Entrevista
especial com Luiz Werneck Vianna
"As
alianças feitas no presidencialismo de coalizão não servem para que uma
determinada orientação seja posta em prática, ou um determinado programa se
viabilize, mas apenas para garantir maioria parlamentar para o
governante", constata o cientista político.
Na visão do
sociólogo Werneck Vianna, a ampla maioria que hoje o chefe do Executivo tem
conseguido lograr no Legislativo tem dado estabilidade à política brasileira.
“Mas é uma estabilidade que não faculta a aventura, o risco, a descoberta, a
inovação. Certas reformas muito necessárias para que o país dê um avanço, um
salto, esbarram nessa larguíssima coalizão que atinge várias dimensões, desde a
economia e a política até a sociedade. Os ventos cruzados que se estabelecem no
interior da coalizão governamental fazem com que haja um comportamento
paquidérmico do governo, que é obrigado a respeitar os limites dados por essa
amplíssima base governamental, onde todos cabem e onde tudo cabe”.
Na entrevista
que concedeu por telefone para a IHU On-Line Werneck afirma que o sistema
partidário brasileiro “não foi feito para que a sociedade encontre formas
expressivas de se incluir no mundo da política. Ele está feito para expressar
interesses e diferenças regionais; não é um quadro que favoreça a limpeza e a
firmeza de identidade. Ele está voltado para uma grande competição eleitoral.
Isso certamente não oferece um bom cenário para a democracia política
brasileira”. E constata: “estamos vivendo um momento em que os efeitos dessa
política de presidencialismo de coalizão começam a se tornar cada vez mais
complicados”.
Luiz Werneck
Vianna (foto) é professor-pesquisador na PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela
Universidade de São Paulo, é autor de, entre outros, A revolução passiva:
iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A
judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro:
Revan, 1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG,
2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com
Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto
(Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012) (mais informações em http://bit.ly/IVmpmg).
IHU On-Line –
Que espécie de política se desenha em nosso país a partir das alianças que vêm
sendo feitas em nome da busca pelo poder?
Werneck
Vianna – Nossa forma não programática de alianças, que são feitas por meros
interesses eleitorais – como o tempo de televisão –, já têm uma certa história.
O presidencialismo de coalizão tem tido essa característica entre nós, porque
não necessariamente ele deve ser tão arbitrário quanto à orientação
programática. Mas o fato é que ele tomou essa característica desde o governo
Fernando Henrique Cardoso, porque as alianças têm sido desencontradas. Ao longo
dos mandatos do PT, especialmente a partir do segundo mandato do presidente
Lula, isso tomou uma proporção imensa. Na verdade, essas alianças não são
feitas para que uma determinada orientação seja posta em prática, ou um
determinado programa se viabilize, mas apenas para garantir maioria parlamentar
para o governante.
Aliás, o tema
da maioria parlamentar se tornou um espantalho desde o impeachment do governo
Collor. Hoje a queda é atribuída, em boa parte de modo verdadeiro, ao fato de
ele vir de um partido minoritário e não ter sabido compor uma base congressual.
A partir daí, esse espantalho vem dominando o presidencialismo brasileiro. O
fato é que, desde que essa política foi sendo vitoriosa, caíram todas as
reservas, todas as prudências, formando-se um campo aberto de troca. Esse é o
lado nefasto.
No entanto,
olhando de outro ângulo, essa base larga, essa ampla maioria que hoje o chefe
do Executivo tem conseguido lograr no Legislativo tem dado estabilidade à
política brasileira. Mas é uma estabilidade que não faculta a aventura, o
risco, a descoberta, a inovação. Certas reformas muito necessárias para que o
país dê um avanço, um salto, esbarram nessa larguíssima coalizão, que atinge
várias dimensões, desde a economia e a política até a sociedade. Os ventos
cruzados que se estabelecem no interior da coalizão governamental fazem com que
haja um comportamento paquidérmico do governo, que é obrigado a respeitar os
limites dados por essa amplíssima base governamental, onde todos cabem e onde tudo
cabe. São empates que se sucedem e que têm um consenso muito difícil, e que não
dão nenhum bônus, não dão agilidade e limitam a capacidade de uma nação em um
momento em que inovar é fundamental.
É preciso
mudar o repertório da política que está anacrônico já há algum tempo. É
evidente que essas alianças, por outro lado, afetam a identidade partidária. Os
partidos já são naturalmente enfraquecidos por uma série de circunstâncias
sociais que não são atuantes apenas aqui no Brasil, mas com essas acrobacias se
tornam ainda mais vulneráveis. Por exemplo, em tese é aceitável, mas é difícil
digerir o apoio de Paulo Maluf à candidatura do PT, por causa do histórico de
oposição entre eles e pela história pessoal de Maluf, que não é muito
recomendável.
IHU On-Line –
É possível governar sem alianças políticas em um regime democrático?
Werneck
Vianna – As alianças são absolutamente necessárias. Quanto a isso não resta
nenhuma dúvida. Em uma sociedade plural, como a brasileira, pensar que uma
tendência ou partido, ou apenas um sistema de orientação dará cabo dos
problemas existentes é cair na ilusão, mesma ilusão que o Collor teve, de que a
partir de um Executivo forte é possível reformar e reestruturar o país. Essa
experiência foi feita também por Jânio Quadros antes de 1964, que governou sem
uma base forte de sustentação e isso o levou à crise e à renúncia.
IHU On-Line –
O problema está nos limites dessas alianças...
Werneck
Vianna – Certamente. O limite deveria ser o programa. Mesmo que não fosse um
programa explícito, mas um programa que tivesse certa abrangência, que pudesse
admitir parceiros com identidades diversas e que pudesse ser revisado, e não
essa “feira” ideológico-político-partidária em que nos encontramos, cujo efeito
é o de estimular o decisionismo do Executivo, porque, dado esse empate entre as
forças políticas que têm orientação desencontrada, esse poder se sente
compelido a agir por sua própria orientação, tentando produzir resultados quase
autocraticamente, através desse sistema decisionista, vertical. Este é um
efeito muito negativo dessa construção.
IHU On-Line –
O senhor poderia fazer uma breve análise do atual quadro partidário brasileiro?
Werneck
Vianna – Não é fácil. Se formos tentar trabalhar a partir da clivagem mais
ideológica, de velho tipo, teremos os partidos de orientação socialista e os
partidos de orientação liberal-burguesa. Num campo teremos o PT, o PCdoB, o
PSOL, o PPS de certo modo, que tem até o socialismo no nome, e teremos o PSB. E
do outro lado teremos o DEM e outros que de memória não consigo recuperar. Não
posso esquecer de mencionar o PDT, que entra no campo doutrinário do
socialismo, isso se formos tomar o que é dito e não o que é praticado. Essa
linha ideológica se mostra inoperante para recortar o quadro atual.
O que temos é
agregação de interesses. Temos partidos que agregam os evangélicos, os
ruralistas e as corporações, que também se fazem presentes. Elas invadem a vida
partidária. Esse sistema partidário não foi feito para que a sociedade encontre
formas expressivas de se incluir no mundo da política. Ele está feito para
expressar interesses e diferenças regionais; não é um quadro que favoreça a
limpeza e a firmeza de identidade. Ele está voltado para uma grande competição
eleitoral. Isso certamente não oferece um bom cenário para a democracia
política brasileira. Por outro lado, tudo o que existe em nossa sociedade
encontra formas de expressão na vida política partidária, o que é uma dimensão
saudável. No entanto, isso cria um quebra-cabeça de enorme dificuldade.
O
presidencialismo de coalizão é uma resposta a isso: é criar certa unidade a
partir deste mundo extremamente fragmentário. O problema é que só quem pode estabelecer
essa unidade é o Executivo, o que faz com que esse quadro, que é aparentemente
ameno e afável de expressão da diversidade existente na sociedade brasileira,
contenha elementos autoritários, que favorecem a ação do Executivo, porque só
ela é capaz de cimentar e soldar essa multiplicidade de identidades e
interesses.
Diga-se de
passagem que o presidente Lula demonstrou um enorme tirocínio e habilidade em
trabalhar diante desse cenário, tirando proveito desse quadro político e
colocando-o a seu favor. Essa solda, esse cimento que ele soube instituir não é
uma arte de fácil transferência. Essa era uma das características dele, pela
sua capacidade de articulação que veio do seu treinamento no mundo sindical.
Com a Dilma
temos outro quadro na mesma política. Ela imprime outra administração, de alta
burocracia do mundo da gestão, o que não quer dizer que ela seja indiferente à
política. E não é. Mas ela não tem nem o mesmo gosto, nem o mesmo treino. Além
do mais, “o Natal mudou”. O mundo já não é mais aquele de cinco anos atrás. A
gravidade da crise econômica atesta isso. A necessidade de se fazer algumas
reformas, como a reforma da legislação trabalhista, está se tornando cada vez
mais imperativa.
No entanto, a
coalizão governamental que conhecemos é muito pouco permeável a uma reforma
como essa. Basta pensar no PCdoB, que reage a essa reforma, ou no PDT, que é o
partido do ex-governador Brizola. É um conjunto de forças que, dentro da
coalizão governamental, reage a essa reforma, que parece ser cada vez mais
inadiável.
Outra questão
é esse sistema altamente sensível da previdência. O fator previdenciário que o
governo tenta extinguir por medidas de saneamento fiscal, em função da crise
que já se abate sobre nós e que tende a se aprofundar, não encontra apoio na
sua base governamental, inclusive no próprio PT. Estamos vivendo um momento em
que os efeitos dessa política de presidencialismo de coalizão começam a se
tornar cada vez mais complicados. Não só porque falta o Lula. Mesmo com ele
esse quadro, que agora se exerce sobre a presidente Dilma, estaria presente.
IHU On-Line –
Quais são os cenários possíveis de mudança nos próximos anos, levando em conta
que, apesar de todas as fragilidades e incongruências, permitiu-se que vivamos
o maior período de regime democrático?
Werneck
Vianna – A democracia política tende a se aprofundar. Por exemplo, no
julgamento do chamado processo do mensalão foram levados a tribunal líderes
políticos do partido hegemônico da coalizão governamental. Não há registro na
nossa história dessa autonomia das instituições, em que o judiciário, com
independência do poder político, obedece aos procedimentos e leva a julgamento
pessoas ligadas ao vértice do sistema de poder. Esse é um sinal. Não importa o
resultado do julgamento, importa ver essas pessoas lá no tribunal, onde a
questão é técnico-jurídica.
Do ponto de
vista político, importa que personalidades e figuras participantes do poder vão
a julgamento e a sociedade participa desse processo apenas como observadora,
como comentarista, sem que haja nenhuma comoção maior nas ruas. Não há nenhum
assédio físico no Supremo Tribunal Federal. Isso é uma novidade, um avanço
extraordinário das nossas instituições. Além disso, registre-se que, desde
agora, com as eleições municipais, as fraturas desse sistema estão mais do que
denunciadas.
Basta ver o
processo eleitoral em Fortaleza, no Ceará; em Recife, em Pernambuco; e em Belo
Horizonte, Minas Gerais. Isso para mencionar apenas casos muito fortes, em que
se observa que a coalizão governamental não consegue operar da mesma forma que
estava acostumada, isto é, impondo ao local, ao municipal o seu programa de
ação política. Isso mostra como a maturação da sociedade está pondo em xeque
essa forma verticalizada de administração da política, que é o presidencialismo
de coalizão.
Tudo isso é
muito favorável à vida democrática. O que se pode arguir é que é difícil
construir um quadro político mais ordenado com essa pluralidade de partidos ou
pelo menos com essa legislação que permite a partidos sem nenhuma
expressividade terem acesso aos recursos do fundo partidário, ao tempo de
televisão, dando a eles um poder de troca que, na verdade, favorece apenas às
oligarquias que comandam as suas legendas. Estamos, por ora, condenados a fazer
política num cenário em que as linhas de força vão todas no sentido da
fragmentação e que a unificação disso depende de uma ação externa, que é o
governo.
Então fica
essa marca autoritária, da dominação da dimensão vertical sobre a horizontal,
que só uma reforma adicional pode dar conta. De modo que temos que aprender a
trabalhar com esse quadro e superar as dificuldades que ele impõe à política. É
um quadro caótico que só faz sentido no fim. Só o resultado da ação faz
sentido, porque não faz sentido na articulação de cada parte, pois cada uma
entra nisso pelo seu motivo particular. Isso dá um mapa desencontrado, que só
pode fazer algum sentido por uma ação externa, de um outro, superposto a esses
interesses desencontrados, que consegue estabelecer uma linha em que todos possam
ser minimamente atendidos.
IHU On-Line –
Na política brasileira hoje quem é antagonista de quem?
Werneck
Vianna – Há antagonismos, mas nem sempre com a lógica do amigo e inimigo. Há
uma lógica adversarial, mais do que de confronto, que vise levar à eliminação
de um polo. Nós temos mais lutas agônicas do que lutas antagônicas. A política
está se tornando, entre nós, mais um campo adversarial. Inclusive porque os
dois principais partidos políticos brasileiros – PT e PSDB – têm muitas
afinidades de fundo. Ambos estão com as raízes fincadas na social-democracia.
IHU On-Line –
Em entrevista concedida a nossa revista em março deste ano, o senhor apostava
no ressurgimento da política nos próximos anos com muita força, apontando que
“não há mais possibilidade de segurar a sociedade com esse jogo de manter os
contrários em permanente equilíbrio” . Como avalia essa declaração hoje, quatro
meses depois?
Werneck
Vianna – Confirmo-a inteiramente. Só que quando me refiro aos “contrários”, não
falo das concepções antagônicas do mundo como, por exemplo, concepções
socialistas e concepções liberal-capitalistas. Eu estava me referindo a
interesses. O que eu estava dizendo é que o governo Lula foi capaz de trazer
para o seu interior múltiplos interesses divergentes como a agricultura
familiar e o agronegócio. Eu dizia que essa operação tinha um prazo de validade
e que no governo Dilma tenderia a se derruir. E vejo que está se derruindo
diante dos nossos olhos. Nós podemos dizer que a política volta agora de forma
muito clara. As eleições municipais estão deixando isso manifesto. A
pluralidade da sociedade está procurando formas expressivas como independência
dessa forma política do presidencialismo de coalizão.
IHU On-Line –
Qual é o balanço que o senhor faz do governo Dilma Rousseff? Algo ameaça uma
possível reeleição da presidente?
Werneck
Vianna – Essa é uma questão muito delicada e perturbadora para o cenário
político atual. Nós estamos diante de um quadro em que há uma dualidade de
representação. Quem detém, de fato, o poder: o governo ou o seu partido e a
coalização que esse partido montou? Qual o papel aí do ex-presidente Lula como
que representando o poder real, afastado por circunstâncias do calendário
eleitoral, mas para o qual se espera uma volta triunfal em 2014? Esse é um
quadro que cria muita instabilidade. Os movimentos e os partidos devem calcar a
sua orientação pelo governo Dilma ou pela expectativa do retorno
“sebastianista” do ex-presidente Lula?
Isso tudo, essa dualidade, afeta o quadro atual, introduz nele elementos de
instabilidade e tira força e capacidade de coesão dessa forma de
presidencialismo de coalizão ao qual fomos acostumados nos dois governos de
Lula. Essa é uma ambiguidade que atua de forma escondida na cena atual e não
favorece o assentamento das forças políticas atuantes. O próprio partido
hegemônico, o PT, se questiona a quem obedecer: ao governo ou ao seu líder
maior, apenas contingentemente fora do governo, mas que logo voltará a ele? E
Dilma poderá ou deverá se afirmar uma liderança nova, o que significa
candidatar-se à reeleição desde agora? As incertezas quanto a isso favorecem a
perda de controle que hoje está estabelecida por parte do centro do poder
político sobre a sociedade e as forças políticas envolvidas.
IHU On-Line –
O senhor acredita na volta de Lula à presidência em 2014? Dilma cederia espaço
para ele?
Werneck
Vianna – É difícil prever. O fato é que não faz bem ao governo dela, agora,
abdicar da reeleição. Ela precisa do horizonte da reeleição para ter mais força
hoje, especialmente em um momento em que o país está na iminência de viver
perturbações derivadas da situação econômica. Nesse sentido, deverão existir
forças orientadas a robustecer Dilma agora porque é preciso um presidente forte
na hora da crise. E um presidente forte agora significa um presidente que vai
lutar para a reeleição. Se isso viola o sistema de lealdades de Dilma com Lula
é difícil de dizer, pois é uma questão subjetiva. No entanto, do ponto de vista
da situação presente, o fato é que o país vive a necessidade de uma presidência
forte por causa da crise.
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/as-aliancas-sao-absolutamente-necessarias-entrevista-especial-com-luiz-werneck-vianna/512316-as-aliancas-sao-absolutamente-necessarias-entrevista-especial-com-luiz-werneck-vianna
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