3 de agosto de 2011

Este Século

Quando li os artigos sobre o Fórum Mundial de Teologia e Libertação da Página da Agência Carta Maior (http://agenciacartamaior.uol.com.br/agencia.asp?id=2776&cd_editoria=001&coluna=reportagens) decidi pensar alto:
Estamos avançando: voltamos a discutir Teologia da Libertação. Não basta dizer que um outro mundo é possível, temos que lutar também para que uma outra igreja seja possível. Temos que primeiro explicar como este mundo (capitalismo) funciona e também nos juntar aos (movimentos sociais, sindicatos, ongs, partidos, igrejas [a igreja invisível] e outras religiões) que lutam por uma nova sociedade, que alguns chamam de socialismo, outros ainda estão procurando um nome para esta nova sociedade. Socialismo não é igual ao reino de Deus, pois é obra nossa, numa tentativa de construirmos uma sociedade sem classes sociais e, conseqüentemente, sem exploração de uma pessoa sobre a outra e onde a teologia não legitima a opressão, a tortura, a guerra e a exploração de uma classe sobre a outra. Esta mudança tem que ser geral, abranger todos os âmbitos da sociedade. Temos que explicar que Deus é outro do que está sempre sendo apresentado, como legitimador do sistema capitalista. Deus não legitima o sistema capitalista. Explicar para quem? Para o povo com o qual trabalhamos. Quando? Sempre. Onde? Em todo lugar.
Como será a Igreja nesta nova sociedade? Na nova sociedade a Igreja também tem que ser nova, caso contrário ela será contra a organização desta nova sociedade. Mudar a Igreja é tão difícil como mudar o sistema econômico, pois ela sempre se diz neutra (uma neutralidade engajada do lado do capitalismo). Assim como a igreja também sempre diz que não faz política; só que quando se monta um presbitério numa comunidade primeiro se avalia que todos os partidos políticos têm que estar representados. Isto para garantir a governabilidade deste presbitério. Nunca se pensa nos critérios de At 6.3 “escolhei dentre vós (...) homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria”. O critério é a representatividade político-partidária, o resto é conversa fiada. Ou então se fica na versão antiga onde somente os partidos da direita estão representados no presbitério, esquerda não entra porque estes fazem política e são radicais, segundo aqueles. “Eu não faço política, sou do PFL”. A direita sempre diz que não faz política, assim como os latifundiários dizem que não são contra a reforma agrária. Acredite, se quiser!
Como é que o povo vai sonhar com um outro mundo possível se ele não sabe nem explicar este no qual vive. O povo sabe que está sendo explorado, mas não sabe explicar a sua opressão e nem dizer como esta funciona e muito menos sonha com uma nova sociedade e nem sabe que isto é possível. Os agricultores de Condor dizem que quando, no início do ano de 2004, o saco de soja foi para R$ 52,00 os adubos químicos e venenos subiram com a justificativa de que a soja estava lá em cima. Depois a soja caiu, mas os preços dos produtos químicos usados na agricultura não baixaram, apesar do dólar estar em baixa. Assim os produtos agrícolas caíram para sua base normal, mas os produtos que o agricultor, que baseia sua produção no pacote da “Revolução Verde”, não voltaram para o preço anterior à alta, mas ficaram no dobro do preço do ano anterior. Todos reclamam disto, mas todos plantam soja transgênica, apóiam o pacotaço da “Revolução Verde” e seguem as orientações dos grandes grupos multinacionais das sementes e pesticidas e das Cooperativas. Por quê? Porque nunca alguém explicou como as coisas funcionam: nem os partidos chamados de esquerda, nem os sindicatos, nem as igrejas e muito menos as cooperativas. São explorados pelas grandes cooperativas (comandadas pelos latifundiários – a Cootripal tem na presidência e vice-presidência os dois maiores latifundiários da região de Panambi e Condor) e pelas multinacionais das sementes e dos venenos e defendem seus exploradores. Esta é a função da ideologia: esconder que há classes sociais antagônicas em luta, esconder que existe exploração e como ela funciona e fazer todos pensarem como a classe dominante pensa.
O que nós como igreja fazemos a respeito? Nos omitimos! Desculpe, não nos omitimos, mas tomamos uma posição muito clara, pois apoiamos aberta e intransigentemente o sistema capitalista desde o Conselho da Igreja até o presbitério da menor e mais pobre comunidade da curva do rio Palmeira; não só os membros mas os/as pastores/as também. Se o povo vaga na escuridão a culpa é nossa, da igreja, por comodismo e covardia(?). Como igreja fazemos o contrário do Apocalipse, não revelar o que Deus fala para os dias de hoje e nem mostrar onde estamos e como podemos sair deste buraco. Falamos de Jesus Cristo, mas adoramos o deus capital, de fato e de verdade! Os sacrifícios ofertados no altar do deus capital vemos todos os dias via TV, vemos o sangue de suas vítimas dos holocaustos correr pelas ruas nos assaltos, seqüestros, assassinatos movidos pela pobreza que é o resultados da superexploração à que a classe trabalhadora está exposta. É uma revolução às avessas.
Como posso dizer isto? Pela prática da direção da igreja, desde a comunidade até o Conselho da Igreja, em não viabilizar e em impedir as pastorais e um processo de formação massivo que ameaçam o sistema capitalista pela sua prática de luta e reflexão. Onde a igreja fala abertamente contra o capitalismo? No documento: Manifesto de Chapada dos Guimarães até se aponta de forma muito clara o capitalismo como o problema, colocando como ele se estrutura e se desenvolve, mas não o cita nominalmente; não encontramos neste belo documento a palavra capitalismo. Citar e dizer a palavra ‘capitalismo’ é tabu na igreja! Falar mal, na igreja, do capitalismo é como falar mal de Jesus Cristo, é um sacrilégio! Com isto estamos reforçando a idéia de que capitalismo e Evangelho do Reino de Deus são a mesma coisa, o que não confere! Capitalismo é uma coisa e Reino de Deus é outra coisa totalmente diferente; também socialismo/comunismo não é o mesmo que Reino de Deus, pois também é produção humana. Apesar de que o comunismo, em sua teoria, tem características parecidas com o reino de Deus: sociedade sem classes sociais, igualdade, solidariedade, não existe a exploração de uma pessoa sobre a outra, não existe o Estado. A pergunta é: como deve ser o sistema econômico enquanto o reino de Deus ainda não está totalmente presente entre nós (no período do ‘já agora’) e como nós cristãos vamos participar desta construção (no período do ‘ainda não’)? Quem são nossos aliados nesta busca e construção? Por enquanto os cristãos estão participando da construção do capitalismo e não sonham com outro sistema econômico (Ap 13.4: “e adoraram o dragão porque deu a sua autoridade à besta; também adoraram a besta, dizendo: Quem é semelhante à besta? Quem pode pelejar contra ela?” e Ap 18.4: “Ouvi outra voz do céu, dizendo: Retirai-vos dela, povo meu, para não serdes cúmplices em seus pecados e para não participardes dos seus flagelos”). Temos que ler mais vezes o livro do Apocalipse para aprendermos como se denuncia o sistema deste século, como se faz análise de conjuntura, eclesial e político-econômica, e, principalmente, como se resiste a partir da esperança do Evangelho do Reino de Deus. Deus não é capitalista, ele é Deus! Por outro lado, o capitalismo não é deus para que não possa ser questionado e eliminado. É produção humana. Diria, até, que não lutar contra o capitalismo é falta de fé em Jesus Cristo; é sacralizar o que não é sagrado; é divinizar o que não é divino; é divinizar o que é diabólico, é eternizar o que é passageiro. O capitalismo não é eterno, ele teve começo e terá fim. Ele consegue se recompor e se redimensionar a partir de suas crises cíclicas, mas ele vai desaparecer assim como o tributarismo, o escravismo e o feudalismo desapareceram. O capitalismo passa, a Palavra de Deus permanece.
O que estou dizendo aqui apenas é o óbvio, mas na igreja o óbvio não é óbvio. Deveria ter sido óbvio os cristãos serem contra o escravismo, o nazismo, a ditadura de Pinochet que até dividiu a igreja luterana no Chile como Hitler a dividiu na Alemanha. Portanto, não é óbvio o cristão ser contra o capitalismo mesmo que suas características se mostrem contrárias ao Evangelho de Jesus Cristo. As igrejas cristãs incorporaram o sistema capitalista em suas dinâmicas e estruturas. O estudo da ideologia explica isto.
Abaixo um pequeno esquema das características do Projeto de Deus:
AT – O Primeiro Testamento
Econômico
Ex 16.11-21; Dt 15.4; Lv 25.1-38 Nm 27.1-11
Político
Ex 18.13-27; Js 6-8; Dt 17.14-20; Is 10.1-2; 9.1-7; Dt 1.9-18; Sl 146
Sócio-Religioso
Ex 20.1-17; Dt 6.20-23; Dt 5.6; juízes: Jz 10.1-5; leis: Ex 20.2-17; fé: Js 24.1-15
Ideológico
Ex 32.1-10; Jz 2.16-20; Mq 6.8; Mq 3.1-12; Jz 3.7-11; Gn 11.1-9
Cultural
Is 42.5-7; Am 9.7-10; Is 58.1-10; Gn 11.1-9
Gênero
Gn 1.27; 2.24; Jz 4.1-9; Rt 4.18-22

NT – O Segundo Testamento
Econômico
At 2.42-47; 4.32-37; Ap 18.1-24; Tg 5.1-6; Lc 12.32-34
Político
Mc 10.42-47; Mc 6.30-44; Ef 2.11-22 (19); At 6.1-7; Ap 13.1-18
Sócio-Religioso
Lc 6.20-36; Lc 10.25-37; Mt 22.34-40
Ideológico
Tg 1.27; Rm 12.1-2; Mt 28.16-20; I Co 1.18-31; Lc 4.16-30; Mt 25.1-46; Ap 18.1-8
Cultural
Mt 15.21-28; Gl 3.26-28
Gênero
Gl 3.26-28; Rm 16.1-16; Mc 10.2-9
Comparando as características do Projeto de Deus com o capitalismo veremos claramente as diferenças.
A outra questão é quando e como nós vamos discutir novamente a Teologia da Libertação na igreja além do presidente da igreja ter participado desta discussão no Fórum em Porto Alegre? Ou ele vai convocar uma reunião para essa conversa? Alguém topa discutir o assunto? Entre em contato. Não queremos só discutir, mas ver como viabilizar a TdL na prática das comunidades.
O tema e lema da IECLB deste ano baseados em Rm 12.2 é a grande deixa para explicar como funciona este século. Temos que aproveitar para fazer grupos de estudo sobre este século (capitalismo neoliberal comandado pelo imperialismo dos USA). Por que só falo em sistema econômico? Porque ele determina quase todo o resto de nossa organização (política, cultural, relações de gênero e étnicas, social, ideológica, militar).
Abaixo o programa de rádio que fiz no dia 1º de janeiro de 2005 na Rádio Sul Brasileira de Panambi:
Ler Rm 12.1-2 - Estamos iniciando um novo ano. Também nossa igreja este ano tem um novo lema bíblico que é o texto de Rm 12.2. Tem também um novo tema que é: “Deus em tua graça, transforma o mundo”. Este tema e este lema bíblico reproduzem a essência do Evangelho do reino de Deus anunciado por Jesus Cristo. Se Deus tivesse achado que o jeito que as pessoas estão organizando o nosso mundo estivesse correto ele não teria se tornado carne em Jesus Cristo. Para que Deus viria a este mundo se ele estivesse organizado conforme a sua vontade? Este lema bíblico anuncia a necessidade de uma nova forma de se organizar este nosso mundo. Por isso a pessoa cristã não se conforma com o jeito que a nossa sociedade se organiza. Significa que a essência da fé cristã é o inconformismo frente à realidade deste mundo (século, como diz o apóstolo Paulo).
Por que o cristão não se conforma com este século (mundo)? Porque ele não está organizado conforme a vontade de Deus. Mas, como o nosso mundo está organizado? Ele está organizado no sistema econômico capitalista em sua forma neoliberal comandado pelos interesses imperialistas dos USA.
Como se organiza o capitalismo?
O capitalismo se organiza em cima da existência de classes sociais antagônicas: a classe capitalista contra a classe trabalhadora; estas duas classes têm interesses inconciliáveis. Como? A classe capitalista explora a classe trabalhadora e existe ainda a classe média, que conforme os interesses momentâneos pende para um ou outro lado. A classe capitalista se apropriou dos meios de produção: terra, fábricas, bancos, grande comércio, máquinas, conhecimento e tecnologia (isto se tornou propriedade privada, quer dizer: os outros estão privados de usufruir disto). Assim a sociedade está dividida entre os que possuem a propriedade privada dos meios de produção e os que não a possuem. A classe trabalhadora só possui a sua força de trabalho que ela tem que vender em condições desfavoráveis para não morrer de fome. A liberdade que ela tem é de poder escolher o patrão, às vezes nem isso! Assim as pessoas da classe trabalhadora acabam virando mercadoria no mercado de trabalho. Não são mais gente, mas coisa (mercadoria) que se compra e se vende conforme a lei do mercado da oferta e da procura.
Por isso a comunidade cristã não se conforma com este mundo e o seu jeito de se organizar porque ele transformou as pessoas em mercadoria, em coisa, que se compra e se vende. Deixaram de ser pessoas criadas à imagem e semelhança de Deus para se tornarem mercadoria, objeto. Não foi Deus que criou as classes sociais que perpetuam as desigualdades entre as pessoas, mas o sistema econômico injusto. E, não é Deus a base da sociedade, mas o sistema econômico construído em cima da existência de classes sociais onde uma oprime a outra.
O cristão a partir da fé em Jesus Cristo não se conforma com este jeito da sociedade se organizar, onde a classe capitalista ainda se apropria do aparelho do Estado e controla o jeito de pensar (a ideologia) para garantir que este sistema econômico continue existindo indefinidamente.
O lema bíblico deste ano de Romanos 12 deixa claro que capitalismo e reino de Deus são duas coisas opostas. Denuncia também as pessoas cristãs que se conformam com este nosso mundo e o seu jeito de se organizar, o reproduzem e o defendem. A fé cristã na sua essência requer a luta contra o sistema econômico capitalista. A fé cristã o rejeita porque sobrepõe o ter ao ser e porque se baseia na existência de classes sociais onde a lógica é a exploração e a dominação de uma classe sobre a outra. Este lema bíblico nos convoca a nos organizarmos a partir da comunidade de fé e propormos um novo sistema econômico que não se baseia na luta de classes e que acabe com as classes sociais em nossa sociedade (nosso século), como nos lembra At 2.42-47. A nossa luta a partir da fé em Jesus Cristo é por “novos céus e nova terra, nos quais habita justiça”, conforme II Pe 3.13.

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