uma estratégia:

1. Considerar o processo histórico e as características da luta de classes;

2. Analisar a correlação de classes (como se comportam as classes socais), possibilitando a construção de alianças, um bloco de forças capaz de levar adiante a revolução até a sua vitória, buscando incorporar à revolução setores, cada vez mais amplos, da população;

3. Determinar corretamente a força dirigente da revolução, suas forças motrizes e seus possíveis aliados;

4. Definir os inimigos (estratégicos e imediatos);

5. Analisar a via mais provável do desenvolvimento da revolução;

6. Analisar a correlação de forças internacional (as possibilidades de apoio e a capacidade de intervenção do imperialismo).

Nas Resoluções Políticas da IV Assembleia Nacional da Consulta Popular se põe a pergunta: O que é estratégia?

"A estratégia revolucionária determina o caminho geral pelo qual deve ser canalizada a luta de classes do proletariado para conseguir seu objetivo final: a derrota da burguesia e a implantação do comunismo, ou seja, é a forma como se planejam, se organizam e se orientam os diferentes combates sociais para alcançar esse objetivo".

O Movimento da Consulta Popular responde à pergunta: Qual é a característica dessa revolução?

"O caráter da revolução brasileira é socialista, proletário e internacionalista. Socialista porque o desenvolvimento das forças produtivas em nosso país possibilita que se avance de forma ininterrupta para uma transição socialista, numa luta contra a burguesia e, de uma forma geral, contra a totalidade dos mecanismos de dominação e opressão vigentes nessa sociedade – no que se incluem o machismo e o racismo. Proletário porque o sujeito histórico da revolução é o proletariado, as massas populares, a classe trabalhadora, cabendo à burguesia apenas o papel de inimiga. E internacionalista porque, a despeito de ser travada em cada país e em cada país triunfar, a transição socialista só avança e só se viabiliza se houver uma correlação de forças internacional favorável".

Diz a Consulta Popular: "A história nos ensina que as massas populares só se lançam na luta pela conquista revolucionária do poder quando se esgotam todas as suas expectativas para com a ordem burguesa. Por isso, em situações históricas nas quais as massas ainda têm expectativas de obter conquistas e ganhos por meio de outras vias que não a conquista revolucionária do poder, a revolução depende do esgotamento dessas expectativas. Nesse sentido, o problema que se coloca para as organizações revolucionárias é como induzir este esgotamento. Qual a tarefa central dos revolucionários? A tarefa central dos revolucionários é criar uma força social do povo capaz de se forjar como alternativa de poder e capaz de dirigir as massas no rumo da conquista revolucionária do poder. A isso chamamos de Projeto Popular".

Isto significa que o povo organizado tem que tomar o poder do Estado e também o poder na Igreja. Lenin diz no seu livro: O Estado e a Revolução, que a nova sociedade que ele chama de comunista se constrói em duas etapas: na primeira etapa o povo organizado toma o poder do Estado e muda aos poucos o modo de produção de capitalista para socialista e aos poucos desaparecem as classes sociais e aos poucos a classe trabalhadora se apropria dos meios de produção. Na segunda etapa que ele chama de comunista não há mais a necessidade do Estado porque as classes sociais não mais existem e cada um recebe conforme o seu trabalho e conforme as suas necessidades. Só para lembrar: esta sociedade sem classes ainda não é o Reino de Deus em seu estado pleno, é apenas o início e uma parte do Reino de Deus já agora presente.

Helmut Gollwitzer diz sobre isto: "Para Marx a sociedade sem classes era a tarefa histórica da classe proletária. Contrariando lugares comuns muito difundidos, é preciso dizer o seguinte:

a) Uma sociedade sem classes não é o paraíso e não pressupõe pessoas sem pecado; ela é uma ordem terrena para pessoas pecadoras que preenche melhor do que a sociedade capitalista, aquilo que Barmen V (no primeiro esboço de Barth) considera como tarefa de uma ordem social: “preocupar-se com a justiça, paz e a liberdade de um mundo ainda não redimido”.

b) Em seu tempo Marx considerava tal sociedade como possível e necessária. Esta convicção se revela hoje, cem anos depois, não uma fantasia, mas uma necessidade ainda mais premente do que naquela época: Se não conseguirmos substituir agora o sistema capitalista por um sistema mais humano, então será tarde demais; é superstição crer que o mesmo mal que destruiu o planeta, possa também salvá-lo."

O Movimento da Consulta Popular diz: "Ninguém começa a levantar uma parede se não tiver no papel, ou pelo menos na cabeça, a imagem da casa que quer fazer. Uma casa, uma plantação, uma bicicleta, uma roupa, um livro, uma escola, uma cooperativa, antes de existirem na realidade, existiram como uma ideia, um projeto. O projeto organiza e direciona o esforço criativo das pessoas. Defendemos que o povo brasileiro, como um todo, deve construir um projeto que organize o uso de sua capacidade criativa e produtiva, tendo em vista atingir um futuro desejado".

Parece que a IECLB ainda não entendeu isto, pois ela ainda não tem um Projeto de Igreja claro. Como a Igreja propõe que as paróquias construam um Planejamento Estratégico se a própria Igreja não o tem? Vai-se construir sobre a areia em vez sobre a rocha firme. Qual é o medo da Igreja? É construir um Projeto de Igreja a partir da realidade brasileira, do Evangelho do Reino de Deus, que aponta para a construção de uma nova sociedade não classista, e da confessionalidade luterana. Por que não construímos um Projeto de Igreja a nível nacional? Porque teríamos de, a partir da realidade opressiva em que o povo vive sob a hegemonia do capital, fazer uma opção de classe como Javé a faz no Êxodo, na manjedoura e na cruz. Isto é possível numa igreja em que a burguesia manda, mesmo através de trabalhadores alienados? Sem um Projeto de Igreja não vamos a lugar nenhum, além de apoiar e fortalecer o capitalismo. Construir um Projeto de Igreja leva anos, importa começar. Se não o fizermos os números do Censo do IBGE vão nos mostrar a cada década o caminho pelo qual andaremos: o caminho da extinção: lenta, gradual e segura, como diria o ditador Geisel, que não era membro inscrito na IECLB.

A sexta proposta, também continua não sendo minha, é de Karl Marx: "Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo". O nosso papel como Igreja é ajudar a interpretar o mundo (explicar e entender o mundo, hoje o capitalismo, para poder combatê-lo melhor) e a partir da fé em Jesus Cristo transformá-lo naquilo que Jesus Cristo chama de Reino de Deus, uma sociedade de irmãos e de irmãs, igualitária. Por que? Por Jesus já venceu o mundo, como ele diz em João 16.33 "Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo"; e em 1 João 5.4 "porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé"; e em 1 João 5.5 "Quem é o que vence o mundo, senão aquele que crê ser Jesus o Filho de Deus?" Isto mostra que a fé cristã é essencialmente revolucionária e insurgente, pois tem na sua essência a luta contra o mundo, hoje o capitalismo (o mal, ao qual devemos resistir, como diz Jesus no Pai Nosso), por ser instrumento do diabo. Cabe a nós cristãos/ãs a partir da fé em Jesus Cristo construir uma grande aliança ecumênica com todos os setores oprimidos da sociedade para combater o mundo, o capitalismo, e em conjunto construir uma nova sociedade sem Estado, igualitária, de irmãos e de irmãs, e não classista onde o poder será do povo e para o povo e os meios de produção serão da coletividade onde cada um recebe conforme o seu trabalho e conforme a suas necessidades (aqui estão incluídos os que não conseguem trabalhar por causa de deficiências, doenças e idade). Será uma sociedade sem classes sociais de santos e pecadores ao mesmo tempo em suas contradições humanas até que Cristo voltará em glória.

A sétima proposta é conseqüência de todas as outras que, portanto, também não é minha (minha apenas é a interpretação): diz que a Igreja de Jesus Cristo é na sua essência revolucionária e insurgente porque se propõe a participar da construção coletiva do Reino de Deus que é uma proposta de uma nova sociedade não classista que já iniciou com Jesus Cristo e se completará no Dia do Juízo Final. Por isso lutamos a partir da fé em Jesus Cristo junto com a classe trabalhadora organizada e os povos originários (com suas propostas de sociedade do bem viver) motivados pelo batismo (no qual somos marcados com a cruz de Cristo) contra o capitalismo, o mundo, que Jesus já venceu com a sua ressurreição (do corpo) na Páscoa. Não nos aliamos a um sistema já falido e vencido que não tem nada a ver com o Reino de Deus. Combatemos este sistema também na Igreja, na qual se infiltrou até a medula. A IECLB tem a tarefa de: a partir da realidade da luta de classes em que está inserida no Brasil, a partir do Evangelho de Jesus Cristo que propõe a construção do Reino de Deus em oposição ao reino do mundo e a partir da confessionalidade luterana, construir com o seu povo sofrido e oprimido pelo capital, que é a esmagadora maioria de seus membros, um Projeto de Igreja fiel à opção de classe que Javé em Jesus Cristo fez e continua fazendo pelo poder do Espírito Santo. Isso, definitivamente, é uma bela utopia. Mas, a utopia serve para caminhar, nos diz o Eduardo Galeano.

Na verdade o que coloco acima não é coisa nova, pois no primeiro concílio geral, ocorrido em 1950, em São Leopoldo, a Federação Sinodal expressaria seus planos e sua autocompreensão nas seguintes palavras:

"A Federação Sinodal é Igreja de Jesus Cristo no Brasil em todas as conseqüências que daí resultarem para a pregação do Evangelho neste país e a co-responsabilidade para a formação da vida política, cultural e econômica de seu povo". Como nós somos a Igreja da Palavra, acaba ficando tudo nas palavras, com as suas devidas e honrosas exceções que confirmam a regra.

Termino com uma palavra de um colega escrevendo sobre o Reino de Deus:

"Para mim está claro: o Reino de Deus possui duas dimensões – a presente e a futura. Mas somente numa delas nós podemos participar ativamente, a outra, nós participamos passivamente (a recebemos). O canto “Jesus Cristo, esperança do mundo” (Silvio/Edmundo/João), na estrofe 6 tem algo muito valioso para mim: “futuro ilumina o presente”. Toda a questão escatológica da plenitude do Reino de Deus não é um antídoto para a acomodação, mas é mola propulsora para um agir no tempo presente daquilo que esperamos e cremos que será a eternidade. Se eu creio que o céu é um bom lugar de se morar, devo lutar para que todos possam ter casa aqui; se lá terei saúde, devo lutar para que todos tenham acesso à saúde e tratamento médico e hospitalar aqui (e não como fez a AMA – que não ama ninguém – só os “urubus” tem acesso e o povão paga a conta); se creio que lá haverá alegria e paz na grande família, devo me empenhar aqui para que haja justiça, alegria e paz entre as pessoas, como entoaram os mensageiros de Deus (Lc 2.15) e assim por diante."

Vivemos numa realidade a partir da fé em Jesus Cristo onde o futuro determina e ilumina o presente. Lutamos no presente motivados pelo sonho do futuro para antecipar este futuro num processo coletivo e ecumênico (união entre igrejas e movimento popular, sindical e político partidário de esquerda - entendido como partidos que de fato partem das lutas da classe trabalhadora num processo de construção desta nova sociedade não classista) de luta contra a opressão da sociedade de classes. Na Ceia do Senhor fazemos isto: antecipamos o futuro. Comemos a sobremesa antes da refeição, mas esta refeição está sendo preparada por Deus conosco pela luta num processo de aniquilamento do mal, que é o sistema capitalista como um todo. Jesus pede no Pai Nosso: "livra-nos do mal". O mal hoje é o capitalismo. Em outras palavras hoje estamos pedindo no Pai Nosso: livra-nos do capitalismo, pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém.

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