20 de agosto de 2011

Gn 6-9: O Dilúvio


O texto é a continuação de Gn 1 onde se luta contra os falsos deuses (Gn 1.16: Sol e Lua) que legitimam o império babilônico que escraviza os camponeses israelitas vencidos. É a luta contra o imperialismo e sua política destrutiva e escravocrata. “Romperam-se todas as fontes do grande abismo e as comportas do céu se abriram” diz em Gn 7.11, isto é a continuidade da compreensão de mundo de Gn 1.6-8 (o firmamento) que está no conjunto da luta contra o imperialismo babilônico que será destruído pelo Dilúvio.
Gn 6.11 diz: “A terra estava corrompida à vista de Deus e cheia de violência”. Em Gn 6.5 diz: “a maldade do homem se havia multiplicado na terra”. Esta maldade e corrupção é o Modo de Produção Tributário que estava assentado no Estado que é o resultado da luta de classes onde a classe economicamente dominante controla o Estado em seu benefício. Esta sociedade classista será aniquilada pelo Dilúvio, onde sobra como resposta a esta sociedade má, a família camponesa de Noé, onde as pessoas e os animais convivem harmoniosamente, num a interdependência, na mesma casa: a Arca. Deus faz uma aliança com a sociedade camponesa, através de Noé, que reconstrói a cultura e o sistema econômico camponês após o Dilúvio, e destrói a maldade que provém do Estado imperialista babilônico com seu Modo de Produção Tributário que escraviza o povo de Israel.
No final há a dispersão pela terra (Gn 9.18-19) numa proposta de uma sociedade tribal pluricultural, como em Gn 11, onde Deus dispersou o povo, que tinha apenas uma linguagem (ideologia), quando parou a construção da cidade (o estado) e a torre (quartel) que abrigava o rei, que queria ser divino (a sua morada, a torre, deveria chegar até o céu).
Também em Gn 6-9 se propõe uma nova sociedade baseada na casa da família camponesa e não no Estado opressor escravista imperialista babilônico. Ao terminar o dilúvio diz que Noé era lavrador (Gn 9.20), camponês; tudo finaliza com uma sociedade agrária tribal sem Estado, sem Templo (apenas um altar), sem classes sociais e onde a terra está à disposição de todos para ser habitada (Gn 9.18). Gn 8.22 diz: “Enquanto durar a terra, não deixará de haver sementeira e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite”. É descrição da dinâmica da vida camponesa no Modo de Produção Tribal. A religião se compõe apenas de um altar e não há templo e nem sacerdotes, que sempre estão a serviço da classe que controla o Estado, para legitimá-lo e legitimar a sua opressão sobre os camponeses.
Retorna-se à sociedade camponesa sem violência e sem medo. A origem da violência está no Estado sustentado pela sociedade classista que explora os camponeses e usa o Templo para legitimar os impostos que espoliam os camponeses para beneficiar a classe que controla o Estado. A qualidade desta nova sociedade construída pela casa camponesa é a justiça, a integridade e o andar com Deus (Gn 6.9); semelhante a Mq 6.8: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o SENHOR pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus”. O texto lembra em Gn 8.21: “é mau o desígnio íntimo do homem desde a sua mocidade” o que nos remete ao NT quando o apóstolo Paulo diz em Rm 3.23-24: “pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus”. Continuamos pecadores que para sermos salvos carecemos do perdão e da graça de Deus. Por isso Deus não fará mais um dilúvio, mas ele mesmo se fez pessoa no camponês palestino sem terra empobrecido e migrante Jesus de Nazaré que morreu na cruz pelos nossos pecados e ressuscitou, numa afronta direta a uma decisão do Estado que condenou Jesus à morte na cruz, para mostrar que o projeto desta nova sociedade que Jesus chama de Reino de Deus não pode ser impedido pelos opressores.
O dilúvio acaba com a atual sociedade imperialista babilônica e se retorna à sociedade tribal camponesa pluricultural onde pessoa e natureza são interdependentes. Não haverá mais dilúvio porque não há mais império (Estado) para ser eliminado e destruído (Gn 9.15) e nem falsa religião (Gn 1.16) que legitima a escravidão. A casa (Arca) aparece como solução apesar das tensões existentes por causa da maldade humana.
Gn 6-9 fala do Dilúvio para acabar com o imperialismo. Hoje o imperialismo cria um novo dilúvio pelas grandes barragens, tanto no rio Uruguai como nos rios afluentes do Amazonas, e isto é contra a vontade de Deus, pois ele disse que não haverá mais dilúvio. Gn 1 e 6-9 nos mostram a luta de Deus contra o imperialismo para eliminá-lo e construir uma nova sociedade baseada na casa do camponês (um novo Modo de Produção) que abriga toda a biodiversidade da Terra, para viver dentro dela e com ela. Nosso desafio é construir também hoje um novo Modo de Produção, a partir da fé em Jesus Cristo, em oposição ao capitalismo, sem classes sociais e sem Estado, onde os meios de produção estão para todos (Gn 9.18) garantindo vida plena e digna para todos e onde a religião não dá sustentação á opressão de classe. Que hoje o altar, onde se partilha o pão e o cálice na Ceia do Senhor, seja também a base de nossa fé que cria na prática uma nova sociedade com as características da partilha, da justiça e da igualdade que o Evangelho do Reino de Deus nos coloca. É no altar de hoje que o Cristo se faz presente em oposição à estrutura eclesial que normalmente está mancomunada com o poder do capital e a serviço dele.
Só que esta nova sociedade que Jesus chama de Reino de Deus, que está em oposição ao capitalismo, não se constrói sem cruz. “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” diz Jesus em Mt 16.24. Por isso Paulo também lembra em I Co 1.18: “Certamente, a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus”. No v. 28 diz: “Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são”. Vivamos lutando pela fé em Jesus Cristo a partir do sonho apocalíptico de João em Ap 18.2-3: “Então, exclamou com potente voz, dizendo: Caiu! Caiu a grande Babilônia e se tornou morada de demônios, covil de toda espécie de espírito imundo e esconderijo de todo gênero de ave imunda e detestável, pois todas as nações têm bebido do vinho do furor da sua prostituição. Com ela se prostituíram os reis da terra. Também os mercadores da terra se enriqueceram à custa da sua luxúria”.
A fé no Cristo crucificado e ressurreto, pelo poder do Espírito Santo, nos dará força para a continuação da luta contra todo e qualquer imperialismo capitalista que quer se adonar do céu (querendo ser deus), da terra e da água para multiplicar o capital, em detrimento da vida humana criada por Deus a sua imagem e semelhança como ser livre (Gn 1.27).

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