20 de julho de 2012

Elementos da conjuntura internacional


Panorama geral e desafios atuais

Anotações da palestra de Valter Pomar (do PT e secretário do Foro de São Paulo) maio 2012

1. Marcos gerais da situação Internacional:

- Crise do capitalismo neoliberal: prossegue e a tendência é que se acentue nos próximos anos. Problemas para reestruturar a economia internacional.


2. Declínio da hegemonia estadunidense:

- Declínio é relativo (político, econômico, ideológico), mas seguem na hegemonia militar e financeira (a partir do controle do dólar). Desfecho não está claro. Podem se recuperar como principal potência (ou como uma das potências), se afundarem em suas contradições ou, o pior pra nós, se recuperar na condição de potência regional.


3. Deslocamento do centro geopolítico do mundo para a Ásia.

- Mudança do foco político-econômico para a Ásia, especialmente China.


4. Instabilidade política internacional:

- Resultado dos 3 itens anteriores.


5. Acentuamento dos conflitos

Esse processo não está encerrado, será logo e é difícil prevermos seu desfecho. O provável é que o capitalismo se renove numa nova forma de acumulação.


7. Impactos disso sobre a América Latina:


7.1. AL não está vivendo um ciclo de construção do socialismo. A região está vivendo m processo de conflito entre dois projetos capitalistas: o projeto neoliberal x capitalismo de Estado (ainda que em alguns lugares o capitalismo de Estado seja hegemonizado pela esquerda, como na Venezuela). O conflito não é capitalismo X socialismo. Mesmo os governos mais avançados pregam a transferência de renda baseada na produção do modelo anterior → isso só funciona se há quem compre esses produtos internacionalmente → o que em tempos de crise é um problema, e fará pressão nos países latino-americanos.

7.2. Classe dominante latino-americana está dividida. O que ela vai fazer diante da crise internacional? Ser extensão dos Estados Unidos ou se voltar mais para um capitalismo forte latino-americano? Um lado segue assumindo os interesses dessas burguesias dos EUA. Outro acredita que é possível desenvolver um capitalismo rentável a partir desse capitalismo de Estado. Esse setor sofre da pressão exercida pelos setores populares que sustentam tais governos (ex. OES na Bolívia).


7.3. Como será o comportamento da esquerda? A “esquerda hegemônica” latino-americana apostou na transição reformista do neoliberalismo ao capitalismo de Estado, através de eleições, medidas sociais. Dilma apresenta uma postura de tibiez total. Se continuar como está, teremos um retrocesso, já que o período de “de conforto econômico” pelo aumento das vendas externas de commodities está se encerrando.


8. A situação caso a caso:


8.1. EUA

 Grande fato político será as eleições presidenciais. A tendência é a reeleição do Obama. Cujo segundo governo será de continuidade: política de desvalorização do dólar, conflitos militares (Irã prossegue), continua a pressão sobre a classe trabalhadora e a sociedade vai continuar com um declive ideológico acentuado para a direita, mesmo com a derrota dos Republicanos.

8.2. Europa

 Fracassou o projeto da classe dominante européia, apoiado pelas populações, de ser uma alternativa mundial aos EUA, um pólo de disputa alternativo. Queria ser o que a China é hoje. Espanha, Portugal, Itália e Grécia receberam subsídios sem que isso tivesse base na produtividade. O projeto de capitalismo de face mais humana só foi possível enquanto existiu a União Soviética. Pois desde a queda da URSS entra em vigor um desmonte (do que sobrou) do Estado do Bem Estar Social. É importante destacar que esse fracasso não é para todos. Não vai tocar no binômio Alemanha-França. A Alemanha, por exemplo, não sucumbiu, devido à manutenção de seu pólo industrial de ponta e seu papel de credor de economias européias, como Grécia, Espanha. A França, teve uma eleição reveladora: 20% da população não foi votar. Mesmo sendo um país historicamente politizado e de esquerda, a resposta ao declínio veio pela direita, igual que os EUA.

 Mas esse binômio não se sustentará sem cobrar as dívidas dos estados mais pobres ao seu redor.

8.3. Ásia

 Espécie de “engarrafamento estratégico”, de Rússia, China e Índia. Os três países apostam na mesma via, o capitalismo de Estado, com padrões sociais diversos, e acabam sendo jogados um contra os outros, especialmente nas organizações internacionais. Há muita tensão. A Índia: economia cada vez mais forte, mas situação interna tensa, totalmente desigual e de padrão baixo. E tensão externa com o Paquistão. A Rússia: tensão interna brutal. A desconstrução do socialismo e a construção do capitalismo de Estado vem sendo feita a partir de uma “ditadura” à direita. Na China há um acirramento da luta interna, e um aumento da repressão. Grupos na periferia em choque com Pequim.

 Nenhuma dessas situações é capaz de encerrar os projetos estratégicos desses países, que além de econômico tem adquirido um caráter militar. E as tensões na Rússia e na Índia não levam ameaça ao projeto hegemônico chinês, que está chegando na etapa de transformar projeto político em projeto militar.

8.4. África

 Principal zona de expansão das economias capitalistas, inclusive no Brasil. O continente está sofrendo um retorno à uma condição de área de repartição e expansão das potências capitalistas. O subproduto disso é a instabilidade política, civil e militar.


8.5.Oriente Médio

 Principal caso é a recusa de EUA-Israel em aceitar o Irã enquanto potência regional. Israel está cada vez mais isolado no cenário mundial e os EUA e a Europa tem criado uma área de exclusão (Líbia, Síria). A tendência é o aumento dos conflitos regionais. A região continua sendo centro de passagem do comércio internacional e tem o petróleo. Mas também hoje Brasil e Venezuela têm suas grandes reservas.


8.6. América Latina

 EUA: há um medo da imigração latina para os EUA, em especial por conta da sua organização trabalhadora em sindicatos e organizações

 América Central e México, sob impacto direto da crise e da influência dos EUA. A queda da economia estadunidense arrastará junto esses países que têm uma economia devastada e impacto social muito forte (desemprego, desespero e narcotráfico). Crime organizado virou um mecanismo importante de contenção social. Politicamente, a esquerda também está em crise (Honduras, Guatemala, El Salvador) e a direita governa muitos países (Panamá, Costa Rica...) e deve vencer no México. Um cenário muito negativo, com exceção de Nicarágua e Cuba. Na Nicarágua, os sandinistas são hegemônicos, mas tem uma relação perigosa com a direita. Em Cuba, estão em cursos reformas que tendem a reintroduzir com mais autonomia relações capitalistas de produção. No México, Lopez Obrador de hoje é muito mais rebaixado do que o de antes, e segue uma linha “Lulinha Paz e Amor” com a direita, ou seja, mesmo se ganhar, não dá pra esperar muito.


 América do Sul

 O quadro é melhor. Maioria dos governos são de centro-esquerda. E condições sócio-econômicas melhores. Mas com sinais de debilidade e complicações à vista. Dos governos moderados o mais radical é o da Argentina.

 Brasil e Uruguai: reação conservadora às dificuldades econômicas. Na Argentina há uma certa radicalidade em seu governo moderado, que é politizadora em especial para a juventude → foi pra cima do petróleo, dos militares, dos meios de comunicação. No Paraguai há a possibilidade de retrocesso político, com derrota da base do governo. No Equador e Bolívia há uma dependência com o extrativismo e necessidade de desenvolvimento capitalista trás contradições internas com a base. Na Venezuela o problema é político, não houve formação de lideranças, e nesse momento de fragilidade da saúde do Chavez só piora as coisas → haverá uma “guerra” pela sucessão, que envolve uma burguesia vinculada ao governo, um setor corrupto do governo, a direita e a esquerda frágil. Provavelmente Chávez ganhe a eleição. Os problemas virão depois. A direita aparentemente aprendeu a lição e tem adotado o discurso que valoriza as mudanças e critica as falhas → nessa eleição o problema é o candidato, que é muito vinculado à direita... se fosse um candidato mais “neutro”, com o mesmo discurso e o Chavez doente, poderia complicar. Na Colômbia o governo fez o mesmo giro da direita venezuelana, e procura se aproximar com Equador e Venezuela, disputando por dentro a hegemonia, e não criando um conflito aberto → se a direita ganha nesses países, essa aproximação é um problemão. E no Paraguay a situação é complicadíssima.

9. Perguntas surgidas no debate:

a) Como anda a esquerda colombiana?

 Esquerda estava dividida em dois grandes blocos: militar (FARC, ELN) e político-social-eleitoral (Pólo Democrático Alternativo); ambos se enfraqueceram, e o PDA rachou e uma parte se alia ao Santos, caindo no novo discurso da direita, e o pessoal militar não sabe como lidar com essa nova política → setores ligados às FARC iniciam essa Marcha Patriótica, que tenta reviver a esquerda a partir do diálogo e da mobilização social

 E os Zapatistas?

 Não se ouve falar muito deles desde que “ajudaram” a direita a derrotar o Lopez Obrador na campanha anterior.

b) Como anda a mobilização social no Chile?

 A juventude tem se mobilizado, com influência direta do PC Chileno, com disputa com os setores mais esquerdistas → há um processo de renovação política, que eleitoralmente é interessante pois essa juventude vai começar a votar agora

c) Qual a avaliação do Itamaraty, Patriota e cia? O governo Dilma despolitizou as Relações Internacionais?

 Avaliação é muito negativa, o ministro Patriota gosta muito dos EUA, e isso o leva a ter uma postura que não dá a atenção devida à integração latinoamericana, aos países africanos, ele dá mais importância pessoal ao projeto “Brasil-Potência” e a uma aproximação com os EUA, o que faz com que o Brasil perca um pouco da “moral” que conquistou nos anos de Lula-Celso Amorim-Samuel Pinheiro Guimarães → não houve (ainda) uma mudança ideológica, mas a mudança de perfil pode levar a isso, se não for revista.

d) Qual a opinião sobre a Síria?

 O regime sírio, para os nosso padrões é uma ditadura, mas para os oriente é uma democracia avançada. Há um conflito que tende a guerra civil, com a intervenção externa. E só não virou uma Líbia porque a Rússia e a China vetaram no Conselho de Segurança, e a Rússia deslocou tropas para a região.

e) Como é a avaliação da relação dos movimentos sociais com os governos de esquerda/progressistas na AL?

 A esquerda latinoamericana, em sua maioria, fez uma opção estratégica de chegar ao governo por via eleitoral; após a vitória, o outro lado dessa estratégia era fazer um governo pactuado com as classes dominantes, o que complica a relação com os movimentos sociais; os movimentos acabam ficando como ameaça à direita para que ela dê concessões, e a direita fica como ameaça aos MS para que eles não batam tanto nos governos; o problema é que essa situação só funciona naquele cenário de “zona de conforto”; ao mesmo tempo então, os governos não conseguem se desvencilhar da estratégia anterior, e os movimentos estão em refluxo e não tem força para impor pautas e garanti-las para o governo.

f) Há alguma avaliação sobre a proteção da economia chinesa em relação à crise?

 A possibilidade de uma crise na China pode ser útil para nós pela baixa dos preços, que se aproveitada direitinho, pode nos ajudar a diminuir o peso do agronegócio em nossa economia; mas lá não cogitam a possibilidade de colapso.

g) Como está a relação interna no PC Chinês?

 Os EUA estão fazendo um cerco à China, o que preocupa o Partido; ao mesmo tempo há uma insatisfação popular enorme, o que abre caminho para um falso discurso maoísta para ganhar base na disputa interna, quando na verdade é algo totalmente falso; as contradições sociais estão se radicalizando, e o PC está se voltando a esse tipo de relação.


h) Onde Chavez, Evo e Correa perderam o passo e o protagonismo?

 A perda de protagonismo é inevitável, se formos comparar o peso populacional, econômico e político desses três países; esse protagonismo só será possível graças à um grande ativismo político e coesão interna; com a crise, o modelo entra em choque com a luta social, e a capacidade de atuação diminui;

i) Qual a avaliação dos movimentos de indignados, occupy, etc?

 Na Espanha, por exemplo, houve o maior movimento de massas dos últimos anos, mas a direita venceu as eleições, um pouco pela despolitização desses movimentos; o mesmo ocorre nos EUA; há uma mistura de coisas, mas a esquerda não dirige o processo, que fica meio na mão dos anarquistas e não acumula necessariamente para a luta.

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