Há pobres na igreja? Sim, claro que há. Ao menos durante um momento na comunidade há pobres. Quando? Quando as comunidades estão reunidas no Conselho Paroquial no final do ano. Em que momento? No momento da discussão do orçamento da paróquia. Quando se discute o valor da contribuição então, de repente, aparecem os pobres e há pobres na comunidade. Aí se lembra que devemos cuidar para que a contribuição não aumente por causa dos pobres. Aí aparecem as viúvas, os sem terra, os sem teto, os desempregados, os que recebem salário mínimo e se apertar mais um pouco até índio aparece na conversa. Este argumento é válido? Claro que é válido porque a nossa igreja é composta em sua esmagadora maioria por pobres.
No entanto, os pobres só existem na igreja durante esta hora quando se discute o orçamento no Conselho Paroquial. Depois eles desaparecem milagrosamente, se desvanecem em pleno ar que nem bolha de sabão que estourou. Quando a comunidade é para ceder o seu pavilhão, que está desocupado e sem serventia durante 25 dias por mês, para uma reunião de sem terra aí não pode porque a igreja não tem nada a ver com os pobres. Na vida normal da comunidade, durante o resto do ano, a não ser durante esta hora na discussão do orçamento, os pobres não existem. Fazer um trabalho com os empobrecidos: os sem terra, os sem teto, os que recebem um salário mínimo, os pequenos agricultores para se organizarem em seu sindicato ou movimento popular isto a igreja não pode fazer. Aí os pobres não são pobres, mas apenas vagabundos.
Como se chama isto? Isto se chama de hipocrisia. Hipocrisia é outra palavra, mais suave, para safadeza.
Por que se age assim na comunidade cristã? Porque a comunidade cristã se baseia pelo Evangelho de Jesus Cristo? Não, porque a comunidade se baseia pela ideologia da classe dominante. Não é a teologia que rege a comunidade, mas a ideologia. A comunidade não se rege pelo Evangelho do Reino de Deus que sempre aponta para a construção de uma nova sociedade não capitalista. A comunidade, via de regra, se baseia na ideologia capitalista. Por isso só há pobres na hora da discussão do orçamento, para baratear os custos. No capitalismo a questão é baratear os custos. Para tanto a gente tem que explorar a classe trabalhadora e pagar somente o mínimo necessário para a sua sobrevivência física. E a comunidade é campeã nesta dinâmica quando se trata de pagar o salário do zelador/a, paga-se o mínimo necessário. As mesmas pessoas que todo dia reclamam do baixo salário que recebem e do baixo preço dos produtos agrícolas quando tem que decidir o valor a ser pago para o zelador/a a resposta é rápida e rasteira: se paga o mínimo possível. Esqueceram que há uma hora, antes da assembléia da comunidade, estavam reclamando do baixo preço do milho e do feijão e agora decidem que zelador só precisa o salário mínimo para viver.
Isto, no mínimo, se chama de falta de sensibilidade humana. E estes mesmos agricultores que reclamam do baixo preço do milho não permitem que se faça uma reunião do MPA ou MST no pavilhão da comunidade, quando na verdade estão todos na mesma situação. É a ideologia que determina este jeito de pensar e agir e não o Evangelho do Reino de Deus. Os próprios filhos e filhas dos pequenos agricultores são sem terra porque seus pais não conseguem comprar uma terra para eles e por isso vão para a cidade trabalhar de peão por um salário mínimo. Se houvesse Reforma Agrária neste país cada filho/a de pequeno agricultor teria acesso a uma terra e não precisaria ir para a cidade e teria uma renda melhor que o salário mínimo que recebe na cidade. Mas, para que haja Reforma Agrária a comunidade tem que se engajar nesta luta para que os seus filhos/as sejam beneficiados por ela. O pior é que a maioria dos pequenos agricultores é contra a Reforma Agrária porque adota o jeito de pensar dos capitalistas. Os primeiros beneficiários da Reforma Agrária são os filhos/as dos pequenos agricultores. No entanto, a Reforma Agrária não cai do céu a comunidade tem que se organizar e lutar por ela. Terra para a Reforma Agrária? O último Censo Agropecuário mostrou que 228 milhões de hectares de terra estão subutilizadas ou não utilizadas no Brasil, isto dá 69,2 mil grandes propriedades improdutivas. São terras improdutivas segundo os critérios de produtividade de 1975 que o pessoal do agronegócio não quer que sejam atualizados porque aí este número aumentaria mais um tanto. Significa que terra é que não falta. Dados do último censo agropecuário de 2006 indicam que 3,35% dos estabelecimentos, todos acima de 2.500 hectares, detém 61,57% das terras. Na outra ponta, 68,55% dos estabelecimentos, todos até 100 hectares, somente ficam com 5,53% das terras. Temos que continuar lutando pelo Limite da Propriedade da Terra no Brasil, tem que ter uma lei para o máximo de terra neste país. Lembrando ainda que, segundo o último censo, 1 hectare da agricultura camponesa teve, em média, uma renda de R$ 677,00 enquanto que 1 hectare do agronegócio teve, em média, uma renda de apenas R$ 368,00.
Total de estabelecimentos agropecuários no Brasil: 5.175.489
Menos de 10 ha: 2.477.071 estabelecimentos com área de 7.798.607 há
Menos de 100 ha são 4.448.648 estabelecimento com uma área de 70.691.698
1000 ha e mais: 46.911 estabelecimentos com área de 146.553.218 ha
A propaganda capitalista do agronegócio foi tão eficiente que os pequenos agricultores pensam que nem os latifundiários. Já adotaram o modelo agrícola baseado no químico que é defendido pelo agronegócio e adotaram também a luta contra a Reforma Agrária que é uma luta do latifúndio contra as suas próprias necessidades. Estão se envenenando, envenenando a terra e achando que não existe outro modelo agrícola além do químico que mata a eles mesmos e a natureza. Não é só uma vez que escutei uma conversa como esta: O agricultor antes de colher o trigo passa um veneno que ele chama de secante para ele amadurecer mais parelho. Na verdade não se amadurece a planta, mata-se a planta com veneno. E ao se perguntar se isto não é prejudicial ao comer esta farinha se ouve a resposta de que este trigo não é para comer é para vender. Sim, ele não vai comer este trigo, mas alguém vai comer este trigo envenenado. Esta planta absorve o veneno e por isso ela morre. Ela não amadureceu ‘na marra’, mas ela foi envenenada e morreu porque absorveu o veneno que entrou na planta e conseqüentemente nas sementes. As sementes de trigo absorveram o veneno e secaram rapidamente. Se vende produto envenenado na maior tranqüilidade e de consciência limpa. O mesmo acontece com o feijão. Passa-se secante para matar a planta para poder ser colhida com a colheitadeira. É o tal feijão que é produzido para vender e não para comer. Mas alguém vai comprar este feijão, que foi plantado para vender, e vai comer este feijão. Isto é assassinato em câmara lenta e não comércio de feijão ou de trigo. Você está matando aos poucos aquele que come este feijão. Mas, no capitalismo o que interessa é o lucro. Para conseguir o lucro tanto faz o que se faz. Mata-se, se necessário for. Por isso lembro que o capitalismo não tem ética. A ética do capitalismo é não ter ética. Por isso vender feijão envenenado não é visto como uma prática assassina, mas é visto normalmente como obter um lucro mais rápido e com menos custos. Baixar os custos é a ordem no capitalismo. Se isto vai levar à morte de algumas pessoas, bem, azar delas. Só para lembrar: Vender comida envenenada não é negócio, é assassinato.
Quem tem esta prática assassina são os pagãos que não foram batizados? Não, quem tem esta prática assassina são cristãos que se dizem convertidos. Um destes cristãos convertidos em Panambi me disse que se não fosse o veneno o mundo estaria passando fome. Ele estava defendendo a sua prática assassina de envenenar o trigo, passando secante antes de colher, para ser vendido para ter um lucro maior, para minimizar os custos. O que o Evangelho do Reino de Deus tem a nos dizer diante desta realidade? O que Jesus diria frente esta realidade?
Ah! mas sem veneno não se colhe mais nada! Como é que se colhia sem veneno nos anos 50, antes da “Revolução Verde”? Ah! Você está querendo voltar 60 anos para trás! Não, hoje já tem técnicas, mesmo para grandes áreas, de plantar e colher sem venenos. As famosas “Cotri’ não falam disto porque elas vivem e lucram a partir dos venenos e produtos químicos que elas vendem. Não é de seus interesses um modelo agrícola agroecológico, pois elas são os representantes das indústrias de venenos e outros químicos aplicados nas lavouras plantadas para vender e não para comer.
Os Estados Unidos cultivam 177 milhões de hectares de terra e gastam 7,8 bilhões de dólares em venenos. O Brasil cultiva 50 milhões de ha, três vezes menos, mas as vendas de defensivos agrícolas ficarão este ano próximas de US$ 8,2 bilhões. Superamos a Índia que tem 320 milhões de hectares, a China que tem 250 milhões de hectares.
Sempre se dizia que com os transgênicos se aplica menos veneno. Como se explica que as vendas de veneno aumentaram no Brasil depois dos transgênicos? Já estamos jogando nas lavouras brasileiras um milhão de toneladas de veneno a cada ano, um bilhão de litros. Isto é igual a uma fila de 35 mil carretas carregadas de veneno, uma atrás da outra. Isto é uma fila de 700.000 metros de comprimento – 700 km. Isto ainda nos permite dormir tranqüilos? Ou a fé em Jesus Cristo não tem nada a ver com isto? As comunidades cristãs estão dispostas a começar a lutar contra este esquema de morte montado pelo capital, que é defendido pelo agronegócio? Jesus diz em Jo 10.10: “eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”.
Esta é a mentalidade capitalista que está na cabeça do povo de nossas comunidades que não reconhecem a prática assassina do modelo do agronegócio e nem reconhecem que se deve lutar com os pobres pela Reforma Agrária, mesmo sendo eles os beneficiários.
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