15 de agosto de 2011

Curso sobre as Bases da Fé Evangélica Luterana


Em questões de amor é preciso ceder, porque ele tudo suporta; em questões de fé, no entanto, nada. Martin Luther

Índice

1º Dia
1. Introdução
2. A Igreja Cooptada
3. Tentativas de Reforma
4. A Alemanha na Época da Reforma

2º Dia
5. A Vida de Martin Luther
6. Prefácio aos Escritos Latinos
7. Quem são os Evangélicos Luteranos
8. Jesus Cristo

3º Dia
9. Jesus Cristo Propõe o Novo
10. A Justificação por Graça e Fé
11. Somente a Escritura 1
12. Somente a Escritura 2

4º Dia
13. Entendendo o Antigo e o Novo Testamento
14. Entendendo a Bíblia
15. A Pessoa é ao mesmo tempo Justa e Pecadora
16. A Cruz de Cristo

5º Dia
17. O que é um Sacramento?
18. Batismo
19. Batismo - Graça de Deus
20. Ceia do Senhor 1
21. Ceia do Senhor 2

6º Dia
22. Lei e Evangelho
23. Ressurreição do Corpo
24. As Boas Obras da Pessoa Justificada
25. Liberdade Cristã
26. Estado

7º Dia
27.Economia
28. Fé e Amor
29. Espiritualidade
30. Sacerdócio Geral de todos os Crentes
31. Reino de Deus

8º Dia
32. Missão de Deus
33. Movimentos Populares
34. Empobrecimento e Opressão
35. Voz Profética

9º Dia
36. Não vos conformeis com este Século
37. O que é Igreja?
38. Manifesto Chapada dos Guimarães
39. Decisões Conciliares dos anos 80

10º Dia
40. Teologia Luterana Hoje
41. Fé e Política na Visão de Martin Luther
42. Da Autoridade Secular
43. História da IECLB
44. Os Credos da Igreja
45. Entrevista com Martin Luther


1º Dia

1. Introdução #

“A Palavra de Deus não pode existir sem o povo de Deus nem o povo de Deus sem a Palavra de Deus” (Martin Luther)

Iniciar o estudo em plenária falando sobre as questões abaixo:

Perguntas para introdução e avaliação.

1.Quando a IECLB foi fundada e quem é seu fundador?
2.Qual o nome da Igreja da qual você é membro?
3.Algumas igrejas se chamam luteranas. O que elas querem dizer com isto?
4.Você é membro da Igreja Evangélica de Confissão Luterana por opção, por nascença ou por conveniência?
5.Qual a doutrina principal da Igreja Evangélica Luterana?
6.Que diferenças existem entre a Igreja Evangélica de Confissão Luterana e a Igreja Católica Apostólica Romana?
7.Que diferenças existem entre a Igreja Evangélica de Confissão Luterana e as Igrejas dos Crentes (Assembléia de Deus, Deus é Amor, Igreja Uni¬versal do Reino de Deus)?

Você conseguiu responder a estas perguntas? Queremos ajudá-lo a tentar responder a estas perguntas e a tantas outras neste estudo.


Ler os textos de Martin Luther abaixo em grupo e comentá-los trazendo para a plenária as perguntas e assuntos para discussão que surgiram na conversa sobre os textos.

Martin Luther diz:
“É preciso distinguir vida e doutrina. A doutrina pertence ao lado de Deus, a vida, ao nosso. A doutrina não nos pertence, a vida é nossa. Da doutrina não posso dispensar nada, em relação à vida, tudo.
A doutrina tem que ser pura de ponta a ponta, e isso com a mais rigorosa necessidade. Pois ela é a nossa luz, que nos ilumina para o céu. Essa distinção de doutrina e vida (na qual aparece, apenas sob outra forma, a diferenciação de fé e amor) é muito necessária: a doutrina é o céu, a vida é a terra. Em relação à doutrina não há perdão dos pecados, pois com isso seria suspensa a palavra de Deus que traz perdão de pecados”.
O que Martin Luther disse de si mesmo e de sua fé?
“Em primeiro lugar, peço omitir meu nome e não se chamar de luterano, mas cristão. Que é Luther? A doutrina não é minha. Tampouco fui crucificado em favor de alguém. Em I Co 3, 3-5 Paulo não quer que os cristãos se chamem de paulinos ou petrinos, mas cristãos. Que pretensão seria essa de um miserável e fedorento saco de vermes como eu se quisesse que os filhos de Cristo fossem chama¬dos por meu desastrado nome? Que não seja assim, amigo. Vamos extirpar as siglas partidárias e nos chamar de cristãos, de quem temos a doutrina. Os papistas apropriadamente têm nome de partido. Já que querem ser papistas, que sejam do papa, que é seu mestre. De minha parte, não sou nem quero ser mestre de ninguém. Junto com a comunidade, comungo da única universal doutrina de Cristo, que é nosso Mestre exclusivo, Mt 23, 8”. (OS 6,481.6-18)
A nossa doutrina é “evangélica” apenas e somente, pois vem do Evangelho de Jesus Cristo.
“Nós, porém, não inventamos uma pregação nova, e sim, trouxemos novamente à tona a mesma antiga, com¬provada doutrina dos apóstolos. Assim também não inventamos um novo Batismo, Sacra¬mento, Pai- Nosso, Credo. Não queremos saber de nada de novo na Cristandade nem tolerá-lo, mas lutamos exclusivamente pelo velho (que Cristo e os apóstolos nos legaram e nos deram), e a ela nos atemos. O que fizemos foi o seguinte: visto que constata¬mos que tudo isso havia sido obscurecido pelo papa por meio de sua doutrina humana, sim, porque o havia velado com uma grossa camada de pó e teias de aranha e toda sorte de excrementos de bicharia, tendo-o inclusive lançado e pisado na lama, nós o trouxemos novamente à tona pela graça de Deus, o limpamos dessa imundície, podendo agora cada qual enxergar o que é o Evangelho, Batismo, Sacramento [Ceia do Senhor], [Poder das] Chaves, oração, o que Cristo nos legou, e como se deve fazer uso salutar deles”. (WA 46, 62.67-63.2)
A doutrina de Martin Luther está em conformidade com Jesus Cristo, isto é o que importa.
“É verdade! Por amor de tudo que é sagrado, jamais digas: eu sou luterano ou papista, pois nenhum deles morreu por ti nem é teu mestre, e sim, somente Cris¬to. Por isso deves confessar-te cristão. Mas se és da opinião de que a doutrina de Luther é evangélica e a do papa anti-evangélica, não deves rebaixar tanto o Luther, senão também rebaixas sua doutrina, que afinal, reconheces como doutrina de Cristo. Mas deverás dizer: quer o Luther seja um safa¬do ou um santo – isso não me importa. Sua dou¬trina, porém, não é sua, e sim, do próprio Cristo, pois vês que os tira¬nos per¬seguem essa causa não para matar o Luther, e sim, querem exterminar a doutrina. É por causa da doutrina que te atacam e te perguntam se és luterano. Aqui, na verdade, não deves falar com palavras toscas, e sim, confessar francamente a Cristo, não importando se foi Luther, Claus ou Jorge que o pregou. Deixa a pessoa de lado, mas confessa a doutrina. As¬sim também escreve São Paulo a Timóteo em II Tm 1,8: ‘Não te envergonhes do testemunho de nosso Senhor, nem de mim, encarcerado por amor dele’. Se tivesse sido suficiente que Timóteo confessasse o Evangelho, Paulo não lhe teria ordenado que também não se envergonhasse dele, não da pessoa de Paulo, e sim, do encarcerado por amor do Evangelho. Se agora Timóteo tivesse dito: Não sou partidário nem de Paulo nem de Pedro, mas atenho-me a Cristo, sabendo, não obstante, que Pedro e Paulo ensinam a Cristo, teria negado com isso o próprio Cris¬to. Pois Cristo diz em Mt 10, 40 a respeito dos que pregam: ‘Quem vos recebe a mim me recebe’ e ‘quem vos despreza a mim me despreza’ [Lc 10,16]. Por que isso? Porque tratam desse modo seus mensageiros (que trazem sua palavra), e isso é como se tivessem sido tratadas assim suas palavras”. (WA 10/II, 40.5-29).

2. A Igreja Cooptada #

Ler o texto em grupos e relatar em plenária os avanços e retrocessos da Igreja dentro de seu contexto histórico. Como a Igreja fazia missão?

Enquanto os cristãos estavam sendo perseguidos nos primeiros três séculos do cristianismo, o crescimento da Igreja foi firme, pois só os cristãos bem decididos agüentavam as perseguições e ficavam dispostos ao martírio (as pessoas eram condenadas à morte por causa da fé): a igreja estava sofrendo, mas muitos se admiravam do exemplo de heroísmo dos mártires, e suas raízes foram se aprofundando no chão dos povos ao redor do Mediterrâneo. Havia um ditado: “O sangue dos mártires é semente de novos cristãos”.
Causas Externas da Expansão Cristã.
As Causas Externas da Expansão Cristã foram:
1. Língua única - grego - grande vantagem foi o fato de haver apenas uma língua o que facilitou a comunicação entre as pessoas nas diversas cidades.
2. União política - havia um governo apenas ao redor do Mar Mediterrâneo. Havia só uma lei. Ex.: cidadão romano não podia ser tortura¬do  Paulo se valeu disto, tinha o direito de apelar à corte romana. O Império incluía 3 continentes (Europa, Ásia e África) e inúmeros povos; isto facilitou a locomoção das pessoas entre as várias cidades para as quais levaram junto a sua fé. A Igreja é Universal (dentro do império) e Cristo é nosso rei.
3. Trânsito e Tráfico Comercial – Estradas e Rotas Marítimas. Solda¬dos e Negociantes se deslocados por todo império
4. Sentimento comum - universalista - somos todos um só povo.
5. Democratização de pensamentos gregos e latinos – Todos tinham a cultura grega como algo em comum dentro do Império Romano. O Império Romano considerava a todos como um só povo
6. Política religiosa romana - ocupavam os povos mas não mexiam com sua religião. Se contentavam com a exploração dos povos e lhes cobravam os impostos. O Culto ao Imperador - vem do Oriente (Pérsia) que diz que o Imperador é filho de Deus. Uma lei, um governo, um culto ao imperador. A partir do ano zero foi se intensificando o culto ao imperador. Em todas as principais cidades havia um templo ao imperador; onde mais tarde se decidem as perseguições aos cristãos que se negavam sacrificar ao imperador.
7. Estrutura Federativa - O Império tinha uma “estrutura federativa”. Imperador mandava em Roma, mas nas províncias o governador mandava com pouca influência do Imperador. O que leva à perseguições locais movidas pelos governadores, sem conhecimento do Imperador.
8. Invasão da religiosidade oriental – do Egito, Síria, Pérsia. O cristianismo, que também vinha do oriente, era mais uma religião que se somava às demais.
9. Desaparecimento lento da ciência – aumenta a mística e esquece-se a realidade ao seu redor.
Um Império, uma língua, uma infra-estrutura de trânsito, uma cultura, uma religião sincretista (mistura de crenças religiosas) e um grande vazio religioso. Esta era a realidade no Império Romano na época do início da fé cristã.
Causas internas da Expansão Cristã.
-Separação radical entre corpo e alma.
-Separação radical entre as divindades (Deus) e o ser humano (= mundo).
-A divindade é sublime e inalcançável – distante.
-Desprezo do mundo. Quando se coloca a divindade longe e inalcançável o mundo fica ruim e desprezível.
-A ligação entre corpo e alma (= espírito) deve ser destruída para libertar o espírito. O corpo é sujo e deve ser eliminado.
-Aumenta o desejo por salvação  vontade de sair do corpo sujo.
-É possível sair do corpo sujo pelo conhecimento (gnose) e pela limpeza do corpo.
-A salvação acontece através da volta da alma para o divino (deus).
-Salvação já existe só precisa entrar na religião (sincretista).
-Os meios para a salvação: lavagens, ceias, banhos de sangue de boi levam a minha alma mais perto da divindade.
-Para alcançar a salvação vive-se em ascese – se abster de certas coisas: abster de carne, relações sexuais, etc. Não me envolvo com questões do mundo só vivo para a minha salvação.
Disto vemos como a fé cristã se encaixa aqui. Há uma separação entre Deus e as pessoas só que há um mediador. A fé cristã relativiza o mundo, o casamento, as propriedades por um lado. Devemos lutar contra o corpo e alma que são egoístas. Ascese dos cristãos: ex. trabalhar para ter dinheiro para ajudar os necessitados. A pregação da Igreja ia nesta linha.
Cristãos dizem que o mundo é criação de Deus e por isso não dá para desprezar, mas também não deve mandar em nós. Mostrar uma certa distância. Precisamos do dinheiro mas não somos escravos dele. Profissão é importante, mas existem profissões que são prejudiciais à fé cristã.
Meios para a salvação são a fé e os sacramentos.
O Enfraquecimento do Império
O Império Romano começou a enfraquecer e ter divisões internas. O Imperador Dioclesiano renunciou em 305 d.C. e assumiram Galério, no Oriente, e Constâncio Cloro, no Ocidente, havia dois Césares em regiões diferentes. Este último faleceu logo e assumiu em seu lugar Constantino, seu filho. Mas Galério não o reconheceu e colocou Licínio em seu lugar. Este, antes da morte de Galério, conseguiu que ele assinasse, cinco dias antes de sua morte (311), um edito de tolerância que pôs fim a toda a perseguição aos cristãos no Império. É o seguinte o teor do edito de tolerância:
“Entre outras providências para remover o bem duradouro da comunidade, temo-nos empenhado em restaurar o funcionamento das instituições e da ordem social do Estado. Foi nosso especial desejo que retornem ao correto os cristãos que têm abandonado a religião de seus pais. Após a publicação de nosso edito, ordenando o retorno dos cristãos às instituições tradicionais, muitos deles foram constrangidos a decidir-se mediante o temor, e outros passaram a viver numa atmosfera de perigos e intranqüilidade. Sendo, porém, que muitos persistem em suas opiniões e evidenciando-se que, hoje, nem reverenciam os deuses, nem veneram seu próprio deus, nós, usando da nossa habitual clemência em perdoar a todos, temos por bem indultar a esses homens, outorgando-lhes o direito de existir novamente e de reconstruir seus templos, com a ressalva de que não ofendam a tranqüilidade pública. Seguirá uma instrução aos magistrados de como se devem portar nesta matéria. Os cristãos, por esta indulgência, obrigar-se-ão a orar a seu Deus por nossa convalescença, em benefício do bem geral e do seu bem-estar em particular, de modo que o Estado seja preservado de perigo e eles mesmos vivam a salvo no seu lar”.
O edito foi publicado em nome de Galério, de Licínio e de Constâncio.
Ascensão de Constantino
Quando Constantino sucedeu a seu pai César Constâncio, sua meta era ser o único governante do Império. Mas ele sabia que jamais alcançaria isso lutando contra a Igreja. Por seu turno, a Igreja Cristã es-tava disposta a apoiar um governante que estivesse pronto a garantir sua existência. Mas ainda havia mui-tas dificuldades a serem vencidas até que se pudesse concretizar aquilo pelo qual muitos ansiavam: um Imperador, um Império, uma Igreja.
Em fevereiro de 313, Constantino encontrou-se com Licínio em Milão. Ali estabeleceu-se o casamento de Constância, irmã de Constantino, com Licínio. Ali chegaram, também, a um acordo quanto à política religiosa a ser seguida. O texto reza o seguinte:
“Nós, Constantino e Licínio, Imperadores, encontramo-nos em Milão para conferenciar a respeito do bem e da segurança do Império, decidimos que, entre tantas coisas benéficas à comunidade, o culto divino deve ser a nossa primeira e principal preocupação. Pareceu-nos justo que todos, cristãos inclusive, gozem da liberdade de seguir o culto e a religião de sua preferência. Assim Deus, que mora no céu, ser-nos-á propício a nós e a todos os nossos súditos. Decretamos, portanto, que, não obstante a existência de anteriores instruções relativas aos cristãos, os que optarem pela religião de Cristo sejam autorizados a abraça-la sem estorvo ou empecilho e que ninguém absolutamente os impeça ou moleste... Observai, outrossim, que também todos os demais terão garantida e livre e irrestrita prática de suas respectivas religiões, pois está de acordo com a estrutura estatal e com a paz vigente que asseguremos a cada cidadão a liberdade de culto segundo sua consciência e eleição; não pretendemos negar a consideração que merecem as religiões e seus adeptos. Outrossim, com referência aos cristãos, ampliando normas estabelecidas já sobre os lugares de seus cultos, é-nos grato ordenar, pela presente, que todos que compraram esses locais os restituam aos cristãos sem qualquer pretensão a pagamento.
Um Novo Tempo para a Igreja.
Para a Igreja havia iniciado um novo tempo. A paz entre César Constantino e César Licínio, porém, não foi duradoura. César Constantino forçou César Licínio a abdicar e mandou executá-lo como inimigo do Império. Em 324, César Constantino era o único imperador. Também a igreja pode jubilar, pois estava convicta de que agora ela tinha um imperador cristão.
Para a pessoa da Antiguidade, um Estado sem religião era algo que não podia compreender. Essa era também a convicção de Constantino. Como as lutas religiosas dos últimos decênios quase haviam destruído o Império, Constantino passou a adorar a “divindade” suprema, que estava acima de todas as demais divindades, sem, no entanto negá-las. A partir dessa concepção é que foi escrito o edito de tolerância de Milão. Constantino não conhecia uma fé cristã que dirige a vida a partir do coração. Sua “conversão” ao cristianismo foi uma tática de estado. Quanto mais reconhecia a importância da Igreja para a sua política de governo, tanto mais desapareciam as formas de culto a Mitras (deus Sol) que ainda eram conservadas, tais como monumentos e moedas, mas a linguagem simbólica do “sol invictus” (deus Sol Invencível) ficou. Também ficou o culto ao imperador, que agora era apoiado pelos teólogos da corte que acompanhavam o governante.

Qual seria a vantagem para a Igreja, ter essa amizade com o Imperador?
1.O fim das perseguições;
2.A liberdade de culto;
3.Liturgia bonita;
4.Construções grandes sem sacrifício do povo;
5.Facilidades para viajar e pregar o Evangelho em todo o mundo.
Quais as desvantagens?
1.Menos liberdade para falar;
2.O Imperador quer mandar dentro das coisas da Igreja;
3.O Imperador nomeia bispos e padres que são do agrado dele e nem sempre os melhores;
4.Os bispos e os padres se deixam levar pela vida fácil e se afastam da vida do povo e de sua missão.

O Imperador ficou sendo o salvador da Pátria.
Podemos compreender os louvores e agradecimentos que os bispos apresentavam ao imperador. Era festejado em toda parte como o salvador, o segundo Moisés, homem escolhido por Deus, como seu instrumento. Ele próprio se via no papel de executor da vontade de Deus. No fundo, ele se compreendia como o dono da Igreja, que tinha que obedecer às suas ordens. Como vigário terrestre da “suprema divindade”, ele também não estava preso ao comportamento que valia para os súditos cristãos. Era ele mesmo que considerava válida ou não uma ação sua; era juiz de seus próprios atos. O que atrapalhava suas intenções era sumariamente eliminado. Foi assim que mandou matar seu sogro e a Licínio, além disso mandou matar também o filho de Licínio. Tudo isto aconteceu na época em que ele já era considerado cristão. Os teólogos da corte, porém, não viam suas mãos cheias de sangue. Viam, apenas, o imperador vestido de púrpura, ouro e pedras preciosas, o qual comparavam a “um anjo do Senhor, vindo do céu”.
O Imperador de olho na Organização da Igreja.
Por volta de 320, os cristãos eram uma minoria, perfazendo 10% da população do Império. Ao imperador não interessava o número de “crentes” cristãos, mas a Igreja cuja organização o atraía e com a qual ele queria celebrar um pacto. Seu alvo era a criação da Igreja estatal. Não atacou os cultos pagãos. Sua maneira de presentear as comunidades cristãs, porém, levou os cultos pagãos a uma sempre menor importância. Não podemos esquecer as conseqüências negativas que isto trouxe, ao atrelar a Igreja ao Estado, criando o modelo da “Cristandade”, criou-se a Igreja que estava aí para justificar as ações do governante. Por outro lado, a intervenção de Constantino na Igreja do século 4, em certo sentido, evitou sua extinção. Foi ele que forneceu garantias para a existência da Igreja. No ano 321, o domingo tornou-se dia de descanso no Império, era o dia do deus Sol, mas os cristãos, que comemoravam o primeiro dia da semana como “Dia do Senhor”, podiam sem maiores problemas ver em Cristo o “sol da justiça” e relacionar o domingo ao primeiro dia da criação, o dia em que “se fez luz”. Com isso, o sábado foi deixado de lado. Aos poucos transferiu-se também a data do nascimento de Jesus de 6 de janeiro para 25 de dezembro, o dia do deus Sol.

Batismo por Imposição.
Com a morte de Constantino seu filho que não foi tão sábio quanto o pai no tocante à política religiosa proibiu os cultos pagãos, fechou os templos não cristãos, e em parte mandou destruí-los. O resultado foi muita corrupção e muita hipocrisia. Quem dizia ser “cristão” tinha uma carreira garantida.
Em 360 d.C. o Imperador Julião, Apóstata, quis voltar para trás, querendo trazer as outras religiões de volta como religiões permitidas. Ele escreve sobre os cristãos: “Vamos aprender com os cristãos como se serve aos pobres. Os adeptos do Galileu alimentam os seus pobres e os nossos”.
Em 476, com a invasão do povo germano, o líder germano Odoacro literalmente aposentou o último imperador romano e assumiu o governo do que restava do Império Romano. O que restava era pouco: o território italiano; Roma terminou como começou, a partir deste território. Assim se cumpriu o livro do Apocalipse; Roma não é eterna ela terá seu fim, como teve.
Na época na Itália, a vida política estava dividida em partidos. A única autoridade era o papado. Desde o papa Leão I, o papado transformara-se em um poder. De 527 a 563 governou Justiniano. Seu objetivo era eliminar hereges e reunificar o império. Ordenou que todos os habitantes do império fossem batizados: a certidão de batismo passou a ser importante. Em 529 mandou fechar a Academia de Atenas, que era uma escola de filosofia que segundo ele ensinava filosofia pagã. A partir deste ato se considera o fim da idade antiga e se inicia a idade média.
Por volta do ano 1.000, muitos chefes da Igreja já se haviam esquecido da missão de pregar o Evangelho. Tornaram-se políticos, condes, barões, príncipes, reis, duques. Para fazer grandes igrejas, palácios, manter seus exércitos, precisavam de muito dinheiro que era tirado do povo pobre. Com o tempo os grandes influenciaram tanto os bispos e padres que alguns chegaram à corrupção e imoralidade. Por motivos políticos e de comércio os papas organizavam guerras. Foram séculos de escuridão e de muitos abusos na Igreja.

3. Tentativas de Reforma #

Reunir em grupos e ler o texto e responder as questões abaixo
1) Destaque aspectos importantes de cada um dos pré-reformadores.
2) O que encontramos de comum entre os quatro relatos de vida dos pré-reformadores.
3) O que podemos aprender da atuação e preocupação destes pré-reformadores?

Neste encontro iniciaremos os estudos sobre a época da Reforma Luterana. Pretendemos deixar evidente que Luther não foi o único que se mostrou insatisfeito com a situação da Igreja. Antes dele já houve outras pessoas que se indispuseram com as autoridades eclesiais e desenvolveram um trabalho voltado às classes mais pobres. Entretanto, eles não realizaram a mesma descoberta e a sua ação não conseguiu o mesmo alcance e profundidade. Mesmo assim, devemos dizer que as ações destas pessoas foram movidas pelo Espírito Santo e contribuíram para o crescimento do Reino de Deus na terra. Não podemos chamá-los de pré-reformadores, mas de reformadores, pois sua preocupação não foi a de preparar o campo para o trabalho de Lutero, mas em levar a sério o Evangelho de Cristo.
A divisão da Igreja
Durante o crescimento e expansão do cristianismo pela Europa, surgiram duas ramificações. Cada uma tinha as suas peculiaridades, algumas compreensões diferentes e, aos poucos, também uma tradição diferente. Uma passou a ser chamada de Igreja Latina e a outra de Igreja Oriental. A primeira passou a ter a sua sede em Roma e é a que hoje conhecemos por Igreja Católica Apostólica Romana; a segunda passou a ter a sua sede em Constantinopla e é hoje conhecida como Igreja Católica Ortodoxa.
Ambas conviveram juntas durante algum tempo, apesar de suas diferenças. Entretanto, os bispos de Roma, já na época chamados de papas, procuraram interferir nas questões internas das Comunidades da Igreja Oriental. Eles queriam aumentar o seu poder e subjugar todas as Igrejas ao seu domínio. Os papas aliaram-se, muitas vezes, aos imperadores e reis. Contudo, a Igreja Oriental não se deixou dominar. O conflito chegou ao auge quando o papa Leão IX, em 1054, excomungou o patriarca Miguel Cerulário da cidade de Constantinopla. Esta data marcou a primeira grande divisão da Igreja Cristã.
A busca pelos mosteiros
Na época, crescia, no meio da população, a insatisfação pela atuação dos bispos e do papa. Eram criticados por estarem demasiadamente preocupados em exercerem o poder. Conseqüentemente, esqueci-am-se de divulgar e ensinar as Escrituras. Como os papas se distanciaram do convívio com a maioria da população, eles não se preocupavam com a pobreza do povo e, por outro lado, passaram a viver uma vida sempre mais luxuosa.
Surgiram, no meio desta situação de pobreza, pessoas que buscavam as Escrituras e uma vida comunitária simples. E devido a isto criaram-se diversos mosteiros e ordens religiosas. No século XII e XIII foi muito grande o crescimento do número de mosteiros e de seus adeptos.
Houve nestes movimentos uma tentativa de tornar a Igreja mais acessível, desenvolvendo uma ação mais popular. Alguns refugiaram-se em mosteiros e lá procuraram viver uma vida religiosa e comunitária simples, divulgando os seus princípios. Outros procuraram manter um contato estreito com a população pobre, ajudando-a em suas necessidades. Incentivavam a distribuição de alimentos e o seu acesso à aprendizagem da leitura.

Movimentos de Reforma
Além destes movimentos de renovação ligados a mosteiros e ordens religiosas, aconteceram outros movimentos de reforma. Estes reformadores tiveram histórias trágicas e diferentes umas das outras, assim como também os seus movimentos e seus seguidores. Todos estavam unidos e estimulados pela procura do conhecimento das Escrituras. Esta preocupação, surgida três a quatro séculos antes de Luther, favoreceu todo o movimento da Reforma Luterana. Queremos conhecer um pouco destes reformadores.
Pedro Valdo
Ele era um rico comerciante da cidade de Lyon, no Sul da França. Perguntou em certa ocasião a um mestre: "Qual é o melhor caminho para Deus?" Como resposta, ouviu o texto bíblico do Evangelho de Marcos 10, 21. Valdo resolveu seguir as instruções de Cristo. Sua atitude impressionou os amigos e, em pouco tempo, teve um grupo de seguidores. Eles foram proibidos de divulgarem as suas idéias e, como desobedeceram, Valdo foi excomungado no ano de 1184. Mesmo assim, o papa não conseguiu impedir a atuação e o crescimento deste movimento.
Desde 1176 o grupo atuava e vivia em pobreza. Criticavam a riqueza e o poder da Igreja. Procura-am seguir fielmente os ensinamentos bíblicos. Porém, liam a Bíblia como se fosse um livro de leis e, as-sim, não descobriram a graça de Deus revelada no Evangelho. Contudo, não se pode negar a sinceridade e fidelidade de sua vivência de fé. Liam a Bíblia em comunidade e celebravam juntos a Santa Ceia. Afirmavam não terem valor os sacramentos ministrados por clérigos indignos.
O grupo dos valdenses foi duramente reprimido, mas resistiu às perseguições. Hoje, existem Comunidades Valdenses no Norte da Itália, no Uruguai, na Argentina, e em outros países.
Francisco de Assis
O seu verdadeiro nome era João Bernadonne. Era filho de um comerciante da cidade de Assis e nasceu em 1182. Sua conversão foi um processo gradual. Uma experiência marcante foi o convívio, por um certo período, com um grupo de leprosos; outra foi a tentativa de restaurar uma igreja, e uma terceira ocorreu durante uma pregação ouvida em 1208. Francisco de Assis e seus seguidores viveram de maneira bem simples e humilde. Não foram rechaçados como aconteceu com Pedro Valdo e seus seguidores.
A associação de Francisco de Assis era uma união de imitadores de Cristo, congregados pelo amor e a prática da pobreza total, porque só assim, acreditavam eles, podiam renunciar ao mundo e seguir real-mente a Cristo. Iam de dois em dois, pregando o arrependimento, entoando cânticos, auxiliando os camponeses no seu trabalho, cuidando dos leprosos e dos necessitados.
Até hoje os seguidores de Francisco de Assis procuram manter-se fiéis aos princípios ensinados por ele.
João Wyclif
Wyclif tinha a preocupação em traduzir a Bíblia para a linguagem que o povo inglês falava. Ele viveu entre os anos 1328 e 1384. Na Universidade de Oxford, na Inglaterra, Wyclif sempre teve inúmeros ouvintes.
Em 1376, a riqueza da Igreja e a interferência clerical na política provocaram sua oposição. Ele ensinou claramente que Deus é o Senhor de tudo e que as Escrituras são a única lei da Igreja. Ele mostrou-se profundo conhecedor da Bíblia.
Estava convicto de que o povo deveria ler e conhecer a Bíblia. Portanto, entre 1382 e 1384, traduziu-a para o inglês. Afim de levar o Evangelho ao povo, Wyclif começou a enviar seus "sacerdotes pobres". Em pobreza apostólica, sem sapatos, vestindo compridas túnicas, com um bordão nas mãos, iam de dois em dois, como os antigos prega¬dores valdenses ou franciscanos. Seus "sacerdotes pobres" foram presos. Contudo, Wyclif não foi ataca¬do, pois contava com forte apoio popular e seu conhecimento da Bíblia era por todos reconhecido e admirado.
João Huss
Nasceu em 1373 em Husinecz, na Boêmia, hoje República Tcheca, foi assassinado em 5 de julho de 1415. Em 1401 foi ordenado sacerdote e passa lecionar na Universidade de Praga. Logo se tornou adepto das idéias de Wyclif e seu divulgador na Boêmia. Durante os cultos, ele pregava o Evangelho na linguagem do povo. A sua pregação foi bem aceita pela população e se divulgou rapidamente.
Tanto Wyclif como Huss se preocuparam em ajudar o povo a conhecer o Evangelho e a vivenciar a sua fé sem necessariamente se enclausurar nos mosteiros. Na cidade de Praga, os seus seguidores ofereciam o cálice da Santa Ceia aos leigos. Esta prática foi, logo em seguida, condenada no Concílio de Constança.
Huss foi condenado à morte na fogueira e com grande coragem a enfrentou. Apesar de toda a perseguição a seus seguidores, o seu ideal não foi abandonado. Em 1453, os seus adeptos criaram a "Unitas Fratum” (unidade de Irmãos). Esta irmandade desenvolveu uma vida comunitária conforme os princípios bíblicos da pobreza e da vida em comum. Procuravam se ajudar mutua¬mente e repartir os seus bens. Mantinham uma vida comunitária intensa. Todas as suas decisões eram democráticas e a atuação dos leigos era valorizada. Deles surgiram, mais tarde, os moravianos, que são autores das "Senhas Diárias" usadas hoje no mundo inteiro.


4. A Alemanha na Época da Reforma #

Reunir em grupos e falar sobre a realidade que cercou o processo da Reforma.
O que você mais destacaria?
O que foi novidade?

Situação Política.
A Alemanha em 1500 estava dividida em 1.400 territórios independentes, dentro destes havia 85 cidades livres. Os territórios eram governados por um nobre ou príncipe, que ao mesmo tempo era dono da maioria das terras e do território. Havia ainda territórios inteiros pertencentes à igreja, governados por bispos, que agiam da mesma forma dos príncipes, usando o mesmo sistema de exploração sobre o povo. O Modo de Produção na época era o Feudalismo.
O Imperador da Alemanha era Carlos V, que na verdade era um príncipe entre príncipes e não tinha muito poder. Ele não podia desagradar a muito os outros príncipes, pois precisava deles para defender o seu reino dos turcos que estavam ameaçando a Europa e já tinham conquistado a metade da Áustria. Mas Carlos V não era só governante sobre a Alemanha, era Imperador da Hungria, Holanda, Áustria, Bolonha, Espanha e todos os territórios espanhóis da América. Ele dizia que no seu reino o sol nunca se punha. Ele praticamente, no fim do seu reinado, mandava em toda a Europa, pois anexou a Itália.
Mas havia uma força que rivalizava com ele que era o Papa. Os dois chegaram a fazer guerra entre si e o Papa perdeu a guerra e no fim do seu reinado o Papa estava sob o seu domínio. O Papa tinha o seu próprio exército, pois a Igreja era dona de muitos territórios na Europa e governava-os como os príncipes. O Papa após ter perdido a guerra incumbiu a Carlos V de resolver a questão religiosa na Alemanha e proteger a Europa dos turcos.
Carlos V estava interessado nisso porque eles, os turcos, estava fazendo concorrência comercial no Mar Mediterrâneo com ele, e por isso precisavam ser combatidos. Apesar que ele alegava motivos religiosos para combatê-los. Outra briga que havia entre o Imperador e os príncipes contra a Igreja era que ela era dona de quase metade das terras da Alemanha e não pagava impostos ao Imperador. Tanto o Imperador como os príncipes queriam por a mão nas terras e bens da Igreja. Por esse motivos príncipes alemães em sua maioria apoiaram Luther, pois era a grande chance de passar a mão nas terras e bens da Igreja e Luther em seu escrito para nobreza alemã diz para fazer isso mesmo. A Igreja tendo tanta terra podia interferir nos assuntos internos dos territórios. Os príncipes guerreavam entre si e cada um procurava aumentar o seu poder dentro do seu território, como fora dele.

Situação Econômica.
A Alemanha era o centro comercial da Europa. A mineração e a indústria de metais e de tecidos eram muito lucrativos. Os financistas como os Fugger e Welser de Augsburg tinham seus interesses espalhados desde a Hungria até as colônias espanholas na América.. foram os Fugger que financiaram a eleição de Carlos V para Imperador da Alemanha. Os inventos da pólvora e da imprensa são desta época e ajudaram em muito a situação do comércio.
As grandes companhias comerciais eram chamados de monopólios. Um dos grandes monopólios era a Liga Hanseática que buscava lã na Inglaterra e a transformava em roupa em Flandres e Alemanha. Os monopólios faziam muito dinheiro com o comércio de especiarias vindas da Índia. Na medida em que aumentava a indústria, aumentava o comércio. O povo reclamava muito contra os monopólios e isto foi discutido em várias Dietas, mas o Imperador nunca os controlou, pois eram eles que financiavam sua corte e suas guerras.
Com o dinheiro de quem o Imperador, os nobres, os príncipes e a Igreja se mantinha? Eles se mantinham com os impostos pagos pelos camponeses, pois eram os únicos que pagavam impostos. A Igreja não pagava impostos sobre as terras e a produção, e sim, tirava da Alemanha a cada ano 300 mil florins que eram enviados à Roma. Luther disse que não se devia mandar este dinheiro, no que os príncipes o apoiavam porque eles queriam ficar com esta fortuna. Os camponeses além de pagar o dízimo à Igreja eram obrigados a pagar censos, peitas, tributos de guerra, tributo regional e imperial. Isto eles tinham que tirar de seus 2 a 3 dias de trabalho por semana que realizavam para si, pois o resto do tempo eram obrigados a trabalhar para o senhor feudal, dono das terras onde trabalhavam.

Situação Eclesiástica.
A Igreja era uma só em todo o mundo e era governada pelo Papa de Roma que se imiscuía em todos os assuntos e governava como Imperador. Na Alemanha havia muitos padres e recolhiam o imposto eclesiástico com muito rigor. Era dona de quase metade das terras. Ela era composta por duas classes:
Bispos, arcebispos, abades e priores formavam a casta nobre da hierarquia. Na maioria das vezes os bispos eram ao mesmo tempo príncipes do Império e dominavam como senhores feudais. Tinham grandes territórios com muitos servos e vassalos. Recebiam além do dízimo eclesiástico os direitos feudais e censos, portanto arrecadavam mais que os príncipes.
Os pregadores do campo não tinham o seu trabalho controlado e eram muito mal pagos e não tinham os privilégios dos bispos. Estes normalmente tomavam parte das lutas dos camponeses contra os príncipes, pois conheciam a vida do povo. Muitos destes padres foram executados no cadafalso por defender a causa dos camponeses.
A Igreja tinha seus próprios tribunais onde condenava ou absolvia seus súditos, ou então condenava os hereges à fogueira. Nos interrogatórios usavam os mesmos métodos de tortura que os príncipes usavam. As vezes alguém era condenado no tribunal da igreja e absolvido no tribunal dos príncipes e vice-versa. Na guerra dos camponeses, uma das exigências era a absolvição dos tribunais eclesiásticos. Como a Igreja era dona de territórios inteiros ela também mantinha um exército e fazia guerras contra outros territórios ou contra o Imperador. Para arrecadar dinheiro usava de tudo o que é meios. Em dos meios mais conhecidos para nós é a venda de indulgências. O Papa normalmente era um príncipe italiano ou ligado às famílias ricas e poderosas da época.

A Situação dos Camponeses.
Os camponeses perfaziam 80% da população da Alemanha. Eram divididos em quatro categorias:
Camponeses feudais - realizavam prestação de serviço aos senhores de 2 a 5 dias por semana e os outros dias trabalhavam para si.
Rendeiros - pagavam altas somas de dinheiro pelo arrendamento das terras. Quando as colheitas eram médias conseguiam sobreviver, se eram más morriam de fome. Eram totalmente dependentes do senhor da terra.
Donos de terra - a grande maioria tinham suas terras hipotecadas nos bancos e usurários que cobravam altos juros.
Operários agrícolas - eram diaristas que normalmente eram recrutados para o exército dos príncipes.
Os camponeses suportavam todo o peso da pirâmide social da época: sustentavam os príncipes, funcionários, nobres, frades, patrícios e burgueses. Eram os únicos que pagavam impostos e estes impostos saíam dos dois a três dias que trabalhavam para si. Além do serviço normal tinham que colher palha, morangos, bagas, conchas de caracol, ajudar na caça e cortar lenha para o seu senhor feudal. Ainda tinham que ficar quietos quando o dono da terra passava com os cavalos no meio de sua lavoura quando caçava, além do mais, sua mulher e filhas pertenciam ao senhor feudal. Esta situação só podia dar no que deu: A Guerra Camponesa.

As Guerras Camponesas.
O primeiro levante camponês foi em 1476 liderado pelo pastor e músico João Niklashausen. Ele dizia que não deveria haver Imperador, nem príncipe, nem papa, nem qualquer autoridade. Todos as pessoas devem se considerar irmãs e ganhar o pão com o trabalho de suas mãos, ninguém deveria possuir mais que o outro. Devia-se extinguir os censos, peitas, serviços, peagens e outros tributos, livre usufruto das florestas, da água e dos pastos. Ele chegou a reunir 40.000 camponeses mas no fim, antes do levante foi preso e queimado.
Em 1493 formou-se o famoso Bundschuh que no início foi traído e disperso, mas reorganizou-se em 1503 com 7 mil camponeses e novamente foi traído e alguns líderes mortos e presos. Em 1513 se reorganizou sob a liderança de Joss Fritz. Houve um levante precipitado e os camponeses foram derrotados, mas os chefes fugiram.
Em 1514 se reorganizaram e 3 mil camponeses cercaram a cidade de Schorndorf, mas fizeram um trato com os senhores feudais que se viram perdidos e obrigados a fazer um acordo, que eles logo traíram quando os camponeses se dispersaram.
As exigências dos camponeses eram doze:
Suspensão da justiça imperial.
Limitação da jurisdição eclesiástica aos assuntos eclesiásticos.
Suspensão do pagamento do juro quando o pagamento cobrisse o capital.
Limitação do juro em 5%.
Liberdade de caça, pesca, pasto e corte de lenha.
Proibição dos curas de terem mais de uma prebenda (paróquia).
Confisco dos bens eclesiásticos e tesouros dos mosteiros em benefício da caixa da Liga.
Supressão de todos os tributos e taxas injustas.
A paz externa de toda cristandade.
Intervenção enérgica contra todos os adversários da Liga.
Estabelecimento de um imposto em favor da Liga.
Negociação com o Imperador.
Em 1514 também houve um levante dos camponeses da Hungria no qual foram massacrados 60 mil camponeses que não conseguiram resistir contra os exércitos dos príncipes que eram bem treinados e armados.
De 1518 a 1523 houve vários levantes locais. Em 1524 ocorreu um levante dirigido por João Müller de Bulgenbach, que fez tremer os nobres da Floresta Negra, que era composto por 3.500 camponeses, enquanto que os nobres tinham apenas 1.700 soldados. Os nobres foram obrigados a negociar um acordo com os camponeses e quando os camponeses se desmobilizaram e voltaram para casa os nobres os traíram.
Em 1525 se sublevaram de novo e chegaram a se concentrar em seis acampamentos com 40 mil camponeses, mas por falta de liderança capaz, foram derrotados e traídos. Grupos menores dispersos se reorganizaram e queimaram mosteiros e conventos e saquearam várias cidades.
Em 1525 no levante liderado por Thomas Müntzer morreram 5 mil camponeses. O grande amigo e apoiador de Luther, príncipe Felipe de Hessen, mandou cortar a cabeça de 670 camponeses após as batalhas contra eles e após terem sido vencidos.
Nestas guerras morreram cerca de 100 mil camponeses.
Quem perdeu e quem ganhou com as Guerras Camponesas?
Perderam:
Os camponeses que vencidos tiveram que pagar mais impostos para cobrir os prejuízos que os príncipes tiveram na guerra.
O clero que teve seus conventos e fundações saqueadas e muitas propriedades secularizadas.
A nobreza que empobreceu por terem seus castelos queimados.
As cidades livres onde voltou o domínio dos honoráveis e enfraqueceu a oposição. Ganharam:
Os príncipes foram os únicos que tiveram algum proveito: secularizaram os bens eclesiásticos, a nobreza teve que trabalhar para eles e a indenização paga pelos camponeses e cidades aumentou a sua receita.

2º Dia

5. A Vida de Martin Luther #

Ler em grupos a Biografia de Martin Luther e destacar os momentos e questões importantes e dúvidas e assuntos para discussão

Os pais e o nascimento
Martin Luther, nasceu em 10 de novembro de 1483, no centro da Alemanha, em Eisleben, Saxônia Prussiana. Filho de Hans Luther e Margarethe, nasci¬da Lindemann (ou Ziegler). Foi batizado no dia seguinte, 11 de novembro, recebendo o nome do santo do dia, Martin. Era costume da época dar à criança o nome do santo do dia. Margarida Luther nasceu em Eisenach, e João, em Möhra. Os pais de Luther eram pessoas simples, humildes camponeses, como ele mesmo relata:
“Eu sou filho de camponeses; meu pai, meu avô, meus antepassados eram todos verdadeiros camponeses.”
João Luther, era filho mais velho, e, conforme a tradição da época, a herança cabia ao mais moço. Por esse motivo, depois de se casar com Marga¬rida, mudou-se de Möhra para a cidade de Eisleben. A família Luther permaneceu durante pouco tempo nessa cidade. Quando Martin Luther tinha seis (06) meses de idade, os pais foram morar em Mans¬feld, onde permaneceram. Ali, o simples camponês teve que ganhar o sustento da família nas minas de cobre. Depois de muita luta e trabalho árduo, foi subindo de simples mineiro a sócio da companhia de minas e pequeno empresário.
A mãe de Luther, Margarida, era uma mãe exemplar, no cuidado aos filhos. Tendo quatro (04) filhos e quatro (04) filhas. A educação dada aos filhos era dura e rigorosa, assim como Martin Luther mesmo escreve:
“Meus pais me castigavam severamente, a ponto de me tornar pusilânime, tímido, medroso. Minha mãe me batia, por causa de uma simples noz, até sangrar... Entretanto, a intenção deles era boa, mas os castigos só serviram para me tornar covarde. Eles não souberam julgar os espíritos nem discernir a medida das correções que eram convenientes aplicar.”
Martin Luther reconhece que os pais tinham uma boa intenção, mas os castigos eram duros, ao ponto de prejudicá-lo e não favorecê-lo.
João e Margarida eram cristãos piedosos, firmes em sua crença e cumpridores de seus deveres. Acreditavam em superstições, bruxas e demônios. Para Martin Luther, Deus era um juiz rigoroso, um Deus que castiga sem piedade.
O Estudante
Na escola, o sistema de rigidez não era diferente do familiar. Numa manhã levou quinze (15) açoites, por não saber a lição. Foi mandado bastante cedo para a escola, em Mansfeld, onde aprendeu a ler, escrever e fazer cálculos. Além disso, o latim, o cate¬cismo, os dez mandamentos, o credo, o Pai Nosso, a Ave Maria e ainda alguns hinos de Igreja.
Em 1497, com quatorze (14) anos, Martin Luther ingressou na escola dos “Irmãos da Vida Comum”, em Magdeburg. O pai de Martin Luther, que¬ria fazer do filho um homem respeitado, um jurisconsulto. Nesta escola, Martin Luther viu pela primeira vez a Bíblia e teve o enorme desejo de ter a obra completa para si. Ao fim de um ano, doente, re¬tornou ao lar paterno.
Foi então estudar em Eisenach, onde passou por grandes dificuldades. Em companhia de outros estudantes, Martin Luther cantava nas ruas, debaixo da janela, às portas, para obter meios de sobrevivência. Assim como ele mesmo relata:
“Eu pedia com meus camaradas algum ali¬mento a fim de prover as nossas necessidades. Um dia, no tempo em que a Igreja celebrava a festa do nascimento de Jesus Cristo, percorremos juntos as povoações vizinhas, indo de casa em casa e cantando a quatro vozes os cânticos usuais sobre o menino Jesus nascido em Belém. Paramos no fim de um povoa¬do, em frente a uma casa isolada, habitada por um lavra¬dor. Ouvindo-nos cantar os hinos de Natal, saiu ele ao nosso encontro com algumas provisões e perguntou com forte voz e em áspero tom: - “Meninos, onde estais?” Assustados, deitamos a correr. Não havia motivo para isso. O lavrador nos oferecia o socorro de bom grado. Os nossos corações estavam intimidados pelas ameaças e tiranias com que os mestres aterravam os seus discípulos, de sorte que súbito temor se apoderou de nós. Então, depondo o medo, corremos para o seu lado e recebemos o presente que nos dava”.
Martin Luther desanimado mendigava o pão de cada dia, chegava a pensar em voltar para Mans¬feld e tornar-se mineiro como o seu pai. Após uma apresentação do coro de estudantes, uma senhora pie¬dosa convidou Martin Luther para morar em sua casa. Essa senhora piedosa era Ursula Cotta. Filha do burgomestre de Insfeld e esposa de Kuntzou Conrado Cotta, honrado comerciante. Morando com a família Cotta, Martin Luther não tinha mais problemas financeiros e passou a dedicar-se só aos estudos.
Em 1501, Martin Luther ingressou na Universidade de Erfurt para cursar filosofia e direito. Nesta época, o pai, João Luther, encontrava-se em condições de ajudar financeiramente o filho. O sonho do pai era que o filho se tornasse jurista. Antes de seguir os estudos de direito, o estudante, era obrigado a ob¬ter conhecimentos de gramática, lógica, astronomia, metafísica e música. Na Universidade de Erfurt, Martin Luther teve os melhores professores. Concluiu os seus estudos em bem pouco tempo. Em fevereiro de 1505, Martin Luther ficou em segundo lugar entre dezessete aspirantes, recebendo o título de “Mestre de Artes”. Martin Luther sempre foi estudante exemplar ao ponto de ser chamado de “filósofo”. Seguindo o desejo do pai, Martin Luther ingressa na faculdade de Direito. E é chamado respeitosamente pelos pais de “Senhor”.
Aos 20 anos, Martin Luther encontrou na biblioteca um exemplar da Vulgata (tradução da Bíblia para o latim), a qual passou a ler fervorosa¬mente. A partir da leitura começou a preocupar-se com a morte e sua salvação, pois a igreja ensinava que o melhor meio de salvação era o convento. Mas não foram esses ensinamentos que levaram Martin Luther a ingressar no convento. Para explicar o ingresso de Martin Luther no convento existem duas versões, “o ferimento com a espada” e “a tempestade”, como ele mesmo relata:
“Ao viajar para sua terra natal, a caminho, sem querer bateu com a coxa contra a espada, lesionando a artéria principal. Na ocasião encontrava-se sozinho no campo, na companhia de apenas uma pessoa, distante de Erfurt como Entzich de Wittenberg, uma meia milha. O sangue correu violentamente e não podia ser estancado. Quando comprimiu o dedo contra a ferida, a coxa inchou muito. Finalmente conseguiu-se trazer um médico da cidade, o qual pensou a ferida. Ali encontrou-se em perigo de vida e gritou: Ó Maria, ajuda! Naquela oportunidade, disse ele, eu teria morrido em Maria. – Depois, durante a noite, na cama, a ferida abriu mais uma vez; ele sangrou e invocou novamente a Maria. Era a terça-feira após a páscoa”.

O outro texto relata a tempestade:
“A 16 de julho, no dia de Aleixo. Disse ele: Hoje faz anos que ingressei no convento de Erfurt. – E começou a contar a história, de como fizera um voto, quando cerca de 14 dias antes se encontrara a caminho e fora de tal maneira aterrorizado por um raio perto de Stotternheim, não muito distante de Er¬furt, que, assustado, gritara: “Ajuda, Santa Ana, que¬ro tornar-me monge”! – Naquela ocasião, porém, Deus entendeu meu voto em hebraico: Ana, isto é, sob a graça, não sob a lei. Depois, arrependi-me do voto, e mui¬tos me desaconselharam. Eu, porém, permaneci firme, e no dia antes de Aleixo convidei os melhores amigos para a despedida, para que me acompanhassem no dia seguinte até o convento. Quando me quiserem reter, disse: Hoje vocês me vê¬em pela última vez. Aí eles me acompanharam sob lágrimas. Também meu pai estava furioso por causa do voto, mas eu permaneci firme em minha decisão. Jamais pensei em abandonar o convento. Eu havia morrido para o mundo “.
Em 17 de julho de 1505, Martin Luther ingressa no Convento Negro dos Agostinianos Eremitas, em Erfurt. No dia 04 de abril de 1507, foi ordenado sacerdote. Por ocasião da ordenação, Martin Luther relata o chamamento. E o que o levou a ingressar no convento, murmurou o pai: “Oxalá não tenhas tomado por sinal do céu o que não era senão uma ilusão do diabo”. Com estas palavras fica evidente que a decisão de Martin Luther não agradou ao pai. Magoado com o filho, passou a chamá-lo nova¬mente de “você”. Martin Luther se tornou monge mesmo contra a vontade do pai.

O Monge
Martin Luther como monge, esforçava-se mui¬to. Cumpria rigorosamente as normas e regulamentos do convento. Além disso, confessava seguida¬mente os pecados, e cumpria a penitência a ele imposta. Mesmo assim, vivia em constante conflito consigo mesmo. A grande preocupação de Martin Luther, estava em alcançar a salvação, em meio a esta preocupação foi indicado a professor de filosofia. Mais tarde, começou a dar aulas de Bíblia, substituindo um dos seus superiores. Nesse estudo pro¬fundo da Bíblia, Martin Luther confrontou-se com o texto de Romanos 1.17, onde está escrito : “O justo viverá por fé”. A partir deste momento, Martin Luther encontrou o caminho para compreender as suas dúvidas e conflitos. E com este texto Martin Luther adquiriu forças para muitas mu¬danças.
O primeiro conflito que surgiu foi por causa do texto de Romanos, foi em relação à venda de indulgências, que levaram Martin Luther a publicar as 95 teses. Ao publicar estas teses, Martin Luther não pretendia romper com o papa. Mas saiu tudo diferente. Depois da publicação das teses, Martin Luther teve que se defender de ataques, dar aulas e pregar. Em 1520, fez um apelo à Nobreza Cristã, o qual foi frustra-do, e no mesmo ano publicou “Da Liberdade Cristã” e “Do Cativeiro Babi¬lônico da Igreja”. Pressiona¬do pelo Imperador, negou-se em retirar os seus escritos. Somente voltaria atrás se eles convencessem do seu erro, através de argumentos fundamentados na Bíblia, o que não ocorreu. Por este motivo Martin Luther foi considerado fora da lei.

Catarina von Bora, a esposa
Catarina era filha de burgueses falidos. Com nove (09) anos de idade foi mandada ao convento das monjas Cistér, em Nimbschen, pois os pais não tinham condições de lhe oferecer estudo, ou lhe proporcionar alguma herança. A decisão de mandar Catarina ao convento foi tomada pelos pais, sem ao me¬nos consultá-la. Os pais imaginavam que uma monja piedosa podia lhes ajudar a ganhar o céu e vida plena. Catarina não teve brinquedos, pois quando estava na idade de brincar já estava no convento, onde lhes ensinaram a ser humilde e invocar a Virgem Santíssima. Com o tempo, algumas monjas já não invocavam mais a Virgem. E estas fizeram circular alguns textos do monge herege, Martin Luther. Assim como este:
“Porque toda obra que não tenha por fim ser¬vir aos de¬mais e sofrer sua vontade (sempre que não se obrigue a ir contra Deus), não será uma boa obra cristã. Por isto suspeito que são poucos os conventos, altares, seminários, igrejas, missas, legados, verdadeiramente cristãos, bem como os jejuns e orações especiais, dirigidas a alguns santos. Temo que com isto cada qual procure só para si, pensando expiar seus pecados e conseguir a salvação”.
Ao ler estas palavras, caía por terra toda sua crença, pois acreditavam que enclausuradas estavam servindo a Deus. E a leitura mostrou-lhes que acreditavam que estavam servindo a si próprias. Estes escritos contribuíram para a tomada de decisão em abandonar o convento, o que não era fácil, pois a “monja fugida” era discriminada na sociedade. Escreveram para os pais pedindo ajuda, mas estes negaram ajuda. A única opção que surgiu foi escrever para o monge herege, pedindo ajuda. Este atendeu ao pedido das monjas. Martin Luther pediu auxílio para o comerciante de Torgau, Leonardo Koppe, o qual ajudou as monjas a fugir do convento de Nimbschem, no dia 05 de abril de 1525.
Martin Luther esforçou-se para colocar todas ex-monjas em casas de famílias, para que aprendes-sem ali as lidas da casa. Não estando satisfeito com isto, ainda procurou marido para todas elas. Para Catarina, escolheu um estudante de Nürenberg, mas a família do estudante foi contra o casamento com uma ex-monja. No entanto, Martin Luther não desanimou e continuou a procurar. Quando encontrou outro pretendente, reitor de Wittenberg, o teólogo Glautz, Catarina não aceitou. Catarina disse que só casa¬ria se fosse com o próprio Martin Luther. A princípio, Martin Luther não deu importância ao comentário. Mais tarde, após ter refletido um pouco, resolveu aceitar a sugestão de Catarina.
Martin Luther e Catarina casaram-se em 13 de junho de 1525, ela com 26 anos, ele com 42 anos. O casamento de Catarina e Martin Luther não foi um “mar de rosas”. Eles também encontraram dificuldades na vida a dois. Ambos eram pobres, foram morar no convento dos Agostinhos em Wittenberg. Catarina foi uma esposa exemplar, fiel e dedicada, econômica e ambiciosa, ao ponto de conseguir modificar a situação em que viviam, poupando em tudo que entrava em casa, e cultivando hortas. O casal deu um exemplo de família cristã.

Os Filhos
O casamento de Martin Luther e Catarina foi abençoado com três filhas e três filhos. Para Martin Luther, os filhos eram uma benção de Deus. Em 7 de junho de 1526, nascia o primogênito que recebeu o nome do avô paterno. João estudou direi¬to e as¬sumiu um cargo público. Em 10 de dezembro de 1527, nas-cia Isa¬bel, que veio a falecer em 5 de agosto de 1528, com apenas 8 meses de vida, deixando muita dor para a família de Luther. No dia 4 de maio de 1529, nasceu Madalena, a filha mais ama¬da. Veio a falecer em 20 de setembro de 1544, na ida¬de de 14 anos. Foi um golpe duro para Martin Luther. Nesta ocasião pro-vou sua confiança em Deus, suplicando a Ele pela sua filha que¬rida:
“Eu a amo profundamente, bom Deus, se, porém é do teu agrado levá-la, de boa vontade a darei”.
E para a filha ele diz:
“Querida Lena, minha filhinha, preferes permanecer aqui na terra com teu pai ou desejas ir Ter com o Pai Celestial?”
Ela respondeu: “Sejas o que Deus quiser”. Ao colocá-la no caixão, ele fala:
“Querida Lena, terás de ressuscitar e brilharás como uma estrela, como um sol. Sinto-me feliz em espírito, embora triste na carne”.
Em 9 de novembro de 1531, nasceu Martin, que recebeu o nome do pai. Este, porém, estudou teologia e faleceu com 30 anos. Aos 28 de janeiro de 1533, nasceu Paulo, que recebeu o nome em homenagem ao Apóstolo Paulo. Este tornou-se médico e trabalhou na corte dos eleitores de Saxônia, e faleceu bem idoso. Margarete, a caçula, nasceu em 17 de dezembro de 1534. Casou-se em 1555 com Jorge de Kundheim, nobre prussiano.
A educação dada por Martin Luther aos filhos foi muito severa. Ele dizia que preferia ver um filho morto do que mal educado. Mesmo educando os filhos severa¬mente, ele não dispensou amor, carinho e mo¬mentos de distração com os filhos. Isto pode ser percebido na carta que envia ao filho João:
“Graças e paz em Cristo, meu querido filhinho. Gosto de ver que estás estudando bastante e orando aplicadamente. Continua assim, meu filhinho... Saúda tia Lene e dá-lhe um beijo da minha parte. Teu querido pai. Martin Luther”.
Toda relação de Martin Luther com os filhos fica clara nesta carta. Martin Luther, um pai moroso, carinhoso e sempre muito alegre.

A Morte
Durante toda a vida, Martin Luther sempre teve algum problema de saúde. Sofria de sinusite e inflamação nos ouvidos, e constantemente se queixava de dores de cabeça. Nos últimos dias de vida, Martin Luther foi chamado à Eisleben para intermediar a reconciliação entre os Condes de Mansfeld, Alberto e Gebhard. Os dois condes viviam em desavença por questões familiares. Catarina, pressentindo a morte do marido, pede para que não vá. Mas, mesmo assim, viajou para cumprir a sua missão. Mesmo com saúde precária, pregou quatro vezes e ordenou dois pastores. E no dia 14 de fevereiro oficiou o seu último culto com Santa Ceia. Nesta oportunidade, usou as palavras do Evangelho de Mateus 10.28, onde está escrito:
“Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer padecer no inferno tanto a alma como o corpo”. (Mt 10.28)
No leito da morte, esta com ele, dois de seus filhos, Martin e João, o pregador Coelus, Dr. Jonas, os dois Condes reconciliados e suas esposas e ainda dois médicos. Ali mesmo, pronunciou as últimas pa-lavras.
“ - Ó meu Pai Celeste, Deus Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus de toda a consolação, eu Te agradeço, por me teres revelado teu filho Jesus Cris¬to, em quem eu creio, que proclamei e louvei; que te-nho amado e glorificado, o que o execrável papa de Roma e os ímpios blasfemam e insultam; rogo-te, meu Senhor, suportar que minha alma te seja recomendada; ó Pai Celeste! Se eu devo desde já abandonar este corpo e ser arrancado à vida, sei pelo me¬nos com certeza que permanecerei, pela eternidade, ao pé de ti e que nenhum poder conseguirá roubar-me de tuas mãos”.
Depois de haver pronunciado as palavras acima, os presentes perceberam que Martin Luther esta¬va no fim de sua vida. Neste instante, Dr. Jonas se aproximou de Martin Luther e pergunta:
“Reverendo padre, desejais morrer apoiado em Jesus Cristo e confirmando a dou¬trina que tendes sempre ensinado?”
Martin Luther responde “Sim”. Alguns minutos mais tarde, Martin Luther entrega a vida a Deus. Isso no dia 18 de fevereiro de 1546, entre 2 e 3 horas da madrugada, na idade de 62 anos 3 meses e 8 dias. Os dois médicos que cuidaram de Martin Luther nos últimos mo¬mentos, não chegaram a um consenso sobre a causa da morte. O corpo de Martin Luther foi transladado para Wittenberg, onde foi sepultado no dia 22 de fevereiro, na Igreja do Castelo de Wit¬tenberg. Com a morte de Martin Luther, Catarina a esposa sofreu muito, foi obrigada a deixar Wit¬tenberg. Mais tarde voltou e faleceu, em 20 de dezembro de 1552.
Catarina e Martin Luther foram bons companheiros nas horas boas e ruins. Em mo¬mento nenhum perde¬ram a fé em Deus. Após a morte de Martin Luther, Catarina escreveu:
“Quem não gosta¬ria estar aflita e preocupada por um ma¬rido tão caro como foi o meu senhor, que serviu muito não apenas a uma cidade, ou a um único país, mas a todo mundo... E mesmo que tivesse possuído um principado ou um império, e os perdes¬se, nunca teria sofri¬do tanto como quando o bom Deus e Senhor levou de mim, e não só de mim, mas de todo o mundo, este amado e caro homem”.

Explicação da Rosa de Martin Luther:
Cruz (preta) - No centro da rosa, lembra que Deus vem ao nosso encontro com o seu amor através do Jesus crucificado.
Coração (vermelho) - Significa que Cristo agiu na nossa vida através da cruz, e que ela recebe novo senti¬do, se Cris¬to for o seu centro.
Rosa (branca) - Significa que, quando a cruz de Cristo tem lugar em nossa vida, ocorre uma trans-formação que traz verdadeira paz e alegria. A cor branca representa o reino de Deus. Todas as promessas de Cristo também são representadas por esta cor branca.
Fundo (azul) - Deus está conosco. Podemos vi¬ver com e para Deus, como sinais do seu reino, já aqui e agora. Mas, a cor azul é também esperança no futuro, pois lembra a eternidade.
Anel (dourado) - O ouro é o metal mais precioso. Este anel representa as dádivas que recebemos através da cruz e ressurreição de Jesus. A vida para a fé e o amor a serviço de Cristo é o que temos de mais precioso.

KATHARINA VON BORA

Katharina não foi apenas esposa do Reformador Martin Lutero, mas participou da Reforma. Ela faz parte da história da Reforma quanto à participação fundamental das mulheres. Katharina von Bora é muito interessante como esposa, mãe, personalidade e sujeito.
Ela nasceu no dia 29 de janeiro de 1499, provavelmente em Zülsdorf, junto de Lippendorf, ao sul de Leipzig, como filha de Hans von Bora, (ou Jan von Bora - não se tem plena certeza) e de sua primeira esposa Katharina.
Já em 1505, portanto, quando Katharina tinha apenas 06 anos de idade, seus pais a mandaram para o convento das Irmãs Beneditinas, que ficavam junto à cidade de Brehna. Três anos depois, ela ingressou no convento de Nimbschen, onde permaneceu durante 13 ou 14 anos. Lá, ela teve que se adaptar às rigorosas regras de obediência, castidade, pobreza e clausura. Foi ordenada como freira no dia 08 de outubro de 1515.
Poucos anos depois, com a Reforma e com a propagação da doutrina de Martin Luther, esta também chegou ao convento da Nimbschen. Os textos de Lutero passaram a ser lidos e estudados por algumas freiras, entre elas Katharina.
A doutrina luterana influenciou-as de tal maneira que elas não viam mais sentido em permanecer no convento. A descoberta de Lutero acerca da justificação por graça e fé fez com que elas alcançassem uma paz interior, pois não precisavam mais alcançá-la através de sacrifícios como a clausura e o convento.
Elas fugiam do convento com o auxilio do próprio Lutero, pois os seus pais se recusaram ajudá-las. Ele engajou um homem chamado Leonhard Koppe, que era o fornecedor de peixes para o convento. Ele as "seqüestrou" no dia 05 de abril de 1523, na noite de sábado de aleluia, levando-as em sua carroça, junto aos tonéis de peixes.
Três dias depois chegaram em Wittenberg. Lutero recebeu-as em sua casa, pois ele havia sido o responsável pela sua fuga. Ele logo se preocupou em encontrar um novo lar para elas, mais precisamente, ele queria conseguir maridos para elas. Algumas então foram recebidas por seus parentes e outras casaram, mas três delas sobraram, entre ela Katharina von Bora.
Katharina então passou a viver na casa da família de Philipp Reichenbach e, com a sua esposa, ela aprendeu muito bem as lides da casa. Lutero continuou a se empenhar para encontrar um esposo para Katharina. Mas ela, pouco depois, se apaixonou por um homem chamado Hieronymus; Baumgärtner. Sua família, entre tanto, foi contra o casamento, o que fez com ele a deixasse. Lutero, então, queria que ela se casasse com um Pastor chamado Gaspar Glatz, mas Katharina recusou-se terminantemente.
No dia 13 de junho de 1525 Martin Lutero e Katharina von Bora casaram e passaram a viver no "Schwarzer Kloster", antigo mosteiro dos agostinianos, onde Lutero já vivia.
Katharina passou a tomar conta da casa. Mais precisamente, ela assumiu a administração de toda a economia e organização doméstica ao redor da qual girava a casa dos Lutero. Lá funcionava uma espécie de internato para estudantes da Universidade de Wittenberg, que era coordenado por Katharina. Além disso, a família Lutero acolhia muitas pessoas que necessitavam de ajuda como parentes empobrecidos, crianças órfãs, freiras foragidas de mosteiros, além de muitos hóspedes.
A responsabilidade de Katharina era enorme. E, no decorrer dos anos ela demonstrou ter uma capacidade administrativa exemplar, pois adquiriu terras que eram plantadas, organizou pomares, tinha lagos onde eram criados peixes.... Enfim, era ela quem administrativa as finanças da família Lutero, administrava a casa e tudo o que girava ao redor, isto é, a economia.
Katharina von Bora foi, no decorrer dos séculos, chamada de dona de casa. Aliás, ela foi citada como um "exemplar de dona de casa", de uma excelente "Frau Pfarrer" e ainda de ser uma esposa submissa ao marido, que tudo fazia para que ele pudesse exercer sua atividade de teólogo, de doutor em teologia e de Reformador da Igreja.
Na realidade, Katharina foi uma dona de casa - sem dúvida. Só que naquela época esta expressão teve um significado bem diferente do que nos dias de hoje. As tarefas da dona de casa estendiam-se para além da casa e da cozinha. Ela tinha a economia e a administração financeira sob a sua responsabilidade.
Ela realmente entendia de economia e de negócios. Até com os editores dos livros de Lutero era ela quem negociava. E essa sua capacidade de absorver tantas e tão diversas tarefas com a habilidade e organização não raras vezes foi motivo de elogios de Lutero. Em uma carta que ele escreveu a ela no dia 28 de julho de 1545, ele a saúda dizendo: "Minha querida simpática dona de casa Katharina Luther von Bora, pregadora, fazedora de cerveja, jardineira e tudo mais o que ela ainda consegue ser".
O casal Martin e Katharina Lutero tiveram 06 filhos: Johannes, Elisabeth (que faleceu com poucos meses de idade), Magdalena (a menina predileta de Lutero que veio a falecer com 13 anos de idade), Martin, Paul e Margarethe. Katharina era a maior responsável pela educação dessas crianças e ainda das crianças adotivas que viviam com a família, principalmente quando Lutero estava ausente. Ela levava a educação cristã muito a sério, pois ela era uma pessoa de grande fé. Estudava o catecismo Menor com muita dedicação e procurava ensiná-lo às crianças.
Lutero reconheceu a sua capacidade de "reger" e de organizar. Ela sempre procurou ampliar as suas propriedades e a produção. Ele estava consciente de que tudo o que possuíam foi adquirido por causa da capacidade, do trabalho e da educação de Katharina. Por isso, ele a escolheu como tutora dos filhos e das propriedades, no caso de sua morte. (Naquela época era assim: sempre um homem - um amigo ou parente de confiança deveria ser o tutor e responsável pela família, no caso do falecimento do pai).
Katharina tinha influência sobre Lutero, no âmbito familiar, na casa, nos negócios e em sua atuação na teologia. Não raramente ele compartilhava com ela o que estava acontecendo no âmbito da Igreja, no caminhar da Reforma e também solicitava a sua opinião.
Que a comemoração do aniversário de 500 anos da Katharina von Bora, no ano de 1999, sirva de estímulo para resgatarmos a memória de tantas outras mulheres da História, que infelizmente ficaram à margem.
Pa. Dra. Heloísa Gralow Dalferth, Santa Cruz do Sul, RS

Cronologia da Vida de Martin Luther.
1483 = 10 de novembro: nasce em Eisleben Martin Luther. Filho do, descendente de camponês, Hans Luther, agora mineiro, e de Margarete, nascida Lindemann.
1484 = Mudança da família para Mansfeld.
1492 = 12 de outubro Cristóvão Colombo inicia a invasão e conquista da América, o que provoca a matança de 70 milhões de pessoas de inúmeros povos indígenas.
1497 = Martin fica um ano na escola em Magdeburg e depois vai para Eisenach.
1500 = Pedro Álvares Cabral inicia a invasão e conquista do Brasil para os portugueses, quando inicia o massacre dos povos indígenas no Brasil.
1501 = Maio - matrícula de Luther na Universidade de Artes de Erfurt para estudar direito.
1505 = Faz o exame e recebe o diploma de “Magister artium”; 2 de julho é surpreendido por uma tempestade perto da aldeia de Stotternheim e pede ajuda à Santa Ana (protetora dos mineiros) e promete ser monge; 17 de julho ingressa no mosteiro Agostiniano em Erfurt.
1507 = 2 de maio Luther é ordenado padre.
1508 = Luther leciona em Wittenberg filosofia moral e assume o cargo de pregador da cidade.
1509 = Chamado de volta para Erfurt e faz o bacharelado em teologia. Leciona sobre as sentenças de Petrus Lombardus.
1510/11 = Viagem à Roma para resolver questões de sua ordem religiosa.
1512 = Torna-se subprior do convento de Wittenberg; 19 de outubro torna-se Doutor em Teologia e professor na Universidade de Wittenberg, criada em 1502.
1513-18 = Leciona sobre os Salmos (1513-15), Carta aos Romanos (1515-16), Carta aos Gálatas (1516-17), Carta aos Hebreus (1517-18)
1516 = Edição do NT em grego por Erasmo de Rotterdam , com tradução latina
1517 = 31 de outubro - divulga as 95 Teses contra as indulgências.
1518 = 26 de abril ocorre a discussão de Heidelberg; junho acontece a abertura do processo contra Luther com citação para se apresentar em Roma; 12 a 14 de outubro é interrogado pelo Cardeal Cajetano em Augsburg. Início da Reforma na Suíça por Zwinglio.
1519 = Discussão com Dr. Eck em Leipzig onde critica o papado e diz que os concílios podem errar.
1520 = Publica os seus três escritos da Reforma mais importantes: “À Nobreza Cristã da Nação Alemã”; “Do cativeiro Babilônico da Igreja”; Da Liberdade Cristã”. 10 de dezembro Luther queima o livro do Direito Canônico e a bula papal, de 16 de junho de 1520, que pede sua retratação.
1521 = 3 de janeiro é editada a bula de excomunhão; 17-18 de abril é interrogado na Dieta em Worms e se nega a se retratar dos seus escritos; em 4 de maio ele é “seqüestrado” pelos amigos e levado à Wartburg em segurança; 26 de maio sai o Edito de Worms declarando Luther sem direitos políticos e fora da proteção do Estado; tradução do Novo Testamento para o alemão.
1522/23 = Guerra dos Cavaleiros, onde Franz von Sickingens luta contra o duque de Trier, mas foi vencido pela aliança deste com os duques de Hessen, Trier, e Pfalz
1521/22 = trabalhos literários na Wartburg; em março de 1522 ele reaparece em Wittenberg para freiar os tumultos que aconteceram sob a liderança de Karlstadt.
1523/24 = crescimento do movimento evangélico; Luther compõem hinos e escreve sobre a questão do culto e sobre a questão da escola.
1524/25 = Discussão com Karlstad e Thomas Müntzer e acontece a Guerra Camponesa em Schwaben, Franken, Tirol, Salzburg, Elsa e Thüringen
1525 = em abril escreve: “Chamado à Paz” e em maio escreve: “Contra os assaltos e assassinatos das hordas camponesas”; 16 de junho casa com Catharina von Bora.
1526 = 1ª Dieta de Speyer e na Saxônia o Edito de Worms deve ser observado conforme cada um até a realização de um concílio; discussão com Huldrych Zwingli sobre a questão da Santa Ceia.
1529 = 2ª Dieta de Speyer onde os nobres e os do lado evangélico protestam contra a execusão das decisões da 1ª Dieta de Speyer sobre a observância do Edito de Worms (daí vem a denominação: “Protestantes”).
1529 = outubro discussão religiosa em Marburg com Zwingli sobre a Santa Ceia, onde não se chega ao consenso.
1530 = leitura da “Confissão de Augsburgo” no dia 25 de junho em Augsburg na Dieta de Augsburg, redigida por Philipp Melanchton, enquanto Luther ficou na Veste Coburg
1531 = em 27 de fevereiro foi criado na cidade de Schmalkalden a Liga de Schmalkalde entre cidades e príncipes alemãs para a defesa da fé evangélica e contra a política do Imperador Carlos V.
1532 = Acordo de Nürnberg acontece por causa do perigo da invasão turca onde os protestantes conseguem a liberdade religiosa.
1534 = Finda a tradução completa da Bíblia.
1536 = Concórdia de Wittenberg com os alemães do norte; Luther elabora os Artigos de Schmalkalde para ser entregue ao papa para o Concílio de 1537 em Mantua, que não se realiza.
1538 = Formação da Liga dos príncipes católicos para combater a Reforma
1540 = inicia a era das conversações religiosas inspiradas pelo imperador que vão até 1546. Criação da Companhia de Jesus por Inácio de Loyola ( jesuítas)
1541 = Reforma em Genebra, Suíça, por João Calvino.
1545-63 - Concílio de Trento que fortalece o poder do papa, início da Contra-Reforma.
1546 = 18 de fevereiro morre Luther em sua cidade natal (Eisleben) e é sepultado em 22 de fevereiro em Wittenberg.
1548 = Concordância entre calvinistas e zwinglianos sobre a Santa Ceia
1546-47 = Guerra de Schmalkalden onde o rei Carlos V vence o príncipe da saxônia.
1555 = Paz Religiosa de Augsburgo em que a Confissão de Augsburgo é oficialmente reconhecida ao lado das confissões católicas (ficam de fora as outras correntes da reforma na Europa) e a partir daí se pratica a norma que os súditos tem que observar a religião do seu príncipe, quem não concordar pode vender os seus bens e se mudar.

6. Prefácio aos Escritos Latinos #
Martin Luther

Ler em grupos o texto e destacar os momentos e questões importantes da Reforma

[“O prefácio que Luther escreveu para o primeiro volume dos Escritos Latinos, é uma das fontes mais importantes sobre o início da reforma evangélica”.]
No ano de 1517, portanto, vendiam-se indulgências nesta região, por lucro dos mais vergonhosos. Naquela época eu era pregador, jovem doutor (como se diz) em Teologia, e comecei a recomendar e admoestar as pessoas a que não dessem ouvidos a esses predicantes de indulgências; pois tinham coisa melhor a fazer. E nisto eu acreditava, com absoluta certeza, ter o papa como protetor, em quem eu confiava plenamente naquele tempo, uma vez que em seus decretos ele condenava com muita clareza o descaramento dos quaestores (como ele chama os predicantes de indulgências).
Logo escrevi duas cartas; uma para o arcebispo Alberto de Mainz que recebia metade do dinheiro das indulgências (a outra metade ia para o papa, o que eu não sabia então). A outra era destinada ao ordinarius loci, como se diz, o bispo de Brandenburg, Jerônimo, e pedi-lhes que coibissem o descaramento e a blasfêmia dos quaestores. Mas o mísero mongezinho não foi considerado. Como não me deram ouvidos, publiquei o papel de disputação bem como, ao mesmo tempo, o sermão alemão sobre as indulgências, e pouco mais tarde ainda as Resolutiones; nestas publicações procurei, mantendo a honra do papa, não condenar a indulgência, mas dar preferência às boas obras de caridade.

Acusado junto ao Papa.
Isso foi pôr abaixo o céu e botar fogo no mundo. Fui acusado junto ao papa, citado para Roma, e todo o papado se levantou contra mim, um único homem. Isso se deu no ano de 1518, durante a assembléia dirigida por Maximiliano em Augsburg, na qual o cardeal Cajetano atuou como legado pontifical. O ilustríssimo Duque de Saxônia, Frederico, Príncipe Eleitor, a este se dirigiu intervindo em meu favor, e conseguiu que eu não fosse obrigado a ir a Roma. O próprio Cajetano haveria de me chamar para analisar a questão e resolvê-la. Em seguida foi dissolvida a assembléia.
Como, porém, todos os alemães estavam cansados dos saques, do tráfico e das inúmeras tapeações dos embusteiros romanos, eles aguardavam ansiosamente o resultado desta questão que até ali nenhum bispo ou teólogo se arriscara a tocar. Este apoio popular também muito me ajudou, porque todos já odiavam as artimanhas e práticas romanas com que tinham enchido e cansado o mundo inteiro.
Cheguei, portanto, a Augsburg, pobre e a pé, munido pelo Príncipe Frederico com provisões para o caminho e com cartas de recomendação dirigidas ao conselho e a diversos homens de confiança. Três dias estive lá, antes de ir ter com o cardeal. Isto porque aqueles excelentíssimos senhores me proibiram e desaconselharam insistentemente de ir ao encontro do cardeal sem salvo-conduto do imperador, ainda que aquele me mandasse chamar a cada dia através de um enviado. Este me importunou bastante: eu só precisaria retratar-me, e tudo estaria bem. Mas longa é a injustiça, e longas as suas evasivas.
Finalmente, ao terceiro dia, ele veio e quis saber por que não viria eu ao cardeal, que estaria me esperando com muita benevolência? Respondi que eu tinha que obedecer ao conselho dos excelentíssimos senhores a quem eu fora recomendado pelo Príncipe Frederico. E a recomendação deles era de que de forma alguma eu deveria ir ter com o cardeal sem a proteção do imperador ou sem salvo conduto. No momento em que fosse concedido (já estavam em andamentos as negociações com o conselho imperial no sentido de obtê-lo), eu me apresentaria de imediato; ao que aquele reagiu com muita irritação: “Acaso acha que o príncipe Frederico tomaria das armas por sua causa?” Eu disse: “Isso não desejo de forma alguma”. “E onde vai ficar?” Respondi: “Debaixo do céu”. Ao que ele retrucou: “Se tivesse em seu poder o papa e os cardeais, que faria?” “Eu lhes renderia toda reverência e honra”, disse eu. Então ele fez uma figa e disse: Hm! E saiu, sem se voltar.
Naquele dia, o conselho imperial comunicou ao cardeal que o imperador me havia concedido proteção, isto é, imunidade, e o advertiu que não me tratasse de forma demasiadamente severa. Diz-se que a isto ele teria respondido: “Está bem; mesmo assim farei o que exige meu ofício”. Assim teve início esse conflito.
No mesmo ano o Professor Felipe Melanchton já havia sido convocado para a Universidade de Wittenberg pelo Príncipe Frederico, a fim de ensinar a língua grega; isso, sem dúvida, para que eu tivesse um companheiro no trabalho teológico. Pois o que o Senhor tem operado através desse instrumento, não só nas letras, mas também na teologia, isso documentam de sobra suas obras, por mais que com isso se irritem Satã e seus companheiros.

A Bula de Excomunhão
No ano seguinte, em fevereiro de 1519, faleceu Maximiliano e, de acordo com o direito imperial, o Duque Frederico se tornou seu substituto. Diante disso, a tempestade se acalmou um pouco, sendo que aos poucos apareceu certo desprezo pela excomunhão ou fulminação papal. Pois Eck e Caracciolo tinham trazido de Roma a bula de excomunhão contra Luther e a tinham dado a público - Eck em Wittenberg, Caracciolo em Colônia ao Duque Frederico, que então ali se encontrava junto com outros príncipes para receber a Carlos V, recém-eleito. Com isso Frederico ficou muito indignado e repreendeu enfática e violentamente este farsante pontifical: ele e Eck teriam causado intranqüilidade durante sua ausência no território de seu irmão João e em seu próprio. A censura foi tão enérgica que partiram envergonhados e em desonra. O Príncipe reconheceu os artifícios da cúria romana com uma percepção incrível, e soube tratar essa gente à altura; pois ele tinha um faro privilegiado, mais penetrante do que os papistas podiam esperar e temer.
Em conseqüência disso, eles não mais o tentaram. Nem mesmo a assim chamada Rosa de Ouro, que Leão X lhe enviou no mesmo ano, ele se dignou de honrar de alguma maneira; ao contrário, riu-se dela. Dessa forma os papistas se viram forçados a desistir do propósito de enganar a um príncipe dessa envergadura. E sob a proteção desse príncipe, o evangelho recebeu uma feliz continuidade, encontrando ampla difusão. (...)

Disputação de Leipzig
No mesmo ano teve lugar a disputação em Leipzig, para a qual Eck desafiou a nós dois, Karlstadt e a mim. Mas com nenhuma de minhas cartas consegui do duque Jorge o salvo-conduto, de sorte que entrei em Leipzig sob o salvo-conduto concedido a Karlstadt, e isso não na qualidade de disputador, mas como mero espectador. Não sei quem é que me impediu, pois o duque Jorge naquele tempo ainda não me era hostil, isso eu o sabia com certeza.
Eck veio ter comigo em meu albergue e disse que ouvira dizer que eu estaria me negando a disputar. Respondi: “Como posso disputar, se não consigo um salvo- conduto do Duque Jorge?” Ele: “Se não posso disputar com você, também não quero disputar com Karlstadt, pois é por sua causa que vim para cá. E se eu conseguisse um salvo-conduto para você, disputaria comigo?” “Consiga-o”, disse eu, “e estarei pronto”. Ele despediu-se, e em breve me asseguraram um salvo conduto também para mim e me deram oportunidade para disputar.
Eck assim procedeu porque já estava certo do triunfo, por causa de minha tese na qual eu negava que o papa era o cabeça da igreja por direito divino. Aqui se lhe abria um campo muito grande, bem como a melhor das oportunidades para adular as massas e merecer a gratidão do papa, além de me cobrir de ódio e vergonha. Isso ele o tentou com muito afinco durante toda a disputação; mas não conseguiu nem provar as suas afirmações, nem refutar as minhas, de modo que o próprio Duque Jorge disse a Eck e a mim durante a refeição da manhã: “Seja por direito humano ou divino, o papa é o papa”. Isto ele de forma alguma o teria dito, caso minhas provas não o tivessem impressionado. Teria apenas dado razão a Eck.

O Costume é a segunda Natureza.
Também aqui, no meu caso, você pode ver como é difícil desvencilhar-se e escapar de enganos desta espécie, confirmados pelo exemplo dado por todo mundo e que, por costume de longa data, passaram a ser naturais. Como é verdadeiro o provérbio: “Difícil é abandonar um costume”, e: “O costume é a segunda natureza”. Como é verdadeiro o que diz Agostinho: “Se não se resiste a um costume, ele se transforma numa necessidade”. Naquela época eu já tinha lido e ensinado a Sagrada Escritura durante sete anos e com muita dedicação, tanto particular como publicamente, de sorte que eu sabia quase tudo de cor; além disso eu já também recebera os inícios do conhecimento e da fé em Cristo, ou seja: de que nos tornamos justos e salvos não por obras, mas pela fé em Cristo; e por fim também já defendera de público aquilo de que estou falando agora; não é por direito divino que o papa é o cabeça da igreja. Mesmo assim eu não enxergava aquilo que daí decorre, ou seja: que o papa é necessariamente do diabo. Pois o que não é de Deus, tem que ser do diabo.
A tal ponto estava eu, como disse, fixado pelo exemplo e pelo nome da santa igreja, bem como pelo próprio hábito, que eu concedia um direito humano ao papa, o que, se não está apoiado em autoridade divina, é mentira e diabólico. Pois a nossos pais e à autoridade nós obedecemos, não porque eles o assim ordenam, mas por ser esta a vontade de Deus (I Pe 2,13). Daí se explica que posso tolerar com certa compreensão aqueles que se pretendem ao papado com maior teimosia, principalmente quando não leram as Sagradas Escrituras ou nem mesmo obras profanas. Pois também eu li as Sagradas Escrituras por muitos anos com muito afinco, e mesmo assim me ative tenazmente ao papado.

Tentativa de Reconciliação.
No ano de 1519, Leão X enviou, como já disse a Rosa por intermédio de Karl von Miltitz, que longamente negociou comigo para me reconciliar com o papa. Ele possuía setenta cartas papais para, quando o príncipe Frederico me entregasse a ele - o que o papa procurou alcançar com a Rosa -, fixar uma em cada cidade e assim me levar com segurança até Roma. Na minha frente, porém, ele revelou seus próprios pensamentos e disse: “Martin, eu o imaginava um desses teólogos caducos, que ficam sentados atrás de estufa a disputar consigo mesmos. Agora vejo que você ainda é jovem e forte. Mesmo que tivesse vinte e cinco mil homens armados, não me arriscaria a levá-lo para Roma. Pois ao longo de todo o trajeto tentei descobrir o que as pessoas pensam de você. Quando encontrava um que apoiava o papado, havia três a seu favor e contra o papa”. Isso era realmente ridículo: ele também tinha perguntado às mulheres e meninas nos albergues o que achavam da cátedra romana. Como não conhecessem estas palavras e pensassem tratar-se de uma cadeira normal, elas respondiam: Como vamos saber que tipo de cadeiras vocês têm em Roma, se não de madeira ou de pedra?
Por isso pediu-me que procurasse aquilo que servisse à paz; ele faria o possível para que o papa fizesse o mesmo. Também prometi largamente fazer com afinco tudo o que fosse possível sem comprometer a consciência da verdade. Também eu ansiava com urgência pela paz; só à força é que eu fora envolvido nestas brigas. Por uma pressão das circunstâncias eu havia feito tudo o que fizera. A culpa não era minha.
Ele chamara a João Tetzel, da ordem dos pregadores e autor principal desta tragédia. A este homem, até então terrível para todos, vociferador indestrutível, ele abalara de tal forma com palavras e ameaças do papa, que desde então ele passou a definhar, até finalmente morrer de amargura. Ao tomar conhecimento deste fato, ainda o consolei antes de sua morte com uma carta amigável, procurando animá-lo e desfazer o temor da minha lembrança. Deve ter morrido por causa de sua consciência e por ter caído em desgraça junto ao papa.
Consideraram a Carlos V como inútil, e não deram valor a seu conselho. Mas se, de saída, o arcebispo de Mainz, quando o adverti, e o papa, antes de me condenar e vociferar com suas bulas, tivesse tomado aquela resolução à qual chegara Carlos V - naturalmente tarde demais -, calando a fúria de Tetzel, o assunto não teria provocado um tumulto de tais proporções, a meu ver. O arcebispo de Mainz tem toda a culpa. Enganaram-no sua sabedoria e astúcia com as quais procurou reprimir minha doutrina e salvar o seu dinheiro proveniente das indulgências. Agora procuram em vão por conselhos, e inúteis são todos os esforços. O Senhor esteve vigilante e se põe a julgar os povos. Mesmo que nos pudessem matar, não conseguiriam o que pretendem, sim, teriam ainda menos do que se nos tivessem com vida e saúde. Isso percebem-no muito bem alguns dentre eles, cujo nariz não está inchado por completo.

O justo vive por fé.
Entrementes, naquele ano (1518), eu me pusera novamente a elaborar uma interpretação dos Salmos. Sentia-me melhor preparado depois de ter tratado em preleções as epístolas de Paulo aos Romanos, aos Gálatas e aos Hebreus. Eu fora tomado por uma extraordinária paixão em conhecer a Paulo na Epístola aos Romanos. Mas fazia-me tropeçar não a frieza de coração, mas uma única palavra no primeiro capítulo: “A justiça de Deus é nele revelada”(Rm 1,17). Isso porque eu odiava esta expressão “justiça de Deus”, pois o uso e o costume de todos os professores me havia ensinado a entendê-la filosoficamente como justiça formal ou ativa (como a chamam), segundo a qual Deus é justo e castiga os pecadores e injustos. (...)
Aí passei a compreender a justiça de Deus como sendo uma justiça pela qual o justo vive através da dádiva de Deus, ou seja, da fé. Comecei a entender que o sentido é o seguinte: Através do evangelho é revelada a justiça de Deus, isto é, a passiva, através da qual o Deus misericordioso nos justifica pela fé, como está escrito: “O justo vive por fé”.
A disputa em torno das indulgências durou até 1520/21. Seguiram-se então confrontos com os sacramentalistas e os anabatistas.
Passe bem no Senhor, caro leitor, e ore para que a palavra cresça contra Satã; pois ele é poderoso e maligno, e justamente agora vocifera enfurecido. Pois sabe que lhe resta apenas pouco tempo ainda, e que está em jogo o reino do seu papa. Deus, porém, queira fortalecer em nós o que ele operou, e consumar para sua glória a obra por ele iniciada em nós. Amém.
5 de março de 1545.

7. Quem são os Evangélicos Luteranos? #
Albrecht Baeske

Ler em grupos o texto e trazer para a plenária as questões básicas da confessionalidade luterana e questões para discussão e dúvidas

Nossa Identidade
Somos identificáveis pelos nossos prédios, que expõem o símbolo e o nome da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). O pessoal nos re¬conhece porque freqüentamos tais centros comunitários. Quem nos visita vê um recibo de contribuição em cima da mesa, topa na parede com a certidão de batismo, de confirmação ou de bênção matrimonial. Até nos encontra lendo o Jornal Evangélico ou um devocionário (Castelo Forte, Semente de Esperança). Pois é, somos identificáveis - e não só pelo sobrenome! Se reconhece em nós determinadas atitudes. Ali¬ás ser evangélico luterano nunca se restringe a assistir aos cultos, pagar a mensalidade e ler publicações da IECLB. Gen¬te evangélica luterana desenvolve um jeito típico de viver. Identidade evangélica luterana é vivência e convivência, onde quer que seja. Não é coisa do passado e da intimidade. É algo que se vive hoje e aqui, em público, sem se envergonhar, É me¬nos coisa do saber e da cabeça. Antes, enche o coração, dá alegria e leva à ação, todos os dias, em to¬das as situações. E isto é a “liberdade cristã”, que Martin Luther descreve assim: "O cristão é um senhor livre de tudo, a ninguém sujeito. O cristão é um servo dedicado a tudo, a todos sujeito".

Escravidão
A população de um lugarejo na Holanda observava à risca os Dez Mandamentos. Certa vez sucedeu que os ventos e as ondas do mar atacaram com tanta violência os diques que protegiam a vila, que foi necessário reforçá-los justamente num domingo.
A polícia avisou o pastor, que ficou num conflito de consciência deveria chamar a comunidade ao trabalho, para não morrer, e desobedecer, assim, ao terceiro mandamento? Receando tomar a decisão sozinho, reuniu o presbitério. Este achou que se deve¬ria respeitar o domingo e que a cada instante poderia ocorrer um milagre que vencesse a tempestade. Aí o pastor lembrou que o próprio Jesus tinha, ocasional-mente, curado pessoas em dia de descanso. Nesse momento um presbítero declarou: "Pastor, vou dizer uma coisa que sempre me inquietou e que não tive coragem de expressar antes: acho que o nosso Senhor Jesus era um tanto liberal."
Evangélicos luteranos e evangélicas luteranas jamais poderiam falar e agir assim. Porque lêem no Evangelho predileto de Luther, o de João, que Jesus Cristo afirma: "Se (eu) o filho (de Deus) vos libertar, verdadeiramente sereis livres" (8.36); e de Paulo, o apóstolo predileto de Luther: "Para a liberdade foi que Cristo vos libertou" (Gl 5.1); e do próprio Luther: “O cristão é um senhor livre de tudo, a ninguém sujeito”.
Por causa de Jesus Cristo os cristãos são livres "de todos os pecados, da morte e do poder do diabo" (Luther).

Libertação
Libertação “de todos os pecados” significa, para os evangélicos luteranos, que eles são livres do seu passado, da sua consciência presa a eterna auto¬defesa. Somos livres no nosso dia-a-dia para uma ação responsável, embora ar¬riscada uma ação que visa defesa da vida humana. No exercício de nossa responsabilidade, não nos atormentamos quando urge tomar decisões que envolvem conflitos com normas. Insistimos em seguir a Jesus (Mc 2.23 - 3.6). E nos valemos do consolo de Luther: "Peca com coragem, mas crê e alegra-te tanto mais em Cristo." Experimentamos que a solidariedade com os oprimidos e deprimidos não termina onde se cai em culpa. Luta séria contra opressão dificilmente fica a salvo da culpa. Jesus Cristo traz perdão para a pessoas que se tornam culpadas por salvaguardar a outras. Libertação “da morte” significa, para os evangélicos luteranos, que eles mantêm a esperança mesmo no desespero (Rm 4.18). Nós temos “a liberdade dos sem-esperança” (J. Moltmann, teólogo protestante, contemporâneo respeitado). Não desanimamos com segui¬dos fracassos. Enxergamos longe. Mostramos que os mecanismos da preocupação e do medo deixam a pessoa passiva, induzindo-a a acomodar-se. Desmascaramos e desarmamos tais mecanismos e, em situação de risco, sabemos que a morte jamais é o fim. Em conseqüência, a vida, seja ela como for, não é tudo. Evangélicos luteranos o comprovam em sua existência. Estão conscientes de que todos os movi¬mentos de libertação co¬meçam quando um punhado de pessoas perde o medo. Libertação “do poder do diabo” significa, para os evangélicos luteranos, que eles são livres dos seus “instintos, inclinações e circunstâncias” (H. J. Iwand, teólogo evangélico luterano já falecido, intérprete magistral de Luther). Ale¬gramo-nos por sermos aceitos sem precisar demonstrar o nosso valor e a nossa produção. Somos valiosos independentemente das nossas posses e dos nosso conhecimentos. Por isso evangélicos luteranos já não se sentem constrangidos a fazer ídolos de si mesmos. São auto-críticos e, antes de desconfiarem dos outros, desconfiam de si. Tiram primeiro o pedaço de madeira que está no seu olho e então vêem bem para tirar o cisco que está no olho de outras pessoas (Mt. 7.5). Não se preocupam com monumentos de si próprios pois sabem que glorificar-se da sua obra é sinal de escravidão (Iwand).

Sem Proibições
Assumindo "a liberdade para a qual Cristo nos libertou", tudo é nosso (1 Co 3.22). Tudo está à nos¬sa disposição. Nada nos mete medo. Não há proibições para nós. Acontece, todavia, que existe mais re¬ceio dessa liberdade do que alegria de vivê-la. Quem a experimenta de fato? A maioria, também entre os evangélicos luteranos e as evangélicas luteranas, prefere "se submeter de novo ao jugo da escravidão” (Gl 5.1). Gosta de penar “debaixo dos elementos do mundo” (4.3), tais como temores e ilusões, moda e opinião comum idéias fixas e superstições. Tudo é nosso: fumo, bebida alcoólica, dança, baralho, lote¬ria, opção sexual. Na medida em que vivemos "a liberdade para a qual Cristo nos libertou", mandamos embora regras e tutores. Sabemos que tudo é nosso - mas atenção: nós somos de Cristo (1 Co 3:23). Quer dizer: temos liberdade de usar tudo, porém fazemos escolhas e não nos tornamos dependentes. Aprende¬mos com cristãos e não-cristãos, mas selecionando com critério - pois somos de Cristo. Quando ficamos dependentes de algo ou de alguém, voltamos “de novo ao jugo da escravidão”. Se formos incapazes de parar de beber, fumar, jogar, devorar pratos preferi¬dos, por exemplo, a nossa dependência é patente. Poder abrir mão de qualquer dos hábitos mencionados é a "prova dos nove". Se o conseguimos, somos livres. Do contrário, somos escravos.
Se não consegui¬mos articular e viver a fé sem tutelamento de terceiros, viramos as suas criaturas e deixamos de ser criaturas de Deus. Seríamos superficiais se detectássemos apenas uma eventual dependência nossa de certas pessoas ou dos chamados "vícios". Descobrimos dependências mais perigosas do que fumar ou apostar em jogos de azar, por serem encobertas e aparentemente não prejudicarem a saúde e o convívio familiar. É o caso da dependência da posição social, da família, da nossa cabeça dura, da¬quilo que se decorou, dos preconceitos raciais, morais, políticos. Destas de¬pendências pouca gente se lembra. Não obstante, elas são arrasadoras para a vida e o relacionamento das pessoas. Está claro, pois, que dificilmente há pessoa que não revele “vício” ou dependência. Veja¬mos quem está na pior: quem não pode viver sem cigarro ou quem sempre teima em ter razão? Um fumante inveterado ainda se agüenta. Mas quem nunca admite falha é chato de¬mais. E como saímos disso?

Comunidade Terapêutica
"A liberdade para a qual Cristo nos libertou" se recebe “onde dois ou três estão reunidos em seu nome” (Mt 18.20), a comunidade. Nesta ela é recuperada, defendida e mantida. As dependências de toda sorte se combatem de maneira eficiente em conjunto. A comunidade é o lugar de terapia. A terapia inicia com a pergunta: por que a pessoa é dependente? No processo de cura, é preciso haver humildade, abertura, compreensão, confiança e esperança. Em especial, a ida constante à refeição em que Cristo mesmo é "a comida e a bebida, o cozinheiro e o garçom" (Luther): a Ceia do Senhor. Ela é o remédio que ataca o vício de toda espécie e liberta de todo tipo de dependência. Eis a convicção dos evangélicos luteranos e das evangélicas luteranas vividos, calejados, cheios de experiência.

Sem Egoísmo
"A liberdade para a qual Cristo nos libertou" não nos larga à mercê do nosso bel-prazer. Deste jeito, a usaríamos "por pretexto de malícia" (1 Pe 2.16). O nosso egoísmo se apoderaria dela. Somos livres, sim, exatamente da “lei da nossa própria liberdade” (Moltmann). Motivo pelo qual escreve Paulo: “Não sois de vós mesmos, mas de Cristo” (1 Co 6.19; 3.23). E Luther confessa: Jesus Cristo “me resgatou e salvou para que eu lhe pertença e viva submisso a ele, em seu Reino, e o sirva em eterna justiça, inocência e bem-aventurança”. Ser cristão resulta, para os evangélicos luteranos e as evangélicas luteranas, em dar-se aos semelhantes como Cris¬to se deu às pessoas. Luther: “O cristão é um servo dedicado a tudo, a todos sujeito”. E de forma mais concreta: “Deve-se ler a vontade de Deus nos olhos dos necessitados”. Aí colocamos os nossos pés na poeira e me¬temos as nossas mãos no barro. Cerramos fileiras com aqueles que lutam por pão e saúde, teto e terra, escola, vida partilhada, cidadania, organização popular e transparente da sociedade. Nos solidarizamos com o povo cujo suor e cuja consciência foram roubados. A nossa solidariedade com o próximo chegará ao seu alvo quando o auxiliarmos a ser alcançado pela vida plena: Jesus Cristo empregando-o rio seu exército de libertação.

Livres Libertados, em tudo
Às vezes, Martin Luther se chamou "o livre libertado" e assinou assim documentos seus. Deste modo sintetizou o ser-cristão todo, Nós, evangélicos luteranos e evangélicas luteranas, aprendemos isso com ele. Oxalá todas as pessoas o aprendam com ele! Os evangélicos luteranos são livres libertados. Conseqüentemente, dispensam sacerdotes. Eles mesmos são sacerdotes com quem Deus fala e através dos quais ele atua junto à Igreja e à Sociedade. Nós encaramos as tarefas na Igreja e a política na Sociedade como alegre serviço a Deus prestado para com homens e mulheres. Os evangélicos luteranos são livres libertados participantes e semeadores da vida plena. Conseqüentemente, promovem a medicina popular e apóiam os agentes de saúde. Ajudamos a organizar movimentos populares que lutam por saneamento básico e assistência médica e hospitalar para todos, em todos os recantos do País. Mesmo assim, a saúde não é o nosso deus, nem a doença nos separa de Deus, cujo rosto brilha em Jesus Cristo. Os evangélicos luteranos, os livres libertados, são da Igreja de Pedro e Paulo, dos primeiros livres libertados (por exemplo: At 2.14-47; 5.17-42; 10-11,18 e Gl 2.11-21; 4 - 5). Conseqüentemente. militam para que a Igreja de Pedro e Paulo emirja, se articule e se mova,. aqui e hoje. Para nós, tal militância é a mais honrosa. E o bom combate pela Igreja certa. Igreja certa é a Igreja que segue a Jesus Cristo, briga e sofre por causa dele. É a Igreja que nada quer para si própria, mas tudo para Jesus Cristo (1 Co 2.2; Gl 6.14; Fp 33-14) e os seus mais pequeninos irmãos (Mt 25.31-46).
Os evangélicos luteranos são livres libertados. Conseqüentemente, não gastam forças, tempo e dinheiro com a estruturação eclesiástica. Nós nos bate¬mos para que todos "vasos" eclesiásticos, a começar pela IECLB, estejam a serviço exclusivo do Reino de Deus. Esperamos e apressamos de toda maneira a vinda do novo céu e da nova terra, onde reina a justiça (2 Pe 3.12s.). Agimos na firme certeza da intervenção direta e definitiva iminente de Deus (Ap 21): enxugamos logo as lágrimas; consolamos já os entristecidos; compartilhamos agora as dores; alivia¬mos de pronto os sobrecarregados; resistimos hoje à morte e aos seus capangas; derribamos imediatamente os muros entre as pessoas e acabamos com as classes de qualquer ordem. Sempre, no entanto, aponta¬mos para o próprio Deus, que vai morar em breve com os seres humanos, vai ser tudo para eles, e eles serão o seu povo (vv. 3,22ss.). Eis os evangélicos luteranos e as evangélicas luteranas de todos os tempos e lugares! Assim é o seu jeito.


8. Jesus Cristo #

Ler o texto em plenária e comentá-lo coletivamente

Quem é Jesus Cristo?
Esta pergunta tentaremos responder olhando para a sua prática de vida.
Imitar ou seguir a Jesus Cristo? Todos querem imitar a Jesus Cristo e não seguir Jesus Cristo. Quem quer imitar Jesus Cristo destrói a fé em Jesus Cristo. Não somos salvos porque vivemos como Cristo, mas por causa de Jesus Cristo.
Jesus é aquele que me dá cobertura perante o juízo de Deus. Estêvão diz em At 7, 54 - 60: Jesus Cristo está em pé ao lado de Deus (v. 56). Com a passagem de Jesus pela morte ele fez um buraco na morte onde se pode passar com Jesus. Desde Jesus Cristo a morte não é mais a última palavra mas a penúltima palavra. Jesus é o devorador da morte.
Que Deus é Pai só sabemos a partir de Jesus Cristo. Deus é Deus lá na manjedoura e Jesus Cristo nos salva diante do Deus juiz.
Jesus Cristo são os óculos pelos quais Deus nos enxerga e nós vemos Deus por meio de Jesus Cristo.
Somos criaturas de Deus viciadas. O Deus cria¬dor em cólera diante de sua criatura viciada reage em Jesus Cristo. Deus recria estas criaturas através de Jesus Cristo e as recupera para se tornarem filhos adotivos - Rm 8, 12 - 17. Jesus é a encarnação de Deus. Deus se tornou carne em Jesus Cristo.
Certa vez, o diabo quis oferecer auxílio a Martim (cristão do século 4, caridoso e militante na fé; após a morte virou um dos santos mais populares). Daí o diabo lhe apareceu na figura de um rei majestoso e falou: “Martim, eu te agradeço por tua fidelidade. Experimenta agora como eu sou fiel a ti. Por isso, agarra firme em mim”.
Martim perguntou: “Mas quem és tu afinal?”
“Eu sou Jesus, o Cristo”, respondeu o diabo.
Martim retrucou: “Onde estão os teus ferimentos?”
O diabo: “Eu venho da glória do céu e lá não tem ferimento nenhum”.
Ao que Martim concluiu: “Não quero ver o Cristo sem ferimentos. Pois não posso me agarrar no Cristo que não carrega os sinais da cruz”.
O Cristo ressurreto sempre aparece como o crucificado (Jo 20,27). O mundo é o espaço de luta do Jesus Cristo crucificado. A ressurreição reforça a luta pelo mundo para ganhar as pessoas. Jesus Cristo luta entre nós como o crucificado e não pode mais ser morto. Após a ressurreição ninguém mais é capaz de se ver livre deste “incômodo”. Nós também não podemos ser mortos. Meu morrer é lucro, diz Pulo em Romanos. Por isso temos que pedir sempre por coragem para crer e pedir mais fé.
Jesus Cristo conviveu com os grupos marginalizados e lhes anuncia a vida e a salvação. Estas pessoas são agraciadas por Deus sem limites, e isto é uma agressão e ofensa à piedade religiosa reinante. Jesus Cristo questiona de forma profunda o culto: não quero holocaustos e sim misericórdia. Jesus critica o culto e o Templo.
Jesus Cristo questiona com a sua palavra e sua prática de vida os poderosos governantes (Herodes - Lc 13, 31- 35; Pilatos - Lc 23, 1 - 7; Roma e o Templo - Jo 11, 47-57)
Jesus em nome de Deus perdoa pecados e cura. Deus intermedia o perdão por Jesus. Hoje Deus intermedia o perdão pelo próximo: a confissão particular.
Jesus rejeita a interpretação da Torá pelos doutores da lei e contrasta a própria lei em Mt 5 - 7. Ele faz isto sem se justificar. As pessoas lhe perguntam: Em nome de quem fazes isto? Ele faz e não pede para ninguém. Desde que Jesus optou pelos marginalizados ele afronta a prática religiosa sem fundamentá-la e por isso é crucificado.
Jesus provoca a inevitável sensação que o rei¬no de Deus é reservado para os impróprios e indignos. Quando Jesus prega a si mesmo ele faz uma experiência terrível, em vez de atrair a todos, revolta quase todos. Jesus fica atribulado existencialmente pregando o Deus Abba, paizinho. Prega o amor de Deus e ninguém quer isto. Rejeitando o amor de Deus, este, se torna juiz. Com o grito: Meu Deus por¬que me desamparaste; mostra que ele descobre que fracassou em sua missão. Ele que queria trazer a graça trouxe a desgraça: a cruz, e o povo se afasta do projeto de Deus. A ressurreição é a forma que Deus encontrou para se mostrar novamente como Abba.
Jesus assume os condicionamentos de seu tempo e os assume onde pesam mais, isto é, no meio dos pobres. "Sendo de condição divina, esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de servo, um no meio de muitos" (Fp 2,6-7). "Sendo rico, se fez pobre" (2 Cor 8,9), "filho do carpinteiro" (Mt 13,55).
1. Nascido em Belém da Judéia (Mt 2,1), foi criado em Nazaré da Galiléia (Lc 4,16). Falava o aramaico com sotaque de judeu da Galiléia. Era vis¬to como judeu pela samaritana (Jo 4,9) e como galileu pelos judeus da Judéia (Mt 26,69).
2. A família de Jesus não é sacerdotal. Nasce leigo, pobre, sem a proteção de uma classe. Como todo judeu do interior, Jesus trabalhava como agricultor. Além disso, aprendeu a profissão de seu pai (Mt 13,55) e servia ao povo como carpinteiro (Mc 6,3).
3. Antes de nascer, Jesus já era vítima do sistema. O Imperador de Roma mandou fazer um recen-seamento em vista da cobrança dos impostos (Lc 2,1-3). Por isso, Jesus nasceu fora de casa (Lc 2,4-7). Logo depois de nascido foi perseguido pela tirania do rei Herodes (Mt 2,13).
4. Dos seus trinta e três anos de vida Jesus passou trinta no anonimato, em Nazaré, cidade sem importância (Jo 1,46), onde viveu aprendendo em casa, com a família, e na comunidade, com o povo. Foi a escola de Jesus. Veio salvar a humanidade inteira, e não saiu da Palestina! Veio salvar a história toda, e viveu só trinta e três anos.
"Ele foi provado como nós, em todas as coisas, menos no pecado... Durante a sua vida aqui na terra, apresentou pedidos e súplicas, com veemente clamor e lágrimas, ao Deus que podia salvá-lo da morte. E Deus o escutou, porque ele foi submisso. Embora sendo Filho de Deus, aprendeu a ser obediente através de seus sofrimentos" (Hb 4,15; 5,7-8).
Nesta reflexão da carta aos Hebreus, transparece a convicção dos primeiros cristãos de que Jesus não se sub¬meteu passivamente aos condicionamentos e limitações da vida. Pelo contrário. Ele sentiu a fraqueza, foi provado e testado, mas resistiu. Era no contexto em que ele procurava ler o que o Pai queria (Jo 5,19; 4,34). As limitações que tiram a liberdade de muitos, para Jesus eram a fonte da sua liberdade "Ninguém me tira a vida. Eu a dou livremente!" (Jo 10,18). Foi muito duro para Jesus seguir por este caminho. Teve de aprendê-lo, através de muito sofri¬mento, discernimento e oração. Pois é difícil sentir na carne a fraqueza a que é condenado o povo empobrecido. Ele sofreu a tentação de seguir por outros caminhos (Lc 4,1-13). Mas conseguiu resistir (Mt 16,22-23). Foi obediente ao Pai, continuando ao lado dos pobres até a morte, e morte de cruz (Fp 2,8). Sua vida se resume nesta frase: "Eis- me aqui para fazer a tua vontade!" (Hb 10,7).


3º Dia

Ler o texto abaixo lendo todos os textos bíblicos e entender
1. Por que e como Jesus acolhe os marginalizados e o que ele propõe para nós hoje através dos textos bíblicos?
2. Como deve ser a prática da comunidade cristã segundo a prática de Jesus?
3. Como a comunidade está viabilizando isto?
4. Há conflitos e posturas semelhantes hoje na comunidade cristã?

A Prática de Jesus.
João pregava no deserto. Jesus aderiu à mensagem de João. No momento de comprometer-se com ele, na hora do batismo, ouviu a voz do Pai indicando-lhe a missão do Servo: "Tu és meu Filho ama¬do; em ti encontro o meu agrado" (Mc 1,10; Is 42,1; 49,3). Quando Jesus soube que João tinha sido preso, voltou para a Galiléia (Mt 4,12), as¬sumiu sua missão e começou a percorrer o país com esta mesma mensagem: "Completou-se o tempo, o Reino de Deus chegou. Mudem de vida e acreditem nesta Boa Notícia" (Mc 1,15)
Jesus dizia que independentemente do esforço feito, o Reino estava chegando! "O Reino de Deus já está no meio de vocês!" (Lc 17,21). A sua chega¬da era pura graça, dom de Deus: "Mudem de vida e acreditem nesta Boa Notícia" (Mc 1,15). A pessoa que mudasse de vida por causa dele e da sua prática mudaria também os olhos e se torna¬ria capaz de perceber a chegada do Reino (Mt 11,25; 13,11).
Vamos ver alguns aspectos desta prática de Jesus, em que o Reino se fazia presente e que era motivo de escândalo para muitos (Mt 11, 6). Até hoje!

a) Jesus convive com os marginalizados e os acolhe
Jesus oferece um lugar aos que não têm lugar na convivência humana. Acolhe os que não são acolhidos:
os imorais: prostitutas e pecadores (Mt 21,31-32; Lc 7,37-50; Jo 8,2-11);
os hereges: pagãos e samaritanos (Lc 7,2-10; 17,16; Mc 7,24-30; Jo 4,7-42);
os impuros: leprosos e possessos (Mt 8,2-4; Lc 17,12-14; 11,14-22; Mc 1,25-26 e 41-44);
os marginalizados: mulheres, crianças, doentes de todo tipo (Mc 1,32-34; Mt 8,17; 19,13-15; Lc 8,1-3);
os colaboradores do Império: publicanos e sol¬dados (Lc 18,9-14; 19,1-10);
os pobres: o povo e os pobres sem poder (Mt 5,3; Lc 6,20 e 24; Mt 11,25-26).
Jesus anuncia o Reino para todos! Não exclui ninguém. Anuncia o Reino de Deus por parábolas (Mc 4, 33-34), nas discussões e conflitos com seus opositores (Mc 12,13-17), nas curas (Mc 5, 1-14), nos milagres (Mc 6, 45-52), nos gestos e posturas (Lc 15, 1-2), nas releituras das Escrituras (Mt 5, 17-48), nas denúncias e posturas frente a realidade de dominação (Mt 21, 12-17; Mt 25, 14-46), nos ditos (Mt 23, 13-36), nas conversas (Mc 12, 41-44) e nos sermões (Mt 5-7). Mas o anuncia a partir dos empobrecidos e excluídos. A opção de Jesus é clara, o apelo também: não é possível ser amigo dele e continuar apoiando o sistema que marginaliza e oprime tanta gente. E a quem quer segui-lo ele manda escolher: "Ou Deus, ou o dinheiro! Servir aos dois não dá!" (Mt 6,24) "Vai, vende tudo que tens, dá aos pobres. Depois, vem e segue-me" (Mt 19,21).

b) Jesus acolhe e não discrimina a mulher
A mulher vivia marginalizada pelo simples fato de ser mulher (Mt 15,21-28; 12,1-5). Injustiça maior não podia haver! Jesus toma posição, acolhendo e não discriminando a mulher como a sociedade daquela época fazia. Ele cura a sogra de Pedro (Mc 1,29-31). Uma estrangeira de Tiro e Sidônia consegue mudar a compreensão de Jesus sobre o reino e é atendida por ele (Mc 7,24-30). Ressuscitado, ele aparece para Maria Madalena, enviando-a como apóstola da Boa Nova da Ressurreição (Jo 20,16-18). Jesus retoma o projeto do Pai, em que homem e mulher, nas suas diferenças, são iguais em dignidade e valor (Mt 19,4-12). E, ao discípulo que quer segui-lo, ele não permite que mantenha o domínio do homem sobre a mulher (Mt 19,9-12).
Como Jesus vive o Reino de Deus e como isto afeta a realidade de dominação do Templo e do Império Romano e a que compromissos isto nos leva hoje como pessoa e como comunidade cristã. Como isto afeta a nossa relação como igreja com os marginalizados de hoje e com a classe dominante no país.

c) Jesus combate as divisões injustas
Havia divisões, legitimadas pela religião oficial, que marginalizavam muita gente. Jesus, com pa-lavras e gestos bem concretos, denuncia ou ignora estas divisões.
Próximo e não- próximo: faça como o Samaritano: próximo é todo aquele de quem você se aproxima (Lc 10,29-37).
Judeu e estrangeiro: Jesus atende ao pedido do centurião (Lc 7,6-10) e da mulher cananéia (Mt 15,21-28).
Santo e pecador: ele acolhe Zaqueu e rebate as críticas dos fariseus (Mc 2,15-17).
Puro e impuro: Jesus questiona, critica e até ridiculariza a lei da pureza legal (Mt 23,23-24; Mc 7,13-23).
Obras santas e pro¬fanas: esmola (Mt 6,1-4), oração (Mt 6,5-8) e jejum (Mt 6,16-18) são redimensiona-das.
Tempo sagrado e profano: Jesus coloca o sábado a serviço do ser humano (Mc 2,27; Jo 7,23).
Lugar sagrado e profano: Jesus relativiza o Templo: Deus pode ser adorado em qualquer lugar (Jo 4,21-24; 2,19; Mc 13,2; Jo 2,19).
Rico e pobre: denuncia o escândalo do abismo que separa rico e pobre (Lc 16,19-31).
Denunciando as divisões injustas, Jesus convida as pessoas a se definir diante dos novos valores do amor e da justiça. Alguns o aceitam, outros o rejeitam. Ele é sinal de contradição (Lc 2,34). Cria novas divisões (Mt 10,34-37). Aos que querem seguí-lo, ele adverte que se preparem. Irão sofrer a mesma contradição (Mt 10,25).

d) Jesus combate os males que estragam a vida
Através da sua ação e pregação, Jesus combate:
a fome (Mc 6,35-44),
a doença (Mc 1,32-34),
a tristeza (Lc 7,13),
a ignorância (Mc 1,22; 6,2),
o abandono (Mt 9,36),
a solidão (Mt 11,28; Mc 1,40-41),
a letra que mata (Mc 2,23-28; 3,4),
a discriminação (Mc 9,38-40; Jo 4,9-10),
as leis opressoras (Mt 23,13-15; Mc 7,8-13), a injustiça (Mt 5,20; Lc 22,25-26),
a opressão (Mt 25, 14-46; Mc 10, 42-44),
o medo (Mc 6,50; Mt 28,10),
os males da natureza (Mt 8,26),
o sofrimento (Mt 8,17),
o pecado (Mc 2,5),
o demônio (Mc 1,25 e 34; Lc 4,13).
a morte (Mc 5,41-42; Lc 7,11-17),
Jesus veio "para que todos tenham vida, e vida em abundância" (Jo 10,10). Ele luta para recuperar a bênção da vida (Gn 1,27;12,3), perdida por causa do pecado (Gn 3,15-19). A quem quer segui-lo, ele dá o poder de curar as doenças e de expulsar os maus espíritos (Mc 3,15; 6,7). O discípulo deve assumir o mesmo combate pela vida.

e) Jesus desmascara a falsidade dos grandes
Entre os males combatidos por Jesus estão as falsas lideranças. Ele não teve medo de denunciar a hipocrisia dos líderes religiosos da época: sacerdotes escribas e fariseus (Mt 23,1-36; Lc 11,37-52; 12,1; Mc 11,15-18). Condenou a pretensão dos ricos e não acreditava muito na sua conversão (Lc 16,31; 6,24; 12,13-21; Mt 6,24; Mc 10,25). Diante das ameaças dos representantes do poder político, seja dos judeus seja dos romanos, Jesus não se intimidava e mantinha uma atitude de grande liberdade (Lc 13,31-35; 23,9; Jo 19,11; 18,23). O Evangelho denuncia a existência de classes sociais que originam o Estado e sua opressão mas ao mesmo tempo anuncia o seu projeto (Lc 2, 1-20; 3, 1-9; Mt 2, 1-23; Mc 1,1). Jesus percebe a mentalidade opressora dos líderes civis (Lc 22,25) e religiosos (Mt 23,2-4). Aos que querem seguí-lo, ele adverte: "Entre vocês não seja assim!" (Lc 22,26). E pede que rezem ao Pai, para que mande operários em sua messe, isto é, que ajude o povo a ter boas lide¬ranças (Mt 9,38).
(Seguir Jesus: os Evangelhos. Coleção: Tua palavra é vida, nº 5. Publicações CRB/Loyola, 1994)


3º Dia

9. JESUS CRISTO PROPÕE O NOVO. #

Dividir os textos a vários grupos e responder: Como este novo que Jesus propõe pode mudar a minha vida, a vida da igreja e a vida da sociedade brasileira?

Jesus propõe:
O Reino de Deus como convite para todos (Mt 22, 1-14; Lc 14, 15-24; Lc 4, 42-43); a libertação dos oprimidos (Lc 4, 18-19); o reino está no meio de vós (Lc 17, 20-21) revelar o reino aos pequeninos (Lc 10, 21-24; Mt 5, 3-12; 10, 42); somente Jesus Cristo é o caminho da salvação (Jo 14, 6; Mt 10, 37- 39; Mt 6,24); uma nova família, agora todos somos irmãos e irmãs (Mc 3, 31-35); que todos sejam um (Jo 17, 21); buscar e aceitar o perdido (Lc 15, 3-32); amor como critério de vida (Mt 5, 43-48); perdão como prática diária (Lc 17, 3-4); os pobres, excluídos e oprimidos dizem o que se deve fazer (Mt 25, 34-40); lutar por saúde para todos (Mc 1, 29-34; Mt 10, 8); consolar os que choram (Lc 7, 13-14); conviver com os excluídos e reintegrá-los na sociedade (Lc 15, 1-2); acabar com toda religião opressora (Jo 2, 13-22); lei deve estar a serviço da vida (Mc 2,23-28); cada um deve carregar a sua cruz (Mt 10,38-39); a conversão e tornar-se como criança (Mt 18, 1-5); não vos provereis de ouro (Mt 10, 9-10); a humildade (Jo 13, 12-17; Mt 10, 16); a partilha (Mc 6, 30-44; Mt 19, 16-22); a abundância de vida p/ todos (Jo 10, 10); deixar tudo por Cristo (Mt 19, 27-30); a paz (Lc 10, 3-6; Jo 14, 27; Mt 10, 13); a verdade (Jo 8, 31-32); distribuir o acumulado (Lc 19, 2-10); crer em Jesus e no Pai (Jo 3, 39; 5, 24); o arrependimento e fé no Evangelho de Jesus Cristo (Mc 1, 15); pelos seus frutos os conhecereis (Mt 7, 15-23; Mt 5, 13-16); vós não sois assim; aquele que dirige seja como o que serve (Lc 22, 24-27); assumir os riscos do Reino (Mt 16, 24-26); não olhar para trás (Lc 9, 57-62); o anúncio do Evangelho se faz pelo testemunho de vida simples (Mc 6, 7-13); o compromisso missionário de espalhar o Evangelho do Reino de Deus por todo o mundo (Mt 28, 19-20) que ninguém se perca e que todos participem da ressurreição do corpo e da vida eterna (Jo 6, 39-40; Jo 17, 1-3);
Com esta prática em favor da vida ele atrai os pobres e marginalizados. É todo um movimento popular que se forma ao redor da sua pessoa e mensagem (Mc 1,33 e 45). Muitos começam a "seguir Jesus". Quais as pessoas que não concordavam com Jesus Cristo e o perseguiram? Foram as pessoas que representavam e defendiam o pensamento das instituições oficiais da época: Templo e Império Roma¬no. Eram os fariseus, os saduceus, os escribas, os sacerdotes, os herodianos, os componentes do Siné¬drio. Quem defende e está comprometido com as instituições oficiais opressoras sempre entra em choque com o Evangelho de Jesus Cristo, também hoje.

Olhando a Palavra de Deus
Jo 1,14: “E o Verbo se fez carne, e armou ten¬da entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai”. Marta diz em Jo 11, 27: “Sim, Senhor, respondeu ela, eu tenho crido que tu és o Cristo, o Filho de Deus que de¬via vir ao mundo”. I Tm 2,5 diz: “Porquanto há um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem”. I Co 15, 3-4 diz: “Cristo morreu pelos nos¬sos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepulta¬do, e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras”. Jo 11,47-57 Jesus ameaça o sistema: Templo/Roma.
Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
Martin Luther explica: “Creio que Jesus Cristo, verdadeiro Deus, gerado do Pai desde a eternidade, e também verdadeiro ser humano, nascido da virgem Maria, é meu Senhor. Ele perdoou a mim, pessoa perdida e condenada, e me libertou de todos os peca¬dos, da morte e do poder do diabo. Fez isto não com dinheiro, mas com seu santo e preciosos sangue e sua inocente paixão e morte. Fez isto para que eu lhe pertença, seja obediente a ele em seu reino e lhe sirva em eterna justiça, inocência e felicidade, assim como ele ressuscitou da morte, vive e governa eternamente. Isto é certamente verdade” (Catecismo Menor).
“E este homem é verdadeiramente Deus, constituído como uma pessoa de Deus, e homem eterna-mente indivisível, assim que Maria, a virgem santa, é uma mãe verdadeira e genuína não só do homem Cristo, mas também do filho de Deus, como diz Lucas (1,35): “O que há de nascer em ti, será chamado Filho de Deus”, isso é, o Senhor meu e de todo mundo, Jesus Cristo, Filho único, genuíno e natural de Deus e de Maria, verdadeiro Deus e homem.
Creio também que esse Filho de Deus e de Ma¬ria, nosso Senhor Jesus Cristo, sofreu por nós miseráveis peca¬dores, foi crucificado, morto e sepultado, com o que ele nos resgatou do pecado, da morte e da ira eterna de Deus por seu sangue inocente; e que ressuscitou da morte ao terceiro dia, subiu ao céu e está sentado à mão direita de Deus, o Pai Todo-Poderoso, Senhor sobre todos os senhores, Rei sobre to¬dos os reis e sobre todas as criaturas no céu, na terra e debaixo da terra, sobre vida e morte, pecado e justiça.
Pois eu confesso e posso prová-lo pela Escritura que todas as pessoas provêm de um homem, Adão; e deste mesmo, através do seu nascimento, trazem consigo e herdam a queda, a culpa e o pecado que o mesmo Adão come¬teu no paraíso pela maldade do diabo; e assim todos com ele nascem, vivem e morrem em pecado, e seriam necessariamente culpa¬dos de morte eterna se Jesus Cristo não tivesse vindo ajudar-nos e não tivesse tomado sobre si, como um cordeiro inocente, essa culpa e esse pecado; não os tivesse pago por nós através do seu sofrimento e não continuasse diariamente a se empenhar e a interceder por nós como fiel e misericordioso mediador, salva¬dor e o único sacerdote e bispo de nossas almas.
Com isso rejeito e condeno como puro engano todas as doutrinas que exaltam o nosso livre arbítrio, já que se opõem diretamente a essa ajuda e graça do nosso Salvador Jesus Cristo. Fora de Cristo a morte e o pecado são nossos senhores, e o diabo é nosso deus e príncipe, e não há força ou habilidade, inteligência ou razão com que pudéssemos preparar-nos para a justiça e a vida ou procurá-las. Ao contrário, fora de Cristo permanecemos vítimas e prisioneiros do diabo e dependentes do pecado para fazer e pensar aquilo que lhes agrada e que é contrário a Deus e aos seus mandamentos.
Por isso também condeno tanto os novos como os antigos pelagianos, que não querem admitir que o pecado original seja pecado, mas o tornam uma deformidade ou defeito. Uma vez, porém, que a morte passou a todas as pessoas, o pecado original não pode ser apenas uma deformidade, mas é um pecado imenso, como diz Paulo: “O salário do pecado é a morte”(I Co 15,36). No mesmo sentido fala também Davi: “Eis que fui concebido em pecado, e minha mãe me carregou com pecado”, mas sim: “Eu, eu, eu é que fui concebido em pecado, e minha mão me carregou em pecado”, isto é, foi de semente pecaminosa que evoluí no ventre materno, como o dá a entender o texto hebraico. (...)
Porque “Não existe nenhum outro nome dado pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4,12), se-não este, que é Jesus Cristo. E é impossível que haja outros salvadores, caminhos ou maneiras para ser salvos, senão pela justiça exclusiva que é nosso Salvador Jesus Cristo e a qual ele nos deu e ofereceu a Deus por nós como nosso único trono da graça, (Rm 3,25). (Martin Luther. Confissão sobre a Santa Ceia de Cristo).

10. A Justificação por Graça e Fé #

Ler o texto em grupos (não esquecer de ler os textos bíblicos indicados) e fazer uma explanação do assunto na plenária

Olhando a Prática da Vida
Uma senhora disse: “Eu vou ao estudo bíblico porque preciso trabalhar para a minha salvação”. O que isto quer dizer? Que Jesus Cristo salva ou que eu posso me salvar a mim mesmo?
Olhando o Assunto
Ouvimos no evangelho de que "Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3.16). Salienta-se a "justificação" do pecador pela graça de Deus na fé (Rm 3.23-25), que foi destacada de maneira especial no tempo da Re-forma.
Paulo descreve o evangelho como poder de Deus para a salvação do ser humano caído sob o poder do pecado: como mensagem que proclama a "justiça de Deus de fé em fé" (Rm 1.16s.) e que presenteia a "justificação" (Rm 3.21-31). Ele anuncia Cristo como "nossa justiça" (I Co 1.30) ao aplicar ao Senhor ressurreto o que Jeremias disse acerca do próprio Deus (Jr 23.6). Na morte e na ressurreição de Cristo estão enraizadas todas as dimensões de sua obra redentora, porque "nosso Senhor foi entregue por causa de nossas transgressões e ressuscitou por causa de nossa justificação" (Rm 4.25). Todos os seres humanos necessitam da justiça de Deus, "pois to¬dos pecaram e carecem da glória de Deus" (Rm 3.23). Nas cartas paulinas a justiça de Deus é simultaneamente o poder de Deus para cada crente (Rm 1. l6s.). Em Cristo ele faz com que ela seja nossa justiça (2 Co 5.21). Recebemos a justificação por Cristo Jesus, "a quem Deus propôs, em seu sangue, como propiciação [eficaz] mediante a fé" (Rm 3.25). "Por¬que pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras" (Ef 2.8s.).
Justificação é perdão dos pecados (Rm 3.23-25), libertação do poder dominante do pecado e da morte (Rm 5.12-21) e da maldição da lei (Gl 3.10-14). Ela significa acolhida na comunhão com Deus, já agora, mas de forma plena no reino vindouro de Deus (Rm 5.1s). Une com Cristo e sua morte e ressurreição (Rm 6.5). Acontece no recebimento do Espírito Santo no batismo como incorporação no corpo uno (Rm 8. 1s.,9s.; I Co 12.12s.). Tudo isso provém somente de Deus, por amor de Cristo, por graça, pela fé no "evangelho de Deus com respeito a seu Filho" (Rm 1. 1-3).
As pessoas justificadas vivem a partir da fé que provém da palavra de Cristo e que atua no amor, o qual é fruto do Espírito (Gl 5.22s.). Mas, visto que poderes e ambições atribulam as pessoas crentes por fora e por dentro (Rm 8.35-39; Gl 5.16-21) e elas caem em pecado (I Jo 1.8,10), precisam repetida¬mente ouvir as promissões de Deus, confessar seus pecados (I Jo 1.9), participar do corpo e do sangue de Cristo e ser exortadas a viver uma vida justa em conformidade com a vontade de Deus. Permanece, porém, a boa nova: "Já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus" (Rm 8. 1) e nos quais Cristo vive (Gl 2.20). Por intermédio da obra justa de Cristo haverá justificação que dá vida para todos os seres humanos (Rm 5.18).
A fé é fundamental para a justificação, pois sem fé não pode haver justificação. Como ouvinte da pa¬lavra e crente o ser humano é justificado por meio do batismo. A justificação do pecador é perdão dos pecados e ato que torna justo através da graça justificadora, que nos torna filhos e filhas de Deus. Na justificação as pessoas justificadas recebem de Cristo fé, esperança e amor e são, assim, acolhidas na comunhão com ele. Essa renovação em fé, esperança e amor sempre depende da graça inescrutável de Deus e não representa qualquer contribuição para a justificação da qual pudéssemos orgulhar-nos diante de Deus (Rm 3.27).

1.Justificação por graça e por fé
Confessamos que o pecador é justificado pela fé na ação salvífica de Deus em Cristo; essa salvação lhe é presenteada pelo Espírito Santo no batismo como fundamento de toda a sua vida cristã. Na fé justificadora, o ser humano confia na promessa graciosa de Deus; nessa fé estão compreendidas a esperança em Deus e o amor a ele. Essa fé atua pelo amor; por isso o cristão não pode e não deve ficar sem obras.
Segundo a compreensão luterana, Deus justifica o pecador somente na fé. Na fé o ser humano confia inteira¬mente em seu Criador e Redentor e está, assim, em comunhão com ele. Deus mesmo é quem opera a fé ao produzir tal confiança por sua pa¬lavra criadora. Porque essa ação divina constitui uma nova criação, ela afeta todas as dimensões da pessoa e conduz a uma vida em esperança e amor. Assim, na doutrina da "justificação somente pela fé", a re¬novação da conduta de vida que necessariamente se segue à justificação e sem a qual não pode haver fé é distinguida da justificação, mas não é separada dela. Do amor de Deus, que é presenteado ao ser humano na justificação, provém a renovação da vida. A justificação e a renovação estão ligadas pelo Cris¬to presente na fé.

2.Justificação como perdão de pecados e ato de tornar justo
Confessamos que Deus, por graça, perdoa ao ser humano o pecado, e o liberta ao mesmo tempo do poder escravizador do pecado em sua vida e lhe presenteia a nova vida em Cristo. Quando o ser humano tem parte em Cristo na fé, Deus não lhe imputa seu pecado e, pelo Espírito Santo, opera nele um amor ativo. Ambos os aspectos da ação graciosa de Deus não devem ser separados. Eles estão correlacionados de tal maneira, que o ser humano, na fé, é unido com Cristo, que em sua pessoa é nossa justiça (I Co 1.30): tanto o perdão dos pecados quanto a presença santificadora de Deus. (Declaração Conjunta Católica Romana – Evangélica Luterana sobre a Doutrina da Justificação por Graça e Fé)

Olhando a Palavra de Deus
Em Efésios 2, 8-9 diz: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie”.
Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
Porque somos salvos por graça e fé nós não precisamos ter medo de anunciar o Reino de Deus em todas as dimensões da vida. Podemos enfrentar todo sistema opressor que diminui a vida e escraviza as pessoas. O medo de enfrentarmos o sistema montado neste mundo provém da incerteza da nossa salvação. Se estamos salvos fomos também libertos da influência e poder deste mundo. A fé nos torna livres. Se já estamos salvos por graça e fé não precisa¬mos nos subjugar a ninguém e a nenhum sistema deste mundo, pois estes não salvam. Somente Jesus Cristo salva. Ninguém pode nos tirar esta salvação. Por causa da salvação atuamos em favor da vida de todas as pessoas e lutamos contra todas as opressões. A ação profética do cristão provém da salvação por graça e fé. Se Deus é por nós quem será contra nós? (Rm 8, 31).
Se somos salvos por graça e fé então não precisamos entrar nas propostas do sistema neoliberal que propaga a competitividade, a competência, a eficácia, a qualidade total, a eficiência e a exclusão daqueles que não se enquadram nestas qualidades. Por isto as palavras de Paulo sobre a salvação por graça e fé são tão atuais neste fim e início de século. Quem salva é a fé em Jesus Cristo e não a competição e a competência do mercado. Todos carecem da graça de Deus: competentes e não tão competentes. O Evangelho de Jesus Cristo determina a nossa vida e não a idolatria e a ideologia do mercado com suas propostas de exclusão dos não competentes, não competitivos e menos capazes. Não somos salvos pela nossa competência e competitividade, e sim, por graça e fé. O que determina a nossa vida é o Evangelho de Jesus Cristo que propõe a inclusão dos não competitivos e não competentes. A proposta de Jesus Cristo é a solidariedade, o amor e a comunhão com todos; sejam competentes ou não. Além do mais não é a dinâmica do mercado que salva e nem salva o fato de conseguirmos ficar no mercado; o que salva é a fé pela graça de Deus de forma imerecida. Diante de Deus todos nós pecadores somos incompetentes e incapazes de conseguir a nos¬sa própria salvação, por isso Deus no-la dá de graça pela fé em Jesus Cristo e não pela fé no mercado. O mercado não salva, apenas exclui, quem salva e inclui na comunhão é Jesus Cristo.
Martin Luther diz: “Que o ser humano é justificado entendemos assim que ele ainda não é justo, mas se encontra precisamente no movimento, na caminhada em direção à justiça. (...) Portanto, nossa justificação ainda não está completada. Ela ainda está em obra (como obra de Deus) e devir. Ainda é uma construção. Mas ela será final¬mente concluída na ressurreição dos mortos”.
“Justo não é quem pratica muitas obras, mas quem, sem obras, muito crê em Cristo.
Pois a justiça de Deus não é adquirida através de atos freqüentemente repetidos, como ensinou Aristóteles, mas é infundida pela fé. Pois o justo vive a partir da fé (Rm 1,17). ‘Com o coração se crê para a justiça’. (Rm 10,10) Daí quero que aquela expressão “sem obras” seja entendida não no sentido de que o justo nada opere, mas no sentido de que as suas obras não fazem a sua justiça; antes, é a sua justiça que faz as obras. Pois é sem a nossa obra que a graça e a fé são infundidas, ao que, de imediato, se seguem as obras. Assim diz Rm 3,20: ‘Julgamos, pois, que o ser humano é justificado pela fé, sem as obras da lei’; isto é, as obras nada fazem em prol da justificação. Sabendo, então, que as obras feitas a partir de tal fé não são suas, mas de Deus, ele não procura justificar-se nem gloriar-se por meio delas, mas procura a Deus. É-lhe suficiente a justiça proveniente da fé em Cristo, isto é, que Cristo seja a sua sabedoria, justiça, etc., como é dito em I Co 1,30, sendo ele mesmo, porém, obra ou instrumento de Cristo”. (Tese 25 da Demonstração das Teses Debatidas no Capítulo de Heidelberg)

11. Somente a Escritura – 1 #

Ler o texto em grupos e compreender como surgiu a Bíblia

Olhando a Prática da Vida
Volta e meia se ouve dizer que o importante é o Novo Testamento. O Antigo Testamento não é importante, pois foi superado pelo Novo Testamento. Isto é verdade?
Olhando o Assunto
“A palavra habilita a distinguir entre Deus e o ser humano e resguardar esta diferença. Querer mais do que a palavra acabaria em menos. Pois o que Deus dá ao ser humano para a salvação, por natureza e de forma eficiente só pode ser comunicado pela pa¬lavra:
(Luther diz:) ‘Só é preciso uma única coisa para a vida, a justiça e a liberdade cristã. É a sagrada palavra de Deus, o evangelho de Cristo. (...) importa que tenhamos como certeza inabalável: a alma pode dispensar tudo, menos a palavra de Deus, sem a qual nada lhe aproveita. Quem tem a palavra, no entanto, é rico e não carece de nada, pois é palavra da vida, da verdade, da luz, da paz, da justiça, da salvação, da alegria, da liberdade, da sabedoria, da força, da graça, da glória e de tudo que é bom de forma imensurável. (...) Como, porém, essas promissões de Deus são palavras santas, verdadeiras, justas, livres, pacíficas e repletas da mais pura bondade, acontece que a alma, apegada a elas em firme fé, é tão unida a elas e até absorvida por elas, que não só participa delas, mas fica saciada e ébria de suas forças. (...) tal como é a palavra, assim fica a alma’. (O pensamento de Lutero. Gerhard Ebeling)
Esta palavra nos é revelada pela Bíblia. A Bíblia nos revela Jesus Cristo. Como surgiu a Bíblia?
O cânone do Antigo Testamento foi fixado, definitivamente pelo povo judeu, por volta de 110 d.C. no Sínodo de Jâmnia para se diferenciar dos cristãos.
Como e quando surgiu o Antigo Testa¬mento?
Ele surgiu basicamente no período do Exílio Babilônico (597 a.C. a 538 a.C.). Como isto aconteceu? O desastre do Exílio levou consigo todos os pontos de referência que davam ao povo sua identidade: Terra, Rei, Templo, Culto, Lei, Tradição. O povo estava perdido, longe de sua casa, no meio de um povo pagão, de volta à terra de onde Abraão tinha sido chamado 1.300 anos antes... Fracasso total! O povo voltou à condição de escravo. Em meio a tudo isso, com a cabeça transtornada pela ideologia dominante, o povo se perguntava: onde está Deus? O que ele quer de nós? Por que tudo isto está acontecendo conosco? Onde erramos? Era uma crise sem precedentes!
Tudo isso fez com que o povo, no tempo do cativeiro, fizesse uma grande revisão de sua história. Os frutos desta revisão são os vários escritos, mais tarde reunidos num único livro, o Antigo Testamento. Neste livro o povo buscava transmitir às gerações futuras sua experiência histórica e a consciência nova surgida a partir do Exílio. Lembravam as histórias passadas, a infidelidade do povo e a eterna fidelidade de Deus à Aliança. Este livro é o Antigo Testamento. Preocupados em não perder nada, em não esquecer nada, escreveram pensando no futuro. Não queriam que seus filhos caíssem nos mesmos erros. Partindo da realidade do presente, escreveram um texto que iluminasse a caminhada das comunidades do futuro!
A Bíblia não nasceu pronta. Para enfrentar a cultura, a ideologia e a religião dos opressores, o povo exilado valeu-se de símbolos e tradições próprias. Em pequenas comunidades, eles passaram a se reunir aos sábados, a celebrar a presença de Deus (Sl 137) e a rever a história. A reunião do povo em pequenas comunidades foi passo importante para a descoberta do rosto de Deus no meio de todo o desastre. Nas celebrações, juntando memória e resistência, foram elaborando os seguintes escritos:
1. Lei: numa revisão da história do povo desde a Criação até a morte de Moisés, o grupo sacerdotal deu importante passo na elaboração da Lei, e que mais tarde originou o Pentateuco (Gn, Ex, Lv, Nm, Dt).
2. História: os teólogos chamados de deuteronomistas fazem a revisão da história do povo, desde a conquista da terra até o Exílio. É a chamada Obra Histórica Deuteronomista (Js, Jz, I e II Sm, I e II Rs, I e II Cr), chamada também de Profetas Anteriores pois quer mostrar pela evolução histórica como o povo se desviou de Deus e por isso foi parar no Exílio (II Rs 17,13). São livros que tem uma visão profética da história: denunciam a classe do Estado como a grande culpada da quebra da Aliança que Deus fez com o povo.
3. Salmos: das celebrações e cultos resultam muitos hinos e orações: Salmos 74, 79, 80, 85, 106,107, 137 etc.
4. Profecia: importante nesta revisão histórica foi a releitura da mensagem dos profetas que viveram antes do Exílio. Os escritos elaborados nesta releitura foram postos junto com a Lei, a História e os Salmos.
Quando o povo retornou da Babilônia, trazia consigo o maior e mais importante fruto do cativeiro: o Antigo Testamento quase pronto.

Como surgiu o Novo Testamento?
A partir do Antigo Testamento, os primeiros cristãos chegaram a compreender o significado mais profundo de paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Na maneira como liam sua Bíblia, o Antigo Testamento, os primeiros cristãos também fizeram uma confissão bem clara: O Antigo Testamento era fundamental para eles. Lá encontravam a Jesus. Sempre que deixamos de ler o Antigo Testamento, estamos deixando de ler a Bíblia dos primeiros cristãos e estamos deixando de entender o que eles entendiam.
Ao lado das palavras de Jesus, as palavras dos apóstolos passaram a ter grande peso e importância. Eles haviam convivido com Jesus e, mais, haviam sido testemunhas oculares da ressurreição. Assim, surgiu, com o tempo, ao lado do Antigo Testamento uma espécie de segundo cânone. Assim como outro¬ra se dizia, como o faz Mateus em seu Evangelho: "Para que se cumprisse", ou: "Como está escrito" (no Antigo Testamento), agora passou-se a usar a mesma fórmula em relação a palavras de Jesus: Está escrito... no Evangelho, na carta do apóstolo. Na Segunda Epístola de Clemente, podemos ler em 2,4s: "E também um outro escrito diz: Não vim para chamar jus¬tos, mas pecadores. Isso significa que se deve salvar os que estão se perdendo." Na carta de Inácio de An¬tioquia aos Filadélfios 8,2, lê-se o seguinte: "Exorto-vos a nada praticar em espírito de dissensão, mas sim em conformidade com os ensinamentos de Cristo. E que ouvi alguns dizerem: 'Se não o encontro nos documentos antigos, não dou fé ao Evangelho'. Dizendo eu a eles 'Está escrito', responderam-me: 'E o que se deve provar!' Para mim, documentos antigos são Jesus Cristo, para mim documentos invioláveis constituem a sua cruz, sua morte, sua ressurreição, como também a fé que nos vem dele! Nisso é que desejo, por vossa oração, ser justificado."
Finalmente, é bom lembrar que o apóstolo Paulo, ao escrever suas cartas, instruiu as comunidades a que lessem estas cartas nos cultos (I Ts 5,27; Cl 4,16). Lidas nos cultos, essas cartas passaram a fazer parte da base doutrinal da comunidade. À medida em que a comunidade foi lendo sempre de novo as cartas paulinas em seus cultos, ela foi cri¬ando uma seqüência litúrgica para seus cultos. Formação de Novo Testamento, leitura de Bíblia e liturgia estão mui¬to próximos.
Quando foi que ocorreu a coleta dos diversos livros que hoje formam o Novo Testamento? Não é possível precisar este acontecimento com exatidão. O próprio Novo Testamento, no entanto, já nos dá algumas pistas. A Segunda Carta de Pedro, cujo autor é desconhecido e que deve ter sido escrita entre 120 e 150, escreve em seu final: "Por esta razão, pois, amados, esperando estas coisas, empenhai-vos por ser achados por ele em paz, sem mácula e irrepreensíveis, e tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor, como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, ao falar acerca destes assuntos, como de fato costuma fazer em todas as suas epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras, para a própria destruição deles" (2 Pe 3,14-16). Destas palavras podemos deduzir que entrementes existe na comunidade um corpo de escritos paulinos, usado lado a lado com as "demais Escrituras". Não podemos dizer com certeza quais seriam essas escrituras. Provavelmente trata-se do Antigo Testamento e, talvez, de outros escritos como os Evangelhos, e livros que não vieram a fazer parte do Novo Testamento. A palavra "Novo Testamento", para designar o que nós hoje denominamos de Novo Testamento vamos ler pela primeira vez em um escrito de Ireneu de Lyon, falecido em 202. - Num outro aspecto o texto de 2 Pe 3,14-16 é muito interessante: Na comunidade há muita discussão em torno da leitura e da interpretação das cartas do apóstolo Paulo. Há, portanto muita vida.
Quem acelerou a formação do cânone do Novo Testamento foi um homem chamado Marcião que fez uma seleção de escritos com os quais a igreja cristã não concordou. Isto a forçou a definir o que são e o que não são escritos sagrados.
Ao proclamar Antigo e Novo Testamentos como normativos para seu ensinamento e doutrina e ao declarar que o Deus do Antigo Testamento, o cria¬dor, é o Pai de Jesus Cristo, a Igreja cristã, a comunidade cristã, fez uma colocação básica: todas as declarações posteriores tem que partir desta base: a normatividade da Escritura, isto é: tudo o que a Igreja disser tem o cânone como norma. E mais: tudo o mais que a Igreja afirmar não pode estar acima do cânone, mas está a ele subordinado.

Olhando a Palavra de Deus
II Tm 4, 2 diz: “prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina”. E em II Tm 3, 16 diz: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça”.

Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
A IECLB tem como fundamento o Evangelho de Jesus Cristo, pelo qual, na forma das Sagradas Escrituras do Antigo e do Novo Testamento, confessa sua fé no Senhor da una, santa, universal e apostólica Igreja. Os credos da Igreja Antiga, a Confissão de Augsburgo inalterada e o Catecismo Menor de Martim Lutero constituem expressão da fé confessada pela IECLB. A natureza ecumênica da IECLB se ex¬pressa pelo vínculo de fé com as igrejas no mundo que confessam Jesus Cristo como único Senhor e Salvador. (Constituição da IECLB, Art. 5º)
Somente a Escritura Sagrada contém a verdadeira Palavra e vontade de Deus. Nós usamos a Bíblia para avaliarmos se tudo o que está sendo dito ou feito combina com o que ela diz, como sugere o texto de Atos 17, 11.
Martin Luther diz: “Pois foi a palavra que criou céus e terra e todas as coisas; ela tem que fazê-lo e não nós pobres pecadores. Em suma: quero pregá-lo, dizê-lo e escrevê-lo. Mas obrigar, coagir à força, não quero ninguém, porque a fé deve ser assumida voluntariamente, sem constrangimento. Tomem-me como exemplo: arrostei a indulgência e todos os pa¬pistas, mas sem violência. Apenas preguei e escrevi, promovi a palavra de Deus; nada mais fiz. Esta, enquanto eu dormia ou tomava cerveja em Wittenberg com Filipe e Amsdorf, fez tanto que o papado ficou debilitado como nenhum príncipe ou imperador o enfraquecera até então. Eu não fiz nada; foi a palavra que fez e conseguiu tudo. Se eu tivesse querido usar a violência, teria levado a Alemanha a um grande banho de sangue, teria manobrado em Worms de maneira que o próprio imperador não teria estado seguro ali. Mas fiz nada, deixei que a palavra agisse. (...) Esta é toda- poderosa e cativa os corações; quando estes estão cativos, a ação se segue automaticamente”.
Martin Luther diz: Semelhante proclamação e notícia consoladora, ou novidade evangélica e divina, também é chamada de "novo testamento". E isso pela seguinte razão: Um homem que está por morrer estabelece como sua propriedade será distribuída entre os herdeiros por ele designados, após a sua morte. A isso se chama testamento. Assim também Cristo ordenou e estabeleceu que semelhante evangelho fosse proclamado após sua morte em todo o mundo, assim entregando a todos que crêem todo o seu bem, isto é: sua vida , com a qual tragou a morte; sua justiça, com a qual extermina o pecado; sua beatitude, com a qual superou a condenação eterna. A pobre pessoa humana, enredada em pecados, morte e a caminho do inferno, nada pode ouvir de mais consolador que essa preciosa, querida mensagem de Cristo; seu coração tem que rir do mais profundo íntimo e se alegrar, ao crer que isso seja verdade.
Para fortalecer essa fé, Deus prometeu, por diversas vezes, este seu evangelho e testamento no Antigo Testamento através dos profetas, como Paulo o diz em Romanos 1.11s: “Fui separado para o evangelho de Deus, o qual foi por Deus outrora prometido por intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escrituras, com respeito a seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi”, etc. , para mencionarmos várias passagens, ele o prometeu primeiro ao dizer à serpente em Gênesis 3.15: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”. Cristo é a descendência dessa mulher que esmagou a cabeça do diabo, isto é, o pecado, a morte, o inferno e toda a sua força. Porque, sem essa descendência, pessoa alguma pode escapar do pecado, da morte, do inferno.
Da mesma forma ele o prometeu em Gênesis 22.18 a Abraão: "Em tua descendência serão benditas todas as nações da terra.- Cristo é a descendência de Abraão, diz Paulo em Gálatas 3.16. Ele abençoou a toda a terra através do evangelho. Pois onde Cristo não está, ali ainda existe a maldição que caiu sobre Adão e seus filhos devido a seu pecado, de forma a serem forçosamente culpados e pertencentes ao pecado, à morte e ao inferno. Opondo-se à maldição, o evangelho agora abençoa todo o mundo através de seu chamado público: Quem crê nessa descendência de Abraão, será abençoado, estará livre de pecado, morte e inferno, e está justificado, vivo e salvo eternamente, como o diz o próprio Cristo em João 11.26: “Quem crê em mim, jamais morrerá”.
Da mesma forma ele o prometeu a Davi em 2 Samuel 7.12ss, ao dizer: "Hei de despertar tua descendência após ti, ela me edificará uma casa, e eu firmarei seu reino eternamente. Quero ser seu pai, e ele será meu filho-, etc. Esse é o reino de Cristo, do que fala o evangelho: um reino eterno, da vida, da bem-aventurança e justiça, para dentro do qual virão da cadeia do pecado e da morte todos os que crêem. Semelhantes promessas do evangelho ainda há outras, como por exemplo Miquéias 5.2: “E tu Belém, és pequena entre as cidades de Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel”, e ainda Oséias 13.14: “Eu os resgatarei das mãos da morte, da morte os salvarei”.
Assim vemos agora que não há mais do que um evangelho, bem como apenas um Cristo. Isso porque "evangelho" não é nem pode ser outra coisa senão uma pregação de Cristo, filho de Deus e de Davi, verdadeiro Deus e homem, que por nós, com sua morte e ressurreição, superou o pecado, a morte e o inferno de todos os que nele crêem. De sorte que o evangelho pode constar de uma fala curta ou longa, podendo um dizê-lo em palavras breves e outro, de forma longa. Em pormenores o descreve aquele que descreve muitas obras e palavras de Cristo, como o fazem os quatro evangelistas. De forma breve, porém, o descreve aquele que não fala das obras de Cristo, mas indica com poucas palavras como ele, através do morrer e ressurgir, superou pecado, morte e inferno para aqueles que nele crêem. Assim o fazem Pedro e Paulo.
Por isso cuide que não faça de Cristo um Moisés, nem do evangelho uma lei ou um livro de doutrina, como aconteceu até agora e como dão a entender diversos prefácios da versão Vulgata, de São Jerônimo. Pois o evangelho, no fundo, não exige nossa obra, com a qual nos pudéssemos formar retos e salvos. Antes ele condena semelhantes obras e exige apenas fé em Cristo, que venceu para nós o pecado, a morte e o inferno, tornando-nos retos, vivificados e bem-aventurados. E não por nossas obras, mas por suas próprias obras: morte e sofrimento, para que aceitemos sua morte e vitória como se nós mesmos o tivéssemos realizado.
(Prefácio ao NT, in: Pelo Evangelho de Cristo, p. 174-175. Editora Sinodal, 1984)

12. Somente a Escritura – 2 #

Ler o texto em grupos e discutir a questão da leitura da Bíblia e trazer descobertas e dúvidas.
Você lê a Bíblia do mesmo jeito de um fazendeiro ou dono de um banco? Por que?

Olhando a Prática da Vida
O ex-ministro da Agricultura e latifundiário, que tempos atrás era dono de 30 mil búfalos e era simpatizante da UDR, Antônio Cabrera é conhecido como um grande colecionador de traduções antigas da Bíblia. Como ele lê e interpreta a Bíblia e como os sem terra do MST lêem e interpretam a Bíblia? Como nós lemos e interpretamos a Bíblia?
Um agricultor do nordeste disse: “Muitos têm a Bíblia como um sol. Olham para dentro dele e acabam não enxergam nada porque ficam ofuscados. A função do sol não é para se olhar dentro dele, mas a sua função é iluminar o mundo ao nosso redor. As¬sim também a Bíblia; não é para olhar somente dentro dela e ficar ofuscado, mas a sua função é iluminar a realidade à nossa volta a partir da Palavra de Deus”.
Olhando o Assunto
Estamos redescobrindo a Bíblia como instrumento fundamental para nos capacitarmos para a Missão. Hoje em dia vive-se muito mais “religião” que fé cristã, mais prática religiosa que compromisso com a vontade de Deus. A nossa “sociedade cristã”, com toda a sua injustiça social e crueldade e indiferença para com os empobrecidos (Am 6,6), é um sinal claro de que aquilo que se chama de “Cristianismo”, na verdade, é mera religiosidade desvinculada de Jesus Cristo e não atitude engajada de fé cristã.
Hoje exige-se de quem crê uma tomada de posição realmente pessoal, pela conversão e pela capa-citação para viver e testemunhar a fé (I Ts 1,4-10; Rm 12,1-2), de modo que se chegue à experiência de sentir-se “nova criatura” (II Co 5, 17) através de novas relações, comunitárias e sociais, e de novos valores que impulsionem a novos engaja¬mentos pela transformação do mundo de acordo com os sonhos de Deus. A estes desafios a leitura bíblica é chama¬da a responder.
Quando falamos em leitura popular pensamos isto do jeito que Martin Luther o fez. Pensamos a leitura bíblica a partir da opção de solidariedade com o povo, experiência do amor de Deus. Lê-se a Bíblia a partir das necessidades e das grandes questões que marcam a vida dos empobrecidos e oprimidos. Também é ler a Bíblia junto com as comunidades e pessoas empobrecidas. Assim a leitura é comunitária. Não exercida de maneira individualista e isola¬da.
Não queremos aprender a Bíblia, como conjunto de doutrinas ou idéias religiosas, mas quere¬mos aprender da Bíblia o jeito de ser e de agir de Deus. A leitura da Bíblia deve se tornar instrumento de transformação pela Palavra de Deus. Deve ser uma leitura obediente; respeitando o texto, pois deve-se colocar à escuta daquilo que Deus tem a dizer e disposição para mudar se Ele o exigir.
A preocupação principal já não é descobrir apenas o sentido que a Bíblia tinha no passado, mas sim o sentido que o Espírito Santo comunica hoje à sua Igreja por meio do texto bíblico. É a leitura de fé que procura, com a ajuda da Bíblia, descobrir a ação da Palavra de Deus na vida. É ligar a Bíblia com a vida, ligar fé e vida. A leitura da Bíblia deve ser em defesa da vida. A leitura é comprometida com os empobrecidos, quando feita em comunidade, aos poucos se começa a assumir uma dimensão política, pois tem a ver com a conversão não só pessoal, mas também comunitária e social.
A chave principal da Bíblia é Jesus Cristo, morto e ressuscitado, vivo no meio da comunidade. A leitura da Bíblia tem como objetivo: ajudar o povo a descobrir a grandeza do poder com que Deus acompanha e liberta o seu povo através de Jesus Cristo.
Assim a leitura da Bíblia é militante (feita dentro e a partir dos conflitos que o povo vive); é histórica (Dt 6, 20-23 e I Co 15, 3-4 relatam a ação histórica de Deus junto com o seu povo, Deus está real-mente presente no meio de nós); é transformadora (muda a pessoa e a sociedade como um todo); é crente (é uma leitura a partir da fé em Jesus Cristo); é científica (requer atenção ao máximo ao texto em seu contexto. Os métodos científicos de interpretação devem ser postos honestamente a serviço das comunidades, para que a leitura não se desvie por caminhos do subjetivismo e da ideologia); é crítica (ao lermos a Bíblia, temos que ter clareza de nossas posturas subjetivas. Ninguém está livre das influências de seu próprio lugar social, de seus interesses, de sua ideologia); é comunitária (os livros bíblicos foram entregues ao povo de Deus e não a cada crente isoladamente); é celebrativa (o louvor à Deus faz parte da leitura); é ecumênica (A Escritura é patrimônio da Igreja Universal enquanto fonte do universal consenso da fé. O processo eclesial de leitura é, necessariamente, processo de diálogo, de confronto e até de conflito entre as diversas comunidades ou Igrejas).
Quais as ciências que ajudam na leitura da Bíblia? Ajudam e são necessárias a literatura, a língua, a sociologia, a antropologia, a história, a arqueologia e a psicologia para uma compreensão melhor das Escrituras Sagradas.

Olhando a Palavra de Deus
A Bíblia ilumina a vida e a vida possibilita à Bíblia abrir-se ainda mais. Ninguém se aproxima de Jesus se não for ensinado interiormente por Deus (Jo 6,44-45). Acima de tudo queremos saber da Bíblia qual é a Boa Nova de Deus na realidade de hoje. At 17,11 nos traz a proposta da leitura constante: “exa-minando as Escrituras todos os dias para ver se as cousas eram de fato assim”. Mt 22, 29 diz: “Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus”. O profeta Miquéias (6,8) diz o que Deus pede de cada um de nós: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça e ames a misericórdia e andes humildemente com o teu Deus?” O próprio Jesus em Lc 24, 13 -35 mostra como se deve ler a Bíblia: ouvir a realidade e após iluminar esta realidade a partir das Escrituras; isto mudará a postura e a prática das pessoas.

Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
Martin Luther diz: “Nas Escrituras Sagradas, o melhor é distinguir o Espírito da letra; pois é isso que torna alguém verdadeiramente teólogo. E a Igreja tem isso unicamente do Espírito Santo e não de idéia humana”.
“não há mais do que um evangelho, bem como apenas um Cristo. (...) Por isso cuide que não faça de Cristo um Moisés, nem do evangelho uma lei ou um livro de doutrina”. (...) “Portanto também enxerga¬mos que ele não fica insistindo, mas convida amavelmente e fala: ‘Bem-aventurado são os pobres’ etc. E os apóstolos utilizam a palavra: ‘eu exorto’, ‘eu suplico’, ‘eu peço’. Assim se vê em toda parte que o evangelho não é um livro de leis, e sim, apenas uma pregação dos benefícios de Cristo, a nós apresenta¬dos e concedidos, assim o cremos”.
Luther diz: “Evangelho, porém, nada mais é que uma gritaria a respeito da graça e da misericórdia de Deus, conseguida e adquirida pelo Senhor Je¬sus Cristo com sua morte, e, no fundo, não é o que está em livros e foi com¬posto com letras, mas mais uma pregação oral e palavra e voz viva, que ressoa em todo o mundo e que é gritada publicamente para que seja ouvida em toda a parte”. (WA 12,259)
“Ao pregar a palavra. de Deus, o pregador atua em favor das almas, livrando-as do pecado, da morte e do diabo. No entanto, ele também realiza tão somente grandes e imponentes obras em favor do mundo: ensina e instrui to¬das as categorias sociais como se devem conduzir exteriormente em seus cargos e suas posições, para agirem com justiça perante Deus. Pode consolar os tristes, aconselhar, intermediar em casos de conflito, reconciliar consciências confusas, ajudar a manter a paz, a reconciliar, a viver em harmonia e inúmeras obras mais diariamente. Pois um pregador confirma, fortalece e ajuda a preservar a autoridade, toda a paz secular, resiste aos sediciosos, ensina obediência, bons costumes, disciplina e honra; instrui pai, mãe, filhos, empregados, em suma a cada qual em sua função e estado secular [...] Para dizer a verdade, a paz temporal é, no fundo, um fruto do ministério da pregação”. (Martin Luther - WA 30,11,537, 9ss)
“Os príncipes e os grandões agüentam facilmente que se façam recriminações ao mundo inteiro, desde que eles mesmos não sejam atingidos. Mas também eles devem sujeitar-se às críticas, e quem se encontra no ministério da pregação tem o dever de lhes dizer em que pontos cometem injustiças e agem equivocadamente, mesmo que pretendam que, ao ameaçar-se os grandes senhores, se estaria correndo o risco de revoltas”. (Martin Luther, WA 28, 363,26)


4º Dia

13. Entendendo o Antigo e o Novo Testamento #

Ler o texto em grupos e caracterizar cada período ressaltando o mais importante de cada um

Olhando a Prática da Vida
Temos sempre dificuldades em entender a Bíblia porque não temos uma visão de totalidade das Escrituras. Lemos sempre os textos de forma isolada e não os compreendemos inseridos num todo da Escritura. Além disto normalmente lemos a Bíblia sozinhos e poucas vezes em comunidade. A Bíblia é um livro escrito de forma coletiva e para o coletivo e por isso é importante lê-la em comunidade para entendê-la melhor. Aqui queremos dar uma rápida visão de todo o processo histórico do Antigo Testamento até o Novo Testamento.

Olhando o Assunto
A Bíblia é memória de gente de periferia e de um povo um tanto “escondido” nas montanhas. A temática da opressão, do endividamento e da extorsão internacional é, pois, abordada, na Bíblia, desde uma determinada perspectiva: desde a experiência da margem, de quem luta para não se deixar integrar ou absorver pelas potências e as forças comerciais. Pode-se distinguir quatro grandes momentos na traje¬tória histórica dessa gente da montanha:

1 - Tribalismo para fugir do Imperialismo
De 1200 até 1000 a.C., se desenvolve nas montanhas palestinenses um novo projeto histórico. É a primeira vez que as montanhas são ocupadas. Até então cidades e povoações se restringiam às planícies. Estamos no começo da época do ferro. Lugares de difícil acesso até então, como as montanhas, podem ser integrados à produção agrícola. E, além disso, o imperialismo egípcio acabara de sofrer uma decisiva derrota. Os povos do mar, dentre os quais os fi¬listeus, haviam expulso os exércitos egípcios da Palestina, sem que estes mesmos povos do mar tivessem tido condições de se fazer sucessores dos faraós. A Palestina ficava entregue a seu próprio destino, após quatro séculos de imperialismo egípcio continuado.
E, pelo visto, os pobres souberam o que fazer nesse momento histórico especial. Emigraram para as montanhas. E aí reuniram todos que, descontentes com as espoliações egípcias e cananéias, quisessem criar uma nova experiência. O tribalismo israelita, “as tribos de Javé”, foram essa nova experiência nas montanhas. Trata-se aí de um anteprojeto. Negado é o projeto de reis cananeus e faraós egípcios. Afirma¬do e construído é o projeto dos empobreci¬dos, do campesinato. O tribalismo descarta a prática monárquica e imperial- egípcia. Esta se baseava na exploração da mão de obra camponesa, para alimentar as cortes cananéias e os luxos faraônicos. As decisões sobre a gente trabalhadora eram tomadas fora. O tribalismo descarta essa opressão.
As práticas tribais estão baseadas na interajuda. Primeiro, na interajuda intrafamiliar, através da qual todos os integrantes de cada família colaboravam entre si, dividindo tarefas e trabalhos, sempre em função do conjunto. Segundo, na interajuda interclânica e intertribal, através da qual clãs e tribos se interajudavam em necessidades específicas, tais como defesa militar, celebração de cultos, casamentos. Esse tribalismo é o berço do Povo de Deus.

2 - Os Estados fomentam o Empobrecimento!
Em torno do ano 1033 a.C., o tribalismo é vencido pelo monarquismo dos Estados de Israel e Judá. E as monarquias marcam a vida do povo até 587 a.C. Condições internas e externas fazem surgir o Estado, também nas montanhas, uma vez que nas planícies continuou a existir durante o período tribal. Interna-mente os agricultores mais abastados, os comerciantes emergentes e os sacerdotes dos templos, que ha-viam sido construídos foram os que mais fomenta¬ram o surgimento de instituições estatais, em especial do exército permanente para a proteção dos mais abastados. Externamente a pressão militar dos povos vizinhos e de seus exércitos mercenários, como os fi¬listeus e amonitas, acelerou a formação do Estado, primeiro sob Saul, depois sob Davi e, definitivamente, sob Salomão.
Esse Estado se formou num lugar muito específico, isto é, ao longo da rota comercial que liga a planície litorânea através das montanhas, do vale do rio Jordão à cidade - capital de Amã. Essa rota passa na altura de Jerusalém, a capital do novo Estado! E isso é significativo! Mostra que também o Estado nas montanhas acima de tudo está voltado ao controle de rotas comerciais, está voltado ao comércio internacional. E é óbvio que tal comércio significará empobrecimento para quem produz. Também a monarquia israelita e judaíta, acima de tudo, foi uma entidade comercial, e Jerusalém um entreposto de compra e venda.
Nos quase cinco séculos de história da monarquia (de 1033 até 597), ocorreram alguns desdobra-mentos significativos. Menciono alguns: A monarquia de Davi foi sustentada principalmente através da tributação de outros povos, através do sa¬que internacional. Não chegou a desenvolver a tributação interna, se bem que em pequena escala já a tivesse iniciado. A boa imagem que Davi tem na Bíblia certamente tem a ver com essa pequena tributação interna efetivada em seu governo.
Outro é o momento sob Salomão. Os povos do¬minados por Davi recuperam sua autonomia. E Salomão quis montar uma corte de renome internacional, com luxo e requinte. Para pagar esse Estado forte, militarmente bem melhor aparelhado do que o Esta¬do davídico, teve que recorrer à tributação interna. Realiza-a através de dois modos. Por um lado, organiza uma burocracia de estado, dividindo seu território em doze províncias, para que abasteçam a corte real e as necessidades da elite. Por outro lado, fez edificar o templo, justamente para através dele arrecadar os tributos e demais excedentes dos lavradores. O templo de Jerusalém regulamentou, em conexão com os demais templos de cidades menores, as entradas para o Estado. Sacrifícios, festas, dízimos, dá¬divas voluntárias, etc. Constituí¬ram-se na mais sólida fonte de recursos para a classe - Estado. A importância extorsiva do templo ainda aumentou, quando a burocracia estatal se mostrou ineficiente, decompondo-se em especial após a morte de Salomão, quando seu Estado se dividiu em dois: Israel (norte) e Judá (sul). Não parece que os monarcas israelitas e judaítas após Salomão tenham introduzido novidades maiores, a não ser a de haverem melhorado e detalhado a função dos templos como principal instância de arrecadação de tributos. Mudanças mais acentua¬das somente vão ocorrer por ocasião do oitavo século. Esse é o período das grandes expansões. Em Israel, em Judá e nos demais povos cresce a vontade de ampliar as fronteiras, de controlar mais rotas comerciais, de ter exércitos mais qualificados, de alcançar mais luxos. Sabemos que essa febre expansionista acabou sendo colhida pela Assíria. Seus exércitos constituíram o primeiro grande império do primeiro milênio, incluindo até o Egito em seus domínios.
Esse expansionismo do oitavo século foi pago pelo campesinato. Seu empobrecimento foi crescente. E os templos, as práticas religiosas foram melhoradas para servirem de estímulo a arrecadações cada vez maiores. O expansionismo é aqui abastecido através das atividades religiosas, tão duramente denunciadas pelos profetas Amós, Oséias e outros.
Observamos, pois, que as monarquias nacionais de Israel e Judá, basicamente, correspondem aos interesses das elites comerciais. O reinado está a ser¬viço do comércio. As coisas a comerciar eram arrecadadas, parcialmente, através da própria burocracia, mas principalmente dos templos, profundamente comprometidos com a tributação da população trabalhadora. Já por isso esse processo resultou em empobrecimento da população. Isso se fez ainda mais agu¬do, porque as mercadorias de Israel e Judá não tinham condições de concorrer com as importações. Afinal, o campo palestinense só fornecia cereais e azeite, sem condições de competir com as importações de ferro e ouro, luxo e requinte, madeiras do Líbano. Por conseguinte as monarquias levaram o povo ao endividamento externo (I Rs 9,10-14) e à pobreza interna. A monarquia foi uma espécie de torneira aberta, através da qual fluía para fora o trabalho camponês. Para os trabalhadores, os reis foram uma ruína. Os templos estavam profundamente comprometidos com a arrecadação das riquezas nacionais. Prestavam, pois, um importante serviço aos monarcas.
Resistência é que não faltou. A atuação dos profetas está comprometida com a defesa dos camponeses e com a denúncia implacável da religião do templo e dos monarcas. Aliás, sem a atuação desses profetas talvez nem tivesse sido preservada a informação a respeito dos monarcas, pois na Bíblia se fala de reis, precisamente, para apresentá-los como maus exemplos, de gente dada à idolatria e à injustiça.

3 - Inovações Persas.
A partir de 550 a.C., os persas mudaram o mundo. Inovaram profundamente. E o fizeram de modo sábio, pois se mantiveram no poder até 332 a. C. Nesses tempos, Judá foi colônia. O imperialismo persa já não se baseava mais em súditos ou monarcas locais. Tratou de organizar seu império por conta própria, instalando um sistema de províncias. Judá estava integrado a uma dessas províncias. E era tão insignificante que nem teve em Jerusalém uma capital provincial. Função das províncias era a arrecadação de impostos. Não através de templos, como em tempos anteriores, mas através do controle das rotas comerciais, de pedágio e impostos sobre a circulação de mercadorias. Extorsão era, pois, direta, tanto por-que o império persa acabava por definir o que se de¬veria produzir em Judá através de seus administradores, assim o império se apropriava de riquezas através dos impostos em Judá. Vivia-se sob condições coloniais.
E a resistência? De certo modo, tardou! Acontece que aqueles que estiveram no exílio na Babilônia (597 até 538) simpatizaram com os persas. Criam ser esse o projeto a apoiar. Houve, pois, aliança entre os exilados e os per¬sas. O império chegou mesmo a pagar a construção do templo. Encaminhou a reforma sob Esdras, colocando no centro da vida a lei. Delegou Neemias para construir os muros de Jerusalém. Os acontecimentos mais marcantes foram decididos pelo próprio Império em comum acordo com setores mandantes na sociedade em Judá.
Daí resultou a centralização da vida em Judá no templo e na lei. Aí havia, por certo, um espaço de identidade nacional, para que esse pequeno grupo dos judaítas não acabasse por ser completamente ab-sorvido pelos persas. Nesse sentido, o templo não deixou de ter sua função. Não obstante, foi instrumento na mão das elites locais, principal¬mente dos sacerdotes que detinham o controle da sociedade. Por conseguinte, a contestação não veio do templo.
Mas houve. Veio de grupos como os sábios que compuseram Jonas afirmando que a solução não estaria na introversão, mas no convívio com os pagãos. Veio de Rute e de sua luta por pão e terra. Veio de Jó que se rebelou contra a teologia oficialista que afirmava que o justo não empobrece, enquanto que Jó afirma que precisamente o justo empobrece e está desamparado. Esses e outros círculos forjaram a resistência contra os donos do templo e da lei. Na era persa o templo foi, de certo modo, liberado de sua função extorsiva, espoliativa contra o povo, porque os persas tinham seus mecanismos próprios para efetivar a exploração. Mas, mesmo liberado, o templo não passou a assumir a causa do povo, como fora a intenção do profeta Ageu. Continuou serviçal às elites locais, ajudando a manter seus privilégios. Não conseguiu passar-se para o lado dos pobres.

4 - Esmagado sob Gregos e Romanos!
A gregos e romanos devemos um avanço ainda mais radical sobre a gente trabalhadora. Transforma¬ram as pessoas em escravos e as terras em latifúndios. A vida passou a ser gerenciada pelo mercado das pessoas e das coisas. Isso implicou em que uma religião separatista e diferenciadora, como fora a do templo na era persa, já não fosse possível nem admissível. Sábado e circuncisão, sacrifícios e liturgias separatistas deveriam dar lugar a uma religião que se assemelhasse à própria lógica do Império de escravos. E, enfim, em 70 d.C., o templo de Jerusalém acabou por ser arrasado.
O escravismo se implantou gradualmente. No início do segundo século antes de Cristo, chegara a um certo ponto alto. Jerusalém se ia transformando numa pólis (cidade) grega, acomodada à cultura grega. Contudo, os lavra¬dores e o clero menor protesta¬ram. Desencadearam a revolução dos Macabeus. E esta, vitoriosa, garantiu a continuidade das práticas religiosas atuais. Porém, poucos anos depois, os próprios líderes da revolução vitoriosa acabaram por adotar a cultura grega. Passaram a oprimir os lavra¬dores. Sua ditadura foi violenta e massacrante. O próprio Novo Testamento o atesta, por exemplo, por ocasião do nascimento de Jesus, quando um sucessor dos líderes revolucionários mandou matar duas mil crianças (Mt 1-2). Parece que dentro das condições do mercado escravista já não era possível uma revolução nacional. (Texto de Milton Schwantes)

E o Novo Testamento?
O Novo Testamento busca uma resposta a esse impasse: Como organizar a vida dos empobrecidos em meio a um império totalitário e absoluto, como era o Império Romano do primeiro século? Como os pobres e escravos podem continuar sendo gente apesar da bestialidade do Império Romano? O Novo Testamento esboça duas diretrizes. Por um lado, desiste da formação de um Estado nacional, ao estilo da experiência da descendência dos Macabeus. Ao invés disso, constitui comunidades do amor e da solidariedade entre os empobrecidos, doentes, prostitutas, desempregados e semelhantes. A partir desse “lixo do mundo”, como o chamaria Paulo, forja-se a “nova criatura”. Por outro lado, o Império não é aceito, se bem que se admita ter que viver sob suas condições, pois é denunciado como besta (Apocalipse 13), como agente de destruição de vida que, a rigor, já foi vencida, se bem que ainda permaneça. Confiar no Império seria confiar em defunto. O desafio que o Novo Testamento legou à igreja foi o de li¬dar sabia-mente com essa dupla estratégia. Não se poderá dizer que as igrejas tenham sabido administrar esse desafio.
O Império espoliava dentro de sua própria lógi¬ca de mercado e de opressão tributária. Empobrecia e massa¬crava a seu critério. O movimento de Jesus propunha não enfrentar o Império com as armas deste, mas de jeito desarmado, na cruz, para poder quebrar a opressão, assim como o soldado que guardava o crucificado “quebra”, se converte diante da agonia do Cristo (Mc 15,39).

Resumindo.
A trajetória do povo de Deus na Bíblia é específica, como pudemos ver. Não poderemos transladá-la direta¬mente para dentro de nossa situação. Ainda assim as lutas lá havidas não deixam de ser modelos e exemplos. Prevalece amplamente o enfoque a partir dos empobrecidos. O que importa é o seu enfoque e sua experiência a partir dos empobrecidos. Importa que as mulheres e os homens esmagados, colocados no reverso da história, apareçam como sujeitos, como protagonistas. É possível criar novas condições de vida a partir da periferia. Na Bíblia a experiência o mostra, nos tempos tribais e nos de Jesus. É possível quebrar a lógica da morte. Em torno do templo e da monarquia se concentram as forças dispostas a sacrificar as pessoas. A Bíblia denuncia o templo como sendo a instituição que suga as forças do povo, através de suas práticas. O santuário emagrece as pessoas. Torna-as devedoras, devedoras porque em pecado, devedoras porque obriga¬das à entrega de produtos e tributos. O reinado é a extensão deste desserviço que o templo presta. Os reis estão assentados sobre as rotas de comércio. Para um povo pobre e periférico como Israel, comércio e empobrecimento são sinônimos. O esmaga¬mento e o endividamento foram os “frutos” mais típicos das monarquias. (Milton Schwantes)

Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
Fundamental para nós é entender esta história de Deus com o seu povo para que possamos descobrir a ação de Deus na história hoje. Esta é a função da leitura bíblica: descobrir a vontade e a ação de Deus hoje no meio de nós. Além de descobrir como deve ser a nossa ação a partir da fé neste Deus vivo no ambiente no qual nós vivemos. Nunca esquecendo que Deus se revela de preferência através dos empobrecidos, oprimidos e excluídos

14. Entendendo a Bíblia #

Ler em grupos os períodos da História de Israel e caracterizá-los.

Olhando a Prática da Vida
Falar em Bíblia é falar de um assunto que to¬dos já ouviram falar. A Bíblia é o livro mais vendido do mundo. Assim como a Bíblia é muito conhecida ela também é ao mesmo tempo tão desconhecida. Todos a conhecem mas quase todos desconhecem o seu conteúdo e, principalmente, a sua proposta. Quando as pessoas a lêem o fazem apenas por partes e poucos conhecem o todo de seu conteúdo. Aqui queremos trazer uma visão introdutória e geral da História da Salvação para que possamos compreender melhor as suas partes. Por falta de uma compreensão e visão do todo não entendemos as suas partes.

Olhando o Assunto
Por onde começar? Comecemos pelo Antigo Testamento.
A porta de entrada do Antigo Testamento está na confissão de fé do Povo de Deus que está em Dt 6, 20 – 23. Este credo fala da escravidão gerada pelo Estado e da luta motivada por Deus para sair desta escravidão e esta liberdade somente é possível quando o camponês tem a sua terra após ter acabado com o Estado (Js 6-8). O Estado surgiu por causa da formação de classes sociais na sociedade para defender os interesses da classe economicamente dominante. Neste texto a própria Bíblia diz de que ponto de vista ela quer ser lida e entendida. Ali se conta a história dos escravos hebreus e como Deus interveio na história a favor de uma classe social: os escravos (os hebreus no Egito, não são um povo mas uma classe social); e agiu contra a outra classe social: o Estado, comandado pela Monarquia egípcia. Assim este credo israelita define que Deus é como ele age (Ex 3, 14 – Eu sou o que sou).
Assim a Bíblia diz que o ponto de partida da História do Povo de Deus é o Êxodo (saída dos es-cravos do Egito e travessia do deserto para chegar na Terra Prometida); só a partir disto podemos entender melhor o Antigo Testa¬mento. O Êxodo é a chave que abre a compreensão do Antigo Testamento. Mas, antes do Êxodo também teve História! Vamos ver ago¬ra a evolução histórica do Povo de Deus.

O 1º Período vai do ano de 1800 a 1250 a.C. – Terra de Escravidão.
Neste período a Palestina era colônia egípcia. Era o tempo dos patriarcas e matriarcas do Povo de Deus: Sara e Abraão, Rebeca e Isaque, Raquel e Ja¬có. Era um tempo em que o Império egípcio saqueava a Palestina pelos impostos pagos em produtos produzidos pela classe camponesa e pelos trabalhos forçados realizados pela mesma (também em forma de envio de escravos e escravas para o centro do Império). A Palestina era colônia do Egito. Quem recolhia estes impostos eram as cidades-estado da Palestina que eram comandadas por um rei e seu exército. Parte destes impostos ficavam para a manutenção das cidades-estado e o resto ia para o Egito. O que eram as cidades-estado? Eram pequenos países cuja capital ficava numa cidade fortificada. Nesta morava o rei e o seu exército que controlavam as aldeias dos camponeses de toda esta região que abrangia a cidade-estado.
O sistema econômico desta época se chamava de Tributário (tributo = imposto), pois a exploração da classe do Estado sobre a classe Camponesa acontecia pela cobrança do imposto em forma de produtos (trigo, cevada, olivas, frutas e gado) e na forma de trabalhos forçados (os camponeses tinham que trabalhar nas obras públicas [palácios, templos, muros da cidade] sem receber pagamento). Os camponeses decidiam o que e como produzir mas boa parte do resultado de sua produção tinha que ser entregue na forma de impostos para manter a classe do Estado.
Textos que ajudam a entender este período: Gn 11, 31 – 12, 9; Gn 47, 13 – 26; Ex 1, 8 – 14

O 2º Período vai do ano de 1250 a.C. até 1033 a.C. – Terra Liberta
Por volta de 1250 a.C. o exército egípcio é der¬rotado e expulso da Palestina pelos povos do mar, dentre os quais os filisteus. Estes não conseguiram se impor em todo o território e este ficou ao seu próprio encargo.
Foi neste período que se desenvolveu o que chamamos de: O Projeto de Deus. Como era este projeto? Se desenvolveu novamente ali o sistema econômico Tribal; que se caracteriza por uma sociedade igualitária, sem ricos e pobres, sem Estado, sem classes sociais e a propriedade coletiva dos meios de produção (a terra).
A Bíblia descreve este Projeto de Deus a partir do livro do Êxodo, quando os escravos saíram a partir da iniciativa e do auxílio de Deus da escravidão do Egito. O Povo de Deus se formou a partir de três grupos: o Grupo Abraâmico (Gn 12, 1-9; 13, 14-18) que habitava as montanhas da Palestina e havia fugi¬do da opressão das cidades- estado da planície; o Grupo Sinaítico (Dt 33, 2) que veio da Península do Sinai fugindo dos edomitas; o Grupo Mosaico (Ex 3, 1 – 22) que veio da escravidão do Egito. Estes grupos se fixaram nas montanhas e na convivência descobriram que tiveram experiências semelhantes de libertação (das cidades-estado e do Egito) e descobriram que tinham uma história semelhante e o mesmo Deus. Adotaram, assim, o relato do Êxodo como sua história oficial. Na caminhada em direção à Ter¬ra Prometida estes grupos se encontraram e ali são elaboradas a proposta econômica (Ex 16, 11 – 21), política (Ex 18, 13 – 27), sócio- religiosa (Ex 20, 2 – 17) e ideológica (Ex 32, 1 – 10) que deveriam norte¬ar a vivência do povo na nova terra e na nova sociedade. Este projeto é descrito do livro do Êxodo até o livro de Juízes e marcou tão profundamente o povo que em toda a sua história futura sempre haveriam de se basear por este período. Não dá para entender o Antigo Testamento se não entendermos o Êxodo (Ex 1-15). O Êxodo é a chave de leitura do AT. Textos deste período: Ex 1, 8 –14 ; Ex 5, 1-6,1; Nm 27, 1-11; Js 8, 1-35; Jz 2, 10-18; Jz 6 – 8; Dt 15, 6. Lv 25.

O 3º Período vai de 1033 a.C. até 597 a.C. – Terra Ocupada
Este é o período da monarquia. Os livros de Samuel, Reis e Crônicas falam deste tempo. Voltou-se ao antigo sistema econômico Tributário, como no Egito, com suas duas classes sociais em constante confronto: o Estado (rei, ministros, príncipes, funcionários, soldados e sacerdotes) e os Camponeses. O texto de I Sm 8, 1- 22 denuncia os privilégios da classe do Estado. O Estado surgiu para defender aqueles setores que haviam concentrado mais renda e terras e que precisavam uma instituição que defendesse e legitimasse esta concentração. Esta instituição é o Estado.
As estruturas de produção e de relacionamento que se davam nas aldeias ficaram as mesmas de antes, só mu¬dou o fato de que agora uma parte da produção era apropriada pela classe do Estado e os anciãos perderam a maior parte do poder político. As decisões político-econômicas aconteciam agora na cidade e não mais no campo. A religião que antes defendia o sistema econômico Tribal agora defende o sistema econômico Tributário, por isso Salomão mandou construir o Templo. O Templo mudou a compreensão de Deus. Antes Deus lutava a favor da classe camponesa, era contra o Estado, a escravidão e lutava pela conquista da terra. Agora o Templo diz que Deus abençoa os que tem mais posses, legitima o Estado e a sociedade dividida em classes sociais e fortalece o culto de ritos relacionados apenas com a natureza e sacrifícios de animais e não com aconteci¬mentos históricos como era antes. Agora é um Deus que abençoa os que tem e fortalece o culto de ritos e não de acontecimentos históricos. A classe do Estado ainda não tinha o poder de escravizar os camponeses e lhes expropriar totalmente a terra, apenas lhes tirava parte da produção na forma de impostos.

As Causas externas que ajudaram no surgi¬mento da Monarquia foram: Monarquias vizinhas - I Sm 8,1-7; Novas Tecnologias - Ferro - I Sm 13,19-22; Invasão Estrangeira - Jz 6,1-6 + 8,22-23; Exército Permanente - I Sm 13,1-7 + Jz 4,1-3.
As causas internas foram: Enriquecimento de alguns - I Sm 25,2-13; Empobrecimento de muitos - I Sm 22,1-5; Servos - I Sm 25,40 + I Sm 25,18-19; Escravos - Ex 21,1-11 + 21,20-21 + 21, 26-27; Boi - I Sm 11,1-7 + Ex 21,28-36 + 22,1-15; Corrupção - I Sm 2,12-17 + 8,1-5; Exército Popular - Jz 6,34-35 + 7,1-9+23; Rompimento da Aliança - I Sm 8,7-8 + 7,2-4; Idolatria - Jz 10,6-18 + 8,33-35.

A primeira fase deste período vai até a morte do rei Salomão (932 a.C.) onde há apenas um país. Após Salomão o país se divide em dois: Judá (sul) e Israel (norte) como nos relata o texto que fala da Re-volta Camponesa em I Rs 12, 1 – 20. Porque houve a divisão? Porque as tribos, principalmente do norte, não mais agüentavam a exploração via tributos, como lemos em I Rs 4, 20 – 28 (produtos) e I Rs 5, 1 – 18 (trabalhos força¬dos e produtos). O rei¬no do norte (Israel) acaba quando da invasão da Assíria em 722 a.C. (II Rs 17, 1 – 41). O reino do sul, Judá, acaba quando da ocupação babilônica em 597 a.C. (II Rs 24, 8 – 17).
Com a sociedade dividida novamente em classes, com a desigualdade, com a exploração de uma classe sobre a outra e com o fim do chamado Projeto de Deus surgem os profetas para: denunciar  a concentração e expropriação da terra e renda, a profanação da terra, a idolatria, a divisão da sociedade em classes e as injustiças do sistema. Os profetas vem também para anunciar  o novo céu e a nova terra, a vinda do Messias e o fim do Rei, do Estado e do Templo. Textos para entender este período: I Rs 21-22; Am 2, 6-16; Mq 3, 1-12; 6, 1-8; Is 2, 21-26; Is 10, 1-4.

O 4º Período vai de 597 a.C. até 538 a.C. – Terra Internacionalizada
A monarquia israelita acabou quando os interesses imperialistas da Babilônia acabaram com o reino de Judá em 597 a.C. e levaram para o cativeiro a Classe do Estado (II Rs 24, 8 – 17). A causa do cativeiro o profeta Zacarias explica (Zc 7, 8 – 14; II Rs 17, 7-23; II Cr 36, 11-17). Este é um período tão importante para o Povo de Deus como o Êxodo, pois aqui os escravos fazem uma revisão de sua história. Estes escravos, que antes eram a classe dominante em Judá, tinham que responder para si mesmos à pergunta: por que estamos aqui no exílio e na escravidão? Eles analisam criticamente a sua história nas reuniões e celebrações nos sábados a partir da Lei, da História, dos Salmos e dos Profetas. Estes elementos formarão a parte principal do que mais tarde conheceremos como o Antigo Testamento. Textos para entender este período: Gn 1, 1 - 2,3 que fala da luta contra os falsos deuses que legitimam a escravidão e Ez 37, 1-14; Sl 137; Is 40-55

O 5º Período vai de 538 a.C. até 332 a.C. – O Pós- Exílio
Os escravos judeus se aliaram aos persas e por isso o rei Ciro, quando tomou a capital da Babilônia, os deixou voltar para casa. Mas Judá continuou sendo apenas uma colônia do Império Persa.
Os assírios e os babilônios dominavam pela força e pelo massacre; os persas dominam pela cultura e reorganizam o seu império em novos moldes. Cobram os impostos não mais em produtos, e sim, em moeda, o que aumenta a exploração e o empobrecimento. Assim os camponeses tiveram que trocar primeiro os produtos, sempre a preços baixos, por dinheiro; desta forma tiveram que entregar mais produtos que anteriormente.
Começam agora novos problemas: alguns não querem voltar para Judá, os que voltam encontram tudo abandonado e devastado, tem que reconstruir os muros da cidade, a própria cidade e o templo. Os camponeses que fica¬ram na Palestina (II Rs 25, 8 – 12) não tomam nenhuma iniciativa em reconstruir a cidade e o templo, pois sabem muito bem o que isto significa: exploração. O povo neste período passa por situações de muita miséria e tem que re¬construir não apenas uma nação como também um povo. Entra aí o projeto de Esdras que visa purificar o povo pela raça e pela Lei. Os profetas falam da necessidade de reconstruir o templo como único espaço de identidade própria e de resistência dentro do Império Persa. Para entender este período: Ed 1, 1-11; Ne 5, 1 – 13; Ag 1, 1 – 15; 2, 20 – 23.

O 6º Período vai de 332 a.C. até 167 a.C. – Dominação Grega
O general macedônio Alexandre conquistou todo o mundo conhecido de então, inclusive o Império Persa. Agora quem mandava eram os gregos que introduziram um novo sistema econômico: o escravismo. Sua dominação também se dava pela cultura e tirou das aldeias a sua importância econômica e política, centrando isto nas cidades. Tudo foi organizado nos moldes da cultura grega. Alexandre morreu em 323 a.C. e o seu Império foi subdividido entre seus generais. Primeiro a Palestina ficou subjugada à administração dos Lágidas, com sede no Egito, até 199 a.C. e depois à dos Selêucidas do Oriente.
Começou-se a forçar os povos subjugados a se aculturar e a adotar a religião dos opressores. Disto brotou a Guerra dos Macabeus: contra o saque do Templo e a tentativa de forçar os israelitas a abandonarem a sua fé em Javé. Esta guerra de independência durou de 167 até 142 a.C. quando Israel ficou in¬dependente e foi governado pela dinastia asmonéia até 63 a.C. com a vinda dos romanos. Texto que aju¬da a entender este período: II Macabeus 2, 1-36.

O 7º Período começa em 63 a.C.– A Dominação Romana entra pelo NT adentro.
Roma entra na Palestina pela briga que há pelo poder em Israel. Vieram para ajudar uma facção da dinastia asmonéia que lutava pelo poder e acabaram ficando para dominar a todos. Neste período nasce Jesus Cristo e é crucificado no ano 30 d.C. pelo Templo e pelo Estado Romano. O sistema econômico continua escravista. A exploração que a classe camponesa sofre é dupla: pelo Templo e pelo Estado Romano, pois pagam aos dois até 60% de sua produção em impostos. Em 49 a Igreja Cristã realiza o seu primeiro concílio em Jerusalém para discutir a sua missão. As cartas de Paulo foram escritas entre os anos 50 e 60. Em 64 a 67 o Imperador Nero organiza a primeira perseguição geral no império contra os cristãos. De 66 a 70 acontece a Guerra Judaica com a destruição de Jerusalém e do Templo. Entre os anos 70 a 100 são escritos os Evangelhos e em 95 ocorre a perseguição aos cristãos organizada pelo imperador Domiciano. Deste período fala o livro do Apocalipse para dar esperança e clareza ao povo. De 132 a 135 ocorre a 2ª Guerra Judaica com a expulsão dos judeus da Palestina que durou até 1949. Em 313 o imperador Constantino legaliza a fé cristã no império e mais tarde ela se torna religião oficial do estado.
Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
É fundamental que nós tenhamos uma visão global da Bíblia para que possamos entender os textos isola¬dos que lemos. Todo o texto bíblico surgiu a partir de um acontecimento concreto e quer nos ajudar a entender e a viver a nossa vida concreta. Todo texto bíblico quer que nós olhemos, a partir dele, para a nossa própria vida e para toda a sociedade e se esta nossa vida e a da sociedade está dentro do Projeto de Deus. Assim como também olhamos para o texto bíblico a partir de nossa vida concreta. Na leitura se interrelacionam o texto e a vida e vice-versa. O texto exige arrependimento e conversão pessoal e coletivo para o Projeto do Reino de Deus.

Uma Visão Geral dos Livros da Bíblia

Antigo Testamento
O Pentateuco: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio
Inicia em Gênesis com “No princí¬pio criou Deus os céus e a terra” e passa pelo Êxodo, onde Deus tira os escravos do Egito e os conduz por Moisés até perto da Terra Prometida em Ca¬naã. O Pentateuco (Gn, Ex, Lv, Nm e Dt) foi escrito por vários autores e contém também as leis de Israel. Estes livros também são conhecidos como: a Torá (a Lei).
Josué, Juízes
Relata da conquista e resistência na terra e da organização de uma sociedade igualitária sem Estado e sem classes sociais. Período histórico de 1250 a 1033 a. C.
Rute
Relata a luta de duas mulheres para conquistar os seus direitos: matrimônio e terra.
Samuel, Reis, Crônicas
Juntamente com Josué e Juízes formam os livros conhecidos como: Profetas Anteriores. Relatam de como a monarquia (Estado) foi sendo o responsável pela ruína do povo que o levou ao Exílio. São livros histórico- proféticos: profetizam pelo desenvolvimento histórico a ruí¬na de Israel. Denunciam o rompimento da Aliança e conseqüente afastamento de Deus por parte do povo de Israel. Período histórico de 1050 a 587 a.C.
Esdras, Neemias
Relatam da reconstrução e sofri¬mento de Israel após o exílio babilônico. Período histórico de 538 a 432 a. C.
Ester
Relata de uma perseguição judaica no período do rei persa Xerxes. Período histórico de 485 a 465 a.C.
Jó,Sal¬mos, Provér¬bios Eclesi¬astes.
São os livros didáticos. Contém poesias, cantos, orações, provérbios e muita sabedoria popular. Abarcam quase todos os períodos históricos.
Cantares
Canta o amor. Amor que Deus tem para com seu povo na comparação do amor de um homem por uma mulher.
Os Profetas
De Isaías até Malaquias. Compreendem o período histórico da monarquia de Israel e Judá, antes e após o exílio. Muitos profetas são também citados nos livros de Sm, Rs e Cr.

Novo Testamento

Os Evangelhos Sinóticos: Marcos, Mateus, Lucas
Os Evangelhos sinóticos (Mc, Mt, Lc) tem relação entre si e contam o anún¬cio do Reino de Deus feito por Jesus Cristo, desde o nascimento até a cruz e ressurreição. Os Evangelhos são a resposta às necessidades das primeiras comunidades até hoje. Baseado em Marcos surgiram os outros Evangelhos. Período histórico de 70 d. C. até 90 d. C.
O Evangelho de João
Apresenta o Evangelho de Jesus Cristo sob outro ângulo dentro de uma época onde a cultura e religião grega estavam ganhado força. Escrito nos anos 90 da era cristã.
Atos dos Após¬tolos
É a continuação do Evangelho de Lucas. Relata a expansão da fé cristã e das comunidades cristãs dentro do império romano. Continua contando como o Evangelho anunciado por Jesus Cristo continua sendo anunciado pelos primeiros cristãos.
O Apóstolo Paulo
O primeiro grande teólogo cristão de destaque que escreveu as cartas aos Romanos, Coríntios, Gálatas, Filipenses, Filemon, Tes¬aslonicenses. As cartas de Paulo datam do período entre 48 a 60 d. C.
As car¬tas aos Efé¬sios e Colossenses, Timóteo e Tito
Estas cartas foram escritas por outras pessoas sob o nome de Paulo. Relatam da vida e da fé das primeiras comunidades cristãs.
As car¬tas de Pedro, João, aos He¬breus e Tia¬go e Judas
Estas cartas são de autores desconhecidos e relatam a sua compreensão de fé nos tempos pós apostólicos, significa: no período após a destruição de Jerusalém.
Apocalipse de João
É o primeiro escrito cristão que cri¬tica a violência do Estado. Surge nos anos 90 d.C. como escrito de resistência e esperança do povo perseguido.

15. A Pessoa é ao mesmo tempo Justa e Pecadora #

Ler o texto em grupos e explicá-lo na plenária

Olhando a Prática da Vida
Como vamos entender o fato de sermos salvos por graça e fé mas continuamos cometendo pecados? Se cometemos pecados perdemos esta salvação ou quem é salvo não comete mais pecados? Esta salvação dada por Deus uma vez nós a podemos perder novamente? Quem aceitou a Proposta de Jesus Cris¬to uma vez tem a salvação garantida independente¬mente do que fará no futuro?

Olhando o Assunto
Confessamos que no batismo o Espírito Santo une a pessoa com Cristo, a justifica e realmente a re-nova. Não obstante, a pessoa justificada, durante toda a vida, permanece incessantemente dependente da graça de Deus que justifica de modo incondicio¬nal. Também ela está continuamente exposta ao poder do pecado e suas investidas (Rm 6.12-14), não estando isenta da luta vitalícia contra a oposição a Deus em termos de cobiça egoísta do velho Adão (Gl 5.16; Rm 7.7, 10). Também a pessoa justificada precisa pedir, como no Pai- Nosso, a cada dia o perdão de Deus (Mt 6.12; I Jo 1.9), é chamada constante¬mente à conversão e ao arrependimento e recebe constantemente o perdão.
Luteranos entendem isso no sentido de que a pessoa cristã é “ao mesmo tempo justa e pecadora”: ela é total¬mente justa porque Deus, por palavra e sacramento, lhe perdoa o pecado e lhe concede a justiça de Cristo, da qual ela se apropria pela fé e a qual em Cristo a torna justa diante de Deus. Olhando, porém, para si mesma através da lei, ela reconhece que continua ao mesmo tempo totalmente pecadora, que o pecado ainda habita nela (I Jo 1, 8; Rm 7, 17 e 20); porque reiteradamente confia em falsos deuses e não ama a Deus com aquele amor indiviso que Deus como seu criador exige (Dt 6,5; Mt 22, 36-40). Essa oposição a Deus é, como tal, verdadeiramente peca¬do. Não obstante, graças ao mérito de Cristo, o poder escravizante do pecado está rompido: já não é peca¬do que “domina” a pessoa cristã por estar “domina¬da” por Cristo, com o qual a pessoa justificada está unida na fé; assim a pessoa cristã, enquanto vive na terra, pode ao menos em parte viver uma vida em justiça. E, a despeito do pecado, não está mais separada de Deus, porque no retorno diário ao batismo ela, que renasceu pelo batismo e pelo Espírito Santo, tem seu pecado per¬doado, de sorte que seu pecado já não lhe acarreta condenação e morte eterna. Portanto, quando luteranos dizem que a pessoa justificada é também pecadora e que sua oposição a Deus é verdadeiramente pecado, não negam que, a despeito do pecado, ela está inseparada de Deus em Cristo e que seu pecado é pecado dominado.
Quando, porém, a pessoa justificada se separa voluntariamente de Deus, não basta voltar a observar os mandamentos, mas ela precisa receber, no sacramento da reconciliação, perdão e paz pela palavra do perdão que lhe é conferida por força da obra re¬conciliadora de Deus em Cristo (Doutrina da Justificação por Graça e Fé – Declaração conjunta).

16. A Cruz de Cristo #

Ler o texto em grupos e falar das cruzes das pessoas e da cruz de Cristo

Olhando a Prática da Vida
Jesus disse: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16,24). A proposta do Reino passa pela cruz. Aí entramos em conflito: nós queremos uma religião da alegria, sem compromisso, que deixa tudo como está, bonita, desprendida, à qual a gente recorre somente quando necessário. Mas não há ressurreição do corpo sem cruz. Nós gostamos de agir como Pila¬tos, na hora da opção: Jesus ou a proposta do poder deste mundo, nós lavamos as mãos (Mt 27, 24). Lavamos as mãos e deixamos Jesus ser crucificado (Jo 19,12-16). As¬sim, hoje, deixamos Jesus ser crucifica¬do nos empobrecidos, sem teto, desempregados, sem terra, pequenos agricultores e violentados pelo sistema deste mundo, e este tem nome: capitalismo neoliberal globalizado. Nós, porém, lavamos as mãos dizendo que não temos nada a ver com estes e que a fé cristã não se envolve em política. Muitas comunidades cristãs dizem que a fé cristã não se envolve em política mas não rejeitam as ajudas e outras benesses da prefeitura. Muitas comunidades ou diretorias vendem seu voto em época de eleição por algumas migalhas para conseguir dinheiro para a construção do pavilhão ou da igreja. Para poderem ficar do lado do poder, como Pilatos (Jo 19, 12), deixam Jesus ser crucificado.
Para estas comunidades se meter em política é somente quando se faz oposição ao poder estabeleci-do e às in¬justiças dele provenientes e não quando se apóia este poder; isto é uma farsa. Quando a comunidade cristã bajula, se cala ou é conivente com as in¬justiças do poder estabelecido ela faz tanta política como quando se opõe à este poder e às suas injustiças. Por que a comunidade cristã bajula, se cala ou é conivente com o poder estabelecido e suas injustiças? Porque não quer carregar a sua cruz e quer sal-var esta sua vida de agora e com isto a perderá eternamente. Por causa de uma parte da vida ou de algumas migalhas de vida perde toda ela eternamente. Sempre lembrando que foi uma decisão e uma atitude política de um governador romano, Pilatos, que levou Jesus à cruz. As acusações feitas à Jesus revelam que ele era uma ameaça política ao poder estabelecido, por causa disto morreu na cruz (Lc 23,1-5). Pi¬latos decidiu ficar do lado do poder deste mundo e não do lado de Jesus Cristo. Muitas comunidades cristãs volta e meia tomam a mesma decisão (Mt 25,45). Comunidade cristã não fica ao lado e apóia o poder baseado na sujeição de uma classe social sobre a outra e sistemas injustos implantados neste mundo, mas trans¬forma-os a partir do Evangelho de Jesus Cristo.

Olhando o Assunto
A Cruz de Cristo: Este símbolo é central por¬que confessamos: “É aqui, na cruz, que Deus nos encontra”. Aqui Deus se faz presente: Escondido na fraqueza, vulnerável, sofredor, abandonado e agonizante. No abismo do desespero, na mais profunda obscuridade, aí está Deus. Deus nos encontra na dolorosa realidade de sermos mortais, em nos¬sa solidão última, em nossa fraqueza. Ao olhar para a cruz, to¬dos os nossos intentos humanos de encontrar Deus se mostram ilusórios.
Nós não encontramos Deus. Deus é que nos encontra – em nossa obscuridade, nosso vazio, nossa dor, nossa solidão, nossa opressão e nossa fraqueza. Quando Deus nos encontra onde estamos, o Espírito Santo abre nossos olhos para ver que...
- A Cruz é o abraço de Deus
Deus entra em nossa obscuridade, expõe e ven¬ce os poderes que reinam neste mundo e nos abraça com aceitação total e incondicional. Identificando-se completamente com a dor e o sofrimento de nossa existência, Deus nos atrai para uma relação de amor com ele.
- A Cruz é a vitória de Deus
Deus entra em nossa obscuridade, expõe e vence os poderes que reinam neste mundo. Através da morte de Jesus, Deus nos liberta de qualquer pessoa, coisa ou sistema que nos escraviza, nos exigindo lealdade absoluta. Somos livres! Livres para permitir que Deus seja Deus. Livres para sermos humanos.
Mas nós gostamos mesmo é da teologia da glória que é querer viver uma vida religiosa sem ter que “morrer”, sem uma obediência radical a Jesus Cristo. Queremos ouvir a Palavra de Deus sem a cruz. Queremos que Cristo seja nosso mestre e admiramos o que disse mas não queremos seguí-lo. Que¬remos uma religião sem perguntas ou riscos; uma religião que oferece a alegria de “viver com Jesus” sem enfrentar nossos pecados e os pecados de nossa sociedade capitalista consumista, egoísta e destruidora da criação de Deus. Queremos uma religião que oferece uma salvação pessoal sem servir, viver, crescer, lutar ou celebrar com o corpo de Cristo, a Igreja. Queremos uma religião que evita temas bíblicos polêmicos como: repartir comida com os famintos, preocupar-se e lutar com os pobres e oprimi¬dos por justiça. Jesus diz não ao caminho da glória e reafirma que o caminho do reino de Deus é o caminho da cruz. O caminho da cruz é aceitar, conviver e compreender os excluídos e participar do processo de sua libertação.
Teologia da cruz é encontrar Deus onde ele es¬colhe encontrar-nos – em nossa tristeza, dor e sofri-mento e a de toda a sociedade. É escutar a bondosa palavra de Deus, que se manifesta na morte de Jesus na cruz. É seguir Jesus em sua morte e ressurreição. O caminho da cruz é o caminho da submissão à vontade do Pai, é ter confiança absoluta em Deus, é dedicação para a libertação humana, é solidariedade com o sofrimento humano, é liberdade para sermos humanos, fracos e vulneráveis pois somos justifica¬dos por graça através da fé.

Olhando a Palavra de Deus
“Certamente a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus” (I Co 1,18). “Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são” (I Co 1,28). “Então ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando sou fraco, então é que sou forte” (II Co 12, 9-10). Esta é, pois, a loucura da pregação da cruz.

Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
Martin Luther diz: “O teólogo da glória afirma ser bom o que é mau, e mau o que é bom; o teólogo da cruz diz as coisas como elas são. Isto é evidente, pois enquanto ignora Cristo, ele ignora o Deus oculto nos sofri¬mentos. Por isso, prefere as obras aos sofrimentos a glória à cruz, o poder à debilidade, a sabedoria à tolice e, de um modo geral, o bem ao mal. Esses são os que o apóstolo chama de inimigos da cruz de Cristo, certamente porque odeiam a cruz e os sofrimentos, ao passo que amam as obras e a sua glória. Assim, eles chamam o bem da cruz de um mal, e o mal da obra de um bem. Já dissemos, no entanto, que Deus não é encontrado senão nos sofrimentos e na cruz. Os amigos da cruz afirmam que a cruz é boa e que as obras são más, por¬que, pela cruz, são destruídas as obras e é crucifica¬do Adão; pelas obras, este é, antes, edificado. Por¬tanto, é impossível que não se envaideça com suas obras a pessoa que não for primeiramente examinada e destruída pelos sofrimentos e males, até que saiba que ela nada é e que as obras não são suas, mas de Deus”. (Tese 21 da Demonstração das Teses Debatidas no Capítulo de Heidelberg)
“Não obstante, aquela sabedoria não é má, nem se deve fugir da lei; sem a teologia da cruz, porém, o ser humano faz péssimo uso daquilo que há de melhor. Isto porque a lei é santa, toda dádiva de Deus é boa e toda criatura é muito boa. Entretanto, como foi dito acima, quem ainda não foi destruí¬do, reduzido a nada pela cruz e pelo sofrimento, atribui as obras e a sabedoria a si mesmo a não a Deus; desta forma, abusa das dádivas de Deus e as macula. Todavia, quem foi examinado pelos sofrimentos já não opera mesmo, mas sabe que é Deus quem nele opera e tudo realiza. Por isso, se Deus opera ou não, para ele é a mesma coisa: não se gloria caso Deus opera nele nem é confundido caso Deus não o faça. Ele sabe que lhe basta se sofre e é destruído pela cruz, para que seja, mais ainda, reduzido a nada. É isto que Cristo diz em Jo 3, 7: ‘Importa que nasçais de novo’. Para nascer, é necessário primeiro morrer e ser exaltado com o Filho do homem; digo morrer, isto é, sentir a presença da morte”. (Tese 24 da Demonstração das Teses Debatidas no Capítulo de Heidelberg)

A cruz com o crucificado, além da figuração candente do “sacrifício de Jesus na cruz que trouxe a nossa salvação” traz mais significados ainda.
1.A poimênica, para pessoas atribuladas e depressivas, doentes e moribundas (Jo 3, 14 ss).
2.A questionadora, de a pessoa se perguntar a quantas anda a sua relação com o crucificado (Jo 19,37). A cena no calvário, esculpido por Aleijadinho, que mostra um menino levando um enorme prego para o Gólgata.
3.A desafiadora, no sentido de enxergar, denunciar e evitar que Jesus Cristo seja novamente crucificado (Hb 6,1 ss), por pessoas cristãs ou não.
4.A convocadora, que acontece em três níveis:
a) Reconhecer e se lembrar que a pessoa foi crucificada com Jesus Cristo (Gl 2, 19; Rm 6, 7-10), razão pela qual se crucifica “a carne com suas paixões e seus desejos”(Gl 5, 24s; Rm 6, 4, 11-14; Cl 3,5ss)
b) Levar a cruz por causa de Jesus Cristo (Mc 8, 31 - 9,1; Gl 6, 14)
c) Sob e com a cruz de Jesus Cristo quebrar as cruzes nas quais se pendura, hoje em dia, homens, mulheres e crianças (“a grande cruz de Cristo carrega as nossas pequenas cru¬zes”, diz Luther, e assim temos os ombros livres para as cruzes dos semelhantes).
Onde inovar e renovar na comunidade sem perder a teologia da cruz? Como motivar e cativar sem vender o Evangelho? Há a necessidade urgente de uma formação teológica sólida para o povo e para os líderes. Clarear o que é religiosidade/religião e o que é fé cristã. Nos¬sos membros quando viram pentecostais saem para fazer trabalho missionário. Membros participam do culto para fugir dos problemas da vida e da família e não querem ser confronta¬dos com problemas que os textos bíblicos levantam. Contribuição atrasada, há muitos anos, denuncia o afastamento dos membros do trabalho comunitário. Trabalho maior é centralizado nos obreiros que são mantidos para fazer o que os membros não querem e não sabem fazer por falta de capacitação.


5º Dia

17. O QUE É UM SACRAMENTO? #

Ler o texto em grupos e conversar sobre os sacramentos e seu significado para nós

Baeske diz: Sacramentos são atos sagrados e misteriosos que existem em todas as religiões. Eles desafiam a nossa curiosidade e provocam a nossa tentação de manipulá-los.
Luther, na sua época, investiu muito para recuperar e interpretar os sacramentos a partir de Jesus Cristo. Dizia: "Encontramos o Evangelho, o Batismo, a Ceia do Senhor e o ofício das chaves pisados na lama. Aí os trouxemos novamente à luz, limpando-os da imundície. Agora, cada qual pode enxergar o que é o Evangelho, o Batismo, a Ceia do Senhor e o oficio das chaves".
Os cristãos dão muita importância aos sacra¬mentos. Como Luther, não vêem neles um ato mágico, cuja simples aplicação basta para que se salvem; tampouco, a mera participação garante a salvação. O sacramento para ser válido tem que ter a Palavra de Deus e um sinal visível e a nossa resposta pela fé. O sinal visível do Batismo é a água e ao o sinal visível da Ceia do Senhor são o pão e o vinho.
Sacramentos são meios pelos quais Deus se comunica conosco, apontam para a intenção de Deus, explicam-na e a desdobram. Eles são de Deus, não nossos. São instrumentos seus, não encenações nossas. São dádivas suas, não conquistas nossas ou prêmios para nós. Os sacramentos de Deus não se celebram, nem nós os merecemos. Recebemo-los gratuitamente. Através deles, o próprio Deus nos alcança, envolve e transforma, não apenas no coração ou no espírito. Ele toma posse de nós por inteiro, do nosso corpo, dos nossos órgãos, de tudo. Ele nos mantém junto de si para o que der e vier, para a vida ou para a morte. Ele nos oferece os sacramentos para levantar e fortalecer a fé em Cristo. Assim, Deus mesmo torna os sacra-mentos imprescindíveis para as pessoas cristãs.
Quem ama, quer comunicar-se com a pessoa amada. Investe tudo para que a pessoa amada não apenas saiba do amor, mas também o perceba com os cinco sentidos. Lembramos desta ilustração para tomarmos consciência de quanto Deus realiza para nos persuadir do seu amor, que é surpreendente e inimaginável. Somos incapazes de assimilá-lo. Ninguém percebe isso melhor do que Deus. Para poder¬mos perceber o seu amor, Deus se comunica conosco, não apenas através da sua Palavra, mas chega a nós também de forma visível com os sacramentos.
Luther define assim o sacramento do Batismo: "O Batismo não é apenas água simples, mas é a água compreendida no mandamento divino e ligada à Pa¬lavra de Deus". Deus nos declara o seu amor com to¬das as letras e o reforça com a água, no ato batismal, e o pão e o vinho, na Santa Ceia. Assim, o amor de Deus nos alcança através do gosto, do tato, do olfato, da visão e da audição. Ele é envolvente no sentido pleno da palavra; atinge a pessoa inteira. Nada fica de fora. E radical¬mente diferente do nosso amor. "O amor de Deus não acha, mas cria aquilo que lhe agrada; o amor do ser humano surge a partir do objeto que lhe agrada" (Luther). Deus "ama pecadores, maus, tolos, fracos, para torná-los justos, bons, sábios e fortes".
O amor de Deus cria, não conserta; constrói, não reforma. Mediante o Batismo, ele nos coloca para dentro do seu amor; na Santa Ceia, ele nos ali¬menta com o seu amor. No Batismo, Deus começa a sua história conosco, e com a Santa Ceia, ele nos conserva nela. O seu amor "é um forno que vai da terra até o céu" (Luther).

Temos dois Sacramentos:
Batismo e Ceia do Senhor.
O sacramento para ter valida¬de tem que ter a Palavra de Deus e um sinal visível.
Felizes são as pessoas que conseguem refletir sobre suas experiências boas e ruins e tirar proveito delas para a sua vida. Talvez seja este o ponto principal que diferencia cristãos e cristãs de outras pessoas. A fé em Jesus Cristo torna as pessoas conscientes das suas próprias contradições e tentações. Como poucos, Luther fez tal experiência. Segundo ele mesmo afirmou, essa experiência nunca termina enquanto se vive como cristão e cristã neste mundo.
Apesar das constantes lutas exteriores e interiores, Luther sempre se manteve confiante e alegre. As forças para tanto, ele buscava nos sacramentos. Ele mesmo confessa que estes o fizeram alegre e confiante. Pois neles, o compromisso que Jesus Cris¬to assumiu torna-se concreto, palpável e degustável. Quando mergulhava em desespero perante os seus pecados, os ataques dos seus inimigos e a ameaça da morte, escrevia na sua mesa: "eu fui batizado". Quando a sua vida ficava triste e vã, esvaía-se em trevas e o mal se apoderava dele, a ponto de que nada mais lhe apetecia, ia comer na mesa do Senhor. Bem, ai não somente ouvia a promessa da presença de Jesus Cristo, mas a sentia e a degustava. Já que na sua Ceia, ele mesmo, Jesus Cristo, é "a comida e a bebida, o cozinheiro e o garçom". De forma que se consumava a promessa de Jesus: “Eu sou teu e tu és meu; / onde eu estou, terás o céu. / Nada há de separar-nos”.
Temos dúvidas, fraquejamos na fé? Eis o consolo, o desafio e o convite para caminharmos pelo Batismo e nos abastecermos na Mesa do Senhor e, assim, resplandecermos como luzeiros no mundo, acesos e alimentados pela luz do mundo, Jesus Cris¬to.

18. Batismo #

Ler o texto em grupos e falar sobre o texto e sobre seu batismo:
Data que foi batizado
Padrinhos
Comunidade (qual)

Olhando a Prática da Vida
Apresentaremos a maior parte do relatório final da Comissão de Fé e Constituição do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) sobre Batismo realizado em Lima – Peru, no ano de 1982. Participaram na elaboração deste documento as seguintes Igrejas: Anglicana, Católico Romana, Lutera¬na, Metodista, Ortodoxa e Reformada.

Olhando o Assunto
1.A Instituição do Batismo
O batismo cristão tem o seu fundamento no ministério de Jesus de Nazaré, na sua morte e ressurreição. É in¬corporação em Cristo, o Senhor crucificado e ressuscitado; é entrada na Aliança nova entre Deus e o seu povo. O batismo é um dom de Deus, e é conferido no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. O evangelho de Mateus conta que o Senhor ressuscitado, ao enviar os seus discípulos ao mundo, ordenou-lhes que batizassem (Mt 28.18-20). A prática universal do batismo pela Igreja apostólica, desde os primeiros dias, é atestada nas cartas do Novo Testamento, nos Atos dos Apóstolos e nos escritos patrísticos. As Igrejas, hoje, continuam esta prática como um rito de empenho para com o Senhor, que espalha a sua graça sobre o seu povo.

2.A Significação do Batismo
O batismo é o sinal da vida nova em Jesus Cristo. Une o batizado com Cristo e o seu povo. As Escrituras do Novo Testamento e a liturgia da Igreja desenvolvem a significação do batismo, utilizando imagens variadas, exprimindo as riquezas de Cristo e os dons da sua salvação. Estas imagens estão algumas vezes em relação com os usos simbólicos da água no Antigo Testamento. O batismo é participação na morte e na ressurreição de Cristo (Rm 6.3-5; Cl 2.12); purificação do pecado (I Co 6.11); novo nascimento (Jo 3.5); iluminação por Cristo (Ef 5.14); mudança de vestuário em Cristo (Gl 3.27); renovação pelo Espírito (Tt 3.5); experiência de livramento através das vagas da destruição (I Pe 3.20-21); saída da escravatura (I Co 10.1 -2); libertação em vista de uma nova humanidade na qual são ultrapassadas as barreiras entre os sexos, as raças e as situações sociais (Gl 3.27-28; I Co 12.13). As imagens são numerosas mas a realidade é una.

3.Participação na morte e na ressurreição de Cristo
O batismo significa uma participação na vida, na morte e na ressurreição de Jesus Cristo. Jesus desceu ao Jordão e foi batizado, em solidariedade com os pecadores, a fim de cumprir toda a justiça (Mt 3.15). Este batismo conduziu Jesus no caminho do Servo sofredor, manifestado pela sua paixão, morte e ressurreição (Mc 10.38-40,45). Pelo batismo os cristãos são imersos na morte libertadora de Cris¬to, onde os seus pecados são sepultados, onde o "velho Adão" é crucificado com Cristo, e onde o poder do pecado é quebrado. Deste modo, os batizados não são mais escravos do pecado, mas livres. Total¬mente assimilados à morte de Cristo, eles são sepultados com ele e ressuscitam, aqui e agora, para uma vida nova no poder da ressurreição de Jesus Cristo, confiantes de que um dia serão também unidos a ele numa ressurreição semelhante à sua (Rm 6.3-11 ; Cl 2.13; 3.1; Ef 2.5,6).

4.Conversão, perdão, purificação
O batismo, que faz os cristãos participarem no mistério da morte e da ressurreição de Cristo, implica a confissão do pecado e a conversão do coração. Já o batismo administrado por João era um batismo de conversão em vista do perdão dos peca¬dos (Mc 1.4). O Novo Testamento sublinha as implicações éticas do batismo, representando-o como uma ablução que lava o corpo com uma água pura, uma purificação do coração de todo o pecado, e um ato de justificação (Hb 10.22; I Pe 3.21; At 22.16; I Co 6.11). Assim, os batizados são perdoados, purifica¬dos e santificados por Cristo; recebem uma nova orientação ética, sob a conduta do Espírito Santo, que faz parte da sua experiência batismal.

5.Dom do Espírito
O Espírito Santo opera nas vidas antes, durante e depois do batismo. É o mesmo Espírito que revelou Jesus como o Filho (Mc 1. 10-11) e que deu o seu poder aos discípulos, assim como a unidade, no Pentecostes (At 2). Deus derrama sobre cada batizado a unção do Espírito Santo prometido, marca-o com o seu selo e põe no seu coração a garantia da sua herança como Filho de Deus. O Espírito Santo alimenta a vida da fé no seu coração, até à libertação final, altura em que tomarão posse da sua herança, para louvor da glória de Deus (2 Co 1.21-22; Ef 1.13-14).

6.Incorporação no corpo de Cristo
Celebrado em obediência ao nosso Senhor, o batismo é um sinal e um selo do nosso empenho comum de discípulos. Através do seu próprio batismo, os cristãos são conduzidos à união com Cristo, com cada um dos outros cristãos e com a Igreja de todos os tempos e de todos os lugares. O nosso batismo comum, que nos une ao Cristo na fé, é assim um vínculo fundamental de unidade. Somos um só povo e somos chamados a confessar e a servir a um só Senhor, em cada lugar e no mundo inteiro. A união com Cristo que partilhamos pelo batismo tem implicações importantes para a unidade cristã: "Há ... um só batismo, um só Deus e Pai de todos..." (Ef 4.4-6). Quando a unidade batismal se realiza na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, um testemunho cristão autêntico pode ser prestado do amor de Deus que cura e reconcilia. É por isso que o nosso único batismo em Cristo constitui um apelo dirigido às Igrejas, para ultrapassarem as suas divisões e manifestarem visivelmente a sua comunhão.

7.Sinal do Reino
O batismo se abre para a realidade da vida nova dada neste mundo. Faz participar na comunidade do Espírito Santo. É um sinal do Reino de Deus e da vida do mundo futuro. Graças aos dons da fé, da esperança e do amor, o batismo possui uma dinâmica que atinge toda a vida, estende-se a todas as nações e antecipa o dia quando toda a língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus o Pai.

8.O Batismo e a Fé
O batismo é simultaneamente o dom de Deus e a nossa resposta a este dom.
Tende a um crescimento em direção ao estado de adulto, à estatura de Cristo na sua plenitude (Ef 4.13). To¬das as Igrejas reconhecem a necessidade da fé para receber a salvação implicada e manifestada no batismo. O empenho pessoal é necessário para se ser um membro responsável no Corpo de Cristo.
O batismo não consiste somente numa experiência momentânea, mas tem a ver com o crescimento de toda uma vida na comunhão de Cristo. Os batizados são chamados a refletir a glória do Senhor, a ser transfigurados nesta mesma imagem, com uma glória cada vez maior, pelo poder do Espírito Santo (2 Co 3.18). A vida do cristão é necessariamente um combate contínuo, mas também uma contínua experiência da graça. Nesta relação nova, os batizados vivem para Cristo, para a sua Igreja e para o mundo que ele ama, aguardando na esperança a manifestação da nova criação de Deus e do tempo em que Deus será tudo em todos (Rm 8.18-24; I Co 15.22-28, 49-57).
Crescendo na vida da fé, os crentes batizados manifestam que a humanidade pode ser regenerada e liberta¬da. Eles têm a responsabilidade comum de, aqui e agora, prestarem testemunho conjunto do Evangelho de Cristo, o libertador de todos os seres humanos. O contexto deste testemunho comum é a Igreja e o mundo. Nesta comunhão de testemunho e de serviço, os cristãos descobrem a plena significação do único batismo como dom de Deus a todo o seu povo. Do mesmo modo, eles reconhecem que o batismo na morte de Cristo tem implicações éticas, que não somente chamam à santificação pessoal, como também empenham os cristãos na luta para que se realize a vontade de Deus em todos os setores da vida (Rm 6.9ss; Gl 3.26-28; I Pe 2.21-4.6).

9. Batismo de adultos e batismo de crianças
É possível que o batismo de crianças tenha sido praticado no período apostólico, mas o batismo depois de uma profissão de fé pessoal é a forma mais claramente atestada nos documentos do Novo Testa-mento. No decurso da história, a prática do batismo desenvolveu-se segundo formas variadas. Certas Igrejas batizam crianças apresenta¬das por pais ou por responsáveis dispostos a criá-las, na e com a Igreja, segundo a fé cristã. Outras Igrejas praticam exclusivamente o batismo de crentes ao fazerem uma confissão de fé pessoal. Entre estas Igrejas há as que recomendam que os recém-nascidos ou as crianças sejam apresentados e abençoados no decurso de um serviço, que compreende habitualmente uma ação de graças pelo dom da criança, assim como a manifestação do empenho da mãe e do pai em serem pais cristãos. As Igrejas batizam crentes que, vindos de outras religiões ou da descrença, aceitam a fé cristã e participam de uma preparação catequética.
O batismo de adultos e o batismo de crianças têm lugar, um e o outro, no seio da Igreja como comunidade de fé. Quando um crente responsável é batizado, uma profissão de fé pessoal fará parte integrante do serviço batismal. Quando uma criança é batizada, a resposta pessoal ocorrerá mais tarde na sua vida. Nos dois casos, o batizado terá que crescer na compreensão da fé. No caso dos batizados que professam pessoalmente a fé, há sempre a exigência de um crescimento contínuo da resposta pessoal na fé. No caso das crianças, espera-se para mais tarde uma confissão pessoal; a educação cristã é orientada tendo em vista o desenvolvimento para essa confissão. Todo o batismo é fundado na fidelidade a Cris¬to até à morte e proclama essa fidelidade. Está situa¬do no coração da vida e da fé da Igreja, e revela a fidelidade de Deus, fundamento de toda a vida na fé. A cada batismo, a comunidade inteira reafirma a sua fé em Deus e empenha-se para proporcionar ao batizado um ambiente de testemunho e de serviço. O batismo deveria, pois, ser sempre celebrado e desenvolvido no contexto da comunidade cristã.
O batismo é um ato que não pode ser repetido. Deve-se evitar toda e qualquer prática que possa ser interpretada como um "re-batismo".
O batismo é celebrado com água, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Na celebração do batismo, o valor simbólico da água deveria ser toma¬do a sério e não reduzido. O ato da imersão pode exprimir de maneira concreta o fato de que, no batismo, o cristão participa na morte, na sepultura e na ressurreição de Cristo.

Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
A Confissão de Augsburgo diz no Artigo IX: “Do batismo se ensina que é necessário e que por ele se oferece graça; que também se devem batizar as crianças, as quais, pelo batismo, são entregues a Deus e a ele se tornam agra¬dáveis”.
Martin Luther explica: “Que é o batismo? Resposta: O batismo não é apenas água simples, mas é a água compreendida no mandamento divino e ligada à palavra de Deus. (...) O que aproveita o batismo? Resposta: Opera a re¬missão dos pecados, livra da morte e do diabo, e dá a salvação eterna a quantos crêem, conforme rezam as palavras e promessas de Deus”.

19. Batismo - Graça de Deus #

Ler o texto em grupos e trazer para a plenária alguns assuntos para discussão

Olhando o Assunto
Nas comunidades da IECLB, centenas são as crianças a serem batizadas semanalmente. O Batismo de crianças tornou-se, de maneira geral, um acontecimento tão “normal” e “comum” que sua prática se transformou em algo vazio e tradicional.
Por que, afinal, batizamos? O que nos leva como pais, padrinhos e comunidade a trazermos ao altar uma criança que nada entende daquilo que acontece com ela, para ser batizada? Que significa este ato para todos os envolvidos?

O que nos responde a Bíblia?
Encontramos no Novo Testamento diversas passagens que se referem ao Batismo. Certamente a passagem mais importante que autoriza os cristãos batizarem seus novos membros, nós encontramos em Mt 28, 19-20: “Ide, portanto, fazei discípulos de to¬das as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as cousas que vos tenho ordenado...”. É uma ordem dada por Jesus, após a ressurreição. Importante nisto é que Jesus nunca foi tão claro sobre o Batismo como agora, depois de sua ressurreição. No entanto, não foi Jesus quem inventou o Batismo. Entre o povo judeu o Batismo era praxe, sendo o exemplo mais claro João Batista que inclusive batizou a Jesus.
Também nos demais livros do Novo Testamento (I Co 1,16; At 16,15) encontramos passagens sobre o Batismo, mais especificamente entre as primeiras comunidades cristãs, conforme alguns relatos, o Batismo acontecia na família e envolvia todos os membros. Não há referência explícita somente ao batismo de crianças ou de adultos. A casa toda era batizada: os pais, os filhos (certamente também crianças pequenas), escravos e todos os que normal¬mente pertenciam à grande família judaica. Somente a partir do século 2 começou-se a dar mais valor ao batismo de crianças. A partir do século 4 o batismo de crianças tornou-se tradição.
Das inúmeras passagens sobre o Batismo pode-se concluir que ele é importante porque:
é realizado em nome de Jesus (At 8,16; Rm 6,3); concede remissão dos pecados (At 2,38); nele dá-se o Espírito Santo (At 2,38); acontece a promessa de uma nova identidade, em favor de uma nova comunhão (Gl 3,27); é dada a renovação, regeneração e o renascimento da pessoa (Jo 3,5; Tt 3,5-7); a pessoa passa a pertencer ao corpo de Cristo, à grande família cristã, tornando-se membro da mesma (I Co 12,13); a pessoa é ordenada sacerdote ou sacerdotisa; (I Pe 2,5 e 9) simboliza a morte da pessoa com Cristo para o pecado e renas¬cimento com Cristo para uma nova vida (Cl 2,12; Rm 6,4 - 11).
Estas passagens levam a constatar que:
o sujeito do Batismo é Deus e, conseqüentemente, Jesus e o Espírito Santo, e não a pessoa ou a comunidade;
o Batismo é sinal da graça de Deus e não conquista pela fé ou pelas obras;
o Batismo resulta em compromisso a ser vivido no dia- a- dia.

O Batismo é Presente (graça) e não Conquista.
Deus estende sua mão às pessoas, independentemente de sexo, idade, raça, classe social ou de outras características, chamando-as para seu serviço. No Batismo Deus diz: “Sim” à pessoa. “Eu estou contigo, estou aqui para ti, quero estar contigo para sempre”, sem que ela necessite conquistar esta proteção de Deus. Pelo Batismo a pessoa passa a ser propriedade de Deus. Deus é o proprietário exclusivo da criança, e não os pais ou o governo (Is 43,1). E é a Deus que devemos prestar conta pelo que faze¬mos ou deixamos de fazer pelos novos membros da grande família cristã.
Ao nos chamar para seu serviço, Deus nos integra em sua grande família, no corpo de Cristo. Nesta família não há membros mais importantes ou menos importantes, todos estão na mesma caminhada neste corpo e encontram-se em condições de igualdade perante Deus. Cada um é chamado a contribuir com seus dons e talentos nesta grande família. Por isso o Batismo é realizado sempre em comunidade. Ninguém se batiza a si mesmo ou sozinho em casa. Isso significa que cada membro da comunidade é também responsável pelos futuros caminhos dessa criança. Significa que numa comunidade de fé as dificuldades, os problemas e as alegrias de uma pessoa ou família passam a dizer respeito a todos os membros.
Nisto está também a importância dos padrinhos. Sua escolha deve ser um ato de muita responsabilidade, já que sua tarefa é acompanhar mais de perto, junto com os pais, o crescimento total da criança. Ao mesmo tempo os padrinhos também representam os pais na ausência ou impossibilidade desses, a fim de cuidarem do afilhado.

A Oferta do Batismo nos Compro¬mete.
Se Deus estende sua mão sem que precisamos esforçar-nos, isso não quer dizer que podemos ficar de braços cruzados. Deus convida, mas espera também uma resposta. Essa resposta não é dada somente em ocasiões especiais de nossa vida. Nossa vida toda quer ser uma resposta ao chamado de Deus.
Isso é mostrado bem claramente na história de Zaqueu (Lc 19,1-10). Jesus vai ao encontro de Za-queu não por¬que esse o tivesse merecido, mas Za¬queu muda ao se confrontar com Jesus. Ele responde ao convite, ao ato de graça de Deus. Muda de atitude em relação a Deus, a si mesmo e aos outros. Assim é também com o Batismo: Deus vai ao encontro da pessoa, estende-lhe a mão, confia a pessoa (criança) às mãos da comunidade e conta com uma resposta.

A Fé é um Dom de Deus.
A pessoa não nasce com fé. Ela vem ao mundo com a “semente” da fé. Existe em cada um de nós a possibilidade de ter fé, de crer em Deus, de poder responder a seu chamado. Essa possibilidade é dom de Deus. Também aqueles que não foram batizados na infância estão aqui incluídos, pois o Batismo por si só não é a garantia para a fé. Ao mesmo tempo em que a fé é presente de Deus, ela também está ligada a outros fatores.
Vir a crer em Deus depende muito mais das experiências diárias da criança, do que de atividades meramente “religiosas” (saber de cor orações, os Dez Mandamentos, participar do ensino religioso, culto, etc.). Tais atividades são importantes quando fazem parte de uma preocupação mais ampla com o crescimento da criança. Pois a pessoa, desde que nasce, é a soma de muitos fatores intimamente liga¬dos entre si e inseparáveis. Somos, ao mesmo tempo, área física, intelectual, emocional, social e espiritual.

O Batismo Cristão.
O dia de Pentecostes marca o início tanto da Igreja como da prática do batismo cristão. Marca também o cumprimento da profecia de João referente àquele que batizaria com o Espírito Santo e com fogo. Não sabemos se todas as pessoas presentes no cenáculo, no dia de Pentecostes, foram batizadas pelo apóstolo João; algumas certa¬mente o foram. Mas todas elas receberam as línguas de fogo e fica¬ram cheias do Espírito Santo. Pedro disse, quanto à questão daqueles que responderam com fé a seu ser¬mão, o seguinte:
"Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para re¬missão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos, e para todos os quais ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor nosso Deus chamar." (At 2.38-39)
É então apresentado aquilo que poderia ser chamado de seqüência batismal do Livro de Atos: proclamação do Evangelho + resposta em arrependimento e fé + batismo com água + recepção do Espírito Santo + vida em comunhão cristã (At 2.42). Isso é confirmado pelos relatos do Batismo do eunuco etíope (8.26-39), de Saulo/Paulo (9.17-18), da família de Lídia (l6.14-15), da família do guarda da prisão de Filipos (l6.25-34) e do rebatismo dos discípulos de João Batista em Éfeso (l9.l-7).

Paulo, o teólogo batismal.
Paulo retoma a relação entre o Batismo e a morte, já estabelecida pelas próprias palavras de Jesus, e a aplica ao batismo cristão (Rm 6.1-11). Ele ensina que ser batizado em Cristo significa ser batizado em sua morte. Isso significa nossa participação na salvação que Jesus obteve, mediante nossa união à sua morte e ressurreição. A união com sua morte marca o fim de nossa prisão ao pecado. A união com sua Ressurreição é nossa esperança segura de que viveremos com ele para sempre. A passagem da morte para a vida, da prisão à liberdade, que o Batismo celebra ritualmente, encontra seu paralelo no rito da circuncisão, mediante a qual os elementos do sexo masculino de Israel eram incorporados à vida da Aliança (Cl 2.11-12). A libertação batismal é aprofundada pelo paralelo entre nosso batismo na morte e Ressurreição de Cristo e o batismo de Israel em Moisés através das águas do mar (l Co 10.1-2). Portanto, o Batismo não é visto apenas no contexto de resposta em fé ao Evangelho, mas também como vida dedicada aos outros.
Deus agiu em Cristo para nos salvar. Deus age no Batismo para nos salvar. Nossa salvação vem mediante sua graça; recebemo-lo através da fé. E mesmo a fé em si é um dom da graça: É nossa capa-cidade, dada por Deus, de percebê-lo atuando na pessoa de Jesus e na água do Batismo. Além disso, a fé é nossa capacidade de receber o que Deus nos oferece em Cristo e no Batismo. Tanto graça quanto fé são palavras que exprimem uma relação: Deus é gracioso para conosco; nós respondemos a ele com fé.
Se o Batismo é o sacramento de salvação, isto é, se participação na morte e Ressurreição de Jesus une as pessoas com o que Deus realizou em Cristo, devemos perguntar pelas implicações da salvação. Salvação é ao mesmo tempo um fenômeno futuro e passado; ela afeta a vida no presente. Cristo salvou-nos por sua morte e Ressurreição. Cristo nos salvará quando vier em glória.
Ser salvo é estar unido a Cristo e, assim, ser parte do Reino que ele proclamou e estabeleceu. É compartilhar da esperança segura de que aquilo que Cristo realizou uma vez será levado à plenitude na parusia. Ser cidadão do Reino é viver na tensão entre o já e o ainda não. É viver pela fé, porque nossa cidadania no Reino de Deus não pode ser provada mediante a concessão de um passaporte universal¬mente reconhecido. Escatológico é a palavra usada para expressar essa tensão, essa apropriação do futuro de Deus: a vida de fé.
Olhando a Palavra de Deus
A ênfase na morte/Ressurreição aparece em I Pedro onde é comparada com a salvação de Noé e sua família por parte de Deus das águas do dilúvio (I Pe 3.21). Em Tito, o Batismo é chamado de "lavar regenerador e renovador do Espírito Santo". A ênfase é posta com razão na ação graciosa de Deus em oposição à nossa própria conquista (Tt 3.4-7).
Outras passagens do Novo Testamento abordam implicitamente o Batismo. Uma delas é o rela¬to, por sinal bastante conhecido, da visita noturna de Nicodemos a Jesus (Jo 3.1-6). A discussão se centraliza na entrada no Reino de Deus; Jesus insiste em que para isso se requer um novo nascimento ou nas¬cimento de cima. Respondendo à pergunta óbvia de Nicodemos, Jesus esclarece: "Quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que nascido da carne, carne, e o que nasci¬do do Espírito, espírito".
Rm 6, onde se descreve a transferência da escravidão ao pecado à escravidão à justiça e desenvolve o tema em termos de mudança de senhorio, de ser marcado com o selo de propriedade:
"Deus também nos selou e nos deu o penhor do Espírito em nossos corações." (II Co 1.22)

20. Ceia do Senhor 1 #

Ler o texto em grupos e destacar os principais assuntos deste documento.
Você pode ficar sem a Ceia do Senhor?

Olhando a Prática da Vida
Apresentamos a maior parte do relatório final da Comissão de Fé e Constituição do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) sobre Eucaristia realizado em Lima – Peru, no ano de 1982.
Participaram na elaboração deste documento as seguintes Igrejas: Anglicana, Católico Romana, Luterana, Metodista, Ortodoxa e Reformada.

Olhando o Assunto
1.A instituição da eucaristia
"Eis o que eu recebi do Senhor, o que vos transmiti: o Senhor Jesus, na noite em que foi entregue, tomou o pão, e, depois de ter dado graças, partiu-o e disse: 'Isto é o meu corpo, que é dado por vós, fazei isso em memorial de mim' " (I Co 11.23-25; cf. Mt 26.26-29; Mc 14.22-25; Lc 22.14-20).
As refeições que Jesus partilhou durante o seu ministério terrestre, e das quais temos notícia, pro-clamam e representam a proximidade do Reino: a multiplicação dos pães é disso um sinal. Quando da sua última refeição, a comunhão do Reino foi posta em relação com a perspectiva dos sofrimentos de Jesus. Depois da sua ressurreição, o Senhor manifestou a sua presença e deu-se a conhecer aos seus discípulos no partir do pão. A eucaristia encontra-se, assim, na linha de continuidade dessas refeições de Jesus durante a sua vida terrestre e depois da sua ressurreição, sinais contínuos do Reino. Os cristãos consideram que a eucaristia é prefigurada pelo memorial do livramento, na Páscoa de Israel, libertação do país, da servidão; e pela refeição da Aliança no monte Sinai (Êx 24). Ela é a nova refeição pascal da Igreja, a refeição da Nova Aliança que Cristo deu aos seus discípulos como o memorial da sua morte e da sua ressurreição, como a antecipação do banquete do Cordeiro (Ap 19.9); Cristo ordenou aos seus discípulos que fizessem memória dele, encontrando-o assim, nesta refeição sacramental, como povo de Deus peregrino, até à sua volta.
A última refeição celebrada por Jesus foi uma refeição litúrgica que utilizava palavras e gestos simbólicos. Conseqüentemente, a eucaristia é uma re¬feição sacramental que, através de sinais visíveis, nos comunica o amor de Deus em Jesus Cristo, o amor com que Jesus amou os seus "até ao fim" (Jo 13.1). Têm-lhe sido dados diversos nomes, por exemplo: refeição do Senhor, partir do pão, santa ceia, santa comunhão, divina liturgia, missa. A sua celebração é sempre o ato central do culto da Igreja.

2.A significação da eucaristia
A eucaristia é essencialmente o sacramento do dom que Deus nos faz em Cristo, pelo poder do Espírito Santo. Cada cristão recebe este dom da salvação pela comunhão no corpo e no sangue de Cris¬to. Na refeição eucarística, no ato de comer o pão e de beber o vinho, Cristo concede a comunhão com ele. Deus mesmo age na eucaristia dando vida ao corpo de Cristo e renovando cada membro deste corpo. Segundo a promessa de Cristo, cada batizado, membro do corpo de Cristo, recebe na eucaristia a segurança da remissão dos pecados (Mt 26.28) e a garantia da vida eterna (Jo 6.51-58). Ainda que a eucaristia seja essencialmente um todo, ela será considerada aqui sob os seguintes aspectos: ação de graças ao Pai, memorial de Cristo, invocação do Espírito, comunhão dos fiéis, refeição do Reino.

3.A eucaristia como ação de graças ao Pai
A eucaristia, que contém sempre simultaneamente palavra e sacramento, é uma proclamação e uma celebração da obra de Deus. A eucaristia é a grande ação de graças ao Pai por tudo o que ele cumpriu na criação, na redenção e na santificação, por tudo o que ele cumpre agora na Igreja e no mundo não obstante o pecado dos seres humanos, por tudo o que ele cumprirá conduzindo o seu Reino até à plenitude. Deste modo, a eucaristia é a bênção pela qual a Igreja exprime o seu reconhecimento para com Deus por todos os favores.

4.A eucaristia como memorial de Cristo
A eucaristia é o memorial de Cristo crucifica¬do e ressuscitado, isto é, o sinal vivo e eficaz do seu sacrifício, cumprido uma vez por todas sobre a cruz, e continuamente agindo a favor de toda a humanidade. A concepção bíblica do memorial aplicada à eucaristia exprime esta eficácia atual da obra de Deus quando ela é celebrada pelo seu povo sob a forma de liturgia.
O próprio Cristo, com tudo o que ele cumpriu por nós e pela criação inteira (na sua encarnação, condição de servo, ministério, ensino, sofrimento, sacrifício, ressurreição, ascensão e envio do Espírito Santo) está presente neste memorial: ele concede-nos a comunhão com ele. A eucaristia é, deste modo, a antecipação da sua volta e do Reino eterno.
O memorial, onde Cristo age através da celebração jubilosa da sua Igreja, é pois simultaneamente representação e antecipação. O memorial não é somente uma lembrança do passado ou da sua significação; é a proclamação eficaz feita pela Igreja da grande obra de Deus e das suas promessas.
O memorial, como representação e antecipação, cumpre-se sob a forma de ação de graças e de intercessão. Proclamando diante de Deus, na ação de graças, a grande obra de redenção, a Igreja inter¬cede junto dele para que ele conceda a todos os seres os benefícios desta libertação. Nesta ação de graças e intercessão, a Igreja está unida com o Filho, seu Sumo Sacerdote e seu intercessor (Rm 8.34; Hb 7.25). A eucaristia é o sacramento do sacrifício único de Cristo, continuamente vivo para interceder em nosso favor. Ela é o memorial de tudo o que Deus faz pela salvação do mundo. O que Deus quis cumprir na encarnação, vida, morte, ressurreição e ascensão de Cristo, não volta a fazê-lo; esses acontecimentos são únicos, não podem ser nem repetidos nem prolongados. No memorial da eucaristia, porém, a Igreja oferece a sua intercessão, na comunhão de Cristo, nosso Sumo Sacerdote.
O memorial de Cristo é o fundamento e a fonte de toda a oração cristã. A nossa oração apóia-se na intercessão contínua do Senhor ressuscitado, está unida a esta intercessão. Na eucaristia, Cristo dá-nos a força para vivermos com ele, sofrermos com ele e orarmos por intermédio dele, como pecadores justificados que cumprem livre e alegre¬mente a sua vontade.
Em Cristo oferecemo-nos a nós mesmos em sacrifício vivo e santo em toda a nossa vida quotidiana (Rm 12.l; I Pe 2.5); este culto espiritual agradável a Deus alimenta-se na eucaristia, onde somos santificados e reconciliados no amor, para sermos servidores da reconciliação no mundo.
As palavras e gestos de Cristo na instituição da eucaristia estão no coração da celebração: a refeição eucarística é o sacramento do corpo e do sangue de Cristo, o sacramento da sua presença real. Cristo cumpre de modos múltiplos a sua promessa de estar com os seus para sempre até ao fim do mundo. Mas o modo da presença de Cristo na eucaristia é único. Jesus disse sobre o pão e o vinho da eucaristia: "Isto é o meu corpo... Isto é o meu sangue...... O que Cris¬to disse é a verdade e cumpre-se todas as vezes que a eucaristia é celebrada. A Igreja confessa a presença re¬al, viva e ativa de Cristo na eucaristia. Ainda que a presença real de Cristo na eucaristia não dependa da fé dos indivíduos, todos estão de acordo para dizer que o discernimento do corpo e do sangue de Cristo exige a fé.

2.A eucaristia como invocação do Espírito
O Espírito Santo faz com que Cristo crucifica¬do e ressuscitado esteja realmente presente para nós na re¬feição eucarística, cumprindo assim a promessa contida nas palavras da instituição. É evidente que a eucaristia está centrada na presença de Cristo e, por conseguinte, que a promessa contida nas palavras da instituição é fundamental para a celebração. O Pai é, contudo, a origem primeira e o cumprimento final do aconteci¬mento eucarístico. O Filho de Deus feito homem, por quem, com quem e em quem esse acontecimento se cumpre, é o seu centro vivo. O Espírito Santo é a incomensurável força de amor que torna isso possível, to¬mando-o eficaz. Este vínculo da celebração eucarística com o mistério do Deus- Trindade, situa o papel do Espírito Santo como o que atualiza e vivifica as palavras históricas de Cristo. Na certeza de ser atendida em virtude da promessa de Jesus contida nas palavras da instituição, a Igreja pede ao Pai o Espírito Santo para que ele cumpra o acontecimento eucarístico: a presença re¬al de Cristo crucificado e ressuscitado que dá a sua vida por toda a humanidade.
Toda a celebração da eucaristia está dependente da ação do Espírito Santo. Este aspecto da eucaristia encontra uma expressão variada nas palavras da liturgia.
A Igreja, como comunidade da nova aliança, invoca o Espírito com confiança, a fim de ser santificada e renovada, conduzida em toda a justiça, verdade e unidade, e fortalecida para cumprir a sua missão no mundo.
O Espírito Santo através da eucaristia, dá uma pregustação do Reino de Deus: a Igreja recebe a vida da nova criação e a segurança da volta do Senhor,

1.A eucaristia como comunhão dos fiéis
A comunhão eucarística com o Cristo presente, que alimenta a vida da Igreja, é ao mesmo tempo comunhão no Corpo de Cristo que é a Igreja. A parti¬lha do mesmo pão e do cálice comum, num dado lugar, manifesta e cumpre a unidade dos participantes com Cristo e com todos os comungantes, em todos os tempos e em todos os lugares. É na eucaristia que a comunidade do povo de Deus é plenamente manifestada. As celebrações eucarísticas estão sempre em relação com a Igreja inteira, e toda a Igreja está implicada em cada celebração eucarística.
A eucaristia abarca todos os aspectos da vida. É um ato representativo de ação de graças e de oferta em nome do mundo inteiro. A celebração eucarística pressupõe a reconciliação e a partilha com todos, olhados como irmãos e irmãs da única família de Deus; ela é um constante desafio na busca de relações normais no seio da vida social, econômica e política (Mt 5.23 ss; I Co 10. l 6 ss; I Co 11.20-22; Gl 3.28). Quando partilhamos o corpo e o sangue de Cristo, há um desafio radical que é lançado a todas as formas de injustiça, de racismo, de separação e de ausência de liberdade. Através da eucaristia, a graça de Deus, que renova tudo, penetra e restaura a pessoa humana e a sua dignidade. A eucaristia envolve o crente no acontecimento central da história do mundo. Como participantes na eucaristia, pois, mos¬tramo-nos inconseqüentes se não participamos ativamente nesta restauração contínua da situação do mundo e da condição humana. A eucaristia mostra-nos que o nosso comportamento é inconsistente em face da presença reconciliadora de Deus na história humana: estamos colocados sob um julgamento contínuo pela persistência de todas as espécies de relações injustas na nossa sociedade, pelas numerosas divisões devidas ao orgulho humano, ao interesse material e às políticas do poder, e enfim pela obstinação assumida nas oposições confessionais injustificáveis no seio do Corpo de Cristo.

3.A eucaristia como refeição do Reino
A eucaristia abre a visão do Reino de Deus, prometido com a renovação final da criação, ela é uma antecipação dessa nova ordem de coisas. Sinais dessa renovação estão presentes no mundo por toda a parte onde a graça de Deus se manifesta, e onde os seres humanos trabalham pela justiça, pelo amor e pela paz. A eucaristia é a festa na qual a Igreja dá graças a Deus por esses sinais, celebra e antecipa, na alegria, a vinda do Reino em Cristo (I Co 11.26; Mt 26.29).
Reconciliados na eucaristia, os membros do corpo de Cristo são chamados a ser servidores da re-conciliação no meio de homens e mulheres, e testemunhas da alegria cuja origem é a ressurreição. Tal como Jesus ia ao encontro dos publicamos e dos pecadores e comia com eles durante o seu ministério terrestre, assim também os cristãos são chamados, na eucaristia, a serem solidários dos marginais e a tornarem-se sinais do amor de Cristo, que viveu e se sacrificou por todos, que se dá agora a si mesmo na eucaristia.
Dom total de Deus, a eucaristia oferece a realidade nova que transforma a vida dos cristãos, a fim de fazer deles imagem de Cristo e suas testemunhas eficazes. A eucaristia é, deste modo, um precioso alimento para os missionários, o pão e o vinho dos peregrinos, em vista do seu êxodo apostólico no mundo. A comunidade eucarística é alimentada de maneira a poder confessar, por palavras e ações, que Jesus Cristo é o Senhor o qual ofereceu a sua vida pela salvação do mundo. Ao tornar-se um povo único em torno de uma refeição única, a assembléia eucarística deve inevitavelmente preocupar-se com a reunião daqueles que estão para além dos seus limites visíveis, pois é Cristo quem convidou para o seu banquete todos aqueles pelos quais ele morreu. O fato de os cristãos não poderem reunir-se numa plena comunhão à mesma mesa, para comerem o mesmo pão e beberem o mesmo cálice, constitui um enfraquecimento do seu testemunho missionário individual e comum.

Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
A Confissão de Augsburgo diz no Artigo X: “Da ceia do Senhor se ensina que o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue de Cristo estão verdadeira¬mente presentes na ceia sob a espécie do pão e do vinho e são nela distribuí¬dos e recebidos”.
Martin Luther explica: “Que proveito há nesse comer e beber? Resposta: Isso nos indicam as palavras: “Dado em favor de vós” e “der¬ramado para remis¬são dos pecados”, a saber, que por essas palavras nos são da¬das no sacra¬mento remissão dos pecados, vida e salvação. Pois onde há remissão dos pecados, há também vida e salvação”.


21. A Ceia do Senhor 2 #

Ler o texto em grupos e discutir quais os grandes desafios que a Ceia do Senhor nos coloca.

Olhando a Prática da Vida
Vivemos num mundo onde a competitividade, a concorrência, a ganância, o egoísmo, o individualismo se sobrepõe a tudo. Como ser comunidade de Jesus Cristo neste contexto? Como espelhar o Projeto do Reino neste meio? A Ceia do Senhor quer nos mostrar o alvo a ser perseguido. Quer nos mostrar como se viabiliza o Projeto do Reino.

Olhando o Assunto
Eucaristia: Memorial de Libertação.
- Esta refeição chamamos de Eucaristia, porque comemos e bebemos em um espírito de ação de graças (Eucaristia significa: ação de graças).
- Cremos que na Ceia Jesus Cristo está conosco como o Cristo do passado: na refeição a morte do Senhor é anunciada, pois recordamos que foi através de um corpo partido e do sangue derramado que Deus escolheu salvar o mundo; como o Cristo do presente: na refeição Cristo está presente; como o Cristo do futuro: na re¬feição nos é dado um aperitivo da festa vindoura, do grande banque¬te no Reino de Deus que virá. O futuro irrompe no presente. Vemos uma imagem do dia que virá, dia em que toda a criação estará unida sob o senhorio de Cristo.
Celebrar a Eucaristia é comprometer-se a viver como Jesus viveu, isto é, com e para os outros. Por-que esquecemos isto e não nos comprometemos solidariamente, a nossa sociedade está doente, fraca e quase morta: “Cada um examine a si mesmo antes de comer deste pão e beber deste cálice, pois se alguém come e bebe sem reconhecer o corpo do Senhor, come e bebe a própria condenação. É por isso mesmo que há tantos fracos e doentes entre vocês e mui¬tos já morreram” (I Co 11,28-30).
“Fazei isto em memória de mim!” O que significa celebrar Eucaristia como memorial de Cristo? “Memorial”, no sentido bíblico, é mais do que uma simples lembrança. É uma palavra-chave da Eucaristia, que só pode ser compreendida em referência à história concreta de um povo e de sua relação com Deus.
Israel celebrava a páscoa como memorial dos “Grandes feitos” de Javé em favor de seu povo: “Naquele dia tu darás a teu filho a explicação seguinte: é por causa do que Javé fez por mim, por ocasião da minha saída do Egito” (Ex 13,8). Esta referência ao Êxodo, à libertação do Egito, tal como é vivido nas liturgias de renovação da Aliança, no Sinai, faz do culto de Israel um memorial. Trata-se de uma celebração litúrgica que não somente lembra ou reapresenta, mas re-cria, renova e atualiza a intervenção passada de Deus em favor de seu povo. Assim esta intervenção é sempre atual e atuante, ainda hoje e também amanhã. É uma profissão de fé na fidelidade da intervenção de Deus em favor do povo. Será as¬sim até o fim. Isto se torna, ao mesmo tempo, motivo de ação de graças e de súplica. O memorial é lembrança agradecida e súplica confiante. Engloba três dimensões fragmentárias do tempo numa única e permanece globalidade: faz referência ao passado, é atualidade no presente e abertura para o futuro.
Na celebração da Páscoa judaica, até hoje, o pai de família apresenta o vinho e proclama: “O vinho, com sua cor vermelha significa a própria vida com seus momentos doces e amargos: em tempo de opressão não falte a esperança da liberdade. Em tempo de liberdade não se apague a lembrança da escravidão”. Assim a memória ajuda o povo a ficar vigilante no caminho da libertação, cuidando para não recair na escravidão. Não é uma lembrança passiva, mas ativa e prática.
No Novo Testamento, a eucaristia nos faz celebrar em memorial o acontecimento Pascal do Cristo: sua Vida, Morte e Ressurreição. Celebrando este memorial tornamo-nos participantes deste mesmo acontecimento. A eucaristia nos ensina também que a fidelidade ao passa¬do é o futuro. A memória eucarística é o grande mo¬mento comunitário de recordar tudo o que Jesus disse e fez. Celebrar a Eucaristia não como um ato iso¬lado na vida de Jesus, mas como memória, isto é, soma de uma vida totalmente doada a serviço dos outros. É, também, celebração da memória dos mártires que, no segui¬mento fiel de Jesus Cristo, doaram sua vida até o fim, pela causa do Reino. O memorial eucarístico é uma lembrança, que se torna realidade presente por obra do Espírito Santo (Jo 14,26). É o mesmo tempo memória e invocação. Não é uma simples repetição de palavras. As palavras se tornam cheias do Espírito do Senhor e, por conseguinte, eficazes.

Desafio da Eucaristia num Contexto de Injustiça.
Até que ponto é possível celebrar a Eucaristia como memorial de libertação num contexto de opressão e de injustiça?
Partilhar é o grande desafio eucarístico, quando se celebra num contexto de injustiça e desigualdade econômica, como é o nosso. Dando-se totalmente, Jesus nos convida a fazer o mesmo. O sangue derramado, o corpo entregue quer unir o que está dividido. E quantas divisões entre nós!
A Eucaristia lança-nos para fora de nós, para junto dos esfomeados de pão material, de solidariedade, de justiça. Desafia-nos também a tomar cons¬ciência do contraste que existe entre o acúmulo de bens nas mãos de alguns, por um lado, e a fome, a miséria, a falta absoluta de bens necessários à sobre-vivência, por outro. Daí por que junto com o agradecer brota um outro desafio, o de partilhar. Em mui¬tas passagens, a Bíblia nos mostra que quem retém morre e quem partilha vive. Assim, por exemplo, a viúva de Sarepta que partilha com Elias a última re¬serva de pães (I Rs 17,7-16). No NT temos o exemplo das primeiras comunidades (At 4,36-5,11).
Nosso texto de estudo revela que é a partir do menino (Jo 6,9), aquele que nem contava para a sociedade, no tempo de Jesus, que começa a lição do partilhar. Lição difícil de aprender. Para aprendê-la devemos nos tornar aprendizes dos pobres. Aprender da mãe que só tem meia canequinha de leite para seu filho e ainda é capaz de reparti-lo com sua vizinha que tem uma filha doente. Além de partilhar bens, a Eucaristia nos impele a ser como Jesus : PÃO REPARTIDO PARA A HUMANIDADE. Este é um compromisso radical e permanente de toda pessoa que segue Jesus Cristo: fazer da sua vida uma Eucaristia, que se re-parte em gestos eucarísticos, no dia a dia.
No momento em que Jesus toma o pão nas mãos, ergue os olhos ao céu e dá graças ao Pai, ele está arrancando o pão da escravidão do econômico e faz deste gesto o maior ato de gratuidade: uma Ação de Graças.
Comprometer-nos com uma nova história, que se constrói a partir da graça do AMOR- SERVIÇO, eis o maior gesto eucarístico que Jesus nos deixou como exemplo (Jo 13,1-20). “Compreendeis o que vos fiz? Vós me chamais de Mestre e Senhor e dizeis bem, pois eu o sou. Se, portanto, eu, o Mestre e Senhor vos lavei os pés, também deveis lavar-vos os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo para que, como eu voa fiz, também vós o façais” (Jo 13,12-15). Por um lado, só podemos viver este exemplo de Jesus se tivermos parte com ele (Jo 13,8). Por outro, só temos parte efetiva com Jesus se vivermos, a seu exemplo, o compromisso de solidariedade e amor radical aos irmãos.
Eucaristia: Dom e Compromisso.
Celebrar a Eucaristia é, em primeiro lugar, agradecer o dom da vida de Deus que nos foi dado, num gesto de extremo amor, por meio de seu Filho, Jesus Cristo. Mas é também assumir um compromisso. “Se participarmos na Eucaristia é grande a alegria que Deus oferece. Porém não podemos deixar esquecida a dor desta vida que o pobre padece”. Quando celebramos EUCARISTIA, proclamamos a justiça do pão partilhado igualmente a todos; proclamamos a libertação de todos os que se reúnem para celebrar o mistério pascal.
Celebrar a eucaristia sem o desejo e o empenho de eliminar as injustiças sociais que atentam contra a fraternidade e a dignidade humana é uma farsa, uma mentira. Estamos dizendo que amamos a Deus e não amamos os nossos irmãos (I Jo 4,20).
João Crisóstomo mostra quanto a Eucaristia é compromisso concreto com os irmãos necessitados. Suas palavras nos interpelam fortemente:
“Se queres honrar o corpo de Cristo, não o descuides quando se encontra nu. Não o honres, aqui na igreja, com roupas de seda para descuidá-lo lá fora, onde padece frio e nudez. Com efeito, aquele que disse: “Isto é o meu corpo” é o mesmo que disse: “Vós me vistes com fome e não me destes de comer. E na medida em que fizestes isto ao menor dos meus irmãos, a mim o fizestes”.
O corpo e o sangue de Cristo que está sobre o altar não tem a necessidade de mantos, mas de almas puras, enquanto o que está lá fora precisa de muitos cuidados. Aprendamos, portanto, a viver como sábios e honrar o Cristo como ele quer ser honrado. De que vale estar a mesa do Cristo cheia de cálices de ouro e não lhes dás água. Que proveito tiras disso? Providencias para o altar véus e tecidos de ouro e a ele, isto é, ao pobre, ao irmão e à irmã, não ofereces uma veste necessária. Que ganhas com isto?
Mobiliando a casa cuida de não esquecer teu irmão que sofre, porque este templo, isto é, o irmão que sofre, é mais precioso que o outro - a igreja.
Eucaristia é a festa do pão partilhado em todas as mesas, sem concentração e sem falta. É celebração da Páscoa da Nova Aliança, a festa da Libertação.

Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
A Confissão de Augsburgo diz no Artigo X: “Da ceia do Senhor se ensina que o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue de Cristo estão verdadeira¬mente presentes na ceia sob a espécie do pão e do vinho e são nela distribuí¬dos e recebidos”.
Martin Luther explica: “Que proveito há nesse comer e beber? Resposta: Isso nos indicam as palavras: “Dado em favor de vós” e “derramado para re¬missão dos pecados”, a saber, que por essas palavras nos são dadas no sacra¬mento remissão dos pecados, vida e salvação. Pois onde há remissão dos pecados, há também vida e salvação”.


6º Dia

22. Lei e Evangelho #

Ler o texto em grupos e explicar na plenária o que é Lei e Evangelho.

Olhando a Prática da Vida
Não há outro caminho para chegar a Deus se¬não por Cristo. Não é o capital que temos, nem a ideologia (jeito de pensar) da classe que domina no país, nem a nossa produção, nem o nosso trabalho, nem nosso próprio esforço que conseguem a nossa salvação, mas somente Cristo. Também as pessoas que dizem: nunca matei e nem roubei não são salvas por este jeito de pensar e de viver. Muito menos salva o fato de alguém ser de descendência alemã. Pois ouve-se muito os de descendência alemã dizer que “os brasileiros”, os negros, os nordestinos, os índios não trabalham e são preguiçosos; somente os “alemãs” é que trabalham e são gente boa. Com isto se subentende que somente os alemães e os que, segundo o seu conceito, são trabalhadores é que são salvos. Quem tem este tipo de preconceito está muito longe de qualquer salvação oferecida por Deus. Lembra¬mos: somente Cristo salva.

Olhando o Assunto
Martin Luther diz: “Quase toda a Bíblia e o entendimento de toda a teologia dependem da correta compreensão de lei e evangelho”. “Quem sabe distinguir corretamente o evangelho da lei, deve agradecer a Deus e pode estar certo de que é um teólogo”. “Dessa diferença depende tudo. Por isso Paulo deseja que na cristandade se distingam bem os dois, lei e evangelho (...) e que não sejam misturados. Quando isso acontece, perde-se um ou até os dois; sob o papado, ninguém sabia em que o evangelho seria diferente da lei, ou a lei do evangelho; pois eles têm uma fé que se re¬porta somente na lei”. “Já ouvistes mui¬tas vezes que não há melhor maneira de transmitir e preservar a pura doutrina do que seguir este método, ou seja, dividir a doutrina cristã em duas partes: lei e evangelho”.
Lei e Evangelho são palavra de Deus, dirigida ao ser humano, mas de maneira diferenciada. A Lei ordena a justiça que deve ser cumprida. O Evangelho aponta para Cristo, no qual está cumprida a justiça que é apreendida pela fé. Na Lei Deus exige, no Evangelho ele doa. A Lei acusa, condena e mostra ao ser humano sua verdadeira situação diante de Deus, que ele é pecador. No Evangelho, o próprio Deus anula a condenação dos que estão sob a Lei, por ha¬vê-la eliminado de uma vez por todas, na cruz, para a salvação dos pecadores.
No declaração conjunta Católica Romana – Evangélica Luterana sobre a Doutrina da Justificação por Graça e Fé diz: “Confessamos juntos que o ser humano é justificado na fé no evangelho "independentemente de obras da lei" (Rm 3.28). Cristo cumpriu a lei e, por sua morte e ressurreição, a superou como caminho para a salvação. Confessa¬mos ao mesmo tempo que os mandamentos de Deus permanecem em vigor para a pessoa justificada e que Cris¬to, em sua palavra e sua vida, expressa a vontade de Deus, que constitui padrão de conduta também para a pessoa justifica¬da.
Os luteranos sustentam que a distinção e a cor¬reta correlação de lei e evangelho é essencial para a compreensão da justificação. A lei é exigência e acusação às quais está sujeita, durante a vida inteira, toda pessoa, também a pessoa cristã, na medida em que é pecadora; e a lei põe a descoberto seu pecado, para que, na fé no evangelho, ela se volte inteira¬mente para a misericórdia de Deus em Cristo, a qual unicamente a justifica. (...) Quando acentuamos que a pessoa justificada é obrigada a observar os manda-mentos de Deus, não negamos com isso que a graça da vida eterna é misericordiosamente prometida aos filhos e filhas de Deus por Jesus Cristo”.
Gerhard Ebeling, No livro - O Pensamento de Lutero - diz: “Pois a não diferenciação de lei e evangelho significa, em todo caso, que o evangelho foi abandonado e que sobrou apenas a lei. Contudo, quando a lei não é mais distinguida do evangelho, mas proclamada como sendo o próprio evangelho, ela não é mais acentuada realmente como lei. Por isso, em última análise, por haver somente lei, também a lei está perdida. Evangelho, pelo contrário, significa em si distinção de lei e evangelho. O evangelho, então, não está puro e ileso quando fica a sós e em perfeita paz, sem que a relação com a lei seja se¬quer considerada. Em tal isolamento o evangelho nem poderia ser evangelho. Pois o evangelho só entra em ação onde, diferenciando-se, entra em ação em contraposição à lei, fazendo com que, desse modo, se reconheça também a lei como tal”
Martin Luther diz: “Sempre que a palavra de Deus é proclamada, ela cria consciências alegres, abertas e seguras diante de Deus, pois é a palavra da graça, do perdão, uma palavra boa e benéfica. Mas sempre que a palavra humana é anunciada, cria uma consciência triste, acuada e aflita em si mesma, pois á a palavra da lei, da ira e do peca¬do, ao mostrar o que não se fez e o quanto se deveria fazer”.
“Curioso: devo aprender para mim e ensinar as pessoas a não irem atrás da lei e fazerem de conta que não existe lei e, em contraste com isso, no âmbito do mundo insistir na lei e promovê-la como se não houvesse graça. Pois se eu não tirar os olhos da lei e os voltar para a graça, como se não houvesse lei e sim tão-somente pura graça, não poderei ser salvo”.

Olhando a Palavra de Deus
Podemos entender a questão da lei e evangelho na própria proclamação de Jesus Cristo em Marcos 1, 15: “O tempo está cumprido e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho”. O anúncio de Jesus da necessidade de “arrependi¬mento” é o chamado da lei que mostra o pecado e o anúncio de que “o reino de Deus está próximo” é a revelação do evangelho da graça de Deus. Assim na mesma mensagem tem lei e evangelho. O dilema é que nós normalmente só queremos ouvir a proclamação de que o reino de Deus está próximo e não esta¬mos muito dispostos a ouvir e aceitar o chamado ao arrependimento e à conversão. Não dá, porém, para separar os dois anúncios um do outro; estão intimamente ligados. A lei mostra o pecado e o evangelho anuncia o perdão e a graça de Deus. Podemos participar desta graça de Deus na medida em que acontece conosco o processo de arrependimento.
Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
Quando queremos ouvir apenas o anúncio da graça de Deus e não queremos ouvir a palavra profética de Jesus ou a dos profetas que apontam para o nosso pecado estamos separando o evangelho da lei. Quando não questionamos e nem deixamos questionar o sistema capitalista implantado neste mundo estamos dizendo que a lei não deve ser anunciada. Quando queremos nos salvar pelo puro cumprimento dos 10 mandamentos estamos jogando fora o evangelho de Jesus Cristo.
Martin Luther diz: “A lei diz: ‘Faze isto’, mas nunca é feito; a graça diz: ‘Crê neste’, e já está tudo feito.
A primeira parte é evidenciada pelo apóstolo e por seu intérprete, o B. Agostinho, em muitas passagens. Além disso, foi suficientemente dito acima que a lei antes opera a ira e mantém a todos sob a maldição. A segunda parte é evidenciada pelos mesmos autores, pois é a fé que justifica, sendo que a lei, diz o B. Agostinho, preceitua o que a fé efetua. Assim, pois, pela fé Cristo está em nós, sim, é uno conosco. Mas Cristo é justo e cumpre todos os mandamentos de Deus, razão pela qual também nós cumprimos to¬dos eles através de Cristo, uma vez que ele se tornou nosso pela fé”. (Tese 26 da Demonstração das Teses Debatidas no Capítulo de Heidelberg)
Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei. (v. 28)
Aqui é preciso saber que a Escritura Sagrada como um todo se divide em duas classes de palavras: os mandamentos ou a lei de Deus, e as promessas.
Os mandamentos nos ensinam e prescrevem toda sorte de boas obras. Agora, dar mandamentos é uma coisa, cumprir os mandamentos é coisa bem diferente. Os mandamentos nos orientam corretamente, mas não nos ajudam; ensinam o que devemos fazer, mas não nos dão a força para cumpri-los. Por isso, os mandamentos nos foram dados com a finalidade única de fazer com que, por meio deles, o homem se convença de sua incapacidade de fazer o bem e aprenda a desesperar de si mesmo. E por esta razão também levam o nome de Antigo Testamento e pertencem todos ao Antigo Testamento. Assim o mandamento - Não cobiçarás - demonstra que somos todos pecadores e que homem nenhum é capaz de se livrar da cobiça, por mais que se esforce. Isso lhe ensina a desesperar de si mesmo e a buscar em outra parte a ajuda necessária para se livrar da cobiça, e assim cumpra esse mandamento - algo que ele mesmo não consegue fazer - por meio de alguém outro. O mesmo se aplica também aos demais mandamentos: somos incapazes de cumpri-los.
Quando o homem vê e reconhece sua incapacidade através dos mandamentos, de sorte que fica temeroso, pensando em como cumpri-los (já que é necessário cumpri-los, sob pena de condenação), ele fica deveras humilhado e aniquilado, e em si mesmo não encontra nada que o possa salvar. Entra, então, em cena a outra palavra, a promessa divina, que diz: "Se você deseja cumprir todos os mandamentos, ver-se livre de sua cobiça e de seu pecado, olhe aqui, creia em Cristo, em quem eu lhe prometo graça, justiça, paz e liberdade plenas. Se você crer, receberá; se não crer, ficará sem nada. Porque encerrei todas as coisas na fé, de sorte que se alguém crê terá tudo e será salvo; agora se não crê, ficará sem nada”.

23. Ressurreição do Corpo #

Ler o texto em grupos e falar para a plenária as diferenças que há na ressurreição do corpo e na ressurreição da alma.

Olhando a Prática da Vida
Se você perguntar para as pessoas que são cristãs sobre a ressurreição, ouvirá da maioria delas que a alma ressuscita. As pessoas dizem que a alma ressuscita e o corpo fica. Dizem que a alma é imortal e é por isso que só ela ressuscita e o corpo se decompõe. Mas não é isto que a Bíblia diz. A questão da ressurreição é o elemento básico de nossa fé. Mas este elemento básico está confuso na mente das pessoas.

Olhando o Assunto
A confissão de fé dos primeiros cristão em I Co 15,3-4 diz: Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados, foi sepultado (morto) e ressuscitou. A cruz e a ressurreição de Jesus Cristo são o centro da fé cristã. Se o corpo ressuscita então ele deve ser valorizado e não pode ser escravizado, explorado e torturado. Como diz Paulo em I Co 6, 19: “Acaso não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo que está em vós...” Explorar alguém é explorar a Deus.
“Vosso corpo é santuário do Espírito Santo”, isto vale para todas as pessoas ou apenas para algumas? Se olharmos o Mapa do Mercado de Trabalho (IBGE, 1990), a média nacional da remuneração, em salários mínimos, dos homens brancos era de 6,3 e a dos negros 2,9; as mulheres brancas recebiam 3,6 e as negras apenas 1,7. Os homens negros apresenta¬ram uma taxa de desemprego 77% maior que a dos brancos e 25% dos jovens negros de 18 a 24 anos estavam desempregados em 1996. Neste mesmo ano, a taxa de desemprego para as mulheres negras era de 20%, e entre as mulheres brancas, de 15,6% (Dados SEADE, 1996). O censo de 1990 revelou que 80% das mulheres negras estão na faixa dos que têm até quatro anos de estudo e 62,7% não terminaram o antigo curso primário. Só o corpo das pessoas brancas é santuário do Espírito Santo ou dos negros e índios também é? Se é, porque as pessoas cristãs não fazem nada para afastar esta situação de desigualdade? Como a comunidade cristã pode afastar esta desigualdade? Fé cristã na ressurreição do corpo motiva para a luta (I Co 15, 30-32).
A ressurreição do corpo nós confessamos no credo apostólico, no 3º artigo: “creio na ressurreição do corpo e na vida eterna”. O que significa isso? Normalmente as pessoas dizem que só a alma ressuscita. O que é isto? A fé na ressurreição da alma nada tem a ver com a fé cristã. A questão da ressurreição da alma vem da filosofia grega (hoje o espiritismo diz o mesmo) que ajudava a legitimar o sistema econômico escravista. Já que só a alma ressuscita então com o corpo dá para fazer o que se quer. Dá para escravizar, explorar, torturar, fazer guerra para conseguir mais escravos. Se somente a alma ressuscita então o corpo não vale nada, é mera embalagem descartável. A fé cristã diz que corpo e alma são uma coisa só e inseparável. Alma é vida; é a vida que está no corpo. Não existe vida fora de um corpo; não dá para separar a vida (alma) do corpo. Quando a pessoa morre, morre a alma e o corpo e Deus recria com a ressurreição um novo corpo com nova vida (I Co 15, 35-49).
O povo hebreu não conhece uma divisão da pessoa em partes distintas e separáveis. Para o he¬breu a pessoa é um todo. Quando Deus fez a pessoa de pó da terra, soprou em suas narinas o fôlego da vida e a pessoa se tornou um ser vivo (Gênesis 2.7). A segunda parte deste versículo também se tem traduzido assim: “e a pessoa se tornou uma alma vivente”. A palavra hebraica NEFESH (traduzida por alma) tem o sentido original de goela/garganta, por¬tanto, tem algo a ver com fôlego, que é sinal de vida; é aquilo que dá identidade, consciência de si ao ser humano. Assim, a pessoa ao receber o fôlego de vida não está recebendo uma alma para dentro do corpo, mas simplesmente se torna um ser vivo. Respeitando o pensamento hebraico, a tradução mais correta para o termo NEFESH seria, simplesmente, VIDA. Quando o Antigo Testamento foi traduzido para o grego (esta tradução chama-se Septuaginta), o termo NEFESH foi traduzido por "alma" com toda a concepção grega da imortalidade e superioridade desta em relação ao corpo.
A questão da imortalidade da alma não é bíblica e nem luterana. A Bíblia diz que somente Deus é imortal em I Timóteo 6, 15 - 16: “... o Rei dos reis e o Senhor dos senhores; o único que possui imortalidade”. Quando a Bíblia emprega os termos “corpo”, “alma” e “espírito” em relação à pessoa, ela sempre se refere a um aspecto da pessoa.
Se olhamos ao nosso redor e vemos que de 1980 para 1991 aumentou o número de crianças e adolescentes cujos chefes de família que vivem em áreas urbanas e recebem até ½ de salário mínimo numa proporção de 1,6 milhões para 5,5 milhões de chefes de família. Em 1980, 35 milhões de crianças, (66%), viviam em domicílios cujos chefes recebiam até 3 salários mínimos. Em 1991, já eram 45 milhões de crianças e adolescentes, (75%), que viviam em iguais condições. Em 1991 havia 11,7 milhões de crianças e adolescentes vivendo na miséria (sendo o rendimento do chefe do domicílio de até ½ salário mínimo), quase uma em cada cinco crianças. Isto tudo tem ou não tem a ver com a nossa confissão de fé: creio na ressurreição do corpo e na vida eterna.? Nós, como igreja podemos denunciar os responsáveis por esta situação ou temos que ficar quietos? E quem são os responsáveis por esta situação? Afinal a luta pelo direito e pela justiça tem algo a ver com a confissão de fé na ressurreição do corpo?
Se o corpo e a alma são uma coisa só e se o corpo ressuscita então não dá para escravizar e explorar o corpo de uma pessoa. A partir da fé na ressurreição do corpo os cristãos não admitem a escravidão, a exploração, a tortura, o fato de existirem agricultores sem terra, famílias sem teto, trabalhadores com salário indigno e desemprego pois tudo isto atinge e degenera o corpo das pessoas.
Valorize o seu corpo não usando drogas como fumo, álcool, maconha, cocaína, craque, heroína, etc. porque é sagrado e vai ressuscitar. Por isso a comunidade cristã apóia e luta com os sem terra, com os sem teto, com os atingi¬dos por barragens, com os índios que tem a sua terra invadida pelos capitalistas brancos, com as mulheres que lutam pelo direito de igualdade, com a classe trabalhadora explorada pelo capital porque é uma luta pela vida. Tudo isto baseado na confissão da fé na ressurreição do corpo.

Olhando a Palavra de Deus
Evangelho de João quer deixar claro que Jesus Cristo ressuscitou com o corpo e por isso relata a história de Tomé Jo 20, 24 – 29. Ainda em Jo 21, 1 – 14 relata que Jesus Cristo comeu peixe e pão com os discípulos. Quem pode comer pão e peixe? Só quem tem um corpo com boca e estômago!
O apóstolo Paulo em todo o capítulo de I Co 15 fala da ressurreição do corpo. Nos versículos 35 a 49 compara a ressurreição com o grão de trigo, que ao morrer se transforma num outro corpo que é o pé de trigo. Assim nosso atual corpo é uma espécie de semente que tem que morrer para poder ressuscitar e dele Deus recriará um novo corpo que não vai mais morrer, sofrer doença, enfim, terá vida eterna.
Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
Hoje em dia está muito em voga falar da ressurreição da alma. Por que? Porque o sistema econômico capitalista também precisa justificar a sua exploração e escravidão à que está sujeitando a classe trabalhadora. Por isso a TV fala muito da teologia espírita que legitima o sofrimento como forma de alcançar a salvação. Hoje o espiritismo está a serviço do sistema capitalista para legitimá-lo com a sua teologia da ressurreição da alma. Não dá para ser cristão e espírita ao mesmo tempo, por causa disto. Nós cremos na ressurreição do corpo, o espiritismo crê apenas na ressurreição da alma; o que coloca uma postura totalmente diferente frente ao sofrimento e a exploração.


24. As Boas Obras da Pessoa Justificada #
Ler o texto em grupos e explicar para a plenária para que servem as boas obras e o que salva?

Olhando a Prática da Vida
Se nós somos salvos por graça e fé, o que isto significa em relação à nossa prática de vida? Se nós já nos consideramos salvos como nos relacionamos com as outras pessoas? Como fica com as pessoas que dizem ser salvas mas não admitem que os empobrecidos se organizem para lutar pelo direito e pela justiça?

Olhando o Assunto
Já ouvi muitos cristãos dizerem: “Eu tenho a certeza da salvação”, mas não admitiam sob hipótese alguma que a igreja se envolvesse com os sem terra ou com os problemas dos índios. Isto é uma atitude de um verdadeiro cristão? Isto são as boas obras que brotam da fé?
Vamos ver o que Martin Luther diz sobre a questão do jeito de viver do cristão:
“Por conseguinte, a pessoa obriga seu próprio corpo a não andar ocioso, mas ao contrário, haverá de realizar muitas boas obras para submetê-lo. Porém não são as obras o meio mais apropria¬do para aparecer como crente e justo diante de Deus, mas que executarão um puro e livre amor, desinteressada¬mente, só para agradar a Deus, buscando e olhando, única e exclusivamente, o que agrada a Deus, à medida que se desejar cumprir sua vontade, o melhor possível. As obras que execute não serão necessárias para sua justificação, mas que lhe foram ordenadas com o objetivo de evitar sua ociosidade, obrigando-o a esforçar o corpo e cuidar dele exclusivamente para agradar a Deus.
Estas duas sentenças são, por conseguinte, certas: “As obras boas e piedosas jamais tornam a pessoa boa e jus¬ta, mas a pessoa boa e justa realiza obras boas e piedosas”. “As más obras nunca tornam a pessoa má, mas a pessoa má executa más obras”. Conclui-se disto que a pessoa deverá ser boa e justa já antes de realizar boas obras, ou seja, que ditas obras emanam da pessoa justa e boa, como diz Cristo em Mt 7,18: “Não pode a árvore boa produzir frutos maus, nem a árvore má produzir frutos bons”. As obras não fazem a pessoa crente nem, tão pouco, a justificarão. A fé, que faz a pessoa justa, realizará boas obras.
Porque o cristão está desligado de todos os mandamentos e em uso de sua liberdade, tudo quanto faça, o fará voluntária e desinteressadamente, sem buscar nunca seu próprio proveito e sua própria salvação, mas unicamente para agradar a Deus. Pois já está farto e santificado pela sua fé e graça divina.
Ao inverso, quem não possui fé, nenhuma obra o ajudará para sua justificação e salvação. Além disso, não são más obras que possam fazer a pessoa má e condená-la, porém a incredulidade que perverte a pessoa e a árvore e executa as obras más e condenáveis. Pois o ser justo ou mau não procede das obras, mas, sim da fé, como disse o sábio Siraque 10,14: “O princípio de todo o pecado é: afastar-se de Deus e não confiar nele”.
Trataremos agora das obras que a pessoa haverá de praticar entre os seus semelhantes: porque a pessoa não vive somente com e para seu próprio corpo, mas sim também com as demais pessoas. Esta é a razão pela qual a pessoa não pode prescindir das obras no trato com seus semelhantes; antes bem, há de falar e tratar com eles, ainda que ditas obras em nada contribuam para sua própria justificação e salvação. Logo ao realizar tais obras, terá sua mira posta só em servir e ser útil aos demais, sem pensar em outra coisa que nas necessidades daqueles a cuja ser¬viço de¬seja colocar-se. Este modo de obrar para com os demais é a verdadeira vida do cristão, e a fé atuará com amor e satisfação, como ensina Paulo aos Gálatas 5,6”. (Da Liberdade Cristã)
“Confessamos que boas obras - uma vida cristã em fé, esperança e amor - se seguem à justificação e são frutos da justificação. Quando a pessoa justifica¬da vive em Cristo e atua na graça recebida, produz, biblicamente falando, bom fruto. As boas obras, tornadas possíveis pela graça e pela ação do Espírito Santo, contribuem para um cresci¬mento na graça de tal modo que a justiça recebida de Deus é conserva¬da e a comunhão com Cristo, aprofundada.
Entre os luteranos existe a idéia de uma preservação da graça e de um crescimento em graça e fé. Vêem as boas obras da pessoa cristã como "frutos" e "sinais" da justificação, não como "méritos" próprios, não deixam, no entanto, de entender a vida eterna, conforme o Novo Testamento, como "galardão" imerecido no sentido do cumprimento da promessa divina aos crentes”. (Doutrina da Justificação por Graça e Fé – Declaração conjunta).

Olhando a Palavra de Deus
Em Tiago 2, 14-26 se coloca a unidade entre fé e obras. As obras são resultado da fé. Se você se diz cristão mas não consegue lutar pelo direito e pela justiça junto com os injustiçados então você não tem fé em Jesus Cristo. Isto combina com a palavra de Martin Luther: “Olha para a tua vida. Se não te encontrares, como Cristo no Evangelho, em meio aos pobres e necessitados, então que saibas que a tua fé ainda não é verdadeira, e que certamente ainda não provaste a ti o favor e a obra de Cristo”. “Dediquemo-nos primeiramente ao fazer, e depois, ao falar. Uma pessoa crente, antes de mais nada, vai e realiza algo”. No texto de Tiago 2, 23 e 25 se fala de Abraão que foi um sem terra a procura da Terra Prometida e fala da Raabe que ajudou os sem terra hebreus a conquistar a Terra Prometida por Deus à eles. A Raabe foi justificada pela sua ação em favor dos sem terra hebreus fugidos do Egito.

Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
E se você se diz cristão mas tem raiva dos pobres, dos sem terra, dos sem teto, dos pequenos agricultores que lutam por melhores preços por seus pro¬dutos, do movimento das mulheres, da luta dos sindicatos e dos índios; como é que fica? Isto é a prática da fé cristã? Onde está a tua fé? Que fé você tem? Fé em quem e em que você tem se as tuas obras não condizem com as exigências do Evangelho de Jesus Cristo que não separam a fé do amor?
O que você diz deste texto abaixo:
Por volta de 1880, a viajante francesa, Adèle Toussaint-Samson, visitando uma fazenda escravista no Rio de Janeiro, presenciou o seguinte diálogo entre o proprietário e seu feitor:
- O que se plantou esta semana?
-Arroz, senhor
- Começaram a cortar a cana?
- Sim, senhor; mas o rio inundou e nós devemos consertar os canais.
- Mande vinte negros para lá amanhã de manhã. O que mais?
- Henrique escapou.
- Cachorro! Ele já foi pego?
- Sim senhor, ele está no tronco.
- Dê-lhe vinte golpes com o chicote e coloque a argola de ferro no seu pescoço ( ... ) Isso é tudo?
- Sim, senhor
- Muito bem. Chame os negros agora para rezar
O senhor tocou um pesado sino, então bradou numa voz descomunal: - Salta para a reza!
No século XIX, numa conversa com outro viajante, Thomas Ewbank, um escravo reclamava de um duplo cativeiro. A senhora tinha por hábito acordá-los (ele e a seus companheiros) de madrugada para as orações: “Trabalhar, trabalhar e trabalhar o dia todo, rezar, rezar e rezar a noite inteira. Nenhum negro deveria agüentar isso”.
Os escravos da Fazenda São José, visitada por Toussaint-Samson, também não escaparam do dever das orações. Estavam obrigados a isso, assim como estavam obrigados diariamente ao trabalho. Era o repicar dos sinos, pelo feitor ou pelo fazendeiro, que exigia a presença e o cumprimento de ambos os deveres.
Tempo e Presença, nº 310, abril de 2000

Discutir em grupo
1. Os senhores de escravos eram cristãos, mesmo apoiando e vivendo da escravidão?
2. Os escravos que foram batizados à força eram cristãos?
3. Os capitalistas de hoje são cristãos quando apóiam e vivem a essência do capitalismo: lucro acima da vida da pessoa?
4. Qual a diferença entre capitalismo e fé cristã ou é a mesma coisa?


25. A Liberdade Cristã #

Ler o texto em grupos e falar das responsabilidades que a liberdade cristã nos traz.

Olhando a Prática da Vida
O casal, originário de Iraí – RS, Leonildo e Julieta Zang e seus filhos estão acampados (no ano de 1998) em Santo Antônio das Missões - RS. Comentando sobre a vida do acampamento dos Sem Terra disseram: “Há uns cem luteranos no acampamentos, mas não sei se ainda são luteranos porque até hoje nenhum pastor da IECLB pisou lá”. Isto mostra a falta de liberdade da IECLB em relação aos membros que participam dos Movimentos Populares. O casal sempre foi muito ativo em sua comunidade desde os tempos da JE, onde foram líderes. O Leonildo fazia parte da diretoria da comunidade e da paróquia e era do Conselho Distrital. Sempre participaram das atividades da igreja. Agora estão num acampamento de sem terra e precisam mais do que nunca do apoio da igreja e ela os abandona, por medo e preconceito. A IECLB prefere perder os seus membros do que se envolver com os Sem Terra acampados, pois tem medo das críticas dos outros membros igualmente escravos. A pessoa que diz que a igreja não se deve envolver com as pessoas dos Movimentos Populares não experimentou a libertação (salvação) pela graça por Jesus Cristo, mas continua escrava.

Olhando o Assunto
Nós evangélicos luteranos somos livres a partir da salvação que nos foi dada por Jesus Cristo. Martin Luther descreve a “liberdade cristã” assim: “O cristão é um senhor livre de tudo, a ninguém sujeito. O cristão é um servo dedicado a tudo, a todos sujeito”.
“Cabe também aqui aplicar o que antes se disse: O cristão é servidor de todas as coisas e está sujeito a todos. Isto significa que, sendo livre, nada precisa fazer; sendo servo, deve fazer muitas e diversas. Vejamos como isto acontece:
Ainda que a pessoa já esteja interiormente, isto é, no que respeita à alma, bastante justificada e de posse de tudo quanto necessita, continua, contudo, na vida corporal e há de governar seu próprio corpo e conviver com seus semelhantes. Aí é que começam as obras. A pessoa, deixando de lado a ociosidade, será obrigada a guiar e disciplinar moderadamente o seu corpo com jejuns, vigílias e trabalho. E exercitando-se a fim de sujeitar-se e igualar-se à pessoa interior e à fé, de modo que não seja impedida, nem faça oposição como acontece quando não se está obrigado. A pessoa interior está unida a Deus, feliz e alegre por Cristo que tanto fez por ela, e seu maior e único prazer é, por sua vez, servir a Deus com um amor desinteressado e voluntário”. (Da Liberdade Cristã)
Por causa de Jesus Cristo os cristãos são livres “de todos os pecados, da morte e do poder do diabo”.
Libertação “de todos os pecados” significa, para os evangélicos luteranos, que eles são livres do seu passado, da sua formação, da sua consciência presa à eterna auto- defesa. Somos livres no nosso dia- a- dia para uma ação responsável, embora arriscada – uma ação que visa a defesa da vida humana. No exercício de nossa responsabilidade, não nos atormentamos quando urge tomar decisões que envolvem conflitos com normas e preconceitos. Insisti¬mos em seguir a Jesus (Mc 2.23 – 3.6). e nos vale¬mos do consolo de Luther: “Peca com coragem, mas crê e alegra-te tanto mais em Cristo”. Experimenta¬mos que a solidariedade com os oprimidos e deprimidos não termina onde se cai em culpa. Luta séria contra opressão e depressão dificilmente fica a salvo da culpa. Jesus Cristo traz perdão para as pessoas que se tornam culpadas por salvaguardar a outras.
Os evangélicos luteranos são livres libertados. Conseqüentemente, dispensam sacerdotes. Eles mesmos são sacerdotes com quem Deus fala e através dos quais ele atua junto à Igreja e Sociedade. Nós encaramos as tarefas na Igreja e a política na Sociedade como alegre serviço a Deus prestado para com homens e mulheres.
Os evangélicos luteranos são livres libertados, participantes e semeadores da vida plena. Conseqüentemente, promovem a medicina popular e apóiam agentes de saúde. Ajudam a organizar movimentos populares que lutam por saneamento básico, por terra para os agricultores sem terra, por crédito para os pequenos agricultores, por emprego para os desempregados, por moradia para os sem teto, enfim tudo o que promove a vida.
Esperamos e apressamos da toda maneira a vinda do novo céu e da nova terra, onde reina a justiça (II Pe 3. 12 – 13). Agimos na firme certeza da intervenção direta e definitiva, iminente de Deus (Ap 21): enxugamos logo as lágrimas; consolamos já os entristecidos; compartilhamos agora as dores; alivia¬mos de pronto os sobrecarregados; resistimos hoje à morte e aos seus capangas; derrubamos imediata¬mente os muros entre as pessoas e acabamos com as classes de qualquer ordem. Sempre, no entanto, apontamos para o próprio Deus, que vai morar em breve com os seres humanos, vai ser tudo para eles, e eles serão o seu povo.

Da Liberdade Cristã. Martin Luther (Síntese do livro)
Para conhecermos a fundo o que seja um cristão e sabermos em que consiste a liberdade que Cristo lhe adquiriu e ofertou, de que Paulo tanto escreve, quero frisar estas duas frases:
Um cristão é senhor livre sobre todas as coisas e não está sujeito a ninguém.
Um cristão é servidor de todas as coisas e sujeito a todos.
Estas duas frases se encontram claramente em Paulo, I Co 9,19: “Porque, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos...” e adiante em Rm 13,8: “A ninguém fiqueis devendo cousa alguma, exceto o amos com que vos ameis uns aos outros”. O amor é, pois, serviçal e submete aquele em que está posto. Em Gálatas 4,4 se diz de Cristo o mesmo: “Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei”.
Para se poder entender ambas as afirmações entre si diretamente contraditórias, sobre a liberdade e a servidão, devemos ter em conta que todo cristão possui uma natureza espiritual e outra corporal. Segundo a alma, se chama à pessoa espiritual, nova e interior; segundo a carne e o sangue é chamado pessoa corporal, velha e exterior.

A Pessoa Interior.
Examinemos, a pessoa interior, espiritual, para ver o que necessita para ser e poder chamar-se cristão, justa e livre. Uma coisa evidencia-se logo: nenhuma coisa externa, seja qual for, a torna justo ou livre; pois nem sua piedade ou justiça, nem sua liberdade, nem sua maldade e servidão são corporais ou externas. Que aproveita a alma se o corpo é livre, sadio e vigoroso, se como, bebe e vive à sua vontade? Nada disso atinge a alma, tento para libertá-la ou escravizá-la, torná-la justa ou perversa.
Nada vale para a alma se o corpo se cobre de vestes sagradas, como fazem os sacerdotes e outros religiosos. Nem tampouco se permanece em igrejas e outros lugares santificados. Por outro lado, nada prejudica a alma se o corpo se cobre com vestimentas profanas e mora, come e bebe em lugar não santificado.
Nem no céu nem na terra existe para a alma outra coisa me que viver e ser justa, livre e cristã, que o Santo Evangelho, a Palavra de Deus, pregada por Cristo como Ele mesmo diz em Jo 11,25: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá”; e adiante em Jo 14,6: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida”. E adiante em Mt 4,4: “Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”. Sabemos, então, que a alma pode prescindir de tudo, menos da Palavra de Deus. Fora disso nada existe com que auxiliar a alma. Uma vez, porém, que esta possua a Palavra de Deus, de nada mais necessitará, pois na Palavra de Deus encontrará suficiente alimento, alegria, paz, luz, conhecimento, justiça, verdade, sabedoria, liberdade e toda sorte de bens em abundância.
Logo, a única obra e única prática dos cristãos deveriam consistir no seguinte: gravar em seu ser a Palavra e Cristo, exercitar-se e fortalecer-se sem cessar nesta fé. Não existe outro caminho para a pessoa que aspire a ser cristã.

Há duas classes de Palavras: Mandamentos e Promessa.
E por sua vez é necessário saber que em toda a Sagrada escritura há duas classes de palavras: mandamentos ou lei de Deus e promessa. Os mandamentos nos indicam e ordenam toda classe de boas obras, mas com isso não estão já cumpridos: porque ensinam retamente mas não auxiliam; instruem acerca do que é preciso fazer, mas não fornecem a força necessária para realizá-lo. Ou seja, os mandamentos foram promulgados unicamente para que a pessoa se convença por eles da impossibilidade de obrar bem, e aprenda a reconhecer-se e a desprezar a si mesmo.
Uma vez que a pessoa tenha visto e reconhecido pelos mandamentos sua própria insuficiência, será acometido pelo temor, pensando como satisfazer as exigências da lei, já que é mister cumpri-la, sob pena de condenação. É então quando a outra palavra, a promessa divina, se chega e diz: Desejas cumprir os mandamentos e ver-te livre da cobiça má e do pecado, como os mandamentos exigem? Crê em Cristo, nele te prometo graça, justificação, paz e liberdade plenas. Se crês, já possuis, mas se não crês, nada tens. Porque tudo aquilo que jamais conseguirias com as obras dos mandamentos, conseguirás facilmente por meio da fé.

A Fé Justifica e Salva.
Eis a liberdade cristã: na fé única que não nos converte em ociosos ou maldosos, antes, em pessoas que não necessitam obra alguma para obter a justificação e salvação. A fé não somente faz tanto que torna a alma livre, cheia de graça e santificada, mas também a mesma fé une a alma com Cristo, como a esposa se une com seu esposo. Por isso a fé é a justiça da pessoa e o cumprimento dos mandamentos todos. Também existem coisas às quais estamos submetidos, como o vemos em Cristo mesmo e seus santos. Trata-se de uma soberania espiritual, exercida dentro dos limites da opressão corporal. Isto significa que a minha alma pode aperfeiçoar-se em todas as coisas, de maneira que ainda morte e o padecimento servir-me-ão para minha salvação.
Além de tudo, somos também sacerdotes. Isto é muito mais que ser rei, porque o sacerdote nos capacita para nos podermos apresentar diante de Deus, rogando pelas demais pessoas; pois somente aos sacerdotes compete, por direito próprio, estar perante Deus e rogar.

A Pessoa Corporal.
Passemos agora a tratar da parte referente à pessoa externa ou corporal. Aqui responderemos a todos aqueles que, escandalizados com nossas afirmações, exclamam: Ah, se a fé é tudo e por si só bastante para a justificação, por que é que foram ordenadas as boas obras? Pois então vivamos a boa vida sem fazer nada! Não, meu caro, assim não. Seria assim se fosses apenas um ser espiritual e interior, coisa que não poderás ser antes do juízo final. Neste mundo tudo é começo e crescimento. O fim será concluído no outro. Por isso é que o apóstolo fala de “Primeiros frutos do espírito”(Rm 8,23). Cabe também aqui aplicar o que antes se disse: O cristão é servidor de todas as coisas e está sujeito a todos. Isto significa que, sendo livre, nada precisa fazer; sendo servo, deve fazer muitas e diversas. Vejamos como isto acontece:
Ainda que a pessoa já esteja interiormente, isto é, no que respeita à alma, bastante justificada e de posse de tudo quanto necessita, continua, contudo, na vida corporal e há de governar seu próprio corpo e conviver com seus semelhantes. Aí é que começam as obras. A pessoa, deixando de lado a ociosidade, será obrigada a guiar e disciplinar moderadamente o seu corpo com jejuns, vigílias e trabalho. E exercitando-se a fim de sujeitar-se e igualar-se à pessoa interior e à fé, de modo que não seja impedida, nem faça oposição como acontece quando não se está obrigado. A pessoa interior está unida a Deus, feliz e alegre por Cristo que tanto fez por ela, e seu maior e único prazer é, por sua vez, servir a Deus com um amor desinteressado e voluntário.

As Boas Obras.
Por conseguinte, a pessoa obriga seu próprio corpo a não andar ocioso, mas ao contrário, haverá de realizar muitas boas obras para submetê-lo. Porém não são as obras o meio mais apropriado para aparecer como crente e justo diante de Deus, mas que executarão um puro e livre amor, desinteressadamente, só para agradar a Deus, buscando e olhando, única e exclusivamente, o que agrada a Deus, à medida que se desejar cumprir sua vontade, o melhor possível. As obras que execute não serão necessárias para sua justificação, mas que lhe foram ordenadas com o objetivo de evitar sua ociosidade, obrigando-o a esforçar o corpo e cuidar dele exclusivamente para agradar a Deus.
Estas duas sentenças são, por conseguinte, certas: “As obras boas e piedosas jamais tornam a pessoa boa e justa, mas a pessoa boa e justa realiza obras boas e piedosas”. “As más obras nunca tornam a pessoa má, mas a pessoa má executa más obras”. Conclui-se disto que a pessoa deverá ser boas e justa já antes de realizar boas obras, ou seja, que ditas obras emanam da pessoa justa e boa, como diz Cristo em Mt 7,18: “Não pode a árvore boa produzir frutos maus, nem a árvore má produzir frutos bons”. Está claro, pois, que nem os frutos sustêm as árvores, nem as árvores crescem nos frutos, mas tudo ao contrário; as árvores sustêm os frutos e os frutos crescem nas árvores. Assim as árvores devem existir antes dos frutos. Estes não tornam a árvore boa ou má, porém a árvore faz o fruto bom ou mau. Assim também a pessoa será justa ou má antes de executar as boas obras ou más, de modo que suas obras não tornam bom ou mau a pessoa, mas sim, que ele mesmo é quem faz boas ou más obras. As obras não fazem a pessoa crente nem, tão pouco, a justificarão. A fé, que faz a pessoa justa, realizará boas obras.

Obras são atos voluntários e desinteressados.
Porque o cristão está desligado de todos os mandamentos e em uso de sua liberdade, tudo quanto faça, o fará voluntária e desinteressadamente, sem buscar nunca seu próprio proveito e sua própria salvação, mas unicamente para agradar a Deus. Pois já está farto e santificado pela sua fé e graça divina.
Ao inverso, quem não possui fé, nenhuma obra o ajudará para sua justificação e salvação. Além disso, não são más obras que possam fazer a pessoa má e condená-la, porém a incredulidade que perverte a pessoa e a árvore e executa as obras más e condenáveis. Pois o ser justo ou mau não procede das obras, mas, sim da fé, como disse o sábio Siraque 10,14: “O princípio de todo o pecado é: afastar-se de Deus e não confiar nele”.
Trataremos agora das obras que a pessoa haverá de praticar entre os seus semelhantes: porque a pessoa não vive somente com e para seu próprio corpo, mas sim também com as demais pessoas. Esta é a razão pela qual a pessoa não pode prescindir das obras no trato com seus semelhantes; antes bem, há de falar e tratar com eles, ainda que ditas obras em nada contribuam para sua própria justificação e salvação. Logo ao realizar tais obras, terá sua mira posta só em servir e ser útil aos demais, sem pensar em outra coisa que nas necessidades daqueles a cuja serviço deseja colocar-se. Este modo de obrar para com os demais é a verdadeira vida do cristão, e a fé atuará com amor e satisfação, como ensina Paulo aos Gálatas 5,6.

Ser Cristão é Estar a Serviço.
Assim também o cristão deve, como Cristo, sua cabeça, sentir-se pleno e farto com sua fé, tratando de aumentá-la, porque ela lhe significa vida, justiça, salvação, e lhe dá tudo quanto é de Cristo e Deus, como antes se disse, e em Paulo aos Gálatas 2,20 diz: “Logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que agora tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim”. O cristão é livre, sim, mas deverá tornar-se de bom grado servo, a fim de ajudar a seu próximo, tratando-o e obrando com ele como Deus tem feito com ele mesmo por meio de Cristo. E o cristão fará tudo sem esperar recompensa, mas unicamente para agradar a Deus, e dizendo: Ainda que seja pessoa indigna, condenável e sem mérito algum, meus Deus me há outorgado gratuitamente, por sua pura graça em virtude de Cristo e em Cristo, riquíssima justiça e salvação, de maneira que de agora em diante só necessito crer. Assim seja. Mas, por minha parte, farei também por tal Pai, que me cumulou de benefícios tão valiosos, tudo quanto possa agradá-lo. Fá-lo-ei livre, alegre e gratuitamente. Serei para com meu próximo um cristão, à maneira como Cristo foi comigo, não empreendendo mais que aquilo que meu próximo necessite, lhe seja proveitoso, salvador; que já possuo todas as coisas em Cristo, pela minha fé.
Porque toda obra que não tenha por fim servir aos demais e sofrer sua vontade (sempre que não se obrigue a ir contra Deus), não será boa obra cristã. Os bens divinos emanam de Cristo e entram em nós: de Cristo, daquele cuja vida foi dedicada a nós, como se fora a sua própria. Da mesma maneira, devem emanar dentre nós os bens divinos, que recebemos de Cristo, e tem que derramar sobre aquelas pessoas, que de nós necessitam; mas isto será feito de tal maneira, que poremos também nossa fé e justiça diante de Deus e a serviço a favor do próximo, a fim de cobrir, assim, seus pecados e tomá-los sobre nós, como se fossem nossos, tal como fez Cristo mesmo conosco. Eis aí a natureza do amor, quando é verdadeiro. E o amor é verdadeiro quando a fé também é verdadeira. Por isso escreve o santo Apóstolo (I Co 13,5) que é próprio do amor que não busca o seu, mas o bem do próximo.

Concluindo.
Deduz-se, de tudo isso, que o cristão não vive em si mesmo, mas em Cristo e no próximo. Em Cristo, pela fé, e no próximo, pelo amor. Pela fé o cristão se eleva até Deus e de Deus se curva pelo amor; mas sempre permanece em Deus e no amor divino, como diz Cristo (Jo 1,51): ...”daqui em diante vereis o céu aberto e os anjos de deus subirem e descerem sobre o Filho do homem”. Eis aí a liberdade verdadeira, espiritual e cristã, que livra o coração de todo o pecado, mandamento e lei. É a liberdade que supera a toda outra liberdade, tal como os céus superam a terra.
Queira Deus fazer-nos compreender corretamente essa liberdade e que a conservemos. Amém.

Olhando a Palavra de Deus
Tiago 5, 1 diz: “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos sub-meteis de novo a jugo de escravidão”.
Em Lucas 15 relata da liberdade de Jesus Cris¬to em relação aos excluídos e marginalizados. Jesus não teve preconceito e nem medo de se misturar com os excluídos pela sociedade e com isto questionou profundamente esta mesma sociedade. A salvação de Jesus Cristo nos liberta de preconceitos e nos empurra ao encontro dos excluídos para que estes também tenham vida plena.
Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
Martin Luther diz: “Pois pela fé em Jesus Cris¬to tudo está em ordem entre Deus e os crentes; por conseguinte, não precisam fazer boas obras para Deus nem para a Igreja, mas sim “às pessoas, às pessoas, às pessoas - não ouves? - às pessoas”. Nós fomos libertados por Jesus Cristo e agora podemos acolher as pessoas e incluí-las em nosso amor, sejam quais forem.

26. Estado #

Ler o texto em grupos e colocar para a plenária a sua compreensão de Estado

Olhando a Prática da Vida
O jornal Zero Hora de 10/09/1998 traz a seguinte notícia:
“Área social terá grandes perdas com o corte determinado pelo governo no Orçamento deste ano. Dos R$ 4 bilhões cortados, quase R$ 1,5 bilhão das dotações, ou 37,5% do total reduzido, saíram da Saúde, Educação e Previdência Social. (...) Entretanto, em termos proporcionais, os maiores cortes se concentram nos ministérios da Agricultura, Meio Ambiente, Reforma Agrária, Minas e Energia, Aeronáutica, entre outros. (...) O setor mais afetado pelas medidas de contenção de gasto foi a Saúde, que acumulou cortes de R$ 821,643 milhões.”
“Ontem, o Brasil voltou a perder mais dólares. Dados parciais do mercado financeiro indicam, até por volta de 20 h, que devem ter sido recambiados para o Exterior US$ 1,09 bilhão dos câmbios comercial e flutuante. Com as saídas de ontem, em apenas uma semana já fugiram do país US$ 8,7 bilhões. Analistas de mercado acreditam que a saída de moeda forte deve continuar, porque o aumento dos juros e o pacote anunciado ontem não são suficientes para tranqüilizar os investidores, especialmente os estrangeiros”.
Assim todo este dinheiro cortado na área social será transferido para os especuladores estrangeiros na forma de pagamento de juros por parte do governo. Mas em pouco tempo a alta dos juros vai passar de remédio para veneno. Tira do povo e repassa aos grandes especuladores internacionais. Este é o trabalho e função do Estado no Brasil.
Numa reportagem da revista ISTO Ë, página 6, de 2/9/1998 o parlamentar Delfim Netto, que é da base parlamentar de apoio do Presidente da República, diz do mesmo: “O Fernando fala de vez em quando como presidente e aí ele mente muito menos. Agora, como candidato, ele está ali para mentir como todos os outros”.
Martin Luther diz: “A autoridade não foi instituída para arrancar vantagens de seus súditos e explorá-los, mas para procurar seu bem-estar e o que é melhor para eles. Afinal não se pode explorar e esfolar desse modo indefinida¬mente. De que adiantaria se a lavoura de um camponês produzisse tantos florins como talos e grãos, se depois vem a autoridade e tributa tanto mais [a produção], aumenta ainda mais seu luxo, e gasta tanto em roupas, comilança, bebedeiras e construções, como se dinheiro fosse palha? Antes seria preciso diminuir o luxo e parar com o desperdício, para que sobrasse também alguma coisa para o pobre” (Exortação à Paz: Resposta aos Doze Artigos do Campesinato da Suábia)

Olhando o Assunto
Em Dt 17, 14 – 20 está relatada a proposta de como deve ser o governante e o Estado: o governante não deve ser estrangeiro, não pode ter um exército que é seu, nem pode levar o povo à escravidão, deve ter um comportamento ético impecável, não pode ser corrupto e não pode ser rico. Fará uma cópia desta lei para lê-la diariamente para temer ao Senhor, isto o tornará um igual entre iguais. Em Rm 13, 1-7 fala no versículo 4 que a autoridade é “diáconos” e no versículo 6 é “leiturgós”. Na tradução portuguesa es¬tas palavras são traduzidas apenas por “ministros”. Mas no original grego – diáconos – significa que distribuem comida e prestam socorro a mando de Deus, ser¬vos, administradores de Deus e – leiturgós – significa servos e a serviço de Deus. Se a autoridade não faz isto então ela não recebeu o poder de Deus e não é legitimada por Deus e nem está a serviço de Deus. A função, portanto, da autoridade é servir ao povo. No Apocalipse 13 diz que se a autoridade não faz isto ela recebeu o seu poder do diabo.
Qual a nossa realidade atual, no que se refere ao Estado?
A estrutura econômica é a base da superestrutura político- jurídica, por isso, os que detêm o poder econômico, têm em suas mão também o poder político.
Em uma sociedade sem classes, como a primitiva onde os meios de produção (terra) são de todos, o poder é exercido por todos, ou diretamente em assembléias, ou através de representantes eleitos, como os conselhos e os caciques. Nestas tribos, o poder, de fato, se origina do conjunto da sociedade, e é exerci¬do em benefício de toda ela. As instâncias de poder, onde se tomam as decisões que vão afetar a todos, não estão nas mãos de uma parcela da sociedade, mas no conjunto dela. Por isso, essas instâncias não precisam usar da coerção. Não existe polícia nas tribos primitivas, e as armas são usadas apenas contra outras tribos. Por tudo isso, nas sociedades primitivas não existe o Esta¬do.
Como, então, nasceu o Estado?
O Estado nasce junto com a divisão da sociedade em classes. Nas várias sociedades de classe, os proprietários dos meios de produção (terra, máquinas, indústrias, bancos), detentores do poder econômico, se apossam também do poder político. Evidentemente, esta classe dominante vai exercer o poder em benefício da sua classe. O poder político agora nasce de uma parcela da sociedade e é exercida em benefício desta parcela. A função principal do Esta¬do será fazer prevalecer os interesses da parcela economicamente dominante sobre o conjunto da sociedade. Para isso, é necessário que o Estado tenha poder de coerção (polícia, forças armadas, leis, tribunais), a fim de assegurar estes interesses pela força, sempre que seja necessário.
Podemos definir o Estado como sendo uma instituição política, jurídica, administrativa e militar que tem por objetivo dirigir o conjunto da sociedade, de acordo com os interesses da parcela economicamente dominante.
Evidentemente, a teoria política capitalista não define o Estado deste modo. Pelo contrário, ela diz que o Esta¬do tem o objetivo de proteger o bem comum. Isto é uma definição abstrata, feita a partir do que se acha que o Estado deveria ser, e não da observação de como ele surgiu, do que ele historicamente foi e do que continua sendo até hoje. Isto nós vemos nos cortes no orçamento na União realizadas a partir da crise econômica de setembro de 1998. Cortou-se nas áreas sociais, piorando ainda mais o atendimento à saúde, educação, saneamento básico, reforma agrária, etc., para favorecer o lucro dos especuladores capitalistas internacionais.
Assim as pessoas vão morrer por falta de atendimento à saúde para garantir que os especuladores capitalistas internacionais não tirem seu dinheiro sujo do mercado brasileiro. É dinheiro sujo porque foi conseguido em cima da morte e miséria de mui¬tas pessoas no mundo inteiro, especulando para ver em que país se consegue um juro maior. E quem paga este juro? É o povo, que tem que desviar o dinheiro destinado às necessidades básicas para garantir o pagamento dos juros deste capital. É a idolatria do mercado, o mercado é sagrado e vira deus, as pessoas tem que se ajeitar conforme as vontades do mercado. Jesus Cristo não morreu para salvar o mercado, e sim, para salvar as pessoas. O mercado deve servir às pessoas e não o contrário.

O Estado de fato é a defesa dos interesses comuns de todos os capitalistas.
Esses interesses comuns são principalmente dois:
1º - A Exploração (e a superexploração) dos trabalhadores e trabalhadoras, isto é, a apropriação da mais-valia (lucro) produzida pelos trabalhadores e trabalhadoras, com a finalidade de acumular capital.
2º - A Garantia de que esta situação vai continuar indefinidamente, isto é, de que os trabalhadores e trabalhadoras se deixem explorar, sem criar problemas. Para isso é preciso impedir que os trabalhadores se conscientizem e se organizem, e é preciso se defender quando eles começam a lutar pelos seus interesses.
Como, então, domina o Estado Capitalista?
1º - Pelo Convencimento - precisa convencer o conjunto da sociedade de que o seu poder é legítimo.
2º - Tem que possuir os meios de convencimento para que o poder não seja contestado, isto é, convencer a classe dominada a não contestar o poder, por ameaça de represália, e, no caso de vir a ser, utilizar meios coercitivos para reprimir os contestadores pela força. Precisa agir de forma inteligente para que a classe subordinada (trabalhadora) aceite, em boa paz, a hegemonia da classe dominante (capitalista). Isto se dá principalmente pela ideologia (jeito de pensar); em que a classe dominada assume o jeito de pensar da classe dominante. Quem reproduz o jeito de pensar da classe dominante são principalmente a família, a escola, a igreja, os meios de comunicação de massa. A ideologia consiste precisamente na transformação das idéias da classe dominante em idéias dominantes para toda a sociedade como um todo, de modo que a classe que do¬mina no plano material (econômico, social e político) também domina no plano espiritual (das idéias).

A ideologia é o resultado da luta de classes e que tem por função esconder a existência dessa luta. Podemos acrescentar que o poder ou a eficácia da ideologia aumentam quanto maior for a sua capacidade para ocultar a origem da divisão social em classes e a luta de classes.
O grande instrumento do Estado é o Direito, isto é, o estabelecimento das leis que regulam as relações sociais em proveito dos dominantes. Através do Direito, o Estado aparece como legal, ou seja, como “Estado de direito”. O papel do Estado ou das leis é o de fazer com que a dominação não seja tida como uma violência, mas como legal, e por ser legal e não violenta deve ser aceita. A lei é direito para o dominante e dever para o dominado. Uma Democracia que se restringe apenas ao voto e não tem mecanismos reais de controle e participação no Estado por parte da classe excluída não é uma verdadeira democracia. O Estado foi privatizado, e está quase que exclusivamente à servi¬ço, da classe capitalista. Volta e meia assistimos na TV que o Presidente de República conversa com empresários numa janta ou almoço. Quantas vezes ao ano ele tem um encontro semelhante com os trabalhadores?
Mas é bom enfatizar que o Estado é mais que o Governo. Pois o Estado são todas as estruturas políticas e sociais que regulam a vida humana (p. ex. costumes, leis, moral, partidos, associações). Daí podermos dizer que vive¬mos num Estado mais ou me¬nos democrático, conforme a liberdade que temos de democraticamente interferirmos na regulação/ trans¬formação da vida em sociedade.
Diz Martin Luther: “E, deves saber que desde o início do mundo um príncipe sábio é ave rara, e um príncipe honesto mais raro ainda. Em geral são os maiores e os piores patifes da terra; por isso sempre tem que se esperar o pior deles e pouco de bom, especialmente em relação às coisas divinas que dizem respeito à salvação da alma. (...) Queridos príncipes e senhores, atendei a isso. Deus não o tolerará por mais tempo. O mundo já não é mais aquele como quando caçáveis e perseguíeis as pessoas como animais de caça. Por isso deixai vossos crimes e violências e pensai em proceder com justiça. E dai à Palavra de Deus curso livre, o curso livre que ela quer e deve ter, e vós não o impedireis. (...) Entre cristãos não deve nem pode haver autoridade alguma, contudo cada um é submisso ao outro, como diz Paulo em Rm 12,10;”Cada um considere o outro como seu superior”, e Pedro (I Pe 5,5): “Sede todos submissos uns aos outros”. Isto é o que também Cristo quer (Lc 14,10): “Quando fores convidado às bodas, toma o último lugar”. Entre os cristãos não há superior a não ser o próprio Cristo”. (Da Autoridade Secular)

Olhando a Palavra de Deus
I Rs 21 deixa claro o papel do Estado. O rei e a rainha usam o aparelho do Estado para roubar a terra de Na¬bote e matá-lo “legalmente”. Dentro desta linha de contestação o livro de Jeremias em 26,18 deixa claro que Deus é contra este Estado e o Templo, como seu aparelho ideológico, e quer a sua destruição. O Salmo 146, 3 diz: “Não confieis em príncipes, nem nos filhos dos homens, em quem não há salvação”. O texto de Gênesis 47, 13 – 26 mostra que o Estado é o responsável pelo empobrecimento do povo e mesmo assim ainda consegue cooptar o povo. Jesus deixa claro como deve ser o papel do governante, daquele que dirige, em Lc 22, 26: “Quem governa, seja como aquele que serve”.

Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
Quando um povo pode votar de vez em quando ainda não quer dizer que ele vive numa democracia.
No Brasil temos que encontrar alternativas democráticas a seis grandes entraves:
A corrupção;
Os poderes paralelos (narcotráfico, bicheiros, etc.);
A desintegração do aparelho estatal (privatização generalizada);
A crise da representatividade (clientelismo, fisiologismo);
O baixo grau de cidadania;
A apartação social (aumento da miséria e dos excluídos).

Só assim podemos “Construir uma Democracia Social com quatro colunas.
1. A Democracia Participativa: o ser humano é inteligente e livre, não quer ser apenas beneficiário, mas participante do projeto coletivo. Só assim ele se faz sujeito da história. Esta participação deve começar de baixo para cima, para não excluir ninguém.
2. A Democracia com Igualdade: resulta da participação de todos. Cada um é singular e diferente. Mas a participação impede que a diferença se transforme em desigualdade. É a igualdade na dignidade e no direito que sus¬tenta a justiça social. Junto com a busca da igualdade vem a eqüidade, isto é, a proporção que recebo pela minha co¬laboração na construção social.
3. A Democracia na Diferença: deve ser respeitada e acolhida como manifestação das potencialidades das pessoas e das culturas e como riqueza nas formas de participação. São as diferenças que re¬velam a riqueza da mesma e única Humanidade.
4. A Democracia com Comunhão: o ser humano possui subjetividade, capacidade de comunicação com sua interioridade e com a subjetividade dos outros; é capaz de valores, de compaixão e solidariedade com os mais fracos e de diálogo com a natureza e com Deus. Eis a espiritualidade.
Hoje, se as igrejas não tomam a sério os povos crucificados, não sei o que dizer quando falam do Cristo crucificado e da ressurreição do crucificado. Se não ouvem o grito dos oprimidos do mundo, como poderão ouvir a voz de Deus, daquele que as Escrituras dizem ser o Deus do grito da vida, que escuta o clamor dos escravos do Egito, as lamúrias dos exilados da Babilônia”. (Leonardo Boff, ESP,15/8/93)

7º Dia

27. Economia #

Ler o texto em grupos e relatar em plenária o funcionamento de nossa economia
Como cristãos podemos apoiar esta economia?

Olhando a Prática da Vida
Vivemos no Sistema Econômico Capitalista em sua fase Neoliberal Globalizada. Mas as relações de trabalho continuam sendo as mais diversas: desde a escravidão pura e simples até as mais modernas formas de movimentar a economia como por exemplo a especulação financeira internacional. Tudo está sob o abrigo da mesma economia e com o mesmo objetivo: o lucro rápido. Relaciona¬mos aqui a evolução do trabalho escravo no Brasil (Fonte: CPT) que mostra que não há escrúpulos neste sistema econômico para conseguir este lucro.
Tivemos assim em 1991 um total de 27 casos de escravidão no Brasil com 4.883 pessoas escravizadas e já em 1995 tive¬mos menos casos, 21 apenas, mas com 26.047 pessoas escravizadas. Os casos de escravidão em fazendas ocorreram em todos os estados brasileiros.
As medidas foram anunciadas (fevereiro de 2003) pelo secretário especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, que diz ter números segundo os quais há pelo menos 25 mil trabalhadores escravos no Brasil apenas na região Nordeste. Serão implementadas políticas sociais em municípios do Maranhão e do Piauí, de onde se originam cerca de 90% dos trabalhadores nessa situação, de acordo com o secretário de Direitos Humanos, que fala em "estabelecer um torniquete em torno do trabalho escravo". Em 2000 foram 537 casos e em 2001 o número saltou para 1.287 ocorrências no Pará. Em 2001, a CPT apontou 14 fazendas pela prática de trabalho escravo na região e no ano passado foram 65 fazendas denunciadas pela comissão.
Assim vemos que o sistema econômico capitalista usa de todas as for¬mas possíveis para conseguir o seu valioso lucro, não importando as formas: ditadura militar, assassinatos, tortura, ocupação militar de um país, guerra, escravidão, novas tecnologias, desemprego, tudo vale.

Olhando o Assunto
Vamos tentar entender com se comporta essencialmente esta nossa economia.
O capitalismo dividiu as pessoas praticamente em duas classes fundamentais, com interesses opostos. De um lado, estão os trabalhadores que só tem a força de trabalho para vender, em troca de um salário que mal dá para vi¬ver. Do outro lado, estão os capitalistas, proprietários das indústrias, dos bancos, das terras, das ferramentas de trabalho, ou seja, os donos do capital. Tem ainda uma classe média que uma vez está deste ou do outro lado, conforme os seus interesses. Cada classe tem um projeto de como deveria ser organizada a sociedade, mas os capitalistas permitem apenas que o seu projeto seja desenvolvido.
O Objetivo do Capitalismo é produzir mercadorias.
Esses capitalistas usam e exploram os trabalha¬dores para produzir mercadorias e obter lucros. Com tais lucros, além de viverem com muito luxo, os capitalistas melhoram suas fábricas, máquinas e outros meios de produção (terras, comércio, bancos, caminhões, navios, etc), para explorar mais trabalhadores, produzir mais mercadorias e conseguir mais lucros. A produção é dirigida para o MERCADO, onde é comercializada. Ao contrário do que acontecia nas sociedades do passa¬do, no sistema capitalista tudo que é produzido destina-se à troca, ao comércio. O mundo todo foi trans¬formado num mundo de mercadorias.
Para facilitar as trocas, aos poucos as pessoas passaram a utilizar uma mercadoria que funciona como equivalente de todas as outras: o dinheiro. No capitalismo o trabalhador vende sua força de trabalho como qualquer outra mercadoria, em troca de um salário, pago pelo patrão.
Os alicerces deste sistema econômico é a Propriedade Privada dos Meios de Produção (terras, fábricas, grande comércio, bancos, máquinas) e a Livre Iniciativa (livre concorrência). A própria palavra Propriedade Priva¬da diz o que isto significa: os outros es¬tão privados, não podem ter acesso a estes meios de produção. Livre Iniciativa é a liberdade de se poder fazer o que bem quiser, nem que seja, e principalmente, explorar a classe trabalhadora. Não há um planejamento da economia. Chamamos isto de anarquia da produção. Como acontece a exploração?
Usaremos o exemplo do mecânico para demonstrar como acontece a exploração: numa oficina, de uma agência de carros, em maio de 1998 uma hora de ser¬viço custava R$ 20,00 e o mecânico trabalha 220 horas ao mês, produzindo, portanto, um valor de R$ 4.400,00. O seu salário são 5 Salários Mínimos que perfazem R$ 650,00; levando em conta os encargos sociais que perfazem tanto quanto o salário, te¬remos então o custo do mecânico em R$ 1.300,00 ao mês. Ele produz R$ 4.400,00 e custa para a Agência de carros R$ 1.300,00, sobram como lucro de seu trabalho o total de R$ 3.100,00; lucro com o qual ele não fica. Para o mecânico produzir o valor de seu salário com os encargos sociais ele precisa trabalhar 8,1 dias, trabalhando os restantes 19,4 dias do mês de graça. Na agricultura o valor dos dias que se trabalha de graça está embutido no baixo preço dos produtos que o agricultor vende.
Como se faz o preço da mercadoria? O cálculo é o seguinte:
Capital Constante - Fábrica, máquinas, ferra¬mentas, energia, impostos, matéria prima.
Capital Variável - Trabalho Necessário – Custo do salário mais encargos sociais
Trabalho Excedente – Tempo que trabalha de graça. Este é o Lucro
Somando o Capital Constante mais o Capital Variável teremos o preço da mercadoria.
Assim a exploração acontece no processo de produção da mercadoria. Ou melhor dito: a essência do capitalismo é a exploração de uma classe sobre a outra. Entram aí ainda a jornada de trabalho de 8 horas, mais horas extras, o aumento do ritmo de trabalho, novas tecnologias e novas máquinas, produção em série e não satisfeito com isto toda a família é jogada no mercado de trabalho para poder sobreviver. Para que esta situação se perpetue a classe capitalista precisa controlar o poder político e precisa fazer com que todos pensem como ela. Nos últimos 500 anos de história no Brasil somente a elite, a classe dominante, esteve no controle do poder político e encaminhou a economia da forma que está. A partir disto vemos que o capitalismo não deu certo nem aqui nem em qualquer outro país do mundo; pois essencialmente gera riqueza para poucos e empobrecimento para o resto.
O sistema econômico capitalista ainda se caracteriza por suas crises cíclicas de superprodução. Quando há su¬perprodução é necessário reduzir os es¬toques. Para isto é necessário diminuir a produção que requer que haja dispensa de empregados, o que gera o desemprego. Havendo desemprego baixa o poder aquisitivo do povo que não pode mais consumir tanto. Tendo assim baixado o consumo é necessário diminuir mais a produção o que gera mais desemprego, e assim por diante segue este círculo diabólico que atinge em cheio a classe trabalhadora.
Nesta situação o Estado tem que intervir para salvar a economia (não a classe trabalhadora). E o que ele faz?
Primeiro corta as despesas e aumenta os im¬postos. Isto, é claro, atinge em cheio a classe trabalhadora, pois sempre se corta na área social e quem paga os impostos são apenas os consumidores (o comércio e a indústria apenas recolhem os impostos embutidos nos preços). Em segundo lugar incentiva as exportações com subsídios ou baixa de tarifas, o que beneficia a classe capitalista. Em terceiro lugar implanta um arrocho salarial para controlar a inflação e o consumo, além de aumentar os juros. Tudo isto traz uma bela recessão!
Olhando a Palavra de Deus
O profeta Amós (8, 4 – 7) diz:” Ouvi isto, vós que pisais os necessitados, e destruís os miseráveis da terra, dizendo: Quando passará a lua nova, para vendermos o grão? e o sábado, para expormos o tri¬go, diminuindo a medida, e aumentando o preço, e procedendo dolosamente com balanças enganadoras, para comprarmos os pobres por dinheiro, e os necessitados por um par de sapatos, e para vendermos o refugo do trigo? Jurou o Senhor pela glória de Jacó: Certamente nunca me esquecerei de nenhuma das suas obras. Por causa disso não estremecerá a terra? e não chorará todo aquele que nela habita?”
Em Dt 15, 4 diz bem claro: “para que entre ti não haja pobre”. Lembramos ainda Tg 2, 6-7. Como poderá acontecer um arrependimento sério? Leiamos Lc 19, 1 – 10 para termos a proposta do Evangelho referente ao arrependimento e à riqueza (deu a meta¬de dos bens aos pobres e devolveu 4 vezes o valor do que roubou). Em I Timóteo 6, 9 – 11 diz: “ Porque nada trouxe para este mundo, e nada podemos daqui levar; tendo, porém, alimento e vestuário, estaremos com isso contentes. Mas os que querem tornar-se ricos caem em tentação e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, as quais submergem os homens na ruína e na perdição. Porque o amor ao dinheiro é raiz de todos os males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores. Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão”.

Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
Martin Luther diz sobre a usura (lucro exagera¬do, juro de capital, juro excessivo): “Em primeiro lugar, é preciso saber que, em nossos dias (a respeito dos quais o apóstolo Paulo profetizou que seriam perigosos – II Tm 3, 1 – 5), a ganância e a usura não apenas se instalaram imensamente em todo o mundo, mas que alguns também se atreve¬ram a descobrir alguns subterfúgios sob os quais podem praticar livre-mente sua maldade sob o manto da justiça”.
“Escrevi contra a usura já faz quinze anos. Ela irrompeu de forma tão violenta que eu não podia ter esperança de melhora alguma. Desde então ela se sofisticou a tal ponto que já não pretende mais ser vício, pecado ou vergonha; ao contrário, já se deixa exaltar como pura virtude e honra, como se prestasse grande amor e serviço cristão para outras pessoas. Que benefício pode haver quando a vergonha é tomada por honra e o vício por virtude? Sêneca afirma a partir do ponto de vista da razão natural: ‘Não há remédio onde aquelas coisas que eram consideradas vícios se tornam costumes”.
Hoje também estamos vivendo numa situação em que os juros são exagerados e a exploração e especulação financeira internacional, via bolsa de valores, rege a economia. Também hoje este capital volátil aparece como se fosse a salvação do país; quando na verdade é sua desgraça.

28. Fé e Amor #

Ler o texto em grupos e resumir o tema e trazer as dúvidas e questões para discussão para a plenária
Como a fé e o amor andam juntos?

Olhando a Prática da Vida
Um membro na assembléia da comunidade falou: “Na igreja, durante o culto, não se pode pronunciar a palavra justiça”. Ele estava querendo dizer que o pastor não pode pregar sobre justiça. Quando alguém não gosta de uma pregação a pessoa diz: “A função da igreja é pregar o evangelho”. Só que o Evangelho fala de justiça (Mt 6, 33: bus¬cai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça). Um homem disse (usando este texto) que a função da igreja é: “Pregar o reino de Deus e todas as outras coisas nos serão acrescentadas”. Só que ele esqueceu da parte que fala “e a sua justiça”. Ele estava reclamando do envolvimento da igreja com os Movimentos Populares, dizendo que isto não faz parte da pregação e vivência do Evangelho.
Qual na verdade é o problema maior aqui? O problema é a separação entre fé e vida, entre fé e amor. O Evangelho de Jesus Cristo serve apenas para o enlevo espiritual? O que vamos fazer com o Evangelho que fala uma vez: “Bem-aventurados vós os pobres...” e logo depois “Ai de vós, os ricos...” (Lc 6, 20 – 26)? O Evangelho é o mesmo, mas tem uma postura diversa frente a duas práticas de vida. Vamos rasgar fora do Evangelho o que nos incomoda? Vamos pregar só o que nos convém? A igreja pode pregar também aquilo que atinge o sistema deste mundo ou deve-se calar perante o pecado coletivo da sociedade? Jesus Cristo disse em Lc 19, 40 “Asseguro-vos que, se eles calarem, as próprias pedras clamarão”.
Na verdade o grande problema para os cristãos é entender que fé e amor, fé e vida andam juntos e são inseparáveis. Faz parte da fé e do amor a denúncia profética. A vivência prática do amor cristão poder ser ao mesmo tempo uma denúncia profética. Quando Jesus andava e convivia com os empobreci¬dos e excluídos estava denunciando esta sociedade que gerou os pobres e os excluiu. Em Mt 25, 31-46 Jesus condiciona a salvação à prática solidário com os empobrecidos e excluídos.

Olhando o Assunto
Martin Luther diz:
“É impossível separar da fé as obras; é tão impossível como separar do fogo a chama e a luz”. O crente “tem tudo de Deus e é salvo e rico. Por isso de nada mais necessita doravante, mas tudo que vive e faz, ele o organiza para o bem e proveito de seu próximo e, pelo amor, proporciona a esse o que Deus, proporcionou a ele próprio pela fé, portanto, toma, através da fé, bens de cima, e, embaixo dá bens pelo amor”.
“Nós precisamos receber antes de poder gastar. Antes de praticar misericórdia precisamos tê-la recebido da parte de Deus. Nós não colocamos a primei¬ra pedra; a ovelha não procurou o pastor mas o pastor a ovelha...” Por isso as nossas obras “são um sinal certo e como um carimbo impresso num documento; que eu me torne seguro que a minha fé seja verdadeira. Motivo: sinto no meu coração que a obra sai do amor, então tenho certeza que a minha fé é certa”.
“Pois, maldita e condenada é toda a vida que se vive em benefício do próprio. Malditos todas as obras não inspiradas pelo amor. Elas se inspiram no amor quando não se deixam guiar pelo prazer, proveito, honra, comodidade e salvação da própria pessoa, mas quando procuram, de todo a coração, o proveito, honra e salvação de outros”.
O desafio na verdade é entender que fé sem amor não existe. Só que na prática da vida volta e meia convém para nós separar as coisas, pois o amor compromete. O amor faz com que o cristão se senta ao lado e anda com as pessoas injustiçadas e exploradas. O amor faz o cristão ouvir o grito dos excluí¬dos e massacrados pelo sistema montado neste mundo e se indignar com a exclusão e o sofrimento.
Aqueles que estão comprometidos com o sistema deste mundo não querem que a igreja fale de todo o Evangelho, querem que a igreja esqueça uma parte dele. A igreja fez e faz isto muitas vezes. Com isto ela também peca.
Napoleão I (imperador da França no século 19), quando ainda era chamado de Bonaparte, disse uma coisa muito interessante no que diz respeito à religião como aparelho ideológico do Estado:
“No que me toca, eu não vejo na religião o segredo da encarnação, mas o segredo da ordem social: A religião empurra a idéia da igualdade para o céu, o que impede que os ricos sejam massacrados pelos pobres. A religião é como uma espécie de vacinação, conseqüentemente uma vacina, que sempre beneficia os charlatões e vilões, pelo fato de satisfazer a nossa queda pelo milagroso. Os sacerdotes são mais valiosos que muitos Kants e todos os sonha¬dores alemães. Como se pode manter a ordem num Estado sem religião? A sociedade não pode subsistir sem uma desigualdade das riquezas, relativamente, de bens, e a desigualdade das riquezas, relativamente, de bens, não pode subsistir sem a religião. Se uma pessoa morre de fome enquanto que seu vizinho nada em fartura, então lhe é impossível achar uma explicação para esta desigualdade, se não há uma autoridade que lhe diz: Deus quer que assim seja; tem que existir ricos e pobres no mundo; mas na eternidade final¬mente tudo será dividido de maneira diferente!”.
O grande conflito que se instala no seio da comunidade cristã, na verdade, é saber separar a fé da ideologia. O sistema instalado neste mundo quer transformar a igreja numa propagadora da ideologia do sistema capitalista. O Estado quer que a Igreja faça parte do seu aparelho ideológico; significa que a função da igreja é propagar as propostas do Estado ou então ficar em silêncio diante das injustiças que o Estado pratica. Adaptar o Evangelho aos interesses do Estado. E, os interesses do Estado são os interesses da classe economicamente dominante: a classe capitalista. Sabemos que a função da ideologia é esconder que há opressão e exploração de uma classe sobre a outra; mais ainda, é esconder que existem na sociedade classes sociais em constante confronto. A função da ideologia é esconder que existe a luta de classes na sociedade.
Martin Luther diz: “Preciso inculcar, pregar, cravar e fazer engolir sempre essa diferença dos dois reinos, ainda que seja dito e escrito tantas vezes que se torne enfadonho. Porque o desgraçado do diabo também não pára de misturar os dois reinos na mesma panela e no mesmo barril. As autoridades mundanas sempre querem, em nome do diabo ensinar a Cristo e prescrever-lhe como deve conduzir sua Igreja e exercer o seu regime espiritual. Assim, os falsos clérigos e espíritos sectários querem ensinar e prescrever sempre, não em nome de Deus, como se deve organizar o regime secular. De maneira que o diabo, em ambos os lados, é imoderado e tem muito que fazer. Deus queira contê-lo, amém, se merecermos isso”.
E por que existe a luta de classes? Ela existe porque uma classe: a capitalista, explora as outras classes. É fundamental que a classe capitalista se mantenha no poder para poder perpetuar a sua exploração. Para que as outras classes não percebam a exploração, a ideologia tem esta função de ocultá-la. O desafio da classe dominante é conseguir que as classes por ela dominadas pensem como ela quer que pensem.
Assim quando a igreja, pregando o Evangelho todo, liga a fé com a vida, liga fé e política, liga a fé com o amor: a opressão e a luta de classes ficam evidentes. A igreja não cria a luta de classes, e sim, ela a denuncia e quer acabar com a existência de classes sociais, ela quer a igualdade e a justiça que partem do amor.
Mas, a igreja pode cri¬ticar o sistema capitalista? Não só pode, como deve, pois o sistema capitalista é um sis¬tema cria¬do pelas pessoas humanas, por¬tanto, falho, cheio de pecado e transitório como tudo que as pessoas humanas criam. Tendo sempre claro que o Reino de Deus tem característica total¬mente opostas ao sistema capitalista. O sistema capitalista empobrece as pessoas e o Reino de Deus se ocupa sempre com os empobrecidos e denuncia toda a agressão à vida das pessoas (Lc 6, 20). A prática do Reino é uma prática de amor, igualdade, solidariedade e comunhão (At 2, 42 – 47). A característica básica de uma sociedade baseada na fé em Jesus Cristo é a construção de uma sociedade sem classes sociais como foi a primeira comunidade cristã.
Se a fé e o amor estão juntos então eles nunca conseguirão conviver com o sistema capitalista. A função da ideologia da classe dominante é exatamente esta: tornar o impossível possível ou ao menos fazer de conta que é possível a convivência entre Evangelho e Capitalismo. O sistema capitalista é o que a Bíblia chama de mundo ou século. Paulo, porém, deixa claro em Rm 12, 2: “não vos conformeis com este século”. Tg 1, 27 reafirma as palavras de Paulo.

Olhando a Palavra de Deus
I Jo 4, 20: “Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, não pode amar a Deus, a quem não viu”. Este texto deixa claro a relação entre a fé em Deus e o amor ao próximo. Não se ama o próximo explorando-o, oprimindo-o e empobrecendo-o como é a essência do sistema capitalista. Se alguém tem raiva dos sem terra, dos sem teto não ama a Deus.
Tg 1, 22: “Tornai-vos, pois, praticantes da pa¬lavra, e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos”. A prática da fé é o amor, e o amor não se baseia em preconceitos e nem exclui aqueles que são excluídos pela classe dominante e os que pensam como ela.
Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
Na história do Brasil aprendemos que no passado os cristãos brancos achavam correto escravizar negros e índios; achavam correto matar índios. Cristãos tinham ódio e raiva de índios e negros. Se consideravam cristãos e tinham esta prática assassina de vida. A história e o próprio Evangelho de Jesus Cris¬to nos ensinam que eles estavam errados. Hoje mui¬tos cristãos odeiam, tem raiva e preconceito dos sem terra (que são cristãos empobrecidos), dos empobrecidos que se organizam em Movimentos Populares para lutar pelos seus direitos e pela justiça. Por que estes cristãos que se baseiam no preconceito pensam e agem assim? São motivados pelo Evangelho? Não! São motivados pela ideologia da classe dominante que necessita que todos pensem assim como estes. O que nós aprendemos da história e do Evangelho já nos diz hoje que estes que tem preconceito e raiva dos empobrecidos de hoje estão errados e estão crucificando Jesus Cristo de novo. O que o Filho do Homem dirá para estes no juízo final? Dirá: ”Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o Diabo e seus anjos” (Mt 25, 41). Em Mt 7, 21 diz: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus”. E qual a vontade de Deus? “Em verdade vos afirmo que sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizeste” (Mt 25, 40). A ideologia da classe dominante mata, agora (os pequeninos irmãos) e traz a morte eterna (aos que seguem e praticam esta ideologia).
Quais as características de uma sociedade a qual organiza a sua vida a partir da fé no Evangelho de Jesus Cristo? Como a comunidade cristã vai se posicionar frente o processo de empobrecimento e exclusão que é inerente ao capitalismo? Como a comunidade cristã se posiciona frente o fato do capital e a sua reprodução serem mais importantes que a pessoa e a vida no capitalismo?
Martin Luther diz: “Em questões de amor é preciso ceder, porque ele tudo suporta; em questões de fé, no entanto, nada (...) Não deve tolerar nada nem recuar. Deve ser extremamente orgulhoso e persistente. Contudo, em questões de amor, a situação é outra. Pela fé, entretanto, o ser humano é (por assim dizer) Deus, que não pode ceder. Deus é imutável, e assim terá que ser a fé.


29. Espiritualidade #

Ler o texto em grupos e falar sobre a espiritualidade dos cristãos de sua comunidade.
O que vocês entendem por espiritualidade?

Olhando a Prática da Vida
Hoje se fala muito em espiritualidade ligada a anjos, cristais, gnomos, etc. isto é espiritualidade cristã? O que é, afinal, espiritualidade cristã? Como deve ser a pregação da igreja? Apenas suave, bonita e agradar a todos? Espiritualidade acontece apenas num momento de reclusão para reflexão ou também perpassa a prática da vida?

Olhando o Assunto
Como era a espiritualidade na época da Reforma e qual foi a sua contribuição? Na verdade a Re-forma aconteceu por causa da compreensão que ha¬via sobre espiritualidade e a mudou radicalmente.
“Em 1517 a fé estava em alta. Ocupava em lugar realmente central na vida das pessoas. A vida tinha um centro inquestionável: Deus e a sua vontade. Tudo o que tinha sentido passava por este critério: se agradava ou não agradava a vontade de Deus. O indivíduo, a religião, a sociedade, o Estado, todos enfim, buscavam legitimidade a partir deste critério central.
No decorrer dos séculos, a criatividade humana havia definido com esmero e precisão a forma e conteúdo da devoção a Deus: peregrinar para lugares sa¬grados, orar regularmente, participar das celebrações, confessar minuciosamente todos os pecados cometidos por atos, pensamentos, palavras e omissões, fazer penitências, respeitar superiores, pagar dízimos e impostos, ajudar os pobres... E todos sabiam a quem cabia administrar esta infinita variedade de serviços a Deus. Pois a vontade de Deus era evidente. Ela coincidia com a vontade daqueles que tinham poder de mando aqui na terra: reis, nobres, bispos, príncipes. Eles eram os representantes de Deus na terra, a encarnação do poder divino. Ao simples fiel, à mulheres e homens destituídos de poder, cabia orientar-se pela vontade daqueles. Cabia cumprir o exigido, dar o melhor de si e esperar pacientemente pela recompensa na vida eterna.
Por muito tempo este imaginário equilibrava a contento o convício social. Esta fé partilhada por to-dos era o consenso mínimo que a vida necessitava para fluir, para seguir seu caminho apesar de peque¬nos e grandes percalços que aqui e ali enfrentava. Mas este equilíbrio estava construído sobre um equívoco fatal. Dava aos poderosos de seu tempo o poder de definir a vontade de Deus. E assim criaram um deus a sua imagem e semelhança. Um deus cada vez mais exigente e autoritário. Um juiz cujo rigor refletia a ganância, o poder e o luxo crescente daqueles que co¬mandavam a igreja e a sociedade. E a espiritualidade uma vez humilde, sincera e singela, lentamente foi se trans¬formando num fardo insuportável, um catálogo de exigências cada vez mais rigorosas e extorsivas. Então foi necessário redescobrir Deus. Foi necessário perguntar novamente por seu jeito e seu lugar na história.
A Reforma prestou este serviço ao cristianismo. Clareou a vista ofuscada e sintonizou o coração com a misericórdia de Deus. Prestou um serviço ao cristianismo e à humanidade. Pois descobriu que a Bíblia é fundamental na relação das pessoas com Deus. E na Bíblia a experiência de Deus é múltipla, pluralista, ecumênica. Na Bíblia a experiência de Deus traz o colorido de muitas culturas, muitos povos, muitos jeitos diferentes de crer. Com a Bíblia assim aberta e acolhedora já não era possível normatizar a fé, nem prescrever forma e conteúdo da espiritualidade. Ter fé se revelou como um perfil de vida, um perfil de liberdade e confiança. Confiança num Deus graciosos e solidário, solidário especialmente com humildes e sofredores.
Então a espiritualidade ganhou novo sentido. Pois já não é o crente que sobe ao céu através do cumprimento dos ritos, tradições, costumes e prescrições, mas é Deus que vem ao mundo para se solidarizar com quem sofre. Este Deus assim solidário nada exige para si, mas capacita para a solidariedade. Quem se sabe atingido pela graça de Deus, se torna um deus graciosos para seus semelhantes. A solidariedade é expressão fundamental de espiritualidade cristã. Não como opção possível, mas como decorrência necessária da graça. Como os raios decorrem do sol, as¬sim a solidariedade decorre da graça. Viver este perfil não é obrigação, é privilégio. É privilégio de quem se sabe carregado pela graça de Deus.
Pecado é não confiar nesta presença graciosa de Deus entre nós. É negar a utopia da vida possível para to¬dos. É acomodar-se ao mundo que aí está e que nega a promessa de novos céus e nova terra. Por isso a conversão é graça e exercício cotidiano, comunitário e criativo. É exercício de tolerância e beleza. Que Deus nos ajude a beber da fonte inesgotável de sua graça e nos guarde da tentação de transformar, novamente, sua Bíblia num tira¬no de papel”. (Jorev. Lauri Emílio Wirth. Espiritualidade a partir da Reforma)

Olhando a Palavra de Deus
Na espiritualidade de Jeremias 20, 7-13 encontramos o conflito, a resistência e a denúncia, a dor e o louvor. O profeta Amós denuncia de forma contundente a falsa espiritualidade do povo em Am 4, 4-5 e 5, 21-24. Também o profeta Miquéias 6, 1-8 define que a espiritualidade que Deus quer é a prática da justiça, a misericórdia e a fidelidade à Deus e não está interessado nos ritos religiosos que o povo pro¬põe para conseguir o perdão de sua culpa. De forma semelhante fala o profeta Isaías 58,1-10. Fé que não está vinculada ao processo de libertação da opressão e à prática da justiça e da misericórdia não é fé no Deus vivo. Em Lc 10, 21 a direção que espiritualidade de Jesus Cristo toma está muito clara: está ligada aos pequeninos. Assim a espiritualidade que não leva em conta a situação real dos pequeninos não é uma espiritualidade cristã (Mt 25, 34-40; Lc 4, 18-19; Tg 1, 27). Assim vemos que a espiritualidade de Jesus está muito ligada ao real e ao concreto, melhor dito, ela parte da vida real e concreta. Espiritualidade que não leva em conta a transformação da vida real não é espiritualidade cristã e esta transformação não é apenas individual mas coletiva, comunitária.

Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
Há duas grandes linhas de espiritualidade que acompanham a Bíblia: a Espiritualidade Profética e a Espiritualidade Contemplativa.

A Espiritualidade Profética. Esta é essencial¬mente crítica, pois os profetas estão sempre denunciando os grupos que abusam do poder e exploram o próximo. Os profetas denunciam a opressão introjetada que marginaliza os pequenos fazendo-os se acomodarem. É a luta contra a “cultura do vazio” e de buscar nos poderosos a solução. A espiritualidade profética nos indica que aquilo que denunciamos nos outros nós também muitas vezes praticamos. Ela nos adverte da ideologia da classe dominante. Mas esta espiritualidade dá forças para resistir às perseguições e nos fortalece nos conflitos. Os profetas têm uma grande intimidade com Deus o que lhes dá novas intuições e buscam no¬vos caminhos na resistência contra o projeto deste mundo. A espiritualidade profética nos confronta com mudanças profundas da realidade e de nós mesmos. Assim descobrimos que Deus é próximo e íntimo e ao mesmo tempo total¬mente livre e independente. Disto surge uma outra espiritualidade: a Contemplativa.

A Espiritualidade Contemplativa. Normal¬mente quando se fala em espiritualidade só nos referimos à espiritualidade contemplativa e não conseguimos entender a espiritualidade profética. A espiritualidade Contemplativa faz uma integração com a natureza (Sl 104; 147, 65) e tem uma grande percepção da graça de Deus (I Cr 29, 14b) pois dentro desta está a festa (Ex 3, 18) que também Jesus valorizou (Jo 2, 1-11). Esta espiritualidade está marcada pela escuta (Dt 6,4) que supõe um silêncio interior, de calar e ouvir e tem uma atitude de admiração e obediência diante do sofrimento, da dor e da morte (Hb 5, 7-8) e supõe muita paciência (Mt 25,1-13).

Espiritualidade de Dominação.
Assim como no tempo da Reforma existia uma espiritualidade que favorecia a dominação, também na Bíblia podemos ver isto. No Antigo Testamento a espiritualidade de dominação se manifestava no seguimento ao deus Baal e semelhantes que favoreciam a exploração e dominação do povo; isto era denunciado pelos profetas. Ou quando o Templo reduzia a fé em Deus a apenas a alguns ritos e leis (Is 58, 1-10; Mq 6,1-8; Am 5, 21-23) ou o transformou num legitimador das posses da classe dominante ou simplesmente servia para legitimar a arrecadação de impostos por parte do Estado. No Novo Testamento a espiritualidade de dominação se manifestava na teologia do Templo que fortalecia a salvação via cumprimento da Lei e legitimava a exclusão social dos pobres e os considerados impuros.
Hoje a espiritualidade que favorece a dominação se manifesta no fato de a ideologia da classe dominante de¬terminar que as questões de fé devem se subordinar aos interesses desta mesma classe e com isto dizem que a fé é algo que está desvinculada do processo de transformação das pessoas e da sociedade em direção ao Reino de Deus. A ideologia da classe dominante fala muito em fé, em religião, em Deus, em Jesus Cristo mas desvinculado de um pro¬cesso de transformação das pessoas e de toda a sociedade que o Evangelho de Jesus Cristo requer. Desviando, assim, o foco do Deus encarnado que nasceu excluído numa estrebaria à margem da sociedade, foi perseguido pelo poder dominante do rei Herodes e foi crucificado pelo Estado romano aliado ao Templo. Toda espiritualidade que esquece disto é de dominação. Espiritualidade de dominação é quando se fala de um Deus desvinculado do processo histórico; quando a fé vira ritualismo, costume ou quando fé é algo individualizado sem haver a participação num grupo co¬letivo, comunitário. Falar em ter fé ainda não significa que se é cristão, pois toda pessoa tem fé em algo. É funda-mental dizer que se crê em Jesus Cristo. A grande espiritualidade de alienação de hoje é falar da ressurreição da alma somente e não falar da teologia da cruz (I Co 1,18-29), esquecendo que a comunidade cristã confessa a fé na ressurreição do corpo e na vida eterna.

Faz parte da espiritualidade de opressão a espiritualidade que o mercado tenta impor:
“Uma observação curiosa é a seguinte: lendo periódicos ou artigos especializados sobre a conjuntura atual, chama a atenção a presença de conceitos nitidamente religiosos para desenhar a crise atual, bem como para visualizar possíveis saídas. Fala-se que é preciso crer nas forças reguladoras do merca¬do, que deve-se ter fé nas possibilidades de vencer as crises, que é imperioso não abalar a credibilidade do sistema econômico e financeiro, que é necessário estar disposto a realizar sacrifícios para que o futuro seja melhor, e assim por diante. Percebo ainda entre alguns analistas uma linguagem entre vacilante e de expectativa, como se esperassem vislumbrar uma luz no fim do túnel, que ao final não chega nunca. Da parte dos governos, se observa uma arrogância e um desprezo cínico para com a sociedade civil e as pessoas do povo ou daquelas que pensam de modo diferente.
Esta referência a conceitos religiosos ajuda a entender a forma do mercado atual, com suas características de ídolo, no sentido bíblico do termo. Sabemos que o ídolo se caracteriza por sua pseudo- realidade, pelos enganos que anuncia e pela pretensão de ocupar o lugar de Deus na realidade, nas mentes e corações. Quer dizer, o mercado se afirma como realidade totalitária, inquestionável, que abarca tudo, tanto em suas bases quanto em seus efeitos. Se por acaso houver erros, pontos negativos, gente sobrante, isto é assim mesmo, não há como mudar a natureza dos fatos. Entra aqui sutilmente uma idéia capciosa: a naturalização do mercado, por¬tanto, sua deshistorização”. (Rober¬to Zwetsch. A igreja e o desafio da fé em tempos de globalização)

30. Sacerdócio Geral de Todos os Crentes. #

Ler o texto em grupos e discutir como nós estamos exercendo ou não o nosso sacerdócio.

Olhando a Prática da Vida
Perguntando sobre quem deveria realizar o trabalho na comunidade uma pessoa respondeu: O pastor. Outra pessoa disse que fica decepcionada quando vai ao culto e encontra umas mulheres lá na frente do altar dirigindo a liturgia em vez do pastor. Quem será que é responsável pelo trabalho na comunidade? Ou o membro apenas paga a sua contribuição para ter o pastor quando precisa e quer?

Olhando o Assunto
I Pe 2,5.9 diz que nós somos sacerdócio santo e raça eleita, nação santa e povo de propriedade exclusiva de Deus para proclamar o Evangelho. Martin Luther redescobriu e reafirmou em seu tempo o Sacerdócio Geral de To¬dos os Crentes, ou seja, que todos os batizados e crentes são sacerdotes. Essa afirmação trouxe uma série de conseqüências para a teologia luterana e para a forma como a Igreja da Reforma se estruturou.
A afirmação do sacerdócio geral de todos os crentes implica em que o clero não pode mais reivindicar para si a função de mediar o relacionamento entre Deus e os demais cristãos. Único mediador é Cristo e sua palavra. Não há necessidade de outros mediadores, pois todos os batizados e crentes são membros plenos do povo de Deus, tendo, portanto, acesso imediato a Deus através da fé e da oração (Hb 9,15; I Tm 2,5).
O sacerdócio geral de todos os crentes afirma que todos os cristãos são ordenados sacerdotes através do batismo, com direito de se apresentar diante de Deus, de interceder junto a Deus por outras pessoas e de proclamar a elas a Sua vontade. Luther diz: “Cada cristão tem a palavra de Deus e foi instruído e ungido por Deus para ser sacerdote... Tendo eles a palavra de Deus e sendo por ele ungidos, também têm o dever de confessar, ensinar e difundi-la...”

A Comunidade convoca para o Ministério Especial
Ao lado do dever de cada cristão de exercer o seu sacerdócio e de testemunhar a sua fé, a comunidade como um todo é chamada a dar um testemunho público da palavra de Deus. Essa tarefa ninguém pode exigir para si mesmo. Cabe à comunidade convocar pessoas de seu meio para o exercício desse ministério especial, que é exercido por incumbência e em nome dela. Luther diz: “Se ele (o cristão) estiver num lugar em que não há cristãos, não é necessária qualquer convocação senão o simples fato de ele ser cristão, convocado e ungido interiormente por Deus... Se, entretanto, estiver num lugar em que há cristãos, os quais juntos com ele têm a mesma autorização e direito, ele não deve projetar a si mesmo. Espere até que seja convocado e escolhido para pregar e ensinar no lugar e por ordem dos demais... Quando necessário, qualquer um pode apresentar-se no meio dos cristãos, mesmo sem estar convocado”.
O ministério especial (pastoral) é derivado do ministério geral (da comunidade). Pastor e comunidade agem em atitude de mútua correção: assim como a comunidade tem a responsabilidade de julgar (avaliar) o ministério e a pregação do pastor, este tem o dever de avaliar qualquer manifestação da comunidade quanto à legitimidade de sua procedência. Ambos, pastor e comunidade, devem fidelidade a Cristo e à sua palavra, e perante ele devem se responsabilizar.

Ministério é Serviço
A história de Deus com a sua criação é uma história de serviço. No princípio estava a Palavra (João 1), e Deus-Criador nos serviu com ela. Mais adiante, a Palavra se tornou carne em Jesus Cristo (João 1.14). Através dele Deus serviu a sua criação de modo definitivo, reconciliando-a consigo. Depois disso, Deus passou a nos servir com o Espírito Santo, consolando e animando-nos a estender o Seu serviço a toda a Sua criação. A Trindade resume e concentra a história do serviço de Deus.
No sacramento do Batismo, somos feitos membros do Corpo de Cristo, ordenados para dentro do ministério-ser¬viço de Deus. No sacramento da Santa Ceia, somos mantidos no ministério-serviço. O ministério-serviço tem sempre em vista o "outro".
Nos encontros que costumamos chamar de culto, Deus continua nos servindo com Sua palavra e sacramentos. Neles, lembramos com gratidão tudo o que Deus tem feito e somos preparados para estender o serviço de Deus ao mundo. A palavra alemã para esse encontro de Deus conosco é Gottesdienst. Ela tem o duplo sentido adequado de "serviço de Deus" e "serviço a Deus". No Gottesdienst (serviço de Deus), somos servidos por Deus, que nos capacita e anima para servir a Ele em Gottesdienst (serviço a Deus) no mundo.
A base para o ministério da comunidade está dado nas palavras de Jesus em Mateus 28.18-20: "Ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado". Esse versículo sempre é lembrado quando celebramos o sacramento do Batismo. Através do Batismo mais alguém está sendo incorporado ao Corpo de Cristo, ao ministério da comunidade.

A Comunidade é o Corpo de Cristo
A comunidade cristã é a expressão visível do Cristo, é o Corpo do Cristo ressurreto. Ela e seus membros recebe¬ram o Espírito Santo e a incumbência de espalhar o serviço de Deus ao mundo. Deus está apostando alto em Sua Igreja. Isso lhe confere autoridade e dignidade, compromisso e responsabilidade.
Deus deu o ministério geral à comunidade. Cada membro do Corpo de Cristo participa nesse ministério geral com seus dons.
A descrição de I Coríntios 12, 12-31 informa sobre como os primeiros cristãos compreenderam o ministério geral da comunidade e mostra principal¬mente três coisas:
1) O corpo só é corpo quando tem membros diferentes entre si;
2) O corpo só funciona bem quando todos os membros cumprem seus serviços diferenciados;
3) O corpo todo sofre quando um membro sofre. Dá para entender facilmente que as pessoas que pelo Batismo se tornaram membros do Corpo de Cristo vão fazer o que Cristo fez. Além disso, não pode existir membro passivo/inativo nem membros mais importantes e menos importantes.
O ministério geral foi conferido por Deus à comunidade e não a pessoas isoladas. A comunidade administra o ministério geral com a Bíblia na mão.
Se o ministério é da comunidade cristã, então nenhum membro dessa comunidade pode:
a) apropriar-se do ministério ou
b) isentar-se de responsabilidade pelo ministério.
No Batismo, todos recebemos dons do Espírito Santo; ninguém ficou sem! Alguns apenas ainda não descobri¬ram o seu dom. A comunidade, administradora do ministério geral, precisa ajudar as pessoas a descobrirem os seus dons e incentivá-las a colocar os seus dons a serviço da causa de Cristo.
Isso significa, por um lado, que pastores e pastoras que fazem de tudo nas comunidades não merecem elogios. Devem ser repreendidos, pois estão usurpando o ministério geral e comprometendo a qualidade e a eficiência do ser¬viço de Deus que a comunidade deve estender ao mundo. Isso significa, por outro lado, que nenhum membro pode se excluir do ministério geral, sob pena de paralisar o Corpo de Cristo. Neste sentido, uma associação religiosa em que as pessoas se associam para serem atendidas em suas necessidades religiosas- civis é uma grande perversão.

Vamos pensar nas pessoas em nossa comunidade e fazer uma lista de dons; consideremos dois tipos de dons:
1) os que estão claros, à vista de todos;
2) os que estão escondidos e precisam ser encorajados, desenvolvidos.
Relacionemos os serviços da comunidade, completando-os com aqueles mencionados nos textos bíblicos de Mateus 25.35-36, I Coríntios 12.28, Romanos 12.6-8. O que você gostaria ou poderia fazer na comunidade?
Vejamos ainda os seguintes dons: profecia/pregação, consolo, ensino/catequese, canto, cura, oração, visitação, coordenação, ter um coração para os miseráveis, visitar presos, vestir os nus, visitar doentes, distribuir folhetos e literatura cristã, oferecer assinatura do jornal da Igreja, admoestar, comunicação pelo rádio, acompanhar portadores de deficiências, dirigir coral, tocar instrumento musical, animar cultos e reuniões...
A confissão luterana não reduz o ministério da comunidade e o serviço dos seus membros ao âmbito restrito da Igreja, mas concebe-o dentro do âmbito maior de trabalho-profissão-vocação. Aqui, mais uma vez, é significativa a palavra alemã Beruf = pro¬fissão, derivada de Berufung = vocação. Dentro dessa compreensão se deveria ampliar a lista de dons acima. Numa sociedade complexa, como a atual, existem também muitas atividades contrárias ao ministério- serviço geral da comunidade.
Quanto mais concretizações do ministério conferido por Deus à comunidade se realizarem, tanto mais significativos serão os encontros de Deus com a comunidade e tanto mais eficiente será o serviço de salvação que a comunidade estará estendendo ao mundo!
Mas, se tudo é tarefa de todos, muito facilmente ninguém se sentirá claramente encarregado de nada. Qual é, então, a tarefa de um pastor ou uma pastora? A resposta que se pode dar, por ora, é que estão ordenados para um ministério especial entre muitos outros numa comunidade que administra o ministério geral, no qual participam todos os seus membros, uma comunidade de pastores e pastoras - e nada menos do que isso!

Olhando a Palavra de Deus
Baseado em textos como I Co 12,12-31 que compara a igreja a um corpo com muitos membros. Dizendo que todos fomos batizados no mesmo Espírito e que se um membro sofre todos sofrem como acontece com o corpo humano. E por fim diz o texto que Deus estabeleceu na igreja apóstolos, profetas, mestres, operadores de milagres, dons de cura, socorros, governos, variedade de línguas e que cada um é para procurar com cuidado os melhores dons. Rm 12,3-8 fala que como no corpo nem todos os membros tem a mesma função também nós não temos os mesmos dons.
Pois somos muitos mas todos são um só corpo em Cristo e membros uns dos outros. Ef 4,11-16 fala que Deus concedeu os diversos dons para o aperfeiçoamento dos cristãos para um melhor desempenho no seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo. O objetivo dos diversos dons é para que cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus para que não sejamos levados de um lado para o outro por todo e qualquer vento de doutrina, mas fiquemos firmes na proposta do Evangelho.

Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
Martin Luther diz: “Inventou-se que o papa, os bispos, os sacerdotes e o pessoal dos conventos sejam chama¬dos de estado clerical; príncipes, senhores, artesãos e agricultores, de estado secular. Isso é uma invenção e fraude muito refinadas. Mas que ninguém se intimide por causa disso, e pela seguinte razão: todos os cristãos são verdadeiramente de esta¬do “clerical” , isto é, espiritual, e não há qualquer diferença entre eles, a não ser, exclusivamente, por força do seu ofício Tudo isso faz com que tenhamos um batismo, um evangelho, uma fé e sejamos cristãos iguais, porque batismo, evangelho e fé é que exclusivamente tornam as pessoas espirituais e cristãs. (. . .) Assim, pois, todos nós somos ordenados sacerdotes através do batismo (. . .). Como, pois, o poder secular é batizado como nós, tem a mesma fé e evangelho, temos que deixá-lo ser sacerdote e bispo, e considerar seu ofício como ofício que pertence à comunidade cristã e lhe é útil”.


31. Reino de Deus #

Ler o texto em grupos e descobrir sinais do reino de Deus em nossa comunidade e em nossa sociedade

Olhando a Prática da Vida
Quem constrói o Reino de Deus é o próprio Deus. Nós somos seus convidados especiais para participar desta construção e também os beneficiários do mesmo. Sempre quando lutamos por mais amor e mais vida neste mundo estamos participando da construção do Reino de Deus. Leia o assunto Movimentos Populares que fala do assunto: Reino de Deus.

Olhando o Assunto
O Reino de Deus anunciado por Jesus é o grande projeto de felicidade proclamado e realiza¬do por Jesus de Nazaré. O Reino de Deus anunciado por Jesus em Mc 1,15 é a proclamação central do anúncio de Jesus. Jesus anuncia o Reino. Esse é o seu grande projeto de felicidade. Um projeto de felicidade que tem duas dimensões. Para Jesus de Nazaré, o Reino é futuro, isto é, um projeto que está por vir na força de Deus. Jesus ensinará os discípulos a pedir que o Reino venha, ou seja, "Pai, venha o teu Reino" (Lc 11,2). É que esta grande novidade de Jesus de Nazaré: o Reino é, também e ao mesmo tempo, já presente. Jesus afirma: "Se é pelo dedo de Deus que eu expulso os demônios, o Reino de Deus chegou até vocês" (Lc 11, 20). A expulsão dos demônios, nos evangelhos, é um dos sinais evidentes de que o Rei¬no não é somente futuro, mas já é presente. Ou seja, a felicidade anunciada e proclamada por Jesus não é só promessa, mas já se torna realidade.
O projeto de felicidade de Jesus tornado presente significa a expulsão efetiva dos poderes destrutivos da criação e o restabelecimento das criaturas machucadas e doentes. Ele sara a criação enferma. "As curas de Jesus não são milagres sobre¬naturais num mundo natural, mas a única coisa "natural" num mundo desnatural, demonizado e machucado". Jesus desdemoniza o mundo tornando as pessoas sadias, livres e justas. Ao mesmo tempo, o mundo é desdemonizado objetivamente, libertando a criação pela destruição dos poderes, então chama¬dos de "demônios".
O projeto de felicidade anunciado por Jesus se destina em primeiro lugar, prioritária e preferencialmente, aos pobres; assim como Deus no Êxodo es¬colheu os escravos por serem escravos. Não eram melhores que os outros mas foram escolhidos pelos simples fato de terem a vida diminuída. "Felizes os pobres porque deles é o Reino de Deus! Felizes os famintos porque serão saciados! Felizes os que choram porque serão consolados!" (Lc 6,20-2l ). O Rei¬no vem para os pobres, pelo fato de serem pobres. Ele muda, radicalmente, a sua situação.
Ao proclamar felizes os pobres, os famintos e os aflitos, Jesus não os consola, assegurando-lhes a certeza de que um dia os sofrimentos terminarão, mas os declara felizes e bem-aventurados já e desde agora. Isto porque Deus entrou em ação. O presente já assume uma nova qualidade. A ordem de valores até agora vigentes, que marginaliza, exclui e oprime, é posta radicalmente em questão e a sua força é atingida na raiz. Escolhendo os pobres para serem os "herdeiros do Reino" (Tg 2,5), Deus põe em ação uma nova ordem de valores onde os pobres são os privilegiados. O Reino inverte a ordem de valores conhecida e isto muitos não conseguem entender e aceitar, mas Deus age assim.
Quem são os pobres, os destinatários primeiros do Reino anunciado por Jesus de Nazaré? São os pobres reais e concretos. Ou seja, assim como os cegos que Jesus curou eram efetivamente cegos, os leprosos curados por Jesus eram realmente leprosos (conseqüentemente também eram pobres por causa de sua doença), assim Jesus anuncia o Reino aos pobres reais, objetivos e concretos. A boa-nova anunciada aos pobres (Mt 11,2-6) não pode ser outra que o fim das privações e dos sofrimentos a que são submeti¬dos.
Que os pobres sejam os destinatários privilegia¬dos do Reino, não é um mérito deles mas somente graça. Jesus torna os pobres destinatários primeiros do Reino por causa da inumanidade da situação dos pobres. Ele não aceita o sofrimento que a situação de pobreza impõe. Jesus vem cumprir e realizar a vontade de Deus sobre a terra: que a pobreza cesse a sua obra que destrói a humanidade.
Lucas sintetiza a missão e a escolha de Jesus, mencionando a uma citação de Isaías, quando do seu primeiro aparecimento em público na Galiléia: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor” (Lc 4,18-19). Esta tarefa de restaurar o “Projeto de Deus” é a de libertar os pobres de sua pobreza, opressão e exclusão.

O reino anunciado por Jesus tem dois elementos fundamentais:
De um lado, Jesus anuncia o Reino de Deus como uma oferta da graça de Deus, da qual todos necessitam. Se Jesus entende que todos precisam da graça de Deus, isso significa que ele sus¬pende a diferença que se fazia entre justos e peca¬dores, entre puros e impuros. Essa diferenciação era feita pela elite dominante judaicas para justificar a existência de diferentes classes sociais na sociedade: a pobreza seria castigo de Deus por causa de pecados cometidos; a riqueza sinal de bênção de Deus para aqueles que são justos. Jesus diz que todos são pecadores (Lc 13,1-5) e todos necessitam igualmente da graça de Deus.
Além de ser uma oferta, o Reino de Deus contém uma exigência, que pode ser resumida no chamado ao arrependimento. Arrepender-se significa mudar de vida de acordo com a vontade de Deus. Assim como a oferta da graça é destinada a todos, todos igualmente são chamados ao arrependimento e ao seguimento de Jesus.

Olhando a Palavra de Deus
Jesus Cristo conta muitas parábolas sobre o Reino de Deus. Nestas parábolas ele nos coloca que o Reino é totalmente diferente do sistema montado neste mundo. Com suas parábolas nos choca, assusta, questiona e chama ao arrependimento. Por exemplo a parábola de Mt 20, 1 – 16 onde nos surpreende com a denúncia do empobrecimento e sua proposta de igualdade. O Reino para Jesus é uma festa, como em Mt 22, 1 – 14, em que convida os responsáveis pela desordem da criação como primeiros. Estes rejeitam o convite e são os pobres das encruzilhadas que aceitam o convite da festa do Reino. No Evangelho de João Jesus Cristo inicia o seu ministério e anúncio do Reino numa festa (Jo 2, 1 – 12) e no texto seguinte Jo 2, 13 – 22 ataca o responsável pelo fato da vida não ser uma festa: o Templo, que legitimava a sociedade classista da época.
Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
Martin Luther diz: “O reino de Deus não está sendo preparado, mas já está preparado. Os filhos do reino, porém, são preparados; não são eles que preparam o reino. Isso significa: o reino merece os filhos, e não os filhos o rei¬no”.


8º Dia

32. Missão de Deus #

Ler o texto em grupos e descobrir qual a missão de Deus e qual a nossa missão

O Deus que é revelado e fala através do Antigo e Novo Testamento e o qual a Igreja tem confessado, desde seu início, como o Deus uno em três pessoas, é um Deus em missão. O envio do Filho e do Espírito Santo ao mundo foi a suprema manifestação da divina atividade missionária. "Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (João 3.16). Hoje Deus continua esta missão no mundo entrando nas vidas dos seres humanos como Criador, Redentor e Santificador. O objetivo último desta missão é o estabelecimento do Reino de Deus em sua plenitude no final dos tempos.
A participação na missão de Deus é o objetivo central da Igreja. A missão da Igreja é derivada da própria mis¬são de Deus e é consolidada com a auto-revelação de Deus. O trabalho missionário da Igreja deve ser buscado não apenas em alguns textos de "envio" das Sagradas Escrituras, mas em toda a narrativa bíblica. A Igreja participa da missão de Deus proclamando em palavra e ação tanto a presença quanto a vinda do reino e transmitindo ao mundo a mensagem da salvação em Jesus Cristo.
O caráter da missão, deste modo, é determina¬do por dois temas principais:
- Missão é o contínuo trabalho salvador de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo;
- Missão é a ordem de Deus ao seu povo para que participe desta obra contínua de salvação.

A Missão do Deus Triúno
A missão de Deus acontece em termos da Trindade, reconhecendo que o Deus indivisível em mis-são está presente em todas as três pessoas da divindade. Deus, como Pai, Filho e Espírito Santo, tem uma imutável intenção de trazer salvação para a humanidade: como Criador busca estabelecer justiça e existência pacífica; como Redentor, entrar na história humana, e como Espírito Santo, revelar o amor de Deus através do testemunho das Escrituras. O trabalho de Deus através da Igreja é também o trabalho do Deus triúno. "Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio ( ...) Recebei o Espírito Santo ( ...)" (João 20.21,22).

A Missão do Deus Criador
O reconhecimento do Criador como Deus em missão, caracterizado pelo amor incondicional, constitui a base para a missão. Através das Escrituras, Deus é confessado tanto como o Senhor do cosmo (Salmo 22.27-31; 86.8-10; 102.18-28) quanto como aquele que chama o povo escolhido a ser testemunha entre as nações (Êxodo 19.3-6; Isaías 40.21-31 e 49.6).
Deus, por graça, também sustenta o mundo trabalhando dentro de instituições e sociedades humanas. A vocação daqueles que confessam o nome de Deus é trabalhar em sociedade com todas as pessoas para a realização do objetivo divino de paz e plenitude: por justiça, confiança entre as pessoas, libertação da fome, uso responsável dos re¬cursos naturais e o uso da tecnologia em favor do bem-estar humano.
Contrariando estas convicções existe a realidade do mal, o qual tem despojado a pretendida harmonia da criação e o qual é demonstrado através da rebelião da humanidade contra o Criador. As forças do pecado estão manifestas no egoísmo humano, na in¬justiça, na exploração de outras pessoas e no uso in-correto da tecnologia. Toda a humanidade tem se rebelado contra Deus e negado a sua própria vocação. Como resultado, toda a criação está sujeita à escravidão pelo pecado.
Não obstante, o Deus Criador promete uma nova criação e a restauração do mundo aos seus objetivos originais (Isaías; 65.17-25). Com Paulo, nós aguardamos o tempo em que "a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus" (Romanos 8.21). Esta nova criação começa na história com a vinda de Jesus (Lucas 4.16-18), mas ela não será concluída antes do final de todos os tempos (Apocalipse 21-22). Enquanto isso, Deus ainda sustenta o mundo imperfeito. A lei de Deus, plantada em todos os corações humanos, leva o testemunho do amor e da presença de Deus entre todos os povos e dentro de instituições humanas.

A Missão do Deus Redentor
A obra salvífica de Deus é revelada unicamente no envio do Filho como a Palavra encarnada. Em Jesus, Deus oferece a todo ser humano o dom incondicional da justificação, recebido através da fé (Ro-manos 3.21-22).
O envio de Cristo foi a maneira usada por Deus de tratar com uma humanidade que havia rejeitado seu Cria¬dor. Deus não rejeitou, e não rejeita, as pessoas que o rejeitaram. Pelo contrário, tornando-se humano, Deus identificou-se completamente com a condição humana e suas limitações. Cristo assumiu a forma de servo e ainda aceitou o destino de ser rejeitado e considerado criminoso. Sem cometer nenhum pecado, ele tomou sobre si o pecado humano e deu, àqueles que o receberam, a liberdade de serem filhos de Deus.
A boa nova de Jesus Cristo repousa em sua vi¬tória sobre o pecado e a morte. Esta mensagem apresenta o mais direto e radical desafio ao nosso mundo e, assim, torna-se o ponto central da missão de Deus. Ela exige uma resposta de todos aqueles que são confrontados com ela. Enquanto ainda pecador e ameaçado pelos poderes deste mundo, um discípulo batizado na morte de Cristo pode estar seguro da vi-tória e da liberdade alcançada por Cristo através de seu próprio sofrimento, morte e ressurreição.
Através da vida, morte e ressurreição de Jesus, Deus inaugurou um novo reino e gerou uma nova esperança e um novo futuro para toda a criação. Jesus, como o Messias já prometido no Antigo Testamento, marca o começo de uma nova libertação, o surgi¬mento de uma nova comunidade e a antecipação da gloriosa realização final do reino de Deus.
O envio de Cristo para a salvação do mundo é o ponto central da missão de Deus na história humana entre a criação e a sua restauração em glória. Por¬tanto, Jesus Cristo é o centro da missão da Igreja. A mensagem da salvação deve ser transmitida a cada geração e a cada nação. Ela chama as pessoas ao discipulado de Cristo e, quando recebi¬da em fé, muda o curso da vida das pessoas e de toda a sociedade. Ela traz esperança com sua perspectiva de futuro. Ela abre o caminho para que se experimente a novidade da vida em Cristo. Através desta mensagem o Espírito Santo age tanto naqueles que a transmitem quanto naqueles que a recebem.

A Missão do Deus Santificador
A missão salvífica de Deus continua no mundo através do Espírito Santo. O Espírito de Deus deu poder aos profetas, desceu sobre Jesus no início do seu ministério e enviou e equipou a nova Igreja para o seu testemunho. Da mesma maneira o Espírito Santo envia e capacita o povo de Deus, em todas as épocas, para a participação na missão.
Através do evangelho o Espírito Santo chama as pessoas a arrependimento, fé e vida nova. É o Espírito Santo que congrega, em um só corpo, a diversidade de seres humanos, em uma nova família, que-brando as barreiras de classes, raça e cultura. Não são os mensageiros, mas o Espírito Santo que condena o pecado e a injustiça, que desperta a fé e que renova o povo de Deus para a missão tanto individualmente quanto coletivamente. No poder do Espírito Santo a palavra proclamada estende a mão e procura transformar até mesmo aqueles que estão longe do rei¬no de Deus, aqueles que se lhe opõem, ignoram ou distorcem o evangelho.
Os frutos duradouros da missão são obra do Espírito Santo. O Espírito capacita nossos imperfeitos esforços humanos a se tomarem instrumentos da missão de Deus. O Espírito Santo transforma as palavras humanas proclamando a boa nova, a água do Batismo e o pão e o vinho da Santa Ceia em sinais da presença de Cristo na Igreja, dando-lhe poder para a missão de Deus.
O Espírito Santo equipa os cristãos com uma diversidade de dons (1 Coríntios 12; Romanos 12; Efésios 4), de tal modo que eles são capazes de levar a mensagem salvífica do evangelho a todas as pessoas, em qualquer circunstância, por toda a terra. To¬dos os dons do Espírito - pregação, ensinamento, cura, profecia, administração e outros - têm a intenção de fortalecer as comunidades de pessoas unidas em Deus, congregações, para o crescimento interno e para a missão. O Espírito faz da Igreja, embora imperfeita, uma amostra do tempo prometido que há de vir.

A Missão da Igreja: Participação na Missão de Deus
A missão da Igreja deriva-se da própria missão de Deus. Chamada pelo poder do Espírito Santo a testemunhar através de palavra, ação e comunhão, e a viver a vida de Cristo, a igreja é um sinal da presença do reino de Deus na história. A missão de Deus é maior do que a missão da Igreja. Todavia, a Igreja, sendo ela mesma parte da humanidade pecadora com todas as suas fraquezas, já compartilha o dom da novidade de vida em Cristo. Deus usa este instrumento imperfeito para manifestar os objetivos divinos de criação, justiça e salvação, e a revelar a graça e o amor imerecidos de Deus entre todas as pessoas. Portanto, a Igreja participa da missão de Deus de trazer justiça e salvação à humanidade e a reconciliar uma criação despedaçada.
A missão (o envio) faz parte da própria existência da Igreja, e, portanto, o caráter apostólico da Igreja refere-se originalmente à sua natureza missionária. O alvo da Igreja nesta missão não é ela própria, mas o mundo.
Através do testemunho desta Igreja missionária, Deus chama pessoas à conversão e ao Batismo, oferece, como dom gratuito, novidade de vida em comunhão com Cristo e de uns com os outros, e convida-os a participar do agir salvador de Deus no mundo.
Participação na missão de Deus é, conseqüentemente, a tarefa atribuída a cada cristão pelo Batismo. A tarefa pertence também a todas as comunidades locais, chamadas que são alimentar e equipar os seus membros para o testemunho e o serviço Esta é também a responsabilidade comum de toda a Igreja em todas as suas manifestações.
Todos os ministérios da Igreja têm uma dimensão missionária por causa da natureza missionária da Igreja. Esta dimensão se aplica tanto aos ministros da Igreja ordenados e especializados, quanto aos leigos. O sacerdócio de todos os crentes faz com que fique viva a vocação cristã em suas atividades diárias e na sua participação na responsabilidade pelo testemunho coletivo da Igreja. Entre todos os ministérios da Igreja, o ministério de palavra e sacra¬mento, entretanto, ocupa um lugar especial por causa de sua responsabilidade como meios da graça. A Confissão de Augsburgo afirma que o ministério da palavra é dado a fim de que as pessoas possam chegar à fé (C.A., Art. V).
O principal objetivo da participação da Igreja na missão de Deus é expresso pelo próprio Jesus Cristo, na Grande Comissão: "fazei discípulos de to¬das as nações" (Mateus, 28.19). Diretrizes missionárias também são dadas aos discípulos, antes. Entre elas está a pregação da boa nova do reino, a cura de doentes, a expulsão de demônios e a alimentação de famintos. A proclamação do evangelho, chamando pessoas a crer em Jesus Cristo e a tornarem-se membros da nova comunidade em Cristo, a participação no trabalho em favor de paz e justiça e na luta contra todos os podem escravizantes e desumanizadores; são, por esta razão, parte integrante da missão da Igreja. Todas estas atividades apontam para a realidade do reino de Deus e para a sua realização final na consumação da história.
A natureza da missão da Igreja tem sempre o caráter de serviço. Jesus exemplificou o papel do servo em sua vida de sofrimento e em sua morte. De maneira semelhante, a Igreja em ação missionária, ao invés de confiar na riqueza e no poder deste mundo, deve confiar no poder do Espírito de Deus, trabalhando sob abnegação, sofrimento e ma. Os frutos da missão são dádiva de Deus, concedidos não através de poder e sabedoria humanos, mas apenas através da proclamação e do compartilhar da vida do Senhor crucificado (1 Coríntios; 1. 18,27).
Lutar em favor de uma manifestação visível da unidade do povo de Deus num mundo dividido por forças raciais, classistas, étnicas, econômicas e outras, é essencial para que exista um testemunho uni¬do, a fim de que o mundo possa crer (Jo 17).


33. Movimentos Populares #

Ler o texto em grupos e falar da sua experiência nos movimentos populares ou da experiência de alguém conhecido

Olhando a Prática da Vida
Um membro, pequeno agricultor, pegou carona com o seu pastor e no meio da conversa disse: “Meus dois filhos vão acampar com os sem terra”. O pastor estranhou, pois o homem sempre havia sido muito conservador. Ele lhe disse: “Pastor, eu sempre era contra os Movimentos Populares. Mas quando eu acampei em 1996 em Sarandi, no grande acampa¬mento de pequenos agricultores organizado pelo MPA – Movimento de Pequenos Agricultores, para reivindicar ajuda por causa da seca, eu aprendi que não dá para ir atrás daquilo que a rádio e a TV dizem. Nós está¬vamos acampados à beira do asfalto e as rádios diziam um monte de mentiras de nós. Quem nunca participa de algum movimento e só acredita no que diz a rádio e a TV nunca vai entender nada. Meus filhos estão desempregados e eu tenho só 12 ha de terra e por isso eles tem que acampar com os sem terra. Depois que eu mesmo participei do acampamento de pequenos agricultores em Sarandi, para reivindicar ajuda por causa da seca, em 1996 eu comecei a entender as coisas”. Este é um depoimento de um membro da IECLB.

Olhando o Assunto
A política é a ferramenta que nos possibilita realizar o Projeto de Deus, na dimensão do amor e da vida, assumindo a causa dos pobres e construindo o Reino. Hoje, a política no Brasil, se pode dividir em cinco esferas.
A esfera da Pastoral (da ação da Igreja), a esfera dos Movimentos Populares, a esfera dos Movimentos Específicos (negro, índio, mulher), a esfera dos Movimentos Sindicais e a esfera dos Partidos Políticos.
Quem não está numa dessas esferas, está fora do Reino. Ou seja, não tem nenhum nível de compromisso com a sociedade. É impossível hoje alguém dizer que está comprometido, engajado, se não está numa dessas esferas. Es¬sas esferas formam, o que se chama do ponto de vista sociológico, a sociedade civil. A sociedade caminha através da dinâmica dessas cinco esferas. Essas esferas têm uma história.
Por motivos históricos, foi a esfera Pastoral (Igreja Cristã) que mais semeou os movimentos populares no Brasil. E também deu muita força aos movimentos sindicais. Mas não se pode dizer que foi a esfera Pastoral que mais incentivou o movi¬mento de negros e mulheres. Foram outros movi¬mentos que fizeram isto. Nem foi a esfera pastoral que melhor contribuiu para a restauração dos parti¬dos políticos no Brasil.
O grande desafio nosso é o seguinte: Primei¬ro, saber que nenhuma dessas esferas pode engolir nem excluir a outra. Este princípio tem que ficar muito claro. Essas esferas não são nem excludentes, nem absorventes. Ou seja, é falso a esfera sindical falar que é mais importante que a esfera pastoral. Pois, milhares de militantes sindicais só são combativos porque começaram na esfera pastoral. Nenhuma das esferas sozinho esgota todo o projeto em si do Reino. Todas elas têm a sua importância. A esfera Pastoral, tem importância para aqueles que são cristãos e não tem mais importância que as demais.
Os Movimentos Específicos, tem uma especificidade que vai além da conjuntura do momento. O movimento do negro, do índio e da mulher não se confundem totalmente com a luta da conjuntura momentânea, são problemas que continuam a longo prazo.
Desses movimentos todos, o mais importante do ponto de vista da sua capacidade de realizar trans-formação social é o partido político. Porque o parti¬do político está diretamente ligado à questão do poder. Ninguém muda uma sociedade se não for através do poder. Você pode criar forças de mudanças, isto todos os movimentos fazem. Mas realizar uma mudança, só se faz através da mecânica do poder. Porque uma sociedade se organiza através de três fatores: a sua base econômica, a sua estrutura jurídica e o controle ideológico.
O que cimenta esta sociedade desigual é o controle ideológico (jeito de pensar). A ideologia que predomina numa sociedade é sempre aquela ideologia da classe que domina econômica e politicamente a sociedade. Ela tem re¬cursos para infiltrar na cabeça de todo o povo conceitos e valores que impedem que os oprimidos se libertem dos opressores, o que leva os oprimidos a aceitar a opressão que sofrem, às vezes até como um bem. Essa é a estrutura do poder que o Reino de Deus quer mudar através de nossa prática de fé.
Nós seremos tanto mais Igreja quanto mais es¬tivermos presentes nessas outras quatro esferas. Por-que Igreja é missão.

Olhando a Palavra de Deus
Isaías 58, 6 – 11 fala bem claro da prática da fé de quem participa do Projeto de Deus que é despedaçar todo o jugo e participar do processo de libertação dos oprimidos. Em Mt 25, 34 – 40 mostra qual a prática e ao lado e junto de quem o cristão está; é o pobre que diz o que nós temos que fazer e não o contrário.

Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
A nossa orientação não deve se basear pela ideologia da classe dominante mas pela Palavra de Deus que deixa claro que Jesus Cristo morreu para que nós tenhamos vida. Se alguém luta pela vida ele está partindo do Evangelho. Muitos dizem que lutam pela vida mas exigem que todos se enquadrem no modelo do sistema capitalista neoliberal globalizado. Dizem que se a pessoa se enquadra na proposta neo¬liberal ela terá uma vida melhor; mas para isto tem que ser competente, competitiva e altamente produtiva; se ela não for assim ela será excluída desta pro¬posta. Quem luta para que haja mais amor e mais vida entre as pessoas não exclui e nem defende um sistema que exclui e já estará participando do Reino de Deus.

34. Empobrecimento e Opressão #

Ler o texto em grupos e levantar a realidade de empobrecimento e opressão em nossas comunidades, em nosso município e no nosso país

Olhando a Prática da Vida
Empobrecimento. Vamos entender o empobrecimento usando o exemplo do agricultor a partir do preço dos produtos que ele vende e dos produtos que ele compra para produzir. Compararemos alguns produtos industrializados com o milho a preços dos meses e anos abaixo citados. Aí veremos como acontece o empobrecimento e a exploração dos agricultores e entenderemos porque eles hoje têm que trabalhar sempre mais.
Produto Sacos de milho - Sacos de mi¬lho - Sacos de mi¬lho
Industrializado em Março/86 em Setemb/88 em Se¬tem/98
Trator Valmet 68 1.441 sacos 3.748 sacos 3.086 sacos
Plantadeira 282 sacos 620 sacos 864 sacos
Gol – S/CL 695 sacos 1.971 sacos 2.297 sacos
Significa que em março de 1986 o agricultor necessitava de 1.441 sacos de milho para poder comprar um trator Valmet 68 e em setembro de 1998 ele já necessitava de 3.086 sacos de milho para comprar um trator Massey 265.
A Tabela abaixo vai mostrar o consumo per capita (kg/pessoa) entre 1994/1998
Arroz: 1994 se consumia 75,2 kg e em 1998 apenas 72,3 kg
Feijão: 1994 se consumia 20,8 kg e em 1998 apenas 19,5 kg
Trigo: 1994 se consumia 54,1 kg e em 1997 apenas 53,5 kg
Esta tabela deixa claro que o consumo de ali¬mentos baixou no arroz, trigo, feijão, algodão, juta e sisal por pessoa, o povo está comendo menos, segundo a fonte do IBGE e CONAB. Aumentou o consumo do soja por causa da exportação e milho por causa das agroindústrias (Sadia). Além disto as importações de ali¬mentos aumentaram: em 1993 (antes de FHC) o país importou em alimentos US$ 2,8 bilhões; em 1994 ( FHC é Ministro da Fazenda) importou US$ 4,1 bilhões; em 1995 (FHC é Presidente) importou US$ 5,8 bilhões; em 1996 e 1997 importou US$ 7,5 bilhões em alimentos. Importa¬mos: trigo, milho, arroz, feijão e algodão; tudo que também produzimos aqui. Assim a agricultura só pode falir.
Opressão. O jornal Zero Hora do dia 15-9-98 fala da opressão política na América do Sul onde a ditadura militar no Uruguai de 1973 a 1984 fez desaparecerem 157 pessoas, matou sob tortura outras 131 pessoas e cerca de 55 mil pessoas estiveram presas por serem contra a ditadura militar daquele país. No Brasil o governo teve que indenizar até 1997 mais de 130 famílias que tiveram parentes assassinados sob tortura ou fuzilamento pelos órgãos de repressão da ditadura militar brasileira de 1964 a 1984. Há ainda mais de 70 pessoas que foram mortas pela ditadura militar brasileira e cujas famílias ainda não foram indenizadas pelo Estado. Todas as pessoas que apoiaram a ditadura militar concordaram e apoiaram estes assassinatos. A desculpa: eu não sabia que havia tortura e assassinatos no Brasil no tempo da ditadura é a mesma desculpa que muitos alemão fizeram após a 2ª Guerra Mundial quando foi divulgados os assassinatos nos campos de concentração. Não se justifica, pois os jornais divulgavam muitos fatos, mas a ideologia da ditadura foi assumida por muitos cristão e a colocaram acima do Evangelho. Matou-se tanta gen¬te para garantir e legitimar o avanço do lucro dos grandes grupos econômicos e do capitalismo a nível mundial. Assim empobreci¬mento e opressão andam de mãos dadas.

Olhando o Assunto
Lembramos duas citações de Martin Luther que falam alto e claro:
“Olha para tua vida. Se não te encontrares, como Cristo no Evangelho, em meio aos pobres e necessitados, então que saibas que a tua fé ainda não é verdadeira, e que certamente ainda não provaste a ti o favor e a obra de Cristo”.
“Faze ao próximo o que Cristo fez a ti, e deixa que todas as tuas obras, com toda a vida, sejam dirigidas a teu semelhante. Procura onde há pobres, do¬entes e necessitados de toda sorte; socorre-os e nisso consista a tua vida: que seja útil a quem precisa de ti tanto quanto podes, com corpo, bens e honra”.
Nós falamos aqui em empobrecidos e não em pobres. Por que isto? Porque as pessoas são tornadas pobres pelo sistema econômico reinante em nosso meio. Deus não criou a pessoa humana pobre, mas o jeito das pessoas organizarem a sociedade é que torna as pessoas pobres.
Rendimento em % do PEA - População Economicamente Ativa do Brasil.
1960 1970 1980 1985 1990 1995
50% + pobres 17,4% 14,9% 12,6% 13,0% 11,2% 13,3%
10% + ricos 39,6% 46,7% 50,9% 47,7% 49,7% 47,1%
5% + ricos 28,3% 34,1% 37,9% 34,2% 35,8%
1% + ricos 11,9% 14,7% 16,9% 14,1% 14,6% 13,4%
Neste quadro vemos como os pobres ficaram mais pobres e os ricos ficaram mais ricos. Vamos olhar para um outro dado. Considerando a população brasileira a partir das classes de consumidores nós temos:
Classe % de Consumidores % do Consumo
A 4,4 22,9
B 15,7 26,3
C 26,6 24,0
D 38,6 10,1
Assim temos 20,1 % de consumidores ricos consumindo 49,2 % de tudo o que é consumido e 65,2 % de consumidores pobres consumindo apenas 34,1% do consumo total. As classes E e F são 24,7% dos consumi¬dores e ficam com 16,7% do consumo.
O relatório do Banco Mundial de abril de 1998 registra que, no Brasil, 37 milhões e 700 mil pessoas ganham menos de 1 real por dia. Nosso país abriga 4% dos pobres de todo o mundo. Em termos de renda, no Brasil, os 10% mais ricos possuem renda 21,03 vezes maior do que os 20% mais pobres (PNAD 1990)
Como isto acontece? Como a riqueza e a pobreza são geradas?
O que realmente cria riqueza, o que realmente gera valor é o trabalho humano, empregado na produção de objetos. A exploração acontece no processo produtivo. Em outras palavras, é o trabalho dos operários nas fábricas e nas empresas que funciona como fonte de todo lucro para o patrão. O salário que o trabalhador recebe por uma jornada diária, na verdade paga apenas uma parte do que ele produziu. A outra parte da sua jornada de trabalho é destinada a produzir o lucro do patrão. Quanto mais mecaniza¬da for a fábrica, ou seja quanto mais rápido ele produz, em menos tempo de trabalho ele paga o seu salário.
O que é o salário?
É a quantidade de dinheiro que o trabalhador recebe em troca do seu trabalho; mas este não é o equivalente ao valor de produtos que produziu. Seu valor é calculado com base no que ele necessita para sobreviver e manter, com seus filhos, a mão de obra futura da empresa. O capitalismo vê o trabalho humano como uma mercadoria que, como qualquer outra, tem como valor a quantidade de trabalho necessária para criá-la. Para criar a força de trabalho é necessário que o trabalhador e a trabalhadora se ali-mente, tenha onde morar, tenha o que vestir, etc. O salário é calculado estritamente a partir desse cálculo, normalmente esse mínimo não é suficiente para garantir a sua sobrevivência. Na agricultura a exploração se reflete nos baixos preços dos produtos e no aumento de horas trabalhadas por dia. No Brasil o salário mínimo é de R$ 130,00 (ou 110,16 dólares, no câmbio do dólar comercial = 1,18 de 9/11/1998), na Argentina é de US$ 195,00, no Paraguai é de US$ 183,00; isto que o Brasil se situa entre as dez maiores economias do mundo.

A Força de Trabalho é uma Merca¬doria Especial.
A força de trabalho é uma mercadoria especial por ser a única capaz de gerar um valor superior àquele que foi necessário para sua produção. Esse valor a mais é chamado de lucro. A origem do capital, portanto, é o trabalho não pago que surge pelo não pagamento do trabalho excedente (que não é pago) feito durante a produção da mercadoria. Trabalho excedente é o trabalho feito mas sobre o qual o trabalhador não recebe pagamento, é o tempo em que ele trabalha de graça. E este trabalho excedente é o lucro. O capital surge assim. Graças ao lucro, a mercadoria não é uma coisa, mas trabalho social, tempo de trabalho. E que não é qualquer tempo de trabalho, mas tempo de trabalho não pago, portanto a mercadoria oculta o fato de que há exploração econômica. O que é a mercadoria? É trabalho humano concentrado e não pago.
Ainda é importante para o capitalista que haja uma sobra de oferta de mão de obra, quer dizer, quanto mais desemprego há, melhor para o capitalista. Isto faz baixar o valor do salário, pois há uma concorrência na hora da oferta da mercadoria: força de trabalho; isto faz baixar o preço desta mercadoria força de trabalho.
A opressão se caracteriza também, além da dominação econômica, como opressão política e ideológica (jeito de pensar e de compreender o mundo). Pois quem domina economicamente também precisa ter o poder político e ideológico, para poder perpetuar a exploração econômica. Para manter a opressão econômica é necessária a opressão político- ideológica. Significa que a classe dominante tem que controlar o Estado e o jeito de pensar das pessoas para que aceitem a opressão como algo normal.

Olhando a Palavra de Deus
Ne 5, 1 – 13: neste texto aparece o empobreci¬mento dos camponeses israelitas no período após o exílio babilônico. Denuncia que os camponeses estão tão empobrecidos que tem que vender os filhos e filhas como escravos. Somente a pressão dos empobrecidos conseguiu a superação desta exploração e opressão.
Tg 5, 1 – 6: denuncia o empobrecimento e a exploração do trabalhador e trabalhadora e diz no v. 4: “Eis que o salário dos trabalhadores que ceifaram os vossos campos, e que foi retido com fraude, está clamando; e os clamores dos ceifeiros penetraram até os ouvidos do Senhor dos Exércitos”.

Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
A questão é: qual a proposta de Deus frente ao empobreci¬mento e conseqüente opressão do povo? O que como comunidade podemos fazer contra o empobrecimento e contra a opressão? O assunto anterior sobre Movimentos Populares aponta para a saí¬da. Sobre o Comércio Martin Luther disse:
“Como pode ser justo e de acordo com o direi¬to divino que uma pessoa em tão pouco tempo enriqueça a ponto de poder comprar reis e imperadores. Ocorre que eles conseguiram com que todo o mundo tenha que negociar com risco e prejuízos, ganhando num ano e perdendo no seguinte. Enquanto isso, elas sempre vão ganhando e recuperando suas perdas através de lucros crescentes. Por isso não é de se ad¬mirar que eles estejam a ponto de arrebatar os bens de todo mundo. Um centavo estável e seguro é melhor que um florim temporal incerto. Entrementes, essas companhias comerciais fazem seus negócios somente com florins perenes e seguros a fim de ganhar os nossos centavos temporais e in¬certos. Ainda é de se estranhar que eles cheguem a ser reis e nós mendigos?”
“Reis e príncipes deveriam ocupar-se com o assunto (roubo) e reprimi-lo com leis severas. Mas, ouço que eles estão em conluio com os ladrões. ‘Enquanto executam os ladrões que furtaram um ou me¬nos de meio florim, negociam com os que roubam todo o mundo. Eles furtam mais do que todos os de¬mais ladrões. Comprova-se assim que ‘os grandes ladrões executam os pequenos’. E, como disse o senador romano Catão: ‘Ladrões simples estão presos nas prisões subterrâneas e cadeias, mas ladrões públicos andam em ouro e seda’.


35. Voz Profética #

Ler o texto em grupos:
1. Como a comunidade pode ter uma voz e prática profética?
2. Como a Igreja foi e é profética?
3. Quem são os profetas e profetisas de hoje?

Olhando a Prática da Vida
Neste gráfico vemos a evolução dos casos de ocupações de terras e o número de famílias que ocuparam terras nos anos indicados.
Olhando o gráfico vemos que em 1991 houve 77 casos de ocupações de terra com 14.720 famílias envolvidas e no ano de 1997 houve 463 casos com 58.266 famílias envolvidas em ocupações de terras. Assim vemos que o próprio Movimento Popular é hoje um Movimento Profético denunciando, no caso, a concentração da terra e denunciando o grande número de famílias que não tem acesso à terra e denunciando a não realização da Reforma Agrária. Na medida em que o povo empobrece maior é a possibilidade de ele se tornar profético.

Olhando o Assunto
O gráfico mostra como hoje as organizações dos empobrecidos e oprimidos são uma denúncia profética dentro de nosso país. Quando a vida é diminuída, quando pessoas são injustiçadas e agredi¬das em seu direito à uma vida digna é necessário a denúncia profética. Assim como no Antigo Testa¬mento, também hoje os profetas normal¬mente não estão ligados diretamente aos templos, e sim, são pessoas do meio do povo que sofrem e vêem as in¬justiças e se levantam contra estas.
Em Amós 7, 14 – 15 o próprio profeta diz que ele não se entende como profeta, mas diz que ele é um camponês que cuida do gado e colhe sicômoros, mas Deus o escolheu e o tirou de seu trabalho para profetizar ao povo de Israel.
Assim o anúncio profético continua hoje vindo também e principalmente da parte do povo simples que luta contra as injustiças do sistema capitalista. Todos que denunciam as injustiças que sofrem ou que outros sofrem são os profetas e profetisas de hoje. O papel do profeta é anunciar a vontade de Deus e denunciar quando esta vontade não está sendo vivida.
Também a Igreja, de vez em quando, assume o papel profético quando denuncia a opressão e propõe a defesa dos injustiçados e empobrecidos. A IECLB também faz isto como, por exemplo, no Manifesto de Curitiba elaborado em 1970 no tempo da Ditadura Militar, que torturava e matava presos políticos, como diz um trecho: “Onde ela (a Igreja) sentir-se compelida a contrariar medidas governamentais, antes de tomar qualquer atitude pública, procurará dialogar com as autoridades respectivas. Em todos os casos agirá sem intuitos demagógicos – deixando claro que ela se sabe chamada a ad¬vogar em prol de todos os homens que sofrem. (...) Entendemos mesmo, como Igreja, que nem situações excepcionais podem justificar práticas que violam os direitos humanos”.
Outra atitude profética da IECLB são algumas decisões dos Concílios Gerais da Igreja sobre como encaminhar o trabalho nas comunidades com a intenção de de¬fender a vida: “...Para que todos possam usufruir das dádivas do Criador, agindo responsavelmente diante delas, propomos o seguinte: realizar campanha de ampla informação e conscientização dos problemas agrários e urbanos:
- apoiar o agricultor na sua luta pela permanência no campo:
- assumir e defender com responsabilidade evangélica as reivindicações dos movimentos sociais, fazendo um trabalho de base com associações de bairros, atingidos por barragens, colonos sem terra, bóias-frias, sindicatos, proteção ambiental, além de inúmeras outras formas de atuação onde o amor de Deus quer se tornar vivo e real entre as pessoas”. (Decisão do Concílio Geral da IECLB de 1982).
Estas propostas da Igreja são claramente proféticas pois denunciam situações de empobrecimento e de injustiça e anunciam uma proposta e uma postura clara a partir do Evangelho. Assim a IECLB reconhece como legítimas as reivindicações e lutas dos Movimentos Populares, quando em prol da vida.

Olhando a Palavra de Deus
Isaías 4, 8 diz: “Ai dos que ajuntam casa a casa reúnem campo a campo, até que não haja mais lugar, e ficam como únicos moradores no meio da terra”. Miquéias 3, 1 – 12 denuncia a exploração e a opressão que o povo sofre por causa da atuação dos governantes de Israel. São palavras duras para uma realidade mais dura ainda na qual vive o povo. Isaías 1, 23: “Os teus príncipes são rebeldes e companheiros de ladrões; cada um deles ama o suborno e corre atrás de recompensas. Não defendem o direito do órfão e não chega perante eles a causa das viúvas”.
Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
Martin Luther diz sobre os governantes: “Queres saber por que Deus dispõe que os príncipes temporais errem tão terrivelmente? Eu te direi: Deus lhes perverteu os sentidos e quer exterminá-los como exterminou os aristocratas eclesiásticos. Nada mais sabem fazer que esfolar e raspar, cobrando imposto sobre imposto, uma taxa sobre taxa, soltar aqui um urso, ali um lobo. Além disso não há neles nem fidelidade nem verdade, e portam-se de uma maneira que até ladrões e bandidos considerariam excessiva”. (Da Autoridade Secular)
“... infelizmente, é pura verdade que os príncipes e senhores que impedem a pregação do Evangelho e exploram o povo de forma insuportável, merecem que Deus os derrube de seus tronos, como gente que pecou gravemente contra Deus e os homens. Eles não têm desculpa”. (Exortação à Paz: Resposta aos Doze Artigos do Campesinato da Suábia) Em Lc 1, 51-53 diz que Deus age da forma como Martin Luther falou.
Como nós como comunidade cristã podemos continuar sendo profetas e profetisas? A sua comunidade está desenvolvendo as propostas do Concílio Geral da Igreja que propõe um trabalho de base com os Movimentos Populares e Sindicais? Ou a sua comunidade é contra a prática profética da comunidade, apoiando a exploração e a opressão capitalista globalizada? Nunca dá para justificar, a partir do Evangelho de Jesus Cristo, uma sociedade construí¬da em cima da existência de várias classes sociais; onde uma classe, para existir, explora a outra.

9º Dia

36. Não vos conformeis com este Século #

Ler o texto em grupos:
1. Discutir como a comunidade de onde você é vê este assunto.
2. O que você diz da frase que se ouvia muito durante a ditadura militar: A gente nunca pode ser contra o governo?
3. Como a Globalização está articulada?
4. O que a fé cristã contrapõe ao projeto da globalização?

Olhando a Prática da Vida
Se olharmos de perto o nosso mundo (século) vemos que ele está agora organizado no chamado modelo Capitalista Neoliberal Globalizado. Quem inventou a Globalização e com que interesses?
Os países do 1º Mundo inventaram a Globalização. Primeiro foi na Europa – Inglaterra, depois nos USA e aí ela tomou força. Autor principal: FMI (organismo que representa os países ricos do plane¬ta). Este modelo foi imposto aos países periféricos, endividados e de economias dependentes. Imposição para resolver a crise de produtividade do trabalho e de crescimento dos países ricos. A Globalização é boa para eles; é na verdade uma nova palavra para explicar o que antes se chamava de Imperialismo.

Vamos ver suas características:
1. Livre mobilidade de capitais, mercadorias e serviços (para os países centrais).
Estes países centrais (ricos) praticam políticas protecionistas. A União Européia aplica anualmente, e de forma direta, 0,52% do seu PIB em subsídios à agricultura e os USA aplicam 1% do PIB [US$ 55 bilhões] em subsídios na agricultura. Mas para nós a receita é outra. Os países subdesenvolvidos transferem em renda da agricultura para outros setores em torno de 46% do PIB agrícola. Mas a receita para nós é liberdade total aos capitais e mercadorias, sem protecionismo.
2.Abertura comercial, sem restrições.
Retirada de taxas e tarifas para importação li¬vre para qualquer produto; só que os países ricos tem taxas de proteção para suas mercadorias. A prioridade e objetivo é reproduzir o capital e não reproduzir e proteger a vida das pessoas. Não há mais fronteiras para as mercadorias e capitais; só para as pessoas, para evitar que migrem para os países ricos e se beneficiem dos direitos que a classe trabalhadora conquistou lá em mais de um século de lutas. Também no 1º mundo os benefícios sociais foram duramente conquistados pelos pobres com muitas prisões, exílios e mortes.

3. Formação de megacorporações
Poderosas transnacionais se formam, que detém mais poderes que os Estados Nacionais, para as quais não há fronteiras territoriais, nem políticas, nem tarifárias. O Estado tem que se sujeitar às vontades e necessidades destes grupos econômicos. É jus¬to permitir que as 200 maiores corporações do plane¬ta concentrem 28% do PIB do mundo e empreguem apenas 1% da força de trabalho? Merece ser preservada uma ordem mundial que entrega a 447 bilionários renda equivalente à da metade da população da Terra? Até quando os 60% mais pobres dos habitantes da Terra aceitarão viver com menos de 2 dólares por dia.
A concentração da riqueza no país é esta conforme o Censo de 1995: 1% dos mais ricos detém 13,4% de toda a riqueza e os 50% mais pobres tem 13,3% da riqueza. No que se refere ao consumo é semelhante:
Classe % Consumidores % Consumo
A 4,4 22,9
B 15,7 26,3
C 26,3 24.0
D 38,6 10,10
Assim a as classes A e B somam 49,2% da força de consumo e são apenas 20,1% da população. O salário mínimo em 1997, se o preceito constitucional fosse seguido seria de R$ 789,36. Da mesma for¬ma a mão de obra, por hora trabalhada na indústria de transformação, custa no Brasil US$ 2,68, na Coréia US$ 4,93, nos USA 16,40 e na Alemanha 24,87. Entre 1992 e 1995 para cada 100 dólares aplicados no País por multinacionais, o retorno foi de 23 dólares, ou seja 23%. A média de retorno nos países em desenvolvimento foi de 15,7%. Além disto 0,8% dos proprietários rurais, com área de mil ou mais hectares detém 45,8% das terras do país. E os 37% dos proprietários que tem menos de 5 hectares detém apenas 1,1% das terras.

4. Globalização dos mercados financeiros
Os mercados financeiros unificam os negócios mundiais. Cresce a importância e o volume dos capi-tais financeiros (voláteis, desvinculados da produção de bens) e especulativos (que se nutrem e se reproduzem às custas dos al¬tos juros). No jornal Zero Hora de 24/09/1998 o secretário do Tesouro norte-americano Robert Rubin diz: “A prosperidade e a estabilidade financeira do Brasil são criticamente importantes para os Estados Unidos”. Em outras palavras ele diz: O empregado é fundamental para o seu patrão

5. Mudança do papel do Estado
O Estado só interfere na economia quando for para facilitar o capital e o lucro dos grandes grupos econômicos. O Estado não é mais responsável para prover o bem estar do povo e o desenvolvimento da nação; isto agora está a cargo do mercado. Se este modelo persistir haverá um desemprego e miséria massiva. O Estado privatiza suas em¬presas, que nos anos 50 a 80 foram fundamentais para formar a infra-estrutura econômica do país e foram financia¬dos com o dinheiro do povo, e agora as repassa para a classe capitalista a preços baixos. O pior é que o dinheiro das privatizações caiu num buraco sem fundo do pagamento de juros dos títulos do governo negociados nas bolsas de valores e não beneficiou o povo, por assim dizer foi tudo jogado fora. O Estado se tornou privado, de uma classe.
O Orçamento da União em 1995 era de 309,5 bilhões de Reais e deste total 59% foram destinados para o pagamento da dívidas interna e externa. Os encargos da dívida interna eram 17,5 bilhões e da ex-terna eram 8,5 bilhões de reais. A amortização da dívida interna somou 153 bilhões e a externa totalizou 4 bilhões de reais. Perfazendo para o ano de 1995 um total de 183 bilhões de Reais, que foram entregues nas mãos dos banqueiros. Em 1998 a previsão no Orçamento da União para a dívida interna foi de 219,7 bilhões de reais perfazendo 50,1% do orça¬mento da União e para a dívida externa foi de 16,9 bilhões de reais perfazendo 3,9% do orçamento. As¬sim 54% do Orça¬mento do País estavam comprometidos com o pagamento da dívida. Daí se entende porque não há dinheiro para a saúde, para a educação, para a previdência. Com o restante dos 41% do orçamento o país teve que atender as necessidades do povo e da sua máquina administrativa. O orça¬mento da União de 1998 destinou 53,97% dos recursos para “juros e encargos da dívida” e “amortização da dívida”. Enquanto que para a educação e cultura só destinou 3,4% e para saúde e saneamento só 4,3%.
Em 4 anos do Real (94-97) o país pagou cerca de 120 bilhões de dólares em juros da dívida externa e ainda devemos em 1998 o total de 212 bilhões de dólares. Devemos também somar a isto a dívida in¬terna (em bilhões de dólares) em 1993 era de 49,9; 1994 foi para 61,8, dali saltou em 1995 para 108,5, continuou subindo em 1996 para 176,2, chegando em 1997 em 255,5 e até junho de 1998 já estava em 326,5 bilhões de dólares (Quinzena nº 273). Somando a dívida externa com a dívida interna somamos R$ 538,5 bilhões de dólares, ou seja, meio trilhão de dólares.

6. Crença na Auto- Regulamentação dos Merca¬dos
O mercado cresce e o Estado diminui. Se acontece uma crise o Estado corta verbas da área social: saúde, educação, etc. e com isto protege os investi¬mentos dos capitalistas. Isto na prática desmente a tese da autoregulamentação do mercado e o Estado continua intervindo na economia quase sempre em favor do capital.

7. Alterações no processo de produção
-Novas e avançadas tecnologias: biotecnologia, novos materiais, biogenética, microeletrônica, computadores, concentração do conhecimento.
-Redução da matéria-prima: menos quantidade e diferentes matérias-primas na fabricação de bens.
-Mão de obra: redução – menos mão de obra (desemprego). O jornal Zero Hora de 24/09/1998 diz que existi¬am, nesta data, 1 bilhão de trabalhadores desempregados e subempregados no mundo; isto é 3 da população economicamente ativa do mundo.
Anos atrás os trabalhadores falavam que eram explorados e lutavam contra esta exploração. Hoje a maioria luta pelo direito de poderem ser explorados e nem para serem explorados servem mais, pois nem emprego mais conseguem. Não tem nem mais o direito de serem explorados. Antes se falava da opressão, hoje se fala da exclusão que é a pior das opressões.

Olhando o Assunto
Qual é a nossa esperança, nosso sonho como comunidade cristã? Qual é a nossa Proposta? Nós te-mos como proposta participar da construção do Rei¬no de Deus. Nós cremos na ressurreição do corpo e na vida eterna. Nosso compromisso a partir do batismo não é com o Capitalismo Neoliberal Globaliza¬do. Nosso compromisso é com Jesus Cristo. Nosso compromisso é com o Reino de Deus. E as características do Reino de Deus são totalmente diferentes. Começando com o conhecido Mandamento Maior de Lucas 10, 27: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo”. No sistema capitalista neoliberal globalizado o mais importante não é Deus e o próximo, e sim, o capital. Pior ainda, o capital vira deus, e é adorado como tal. Jesus Cristo diz em João 17,9: “não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me destes, porque são teus”. O interesse de Jesus Cristo está nas pessoas e não no capital. O que é o mundo? O mundo é a forma de organização que as pessoas montaram baseada na divisão da sociedade em classes sociais, que estão em constante confronto, e que não está baseada no amor e na obtenção de mais vida para todas as pessoas.
As características do Reino de Deus o próprio Jesus colocou pela sua prática, como vemos em Lucas 7, 22: “Ide, e contai a João o que tendes visto e ouvido: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados, e os surdos ouvem; os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho”. Estas características da prática de Jesus apontam para os excluídos, marginalizados e oprimidos como motores do reino. Exatamente aqueles que o mundo (capitalismo neoliberal globalizado de hoje) está gerando e excluindo da vida digna. Nosso objetivo como cristãos não é apoiar um modelo de organização da sociedade baseada meramente no lucro e direcionado para apenas alguns grupos. Jesus Cristo veio para trazer vida plena e abundante à todos, por isso curou doentes, aceitou os excluí¬dos e conviveu com eles. Estes estavam carentes de vida. O reino é construído por Deus a partir dos excluídos e não a partir dos que excluem e oprimem. Reino de Deus é vida já a partir de agora!
O Projeto de Jesus Cris¬to não é igual a uma sociedade baseada em várias classes sociais. Pois onde existem classes sociais há desigualdades e injustiças e numa sociedade destas uma classe explora a outra para existir. Um cristão participa da construção do Reino de Deus e não participa da construção e fortalecimento de uma sociedade de classes, como hoje é o capitalismo. No Reino de Deus não há lugar para uma sociedade dividida em classes sociais. As características básicas do Reino são a comunhão (At 2,42 – 47), o amor (Lc 10,25-28), a solidariedade (Lc 10, 29-37), a inclusão (Lc 15, 1-7), o perdão (Mt 6,12), a vida (Jo 10,10), o servir (Mc 10,35-45), a partilha (Mc 6,30-44), a liberdade (Gl 5,1), a paz (Lc 10,3-6; Jo 14,27), a humildade (Jo 13,12-17), a justiça (I Co 6,9-10), a verdade (Jo 8,31-32), a saúde (Lc 4,40-41), a felicidade (Tg 5,11), a igualdade (Rm 3,22-23), a fé em Jesus Cristo (At 16,30-31).

Olhando a Palavra de Deus
Tiago 1, 27: “A religião pura e imaculada diante de nosso Deus e Pai é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e guardar-se incontaminado do mundo”. Este versículo é uma definição muito clara da prática da fé cristã. Romanos 12, 2: “E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus”.
Apocalipse 13, 4: “e adora¬ram o dragão por¬que deu a sua autoridade à besta; também adoraram a besta, dizendo: Quem é semelhante à besta? Quem pode pelejar contra ela?” Este texto deixa claro que o imperador romano (a besta) recebeu o seu poder do diabo (o dragão). Significa que toda organização e poder da sociedade ou Estado que estão construídos em cima da morte e da opressão não receberam o seu poder de Deus, e sim, do diabo. À estes os cristão não devem se sujeitar e muito menos adorar, pois: “Antes importa obedecer a Deus do que aos homens” (Atos 5,29). Hoje em dia muitos adoram o capital como seu deus, pela sua prática de vida vemos isto, e assim querem justificar a exploração de uma pessoa sobre a outra como se isto fosse da vontade de Jesus Cristo.

Vivendo a Palavra de Deus na Prática da Vida
Nosso desafio é termos uma prática de fé baseados nas propostas de Jesus Cristo que conviveu com os excluí¬dos e lhes devolveu a dignidade e os reintegrou em sua família e na sociedade. A fé em Jesus Cristo não pressupõe um apoio ao sistema capitalista neoliberal globalizado, e sim, o combate porque este está baseado na exclusão social. Reino de Deus e capitalismo são duas coisas totalmente diferentes. O discurso neoliberal consiste na instauração do princípio da competitividade como organiza¬dor da vida social, econômica e política na sociedade. Instaura-se o evangelho da competitividade. Somente os competentes, mais fortes e dinâmicos, competitivos, capazes, criativos, que detém o conhecimento e com alta produtividade sobrevivem e são valorizados.
Nós cristãos nos baseamos pela prática do Reino e esta prática se choca com o sistema capitalista neoliberal montado neste mundo. Qual a prática do Reino? É buscar, valorizar, criar e possibilitar vida para os excluídos e marginalizados pelo sistema. A prática do Reino é o oposto da prática do sis¬tema neoliberal. O nosso objetivo final é o Reino de Deus em sua forma plena: vida para todos, já! e vida eterna com a ressurreição. O objetivo do sistema capitalista neoliberal é o lucro acima de tudo e a qual¬quer custo. O Reino que já começou em todo lugar onde se valoriza a vida. “Nós, porém, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e uma nova terra, nos quais habita a justiça” (II Pedro 3, 13). O Reino de Deus é algo totalmente novo e diferente do projeto deste mundo. Cristianismo e neoliberalismo são opostos por sua prática e proposta. Para o neoliberalismo o mercado é um deus que determina tudo (par¬te do princípio da exclusão para gerar lucro), para a fé cristã Jesus Cristo é Deus que determina tudo (parte do princípio da solidariedade e do amor que inclui para gerar vida). Não dá para servir aos dois ao mesmo tempo como lemos em Mt 6, 24. Temos que optar: ou servimos a um ou ao outro! Ou servi¬mos ao capital ou servimos a Deus.

37. O que é Igreja? #

Ler o texto em grupos:
1. Falar sobre as várias formas de entender a Igreja que há nas comunidades.
2. Como o documento define o ser Igreja?
3. Qual a função da Igreja para ti?
4. Que conflitos o documento levanta?

1 - A eclesiologia, a doutrina da Igreja, se ocupa com a compreensão e o significado da Igreja para a vida cristã em todos os níveis. Ela estuda e analisa os diferentes conceitos de Igreja que caracterizam as muitas confissões eclesiásticas da cristandade. Por exemplo: há uma compreensão de Igreja como constituindo uma sólida instituição com sua estrutura, doutrina e práticas bem definidas. Por outro lado, nota-se, igualmente, a erupção de grandes movimentos de espiritualidade que enfatizam acontecimentos especiais, interpretados como manifestação do poder do Espírito Santo.

2 - Também na IECLB podemos observar como de fato existente uma variedade de compreensões de Igreja. Por exemplo, ainda é bastante difundida a visão de Igreja como associação ou clube. Nessa compreensão não se pensa tanto numa comunidade voltada para a missão, mas antes numa prestadora de serviços religiosos para seus membros. Há também a tradição daquelas pessoas que têm a mesma herança étnica, cultural e religiosa, concepção que corre o risco de vincular a fé evangélica com costumes e valores culturais, às vezes políticos, de nossos antepassados. Encontramos ainda a compreensão de Igreja como movimento que congrega aquelas pessoas que comungam uma espiritualidade bem específica, definida e particular. Há, por fim, também compreensões místicas, por vezes com matizes quase mágicos, que buscam na Igreja, e em especial nos sacramentos, força e sanidade, recondiciona¬mento e bênção para a vida. É neste contexto alta¬mente diversificado que queremos restaurar e realçar as questões centrais da compreensão luterana de Igreja.

3 - O Espírito Santo a cria pela pregação do evangelho e pela administração dos sacramentos. Ele a coloca sob o senhorio de Jesus Cristo, que por nós morreu na cruz, pagando por nós o salário do peca¬do, que é a morte (Rm 6.23). Base para as afirmações doutrinárias luteranas é somente a Escritura Sa¬grada do AT e NT. A Confissão de Augsburgo resume isso, quando afirma em seu artigo VII, que a Igreja "é a congregação de todos os crentes, entre os quais o evangelho é pregado puramente e os santos sacramentos são administrados de acordo com o evangelho". (Livro de Concórdia, p. 31)

4 - Por sua morte e ressurreição, Jesus Cristo nos reconciliou com Deus e nos oferece gratuita¬mente a salvação (2 Co 5.14-21). Justificação, salvação e santificação são obra exclusiva de Deus. Por isso, nem justificação, ou seja, salvação, nem santificação são propriedade nossa. Somos pessoas simul¬taneamente justas e pecadoras. Quando olhamos para nós mesmos, sempre vemos uma pobre pessoa pecadora que depende totalmente da graça de Deus; quando olhamos para Cristo, nos vemos e nos sabe¬mos pessoas justificadas, salvas e santificadas perante Deus, por sua morte expiatória por nós ("pro no¬bis"). Assim, segundo Luther, ocorre uma maravilho¬sa troca: Jesus Cristo assume nosso pecado e nós recebemos a sua justiça, de modo que podemos viver, alegre e gratamente, uma nova vida com Deus. Mesmo assim, após termos experimentado o ponto de apoio e a mão salvadora ("extra nos" = fora de nós), ainda fazemos parte do mundo em que somos tenta¬dos pelo campo de força do mal (Rm 7.18 ss).

5 - Segundo esta doutrina, os membros da Igreja sempre permanecem pecadores. Não têm em si mesmos nenhuma justiça ou mérito que os torne agradáveis e aceitáveis perante Deus. O que nos justifica e torna agradáveis a Deus está fora de nós ("extra nos"), está em Cristo. Somos pessoas justas ou justificadas tão somente porque Cristo nos declara como tais, imputando-nos o mérito de sua morte expiatória. Somos justos no sentido forense, porque por Cristo fomos absolvidos de nossos pecados e liberta¬dos da morte e do poder do diabo. Assim, somos pessoas simultaneamente justas e pecadoras. Contudo, não devemos entender isso como porta aberta para a licenciosidade. Pelo contrário, quando em fé acolhe¬mos a justificação, somos nova criatura e portanto também libertos para uma nova vida, caracterizada por gratidão a Deus e serviço ao próximo. Isso tem a seguinte conseqüência eclesiológica: concretamente, passamos a fazer parte da comunhão dos santos através do batismo, pelo qual somos incluídos no corpo de Cristo (Rm 6.4).

6 - O batismo é promessa e sinal escatológicos de salvação, dádiva que compromete com a fé. A pessoa batizada que não crer é condenada, porque rejeita a promessa de Deus proclamada no batismo. Crer significa, pois, viver com Cristo em sua comunidade, servindo-lhe pela prática do amor, no mundo em que vivemos. Já que nessa prática sempre ficaremos devendo a Deus e ao próximo, é igualmente in¬dispensável o retorno diário à penitência, à confissão de pecados, ao amor pelas coisas de Deus e à missão. Martin Luther é categórico ao dizer que "onde não existe ou não se consegue essa fé, de nada nos serve o batismo".
O batismo acontece em nome do trino Deus: Pai, Filho e Espírito Santo. Dele fazem parte a palavra de lei e evangelho, a água e a comunidade de Cristo. Os elementos constitutivos do batismo são esses, nada menos e nada mais; em caso contrário não se trata de batismo cristão. A fé, por sua vez, acolhe a graça contida no batismo. Portanto, quando alguém foi batizado, por exemplo, com sangue de bode, não se trata de batismo cristão. Se tal pessoa, após o devido aconselhamento poimênico e ensino catequético, rompe com seu passado pagão e solicita o batismo cristão, deverá ser batizada nos moldes acima descritos. Nesse caso, não se trata de rebatismo, mas de batismo cristão, pela primeira e única vez, sinal de ruptura com os ritos de iniciação não-cristãos. Pois o Apóstolo é claro: há um só batismo (Ef 4.5-6).
Se, porém, uma pessoa, batizada sob os critérios cristãos, teve posteriormente envolvimentos que contradizem a fé cristã e reconhece a necessidade de renunciar a tal prática, solicitando por isso a realização de um rebatismo, ela deve ser instruída pela pa¬lavra, em forma de lei e evangelho, e aconselhada a buscar ajuda na confissão, na penitência e no mistério da santa ceia. De modo algum, porém, se deve efetuar um rebatismo, o que significaria bagatelizar a graça batismal já recebida. Em verdade, um tal rebatismo não seria batismo nenhum, mas abuso da prática batismal.

7 - O problema do rebatismo, muitas vezes, está ligado ao movimento carismático, que está se manifestando em quase todas as Igrejas tradicionais do mundo. Não nos é possível descrevê-lo nem avaliá-lo devidamente neste espaço.
O culto carismático proporciona experiências fortes e envolventes. Participantes confessam que sentem e experimentam o Deus que faz falar em línguas, que liberta e cura. Esse fato, por si só, nos faz perguntar por aquilo que nossas comunidades tradicionais porventura ficam devendo às pessoas que es¬tão em busca de experiência religiosa. Como propor¬cionar participação e experiência concretas com o mistério da revelação de Deus em nossos dias? Ao mesmo tempo, também é necessário que nos envolvamos num diálogo crítico com o movimento carismático sobre a teologia dos dons do Espírito e sobre o critério do amor que cria e edifica comunidade, visto que a fé somente surge, cresce e se mantém pelo viver em comunidade. É assim - e não de outro modo - que age o Espírito de Pentecostes.
Que tipo de Jesus está sendo propagado quando a pregação se resume naquilo que dele se busca ou recebe? Onde fica o confronto com o Jesus Cristo da graça, da cruz e da ressurreição, que nos convoca para o seguimento sob a cruz e para a vivência em comunidade em que se pratica partilha e se promove justiça e paz, aqui e agora? Essas e outras perguntas mais se impõem, a seu modo, tanto para a comunidade tradicional quanto para o movimento carismático. Instituição e carisma são grandezas que não devem ser lançadas uma contra a outra. Ambas necessitam da complementação mútua. Queira Deus nos ajudar a reconhecer e praticar essa verdade!

8 - Estudo e meditação da palavra, em particular e em comunidade, penitência, confissão, arrependimento e santa ceia são os meios pelos quais se re¬nova e se mantém a fé que atua pelo amor. Essa fé é dada e mantida pelo iniciador e consumador da fé, Cristo. Exclusivamente ele é origem e alvo da fé, e ao mesmo tempo é o caminho da fé (Jo 14.6). A caminhada da fé acontece na comunidade que Cristo cria pelo batismo, mantém pela palavra e pela santa ceia e conduz à consumação por sua promessa da segunda vinda, no final dos tempos. A caminhada da comunidade, portanto, acontece entre Pentecostes e a volta de Cristo. Neste ínterim, Cristo age, na comunidade e através dela, fazendo surgir sinais concretos de nova vida que é oriunda do Eterno e para o Eterno aponta e conduz.

9 - A doutrina da justificação liberta o cristão da preocupação com sua própria salvação. Essa lhe é assegurada pela fé, que é fruto do Espírito Santo e nasce através da pregação do evangelho. Assim sendo, o crente está habilitado para dedicar-se, com seus dons, talentos, forças e todo seu ser, ao serviço da missão de Deus no mundo. Seu servir a Deus e ao próximo, no dia-a-dia da vida, é o verdadeiro culto a Deus (Rm 12.l ss.). Somos Igreja disposta ao diálogo ecumênico com todos os que estão comprometidos com a vida. Estamos abertos para compartilhar e celebrar culto a Deus com todos aqueles que confessam Jesus Cristo como seu único Senhor e Salva¬dor (Atos 4.12; cf. também a Constituição da IECLB, Art. 5º, § 2º).

10 - A Igreja, comunhão dos santos, isto é, os que pertencem a Deus, congrega pessoas diferentes entre si; todas elas, no entanto, são chamadas para viverem a justificação, concedida através do batismo. Isso se efetiva no seguir a Jesus Cristo em sua comunidade (discipulado). Aliás, o batismo comissiona ao "sacerdócio geral de todos os crentes", pelo qual cada membro do corpo de Cristo desenvolve seu discipulado de maneira livre e destemida, na Igreja e na sociedade. A Igreja não é composta por pessoas boas e especialmente selecionadas, excluindo-se outras más, e, sim, por pessoas indistintamente carentes da graça de Deus (Rm 3.23). Por isso, a Igreja engloba toda a cristandade na terra. Por conseguinte, toda arrogância e toda prepotência espiritual ficam descartadas, pois as pessoas, olhando para sua condição humana, continuam pecadoras. A certeza da salvação, porém, acontece a partir do olhar volta¬do para Cristo e sua obra por nós. Assim, conscientes de que o evangelho verdadeiro é um só e Deus é um só, sabemo-nos irmanados numa única Igreja de Jesus Cristo. Logo, somos também conclamados a vi¬ver a unidade dentro da própria IECLB e a buscá-la com as demais Igrejas cristãs (Ef 4.1-6).

11 - A fé, que anima as pessoas, é dom que se experimenta na total entrega em confiança a Deus, independente de qualquer sentimento ou afirmação humanas. A confiança leva à obediência, mesmo contra todas as evidências negativas do cotidiano da vida, aparentemente irrefutáveis. Trata-se de uma vivência a ser renovada constantemente dentro das contradições humanas. A renovação e o fortaleci¬mento da fé acontecem na comunhão da santa ceia, na prática da oração, no serviço ao próximo, na animação, admoestação e consolação mútuas entre ir¬mãos e irmãs.

12 - Na Igreja, comunhão dos santos, experimenta-se a precariedade humana e, ao mesmo tempo, celebra-se a afirmação do perdão de Deus. A consciência de que as pessoas são simultaneamente justas e pecadoras reflete uma visão realista da vida e, ao mesmo tempo, esperançosa e confiante por estar alicerçada nas promessas de Deus. Esta perspectiva torna-se, portanto, libertadora, já que as pessoas não mais necessitam aparentar uma piedade perfeita, fruto de seu esforço próprio. Pelo contrário, por causa da graça e promessa de Deus, podem, esperanço¬sos e confiantes, vencer as forças do pecado presentes em todos os âmbitos da vida.

13 - A Igreja existe e é real ali onde a palavra de Deus é pregada. Conforme a afirmação de Luther: "Graças a Deus, uma criança de sete anos sabe o que é a Igreja, a saber, [ ... ] os cordeirinhos que ouvem a voz de seu pastor." (Os artigos de Esmalcalde, art. XII. In: Livro de Concórdia, p. 338). Como tal, ela é visível e é povo de Deus. Ao mesmo tempo, ela é uma grandeza invisível ou oculta, porque só Deus vê os corações e sabe quem são as pessoas vivificadas e renovadas pelo Espírito Santo através da pregação do evangelho. A estrutura da Igreja é parte de sua dimensão visível, sem constituir a essência da própria Igreja. Como tal, porém, pode e deve estar a serviço do evangelho, razão pela qual também deve ser sempre avaliada criticamente a partir do evangelho.

14 - Por sua graça e misericórdia, Deus, em sua ação salvadora, usa a Igreja como seu instrumento. Os sinais da Igreja são, entre outros: palavra, sacramento, confissão, oração, amor ao próximo e cruz. Da mesma forma, Deus pode usar qualquer meio ou outra instituição humana presente na sociedade e no mundo para concretizar seu desígnio e sua missão. Neste sentido, a Igreja assume uma postura de humildade. Reconhece que o próprio Deus é sujeito de sua missão. O crente luterano participa dela na qualidade de cristão e cidadão ao mesmo tempo. Ele é vocacionado a relacionar a fé com a vida do dia-a-dia. Em comunhão com a comunidade, testemunha, em forma de palavra e ação, a vontade libertadora de Cristo, que veio trazer vida em abundância. Isso possibilita ao ser humano viver em harmonia com Deus, consigo, com o próximo e também com a natureza, criação divina.

15 - Conforme o conceito luterano de Igreja, tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo, conosco mesmos e com o meio em que vivemos, através de Cristo. Conversão, santificação e vida nova, quando autênticas, nunca são conseqüências de capacidades pessoais ou grupais, mas são frutos do Espírito Santo, em resposta à pregação do evangelho.

16 - O conceito luterano de Igreja abarca a dialética que Paulo define em Fp 2.12s.: " ... desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor, porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade." Pela pregação, a comunidade é desafiada a tomar uma decisão e a trabalhar em prol de sua salvação, santificação, renovação; contudo, logo que tocada e movida pelo Espírito Santo, ela percebe que na verdade foi Deus quem efetuou tanto o querer como o realizar.

17 - O Deus Criador, que cuida de nós e preserva a criação, como confessamos no primeiro artigo do Credo, também nos liberta e convoca a viver de acordo com sua santa vontade. A cruz de Cristo nos proporciona constantemente a salvação gratuita; ela, a cruz, é também o signo de todo discipulado. Por conseguinte, o Espírito Santo não anula nem supera a cruz de Cristo, mas é o poder divino que nos faz andar em comunhão e amor, nos conforta em nossas tribulações, nos anima e nos sustenta em nos¬sa caminhada como Igreja sob o signo da cruz. Concluímos que, dentro de um contexto de mercado religioso, onde proliferam as mais diversas propostas esotéricas, nós, como IECLB, precisamos resgatar e testemunhar essa dimensão trinitária da eclesiologia.

18 - Conseqüências práticas
1. Como justificados por graça e fé, somos comprometidos com o ensaio da prática de gratuidade, na vida em família, em comunidade e sociedade.
2. A graça é vida, o legalismo mata. A graça barata inflaciona o evangelho, profana a santidade de Deus e ilude pessoas.
3. Já que existe um só batismo cristão (Ef 4.5), a IECLB não pode admitir um segundo batismo ou assim chamado rebatismo. Quem mesmo assim o pratica, está se afastando do fundamento bíblico e da cofessionalidade luterana; e deve perguntar-se a si mesmo e deixar-se questionar se ainda faz parte da IECLB. Devemos ser uma Igreja aberta para todas as pessoas, mas não podemos estar abertos para tudo, por respeito às bases normativas.
4. Versículos bíblicos são portadores de verdades divinas. Aleitamos para o perigo do uso indiscriminado e descontextualizado de versículos bíblicos para justificar idéias próprias.
5. O movimento carismático necessita da correção por parte da Igreja, e a Igreja necessita dos dons do movimento carismático. O convívio será tenso, mas poderá tornar-se uma bênção para ambas as partes, desde que reconheçam, humildemente, as próprias carências e a necessidade de complementação mútua.
6. Um significativo número de comunidades da IECLB se pergunta pela postura correta diante de casos de exorcismo. Trata-se de um assunto que ainda merece maior estudo e diálogo interno na IECLB, mas consideramos essencial a observância de alguns critérios. Quando, por exemplo, a comunidade detectar sintomas de possessão ou possível endemoninha¬mento, necessário se faz um criterioso, e abalizado estudo, assessoramento de especialistas na área da saúde e envolvimento da liderança da comunidade para uma tomada de decisão a mais objetiva possível. Como em outras áreas, também nesse assunto decisões monopolizadas pelo pastor ou pastora e, mesmo, por um pequeno grupo exclusivo, abrem portas ao abuso e à arbitrariedade. Constatada a veracidade do caso, o exorcismo dar-se-á pela oração, com o envolvimento do pastor ou pastora e da lide¬rança da comunidade. A cura requer também discrição, em respeito ao paciente e à sobriedade da atuação do Espírito. De modo algum, a oração deve ser desvirtuada, pelo exorcismo, em espetáculo público para a atração de novos fiéis.

Uma Proposta de Igreja conforme Luther.
Uma Congregação dos que desejam seria¬mente ser cristãos.
A terceira forma deveria ser uma ordem verdadeiramente evangélica, e não deveria ser realizada em lugar tão público para todo tipo de povo. Mas os que querem ser cristãos com seriedade e que confessam o evangelho com mãos e boca deveriam assinar o seu nome e reunir-se entre si, em alguma casa, para orar, ler, batizar, receber o sacramento e fazer outras obras cristãs. De acordo com essa ordem se poderia conhecer, repreender, corrigir, afastar ou excomungar de acordo com a regra de Cristo em Mateus 18.15-17 os que não vivessem uma vida cristã. Aí também se poderia solicitar aos cristãos contribuições gerais que então fossem dadas e distribuídas de boa vontade aos pobres segundo o exemplo de S. Paulo em 2 Coríntios 9. Não haveria necessidade de muito canto elaborado. Poderia estabelecer-se uma forma simples e boa para o batismo e o sacramento e centralizar tudo na palavra, na oração e no amor. Aí se precisaria de um bom e breve catecismo sobre o credo, os dez mandamentos e o pai-nosso. Em resumo, se se tivesse o tipo de gente e pessoas que desejassem seriamente ser cristãos, as regras e as formas estariam prontas sem demora. Mas ainda não posso nem desejo atualmente organizar ou formar uma tal congregação ou reunião. Pois ainda não tenho gente e pessoas para isso, nem vejo muitos que estão inclinados para isso. Mas se eu tiver de fazê-lo e for solicitado e não puder de sã consciência deixar de fazê-lo, de bom grado contribuirei com a minha parte e ajudarei com o melhor que puder. (Martin Luther)

Olhando para esta proposta: A reunião "dos que querem ser cristãos com seriedade" não ocorre na moita, mas nas suas casas, para facilitar o conhecimento recíproco, a comunicação e convivência comunitárias no sentido de formarem células vivas da comunhão dos santos. Na mencionada reunião ou "ordem, congregação, comunidade específica", pratica-se: a) comprometimento integral, daí a inscrição a próprio punho na relação dos participantes;
b) o estudo bíblico e a oração em mutirão, sobretudo, no entanto, a ministração mútua dos sacra-mentos, o que vale dizer, a realização completa do sacerdócio dos crentes. Não há mais um ministério/serviço específico. A ministração dos sacramentos qualifica a reunião ou "ordem" como igreja verdadeira, conforme Luther. As respectivas liturgias são breves, simples e "prontas sem demora";
c) a disciplina fraternal, que visa antes a correção do que o afastamento forçado dos membros. Luther coloca “corrigir” entre "repreender" e "excomungar". A disciplina fraternal esta a serviço da "comunidade específica" de cristãos convictos e convincentes, capazes e dispostos a serem enviados ao mundo;
d) o engajamento concreto e localizado pelos pobres, isto é a militância pela cidadania;
e) o ensino em "forma simples e breve de tudo o que um cristão precisa saber". "Essa instrução" é fácil de compreender e de passar adiante não apenas nas famílias dos comprometidos mas também entre "os pagãos que querem ficar cristãos" - tudo no afã de ajudar "a expandir o reino de Cristo". Pois os comprometidos "vivem para nós, que ainda não somos cristãos, para que nos tornem cristãos". (Martin Luther)
Modelos de Igreja
Os credos expõem os elementos básicos da fé. No Credo Apostólico aparece a palavra Igreja. Assim Igreja é fator de fé e para a fé. Igreja é mais que um grupo de correligionários. Igreja é o corpo de Cristo. Tudo o que acontece ali permeia Cristo.
Três Modelos de Igreja:
1º Modelo

- Deus

- Intermediários

- Povo
No povo cada um por si tenta chegar a Deus através dos intermediários que são os sacerdotes ou funcionários religiosos. Para evitar este modelo só viabilizando o Sacerdócio Geral dos Crentes.
2º Modelo
Deus está no centro e as pessoas ao redor. As pessoas usam a Igreja para resolver seus problemas particulares. A Igreja é um trampolim para melhorar a minha condição de vida, em to¬dos os sentidos. A Igreja deve viabilizar o meu projeto pessoal!

3º Modelo
Deus chega a nós por meio de Jesus e pela Palavra que nos é anunciada pelos meios de salvação (sacramentos, pregação, comunhão). Deus está no meio do povo. Deus cria comunidade, que é sacerdócio geral dos crentes, dos batizados crentes. Aqui não tem intermediários e nem individualismo.
O Sacerdócio tem três feições:
1 - Comum - sem intermediários, todos são sacerdotes.
2 - Mútuo - cada um é sacerdote do outro
3 - Conjunto - em conjunto fazem missão para fora e para dentro da comunidade. O pastor é um dos sacerdotes entre os outros. A função do pastor é incutir ao povo o Sacerdócio Geral de todos os Crentes. Não há fé cristã sem comunhão (comunidade). Rezar não é ainda sinal de ser cristão. Todos rezam.


38. Manifesto Chapada dos Guimarães #

Ler o texto em grupos:
1. Levantar as questões mais importantes e polêmicas deste documento.
2. Este documento ataca o sistema capitalista e por que? A Igreja pode atacar o capitalismo?
3. Capitalismo e fé cristão não é a mesma coisa? Por que?
4. O que este documento diz da Igreja e dos cristãos e o que estes devem fazer?
5. Como a igreja se posiciona frente a realidade atual?

“Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.” João 10.10
“Aquilo em que você prende seu coração, isso é o seu deus.” Martim Lutero

No início de um novo milênio, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), reunida em seu XXII Concílio, em Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, nos dias 19-22 de outubro de 2000, ocupou-se com sua responsabilidade em face da situação por que passam o nosso país e o povo brasileiro. Jesus Cristo, o Bom Pastor, que vê as multidões “aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor”, também nos moveu a nós a percebermos toda uma realidade que clama por justiça, paz e vida digna. Deploramos e denunciamos os múltiplos mecanismos que promovem injustiças e exclusões. Na criação, Deus concedeu à humanidade todos os bens necessários para uma vida digna. Inclui-se nesta a oportunidade de trabalho e de usufruto de seus benefícios. O evangelho não nos deixa conformados quando há, de um lado, acúmulo de bens e, de outro, a falta do mais elementar. Anunciamos a vinda do reino de paz e justiça, o qual nos desafia para sermos seus arautos e instrumentos. Por essas razões a IECLB emite o presente manifesto.

Nossa inconformidade
“Não vos conformeis com este século...” (Romanos 12.2)
A vida da humanidade está ameaçada. Um grande mal ocupa todos os espaços, e há poderes querendo assumir o papel de Deus. Quem, porém, cede a essa tentação e é detentor de poder, procura despir-se de sua condição de criatura, para submeter homens e mulheres, jovens e crianças, a natureza e o mundo a seus próprios interesses. O fruto dessa auto-suficiência incorpora-se num verdadeiro ídolo – designado na Escritura como poder do dinheiro (“Mâmon”). Esse mesmo ídolo, adorado e venerado, é o fundamento do sistema sócio-econômico-político hegemônico no mundo de hoje. Somos testemunhas de que esse sistema requer sacrifícios, faz suas vítimas e promove dor, sofrimento e morte. Algumas das conseqüências desta nefasta ação são aqui mencionadas:
Através do fluxo incontrolado de capitais, este sistema promove uma verdadeira ciranda financeira em que, graças às novas tecnologias de comunicação, faz girar diariamente um dinheiro virtual de bilhões de dólares, o que tem ocasionado colapsos econômicos e levado nações inteiras a sofrimento, angústia e desespero.
Através de organismos financeiros internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, este sistema tem imposto ajustes estruturais aos países pobres e endividados, aumentando sua dependência e direcionando seus escassos recursos para o pagamento dos serviços da dívida.
O Brasil, por exemplo, no ano 2000, destinou 64 bilhões de dólares para o serviço da dívida. Nos últimos 10 anos, já pagou 200 bilhões e ainda deve 240 bilhões de dólares. Essa mesma dinâmica tem levado o país a endividar-se internamente, inviabilizando investimentos básicos nas áreas de serviços (como educação, saúde, nutrição, habitação, saneamento, transporte, pensões e aposentadorias etc.) às administrações municipais, estaduais e federal.
Ao priorizar a maximização dos lucros, este sistema também tem desrespeitado o meio-ambiente, destruindo florestas, poluindo o ar e a água, e dilapidando recursos naturais não renováveis, como se fossem ilimitados. A tradicional agricultura de subsistência, já afetada pela concorrência tecnológica e genética internacional, é mais e mais substituída pelo cultivo de produtos de exportação, para equilibrar a balança de pagamentos. Além disso, esse processo é aviltado pela prática de subsídios agrícolas em países desenvolvidos, acarretando uma diminuição acentuada do preço dos produtos agrícolas e naturais no mercado internacional.
Este sistema igualmente promove gigantesco fluxo migratório de pessoas que buscam oportunidades de trabalho e melhores condições de vida em outras partes do país ou do exterior. Identidades étnicas e minorias são desrespeitadas e violentadas. O processo desarraiga as pessoas, aniquila seus valores culturais e provoca profunda insegurança, tornando-as presas fáceis de todo tipo de manipulação.
De igual maneira, este sistema gera uma enorme quantidade de pessoas excluídas nos campos e nas metrópoles. Assim, favorece a proliferação da violência e o crescimento da criminalidade de toda ordem, mediante assaltos, seqüestros, contrabando, tráfico de drogas, exploração sexual de mulheres e crianças.
Além disso, há uma profunda mudança nas condições de trabalho. Apesar de criar novas oportunidades, causa também um amplo desemprego. Este, por sua vez, gera angústias e desesperança quanto ao futuro entre as pessoas afetadas ou ameaçadas. Como tentativa de sobrevivência, expande-se uma teia de sub-emprego e trabalho informal, sem seguridade social mínima.
Os avanços nas pesquisas científicas, que envolvem a genética e a biotecnologia, deixam as pessoas inseguras e expostas a interesses até agora obscuros. O risco de que estes avanços possam servir para a manipulação e para fins preponderantemente comerciais nos deixa extremamente preocupados. É indispensável uma abordagem ético-social desses recursos, bem como seu controle político e social.
Assistimos à eclosão de conflitos bélicos regionais e manifestações violentas que, além de suas causas econômicas, também são motivados por razões étnicas e mesmo religiosas. O gasto em armamentos seria suficiente para saldar todas as dívidas externas do mundo ou garantir o atendimento às necessidades básicas da população mundial.
Toda esta realidade aqui denunciada encontra-se em flagrante contradição com a imensa capacidade técnico-científica, hoje existente, de gerar recursos, capacidade jamais havida na história até os dias de hoje. Sendo socialmente bem distribuídos, esses recursos poderiam superar todas as iniqüidades mencionadas e garantir vida digna para a humanidade inteira. Essa contradição nos faz concluir que a realidade de sofrimento e injustiça denunciada não é fatalidade, muito menos vontade de Deus, mas fruto da ambição humana e da concentração de bens e poder entre pessoas, grupos e nações. Como Igreja, reconhecemos que participamos dessa culpa. Por isso mesmo, sentimo-nos na obrigação de, nesse contexto, confessar essa culpa, mas acima de tudo nossa fé, nossa esperança e nosso compromisso, baseados num Deus de justiça e paz.

A confissão de nossa esperança
Sempre preparados para dar “razão da esperança que há em vós” (1 Pedro 3.15)
A teologia da graça nos anima e fortalece na esperança e no compromisso transformador diante da ideologia do crescimento e acumulação ilimitados. Ela também previne contra uma teologia que enaltece o consumo como um fim em si mesmo ou glorifica a prosperidade desvinculada dos valores da justiça. O que temos e somos não constitui mérito nosso, mas representa dádiva e graça de Deus. Somos tão somente parte da criação divina. A criação nos é confiada a nosso cuidado, jamais para sua exploração.
Realçamos a teologia do amor que se doa, em oposição a uma ideologia que promove a exclusão e alimenta uma cultura da auto-satisfação.
Cremos no Deus da vida que ouve o clamor do povo sofrido e os gemidos de sua criação.
Cremos no Deus da vida que espera misericórdia e não impõe sacrifícios.
A idolatria de nossos dias fica excluída como opção autêntica já nas palavras de Jesus: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um, e amar ao outro; ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.” (Mateus 6.24) O reino de Deus e a sua justiça não combinam com a acumulação de riqueza por parte de alguns em detrimento do atendimento das necessidades existenciais da coletividade.
Confessamos que a fé no Deus da vida, ao relativizar a centralidade da economia, nos liberta para ações de graça e serviço, de trabalho e descanso, de festa e solidariedade.
Ao mesmo tempo, confessamos nossos limites e nossa precariedade quando se trata de viver e experimentar a partilha e a promoção da justiça e de vida digna para todos. Estamos conscientes das contradições, fracassos e tentações presentes nas comunidades e na Igreja. Sentimo-nos também envolvidos pelo sistema político-econômico vigente, a ponto de sermos co-participantes de um jogo com regras e fins dos quais até discordamos. A crise de valores traz em seu bojo outras graves conseqüências, como o tráfico e o consumo de drogas e o crescimento da corrupção no âmbito público e privado, em escala nunca imaginada. Nessa ambigüidade vivemos. Carecemos todos de libertação, renovação e mudança de rumo. Necessitamos de arrependimento e nova vida.
No entanto, em fidelidade à Palavra de Deus e à fé despertada e animada pelo Espírito Santo, somos instados a proclamar a razão de nossa esperança numa época de enormes desafios bem como de imensas necessidades e tentações.

Cremos em Deus que cria, mantém, salva e consola.
Por isso, rejeitamos doutrinas pseudo-religiosas mascaradas de projetos e sistemas político-econômicos que promovem a morte e exigem para si mesmos veneração e adoração.
Cremos em Jesus Cristo, a partir de quem recebemos vida nova. Somos perdoados e libertos de todas as amarras para servir, de forma livre e agradecida, a todas as criaturas, porque Deus em seu amor envolve a tudo e a todos, e a ninguém exclui.
Por isso, rejeitamos doutrinas que pregam a separação das esferas espiritual e material, depreciando o mundo e a sociedade e enaltecendo apenas valores espirituais. Igualmente rejeitamos todas as formas de preconceito racial e discriminação étnica.
Cremos no Espírito Santo, que pela Palavra e pelos sacramentos cria e mantém a Igreja. Esta é formada não por pessoas isentas de culpa, mas por pecadores justificados pela graça de Deus, pessoas que são chamadas a constituir comunidade, prestar culto a Deus e a testemunhar sua fé num mundo marcado pelo pecado. Esta fé move a Igreja e todos seus membros a viver em amor e a doar-se no serviço ao próximo, em especial aos mais pequeninos e fracos, aos desamparados e desconsolados, aos injustiçados e que padecem qualquer tipo de necessidade. Enquanto instituição humana, a própria Igreja e seus membros deixam questionar-se, pela Palavra, em suas falhas, a fim de que seu serviço seja mais consoante com a vontade de Deus.
Por isso, rejeitamos doutrinas que adaptam a Igreja ao mundo a ponto de ela servir aos interesses ideológicos e políticos hegemônicos, perdendo assim toda sua dimensão crítico-profética. Igualmente rejeitamos um individualismo que, mesmo afirmando a dignidade de cada pessoa humana, despreza na prática a importância de sua inserção e vivência fraterna em comunidade. Negamos que a pessoa se baste a si mesma, mas afirmamos a necessidade do servir uns aos outros.

Nossa vocação e ação
“Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu.” (1 Pedro 4.10)
Conforme o testemunho bíblico e o Reformador Martim Lutero, a fé jamais ficará ociosa. Por conseguinte, os cristãos de confissão luterana são chamados a:
Renegar a ideologia que dá suporte à acumulação e concentração de riqueza em benefício de minorias e em detrimento do atendimento das necessidades básicas do ser humano e da manutenção da boa criação de Deus.
Renegar a adoração do capital e da religião do consumo como definidora do sentido da vida.
Renegar modelos econômicos que desconsideram a necessidade e urgência de um desenvolvimento auto-sustentável que preserva a vida no planeta.
Renegar todas as formas de individualismo voltado tão-somente para a auto-satisfação, desconsiderando a importância das relações coletivas e comunitárias, bem como o serviço mútuo e a solidariedade.
Renegar toda e qualquer forma de competição proselitista entre as igrejas, mas afirmar a necessidade e as possibilidades da cooperação ecumênica.
Renegar todo tipo de intolerância e desrespeito para com pessoas de orientação religiosa distinta e diferente da cristã, mas valorizar todos os empreendimentos em favor da paz e da vida.
Enfim, reconhecemos que a Igreja, como comunhão de comunidades centradas em Cristo, procura manter-se fiel ao Deus da Vida. Assim, torna-se, pelo Espírito Santo, instrumento de animação, articulação e realização da promessa e vocação evangélicas de ser luz do mundo, sal da terra e fermento na massa. O Espírito Santo nos desperta e nos abre os olhos para uma nova visão. Inspira-nos para agir com criatividade e destemor. Liberta e capacita-nos para a colocação de sinais concretos da nova vida em partilha solidária, segundo a vontade de Deus.
Nesse sentido, a IECLB se irmana ecumenicamente a todas as igrejas cristãs e “coopera, na medida do possível, com órgãos governamentais e não-governamentais, a fim de promover a justiça através da cura dos males sociais”. Assim o afirma o “Plano de Ação Missionária da IECLB” (pág. 14), aprovado pelo XXII Concílio em Chapada dos Guimarães. Segundo este Plano, todos nós somos comprometidos com a missão de Cristo, que veio para que todas as pessoas “tenham vida e a tenham em abundância” (João 10.10).
Chapada dos Guimarães, MT, 22 de outubro de 2000


39. Decisões Conciliares dos Anos 80 #

Ler o texto em grupos:
1. Levantar as questões aprovadas nos concílios que não são discutidas e praticadas nas comunidades.
2. Quais as decisões que são praticadas nas comunidades e quais não são e por que?
3. Que decisões conciliares você acha que deveriam ser praticadas baseadas na realidade de sua comunidade?

Concílio de 1982
Mensagem
...Para que todos possam usufruir das dádivas do Criador, agindo responsavelmente diante delas, propomos o seguinte:
- realizar campanha de ampla informação e conscientização dos problemas agrários e urbanos:
- apoiar o agricultor na sua luta pela permanência no campo:
- assumir e defender com responsabilidade evangélica as reivindicações dos movimentos sociais, fazendo um trabalho de base com associações de bairros, atingidos por barragens, colonos sem terra, bóias-frias, sindicatos, proteção ambiental, além de inúmeras outras formas de atuação onde o amor de Deus quer se tornar vivo e real entre as pessoas.
Conclusões
... Conscientização
1. Ler e viver o Evangelho de Jesus Cristo.
2. Promover consciência de que fé e vida são inseparáveis
3. Promover consciência de serviço (servir).
4. Conscientização, a nível pessoal e comunitário, em todos os níveis da igreja sobre:
a) O problema da terra (fundiário)
b) A situação do agricultor, mormente o pequeno e o sem terra
c) Migração e suas causas. Êxodo rural.
d) A necessidade de fixar o agricultor na sua terra e reverter o processo do êxodo
e) O Estatuto da Terra e os direitos e deveres do homem do campo (agricultor)
f) O uso e trato responsável da terra
g) A necessidade de unir os pequenos
h) A necessidade de diversificar culturas agrícolas
i) A distribuição mais justa da riqueza nacional
j) A situação e forma de exploração dos assalariados
k) Os danos da macro-tecnologia
l) A situação e estruturação das cidades
m) Uma pastoral urbana da IECLB
n) Uma pastoral educacional na IECLB
o) O ambiente natural e as depredações que hoje ocorrem
p) A necessidade da paz com justiça a nível local, nacional e internacional
q) A interdependência dos países e povos e os processos de exploração dos países ricos do Hemisfério Norte sobre os do Sul
Sinais de Apoio
Apoio engajado e consciente ao pequeno agricultor e à pequena indústria, dentro da perspectiva de um modelo simples de vida, decorrente do próprio Evangelho. Por isso apoiar:
a) Movimentos Populares, associações de bairro, órgãos de classe, sindicatos dos trabalhadores rurais, cooperativismo sadio.
b) Projeto de CAPA (Centro de Aconselhamento ao Pequeno Agricultor), LACHARES, grupos em defesa da ecologia e ambiente natural
c) Movimentos no espírito de não violência
d) As prioridades de ação da IECLB e confessionalidade luterana

Concílio de 1984
Mensagem:
... Como Igreja de Jesus Cristo no Brasil, comprometida com o Evangelho, devemos nos colocar ao lado de todas aquelas forças da sociedade que possibilitam vida para todos, entre outras, os sindicatos, as cooperativas, os movimentos de bairros, grupos de base.
Comprometidos com o Evangelho denunciamos:
• a implantação de uma política econômica recessiva, causadora de desemprego e compressão salarial;
• a imposição aos operários de um sistema de escala de revezamento de trabalho que desagrega a família;
• o estabelecimento de uma política agrária que leva a desesperança aos agricultores, em particular aos pequenos e os sem terra;
• a invasão de terras, o massacre, os preconceitos da sociedade contra os povos indígenas;
• a liberação da pornografia nos meios de comunicação, em especial na televisão;
• o massacre a que está sujeito o povo nordestino: Solidarizamo-nos com as comunidades e o povo nordestino em sua luta para que os recursos naturais existentes (água e terra) sejam colocados ao alcance de todos, em prol de uma verdadeira justiça, pois “a justiça exalta as nações, mas o pecado é opróbio dos povos”. )Pv 14.34)
Conclusões:
... Temos um compromisso. Eis algumas propostas de como atendê-los:
5.2.3 - no Brasil - Torna-se esperança uma Igreja que não passa de largo aos múltiplos sofrimentos dos injustiçados, famintos, explorados. Está marcada a nossa sociedade por corrupção, injustiça, violência. Lembramos em especial a injusta distribuição da terra, o genocídio no Nordeste, o descaso para com o meio ambiente, a marginalização do povo no processo político. Comunidade cristã, pelas misericórdias de Deus, deve aí levantar protesto e solidarizar-se com a causa justa de movimentos populares... Ninguém está, por Deus, isento de, dentro de suas possibilidades, engajar-se em favor do bem comum - uma forma de atender o mandamento do amor.

Concílio de 1986
Mensagem:
... Constatamos, a partir do estudo do nosso tema, que em nosso mundo não há paz, porque há injustiça e que há injustiça por não haver aceitação do senhorio de Jesus Cristo e porque as pessoas não se entendem como mordomos de Deus no mundo, e sim como seus senhores. Por isso, o Evangelho nos chama a repensar a nossa prática de fé e nos coloca os seguintes desafios:
• Como Igreja que aceita Jesus Cristo como seu Senhor temos o compromisso de assumir a responsabilidade política e social como nossa resposta ao amor de Deus e parte imprescindível de nossa fé.
• Sugerimos fazer isso das seguintes formas:
a) Denúncia profética e ação solidária;
b) Educação libertadora e maior amparo à infância;
c) Formação de lideranças para assumirem sempre melhor a tarefa da missão comprometida com o anúncio do Evangelho que quer a verdadeira paz com justiça para todos;
d) Criação de material de fácil acesso e compreensão que possa auxiliar nessa caminhada;
e) Destinação de recursos orçamentários a todos os níveis de igreja para a execução dessa tarefa educacional;
f) Visitação e intercâmbio de experiências dentro da Igreja;
g) Participação política engajada de todos os membros inclusive da escolha criteriosa de candidatos à Constituinte, cujos programas e metas incluam estas nossas preocupações e acompanhamento crítico e constante de todo o processo de elaboração de nova Constituição
Estamos convencidos de que os frutos de uma tal atitude, motivada pela fé no Senhor Jesus Cristo, contribuirão para a transformação de nossa sociedade e mostrar-se-ão concretamente num apoio mais comprometido aos sem terra e casa, aos índios, aos negros, às mulheres, aos operários e aos pequenos agricultores, mostrar-se-ão em sinais concretos de justiça e de promoção de vida plena entre nós e no mundo que nos cerca.

Concílio de 1988
... Do concílio compartilhamos os seguintes estímulos:
- Proporcionar a todos os leigos nas Comunidades maior participação na missão, na re-leitura da Bíblia, na evangelização, na conscientização de nossa confissão luterana. Isto também faz parte do nosso pão nosso de cada dia.
- Aceitar que a graça de Deus nos liberta da ganância, da auto-justificação e da necessidade de acumular.
- Assumir posicionamentos em questões sociais, políticas e econômicas a partir do Evangelho.
- Apoiar e desenvolver ações em favor da natureza, obra do Criador. Também isto é repartir o pão.

AÇÃO PASTORAL REGIONAL - RE III
O 13° Concílio Regional aprovou uma proposta missionária na Terceira Região Eclesiástica.
1. Celebração Comunitária na ótica da Comunidade solidária;
2. Integração do Movimento Popular na concepção do trabalho missionário;
3. Formação bíblica na ótica da leitura popular.


10º Dia

40. Teologia Luterana Hoje #

Ler o texto em grupos:
1. Quais as características básicas da teologia luterana?
2. Estas características estão presentes nas comunidades da IECLB? Por que?
3. O que você discorda deste texto?

O centro da teologia luterana é a justificação pela graça mediante a fé. A redescoberta que Deus justifica as pessoas por graça desencadeou a Reforma do século 16.
Luther jamais deixou de proclamar, em um sem número de variantes, ao longo de sua vida, que Deus aceita o ser humano gratuitamente. E quase no fim de sua vida, numa retrospectiva, Luther diz:
“Eu, porém, não conseguia amar o Deus justo que castiga o pecador. Odiava-o, isto sim, pois mesmo vivendo como monge irrepreensível, sentia-me como pecador diante de Deus; minha consciência estava intranqüila até ao extremo e não tinha certeza alguma de que Deus fosse aplacado por minhas satisfações. Estava indignado com Deus. E se não blasfemava em secreto, nem por isso deixava de murmurar violentamente contra ele dizendo: Não basta que os pecadores miseráveis perdidos para sempre por causa do pecado original sejam oprimidos por toda espécie de calamidades através da lei? Será que Deus tem que, além disso, aumentar nosso tormento através do evangelho e ameaçar-nos com sua justiça e ira? Assim estava eu furioso com minha consciência desnorteada”.
Depois o texto continua: “Aí Deus se comiserou de mim”. Deu-se uma mudança radical na vida de Luther quando lhe foi revelado que o justo vive pela fé. As portas do paraíso agora lhe estavam abertas. Isto é a graça!
Não podemos esquecer que para o Reformador a “somente a graça” está intimamente ligado ao “somente Cristo”. Não se trata de algum reconhecimento filosófico ou de uma especulação religiosa. É no Cristo crucificado que Deus se dá a conhecer. O que podemos ver na cruz é como diz Luther: “Ignomínia, pobreza, morte e todas as coisas que são mostradas no Cristo que por nós sofreu”. O Deus gracioso é o Deus que desce, que se encarna.
Neste seu movimento para baixo ele quer ser recebido. Isto sempre foi escandaloso para o ser humano, que não consegue admitir um Deus que se revela na fraqueza. Mas é justamente na cruz que toda tentativa de auto-justificação fracassa. Obras meritórias não fazem sentido diante do Deus que se esvazia na cruz de Cristo. O único caminho é dizer não a toda a tentativa de o ser humano estabelecer ele próprio o que deve ser sabedoria divina. É necessário abandonar toda a tentativa de prescrever a Deus como salvar o mundo. Isto não agrada, pois significa, no fundo, desistir da glorificação do ser humano e deixar Deus ser Deus. Por isso o desejo insistente que nos seja dada a sabedoria da cruz.

Graça Barata.
Na igreja esteve muito presente a tentação de entender justificação como paz individual. Quando ocorre uma deturpação do que vem a ser o “somente pela graça”, quando a experiência da graça, como fundamento de toda vida, permanece no abstrato ou no individual, então graça se torna algo barato. Dietrich Bonhoeffer diz: “A graça barata é inimiga mortal de nossa Igreja. A nossa luta trava-se hoje em torno da graça preciosa”.
Ele diz:
“A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, e o batismo sem disciplina de uma comunidade, é a Ceia do Senhor sem confissão de pecados, e a absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo, encarnado”.

A experiência da graça leva ao discipulado!
Tem dimensão social e política. Livra-nos de nós mesmos, leva-nos à obediência e nos remete aos irmãos desprivilegiados. É nessa caminhada que nossos olhos são abertos para nossa verdadeira situação, tanto individual, quanto coletiva. É nesse contexto que Luther afirma: “Peca ousadamente, mas crê com ousadia ainda maior e alegra-te em Cristo”. Esta frase de Luther pode ser um incentivo evangélico para nós no sentido de vencermos a nossa omissão na situação brasileira por medo de pecarmos. Aqui é dito: “Não queiras ser outra coisa do que em verdade és!” Isto é um convite para a luta contra toda injustiça a partir do evangelho que nos busca justamente na nossa condição de pecadores. Aí não há lugar para individualismo religioso nem para indiferença. Aqui há seguimento e luta contra tudo que oprime a gratuidade da vida.
Na Igreja está havendo, a partir da mensagem central da Reforma, uma crescente inserção na luta contra as injustiças e uma participação na transformação de estruturas sociais malignas. Justificação pela fé em sua conexão com a cruz de Cristo liberta para uma prática transformadora. Teologia luterana, não sendo moralista nem legalista, está livre, inclusive para uma crítica radical ao sistema capitalista. Pode ter a coragem de pôr em questão o sistema como tal. Tudo se dá dentro da perspectiva do Deus que desce, se esvazia e se revela na fraqueza. Não necessitamos desenvolver justificativa moral para um sistema que produz pobres e oprimidos. Justificados gratuitamente, somos levados a uma participação nas lutas de libertação e por uma sociedade justa.

Somos livres para desistirmos dos decantados moldes reformistas.
Justificação pela fé e por graça abre espaço para propostas claras. A pergunta a nos acompanhar é se de fato estamos servindo à missão libertadora de Deus e de sua igreja e nosso contexto. Lembremo-nos que Deus está sempre do lado dos oprimidos! (Sl 103,6)
Luther voltou até o cansaço, sempre de novo, ao fato de que Deus não carece do nosso serviço, mas sim o próximo. O necessitado ao nosso lado é o seu vigário. Nele o seu chamamento nos alcança. Na nossa adesão aos “sofridos que esta sociedade faz” Deus constata a nossa gratidão a ele mesmo. Agrada a Deus que leiamos a sua vontade nos olhos dos que passam penúria. Eles deveriam ser o destino das peregrinações dos cristãos. Deus se identifica com os que tem precisão, por exemplo: “Quem se afasta do seu semelhante, afasta-se do próprio Deus”. Sim, blasfema quem fita o céu, afirmando que, se Deus viesse, o serviria de todo jeito possível, pois tal pessoa deixa Deus despercebido, que assegura: “Olha bem, para não passares por cima de mim; eu estarei suficientemente perto de ti em cada pessoa pobre que necessita do teu auxílio e conselho; eu estou bem dentro dela”. Em vista disso: “culto/serviço a Deus no dia-a-dia do mundo”.
O senhorio de Jesus Cristo consiste em nos servir. Ele nos serve com a Palavra e os sacramentos: distribuindo entre nós e depositando em nós o seu nascer e viver, o seu sofrer e morrer, o seu ressuscitar e estar à direita de Deus, o seu constante intervir em prol do universo e “vir pela segunda vez em glória” para concluir de modo inconteste o reinado de Deus. A sua angustiosa determinação de amor é que nós lhe pertençamos, o que vale dizer: tornemo-nos “um Cristo para o nosso próximo”. Jesus Cristo quer que a nossa existência seja não apenas agradável, mas salvífica para os outros. Tal sucede quando “lhe somos prestativos, corporal e espiritualmente”. Que os nossos préstimos são integrais, origina-se do próprio Jesus Cristo; por exemplo:
“Em Cristo céu e terra estão juntos e são uma só coisa; em Cristo tudo está cumprido e sob o nosso poder. Por isso quem tem Cristo e crê nele, tem céu e terra e tudo que eles contém”.

A nossa existência é salvífica para os demais:
- Quando “em favor dos outros e para salvaguardar que vivam protegidos e em paz”, empenhemos “corpo, bens, honra e vida”.
- Quando comprovamos solidariedade com os ímpios e pecadores, aliás:
“não fugindo da convivência dos maus; antes, buscando-a para ajudá-los; não querendo ir só nós ao céu, mas estando ansiosos para levar conosco, se possível, os piores pecadores”. Somos solidários com eles porque Jesus Cristo nos mostra quem nós somos: “maus e os piores pecadores”. Agora do jeito que ele nos carrega e transforma em “um Cristo para o próximo”, também o quer fazer, mediante nós, com eles. Solidariedade aqui é, portanto, expressão de penitência nossa e de confissão de que somos co-responsáveis pela sua postura devido à nossa separação orgulhosa deles, por um lado, e, por outro, devido à nossa culpa por não lhe termos testemunhado o senhorio de Jesus Cristo. E é ainda expressão de esperança para eles e de questionamento carinhoso, que pergunta como é que podem permanecer na impiedade e no egoísmo pessoal e social em vista de Jesus Cristo ser o servo de todos nós.

A Liberdade Cristã.
A “liberdade da pessoa cristã/dos cristãos” foi o tema existencial, diário e vitalício de Luther. Simplesmente o determinou. Tudo o que fez ou deixou de fazer entendeu como “usar a nossa liberdade”. Foi esta, deveras, a primeira e última palavra com que costumava responder tanto a companheiros medrosos quanto a seus críticos e inimigos. Ele foi o livre libertado, por excelência.
Qual a origem da liberdade de Luther?
A origem da sua liberdade é idêntica à descoberta da justificação por graça e fé, que Deus lhe concedeu quando se debruçava dia e noite sobre a Bíblia. Veio, contudo, absoluta e surpreendentemente de fora dele:
“Aqui senti que renasci inteiramente e, com as portas abertas, entrei no próprio paraíso. Assim esta passagem de Paulo (Rm 1,17) foi para mim verdadeiramente a porta do paraíso”.
A graça de Deus tomou corpo na fé de Luther. E a fé dele se materializou na sua liberdade. E a sua liberdade se concretizou no seu renascer em toda linha e na certeza inabalável de que nada o “poderá separar do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus”, seu “Senhor”(Rm 8,39). A liberdade de Luther ocasionou a sua pasmosa criatividade, a sua coragem inconcebível e a sua surpreendente independência.
O que significa ser livre para Luther?
Confessar que: “o livre-arbítrio é um nome inteiramente divino e não pode pertencer a ninguém exceto tão-só à divina majestade. Pois ela pode e faz tudo o que quer no céu e na terra. Se ele fosse atribuído a seres humanos, não o seria nada mais corretamente do que se lhes atribuísse a própria divindade, e não pode haver sacrilégio maior do que esse”, o que corresponde a viver dependendo deste Deus livre e confiando nele em qualquer conjuntura e acima de todas as coisas e pessoas, considerações e organizações. Por exemplo:
“Não coloco a minha confiança em nenhum ser humano na terra, nem em mim mesmo, nem em meu poder, saber, bondade, piedade ou em que eu possuir. Não coloco a minha confiança em nenhuma criatura, esteja ela no céu ou sobre a terra. Eu arrisco e coloco a minha confiança tão-somente no Deus invisível, incompreensível e único que criou o céu e a terra e que sozinho está acima de todas as criaturas. Por outro lado não me apavoro com toda a maldade do diabo e de seus comparsas, porque o meu Deus está acima de todos eles. Creio em Deus, mesmo que eu seja pobre, sem compreensão, sem estudo, desprezado ou carente de todas as coisas. Creio em Deus mesmo sendo um pecador. É que essa minha fé precisa e deve pairar acima de tudo que existe, acima do pecado e virtude e acima de todas as coisas, para em Deus manter-se pura e limpa, como o primeiro mandamento me constrange”.
Quem vive assim dependente de Deus, é independente por excelência, inconformado incansável e revolucionário permanente no meio em que vive. Não existe subversivo mais perigoso para o status quo do que tal pessoa confiante em Deus.
Ser libertado por graça e livre na fé não significa ser livre, por exemplo, dos opressores internos e externos do Terceiro Mundo, do democratismo antipopular, mas ser livre para se tornar libertador político e econômico, social e cultural. Aí é livre para:
- Conscientizar-se e ter claro em toda parte e circunstância que “não há santo no Antigo Testamento e no Novo Testamento que não tivesse sido alguma coisa na economia e política”. Os “santos da lua”, os “falsos santos”, os “santos do diabo” fogem da política e economia. O livre libertado desmascara estes e também combate aqueles que desvirtuam a política e a economia para o seu próprio lucro. Para ele, política e economia são meios para chegar a uma vida coletiva, digna e repartida. Aí é vigilante e cuida com quem vai em sociedade e Estado.
- Usar a razão - em favor do espoliado. Para tal fim Deus deu a razão. Quem a põe de lado ou a emprega apenas para si mesmo, despreza o seu doador. A razão a serviço do necessitado enxerga o que o oprime e consegue que seja libertado; neste sentido ela tem que imperar sobre todos os direitos e leis vigentes. É apta a ajudar ao pobre “em todas as necessidades da vida” e, sem a menor dúvida, sabe “melhor os seus bens e o seu ganho”.
“Não se pode concordar com a injustiça. Deve-se testemunhar a verdade, recorrendo ao que é justo e se baseando no que é direito contra a violência (institucionalizada) e os crimes (dos de cima), como fez o próprio Cristo perante o sacerdote Anás”.
“A igreja não tem poder maior do que a oração comunitária contra tudo o que a escandaliza.”
Ervino Schmidt / Albrecht Baeske


41. Fé e Política na Visão de Martin #

Ler o texto em grupos:
1. Quando eu faço política e quando eu não faço política?
2. Se o/a pastor/a vai almoçar com o prefeito para pedir auxílio para a construção da igreja ele/a está fazendo política?
3. Quando o/a pastor/as vai visitar um acampamento de sem terra ela/a está fazendo política?


Citações de Martin Luther:
Educação: “Se alguém der um ducado para a guerra, seria justo que doasse cem ducados para a educação”.
Comércio: “Ainda se encontram entre os comerciantes alguns que pertencem a Cristo e que prefeririam ser pobres com Deus a serem ricos com o diabo”.
Guerra: “Se souberes com certeza que tuas autoridades não estão com a razão, deves temer mais a Deus do que a pessoas humanas, negando-te a prestar serviço militar e ir à guerra”.
Política: “Na administração pública vocês (governantes) outra coisa não fazem do que maltratar e explorar, até que o pobre homem do povo não queira nem possa agüentar”.
O cristão deve “meter-se” em política?
Muitos pensam que o cristão e a Igreja não tem nada a ver com política. Ou então pensam que o cristão deve participar como cidadão, mas a sua fé não tem nada a ver com a política. De qualquer modo, opinam que a Igreja não deve “meter-se” na política. Em verdade, porém, a gente sempre atua num sentido político. A pergunta não é se queremos nos envolver com política, mas sim de que maneira devemos nos envolver nela.
Luther era um líder de Igreja e colocava o Evangelho acima de tudo. Ainda assim, ele se manifestou com freqüência em assuntos políticos, econômicos, sociais, culturais, como as citações acima comprovam. Luther julgava que isso era parte de sua responsabilidade vinda da fé, diante de Deus e do próximo.
Fé e Política: o senhorio de Deus e o serviço ao povo.
Como entender a relação entre fé e política, Igreja e Estado?
Deus é o Senhor tanto da Igreja como do Estado. Os instrumentos da Igreja e do Estado são diferentes: os da Igreja, a palavra e os sacramentos na comunidade de fé: os do Estado, leis, programas e instituições políticas na ordem pública. Mas, tanto através da Igreja como do Estado, Deus tem um objetivo comum: quer promover a justiça. De outro lado, tanto para a Igreja quanto para o Estado a injustiça é uma tentação permanente. Por fim, o objetivo de Deus sempre está numa vida digna para o povo, tanto em sua dimensão material quanto na espiritual. Aliás, é o próprio povo que constitui e atua na Igreja e no Estado. E acima de tudo está a vontade de Deus que quer resgatar integralmente o ser humano e toda a criação.
Ou seja: não só a Igreja tem um paralelo no propósito de Deus. Também a política é importante. Através da ação política pode-se produzir o bem ou explorar muitas pessoas. Logo, os cristãos e a Igreja não podem ser indiferentes diante da política.
Conseqüências para os cristãos.
Em primeiro lugar, devemos interessar-nos por assuntos políticos. Se não estamos bem informados, não podemos atuar corretamente em favor da justiça.
Em segundo lugar, devemos participar ativamente da política: seja votando, dialogando e questionando os políticos, seja ingressando em associações de moradores e de interesses, em movimentos, em sindicatos e em partidos.

Como deve atuar a Igreja?
Seguramente não constituindo um partido político cristão para defender seus próprios interesses. Mas ela atua, isso sim:
- em primeiro lugar, usando a palavra de Deus como voz crítica diante do Estado, das instituições políticas e sociais, bem como das autoridades constituídas;
- em segundo lugar, animando as pessoas a participarem ativamente da política, aguçando suas consciências e fortalecendo sua disposição ao serviço;
- em terceiro lugar, defendendo os que sofrem, os indefesos, os marginalizados, os necessitados, os injustiçados, os oprimidos.

Critérios para a atuação dos cristãos e da Igreja.
Em primeiro lugar, ter a consciência de que não há política perfeita. Mesmo a melhor das políticas é criticável e pode ser melhorada. Isso vale naturalmente também em relação às pessoas cristãs que participam da política. Já a política má, seja em sua intenção seja em seus efeitos para o povo, deve ser combatida. Nesse caso deve-se fomentar a busca de alternativas.
Em segundo lugar, considerar o ser humano em sua integralidade: atenção às necessidades materiais e espirituais, de sustento digno, de educação, de saúde, de trabalho, de lazer, de participação social e política, de organização comunitária, de cultura, de expressão religiosa.
Em terceiro lugar, o propósito deve ser o serviço e a defesa de direitos, nunca a busca de vantagens e privilégios, menos ainda o fortalecimento de desigualdades, discriminações e injustiças. Ainda mais: a perspectiva deve estar voltada para os mais desfavorecidos e injustiçados, as pessoas que têm mais necessidades e mais sofrem. Devem ser rejeitadas políticas que acentuam as desigualdades e abandonam os mais fracos à sua própria sorte. Inversamente, devem ser apoiadas políticas que fortalecem a participação das pessoas, que estão atentas para suas necessidades e que diminuem as injustiças sociais.
Ouçamos outra vez Luther:
“Não é subversivo criticar a autoridade quando ocorre livre, pública e honestamente no ministério ordenado da palavra de Deus. Ao contrário, é uma rara virtude louvável e nobre, até mesmo um serviço a Deus especialmente grande”.
Dr. Walter Altmann.

42. Da Autoridade Secular. Martin Luther (Um resumo)

Ler o texto em grupos:
1. O que mais chamou a atenção neste texto?
2. O que o chocou neste texto?
3. O que não entendeu?
4. O que Martin Luther diria aos governantes do Brasil de hoje?

Prefácio
Escrevi antes um livrinho à nobreza alemã e mostrei qual é seu ministério e função cristã. No entanto, é suficientemente conhecida o quanto se importaram com o que escrevi. Por isso tenho que concentrar meus esforços em outro sentido e escrever agora o que eles devem deixar. Espero que eles o acatem assim como o fizeram com aquele escrito, para que continuem sendo príncipes e jamais se tornem cristãos. Pois Deus, o onipotente, enlouqueceu os nossos príncipes, de sorte que pensem poderem fazer e ordenar a seus súditos tudo o que quiserem; e também os súditos se enganam, quando crêem estarem obrigados a cumprir tudo isso plenamente. Os príncipes principiaram agora a ordenar às pessoas que entreguem livros, creiam e cumpram o que eles ordenam. Com isso atrevem-se inclusive a sentar no trono de Deus e a dominar sobre as consciências e a fé e, em seu cérebro louco, a tratar o Espírito Santo como um aluno. Mesmo assim exigem que não se lhes diga isso e que ainda se os denomine de magnânimos senhores.
Escrevem e promulgam instruções impressas, dizendo que o Imperador o ordenou e que pretendem ser príncipes cristãos e obedientes, como se levassem a coisa a sério e como se não pudéssemos notar a maganice atrás de suas orelhas. Se, porém, o Imperador lhes tirasse um castelo ou uma cidade, ou lhes ordenasse alguma outra injustiça, encontrariam belos motivos para resistir ao Imperador e não lhe obedecer. Quando, todavia, se trata de explorar a pessoa pobre e de desafogar sua petulância na Palavra de Deus, chama-se isso de obediência ao mandamento imperial. Antigamente estas pessoas eram chamadas patifes; agora tem que se chamá-los de príncipes cristãos obedientes, mas não admitem alguém para interrogatório ou chamá-los à responsabilidade, por mais que se insista. Isso lhes seria totalmente insuportável caso o Imperador ou alguém outro agisse com eles dessa maneira! Esses são, em nossos dias, os príncipes que representam o Imperador, em terras alemãs, na qualidade de soberano. É por isso que as coisas vão em todos os territórios como podemos ver.
Como, pois, a sanha desses palhaços contribui para o extermínio da fé cristã, para a negação da Palavra de Deus e a blasfêmia da majestade divina, não posso mais silenciar diante de meus não-magnânimos senhores e encolerizados morgados. Tenho que resistir-lhes pelo menos com palavras. Não temi seus ídolos, o Papa, que me ameaçava tomar a alma e o céu. Por isso também tenho que demonstrar que não temo suas escamas e suas bolhas d’água que me ameaçam tirar o corpo e a terra. Queira Deus que permaneçam zangados para sempre e que nos ajude para que não morramos por causa de suas ameaças. Amém.

A respeito do direito da autoridade secular.
O dever de castigar o mal e de suportá-lo.
Em primeiro lugar temos que fundamentar bem o direito e a espada secular para que ninguém duvide de que ela existe no mundo por vontade e ordenação de Deus. As palavras que a fundamentam são: Rm 13,12: “Toda a alma esteja submissa ao poder e à autoridade; pois não há poder que não seja de Deus: Onde quer que haja poder ele foi ordenado por Deus. Quem pois, resistir ao poder, resiste à ordenação de deus, este trará sobre si mesmo a condenação”. Além disso I Pe 2,13s:”Sede submissos a toda à ordem humana, seja ao rei, como ao mais nobre, ou aos seus procuradores que são por ele enviados para castigar os maus e para recompensar os piedosos”.
Por que, então, Deus deu a todas as pessoas tantas leis e, por que também Cristo ensina tanto no Evangelho a respeito do fazer? A respeito disso já escrevi muito no sermonário e em outros lugares. Aqui seja dito somente o seguinte: “Se Paulo diz (I Tm 1,9) que a lei foi dada por causa dos injustos”, isso significa que aqueles que não são cristãos são impedidos de fazer o mal pela imposição da lei, como ainda veremos. Agora, porém, nenhum ser humano é cristão e justo por natureza, mas todos são sobretudo pecadores e maus ( Rm 3,23); por isso Deus combate a todos eles com a lei para que não exteriorizem sua maldade maliciosamente com asas. Além disso Paulo ainda confere à lei outro ministério (Rm 7,7 e Gl 2,1ss); ensina a reconhecer o pecado, fazendo, com isso, que a pessoa se torne humilde para a graça e a fé em Cristo. É assim também que Cristo age aqui (Mt 5,39); quando ensina que não se deva resistir ao mal, interpreta a lei e ensina como um verdadeiro cristão possa e deva ser.

Os crentes em Cristo sujeitam-se espontaneamente à autoridade.
Aqui fazes a objeção: “Se os cristãos não precisam da espada secular e da lei, por que então Paulo diz em Rm 13,1 a todos os cristãos: “Todas as almas sejam submissas ao poder e à autoridade?” e Pedro (I Pe 2,13): “Sede submissos a toda a instituição humana, etc”, como já foi dito acima?” Resposta: Há pouco expliquei que os cristãos entre si e para si próprios não necessitam da lei e espada; pois para eles é desnecessária e sem serventia. O verdadeiro cristão, porém, não vive na terra para si próprio, mas para o próximo e lhe serve. Correspondendo à sua natureza, faz também aquilo que ele próprio não necessita, mas que é proveitoso e necessário para seu próximo. A espada é de grande e necessária serventia para todo o mundo, para que seja mantida a paz, castigando o pecado e combatidos os maus. Por isso o cristão se submete de bom grado ao domínio da espada: paga impostos, honra a autoridade, auxilia e faz tudo o que pode e que é útil para a autoridade, a fim de que sejam preservados o seu poder, honra e temor. Isso o cristão o faz mesmo que não necessite disso para si próprio; pois visa o que é útil e bom para os outros, como Paulo o ensina em Ef 5,21.
É o que se dá com todas as demais obras do amor: o cristão as faz mesmo que de maneira nenhuma delas necessite: ele não visita os doentes porque pensa ficar são, agindo assim; ele não dá alimentos a alguém, porque ele próprio necessita de alimento. Do mesmo modo não serve à autoridade porque poderia vir a necessitar dela, para que sejam protegidos e os maus não se tornem ainda mais malvados. Com isso ele não perde nada e tal serviço também não lhe faz mal; e, mesmo assim, ele presta um grande serviço ao mundo. E, se não o fizesse, não agiria como cristão, e, acima de tudo, estaria contrariando o amor; além disso daria aos outros um mau exemplo que também não quereriam suportar autoridade, se bem que são acristãos. Isso seria uma vergonha para o Evangelho: como se ele ensinasse revolta e tornasse as pessoas teimosas, para não servirem a ninguém, enquanto, em realidade, torna o cristão um servo de todos. Foi nesse sentido que Cristo deu o estáter (Mt 17,27) para não lhes oferecer motivo de tropeço, mesmo que não tivesse tido necessidade de o fazer.
Onde se tratar de ti e do que é teu, aí agirás de acordo com o Evangelho e sofrerás, como bom cristão, injustiças no que toca a tua pessoa; onde se trata do outro e do que é seu, aí agirás de acordo com o amor e não permitirás injustiça para teu próximo; e isso o Evangelho não proíbe, muito antes ordena-o em outra passagem.
Talvez alguém argumentaria que o antigo Testamento foi abolido e que não vale mais e que por isso não se possa mais apresentar tais exemplos aos cristãos. A isso respondo: não é assim. Pois Paulo diz em I Co 10,3: “Comeram o mesmo manjar espiritual e beberam a mesma bebida espiritual da rocha, e que é Cristo, como nós”. Isso significa que tiveram o mesmo Espírito e fé em Cristo que nós temos e foram cristãos assim como nós. O que, pois, foi correto para eles, é correto também para todos os cristãos desde o princípio até o fim do mundo. Pois a época e o modo exterior de viver não provocam diferenças entre os cristãos. Também não é verdade que o Antigo Testamento esteja superado no sentido de que não mais se o deva ter ou que aja incorretamente o que fica com todo ele.
Se Paulo afirma (Rm 13,4) que a autoridade é servidora de Deus, não devemos reservá-la apenas para o uso dos gentios, mas de todas as pessoas. “Servidora de Deus” nada mais significa que: a autoridade é de tal natureza que se pode servir a Deus através dela. Seria contrário à fé afirmar que há serviços para Deus que um cristão não pode ou deve fazer; pois servir a Deus não compete a ninguém mais do que ao cristão. E, certamente, também seria bom e necessário que todos os príncipes fossem retos e bons cristãos. Pois como serviço especial feito para Deus, a espada e a autoridade estão reservadas aos cristãos mais do que qualquer outro sobre a terra. Por isso deves ter a espada ou a autoridade em tão alta conta quanto o matrimônio, ou a agricultura, ou qualquer ofício que Deus também ordenou. Assim como um a pessoa pode servir a Deus no matrimônio, na agricultura ou num ofício para proveito do outro, e assim como deveria servir, quando seu próximo o necessita, - assim, também pode servir a Deus como detentor do ministério da autoridade e lhe deve servir desde que a necessidade do próximo o exija. Pois os detentores de autoridade são servidoras e oficiais de Deus que castigam o mal e protegem o bem.
De tudo isso depreende-se qual seja a correta compreensão das palavras de Cristo, MT 5,39: “Não deveis resistir ao mal, etc.”: um cristão deve ser de tal natureza que sofra todo o mal e injustiça, não se vingando, também não procurando proteção para si perante o tribunal; não deve fazer uso algum de poder e direito secular - para si mesmo. Mas para outros ele pode e deve procurar desforra, justiça, proteção e auxílio, e contribuir para isso com o que puder.

Sobre os limites da Autoridade Secular.
Chegamos à parte principal deste sermão. Havendo aprendido que a autoridade secular deve existir na terra e como ela deve ser usada de maneira cristã e para a felicidade, temos que aprender agora quão longo é seu braço e até onde se estende sua mão, para que não se estenda demais e se intrometa no reino e regime de Deus. É muito necessário saber isso. Pois ocorre um dano intolerável e terrível quando se lhe dá excessiva amplitude, sendo também prejudicial limitá-la em demasia.

Em princípio, a alma está livre do poder da autoridade.
O regime temporal tem leis que apenas abrangem o corpo e os bens e as outras coisas exteriores na terra. Pois sobre a alma Deus não pode e não quer deixar ninguém governar a não ser somente ele. Por conseguinte, se a autoridade secular se atreve a impor uma lei à alma, aí ela interfere no regime divino, seduzindo e corrompendo as almas. Ele quer que nossa fé se fundamente apenas e exclusivamente em sua palavra divina, como diz em Mt 16,18: “Sobre esta rocha quero edificar minha Igreja”, e Jo 10,4s: “Minhas ovelhas ouvem minha voz e me conhecem, mas de modo nenhum ouvirão a voz do estranho, antes fugirão dele”. Não se deve forçar ninguém. A fé é um ato livre ao qual não se pode forçar ninguém; sim, é inclusive uma obra divina no Espírito.
Queres saber por que Deus dispõe que os príncipes temporais errem tão terrivelmente? Eu te direi: Deus lhes perverteu os sentidos e quer exterminá-los como exterminou os aristocratas eclesiásticos. Da mesma maneira os senhores seculares deveriam governar exteriormente o país e o povo. Isso, porém, não fazem. Nada mais sabem fazer que esfolar e raspar, cobrando imposto sobre imposto, uma taxa sobre taxa, soltar aqui um urso, ali um lobo. Além disso não há neles nem fidelidade nem verdade, e portam-se de uma maneira que até ladrões e bandidos considerariam excessiva.
Vê, aí tens o decreto de Deus contra os grandes palermas. Mas eles não o crerão para que este grave decreto divino não seja impedido por seu arrependimento. Agora, porém objetas: “Paulo disse em Rm 13,1 que toda a alma deva ser sujeita ao poder e à autoridade; e Pedro dia (I Pe 2,13) que devemos ser sujeitos a toda a instituição humana”. Resposta: Tu me vens bem a propósito. Estes versículos me favorecem. Paulo fala da autoridade e do poder superior. Acabas de ouvir que ninguém pode governar sobre a alma, a não ser Deus. Portanto, Paulo não pode falar de obediência a não ser daquela que decorre do poder. Disso se depreende que ele não diz que o poder secular tenha a autoridade de governar a fé, mas sim que pode ordenar e governar os bens externos na terra. “Deves obedecer mais a Deus do que aos homens”. Com isso limita claramente o poder secular. Pois caso tivéssemos que cumprir tudo o que quer a autoridade secular, teria dito em vão: “Deves obedecer mais a Deus do que aos homens”.

Conseqüências práticas para o comportamento do cristão em relação à autoridade secular.
Se, pois, teu príncipe ou Senhor temporal te ordena sujeitar-se ao Papa, ou crer isso ou aquilo, ou te ordena entregar livros, deves dizer-lhe: Lúcifer não tem o direito de assentar-se ao lado de Deus. Amado senhor, é meu dever obedecer-vos com o corpo e bens. Dai-me ordens na medida de vosso poder na terra e eu obedecerei. Contudo, se me ordenais crer e entregar livros, não obedecerei. Pois nesse caso sois tirano e vos excedeis. Dais ordens onde não tendes direito nem poder, etc.”
E, deves saber que desde o início do mundo um príncipe sábio é ave rara, e um príncipe honesto mais raro ainda. Em geral são os maiores e os piores patifes da terra; por isso sempre tem que se esperar o pior deles e pouco de bom, especialmente em relação às coisas divinas que dizem respeito à salvação da alma. Pois são alcaides e carrascos de Deus e sua ira divina ousa-os para castigar os maus e manter a paz externa. É um grande senhor o nosso Deus. Por isso necessita de tais carrascos e algozes nobres, ilustríssimos e ricos, e quer que tenham em grande abundância riqueza, honra e temor da parte de todos. É sua vontade que chamemos a seus carrascos de clementíssimos senhores, caiamos a seus pés e lhe sejamos submissos enquanto não excederem em seu cargo, querendo transformar-se de carrascos em pastores. Se alguma vez acontece que um príncipe é sábio honesto e cristão, estamos diante de uma grande maravilha e do sinal mais precioso da graça divina sobre esse país. Pois, em geral, vale a sentença de Isaías 3,4: “Dar-lhes-ei meninos por príncipes e bocas-abertas serão seus senhores”. O mundo é demasiado mau e não merece ter muitos príncipes sábios e honestos. As rãs necessitam de cegonhas.

Que coisa tem o diabo a fazer na terra, senão fazer gato e sapato de seu povo? Esses são nossos príncipes cristãos que defendem a fé e querem devorar o turco. De fato, bons companheiros, nos quais certamente se pode confiar! Uma coisa conseguirão com tal inteligência e sutileza: quebrarão o pescoço e lançarão o país e o povo em desgraça e miséria.
Quisera aconselhar com toda a lealdade a esta gente desvairada para que se cuidem de um pequeno versículo do Salmo 107,40: “Deus derramou seu furor sobre os príncipes”. Eu vos juro, por Deus, se esquecerdes que este pequeno versículo se cumprirá em vós, estais perdidos, mesmo que cada um de vós fosse poderoso como o turco. Vosso bufar e esbravejar de nada valerá. Isso já começou em grande parte. Pois há bem poucos príncipes que não sejam considerados loucos ou patifes. Isso porque se apresentam como tais e o homem simples começa a compreender as coisas. O flagelo dos príncipes se difunde amplamente entre o povo e a pessoa simples, e eu temo que não pode ser reprimido se os príncipes não se conduzirem como príncipes e reiniciarem a governar com juízo e prudência. Não se tolerará, não se pode nem se quer tolerar indefinidamente vossa tirania e caprichos. Queridos príncipes e senhores, atendei a isso. Deus não o tolerará por mais tempo. O mundo já não é mais aquele como quando caçáveis e perseguíeis as pessoas como animais de caça. Por isso deixai vossos crimes e violências e pensai em proceder com justiça. E dai à Palavra de Deus curso livre, o curso livre que ela quer e deve ter, e vós não o impedireis.
Se há heresia, que seja superada como convém com a Palavra de Deus. Se, porém, desembainhais por demais a espada, cuidai para que não venha alguém e vos mande embainhá-la e isso não em nome de Deus!
Entre cristãos não deve nem pode haver autoridade alguma, contudo cada um é submisso ao outro, como diz Paulo em Rm 12,10;”Cada um considere o outro como seu superior”, e Pedro (I Pe 5,5): “Sede todos submissos uns aos outros”. Isto é o que também Cristo quer (Lc14,10): “Quando fores convidado às bodas, toma o último lugar”. Entre os cristãos não há superior a não ser o próprio Cristo. E que autoridade pode haver quando todos são iguais e têm o mesmo direito, poder, bem, honra, e quando ninguém deseja ser superior, mas o subordinado do outro? Entre pessoas assim não se pode instituir autoridade alguma, ainda que se quisesse, porque sua natureza não suporta ter superiores pelo fato de ninguém querer e poder ser superior. Onde, porém, não houver gente desse tipo, ali também não há verdadeiros cristãos.

A respeito do desempenho cristão do encargo da autoridade secular.
O que quiser ser príncipe cristão tem que, realmente, desistir da idéia de governar e proceder com violência. Pois, maldita e condenada é toda a vida que se vive em benefício do próprio. Malditos todas as obras não inspiradas pelo amor. Elas se inspiram no amor quando não se deixam guiar pelo prazer, proveito, honra, comodidade e salvação da própria pessoa, mas quando procuram, de todo a coração, o proveito, honra e salvação de outros.
É claro que quando um príncipe não é mais entendido que seus juristas e quando sua sabedoria não passa do que se encontra nos livros jurídicos, certamente governará segundo o provérbio ( Pv 28,16): “Príncipe falto de inteligência multiplica a opressão”.
Um príncipe deve imitar este exemplo; deve agir com temor e não confiar nos livros mortos, nem em cabeças vivas, mas ater-se somente a Deus, orar com insistência e pedir-lhe entendimento reto - o que é melhor que os livros e mestres - para governar seus súditos com sabedoria. Por isso, eu não saberia prescrever ao príncipe nenhuma lei. Quero, porém. Instruir-lhe apenas o coração para que saiba como agir desta maneira, certamente Deus lhe dará a inteligência de executar correta e piedosamente toda a lei, decisões e negócios.

Regras de comportamento para um príncipe cristão.

Em primeiro lugar deve considerar seus súditos e conseguir a correta disposição de seu coração. Isso ele fará quando concentrar todos seus pensamentos no intuito de ser-lhes útil e servir-lhes. Não deve pensar: “A terra e as pessoas são minhas; farei o que me agrada”, mas sim: “Pertenço ao país e às pessoas. Farei o que é bom e proveitoso para eles. Não serei altaneiro e dominador, mas procurarei protegê-los e defendê-los com uma paz boa”. Fixará seus olhos em Cristo e dirá: “Vê, Cristo, o príncipe supremo, veio e me serviu; não procurou poder, bem e honra em mim, mas viu minha necessidade e fez tudo para que eu tenha poder, bem e honra por seu intermédio. Por isso farei o mesmo. Não procurarei meu interesse em meus súditos, mas o deles. Também eu lhes servirei assim em meu cargo. Protegê-los-ei, ouvi-los-ei e os defenderei. Governarei apenas para que eles tenham bens e proveito, e não eu!” É assim, pois, que um príncipe se desprenderá de seu poder e autoridade, e cuidará das necessidades de seus súditos e agirá como se tratasse de suas próprias necessidades. Pois foi desse modo que Cristo procedeu conosco, e estas são as verdadeiras obras de amor cristão.
Agora, porém, retrucas: “Quem, então, quererá ser príncipe? Com isso a posição de um príncipe seria a mais miserável sobre a terra. A função lhe acarretaria muito trabalho, fadiga e desgosto. Onde ficariam os prazeres principescos, com bailes, caças, torneios, jogos e outros prazeres mundanos?” A isso respondo: No momento não ensinamos, como deve viver um príncipe secular, mas como um príncipe secular pode conduzir-se cristãmente para poder chegar ao céu. Quem é que não sabe que um príncipe é caça rara no céu? Também não falo porque tivesse a esperança de que os príncipes seculares me levassem a sério, mas apenas para o caso de que houvesse algum que também quisesse ser cristão e desejasse saber como se conduzir. Pois estou plenamente convicto de que a Palavra de Deus não se orientará pelos príncipes; os príncipes é que devem orientar-se por ela. Basta-me mostrar que não é impossível um príncipe ser cristão, mesmo que isso seja raro e difícil. Pois se cuidassem que seus bailes e caças e torneios não prejudicassem a seus súditos e, se além disso, exercessem seu ministério em amor ou a eles, Deus não seria tão rigoroso ao ponto de não lhes permitir bailes, caças e torneios. Se, porém, de acordo com seu ministério, dedicassem cuidados a seus súditos, certamente descobririam por si mesmos que muito bom baile, caça, torneio e jogos deveriam ser deixados de lado.

Em segundo lugar, um príncipe deve precaver-se dos grandes senhores, de seus conselheiros, e conduzir-se em relação a eles de tal maneira que não desconsidere nenhum, mas também não confie em nenhum a ponto de por em suas mãos todas as decisões.
A maior inconveniência que há nas cortes é quando um príncipe suborna sua razão aos grandes senhores e bajuladores, deixando ele próprio de governar. Pois, quando um príncipe comete um erro ou faz uma loucura, isso não prejudica apenas a um homem; o país e o povo inteiro têm que sofrer por causa dessa loucura. Por isso um príncipe deve confiar em seus poderosos e deixá-los agir até o ponto em que ainda possa ter as rédeas em suas mãos; não pode embalar-se em segurança nem dormir, mas inspecionar e viajar pelo país, como o fez Josafá ( II Cr 19,4ss), assegurando-se de como se governa e julga. Assim ele próprio descobrirá que não se deve confiar plenamente em nenhuma pessoa.
Dizes agora: “Se não confiar em ninguém, como se governará um país e seus habitantes? “Resposta: Deves dar ordens e arriscar, mas não deves confiar e fiar-te em outros, a não ser em Deus somente. Naturalmente tens que confiar os cargos a alguém e fazer uma tentativa com ele, mas não deves ter mais confiança nele do que em uma pessoas que pode falhar. Por isso tens que continuar vigiando e não podes dormir. É o caso do carroceiro: ele confia nos cavalos e na carroça que ele dirige: Contudo não os deixa andar sozinhos. Segura rédeas e relho na mão e não dorme.
Isso é, quando o próprio senhor não se ocupa com as coisas e se fia em conselheiros e empregados, aí as coisas não andam bem. Deus quer que assim seja e o deixa acontecer, para que os senhores se vejam obrigados, por necessidade, a se ocuparem eles mesmos com seu ministério, assim como também cada pessoa tem que se ocupar com sua profissão e toda criatura se ocupa com sua tarefa. Caso contrário, os senhores se transformam em porcos gordos e pessoas inúteis que não servem a ninguém, a não se a si próprios.

Em terceiro lugar, um príncipe deve ter o cuidado de agir corretamente com os malfeitores. Aqui ele tem que ser muito prudente e sábio para castigar sem lançar os demais na perdição. Não deve olhar para seu prejuízo, mas para a injustiça que os outros têm que sofrer, caso ele impusesse o castigo. Pois, o que fizeram tantas mulheres e crianças para ser transformadas em viúvas e órfãos, somente para que tu te possas vingar de uma boca inútil ou de uma mão malvada que te ofendeu?

Em quarto lugar, - em si, esse deveria ser o primeiro ponto. Também já falamos a seu respeito mais acima - um príncipe também deveria portar-se cristãmente em relação a Deus, isso é, ele deve submeter-se a ele em total confiança e pedir-lhe sabedoria para bem governar, como o fez Salomão (I Rs 3,9).
Queremos concluir com a observação final de que um príncipe deve dividir suas atenções em quatro sentidos:
em relação a Deus deve ter verdadeira confiança e sincera oração;
em relação a seus súditos, deve dirigir-se com amor e serviço cristão;
em relação a seus conselheiros e plenipotenciários, deve manter um critério livre e um discernimento independente;
em relação aos malfeitores, deve mostrar seriedade modesta e rigor.
Desse modo confirmará seu ministério exterior e interiormente, agradando a Deus e às pessoas. Também deve estar preparado para sofrer muita inveja e sofrimento. Muito em breve a cruz pesará sobre um tal propósito.


43. A História da IECLB #

Ler o texto em grupos:
1. O que chamou mais a sua atenção na história da nossa igreja?
2. O que foi uma total novidade?
3. Você conhece a história de sua comunidade?
4. Você conhece a história de sua família, conte-a

Uma Igreja Nacional
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) abrange todo o território nacional. suas 351 paróquias constituídas em 18 Sínodos. Por motivos históricos sua presença e mais forte nos estados do sul. Mas sempre acompanhou as migrações de seus membros, por mais longe que fosse. Tem, hoje, 1.702 comunidades e 1.083 pontos de pregação, desde Rio Grande, no Rio Grande do Sul, até Boa Vista, em Roraima, o desde Recife, em Pernambuco, até Rio Branco, no Acre.
Nossa igreja é conhecida como fortemente marcada, no passado, por tradições alemãs. Mas abriga também, em comunidades próprias, luteranos de origem escandinava, estoniana, letã, húngara e japonesa, o mantém núcleos de trabalho missionário entre indígenas. Nos boletins informativos das comunidades nos avisos sobre falecimentos, a esmagadora maioria dos nomes são de origem teuta. Mas nos avisos sobre casamentos e batismos podem ser encontrados, em número crescente, sobretudo nas nomes como Pereira, Machado ou Silva. Há 35 anos, 80 % dos pastores eram alemães, enviados para cá pela Igreja Evangélica na Alemanha, hoje são apenas 25 pastores e 11 vindos de outros países. Em 1998 havia 568 pastores e 74 pastoras ativas; há 38 diaconisas, 91 obreiras diaconais, 16 obreiros diaconais; perfazendo um total de 131 obreiros/as catequistas e 145 obreiros/as diaconais e diaconisas. Pastores da nossa igreja trabalham, entrementes até no Chile, na Federação Luterana Mundial, com sede em Genebra (Suíça), na República Federal da Alemanha; na Venezuela. Na Escola Superior de Teologia, mantida por nossa igreja em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, estudam luteranos do Uruguai, do Chile, do Peru, da Bolívia, da Colômbia, dos Estados Unidos da América e da Republica Federal da Alemanha. Tudo isso indica que a Igreja Luterana do futuro será muito diferente da do passado.
O cristianismo evangélico, como é representado, hoje, por nossa igrejas cresceu e formou-se ao longo de uma caminhada de 174 anos. Sua infância coincide com a infância do Brasil-Império; está intimamente relacionada com a imigração. Já tinha havido uma pequena imigração de alemães e suíços a partir a partir de 1818. Mas somente a partir de 1824 veio um maior número de tais imigrantes, trazidos por autoridades brasileiras.

Motivos e Causas da Emigração.
A imigração está intimamente relacionada com a miséria a que estiveram submetidas vastas populações européias ao longo do século 19. Basta que lembremos alguns números que bem espelham o que foi a expulsão populacional ocorrida na Europa. De 1800 a 1845 saíram da Europa 1,5 milhões de pessoas. Já entre 1845 a 1875, serão 9,5 milhões de pessoas. A partir de 1880 essas cifras passam a ser de cerca de 800.000 pessoas ao ano, explodindo desde 1900, quando 1.400.000 deixarão anualmente o continente europeu. De 1871 a 1911 saíram da Europa 27,6 milhões de pessoas. O êxodo rural, a industrialização, reformas agrárias fracassadas, o crescimento desenfreado dos centros urbanos, o colapso da agricultura em conseqüência da importação de produtos produzidos a custos bem inferiores na Austrália, na Argentina e nos Estados Unidos da América do Norte - tudo isso leva o europeu a procurar fazer a vida em outros continentes. O sonho por um pedaço de terra nas Américas é a mola propulsora que leva milhões de pessoas à beira da miséria absoluta a migrar.
Assim, as feridas do corpo social, as crises na economia fazem com que o bóia-fria europeu, o operário, o pequeno agricultor e o servo da gleba que adquiriu liberdade migrem ao menor aceno. A Europa do século 19 expulsa seus filhos e filhas. Há situações em que algumas comunidades chegam inclusive a pagar a passagem de seus cidadãos mais pobres. Essa também foi uma das possibilidades de se resolver a questão social.

Por que aconteceu tudo isto?
Isto aconteceu por causa da assim chamada Revolução Industrial. O que foi isto? Como isto aconteceu?
A partir de 1492 com a invasão da América pelos espanhóis, portugueses, franceses, ingleses a Europa começou a juntar as riquezas roubadas da América às custas de 70 milhões de pessoas mortas de centenas de povos indígenas. A Europa começou a juntar riquezas pelo massacre dos povos indígenas e saque do ouro e prata da América, pela pirataria nos mares, pelo comércio internacional, e pelo comércio e exploração da mão de obra escrava. Com este dinheiro sujo se construíram as indústrias na Europa. A indústria vai precisar de mão de obra por isso na Inglaterra se fez o encercamento das terras expulsando milhares de pessoas do campo e em toda a Europa se liberta os servos da gleba dos feudos para liberar a mão de obra para a indústria. Com a invenção da máquina à vapor feita no fim do século anterior começa-se a dispensar a mão de obra e chegou o desemprego. Na Alemanha a lei que libertava os servos da gleba foi promulgada em 1821 e já em 1824 as pessoas começam a migrar para o Brasil.
Como as pessoas ficavam sabendo que poderiam imigrar para o Brasil?
O Império do Brasil precisava em primeiro lugar de soldados e junto com a política do branqueamento da raça se juntou a necessidade de mão de obra para as fazendas. O governo brasileiro enviou Jorge Antônio von Schäffer à Alemanha para conseguir as duas coisas soldados e colonos. Os soldados ele teve que disfarçar de colonos. A primeira leva de imigrantes que eram colonos que veio à São Leopoldo no domingo de 25 de julho de 1824 eram 39 pessoas: Miguel e Margarida Krämer (católicos); João Frederico e Anna Margarida Höpper e os filhos Anna Maria, Christóvão, João Ludovico (evangélicos); Paulo e Maria Teresa Hammel e os filhos Carlos e Antônio (católicos); João Henrique Otto e Catarina Pfingst e filhos Carolina, Dorothea, Frederico, Catarina, Maria (evangéliocs); João Christiano e Joana Margarida Rust e filhas Joana e Luiza (evangélicos); Henrique e Margarida Ana Timm e filhos João Henrique, Ana Catarina, Catarina Margarida, Jorge e Jacob (evangélicos); Augusto e Catarina Timm e filhos Christóvão e João (evangélcos); Gaspar Henrique Bentzen, cuja esposa morreu na viagem, e seu filho João Henrique e Frederico Gross, um parente (evangéliocs); João Henrique e Catarina Jaacks e o filho João Henrique (evangélicos).
No início só algumas regiões da Alemanha permitiram a emigração de sua população. Algumas regiões como Mecklenburg abriu as suas prisões e os obrigou a emigrar para o Brasil; Hamburg deixou emigrar os vagabundos e os desempregados e a partir de 1871 começaram a emigrar famílias proletárias. Nesta época na Europa as cidades incharam, por exemplo:
Ano 1800 1850 1890
População urbana
em % na Europa 10% 16,7% 29%
Aqui vemos que de 1800 a 1890 a população urbana triplicou, além dos acontecimentos políticos, as revoluções e guerras: a revolução de 1848, as guerras de 1864 a 66 e 1870 a 71 ajudaram na emigração. Esta última guerra entre Prússia e França é o sinal da primeira grande crise do sistema capitalista na Europa que se resolveu por meio de uma guerra. Esta guerra foi favorável para a Prússia (parte da futura Alemanha) que se beneficiou com o pagamento de reparação de guerra pela França e incentivou com isto a sua indústria que se tornou competitiva no mercado mundial. Em 1871 deu-se a unificação da Alemanha (formalizada por Bismarck), que era composta de vários pequenos estados, onde o maior era a Prússia. Antes a Alemanha não era uma unidade nacional. Havia reinados, principados, ducados, independentes entre si. O que identificava a todos era a língua.

A Colonização em Locais Estratégicos.
A Prússia (era um país que ajudou a compor a atual Alemanha) regulamenta a emigração em 1853 e por sua vez faz um decreto que freia a emigração em 1859. Em 1897, já pela Alemanha unificada, se faz uma lei que direciona a emigração para a América do Sul com o objetivo de uma política de anexação à Alemanha; nesta lei se fixava regiões prioritárias para a emigração que eram a Argentina, o Chile, o Paraguai e o Brasil.
Já estamos na Era dos Impérios que tinham a colonização como estratégia em diversas frentes, havia as:
Colônias Comerciais - na África e Ásia (com postos comerciais avançados).
Colônias Militares - na África e Ásia (que eram ocupações de territórios via força armada).
Colônias de Imigração - na América do Sul (com o objetivo de usar o povo nativo e imigrantes para o comércio, desafogar a convulsão social na Europa, criar zonas de influência comercial e cultural e integrar ao imperialismo europeu contra o imperialismo norte-americano).
Ideologicamente começa a surgir na Alemanha um movimento denominado de "Alldeutschtum", o pangermanismo. Este movimento quer juntar os alemães do mundo inteiro. Gente do mesmo sangue deve formar o mesmo povo. Idéias semelhantes vão ser desenvolvidas entre os eslavos, surgindo a “Panslavismo”. Neste movimento surge a idéia de que se deva manter alemães também aqueles que deixavam a Alemanha e migraram para outros países. Mantendo-se os alemães, podese preservá-los para o mercado alemão. Por quatro caminhos vai-se procurar manter os alemães em sua germanidade. Até aqui as comunidades haviam permanecido germânicas em virtude de seu isolamento. Agora, motivado pelo pangermanismo, o governo alemão, da Alemanha surgida em 1871, vai procurar mantê-los alemães.

O primeiro caminho usado para alcançar este objetivo é a Imprensa. Nas colônias surgiram pequenos jornais. A Alemanha vai mandar recursos para a manutenção desses jornais e vai enviar-lhes notícias da Alemanha. Pensa-se, inclusive, em colocar um cabo submarino a serviço dos jornais.

O segundo caminho para preservar os alemães em sua germanidade é a Escola. As escolas haviam surgido para manter as pessoas alfabetizadas e para que pudessem participar da vida da Igreja. Publica-se, agora, na Alemanha, cartilhas, contendo cenas da vida do Imperador alemão, lendas alemãs e descrições de paisagens alemãs... para crianças que vivem no mato brasileiro. O Reino alemão vai, inclusive, providenciar professores para as escolas comunitárias. Em muitas comunidades há ainda a lembrança da presença do “deutscher Lehrer”. O trabalho feito foi importante, mas esteve a serviço de uma ideologia.

O terceiro caminho usado para preservar as colônias no Brasil como alemãs é a Marinha alemã. Navios da Marinha vão fazer exercícios no Atlântico Sul. Tais navios aportam em portos brasileiros e vão visitar as colônias alemãs. Existem relatos que contam que a colônia parava quando vinham estas visitas. Crianças nas escolas eram premiadas pelos marinheiros. Um pastor de Santa Catarina descreveu a conseqüência de tais visitas, dizendo que em virtude delas “aumentava o amor dos alemães no Brasil pela pátria”. Pátria é aqui naturalmente a Alemanha. Temos aqui claramente a situação de marginalidade. Não integrados na sociedade brasileira, os descendentes de alemães vão olhar para o outro lado do oceano Atlântico, para a Alemanha.

O quarto caminho usado pelo pangermanismo é a Igreja. Na Alemanha, o pastor era funcionário público. A partir de 1864 começam a entrar nas comunidades evangélicas do Brasil uma série de pastores alemães, os quais têm a função de preservar as comunidades alemãs. A vinda desses pastores vai provocar uma série de conflitos nas comunidades. Até agora elas haviam escolhido seus próprios pastores, de seu meio, e agora eles vão ser considerados “pseudopastores”, falsos pastores.

Desde 1890, com a saída de Bismarck do governo, o governo alemão não encarou mais a emigração como problema interno mas como parte de sua política externa para poder influenciar o mercado internacional. Desde 1896 foi iniciado uma política sistemática de germanidade (Deutschtumspolitik) que direcionou a imigração para regiões de interesse do Estado alemão (significa de sua burguesia): apoio às escolas alemãs no exterior, à igreja evangélica no exterior, apoio às organizações na Alemanha que se dedicavam aos imigrantes. Esta política se direcionava especialmente aos imigrantes do sul do Brasil. Com a conservação da cultura alemã, de sua língua, música, canto e fé evangélica se queria manter o sentimento nacional nos imigrantes. Esta ligação com a pátria deveria garantir um constante intercâmbio comercial e tornar as regiões de colonização um bom mercado para produtos da indústria alemã.
Em 1896 o governo alemão enviou o senhor Kaerger para a Argentina para investigar em que direção deveria ser direcionada a imigração, para o Brasil ou para a Argentina. Ele enviou um documento para Berlim onde ele faz a sua argumentação à favor do sul do Brasil como receptor das levas de imigrantes e não da Argentina. Onde cita: “Tudo isto são contradições, que... bem podem favorecer ao esfacelamento do reino e que assim pode haver uma repartição das áreas do Brasil em benefício e para as diversas potências da Europa”.

Vamos ver agora os seus argumentos e as contradições que há no Brasil para favorecer os interesses alemães de anexação.
O clima e a paisagem do sul do Brasil - em contradição à pampa argentina - tem grande semelhança com o da Alemanha.
Existe ali uma numerosa população alemã, que, comparada à imigrantes de outras nacionalidades, é muito homogênea.
Deve-se considerar que os argentinos - mais que os brasileiros - farão muito maior oposição à uma tentativa de germanização e do controle político da Alemanha de uma parte de seu território.
No Brasil federativo o princípio “divide et impera!” - divide e governe! - será mais fácil de aplicar do que numa Argentina fortemente centralizada: “Enquanto que ali uma separação de um ou outro estado do reino todo ainda é possível e a oportunidade de se imiscuir na política de um destes estados, sendo que ali há uma forte população alemã, não é impossível, enquanto que uma degradação de uma Argentina é impensável após ter havido ali uma guerra civil e uma forte organização centralizada” Visto do ponto de vista geográfico a Argentina se centraliza ao redor da foz do Rio de la Plata, enquanto que os estados brasileiros tem seus próprios portos que lhe possibilitam uma saída independente para o estrangeiro. Além disso Kaerger é da opinião que a rivalidade entre os estados brasileiros os levará ao esfacelamento e assim poderiam ser divididos entres as potências européias.
Uma anexação de todo o Brasil pela Alemanha traria uma reação agressiva e rápida das outras potências européias e dos Estados Unidos ao contrário da anexação de uma parte do território brasileiro. “... nós provocaríamos com esta tentativa uma reação não apenas da União Norte-americana ...(,) mas também entraríamos em conflito com a Inglaterra e daí geraríamos uma espécie de chauvinismo anglo-saxão comum, que seria muito perigoso para os nossos intentos. Muito antes poderíamos ter a Inglaterra ao nosso lado, se nós estendermos a nossa mão ao Brasil e dividíssemos este desta forma entre nós e a França, mais ou menos fizéssemos a divisa no 11º grau e se deixássemos a Inglaterra com os estado do norte da América do Sul e anexassem uma parte da América Central e se nos entendêssemos com a Itália para a divisão dos estados do la Plata para ela”. O texto entre parênteses são a citação de seu relatório.
Por causa destes argumentos o senhor Kaerger não via possibilidade de direcionar a imigração alemã para a Argentina. Kaerger sabia que a anexação de estados não europeus não pertencia à política da Alemanha mas que isto poderia vir a ser uma possibilidade se houvesse mudanças na política econômica a nível mundial.
“Mas se estas mudanças econômicas mundiais entrarem em cena a brutal tendência de automanutenção dos países europeus os obrigará a criar mercados monopolizados para os seus produtos, e se não é possível conseguir de outra forma a será com a espada na mão, e eles não poderão procurar estas possibilidades senão na América do Sul e Central, em todo o norte do rio Orange, na África... e no Oriente. Destas regiões as da América são de longe as mais valiosas, pois elas tem a vantagem de possuir uma população com poder de consumo e elas tem junto com a África a vantagem em comum de possuir grandes extensões de terra que poderão ser ocupadas por imigrantes europeus”.
Mas esta posição do senhor Kaerger não era unânime entre os círculos colonizadores que preferiam fortalecer os sentimentos de germanidade e assim fortalecer nos outros países o consumo dos seus produtos pelos imigrantes e pelo resto da população.
Antes do relatório do senhor Kaerger, já em 1891 o cônsul geral, em Porto Alegre, senhor Koser havia sido incumbido de avaliar a colonização no sul do Brasil. Ele dizia que era pouco provável que a germanidade resistiria por muito tempo à influência da cultura e língua local. Pois os imigrantes teriam que aprender a língua para se proteger politicamente e por questões de relacionamentos com as pessoas. A germanidade apenas resistiria com boas escolas alemães, o que só ocorria em Porto Alegre e em alguns outros poucos lugares. Mas na medida que houver escolar estatais e se colonizar os alemães no meio dos brasileiros a germanidade desaparecerá em questão de pouco tempo.
Os investimentos alemães no Brasil eram considerados pequenos frente os investimentos ingleses, mas em relação ao comércio as coisas eram diferentes. Em 1913 o volume de exportações da Alemanha para o Brasil aumentou 70 vezes em comparação à 1843 enquanto que a Inglaterra aumentou as suas exportações para o Brasil em apenas 10 vezes. Na época a Alemanha fornecia apenas a décima parte que a Inglaterra para o Brasil. Em 1913 esta relação subiu para 3:4 (quase empatou) e nas últimas décadas antes da guerra a importação alemã do Brasil aumentou em 3 vezes enquanto que a importação inglesa aumentou apenas em 50%. Nos anos de 1874/75a Alemanha estava em quinto lugar entre os países que exportavam ao Brasil. 30 anos depois a Alemanha estava um pouco atrás da Inglaterra no que se refere às exportações para o Brasil (quer dizer em segundo lugar, quase empatando com a Inglaterra). Em 1874/75 o Brasil importava da Alemanha mercadorias no valor de 13 milhões de marcos de ouro (Goldmark), em 1904 já são 85 milhões, 1906 já são 100 milhões, em 1910 são 155 milhões e em 1913 são 235 milhões. Por sua vez a Alemanha importava do Brasil em 1874/75 mercadorias no valor de 25 milhões de marcos de ouro, em 1904 são 140 milhões, em 1909 são 205 milhões.
Especialistas achavam que a Alemanha deveria aumentar os seus investimentos e influências no Brasil para fazer frente à influência crescente dos Estados Unidos. E isto poderia ser feito via um incremento maior da imigração alemã para o Brasil.
Imigração para o Rio Grande do Sul, 1890 - 1914:
Época Poloneses Italianos Alemães
1890 - 1894 16.188 21.591 6.065
1895 - 1899 2.082 4.613 1.648
1900 - 1904 466 2.336 1.036
1905 - 1909 6.498 1.687 2.068
1910 - 1914 17.327 2.256 6.491
1890 - 1914 42.561 32.483 17.308
Com a expulsão dos trabalhadores da Europa o Brasil resolve seus problemas de falta de mão de obra nas fazendas de café e cana e os capitalistas da Europa resolvem a sua primeira crise do capitalismo. O governo brasileiro favoreceu a imigração porque o escravo custava muito caro. Antes de 1850 a metade das exportações brasileiras eram gastas com a importação de escravos. Assim a abolição foi a solução econômica para o problema dos altos custos da mão de obra, pois o trabalhador livre é mais barato; além disso isto estava sendo uma exigência do capitalismo inglês que estava lutando para acabar com o escravismo por razões econômicas e não humanitárias. Assim o imigrante vem substituir a mão de obra escrava. Em 1850 o governo brasileiro decreta a Lei de Terras que só permite o acesso à terra por meio da compra. Antes a terra era livre e a mão de obra escrava, agora a terra é escrava e a mão de obra livre. Assim garantem que os negros libertos em 1888 não poderão ter acesso à terra e continuem a trabalhar para os fazendeiros.

A imigração e a colonização visavam:
1. O branqueamento da raça - havia muitos negros no país. O censo de 1800 revela que havia no Brasil 1 milhão de indígenas não integrados, 845 mil brancos 1.987.000 negros e 628 mil mestiços (estes dois perfazem o total de 2.615.000), quer dizer que havia 3 vezes mais negros que brancos no país.
2. A colonização perto das cidades para a produção de alimentos para estas cidades.
3. A colonização de áreas de fronteira para garantir as fronteiras.
4. A colonização perto de áreas indígenas para tirar as terras dos índios.
5. A colonização ao longo de estradas para facilitar o transporte e o comércio.
6. A colonização perto de postos militares para garantir a estes o alimento.
7. A colonização perto de fazendas para valorizar as terras e fornecer mão de obra aos fazendeiros.
Esses objetivos enquadram-se no contexto maior da integração do Brasil na economia capitalista mundial.
Muitos imigrantes não estavam cônscios disso. Esperavam melhorar de vida e, conforme os contratos que costumavam assinar, tornar-se pequenos proprietários rurais. Sonhavam do Brasil como "um pais gigantesco em que batatas são do tamanho de uma cabeça e que lhes parecia "um pedaço do paraíso que Deus deixou para os pobres" e onde "o café cresce em todas as árvores e seu consumo é livre para todos", como diziam canções populares alemãs da época. Entre o povo do Hunsrück, a emigração da Alemanha foi comparada com a saída de Abraão de sua terra natal, e o Brasil com a terra prometida a ele por Deus mesmo.
Os imigrantes vieram de todas as regiões da Europa Central em que se falava o alemão. No início eram, em sua grande maioria, pessoas que pertenciam a camadas inferiores da população, viviam em situação difícil e não enxergavam perspectivas de um futuro melhor em sua velha pátria. Após a derrota das revoluções européias liberais na metade do século 19, vieram também, em número mais expressivo intelectuais e profissionais liberais, representantes do liberalismo burguês.
No Brasil, parte dos imigrantes achava que seus sonhos estavam se tornando realidade. Em 1826, Johann Peter Paul Müller escreveu de São Leopoldo aos seus parentes, com todo o entusiasmo de seus 20 anos:
"Agradecemos a Deus por termos empreendido esta viagem. (...) vivemos aqui como os príncipes e condes na Alemanha, pois aqui vivemos num pais que é o paraíso. Não se pode imaginar região melhor que esta para sempre sermos livres."
Em 1858 para o médico e viajante alemão Robert Avé-Lallemant, muitas casas da rua principal de São Leopoldo tinham “aparência de lugar abastado ou mesmo rico”. Outros não chegavam a ser ricos, mas pelo menos podiam dizer, como a viúva imigrada em 1879 com seus filhos: "Tenho tudo o que preciso. No Brasil tivemos mais bens terrestres do que na Alemanha."
No entanto, houve também os que não estavam em condições de enfrentarem com êxito o novo ambiente. Eram pessoas que, na opinião de Avé-Lallemant, “Jamais deveriam ter emigrado para uma colônia em formação”. Permaneceram pobres e marginalizados, com seus sonhos frustrados.
Não por último devemos lembrar-nos de que os imigrantes freqüentemente receberam terras que já tinham donos, os indígenas. O resultado do choque entre ambos era previsível. Os povos indígenas foram expulsos e, assim, progressivamente exterminados pois, no mundo do indígena "negar a terra é negar a própria vida".
Assim os nossos antepassados foram usados pela política oficial em sua busca pela terra e ao mesmo tempo se impediu a reforma agrária. Como podemos parar esse processo que iniciou na Europa e continuou o mesmo no Brasil: em que os trabalhadores são usados segundo os interesses dos capitalistas? Pois, com a colonização promovida pelo governo dos capitalistas no Brasil se esvaziou os focos de tensão social e não se fez reforma agrária. A cada geração há uma migração e não se resolve o problema do acesso à terra no Brasil.
Alemães, suíços, holandeses, dinamarqueses, noruegueses, suecos, austríacos, italianos, poloneses, russos, espanhóis, portugueses e muitos outros mais migram para o Brasil. Entre eles encontramos muitos protestantes: luteranos, unidos, reformados, valdenses, anabatistas. Muitos deles viriam a formar mais tarde a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Temos aqui, pois, dada uma das primeiras características desta igreja: uma pluralidade de formas de expressão da piedade. Seu luteranismo é conseqüência de concessões e de discussões, mas também da convivência e do crescimento de suas bases: as comunidades.

Como os Emigrantes foram sendo Colocados.
O ingresso dos diversos grupos, que viriam a formar a IECLB e outras denominações do protestantismo histórico brasileiro, só foi possível graças a acontecimentos a nível mundial, que levaram a adaptações na ex-colônia portuguesa.
Quando da independência do Brasil (1822), foi mantido o antigo padroado português, mas um acordo celebrado no início do século entre a coroa portuguesa e a coroa inglesa permitia o ingresso de pessoas de outros credos, desde que se reunissem em casas sem forma exterior de templo e respeitassem a religião oficial. Mesmo assim, faltava legislação específica no tocante a matrimônios protestantes, a cemitérios para protestantes e, principalmente, era impossível que nos casos de matrimônios mistos os filhos viessem a ser educados na fé luterana. Essas inclarezas levariam a dificuldades no futuro. Os motivos econômicos e políticos, no entanto, falavam mais alto que os de ordem religiosa. O Brasil independente necessitava de um exército. Havia, pois, a necessidade de soldados; por isso na primeira leva de imigrantes havia 8 mil mercenários que para saírem de seus países se inscreveram como colonos, pois havia uma lei na Europa que impedia a saída de mercenários para outros países. Colonos vieram apenas 1.500 famílias na primeira leva. Usou-se o truque da colonização para garantir a formação de um exército com treinamento e prática no Brasil. A segurança punha como imperativo o povoamento de regiões inabitadas, principalmente no sul do Brasil, onde havia o perigo de incursões da região do Prata. Precisava-se de muita gente.
Estradas tinham que ser construídas. As colônias militares que guarneciam estradas precisavam de alimentos. Precisava-se de colonos. Finalmente, preponderavam ainda dois outros fatores, não tão explícitos, mas evidentes. Um era racista, outro econômico. Desde o levante do Haiti, em 1804, com eliminação da minoria branca, as oligarquias escravocratas brasileiras estavam inquietas. A pirâmide populacional brasileira estava a indicar uma impressionante supremacia dos escravos negros e de seus descendentes ou libertos.
Insurreições escravas, em 1808, na Bahia e a transferência da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, com a constatação de que o Brasil realmente era uma nação negra, levaram à conclusão da necessidade premente do branqueamento da raça. Este branqueamento só poderia ocorrer, caso se permitisse o ingresso de populações européias, inclusive protestantes, e se, ao mesmo tempo, se fosse substituindo a mão de obra escrava por mão de obra branca, livre. Estabeleceu-se, assim, o regime da pequena propriedade, onde o agricultor branco trabalhava a terra com sua família, e, nas fazendas, estabeleceu-se o sistema de parceria, nas quais o imigrante branco substituía a mão de obra escrava.
Finalmente, ao abolir a escravidão, em 1888, o negro que até então produzira as riquezas do país foi posto à margem do sistema produtivo brasileiro, formando os grandes contingentes de miseráveis dos centros urbanos. A nível de economia internacional, a transferência de populações brancas e a instalação da pequena propriedade agrícola facilitaram a adaptação da economia brasileira ao mercado internacional. Criou-se uma classe intermediária entre senhores e escravos, uma classe média brasileira, capaz de comprar os produtos do mercado internacional.

Os Conflitos e Condições que os Imigrantes enfrentaram.
Como sempre acontece em quase todos os processos econômicos as injustiças se multiplicam. Em 1902 já havia uma especulação com as terras nas colonizações mais antigas, como Santa Cruz e São Leopoldo, cujos preço subiam vertiginosamente. Pior, ainda houve casos em que os imigrantes tiveram que pagar duas vezes pela terra, pois a haviam comprado de pessoas privadas, que as haviam adquirido de forma irregular; isto hoje se denominaria grilagem de terra. Vinha aí o Estado dizendo que as terras eram dele e exigia um novo pagamento, como noticia o Jornal Deutsches Volksblatt do dia 11 de abril de 1902. Também os jornais alemães noticiam estes escândalos, como o Jornal: Rheinisch-Westphälische Zeitung no ano de 1902, cuja manchete diz: “Colonos alemães no Brasil são atormentados”. Diz o artigo: “Contra os alemães se abriu uma espécie de movimento de roubos já há dois anos, o que não se pode ter como possível em Estados sub-civilizados! Se trata de um roubo de terra em grande estilo. A sua ação está envolta numa certa manta de justiça. Foram organizadas comissões de regulamentação das terras (Landbereinigungskommissionen), as quais deverão inspecionar a validade das escrituras das terras nas quais os colonos moram ou se dizem donas. Mas como estas comissões agem de acordo com as intenções não reveladas de seu governo, podemos ter como base em uma entre cem ações das mesmas comissões”.
Somente o decreto nº 576 de 10 de fevereiro de 1903 concedeu aos colonos novas escrituras sem que necessitassem pagar novamente pelas terras.
As Comissões que deveriam regulamentar os títulos de terras se baseavam no decreto nº 247 e na lei nº 28 de 5 de outubro que foram promulgadas em 1989. No Rio Grande do Sul esta lei foi promulgada em 1900 com o nome de “Terras públicas, colonização e florestas do Estado”. Baseado nestas leis o governo do Rio Grande do Sul queria regularizar as colonizações feitas pelo estado. Conforme esta lei os lotes de terras estatais não poderiam ser maiores que 25 hectares e em cada colonização deveria ter 300 hectares de terra para a vila (arraial) e lotes para a construção de escolas e outras construções públicas. Os incentivos fiscais para os imigrantes eram os seguintes para os colonos que viessem para o Rio Grande do Sul: transporte gratuito do porto de Rio Grande até a colonização, acomodações e alimentação em Porto Alegre para o máximo de 10 dias e o mesmo acontecendo quando chegassem à colonização e em caso de doença ou força maior estes prazos eram aumentados, livre escolha dos lotes de terra, instrumentos de trabalho no valor de até 30$000 Réis, a certeza de nos primeiros seis meses após a chegada no lote teriam trabalho na construção de estradas até o valor de 125$000 Réis por família, em casos de necessidade teriam mantimentos e remédios gratuitos, conforme o caso. O preço mínimo da terra não poderia estar abaixo de 1 Real por metro quadrado. Famílias com mais de 10 pessoas poderiam conseguir dois lotes de terra. As terras deveriam ser pagas dentro de cinco anos a partir da data da concessão. Quem não pagava perdia a terra para o estado, que a punha em leilão. Era obrigação dos colonos morar no lote dentro de 90 dias após a compra, isto para impedir a especulação com as terras.
Como as promessas dos agentes de propaganda na Alemanha não eram cumpridas quando os colonos chegavam ao Brasil o governo alemão criou um Departamento de Assentamento e Colonização. Em 1908 houve um convênio entre o governo do Estado do Rio Grande do Sul com o governo alemão para a importação de novos imigrantes. O governo alemão fazia a propaganda e a seleção das famílias e pagava o transporte até o porto de Rio Grande. O governo estadual recebia um subsídio da Alemanha de 400$000 Réis por família para o abrigo, transporte, instrumentos de trabalho e sementes que deveriam ser pagos ao governo estadual depois pelos colonos. O governo do estado pagaria depois de volta à Alemanha o valor de 150$000 Réis por família.
Em 1914 o governador Borges de Medeiros sugere seja feito desde então em diante uma colonização espontânea (privada) e não direcionada pelo Estado, pois a maioria dos imigrantes não tinham aptidão para a agricultura e não se adaptavam às novas condições. Além do mais a população da época na agricultura poderia sozinho dar conta do recado. Com o decreto nº 2098 de 13 de junho de 1914 o governo estadual encerrou todo e qualquer subsídio para os imigrantes.
Os primeiros grupos de imigrantes que colonizaram o planalto riograndense eram compostos quase meio a meio de alemães vindos do Volga, que haviam vindos de Schwaben, e poloneses da Galícia. Além destes ainda havia italianos, que haviam sobrado da grande corrente migratória para o Rio Grande dos anos 80 do século 19, e alguns suecos - principalmente mineiros -, batistas da Letônia, alemães e austríacos das regiões dos Alpes, especialmente trabalhadores da fábrica de armas Steyer.

O próprio Meyer escreve na Koloniale Zeitschrift de Berlim em 21 de novembro de 1901: “Quando eu visitei, no ano de 1896, pela primeira vez o Rio Grande eu tive uma ótima impressão do desenvolvimento desta terra e numa curta permanência numa região colonial eu fui me convencendo de que aqui e em nenhum outro lugar no mundo os nossos alemães encontrariam a felicidade.(...) então amadureceu em mim a decisão de me envolver de forma prática, fundando colônias nas quais o princípio primeiro da germanidade se manteria através de boas escolas e cura d’alma estariam ao lado da conquista material, com a exclusão de nacionalidades estranhas”.
Em 1902 o Dr. Herrmann Meyer encaminhou ao Kolonizations-Unternehmen um pedido de concessão para o envio de imigrantes alemãs para as Colônias de Neu-Würtenberg e Xingu. O representante diplomático no Brasil no Rio de Janeiro Rittmeister Carl Georg von Treutler ficou encarregado de analisar este pedido e verificar as condições das colônias acima mencionadas. Treutler delegou este serviço ao cônsul em Joinville senhor Schmith; este recomendou, após ter visitado as colônias, que o estado alemão concedesse o pedido ao Dr. Meyer, pois as colônias seriam de uma grande necessidade para o Império Alemão. Treutler cita em seu relatório que estas colônias seriam estratégicas para a construção e manutenção da posição alemã no sul do Brasil e podem ser um caminho para a abertura de outras colonizações nesta região fértil do Rio Grande do Sul. Estas colonizações do Meyer são um ponto de apoio de grande significação para avançar na formação de postos avançados para a penetração nesta região.
Também o cônsul em Porto Alegre, senhor Feindel se pronunciou favorável ao pedido do Dr. Meyer, pois as condições de posse seriam as mais garantidas e seguras no estado. Além do mais a direção das colônias seriam totalmente independentes das influências do governo do estado; podendo-se assim manter o princípio de assentar somente imigrantes alemães ou de descendência alemã. Assim a colonização do Dr. Meyer recebeu no dia 28 de abril de 1906 a permissão do governo alemão de transportar os imigrantes com o Norddeutschen Lloyd ou com a companhia Hamburg-Amerika-Linie para as suas colônias no estado do Rio Grande do Sul; tudo dentro da lei de imigração aprovada em 1897 pelo governo alemão. Toda e qualquer colonização a ser feita no Brasil necessitava de uma concessão do governo alemão, como também as companhias marítimas que iriam transportar os imigrantes. Estas companhias protestaram contra esta lei pois ela desviava o transporte de imigrantes dos Estados Unidos para a América do Sul, isto lhes dava prejuízos por ser mais perto e subordinava tudo isto ao chanceler do Império. Isto limitava a livre iniciativa.
Apesar do esforço e excelente administração as colônias de Neu-Würtenberg e Xingu não se desenvolveram como Meyer o havia esperado. Os colonos tiveram grandes dificuldades em tornar arável a densa mata subtropical do planalto riograndense. Além do mais Meyer teve dificuldades em convencer o governo alemão da seriedade de sue projeto. Por isso teve que abandonar a idéia inicial de conceder os lotes apenas para imigrantes alemães. Somente depois que os lotes também foram sendo concedidos à colonos de antigas colonizações de outras regiões do Rio Grande as colônias progrediram.

A colônia Xingu ficava a seis horas, de carroça puxados a bois, de Palmeira e originalmente a Colônia era de apenas 22 colônias com 1.818 há de terra. O representante de Meyer em Porto Alegre foi até o fim de 1903 o senhor Hoffmann, que havia sido até fim de agosto de 1902 vice-consul alemão em Porto Alegre. O sucessor deste foi Bornmüller que trouxe o seu escritório para a vila da Colônia e Rudolf Schart, um bom conhecedor do sul do Brasil, foi o representante de Meyer em Cruz Alta. Além disto Meyer teve como representantes em Santa Maria o farmacêutico Fischer e no porto de Rio Grande o Pastor Stysinski.
Para a celebração dos cultos e o ensino escolar Meyer escolheu o Pastor Faulhaber que até este momento era secretário do Evangelischen Hauptvereins für deutsche Ansiedler und Auswanderer em Witzhausen na Alemanha; este assumiu o seu cargo no dia 16 de setembro de 1902 em Neu-Würtenberg. As colônias eram de 25 ha e conforme a localização e qualidade do solo custavam entre 1.000$000 e 1.200$000 Réis. Os compradores tiveram que dar uma entrada de 10% no ato da assinatura do contrato e tiveram um prazo de 6 anos para pagar com um juro de 6%.
Desde o início os colonos se dedicaram ao plantio do milho, feijão e mandioca, mais tarde foi introduzido a cana de açúcar, batatinha e verduras. O fumo teve grande importância na economia a partir de 1905. Tentaram também produzir trigo, centeio e cevada mas tiveram más colheitas. Desde o início havia a criação de porcos nas colônias do Meyer, que logo ficou em primeiro lugar na economia nas colônias riograndenses.
Para melhorar a produção deveria ter em cada colonização um instituto de pesquisa agrária. Para a Colônia de Neu-Würtenberg e Xingu foi instalado em Panambi uma estação experimental para agropecuária em 1094. Para este projeto o Comitê de Pesquisa Colonial de Berlim participou com 30.000 marcos para financiar esta estação experimental numa área de 100 ha que o Meyer pôs à disposição. Este projeto deveria fornecer a preço de custo sementes e gado de raça. Com exceção do fumo, em 1909, a maior parte da produção agrícola de Neu-Würtenberg e Xingu era consumido dentro destas colônias. Por causa dos bons preços os produtos excedentes eram vendidos para Cruz Alta e depois que a estrada foi melhorada começou-se a partir de 1910 a vender também para São Borja, Itaqui e Uruguaiana onde os preços eram ainda melhores. Vendia-se batatinha, farinha de mandioca, centeio, banha de porco, carne defumada de porco e ovos, produtos que não se encontravam nestas regiões de pecuária.
No final do ano de 1903 o senhor Waldow von Wahl instalou em Neu-Würtenberg uma estação de criação de porcos da Alemanha que tinham melhor produtividade que as raças locais. Esta estação de criação fornecia porcas e cachaços para que os colonos pudessem iniciar a sua criação.
Diferentemente da colonização de Não Me Toque feita por Schmitt, que não se importou com a questão cultural, escolar e religiosa e o estado teve que se interessar por isto, a colonização de Meyer foi diferente neste sentido. Na verdade inicialmente as colonizações alemães estavam isoladas e não tinham contato comercial entre si.

Como a História formou a nossa Igreja.
Tais fatores de ordem populacional, econômica e histórica não deixaram de ter conseqüências para a compreensão da história da IECLB: os antepassados dos luteranos brasileiros foram trazidos ao país contra o elemento negro, substituindo mão de obra escrava, mas não souberam mostrar a necessária solidariedade com o negro. Depois, a membrezia da IECLB teria por muito tempo características de classe média, se bem que hoje seja classe média em extinção. Em terceiro lugar, sua membrezia é, por razões históricas, até o presente mais recente, rural e camponesa.
Minoritários foram os luteranos nos grandes centros urbanos. Aqui as características das congregações também seriam distintas. Temos basicamente comerciantes e representantes de firmas européias que só permanecem no país por tempo limitado. Daí também que a inserção ao meio brasileiro será mais fácil para as congregações rurais do que para as congregações urbanas, que só mais recentemente, em conseqüência do êxodo rural, passaram a se abrir para o problema do país.
Em sua maioria, os luteranos brasileiros descendentes de imigrantes, eram principalmente alemães, dos quais cerca de 370.000 ingressaram no país. Sabe-se que 60% destes alemães eram protestantes.

Os Primórdios da Vida Luterana.
Os anos de 1824 a 1864 e a marginalidade
O ano de 1824 é o ano em que vão ingressar no Brasil os primeiros imigrantes alemães protestantes. O ano de 1864 representa um primeiro corte, como haveremos de verificar.
Nossas comunidades evangélico-luteranas, em geral, estão fora da política. Por que nosso povo está tão fora da política; por que não se envolve; por que os que são eleitos não aparecem? As causas estão ligadas ao início da imigração. Na época de imigração (1824), o parágrafo quinto da Constituição do Império dizia: "A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do Estado. Todas as demais religiões serão toleradas, em casas para tanto destinadas, sem qualquer forma exterior de templo." Religião é somente o grupo cristão. As religiões indígenas e africanas não são toleradas. Os cultos africanos são considerados caso de polícia, pois perturbam "a boa ordem". Tolerados eram os não-católicos, mas seus locais de reunião não podiam ter forma de Igreja. Não eram permitidos torre, cruz, sino, as janelas não podiam ter forma que lembrasse igreja. Por causa dessas proibições, nossas comunidades consideram de grande importância, até hoje, colocar torre, sino, cruz, em seus templos.
Os evangélicos eram, pois, no máximo, gente tolerada. Seus matrimônios não eram válidos. O Brasil não tinha registro civil. Só era válido o casamento contraído na presença do padre. Protestante vivia em concubinato. Os filhos eram considerados filhos naturais, o que acarretava problemas na herança. Houve, por exemplo, casos em que padres declararam o casamento de protestantes como não válido e casaram novamente uma das partes com outra. Houve muitas dificuldades, muito sofrimento. Muitas vezes, nem os batismos eram reconhecidos. Aconteceram muitos casos de rebatismos por parte da igreja católica. As pessoas que não tinham sua fé reconhecida eram consideradas cidadãos de segunda categoria.
Outro problema que os evangélicos enfrentavam era relacionado aos sepultamentos. Os evangélicos não podiam ser sepultados nos cemitérios públicos, pois eram protestantes. Quando chegaram os primeiros navios com imigrantes, alguns morreram no Rio de Janeiro. A prefeitura mandou, então, um ofício ao bispo do Rio, perguntando se seria possível desbenzer parte do cemitério para que nele fossem sepultados protestantes e judeus. Houve cemitérios com sepulturas protestantes do lado de fora do muro. Ficavam pelo menos perto do cemitério, mas do lado de fora. Por isso temos cemitérios separados. Por vezes, o marido está em um cemitério, a esposa em outro. Também nesse aspecto os evangélicos eram cidadãos de segunda categoria. Em alguns lugares, a situação chegou ao extremo de não ser permitido que os cemitérios protestantes ficassem ao lado do católico, mas deveriam ficar nos fundos do cemitério católico.
Estas são algumas das dificuldades de minorias. Por serem protestantes, estavam fora da política. Só podia ser eleito quem pertencia à religião do Estado. Também só podia votar quem pertencesse à religião do Estado. Essa foi a situação até 1889. Foram 70 anos de marginalidade política. São duas gerações. Isso significa para a cabeça do evangélico: quem faz a política são os outros, nós não! "Política é coisa suja!" Alguns poucos evangélicos furaram o esquema e foram eleitos. No máximo, porém, vereadores. Isso explica por que, no máximo, evangélicos vem a ser vereadores. Apenas em 1946 é que vamos ter os primeiros deputados estaduais evangélicos (120 anos após o início da imigração). Neste ano é eleito também o primeiro deputado federal evangélico. A eleição de sete deputados estaduais evangélicos em 1946 é significativa. É sinal de organização. (Lembrou-se que mesmo hoje, quando não existe religião oficial no Brasil, a catedral de Brasília foi construía e, mais recentemente reformada, com dinheiro público, enquanto que o templo da IECLB em Brasília teve que ser construído com dinheiro próprio).
Assim, percebe-se que os evangélico-luteranos são um grupo minoritário dentro da sociedade brasileira. É importante também avaliar qual foi a situação dos evangélicos nos primórdios da imigração. Por ocasião de um sepultamento, em 1864, o pastor de São Leopoldo recebeu voz de prisão do delegado de polícia, pois caminhou à frente do caixão até o cemitério, vestindo seu talar. O delegado considerou que o pastor estava r do culto público, fora da “casa para tanto destinada” (§ 5 da constituição).
Conclusão: os protestantes foram considerados cidadãos de segunda categoria. Na sociologia usa-se para as pessoas de segunda categoria a designação "marginal". São pessoas colocadas à margem da sociedade. Nossos antepassados foram considerados marginais por serem protestantes, por serem estrangeiros. Isso levou a que por muito tempo o evangélico também fosse considerado alemão. Em algumas localidades do Rio Grande do Sul a IECLB ainda é considerada Igreja dos alemães. Outro motivo que leva o evangélico a ser considerado cidadão marginal é o fato de trabalhar a terra com as próprias mãos. Até 1824 quem trabalha a terra com as próprias mãos é o índio e o escravo negro. Segundo a tradição de Portugal, quem trabalhava a terra era pessoa não livre, escrava. Trabalhando a terra, o colono imigrante era considerado ser de segunda categoria. A situação da mulher imigrante era, por isso, considerada duplamente marginal: trabalhava a terra com o marido, fora da casa; ela era o contrário da mulher portuguesa (a mulher rendeira), que ficava confinada às quatro paredes da casa. Trabalhando fora de casa, a mulher imigrante vai ser considerada “mulher de vida fácil”.

As primeiras comunidades
A primeira comunidade evangélica no Brasil surgiu a 3 de maio de 1824, em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. Interessante nesta primeira comunidade é que metade da aldeia de Becherbach, perto de Kirn, na Alemanha, migrou para o Brasil, trazendo consigo o seu pastor, o rev. Sauerbronn. Desta comunidade nos vem o primeiro e mais antigo documento de nossa história. O pastor Sauerbronn fez o seguinte registro no livro de falecimentos da comunidade: “Hoje, eu, o Pastor Frederico Sauerbronn, sepultei meu filho Carlos Leopoldo no recém erigido cemitério de Nova Friburgo. Sua mãe faleceu junto às ilhas do Cabo Verde, sendo sepultada em alto-mar”. Aqui começa a nossa história. Registros semelhantes se encontram em todas as comunidades. Olhando os livros de registro de óbito, se ficará sabendo que ocorreu urna epidemia de tifo na comunidade. Ou então, em conseqüência de desespero, seguidas vezes pessoas vão pôr fim a sua vida. Também se encontrarão noticias de mortalidade infantil, em conseqüência do crupe.
Com o segundo grupo de imigrantes que veio para São Leopoldo, viria um pastor contratado pelo governo brasileiro. Trata-se do pastor João Jorge Ehlers. O primeiro grupo de imigrantes chegou a São Leopoldo a 25 de julho de 1824. Depois de haver contratado os primeiros pastores, o governo brasileiro não se preocupou mais com a religião dos imigrantes. O próprio pastor Ehlers terminou seus dias, passando para a igreja católica. Por falta de pastores, as comunidades viram-se obrigadas a escolher os pastores de seu próprio meio. As pessoas com maior formação passaram a ser professores e pastores das comunidades. Para agir dessa maneira, os imigrantes tinham uma fundamentação a partir de Lutero. Lutero afirmara que a partir do seu batismo cada cristão é uma pastora ou um pastor. Tais pastores desempenhavam realmente a função de pastores. Mais tarde, quando a partir de 1864 vão chegar pastores da Alemanha, tais pastores vão ser chamados de pseudopastores, falsos pastores, por não terem uma formação em uma Faculdade de Teologia. Até hoje existe na região de São Lourenço do Sul o costume de comunidades escolherem seus pastores de seu próprio meio. Este costume data dos primórdios da colonização e da imigração.
Os primórdios não foram fáceis.Os imigrantes foram assentados principalmente nas três províncias do sul do Brasil: Rio Grande, Santa Catarina e Paraná. Mas houve também grupos menores que foram estabelecidos em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e no Espírito Santo. Como os primeiros imigrantes do Rio de Janeiro e de São Paulo houvessem trazido pastores consigo, foi com seu auxílio que foram criadas as primeiras comunidades: Nova Friburgo (1824), São Leopoldo (1824), Três Forquilhas (1826). No Rio de Janeiro, a capital do império, a comunidade evangélica só seria fundada em 1827. Em Santa Catarina, as primeiras comunidades seriam fundadas mais tarde, pois posterior foi o ingresso de imigrantes: Blumenau (1850), Dona Francisca (Joinville) (1851). No todo, porém, vale para os primeiros quarenta anos da história das comunidades evangélicas, que mais tarde viriam a formar a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, que estavam entregues a si mesmas, ou melhor, à graça de Deus. Como já vimos, a constituição do Império do Brasil concedia aos imigrantes protestantes liberdade religiosa com certas ressalvas. Entre essas ressalvas havia algumas que proporcionavam enormes dificuldades para os evangélicos. Basta que se pense na questão do reconhecimento e da validade de matrimônios protestantes. As questões concernentes aos matrimônios de evangélicos só viriam a ser esclarecidas em 1861/63. Os matrimônios mistos só podiam ser celebrados pela Igreja Católica Romana, havendo a obrigatoriedade de os filhos destes matrimônios serem educados segundo a fé católico romana. Aqui só viria a haver uma alteração com a chegada da República (1889).

O povo reunido em comunidades: raízes da igreja evangélica.
Em meio a essa realidade com seus conflitos o suas chances, surgiram as primeiras comunidades evangélicas. Uma parte considerável dos imigrantes de fala alemã eram evangélicos. A Constituição do Império do Brasil garantiu-lhes liberdade de religião com certas restrições. Outras questões importantes dos não católicos foram regulamentadas posteriormente pela legislação, como, p. ex., os casamentos (l861/1863).
Os evangélicos trouxeram consigo suas tradições de fé e seus costumes comunitários. Também no Brasil queriam batizar seus filhos, casar perante o pastor e enterrar seus mortos com o consolo da palavra de Deus. Não era mero tradicionalismo cristão. Sentiam-se realmente fortalecidos pela fé para enfrentarem as dificuldades de seu dia-a-dia. O Pastor Dr. Hermann Borchard, pároco de São Leopoldo, viu entre eles “um campo de trabalho muito fértil e promissor” para a igreja evangélica, como escreveu em 18641.
Na Alemanha, as igrejas foram administradas, naquele tempo, pelas autoridades estatais. No Brasil, porém, os próprios cristãos tinham que organizar suas comunidades. Faziam-no, inicialmente, sem muitas formalidades, as vezes em forma de cultos domésticos, depois construindo suas igrejas e capelas, elaborando seus estatutos, elegendo as diretorias, etc. Segundo a compreensão luterana, as comunidades locais são a base, os “membros componentes” da igreja.
As comunidades abrigavam inicialmente, luteranos e calvinistas. Somente no final do século 19 e inicio do século 20 começaram a adotar expressamente a posição luterana, devido à necessidade de definição doutrinária e atuação de pastores e teólogos que eram luteranos convictos. Consequentemente, a igreja que resultou disso é, hoje, "de confissão luterana.
Até meados do nosso século, mais de 80% dos membros da nossa igreja pertenciam a comunidades rurais. Nossa igreja, pois, estava muito ligada à vida dos pequenos agricultores. Por isso o luteranismo brasileiro está sendo caracterizado como “protestantismo de colônia”, embora tenha marcado presença também nas capitais das províncias do sul, desde a fundação da comunidade de Porto Alegre, em 1856. Entrementes, o êxodo rural e a rápida industrialização e urbanização mudaram a situação profundamente. Nossa igreja é, hoje, 50 % urbana. A missão suburbana entre o povo marginalizado das periferias das cidades constitui um dos grande, desafios dos dias atuais.
Os primeiros pastores vieram por iniciativa própria. Alguns foram contratados e pagos por autoridades brasileiras. No entanto, frente as múltiplas necessidades do povo evangélico o numero de pastores era insuficiente. Os primeiros decênios na vida das nossas comunidades eram uma espécie de "estiagem espiritual, o que facilitou a penetração e divulgação de filosofias hostis à religião. Na falta de pastores formados, as Comunidades muitas vezes elegeram pastores sem formação teológica. Muitos destes pastores livres ou pastores-colonos exerceram seu ministério com zelo e fidelidade. O Pastor Dr. Wilhelm Rotermund, pároco de São Leopoldo, escreveu sobre eles em 1876:
“A esses homens as primeiras comunidades evangélicas do país devem sua fundação e continuidade. Nos lugares em que nós hoje [1876] trabalhamos, quase sempre eles prepararam o campo. Esse mérito eles têm; ninguém deve tirá-lo deles”.
Pouco a pouco os pastores-colonos desapareceram, quando entidades eclesiásticas da Europa enviarem um maior número de pastores formados para o Brasil. Destacaram-se a Igreja Evangélica da Prússia , a Sociedade Missionária de Basiléia (Suíça), a Sociedade Evangélica para os Alemães Protestantes na América, de Barmen (Alemanha) e uma organização conhecida hoje como Federação Martin Luther, também da Alemanha e acentuadamente. A ajuda era indispensável no início, mas, ao ser mantida por muito tempo, retardou a formação de pastores no país
De acordo com a tradição luterana as comunidades evangélicas no Brasil deram uma contribuição muito importante para a história da educação. Na falta de escolas públicas criaram toda uma rede de escolas comunitárias. No Rio Grande do Sul, p. ex., eram 513, com cerca. de 17.000 alunos, em 1934.

A revolta Mucker
Observa-se, de um modo geral, que a questão Mucker é abafada e que se tem dificuldade de falar sobre o caso. Mesmo as pessoas de hoje, que, de alguma maneira estiveram envolvidas no caso, seja por serem descendentes, ou vizinhos, ou mesmo pelo simples fato de terem ouvido falar do assunto, não sabem explicar bem o que houve. Fala-se em 'lendas'. Entre as lendas sobre o grupo Mucker, conta-se que eles sacrificavam animais, que desmontavam carroças durante a noite e as montavam novamente sobre o telhado da casa do proprietário. Nada disso tem fundamento histórico.
No atual município de Sapiranga existe o morro Ferrabraz. Junto a este morro moravam famílias descendentes dos primeiros imigrantes. Faziam parte do grupo mais sofrido, pois haviam sido das famílias que haviam dominado a mata e iniciado com a cultura. Entre os colonos ali residentes vivia João Jorge Maurer, casado com Jakobina Mentz Maurer. João Jorge conhecia ervas medicinais, sendo conhecido como “Wunderdoktor”, ou seja, "milagreiro". A situação privilegiada do morro Ferrabraz, seu clima favorável, auxiliava nessas curas. Jakobina reunia os pacientes de seu marido e realizava meditações com eles, lendo trechos da Bíblia e cantando hinos. Essa prática é conhecida, ainda hoje nas famílias, é a “Hausandacht”, a meditação doméstica. Foi em meio a essa situação, em si nada anormal, que se intromete a política. Certo primo de Jakobina, Lúcio Schreiner, pretendia eleger-se delegado de polícia de São Leopoldo. Para tanto buscou apoio político junto a João Jorge. Para esse, no entanto, a política era algo estranho. Basta que lembremos o que foi dito a respeito da participação política dos evangélicos. A partir daí começam a vir palavras de desprezo em relação ao grupo dos Maurer. São santarrões que não se metem em política. Devem ser lelé-da-cuca. Quem é adoidado, desse se diz em alemão “der hat eine Mucke”, ele é um Mucker. A palavra é pejorativa, é gozação. Mucken é também a expressão usada para o enxame de abelha, quando sai em vôo. O mesmo barulho feito pelas abelhas é audível quando a comunidade ora coletivamente, em voz baixa. Basta comparar. A essa situação alia-se outro fato. Um bêbado aparece morto, talvez por ter caído do cavalo. Imediatamente, os Mucker são acusados do fato. Há revide, os mucker não freqüentam mais os cultos da comunidade. Já que são rejeitados, eles próprios rejeitam o mundo. Nessa situação, Jakobina começa a ler passagens bíblicas que falam da situação de perseguição, na qual se encontra a comunidade e os discípulos de Jesus. Alguns vão afirmar que Jakobina ter-se-ia autodenominado Cristo. Ela seria a reencarnação de Jesus. A questão é discutível. Os Mucker vão revidar aos ataques que lhes são feitos c botam fogo na casa de um colono. Sua esposa e os filhos morrem no incêndio. Está estabelecido o conflito. Tropas do exército são chamadas para pôr fim ao conflito. No primeiro combate morre o general Genuíno Sampaio. No segundo combate, liderados pelo general Santiago Dantas, os mucker são dizimados. Os filhos dos mucker são distribuídos para famílias de Porto Alegre ou, quando maiores, são incorporados na marinha brasileira.
O caso Mucker não pode ser entendido apenas pelo lado religioso, mas este aspecto não deveria ser deixado de lado. O caso mucker deve ser entendido a partir do religioso. Um grupo marginal que vive a partir da sua religião, tem que ouvir que sua religião está errada e reage. É como o tigre acuado: fica quieto, mas por fim salta e acaba sendo morto.
O caso Mucker teve conseqüências. De parte dos jesuítas veio a acusação de que todo o protestantismo acaba em muckerismo. De parte dos livre-pensadores veio a acusação de que toda a religião termina em muckerísmo. Muitos dos colonos que viviam na região do Ferrabraz e que haviam sido simpatizantes dos Mucker tiveram que se retirar. Alguns foram para a região de Nova Petrópolis e ali dizimados. Na região do Alto Taquari se localizaram algumas famílias, mas tiveram que sofrer. Houve o caso de um colono que matou a esposa, mas pôs a acusação em vizinhos mucker. Somente na hora da sua morte é que veio a confessar que ele próprio matara a esposa. Este fato aconteceu na região de Marques de Souza. Para os evangélicos em geral, o caso Mucker teve por conseqüência o fato de que silenciam a respeito da questão, negando inclusive, que os mucker tenham sido evangélicos. Por outro lado, nas comunidades evangélicas surge o medo de se falar de questões relacionadas à fé, por medo de virem a - ser acusadas de muckerismo. Em Santa Catarina, na região de Santa Isabel (litoral do estado), aconteceu um caso de reavivamento, em conseqüência das pregações de um pastor. Houve suspeita de muckerismo e o pastor chegou a ser levado preso para Florianópolis.
O que aconteceu com os Mucker não é fato único. Denominamos o fenômeno de “messianismo”. Fato semelhante acontecerá mais tarde nos sertões da Bahia, onde vão suceder os fatos em torno de Canudos, onde agricultores sem terra vão se reunir em torno da figura de Antônio Conselheiro. O fato foi descrito por Euclides da Cunha no livro "Os Sertões'. Na Amazônia se dá a cabanagem. Em Santa Catarina temos o Contestado.

É em meio a esta situação bastante confusa que a IECLB vai se organizando.
A Vida da Igreja é Organizada.
Os imigrantes tiveram que organizar sua própria vida eclesiástica. Os primeiros cultos foram celebrados em cabanas cobertas com folhas de palmeira. Tratava-se basicamente de cultos domésticos. Mais tarde construíram o primeiro prédio comunitário, a escola, na qual, aos domingos também eram celebrados os cultos. Ao lado da escola encontrava-se o cemitério comunitário, pois no cemitério público ou católico protestantes não podiam ser sepultados. Somente em anos posteriores é que se chegaria a erguer um prédio usado exclusivamente como templo. Como faltavam pastores, os imigrantes tiveram que improvisar: o pastor foi eleito do seio da comunidade. O princípio teórico luterano era posto em prática nessas comunidades brasileiras. Surgia, assim, o pastor-colono. Ao lado de suas atividades na agricultura, ele também assumia funções pastorais. Mais tarde, quando chegaram pastores ordenados com formação seminarística ou acadêmica ao Brasil, estes pastores-colonos foram pejorativamente designados de “pseudo-pastores”. Como o pastor-colono muitas vezes também assumisse as funções de mestre-escola e como a escola fosse ao mesmo tempo templo da comunidade, surgiu o binômio escola-igreja, professor-pastor, característico para o maior período da história da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Com a existência do professor nas comunidades, evitou-se por muito tempo a clericalização na igreja.

Os Primórdios da Estruturação Eclesiástica.
Com a expansão prussiana e com o surgimento do pangermanismo, os descendentes dos imigrantes e os grupos que haviam emigrado ao Brasil após o fracasso das revoluções liberais (1848) foram novamente “descobertos”. O Conselho Superior Eclesiástico de Berlim, a Sociedade Missionária da Basiléia, a Sociedade Evangélica para os Alemães Protestantes na América (Barmen) começaram a enviar, respectivamente em 1837, 1861, 1865, pastores com formação universitária ou egressos de casas de missão para as comunidades evangélicas. Desde 1897, a Associação da Caixa de Deus Luterana começou a enviar pastores formados em Hermannsburg, Kropp e Neuendettelsau. Muitos seriam também os professores enviados por essas instâncias. Esse importante auxílio seria também completado, a partir de 1911, com a criação do Seminário para Diáspora, fundado pelo Conselho Superior Eclesiástico de Berlim, em Soest na Westfália, e tendo como última localização a localidade de Ilsenburg/Harz. neste seminário seriam formados pastores exclusivamente para a diáspora sul-americana. No entanto, a iniciativa da Igreja Prussiana retardaria consideravelmente o início da formação de pastores no próprio Brasil.

A Formação dos Sínodos
Com a vinda de pastores em número maior, principalmente a partir de 1864, inicia-se uma segunda importante fase na história da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Em 1868 seria feita a primeira tentativa de reunir as diversas comunidades em uma organização. Após o fracasso dessa primeira tentativa, outras tentativas seriam coroadas de sucesso, permitindo a formação de quatro igrejas regionais. Surgiriam assim o Sínodo Riograndense (1886), o Sínodo Evangélico-Luterano de Santa Catarina, Paraná e outros Estados da América do Sul (1905). A Associação de Comunidades Evangélicas de Santa Catarina e Paraná (1911) e o Sínodo Evangélico do Brasil Central (1912).

Sínodos: caminhada conjunta das comunidades
Na primeira etapa da nossa história existiam comunidades isoladas umas das outras sem vínculos institucionais. Mas conforme, a tradição cristã, as comunidades locais constituem um organismo, o corpo espiritual de Cristo. Quando se começou a dar expressão visível a essa comunhão, iniciou-se a segunda etapa da nossa história. As comunidades agruparam-se em igrejas regionais, chamadas sínodos. para uma caminhada em conjunto. Após uma primeira tentativa, feita pelo Pastor Dr. Hermann Borchard em 1868 no Rio Grande do Sul, mas de curta duração, foram fundados 4 sínodos, a saber:
em 20 de maio de 1886, em São Leopoldo, sob a presidência do Pastor Dr. Wilhelm Rotermund, o Sínodo Rio-grandense, pelas comunidades de São Leopoldo/Lomba Grande, São Sebastião do Caí, Santa Cruz do Sul, Mundo Novo (Igrejinha), Santa Maria (da Boca do Monte), Baumschneids (Dois Irmãos) e Teutônia;
em 9 de outubro de 1905, em Estrela da Ilha (Santa Catarina), sob a presidência do Pastor Otto Kuhr, o Sínodo Evangélico Luterano de Santa Catarina, Paraná e outros Estados, por 5 comunidades e 11 pastores;
em 6 de agosto de 1911, em Blumenau (Santa Catarina), sob a presidência do Pastor Walther Mummelthey, a Associação de Comunidades Evangélicas (mais tarde denominada Sínodo Evangélico de Santa Catarina, por 10 comunidades;
em 28 de junho de 1912, no Rio de Janeiro, sob a presidência do Pastor Ludwig Hoepffner, o Sínodo Evangélico do Brasil Central por 10 comunidades situadas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo.
Uma das principais características dos sínodos era a participação de membros não-pastores em seus órgãos diretivos.
Fomentaram sua união e viabilizaram seu fortalecimento mútuo. Suas atividade desdobraram-se nas mais diversas áreas, como, p. ex., imprensa, literatura evangélica, juventude, grupos de senhoras evangélicas, assistência a novos imigrantes, ajuda a pequenas comunidades. Para enfrentar dificuldades específicas de diversos grupos de imigrantes foram fundados, em 1892 a 1900, respectivamente, um orfanato e um ancionato, em Taquari, a atual Sociedade Evangélica Pella-Betânia, que pertence às primeiras instituições deste gênero no Rio Grande do Sul e foi seguida de iniciativas semelhantes em outros lugares.
Sobre questões da vida pública os sínodos raras vezes se manifestaram. Mas, de acordo com a tradição evangélica, apoiaram as escolas comunitárias de 1º grau o as associações de professores evangélicos.
Fomentaram ou promoveram a fundação de escolas de 2º grau e, em 1909, um centro de formação de professores primários, a Escola Normal Evangélica, hoje Escola Evangélica Ivoti. Somente a nacionalização promovida pelo Estado Novo (1937 ss.) reduziu essas drasticamente.
O envio de pastores por parte do Sínodo Missouri, nos Estados Unidos da América do Norte, levou à formação, em 1900, de uma quinta organização eclesiástica, que no entanto seguiria caminhos próprios e que hoje leva o nome de Igreja Evangélica Luterana do Brasil.
Inicialmente, a principal função dos sínodos foi a de ser porta voz dos interesses das diversas comunidades e dos cristãos evangélico-luteranos frente às autoridades constituídas. A marcante presença de elementos leigos em seus grêmios dirigentes possibilitou a unidade das comunidades. Por outro lado, o surgimento dos sínodos também permitiria, com o passar dos anos, trabalho conjunto no âmbito da imprensa eclesiástica, do acompanhamento de imigrantes e de novos imigrantes, do trabalho entre jovens e mulheres. Raras, no entanto, foram as oportunidades em que os sínodos se pronunciaram frente a questões da vida nacional brasileira. É importante que se veja que os sínodos eram um receptáculo, no qual se reuniam grupos religiosa, econômica e etnicamente marginais, que viviam sua vida à margem da sociedade brasileira.
Essa existência marginal era favorecida pela legislação do império, dominado pelas oligarquias latifundiárias, e pelo domínio do positivismo de Augusto Comte nos primeiros quarenta anos da república brasileira. Mesmo assim, no setor da formação de professores e no setor das obras caritativas na missão interna, os sínodos deram contribuição destacada para a vida pública. Até nos dias da Segunda Guerra Mundial, o analfabetismo era praticamente inexistente nas áreas em que viviam luteranos.

Entre o Evangelho e a Ideologia.
Quando da política de expansão do segundo reino alemão, principalmente após a queda do ministro Bismarck, a situação de marginalidade, na qual se encontravam os descendentes alemães e aos quais entrementes haviam aderido os descendentes de suíços, de escandinavos e de holandeses, seria largamente explorada pela diplomacia alemã. Através de auxílios substanciais para a imprensa e para a escola, e através da intensificação de visitas de navios da marinha alemã a povoações germânicas foi feita a tentativa de assegurar mercados para a economia alemã. Entre os teóricos da política colonial alemã encontramos alguns que deram um passo adiante ao elaborarem o plano da criação de uma “Nova Alemanha” no Brasil do sul.. entre os pais de tais pensamentos encontramos Friedrich Fabri, inspetor de missão na Sociedade Missionária da Renânia. Pretendia a diplomacia alemã que os alvos de sua política externa fossem alcançando especialmente através da preservação do caráter germânico dos alemães no exterior. A igreja também deveria ser colocada a serviço dessa política de preservação de germanidade. É compreensível, pois, que no ano de 1900 fosse publicada lei eclesiástica que permitia a filiação de comunidades eclesiais alemãs no exterior ao Conselho Superior Eclesiástico em Berlim. Caso se filiassem, as comunidades receberiam auxílios de pessoal e auxílio financeiro. Este auxílio prestado pelas instâncias eclesiásticas também deve ser visto como serviço cristão fraterno. No entanto, também é importante que se veja que dificultou e retardou a autonomia do luteranismo brasileiro, fazendo com que sofra até hoje das conseqüências de uma identidade que esteve mais orientada para a germanidade do que para o luteranismo.
Quando em 1924 a Federação Alemã de Igreja Evangélicas, possibilitou que os sínodos luteranos do Brasil se lhe afiliassem, no que seria seguido pelo Departamento para o Exterior da Igreja Evangélica Alemã em 1933, toda a vida da igreja luterana no Brasil passou a ser determinada a partir da Alemanha. Com isso, também foi possível que as discussões internas do cristianismo alemão fossem transferidos ao Brasil.

As Guerras trazem Problemas.
Aos se iniciarem as duas guerras mundiais, as comunidades foram as que mais tiveram que sofrer. Surgiram dificuldades financeiras, os pastores foram internados em campos de prisioneiros, a língua alemã usada nas escolas e nos cultos foi proibida. Mesmo sendo períodos de grande sofrimento, os anos das duas Guerras Mundiais foram salutares, pois permitiram o fortalecimento dos sínodos, esvaziados de seu sentido em virtude da filiação às instâncias alemãs. As estruturas sinodais foram desafiadas a dirigir a vida do luteranismo brasileiro de dentro do próprio país. A formação de professores já vinha de longa data, pois o primeiro seminário para formação de professores fora fundado em 1899. Para a formação de pastores, no entanto, pouco fora feito. As dificuldades sentidas, levariam à fundação pelo Pastor Hermann G. Dohms, em 1921, na localidade de Cachoeira do Sul, do Instituto Pré-Teológico. Transferido, mais tarde, para São Leopoldo, o Instituto Pré-Teológico daria início ao complexo do Morro do Espelho, no qual em 1946 seria aberta a Escola de Teologia. Desde 1939 existe, também no Morro do Espelho, uma Casa Matriz de Diaconisas. A diaconia masculina foi iniciada em 1956, em Lagoa Serra Pelada, no Espírito Santo.

Um Novo Início.
Com o final da Segunda Guerra Mundial iniciou-se a terceira fase na história da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Enquanto alguns profetizavam o final de suas bases étnicas, outros viram nos acontecimentos da Guerra o sinal para uma reorientação.
Os esperançosos buscaram colaboração junto aos sínodos-irmãos e fundaram em outubro de 1949 a Federação Sinodal, à qual pouco tempo depois dariam o nome de Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Em 1969, os sínodos deixariam de existir como entidades com personalidade jurídica própria, e a igreja que passava por sua primeira restruturação passaria a ter quatro regiões eclesiásticas, entrementes acrescidas de mais quatro. Quando de seu primeiro concílio geral, ocorrido em 1950, em São Leopoldo, a Federação Sinodal expressaria seus planos e sua autocompreensão nas palavras:
“A Federação Sinodal é Igreja de Jesus Cristo no Brasil em todas as conseqüências que daí resultarem para a pregação do Evangelho neste país e a co-responsabilidade para a formação da vida política, cultural e econômica de seu povo.
Esta Igreja é confessionalmente determinada pela Confissão de Augsburgo e Pequeno Catecismo de Luther, pertence à família das Igrejas moldadas pela Reforma de Martin Luther, e quando adotará em lugar de “Federação Sinodal” a denominação de Igreja, o que esperamos para breve, exprimi-lo-á nesta mesma denominação.
Como Igreja assim determinada confessionalmente a Federação Sinodal se encontra na comunhão das Igrejas representadas no Conselho Ecumênico, as quais admitem o Evangelho de Jesus Cristo, que nos transmite a Sagrada Escritura como única regra diretriz de sua obra evangélica e de sua doutrina”.
Em agosto de 1950 a Federação Sinodal foi aceita como membro da Federação Luterana Mundial, como 42º membro. Os anos entre 1949 e 1968 estiveram em boa parte preenchidos por questões de ordem estrutural e de adaptação. Mesmo assim, puderam ser encetadas novas atividades no setor do trabalho entre jovens, nas atividades da Academia Evangélica, na formação de professores-catequistas, na busca por uma mordomia responsável em termos de bens, tempo e talento. A caminhada era lenta, mas buscava-se ligação com os novos tempos.

Em Meio ao Furacão.
Os anos posteriores à Segunda Guerra Mundial são anos em que o Brasil esteve envolvido com todos os problemas que dizem respeito à passagem de uma sociedade agrária para uma sociedade industrial. Em boa parte, esses problemas perduram e se repetem, nas décadas de 70 e 80, se bem que em outros níveis, os problemas com os quais se viam confrontados os antepassados de boa parte dos atuais membros da IECLB quando tiveram que deixar a Europa.
As dificuldades políticas, sociais e econômicas que passam a atingir o país, não deixam de ter influências diretas sobre a vida de toda a igreja. Em 1969, a igreja vê-se diante da necessidade de criar uma “Comissão de Estudos Sócio-Econômicos e Políticos”, que logo será desdobrada em duas subcomissões. Uma delas vai se ocupar com estudos de assuntos rurais e a outra com assuntos políticos-sociais. Além disso, é criada uma Comissão de Serviços de Projetos de Desenvolvimento. O Brasil está a ferver no campo e na cidade e, por isso, aumentam também as repressões de parte dos órgãos governamentais. No período, a igreja como um todo prepara-se para a realização da 5ª Assembléia Geral da Federação Luterana Mundial (1970), que leva por tema “Enviados ao Mundo”. Local da assembléia deveria ser Porto Alegre, depois foi transferida para Evian, na França, por causa das situações de desrespeito aos direitos humanos existentes no Brasil efetuados pela ditadura militar que se instalara no país em 1964.

Concílio de Curitiba.
Por causa deste acontecimento, no Concílio Geral em outubro de 1970, foi elaborado o documento conhecido como “Manifesto de Curitiba”. Sabendo que a igreja deve dirigir-se “ao homem como um todo, não só à alma”, o documento acentua que essa visão “terá conseqüências e implicações em toda a esfera de sua vigência - inclusive física, cultural, social, econômica e política... sobre todas as questões relacionadas com o bem comum.
A seguir o documento deixa claro que a IECLB tem um papel profético perante a igreja e a sociedade. O documento, que se reporta a Ezequiel 33,7, afirma que a igreja deve “desempenhar uma função crítica - não de fiscal, mas entes de vigia e de consciência da Nação. Ela alertará e lembrará às autoridades a sua responsabilidade em situações definidas, sem espírito faccioso, e sempre com a intenção de encontrar uma solução justa e objetiva”.
O protesto contra exigências da doutrina de segurança nacional, que colocava o estado acima dos cidadãos, fica evidente em uma passagem como: “A pátria será honrada e amada; seus símbolos serão respeitados e usados com orgulho cívico..., mas o cristão não poderá falar da pátria em categorias divinizadoras”. A partir de então, os pronunciamentos são constantes: solicitação de anistia, protestos pelo sofrimento de colonos afetados pela construção de barragens, discussão com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), exigência de aplicação do Estatuto da Terra e da reforma agrária. Nessas atividades, o trabalho ecumênico vem a florescer intensamente, apesar dos recuos da Igreja Católica Romana.
No relatório apresentado ao 7º Concílio Geral da IECLB, em 1970, o então Pastor Presidente diria: “Dois fenômenos alarmantes que podemos observar, em ritmo crescente, em todas as Regiões de nossa Igreja são: a) a calamitosa situação do pequeno proprietário rural e do homem do campo em geral e, como conseqüência, da fuga do campo: b) a formação de um proletariado nas cercanias das pequenas e grandes cidades. Ambos esses problemas atingem especialmente nossa Igreja, pois a maioria dos nossos membros vive no âmbito rural, e obrigam-nos a considerar como tarefas primordiais, também no planejamento da nossa Igreja, medidas concretas a favor dos nossos agricultores e dos nossos operários nas cercanias das cidades, que correm perigo de se tornarem marginais”.
Embora pequena em número, quer contribuir para que sejam promovidas as mudanças necessárias e encontradas soluções adequadas, justas e humanas, compatíveis com o espírito do evangelho. Sua voz, mo passado quase inaudível fora de seus muros, pode ser ouvida, hoje, inclusive em organismos internacionais, como a Federação Luterana Mundial e o Conselho Mundial de Igrejas, e nacionais, como o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC).
Para o quadriênio de 1983 a 1986, a IECLB estabeleceu cinco prioridades, a saber, Confessionalidade Luterana, Comunidade Missionária na Realidade Rural e Urbana, Educação, Questão Indígena e Contribuição Proporcional dos membros para a sua igreja. Para este ano, o Ano Internacional da Paz (1986), escolheu o lema: Por Jesus Cristo, paz com justiça. É a meta permanente da caminhada que começou em 1824.


44. Os Credos da Igreja #

Discutir em grupos após a leitura do texto
1. Por que surgiu a fé em Jesus Cristo?
2. Cite alguns credos primitivos.
3. Por que surgiram os credos?
4. Façam uma comparação entre os credos Apostólico e Niceno e vejam semelhanças e diferenças.
5. Por que os credos são diferentes?
6. Por que surgiu o Credo Apostólico?
7. Por que surgiu o Credo Niceno?
8. Qual o principal assunto abordado pelo Credo Atanasiano?

A palavra credo tem a ver com a palavra fé. Em quem eu creio? A minha prática define a minha fé. Todos têm fé em algo ou alguém. Ninguém é sem fé. Dizer: “Crer em Deus” ainda não significa muita coisa. Quem é esse deus? Em que deus eu creio? Os primeiros cristãos também viviam num mundo com milhares de fés.
Como foi possível que de repente se falou da fé cristã? Por que apesar da perseguição movida pelo império romano contra os cristãos os apóstolos continuavam a falar? A motivação foi a partir da fé. O que é fé? É Acreditar em alguém ou em alguma coisa, é crer em Deus, é agir como Jesus falou. Hb 11, 1- 3 e Tg 1, 27 definem o que é fé.
Por isso podemos dizer que: Crer se reflete no ser. Aquilo que fazemos mostra em que ou em quem cremos. A palavra crer vem do latim e é formada a partir da palavra: credere. Esta palavra em português significa: Crê: cor/cordis = coração; dere: dare = dar. Portanto crer significa: dar o coração (para alguém ou para alguma coisa).
Crer reflete o ser. Crer é aquilo que a gente é e faz, é aquilo que move a gente. O meu jeito de viver mostra em quem eu creio. O que move a gente? O dinheiro, a economia capitalista? Quem crer no dinheiro vai viver em função dele. Quem crê em Jesus Cristo vai viver em função dele.
Existem vários tipos de fés. Estas fés determinam as pessoas. Ter fé não significa crer em Jesus Cristo. Posso ter fé no capitalismo, no Grêmio ou no Inter. Muitos fazem do capitalismo um deus, mas existem ainda muitos outros falsos deuses. Aquilo em que deposito minha fé torna-se um deus para mim.
“Em que o teu coração confia este é o teu deus”, diz Martin Luther. A quem pertence o nosso coração? Onde o teu coração está preso? No capital, na família, no futebol? O nosso jeito de viver define isto.
O ponto de partida para que as pessoas chegassem a crer em Jesus Cristo é o fato da sua ressurreição. A partir das mulheres que a anunciaram: Jesus Cristo vive! A ressurreição criou a fé cristã. Os primeiros cristãos não diziam: cremos em Deus, mas diziam: cremos em Jesus Cristo. O rosto humano de Deus aparece em Jesus Cristo. Deus se revelou em Jesus Cristo. Os primeiros credos são dirigidos só à Jesus Cristo, porque Ele vive - este é o credo original. Já que Ele vive, vamos falar dele.
Como surge a fé nas pessoas? Jesus deu a elas esta fé. A nossa fé surge quando ouvimos o Evangelho de Jesus Cristo: a Palavra de Deus. O Jesus Cristo ressurreto provocou esta fé nos corações das pessoas. Fé não é obra nos¬sa, mas é dádiva, dom de Deus; não é conquista, é graça. Fé é dádiva. Fé não é uma atitude que parte de nós. O próprio Jesus Cristo nos leva à fé. Jesus Cristo nos dá a fé. Se eu sei que Jesus Cristo me tem eu sou livre para me arriscar, dar a vida.
Na medida em que me sinto amparado por Jesus Cristo eu me sinto amparado nele, não me preocupo mais comigo e sou livre para o próximo.
Resumindo:
5. Existem vários tipos de fé
6. fé é aquilo ao qual eu dou o meu coração
7. crer - todos crêem. Creio em Deus. Qual Deus? Temos que definir isto de forma bem clara e dizer: Creio em Jesus Cristo
8. crer é aquilo que me move. O que moveu os primeiros cristãos? Eles foram encontrados por Jesus. Fé é dádiva.

Pré-formas dos Credos.
Alguns Credos no Novo Testamento:
Na Bíblia percebemos algumas formas de credos. Vamos ver alguns textos onde aparecem as primeiras confissões de fé dos cristãos.
At 2,36 - este Jesus Cristo que vós crucificastes. Deus o fez Senhor e Cristo.
Rm 1, 2-4 - Jesus é filho de Davi - do povo de Israel - judeu. Feito Filho de Deus pela ressurreição. A ressurreição é o meio que faz deste judeu: Filho de Deus.
I Co 12, 3 - Senhor Jesus
I Co 15, 3-4 - Cristo morreu pelos nossos pecados. Foi sepultado (foi morto). Ressuscitou no 3º dia segundo as Escrituras.
Fp 2, 5-11 O credo inicia no v. 6 e é o mais antigo hino sobre Jesus Cristo. Era Deus e abandonou o que tinha, se esvaziou. Jesus Cristo é o Senhor. Jesus nos serve no culto e em gratidão nós servi¬mos ao próximo.

Motivos que levaram à elaboração dos Credos.
O Credo surge quando há discussões na comunidade e quando há divergências sobre a compreensão de Deus e da fé. Os Credos explicam os textos bíblicos para ver quem está mais perto da Bíblia. Quando há perseguição à igreja - então ela tem que explicar quem ela é.

Situação e Época da formação destes Credos.
Credo Apostólico
Creio em Deus Pai, todo poderoso, criador do céu e da terra.
E em Jesus Cristo, seu Filho Unigênito, nosso Senhor, o qual foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria, padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu ao mundo dos mortos, ressuscitou no terceiro dia, subiu ao céu e está sentado à direita de Deus Pai, todo poderoso, de onde virá para julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo, na santa Igreja Cristã, a comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição do corpo e na vida eterna.
Amém.
O Credo Apostólico surgiu em Roma por volta de 150 d.C. Roma era a capital do Império Romano no ocidente.
O motivo foi um homem chamado Marcião - era um construtor de navios e muito rico. Ele pregava que o Deus do AT era outro do NT e fez uma seleção de livros do NT: para ele valiam apenas o Evangelho de Lucas e as Cartas de Paulo. Dizia que Jesus era diferente de Deus Pai (que criou um mundo imperfeito) e deixou Jesus morrer na cruz. Marcião lia muito as cartas de Paulo. E pergunta como no AT Deus manda matar povos inteiros e em Lucas Jesus Cristo aparece bondoso? Daí conclui que há dois deuses diferentes. O Pai de Jesus Cristo não é o Deus do AT. Ele foi tocado pelo Deus do amor que se chocava com o Deus da ira. Diz que o AT não pode existir na igreja. Fez o seu cânone (seleção dos livros sagrados): Cartas de Paulo e Lucas.

Credo Niceno
Creio em um só Deus, o Pai onipotente, criador do céu e da terra, de todas as coisas, visíveis e invisíveis.
E em um só Senhor Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus e nascido do Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial ao Pai, por quem foram feitas todas as coisas; o qual, por amor de nós homens e por nossa salvação, desceu dos céus, e encarnou, pelo Espírito Santo, na Virgem Maria, e se fez homem; foi também crucificado em nosso favor sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado; e ao terceiro dia ressuscitou, segundo as Escrituras; e subiu aos céus; está sentado à destra do Pai, e virá pela segunda vez, em glória, para julgar os vivos e os mortos; e seu reino não terá fim.
E no Espírito Santo, Senhor e vivificador, o qual procede do Pai e do Filho; que juntamente com o Pai e o Filho é adorado e glorificado; que falou pelos profetas. E a igreja, una, santa, cristã e apostólica. Confesso um só batismo, para remissão dos pecados, e espero a ressurreição dos mortos e a vida do século vindouro.
Amém.
O Credo Niceno foi elaborado no Concílio da Igreja Cristã em Ni¬céia (bairro de Constantinopla) em 325 d.C. e concluído no Concílio de Constantinopla (capital do Império Romano do Oriente) em 381 d.C. Este credo também é conhecido pelo nome de Credo Niceno-Constantinopolitano.
Aqui se discute sobre Jesus Cristo e o Espírito Santo.
O Credo Niceno é confessado por todos os cristãos.
Nesta discussão com Marcião a Igreja reafirmou que a Bíblia é composta por 2 partes - AT e NT. O credo era pronunciado na hora do batismo. Candidatos ao batismo eram observados e estudavam por 2 a 10 anos antes de serem batizados. A confissão de sua fé era pública (diante de toda a comunidade).

Os motivos do surgimento do Credo Niceno.
Este credo surgiu por causa de um homem chamado Ário. Marcião e Ário forçaram a Igreja a se definir e a clarear a sua confissão. Foi uma ajuda forçada e sofrida.
O imperador Constantino convocou o Concílio Ecumênico de Nicéia em 325. A palavra ecumênico vem do grego: eukumen que significa: todo mundo habitado. Havia terminada a perseguição aos cristãos no ano de 313. Neste ano a fé cristã foi reconhecida pelo Estado como uma religião legal. O domingo foi instituído pelo imperador em 321.
Ário foi um pregador no Egito, em Alexandria. Pregava: Deus é o criador, todo poderoso, criador de tudo. Criou tudo o que está aqui. Inclusive: a 1ª criatura que ele criou foi o próprio Jesus Cristo e depois cri¬ou o resto. Jesus Cristo foi uma pessoa especial, iluminada, homem exemplar, obediente e fiel à Deus. Já que foi fiel e obediente Deus o ressuscitou. Significa que Deus premiou Jesus Cristo, pela sua fidelidade com a ressurreição. Seu bispo, Atanásio, se levantou contra esta pregação de Ário dizendo que isto não é bíblico. O bispo Atanásio dizia: Jesus Cristo é filho de Deus e não criatura de Deus - Jesus Cristo é “consubstancial ao Pai” = significa: ser igual ao Pai. Tem a mesma substância que Deus Pai.
O imperador Constantino exilou Atanásio por causa desta discussão teológica para Germânia, para a cidade de Aachen. Atanásio foi exilado 6 vezes por causa desta discussão com Ário. No ano de 325 aconteceu o Concílio de Nicéia com a presença de 150 bispos e o imperador. A maioria foi a favor de Ário. O imperador queria a unidade e o bispo Hócio (da Espanha) e Atanásio formularam o credo e o imperador forçou o Concílio a aceitar o texto como eles o haviam formulado. Com isto queria manter a unidade do Império. Mas a maioria não o assumiu e só no próximo concílio de 381 este credo foi assumido por toda a igreja.
Abaixo os conflitos contra Ário que aparecem no credo Niceno:
Credo Niceno fala que Jesus é:
1. gerado do Pai
2. Deus de Deus
3. Deus verdadeiro
4. Gerado - não feito
Ário dizia que Jesus é:
1. criado
2. criatura de Deus
3. semi-deus
4. criado
Foi grande a discussão sobre a palavra “Consubstan¬cial” que significa: mesma substância ou igual. Este termo foi forçado pelo imperador a ficar no Credo para unir o Império. Jesus é consubstancial (igual) ao Pai, porque um homem não consegue sal¬var ninguém. Se ele foi feito ele só pode ser o nosso mestre e não nosso salvador. Pessoa humana não salva pessoa humana. Só Deus salva, e Jesus Cristo é Deus. Assim nossa salvação está garantida. Um Jesus Cristo semi-deus e semi-homem não salva, apenas indica o caminho. Exclusiva¬mente pela ação de Deus somos salvos.
Anos depois alguns na igreja começaram a falar em: “Jesus é parecido ao Pai”. Só que parecido não é igual. No ano de 381 foi reafirmado o Credo Niceno elaborado em 325.

Credo Atanasiano - 451 d. C.
No ano de 360 apareceu a discussão a respeito do Espírito Santo. Surgiu também a afirmação: Jesus não só é Deus, e sim, é pessoa. Começou a discussão também sobre a divindade de Jesus Cristo. Nasceu de Maria, passou fome, chorou e morreu na cruz. Foi homem. A partir de 381 até 451 se discutiu o problema: a relação entre pessoa e Jesus. O Concílio da Calcedônia (Turquia) em 451 define: Jesus Cristo é verdadeiro homem e verdadeiro Deus. Só Deus salva - Jesus Cristo é Deus. Quem é salvo somos nós, por isso Jesus Cristo é pessoa. Jesus foi como nós - foi pessoa. Ele está perto de nós, nos conhece - Jesus é pessoa. Para explicar que o nosso Deus nos ama ele se fez igual a nós para nos salvar. Desde Jesus Cristo ninguém mais é abandonado por Deus.
O Credo Atanasiano fala da Trindade dizendo que Deus é Pai, Filho e Espírito Santo e com isto:
- não podem ser misturados; são imutáveis
- não podem ser divididos; não podem ser separados
Nós só enxergamos um, mas Deus dentro de si mesmo vê três - Deus vê o Filho e o Espírito Santo e vice-versa. Nós não enxergamos isto.
Apesar deste credo ter sido aprovado em Concílio a discussão não cessou e como conseqüência a igreja persa-siríaca, a igreja copta (no Egito), a igreja abissínia e a igreja armênia se separaram da igreja católica no século 7.
A parte final do Credo Atanasiano diz:
“A fé verdadeira, por conseguinte, é crermos e confessarmos que nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, é Deus e pessoa. É Deus, gerado da substância do Pai antes dos séculos, e é pessoa, nascida, no mundo, da substância da mãe.
Deus perfeito, pessoa perfeita, subsistindo de alma racional e carne humana. Igual ao Pai segundo a divindade, menor que o Pai segundo a humanidade. Ainda que é Deus e homem, todavia não há dois, porém um só Cristo. Um só, entretanto, não por conversão da divindade em carne, mas pela assunção da humanidade em Deus. De todo um só, não por confusão de substância, mas por unidade de pessoa.
Pois, assim como a alma racional e a carne é uma só pessoa, assim Deus e pessoa é um só Cristo; o qual padeceu pela nossa salvação, desceu aos infernos, ressuscitou dos mortos, subiu aos céus, está sentado à destra do Pai, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos. À sua chegada todos as pessoas devem ressuscitar com os seus corpos e vão prestar contas de seus próprios atos; e aqueles que tiverem praticado o bem irão para a vida eterna; aqueles que tiverem praticado o mal irão para o fogo eterno. Esta é a fé cristã. Quem não a crer com fidelidade e firmeza, não poderá salvar-se”.


45. Entrevista com Martin Luther #

Ler o texto em grupos:
1. Que perguntas você faria a Martin Luther se o pudesse entrevistar?

(Elaborado pelo pastor da IECLB Osmar L. Witt e pelo pastor da IELB Ricardo W. Rieth)

O que Lutero teria a dizer para os dias de hoje? E se ele tivesse liderado o movimento de Reforma há poucos meses e fosse possível entrevistá-lo? Dois professores da Escola Superior de Teologia em São Leopoldo (RS) foram desafiados a imaginar urna entrevista onde Lutero pudesse responder a questões que dizem respeito ao cotidiano brasileiro.
Apesar de sua agenda apertada, o Dr. M. Lutero se dispôs a nos conceder uma rápida entrevista. Reconhecido internacionalmente como teólogo, pregador e reformador, ele fez questão de frisar duas coisas antes de começar a responder a nossas perguntas.
Primeiro, disse que continua inconformado com o fato de igrejas e pessoas se autodenominarem "luteranas". Ele esbravejou: Peço omitir meu nome e não se chamar de luterano, mas cristão. Que é Lutero? A doutrina não é minha. Tampouco fui crucificado em favor de alguém.
Que pretensão seria essa de um miserável e fedorento saco de vermes como eu, se quisesse que os filhos de Cristo fossem chamados por seu desastrado nome? Vamos extirpar as siglas partidárias e nos chamar de cristãos, de quem temos a doutrina".
A segunda observação foi para não valorizarmos em demasia suas palavras, já que não há receitas prontas para os nossos problemas: "Queria que todos os meus livros fossem sepultados e esquecidos para sempre, para dar lugar a outros melhores." Lutero entende que viveu na sua época e para a sua época. Para ele, nós deveríamos olhar com atenção para o nosso tempo, que é totalmente diferente do tempo em que ele vive, encontrando por nós próprios a melhor forma de pregar e viver a palavra de Deus. E arrematou: “Aproveitem a palavra de Deus e sua graça enquanto estão aí, pois elas são como chuva de verão, que não retorna ao lugar por onde passou”.
Dr. Lutero, o que foi a Reforma?
Lutero - Para mim, a Reforma tem a ver principalmente com as palavras "justiça de Deus". Eu tratei de estudá-las com afinco na Carta aos Romanos. Odiava essa expressão, porque todos os professores tinham me ensinado que esta era a justiça com a qual Deus é justo e castiga os pecadores e injustos. A esse Deus, justo e que pune, eu não amava. Ao contrário, eu odiava. Mesmo quando era monge e vivia de modo exemplar, continuava me sentindo pecador. Era torturado por minha consciência.
O que Romanos tem a ver com essa história?
Lutero - Pois é, sempre de novo eu acabava batendo naquela passagem do capítulo 1: "A justiça de Deus é nele revelada, como está escrito: o justo vive por fé." Não entendia a relação entre as palavras. Que será que Paulo queria dizer? Sem descobrir, eu ficava confuso e furioso. Aí Deus teve pena de mim. Finalmente, entendi que a justiça ali expressa é aquela justiça que vivemos pela dádiva de Deus, a fé. A justiça de Deus é revelada através do evangelho, é a justiça que Deus faz, cria em nós pela fé. Exatamente corno está escrito: "O justo vive por fé".
Quais foram as conseqüências disso para o sr.?
Lutero - Sabe, foi como se eu tivesse renascido. Foi como passar pelas portas do paraíso. A Escritura, lida nessa perspectiva, ficou totalmente diferente. A frase "justiça de Deus", antes odiada, passou a ser para mim a mais amada de todas. Quanto ao resto, bem, vocês conhecem a história: indulgências, briga com Roma e com o imperador, introdução da Reforma em comunidades e escolas, tradução da Bíblia, liturgia e hinos, catecismo... Todo o resto foi decorrência dessa descoberta e do compromisso posto por Deus para quem a vivenciou.
Percebe-se o quanto o estudo da Escritura ajudou você. O que o sr. sugere para quem lê a Bíblia?
Lutero - Fundamental é procurar as partes que apresentam Cristo e ensinam tudo o que é necessário e bom saber sobre ele. O evangelho e a primeira carta de João, as cartas de Paulo - em especial Romanos, Gálatas e Efésios - e a primeira carta de Pedro são o cerne e a medula entre todos os livros. Cada pessoa cristã deveria lê-los por primeiro e com maior freqüência. Ali achará enfatizado de forma magistral como a fé em Cristo supera pecado, morte e inferno e dá vida, justiça e salvação. Ali achará o evangelho propriamente dito.
Até agora o sr. falou quase que exclusivamente sobre aquilo que Deus faz. E nós, Dr. Lutero? Especialmente nós, pessoas cristãs, que fazemos nós?
Lutero - Pessoas cristãs autênticas são as que trazem a vida e o nome de Cristo para dentro de sua vida. A pessoa cristã não vive em si mesma, mas em Cristo e em seu próximo, ou então não é vida cristã. Vive em Cristo pela fé, no próximo, pelo amor. Pela fé a pessoa cristã é levada para o alto, acima de si mesma, para Deus. Por outro lado, pelo amor desce abaixo de si, até o próximo, assim mesmo permanecendo sempre em Deus e seu amor. Uma pessoa cristã é senhora absoluta sobre tudo e a ninguém está sujeita. Ao mesmo tempo, no entanto, serve a tudo e a todos, estando sujeita a todos.
O sr. tem insistido na doutrina da salvação por graça e fé. Tem afirmado que não há nada que possamos fazer para merecer a salvação. Na sua opinião, os cristãos têm também alguma responsabilidade social?
Lutero - Cristo nos ensina para quem devemos fazer obras, mostrando-nos quais são boas obras. Todas as outras obras, com exceção da fé, devemos fazê-las para o próximo. Pois Deus não exige de nós que lhe façamos uma obra, a não ser unicamente a fé, através de Cristo. Com a fé ele tem o suficiente. Com ela o honramos como aquele que é benévolo, misericordioso, sábio, bom, verdadeiro, etc. Depois disso, cuide apenas para proceder com o próximo como Cristo procedeu com você, e deixe todas as suas obras com toda a sua vida visar ao seu próximo. O seu próximo é aquele que necessita de você em assuntos de corpo e de alma.
No Brasil, vivemos um tempo de muita discussão política. É legítimo que os cristãos assumam cargos e participem ativamente da política?
Lutero - Devemos saber que, desde o início do mundo, um governante sábio é ave rara, e mais raro ainda, um governante honesto. Mas a política é um campo de serviço à coletividade e nenhum cristão deve assumir cargo político para defender interesses pessoais. Em favor de outros, porém, pode e deve assumir para impedir a maldade e proteger a honestidade.
Por que o sr. tem insistido tanto na necessidade de criar e manter escolas?
Lutero - Na verdade, é pecado e vergonha o fato de termos chegado ao ponto de haver necessidade de estimular e de sermos estimulados a educar nossos filhos e a juventude e de buscar o melhor para eles. Aliás, na minha opinião, nenhum pecado exterior pesa tanto sobre o mundo perante Deus e nenhum merece maior castigo do que justamente o pecado que cometemos contra as crianças, quando não as educamos.
O sr. acredita que a sociedade terá algum proveito se investir em educação?
Lutero - Eu penso que o progresso de uma cidade não depende apenas do acúmulo de grandes tesouros, da construção de muros de fortificação, de casas bonitas, de muitos canhões e da fabricação de muitas armaduras. Inclusive, onde existem muitas coisas dessa espécie e aparecem alguns tolos enlouquecidos, o prejuízo é tanto pior e maior para a referida cidade. Muito antes, o melhor e mais rico progresso para uma cidade é quando possui muitos homens e mulheres bem instruídos, muitos cidadãos e cidadãs ajuizados, honestos e bem-educados. Estes, então, também podem acumular, preservar e usar corretamente riquezas e todo tipo de bens.
O que o sr. pensa sobre justiça e injustiça nas relações econômicas existentes na sociedade?
Lutero - A maior desgraça é, com certeza, o empréstimo a juros. Neste ponto, também se deveriam realmente pôr rédeas aos grandes banqueiros. Como é possível que durante a vida de uma única pessoa se juntem fortunas tão imensas de modo lícito? Eu não conheço a conta. Mas não compreendo como se pode, com 100 reais, ganhar 20 por ano, sim, com um real, ganhar mais outro, e tudo isso proveniente não do trabalho!
O sr. é lembrado como alguém que valoriza o trabalho como uma verdadeira vocação. Poderia explicar isso um pouco melhor?
Lutero - Veja bem, um sapateiro, um metalúrgico, um agricultor, cada um tem o ofício e a ocupação próprios de seu trabalho. Mesmo assim, todos são sacerdotes e bispos ordenados de igual modo, e cada um deve ser útil e prestativo aos outros com seu ofício ou ocupação, de modo que múltiplas ocupações estão voltadas para uma comunidade, para promover corpo e alma, da mesma forma como todos os membros do corpo servem uns aos outros.
Fontes: Pelo evangelho de Cristo, p. 22. 31. 177s., WA 10 12, 168, 17-169,10. Obras Selecionadas O Sel 1, 256, O Sel 2, 284; 337s.; 456, O Sel 5, 305s. e 309, O Sel 6, 95; 103; 481, 7-14,
Jornal Evangélico Luterano. Outubro de 2000

Martin Luther explica:
“Creio que Jesus Cristo, verdadeiro Deus, gerado do Pai desde a eternidade, e também verdadeiro ser humano, nascido da virgem Maria, é meu Senhor. Ele perdoou a mim, pessoa perdida e condenada, e me libertou de todos os peca¬dos, da morte e do poder do diabo. Fez isto não com dinheiro, mas com seu santo e preciosos sangue e sua inocente paixão e morte. Fez isto para que eu lhe pertença, seja obediente a ele em seu reino e lhe sirva em eterna justiça, inocência e felicidade, assim como ele ressuscitou da morte, vive e governa eternamente. Isto é certamente verdade” (Catecismo Menor).
Quem é Jesus Cristo?
“E este homem é verdadeiramente Deus, constituído como uma pessoa de Deus, e homem eterna-mente indivisível, assim que Maria, a virgem santa, é uma mãe verdadeira e genuína não só do homem Cristo, mas também do filho de Deus, como diz Lucas (1,35): “O que há de nascer em ti, será chamado Filho de Deus”, isso é, o Senhor meu e de todo mundo, Jesus Cristo, Filho único, genuíno e natural de Deus e de Maria, verdadeiro Deus e homem.
Creio também que esse Filho de Deus e de Ma¬ria, nosso Senhor Jesus Cristo, sofreu por nós miseráveis peca¬dores, foi crucificado, morto e sepultado, com o que ele nos resgatou do pecado, da morte e da ira eterna de Deus por seu sangue inocente; e que ressuscitou da morte ao terceiro dia, subiu ao céu e está sentado à mão direita de Deus, o Pai Todo-Poderoso, Senhor sobre todos os senhores, Rei sobre to¬dos os reis e sobre todas as criaturas no céu, na terra e debaixo da terra, sobre vida e morte, pecado e justiça.
Pois eu confesso e posso prová-lo pela Escritura que todas as pessoas provêm de um homem, Adão; e deste mesmo, através do seu nascimento, trazem consigo e herdam a queda, a culpa e o pecado que o mesmo Adão come¬teu no paraíso pela maldade do diabo; e assim todos com ele nascem, vivem e morrem em pecado, e seriam necessariamente culpa¬dos de morte eterna se Jesus Cristo não tivesse vindo ajudar-nos e não tivesse tomado sobre si, como um cordeiro inocente, essa culpa e esse pecado; não os tivesse pago por nós através do seu sofrimento e não continuasse diariamente a se empenhar e a interceder por nós como fiel e misericordioso mediador, salva¬dor e o único sacerdote e bispo de nossas almas.
Com isso rejeito e condeno como puro engano todas as doutrinas que exaltam o nosso livre arbítrio, já que se opõem diretamente a essa ajuda e graça do nosso Salvador Jesus Cristo. Fora de Cristo a morte e o pecado são nossos senhores, e o diabo é nosso deus e príncipe, e não há força ou habilidade, inteligência ou razão com que pudéssemos preparar-nos para a justiça e a vida ou procurá-las. Ao contrário, fora de Cristo permanecemos vítimas e prisioneiros do diabo e dependentes do pecado para fazer e pensar aquilo que lhes agrada e que é contrário a Deus e aos seus mandamentos.
Por isso também condeno tanto os novos como os antigos pelagianos, que não querem admitir que o pecado original seja pecado, mas o tornam uma deformidade ou defeito. Uma vez, porém, que a morte passou a todas as pessoas, o pecado original não pode ser apenas uma deformidade, mas é um pecado imenso, como diz Paulo: “O salário do pecado é a morte” (I Co 15,36). No mesmo sentido fala também Davi: “Eis que fui concebido em pecado, e minha mãe me carregou com pecado”, mas sim: “Eu, eu, eu é que fui concebido em pecado, e minha mão me carregou em pecado”, isto é, foi de semente pecaminosa que evoluí no ventre materno, como o dá a entender o texto hebraico. (...)
Porque “Não existe nenhum outro nome dado pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4,12), se-não este, que é Jesus Cristo. E é impossível que haja outros salvadores, caminhos ou maneiras para ser salvos, senão pela justiça exclusiva que é nosso Salvador Jesus Cristo e a qual ele nos deu e ofereceu a Deus por nós como nosso único trono da graça, (Rm 3,25).
(Martin Luther. Confissão sobre a Santa Ceia de Cristo).


Provocações

A primeira provocação ele agüentou calado. Na verdade, gritou e esperneou. Mas todos bebês fazem assim, mesmo os que nascem na maternidade, ajudados por especialistas. E não como ele, numa toca, aparado só pelo chão.
A segunda provocação foi a alimentação que lhe deram, depois do leite da mãe. Uma porcaria. Não reclamou porque não era disso.
Outra provocação foi perder a metade dos seus irmãos, por doença e falta de atendimento.
Não gostou nada daquilo. Mas ficou firme.
Era de boa paz.
Foram lhe provocando por toda vida.
Não pôde ir à escola porque tinha que ajudar na roça.
Mas aí lhe tiraram a roça. Na cidade, para onde teve que ir com a família, era provocado por todo lado. Resistiu a todas.
Morar em barraco. Depois perder o barraco, que estava aonde não podia estar. Ir para um barraco pior. Ficou firme.
Queria emprego, só conseguiu subemprego. Queria casar, conseguiu uma submulher. Tiveram subfilhos. Subnutridos. os que foram substituídos. Para conseguir ajuda, só entrando numa fila. E a ajuda não ajudava.
Estavam lhe provocando.
Gostava da roça. O negócio dele era a roça. Queria voltar pra roça. Ouvira falar de uma tal de reforma agrária. Não sabia bem o que era. Parece que a idéia era lhe dar uma terrinha. Se não era outra provocação, era uma boa. Terra era o que lhe faltava.
Passou anos ouvindo falar em reforma agrária. Em voltar à terra. Em ter a terra que nunca tivera. Amanhã. No próximo ano. Conclui que era provocação.
Mais uma.
Finalmente ouviu falar que a reforma agrária vinha mesmo.
Pra valer. Garantida.
Se animou. Se mobilizou. Pegou a enxada e foi brigar pelo que pudesse conseguir. Estava disposto a aceitar qualquer coisa. Só não estava disposto a agüentar provocação.
Aí ouviu falar que a reforma agrária não era bem assim.
Talvez amanhã. Na décima milésima provocação, reagiu...
E ouviu espantado, as pessoas dizerem, horrorizadas com ele:
- Violência não!
Luiz Fernando Veríssimo
(Extraído do "Boletim do Pequeno Agricultor", São Lourenço do Sul - RS julho/agosto/setembro de 1993)

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