Índice
5 Dia
15. História do Movimento Operário Sindical no Brasil
6 Dia
16. Os Períodos da História do Brasil
17. As Lutas dos Oprimidos no Brasil
7 Dia
18. Desafios do Neoliberalismo ao Movimento Popular
19. Mulheres / Feminismo
20. Experiência Histórica do Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais
21. Desafios do Sindicalismo Rural nos Anos 90
8 Dia
22. O modelo tecnológico da agricultura brasileira
23. Bases para transformação econômica e social no meio rural brasileiro
24. Identidade Camponesa
25. Comunidades de Resistência e de Superação
26. MPA, MST, MAB, MTST.
5o Dia
Relembrar o estudado do encontro anterior
Ler este assunto por períodos e caracterizar cada período na plenária. Com isto se usará todo o dia para estudar este tema, pois este tema levanta consigo a História do Brasil deste período. Trazer experiências dos participantes de sua luta sindical, do movimento popular ou daquilo que acontece em seu município.
15. HISTÓRIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO SINDICAL NO BRASIL
Apresentação
Este texto sobre a “História do Movimento Operário Sindical no Brasil”, aborda os principais momentos do sindicalismo brasileiro, nas lutas, conquistas e derrotas. Está dividido em 5 períodos: 1º Período, do início do século até 1930, 2º Período, de 1930 até 1945, 3º Período, de 1945 até 1964, 4º Período, de 1964 até 1990, 5o Período, A defensiva do sindicalismo nos anos 90.
Esperamos que este texto contribua para uma formação crítica e consistente para a luta.
1º Período: do inicio do século até 1930 - Sindicalismo Autônomo
Em nosso País, a história do movimento operário-sindical começa antes mesmo de terminar a escravidão negra. O escravo negro estava sendo substituído nas lavouras pelo trabalhador assalariado imigrante, principalmente pelos imigrantes italianos, espanhóis, e portugueses. Os fazendeiros e os imperialistas, depois de acumular capital por quase 400 anos a custa dos negros, buscavam agora eliminar o sistema escravista.
Num país agrário como era o Brasil, vivendo do plantio e da exportação do café, começam a surgir as fábricas e, junto com elas, os operários. É principalmente com a construção das ferrovias que surgem os primeiros núcleos de operários: os ferroviários. Além dos ferroviários, outras categorias vão surgindo como os portuários, os estivadores, os trabalhadores da construção civil, os têxteis.
Exploração de Mulheres e Crianças
Imigrantes e brasileiros, vítimas das péssimas condições de trabalho no campo, vem para São Paulo e Rio enfrentar o trabalho das fábricas que estavam se formando. Nas indústrias têxteis, as mulheres e crianças (que compunham a maior parte da mão-de-obra) trabalhavam cerca de 16 horas diárias. Até 1912, 67% dos operários têxteis eram mulheres e 50% eram menores de 18 anos. Muitas dessas crianças, de até 6 anos de idade, vinham dos orfanatos.
Nas indústrias do senhor Matarazzo as máquinas vinham da Inglaterra especialmente adaptadas para o trabalho infantil, (E as classes dominantes ainda insistem em afirmar que ele ficou rico "por seu próprio esforço... !)
Para os operários: doenças e favelas.
As fábricas não, possuíam. as menores condições de trabalho: eram abafadas, mal iluminadas e sem nenhuma higiene. Os trabalhadores contraíam muitas doenças: tuberculose, infecções de todos os tipos, e não possuíam nenhum tipo de assistência do Estado nem dos patrões.
Devido aos baixos salários, os operários moravam na periferia das cidades, nos inúmeros cortiços e malocas que ali se formavam. A burguesia, graças à essa exploração imposta nas fábricas e no campo, desfrutava das delícias do capitalismo, habitando os palacetes da Avenida Paulista.
Surgem as Associações.
Frente a essa exploração, os operários buscavam organizar-se: primeiro surgiram as associações mutualistas, que visavam a própria sobrevivência dos trabalhadores, nos casos de doenças, acidentes ou auxílio às famílias desamparadas. Essas Associações não tinham um caráter de luta frente aos patrões, mas já demonstravam uma forma autônoma de organização operária. Assim, vão surgindo formas de luta mais avançadas, onde os operários já propõem a resistência frente ao patronato: eram as ligas ou ASSOCIAÇÕES DE RESISTÊNCIA. As ligas vão dar origem aos Sindicatos e, desde o seu aparecimento, utilizam a greve como principal instrumento de luta.
A Primeira Greve.
A primeira greve operária no Brasil ocorreu no Rio em 1858, onde os gráficos de três jornais paralisaram totalmente as oficinas, pelo aumento imediato de 10 tostões e melhores condições de trabalho. Nesses dias, o único jornal, que circulou foi o JORNAL DOS TIPÓGRAFOS explicando à população os motivos da greve que, apesar da ação policial, foi vitoriosa.
Outras greves foram surgindo: ferroviários em 1863; estivadores em 1877, transportes urbanos, chapeleiros e vidreiros da Santa Marina, em 1903. Mas a classe operária ainda era pequena, não chegando a 150 mil num total de 20 milhões de habitantes, em 1907. E estava concentrada nas fábricas, que já se formavam com características de grande indústria, empregando mais de 100 operários cada uma.
O operariado no Brasil vai se formando dentro desse quadro de uma economia agrário-exportadora, com um lento processo de industrialização. Os operários vão forjando seus sindicatos, suas forças políticas, enfim, sua consciência de classe.
O Anarco-sindicalismo e o 1º Congresso
A tendência política predominante, até meados de 1920, era a anarquista ou anarco-sindicalista, trazida pelos imigrantes, que via nos sindicatos o principal instrumento de luta contra o Estado capitalista. Os anarquistas serão os mais expressivos no 1º Congresso Operário Brasileiro, realizado no Rio em 1906, onde foi aprovado que o sindicato deve ser de resistência, e não beneficente. Deve ser totalmente autônomo frente ao estado, não deve ser mutualista e nem cooperativista.
Os trabalhadores devem se organizar por indústria, formando Conselhos de Representantes: o elo de ligação entre as empresas e os Sindicatos. As primeiras categorias que criaram os seus Conselhos foram: os gráficos, os chapeleiros, os operários da Construção Civil, e assim incentivaram as demais categorias.
O Congresso propunha também a criação de Sindicatos Femininos, para organizar as mulheres frente às duas condições de trabalho a que estavam submetidas. No Congresso é criada a COB (CONFEDERAÇÃO OPERÁRIA BRASILEIRA), baseada no sindicalismo revolucionário, independente do Estado e dos patrões, sustentada exclusivamente pelos operários.
Eram anos de profundas agitações operárias: em 1906, a greve dos ferroviários ganham dimensão de greve geral, nos seus 15 dias de duração. No ano seguinte, ocorrem greves em São Paulo, Rio, Minas, Porto Alegre, Bahia.
No dia 1º de Maio, convocados pela Federação Operária de São Paulo (FOSP), os operários de quase todo o Brasil pararam. Exigiam a redução da jornada para 8 horas diárias, melhores condições de trabalho e respeito às suas organizações. O Governo reagia com repressão: invadia os sindicatos e fazia leis visando à expulsão dos trabalhadores estrangeiros, como a Lei Adolfo Gordo, de 1907.
Os Amarelos.
Os patrões passam a recrutar os novos trabalhadores, não pelo Departamento do Pessoal da Empresa, mas pela Delegacia de Polícia Regional, que preparava um relatório da vida de cada operário. O Governo procurava minar o movimento autônomo dos trabalhadores, exigindo o registro de seus sindicatos e organizando um Congresso Operário que tinha como membro de honra o Presidente da República, Hermes da Fonseca. Com essas medidas, buscava criar lideranças dóceis ao Governo (os chamados "amarelos") e dar vantagens aos sindicatos que eles dirigiam.
Os "amarelos", ao contrário dos anarco-sindicalistas, nunca questionavam o Sistema e, quando faziam greves, nunca iam além das reivindicações imediatas.
Os ferroviários e os portuários recebiam um tratamento especial por parte do Governo dos cafeicultores, porque estavam ligados diretamente ao transporte e à exportação do café.
O 2º Congresso
Os anarquistas reagiam com firmeza contra essas tentativas de controle. Em 1913, num clima de greves, realizam o 2º Congresso Operário Brasileiro, após uma intensa campanha repudiando a Lei Adolfo Gordo. Esse Congresso reafirma as decisões do primeiro e exige um salário-mínimo nacional. Recomendava aos trabalhadores que se afastassem do sindicalismo católico e, em caso de guerra, declarassem a Greve Geral Revolucionária.
A Primeira Guerra Mundial trouxe sérias conseqüências para os trabalhadores: o desemprego, a falta de alimentos, a super-exploração do trabalho. Mas os operários reagem e, em São Paulo, 1917, paralisam o Cotonifício Crespi, na Moóca e, logo, outras fábricas aderem: Estamparia Ipiranga e a Antártica. Os grevistas reivindicam: aumento salarial de 15 a 20%, diminuição da jornada de trabalho para 8 horas diárias, proibição do trabalho noturno de mulheres e crianças e o fim da contribuição Pró-Pátria.
Em 19 de julho, o sapateiro Antonio Martinez é morto a tiros pela polícia, na porta da tecelagem Mariângela. Revolta geral: numa intensa manifestação (uma passeata que ia do Brás até o Cemitério do Araçá) os operários acompanhavam o corpo do companheiro assassinado. Atendendo ao chamado do COMITÊ DE DEFESA PROLETÁRIA, os trabalhadores de todo o Estado respondem: GREVE GERAL! O número de grevistas chega a 50.000: saques, confrontos com a polícia, piquetes; até barricadas foram armadas nos bairros operários.
Por vários dias, a cidade de São Paulo foi controlada pelos operários: leite e carne são distribuídos somente aos hospitais e com autorização da Comissão de Greve. O Governo e os patrões tiveram que ceder: aumento geral de 20%, salários fixos mensais, direito de reunião, recontratação dos companheiros demitidos durante a greve.
Entre 1918 e 1920, ocorreram quase, cem greves (Rio, Porto Alegre, São Paulo, Bahia, Pernambuco) exigindo aumento de salários e melhores condições de trabalho. Os sapateiros e trabalhadores da construção civil conquistaram a jornada de 8 horas.
O Auge do Anarco-Sindicalismo
Primeiro de Maio de 1919. Na Praça Mauá, Rio, mais de 50 mil operários se concentram, comemorando o dia do Trabalhador como um dia de luta e saudando os companheiros de todo o mundo. Esse período representou o auge do movimento anarco-sindicalista no Brasil. Mas os próprios anarquistas reconheciam que as vitórias não estavam à altura das movimentações ocorridas.
As ações, embora heróicas e com muita combatividade, pecavam pelo excesso de espontaneísmo e supervalorização dos sindicatos, ficando as reivindicações no plano estritamente econômico. Os operários anarquistas não conseguiram levar adiante uma ação mais profunda contra o Estado burguês e o sistema capitalista, por não haver a devida correspondência entre as lutas econômicas e as políticas.
O 3º Congresso e os Comunistas
Em 1920, realiza-se o 3º Congresso Operário Brasileiro, que já refletia uma divisão político-ideológica no movimento operário. Surgia a corrente comunista; formada em parte pelo questionamento do anarquismo, por um setor de seus militantes. E também devido à propagação do marxismo-leninismo e pelo impacto causado pela Revolução Proletária Russa de 1917.
Os comunistas atuam principalmente no campo sindical buscando reunir os trabalhadores em organizações centrais pois o capitalismo crescia e concentrava os operários. 1922: os comunistas fundaram o PCB (Partido Comunista do Brasil) procurando participar da vida política institucional do País ao concorrerem às eleições com candidatos operários.
Dizia o PCB da época: "O proletariado já vai adquirindo uma consciência de classe: já vai compreendendo serem seus interesses opostos aos da burguesia... Portanto, os trabalhadores não querem mais votar nos candidatos-patrões ou seus aliados e devem participar com candidatos próprios"...
Mas o Estado dos patrões aprova a chamada LEI CELERADA para intervir nos sindicatos e colocar o PCB na ilegalidade. Ao mesmo tempo, criava um Estado de Guerra para controlar as ações dos tenentes revoltosos que começavam a se desenvolver desde o sul do País.
O Tenentismo.
O tenentismo foi um movimento dos setores médios do Exército e serviu para abalar o Governo. Através da Coluna Prestes, percorreu quase todo o País pregando a luta armada contra os patrões e latifundiários. Greves, tenentismo, crise política e econômica interna, aposições que surgiam de toda a parte, até mesmo de setores das classes dominantes, que buscavam uma saída para os problemas que o País enfrentava.
As greves prosseguiam: 1923, gráficos de São Paulo param por 22 dias; trabalhadores do Frigorífico Armour, no Rio G. do Sul também param; em 1928, os marítimos realizam sua greve geral. Em 1929, os gráficos de São Paulo, numa greve de 72 dias, exigem melhores salários e a diminuição da jornada de trabalho, além de outras reivindicações. Realiza-se o CONGRESSO SINDICAL NACIONAL (Rio de Janeiro), sob a liderança dos comunistas, onde foi criada a CGTB (Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil) e aberta uma Campanha Pública pela aprovação da Lei de Férias.
O capitalismo enfrentava uma crise mundial de sérias proporções - a chamada Crise de 29 - iniciada nos Estados Unidos e logo com repercussões nos demais países. Mudanças estavam por ocorrer.
Sindicalismo Autônomo
Até 1930, os sindicatos eram totalmente autônomos frente ao Estado. Os trabalhadores organizavam seus Estatutos, suas finanças, suas Centrais e intersindicais, de acordo com seus princípios e correntes políticas. Nesse período, os trabalhadores lutaram para conquistar principalmente: a jornada de 8 horas, a Lei de Férias, o salário-mínimo, o Direito de Greve, a regulamentação do trabalho da mulher e do menor, pregando a luta de classes, a solidariedade internacional.
2º Período: de 1930 até 1945 - Resistência e Controle
Até 1930, o movimento operário-sindical brasileiro era autônomo com relação ao estado. Os sindicatos, as Centrais e Intersindicais estavam organizados de acordo com os princípios e correntes políticas da classe trabalhadora. Do mesmo modo, as bandeiras sempre presentes nas lutas dos operários eram: a solidariedade internacional, o combate ao sistema capitalista e o princípio da luta de classes.
Os nossos companheiros deram até a vida para conquistar a jornada de 8 horas, a regulamentação do trabalho do menor e da mulher, a luta pelo direito de greve e organização, a Lei de Férias e o salário-mínimo.
Com a crise de 1929, o Brasil entra em colapso pois vivia basicamente da exportação do café, com um parque industrial reduzido. Não existia mercado exterior para a compra do nosso principal produto. Para sair da crise, setores das classes dominantes, apoiados nas camadas médias, e excluindo totalmente a participação dos trabalhadores, fazem a sua Revolução, com Getúlio Vargas na cabeça.
A Revolução Burguesa de 30
A Revolução de 30 procurava resolver a crise dando impulso à industrialização; contava com capital inglês, norte-americano e dos cafeicultores. Os trabalhadores novamente pagaram pela crise: os salários foram rebaixados até a metade e o número de desempregados chegou a quase 2 milhões em todo o Brasil.
O Governo, para resolver o problema do desemprego, recrutava à força os trabalhadores da cidade e os enviava para fazendas distantes. Se resistissem, seriam presos por vagabundagem. Os trabalhadores reagem com passeatas e greves: no Rio de Janeiro, a CGTB (Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil) organiza a MARCHA DA FOME, conclamando os operários a assaltarem os armazéns da cidade em busca de alimentos. A polícia da REPÚBLICA NOVA é mobilizada para reprimir o movimento: toda pessoa que fosse encontrada distribuindo convocatórios da MARCHA seria presa; os líderes do movimento seriam expulsos do País.
A Colaboração de Classes.
As greves pipocavam no Rio e nos demais Estados: na indústria de tecidos Nova América, os operários ocupam a fábrica, reivindicando o não-rebaixamento do salário; em São Paulo, ocorriam mais de 18 greves. Era a resposta dos trabalhadores à crise econômica. Enquanto isso, no Rio de Janeiro, os AMARELOS realizam uma passeata de apoio a Getúlio Vargas, com a participação de 29 sindicatos, numa clara resposta à MARCHA DA FOME organizada pelos comunistas. Este era o plano da Revolução de 30 para o Movimento Operário: Eliminar os que não aderissem ao jogo e criar vantagens para os que aceitassem fazer parte dele.
Através de unia intensa campanha, o Estado getulista dizia: “É preciso a colaboração de uns e de outros... da cooperação e do congraçamento de todas as classes. Já é hora de substituir o velho e negativo conceito de luta de classes pelo novo conceito de colaboração de classes...”
O Ministério do Trabalho contra os Trabalhadores
Criou-se o Ministério do Trabalho (órgão do Estado) que visava controlar e atrelar ao Governo o movimento autônomo dos trabalhadores. Pelo Decreto 19.770, esse Ministério tinha o direito de intervir nas Diretorias, nas Assembléias. nas eleições e nas finanças dos sindicatos. Os sindicatos deviam agora registrar seus Estatutos em Cartório e terem a aprovação do Ministério do Trabalho para o seu funcionamento.
Dizia Getúlio: “O melhor meio de garantir o Capital está justamente em transformar o proletariado numa força orgânica de cooperação com o Estado e não deixar os trabalhadores, pelo abandono da Lei, entregues a ação de elementos perturbadores, destituídos dos sentimentos de Pátria e de Família”.
A questão social, portanto, não seria mais tratada somente como questão policial. LEIS + CONTROLE SINDICAL + REPRESSÃO seriam as 3 palavras-chave do Governo Getulista.
Os Operários dizem não.
Mas, os operários combativos resistiam a essas pressões, dizendo não à política de Getúlio; somente 25% dos sindicatos do Rio, São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul aceitavam as normas de sindicalização. Os trabalhadores, através dos inúmeros jornais proletários e dos comícios de rua, denunciavam as leis fascistas que o Governo queria impor ao movimento sindical. E denunciavam: "Sendo esse Ministério, departamento do Governo dos patrões, todas as questões tem que ser resolvidas de acordo com os interesses patronais embora uma ou outra vez façam algumas concessões para não se desmascararem de todo".
A resistência partia dos bancários, dos gráficos, dos trabalhadores em hotéis e similares, dos metalúrgicos, dos trabalhadores da Light e dos têxteis, que se mantinham AUTÔNOMOS frente ao Estado. À frente desse movimento estavam os anarquistas, os comunistas do PCB, os Trotsquistas, os socialistas e independentes...
As greves prosseguiam: em 1932. os sapateiros e os ferroviários de São Paulo entram em greve exigindo a proibição do trabalho de menores de 14 anos e a jornada de 8 horas diárias. Logo aderem os vidreiros, os metalúrgicos, os condutores, os trabalhadores de hotéis e similares, os gráficos e os têxteis, na tentativa de uma Greve Geral em São Paulo. Mais uma vez, o Estado põe a polícia contra os trabalhadores, dissolve o comitê da Greve, prende seus líderes, em sua maioria, os dirigentes do Partido Comunista.
Com essas lutas e resistência, os trabalhadores conquistam a Lei de Férias, a Jornada de 8 horas, a regulamentação do trabalho da mulher e do menor, a lei do Salário-mínimo.
Getúlio: pai dos pobres e mãe dos ricos
O Governo, entretanto, tentava convencer os trabalhadores menos conscientes de que essas Leis eram um “presente” de Getúlio Vargas, o Pai dos Pobres, para a classe trabalhadora. Para fazer pressão, através de um Decreto de 1934, o Estado só concedia férias aos trabalhadores que fossem filiados aos sindicatos atrelados ao Ministério do Trabalho. Todas essas medidas tinham como objetivo destruir os sindicatos de oposição e jogar a classe trabalhadora contra as suas legítimas lideranças, favorecendo os "amarelos".
Em nível internacional, o capitalismo busca saída para a crise no avanço do nazi-fascismo e na perspectiva de uma nova Guerra Mundial. Em 1934, foram organizadas FRENTE ÚNICA SINDICAL e a FRENTE ÚNICA ANTI-FASCISTA, como resposta a Getúlio e aos fascistas brasileiros (os integralistas), liderados por Plínio Salgado.
Aliança Nacional Libertadora - ANL
Foi organizada a Aliança Nacional Libertadora - ANL, um movimento que chegou a reunir mais de 400 mil membros, com um programa democrático, popular e antiimperialista. Os Aliancistas pregavam:
governo popular
liberdade para o povo contra o pagamento da dívida externa
distribuição das terras dos latifundiários para os trabalhadores rurais
nacionalização das empresas estrangeiras no Brasil.
A Lei de Segurança Nacional
O Governo reagia violentamente, prevendo o avanço popular: vários líderes anti-fascistas foram presos; sindicatos de São Paulo e Rio foram invadidos pela polícia. Em abril de 1935, é decretada a Lei de Segurança Nacional e dissolvida a recém-criada Confederação Sindical Unitária (CSUB).
Era só o começo: logo a ANL foi posta na ilegalidade e o Estado de Sítio foi utilizado para justificar a repressão. Restou à ANL reagir, propondo um levante armado contra o Governo. Em Natal, no Rio Grande do Norte, durante 4 dias os setores populares tomaram o poder. Constituiu-se um Governo Popular Revolucionário: os fundos do Banco do Brasil local foram expropriados e distribuídos à população; os transportes ficaram gratuitos para todos. Houve levantes no Recife e no Rio de Janeiro; mas, sem a necessária organização e articulação com o movimento de massas, a ANL não consegue atingir os seus objetivos.
A polícia retoma a cidade de Natal e desencadeia uma brutal repressão em todos os Estados: vinte mil pessoas foram presas, as lideranças políticas e sindicais foram torturadas, deportadas e até mortas; os sindicatos de oposição sofreram intervenção. É nesse exato momento que o movimento autônomo dos trabalhadores foi golpeado. Getúlio Vargas só poderia consolidar seu plano quando derrotasse o movimento operário e político de oposição.
O Estado Novo
Agora, o movimento sindical ficava ainda mais aberto às associações "amarelas" e à consolidação dos "pelegos" sindicais. Valendo-se do pretexto do "perigo comunista" Getúlio se antecipa às eleições presidenciais de 1937 e dá um GOLPE DE ESTADO, o golpe do ESTADO NOVO.
O ESTADO NOVO atrela ainda mais o Movimento Sindical ao Governo, além de suprimir toda e qualquer liberdade de manifestação e organização. A classe operária resiste como pode: não podia se organizar em sindicatos livres, mas também não se filiava aos sindicatos do Governo. O número de sindicalizados diminui assustadoramente em São Paulo e no Rio. O Estado utiliza então uma estratégia tentando atrair os operários para dentro dos sindicatos oficiais: em 1939 e 1940, vêm as Leis de Enquadramento e do Imposto Sindical, com o objetivo claro de transformar os sindicatos em órgãos de assistência social.
O Imposto Sindical
A Lei do Enquadramento de inspiração fascista, regulamenta pela cúpula a formação dos Sindicatos, das Federações e das Confederações, tudo sob o controle direto do Ministério do Trabalho. Pelo Imposto Sindical, todo trabalhador é obrigado a pagar um imposto anual equivalente a um dia de seu salário.
Do total geral assim arrecadado, 60% vão para os sindicatos, 15% para as Federações, 5% para as Confederações e 20% para o Departamento Nacional de Empregos e Salários. Com essas medidas, o governo favorecia a CORRUPÇÃO SINDICAL e transformava os sindicatos de luta em sindicatos assistencialistas com médicos, dentistas, colônias de férias, advogados.
Comparando os jornais do Sindicato dos Gráficos, que foi uma das categorias mais combativas até 1935, podemos perceber o que significa para o nosso movimento a estrutura sindical atrelada. Estava assim consolidada a estrutura sindical vertical e atrelada ao estado, baseada na "Carta del Lavoro" do fascismo italiano, e que perdura até hoje praticamente a mesma.
A CLT
Em 1943, vem a Consolidação das Leis Trabalhistas CLT, colocar num mesmo saco as Leis e os Decretos baixados desde 1930, e, em sua maioria, contrários aos interesses reais dos trabalhadores. Até 1943, o movimento operário brasileiro permanece em refluxo. Mas é necessário registrar a resistência e a combatividade do movimento frente à implantação da estrutura sindical fascista e do Estado Getulista.
Com a implantação dessa estrutura sindical, o Estado patronal consegue impor o seu modelo de industrialização, favorecendo os capitalistas e garantindo a super-exploração da classe trabalhadora.
O Estado investiu enormes quantias de capital em setores como: siderurgia, metalurgia, transportes, energia elétrica. No plano ideológico, o Departamento de Imprensa e Propaganda DIP, de Vargas preparava uma vasta campanha em defesa dos ideais do ESTADO NOVO: paz e harmonia social.
Mas, a partir de 1943, a ditadura começa a ser questionada por vários setores da sociedade brasileira. Estávamos em plena Segunda Guerra Mundial, onde a maioria dos países, liderados pela União Soviética e Estados Unidos, unia-se para combater o nazismo. Getúlio Vargas joga, então toda a sua cartada no movimento operário, acenando com propostas democráticas para se manter no poder.
Os ministerialistas
Para reforçar tal política, os ministerialistas- (pelegos da época) iniciam a campanha "QUEREMOS CONSTITUINTE COM GETÚLIO". Era o chamado movimento QUEREMISTA. Os comunistas (muitos ainda na cadeia) passam a opoiar tal campanha, acreditando que seria um passo a mais na conquista da democracia. Era a tese da UNIÃO NACIONAL, defendida pelo PCB, que buscava unir todos os setores da sociedade, inclusive a burguesia, para derrotar a ditadura.
Desse modo, embora passassem a atuar nos sindicatos concorrendo com os ministerialistas, os comunistas procuravam desestimular as greves, evitando o confronto com a burguesia: era a política de apertar os cintos. Mas, a classe operária (vítima dos baixos salários, do excesso de horas-extras, do esforço de guerra) não aceita essa política, forçando os comunistas a assumirem as greves e lutas.
Em 1944, ferroviários e mineiros do Rio Grande do Sul paralisam suas atividades, seguidos dos trabalhadores de Utinga (ABC) e da Good-Year (São Paulo) que realizavam operação-tartaruga. Em abril de 1945, é criado o Movi mento de Unificação dos Trabalhadores - MUT, formado por dirigentes sindicais de três Estados, e que pregava, entre outros pontos, a liberdade sindical, a democracia sindical e sindicalização rural.
O fim da 2º Guerra Mundial
Em 26 de junho de 1945, terminava oficialmente a Segunda Guerra Mundial, com a derrota do nazi-fascismo, deixando um saldo de milhões de mortos em todo o mundo. É nesse período da derrota do fascismo e da luta pela democracia que se dá a queda da ditadura de Vargas, o fim do Estado Novo.
A sociedade brasileira passava então por um processo de mudanças com anistia, legalização e criação de partidos, eleições, Constituinte. O movimento sindical saía da escuridão do Estado Novo, com mobilizações, greves, congressos, retomando os sindicatos, criando centrais sindicais.
3º Período: de 1945 até 1964 - Da retomada das lutas ao Golpe Militar de 1964
Em 1946, com o apoio de Vargas, o General Dutra, antigo ministro da guerra do Estado Novo, é eleito presidente. De 1945 a 1946. o número de sindicalizados sobe de 475 mil para 800 mil. Nos primeiros meses de 46, mais de 60 greves estouram em todo o pais. Em janeiro de 1946, ocorre a greve nacional dos bancários que, depois de mais de 20 dias de paralisação, conquistam um piso mínimo para a categoria. Além dos bancários, os metalúrgicos de São Paulo e do ABC fizeram inúmeras greves, muitas delas organizadas por COMISSÕES dentro das fábricas. A burguesia, acostumada com o Estado Novo, faz de tudo para impedir as greves. Nesse sentido uma das primeiras medidas do governo Dutra, foi o decreto 9.070 - A Lei Anti-Greve.
Uma Nova Constituição para os Patrões
Em 1946, a Assembléia Nacional Constituinte, elabora uma nova constituição, sob o controle do Estado e dos patrões.
O Estado aumenta o ataque ao Movimento Operário e Sindical. Por exemplo em 1946, impede a posse do prefeito comunista eleito em Santo André (Armando Mazzo). Em 1947, coloca o PCB na ilegalidade e cassa todos os seus parlamentares. Proíbe a existência do MUT, intervém em mais de 400 sindicatos e fecha a recém-criada Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil - CGTB, e adia as eleições sindicais por 2 anos.
Cria a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria - CNTI, apoiada na estrutura sindical atrelada, colocando em sua direção velhos pelegos. Assim, Dutra satisfez a burguesia brasileira e aplicou a política da Guerra Fria imposta pelos Estados Unidos, que buscava brecar o avanço do socialismo a nível mundial.
A classe Operária resiste.
Em 1948. ferroviários de Minas Gerais e São Paulo, têxteis, mineiros de São João Del Rei, metalúrgicos, médicos, engenheiros: são 250 mil grevistas exigindo aumento salarial. Nessas greves. são assassinados pela polícia o ferroviário Rolão, 3 trabalhadores de Santo Amaro na Bahia e 2 mineiros de São João Del Rei. Assim é a Democracia burguesa. Com os Sindicatos sob intervenção, os operários dentro das fábricas, organizam na clandestinidade as greves e as comissões.
Os trabalhadores diminuem a participação nos Sindicatos, fazendo baixar o número de sindicalizados para 700 mil, em 1950. O Partido Comunista muda sua linha política, propõe greves, orienta o trabalho para dentro das fábricas e propõe a luta revolucionária das massas para chegar ao poder.
Estrutura Sindical fascista, Lei Anti-Greve, assassinatos, cassação do PCB, fechamento da Central Sindical, intervenção nos Sindicatos, arrocho salarial... Essas foram as medidas adotadas pelo Governo Dutra, durante o período da chamada democratização brasileira.
O Populismo.
Com a eleição de Getúlio Vargas, em 1951, o Estado muda de tática e põe em cena o POPULISMO. Volta a política de paz social e da colaboração de classes, desta vez para um proletariado que chega a 1.500.000 (um milhão e meio) em todo o Brasil. Getúlio Vargas disse aos trabalhadores, no dia 1º de Maio de 1951: “É preciso que vos organizeis solidariamente em Sindicatos, formando um bloco forte e coeso ao lado do governo... nenhum governo poderá dispor de força se não contar com o apoio das organizações operárias”.
Nesse ano, os trabalhadores conquistam um reajuste de 100% do salário mínimo. Este foi o primeiro reajuste desde 1943. Em 1951/52, o Movimento Grevista continua, envolvendo um milhão de trabalhadores que exigiam aumento de salário, congelamento dos preços e abono de Natal. Este abono foi conquistado em 1962 sob a forma de 13º salário.
Em 1953, 800 mil trabalhadores de todo o Brasil testam na prática a estrutura sindical que proibia as greves e impedia as articulações entre os sindicatos. Em São Paulo, a paralisação começa com os têxteis e ganha a adesão dos metalúrgicos, marceneiros, vidreiros, e gráficos que por 27 dias paralisam todo o Estado. Conquistaram aumento salarial e a soltura dos grevistas presos. Esta greve ficou conhecida como “a dos 300 mil”.
Pacto de Unidade Intersindical - PUI
Desta greve nasceu o Pacto de Unidade Intersindical - PUI, que até 1958 comandará as lutas, unindo diversos sindicatos. Em suas assembléias, participavam milhares de trabalhadores e representantes do movimento popular.
Em 1954, a Greve Geral contra a carestia pressiona o Governo, exigindo aumento do salário-mínimo e congelamento dos gêneros de primeira necessidade. E a greve dos 100 mil marítimos de vários Estados provoca a queda do Ministro do Trabalho, entrando Jango presidente do PTB em seu lugar. E o movimento se alastra para a Zona Rural de São Paulo e Pernambuco onde 30 mil trabalhadores entram em greve, exigindo aumentos salariais e melhores condições de trabalho.
Esses movimentos agravam as contradições dos populistas: Jango, numa tentativa de se aproximar dos trabalhadores, lança a proposta de reajuste de 100% no salário-mínimo. Isto provoca forte oposição dos setores reacionários. Um setor dos militares, apoiado pelo imperialismo e monopólios nacionais lança o manifesto dos coronéis, opondo-se ao aumento e exigindo a demissão de Jango, o que de fato ocorre.
A política Getulista de acender uma vela para Deus e outra para o diabo movimenta o setor progressista e os reacionários. Ao mesmo tempo em que atende uma antiga reivindicação do setor progressista com a criação da Petrobrás, faz um acordo militar com os Estados Unidos.
No 1º de Maio de 19.54, Getúlio anuncia que será concedido o reajuste de 100% do salário mínimo prometido por Jango. Ocorrem greves e manifestações em todo o Brasil pela aplicação imediata do aumento; no Rio Grande do Sul a greve chega a ser geral. Mas o reajuste será apenas de 42%. O Estado Getulista, cede mais uma vez aos patrões.
O suicídio de Getúlio em agosto de 54 provocou grandes manifestações e depredações que assumem um caráter antiimperialista. Nos dez anos seguintes, os populistas usam o carisma de Getúlio Vargas para controlar o Movimento Operário.
A economia brasileira se expandiu mais nos setores da metalurgia, eletrônica, química e farmacêutica. Com a expansão da economia cresceu a classe operária.
Café Filho, que substituiu Getúlio, utiliza as leis sindicais e a repressão para conter o movimento operário. Os sindicatos que lutam sofrem intervenção e as diretorias comunistas são impedidas de tomar posse.
A partir de 1955, inúmeras greves causam um aumento real de salário; o numero de empregos sobe devido à enorme quantidade de capital imperialista investido na indústria. São mais de 300 greves envolvendo várias categorias de trabalhadores. É neste período que o salário mínimo atinge o seu maior valor. A greve de 1957, conduzida pelo PUI e que paralisou São Paulo, conseguiu aumentos salariais e obrigou o Governo de Juscelino a recuar na sua política de arrocho.
O movimento operário dava um conteúdo político às greves, incluindo questões como: FMI, Política Internacional, defesa dos interesses nacionais. A estrutura sindical estava sendo derrubada na prática com a formação de articulações para direção do movimento proibidas pela CLT, como por exemplo: PUI, PUA, CST, CPOS. Em 1959, ferroviários, marítimos, portuários, professores, bancários... num total de 500 mil grevistas em todo o país, lutam contra a política de arrocho e carestia imposta pelo governo Juscelino.
As Ligas Camponesas
No campo, a situação de extrema miséria leva os trabalhadores a se organizarem em sindicatos e criarem movimentos, como as Ligas Camponesas, o Movimento dos Sem Terra e a Ultab. A Liga da Galiléia. em 1955, simboliza o movimento camponês de todo o Brasil, que luta pela defesa da terra, reforma agrária, aplicação das leis trabalhistas nas áreas rurais, sindicalização e formação de cooperativas.
A partir de 1960, ampliam-se as greves de caráter anti-imperialista em defesa das riquezas nacionais e pelas liberdades sindicais. O movimento sindical se divide: de um lado, o setor nacional-popular ligado ao PCB e à ala esquerda do PTB; de outro, o setor dos pelegos, com o chamado Movimento Sindical Democrático, apoiado pelos patrões.
Em 1960, na greve da paridade, 400 mil trabalhadores paralisaram os transportes ferroviários, marítimos e portuários exigindo a equiparação de seus salários ao dos militares. Essa greve desencadeou violenta repressão com mais de 100 prisões, e a acusação de que o movimento era uma conspiração comunista continental. Apesar disso, foi vitoriosa e fortaleceu o Pacto de Unidade e Ação - PUA.
Em 1961, após a renuncia de Jânio Quadros, o movimento sindical realiza uma greve geral em apoio à posse de João Goulart, que os militares queriam impedir. Nesse mesmo ano, os trabalhadores brasileiros faziam manifestações em defesa da revolução cubana, condenando o imperialismo Norte-Americano, que financiou uma fracassada invasão a Cuba.
O Comando Geral dos Trabalhadores - CGT
No ano de 1962, com lutas e greves, é conquistado o 13º salário, os metalúrgicos conseguem um aumento de 60% e a demissão do Ministério proposto pelo Congresso, em sua maioria reacionário. Neste processo de lutas, em agosto de 1962, é fundado o Comando Geral dos Trabalhadores - CGT, que comandará o movimento sindical até o golpe de 1964.
O CGT, mesmo ilegal, impulsiona as campanhas pelo pagamento do 13º salário, reajuste de 100% do salário mínimo e a volta do presidencialismo, que deu maiores poderes a João Goulart. As lutas políticas do CGT, com posições nacionalistas e reformistas, se combinam com reivindicações econômicas e de liberdade sindical. Há uma aproximação entre a cúpula do CGT e o presidente Jango, para dar impulso às reformas de base. que visavam principalmente o controle da remessa de lucros e a reforma agrária.
A Direita se Articula
Os setores progressistas da sociedade brasileira, criaram a Frente Popular de Mobilização e a Frente Parlamentar Nacionalista, que lutavam contra o avanço do imperialismo e em defesa da soberania nacional. A direita se organiza, financiada pela grande burguesia nacional e pelo imperialismo, em organismos como o IPES, IBAD, MAC. Através do golpe buscavam conter o movimento operário.
A burguesia da cidade e do campo, a classe média, os militares mais graduados, a igreja católica em sua maioria, uma grande parcela de deputados e senadores ligados à UDN e ao PSD, e os pelegos do movimento sindical, apoiavam a iniciativa de desfechar um golpe de Estado. Os pelegos, estimulados pelos patrões e pelo assessor de Jango no Ministério do Trabalho, fundaram uma Central Sindical (UST) de conteúdo anti-comunista, para se opor à CGT e dividir o movimento sindical. Com essa medida, Jango buscou se aproximar dos setores conservadores da sociedade, pensando com isso permanecer no poder.
Em 1963 o CGT comanda duas grandes greves no Estado de São Paulo: uma, que começa em Santos, com o movimento das enfermeiras da Santa Casa e ganha a adesão de todos os trabalhadores daquela cidade. E a outra em São Paulo, quando 14 categorias com mais de 700 mil grevistas, exigem o aumento imediato de 100% do salário mínimo.
Mesmo com a polícia do Governador Ademar de Barros reprimindo, os grevistas conquistam um aumento imediato de 80% e mais 25% no prazo de 6 meses. Ainda em 1963, outra medida vai abalar as relações entre o CGT e Jango, quando este propõe a decretação do Estado de sítio para apurar as denúncias de golpe.
A Frente Popular de Mobilização lança um manifesto acusando Jango de conciliar com os conservadores e reacionários: o estado de sítio serviria para deixar os militares livres para se organizarem contra o setor progressista. O presidente volta atrás em sua decisão, para não perder o apoio dos setores populares, única maneira de se manter no poder. O ano de 1963 termina com a a conquista do salário-família, uma intensa campanha pelo aumento do salário mínimo, o fim do Parlamentarismo e a agitação das Reformas de base.
O ano de 1964.
O ano de 1964 começa com a segunda vitória da chapa apoiada pelo CGT na direção da CNTI contra os pelegos.
A intensa campanha pelo aumento do salário-mínimo obriga Jango a conceder aumento de 100% para congelar os preços dos gêneros de primeira necessidade, fazendo com que o CGT ganhasse maior apoio dos trabalhadores. Logo os setores reacionários da sociedade, a serviço do imperialismo, apontam para o perigo da instauração da República Socialista no país. E passam a reprimir violentamente toda e qualquer manifestação em defesa das reformas de base, queimam a sede da UNE no Rio de Janeiro e organizam as Marchas da Família com Deus e pela liberdade.
Os militares reacionários utilizam a Revolta dos Sargentos e dos Marinheiros como pretexto para depor João Goulart e passam a pregar abertamente o golpe de Estado. No dia 13 de março, com 200 mil pessoas, realiza-se um comício exigindo a imediata aprovação das reformas de base, o que de fato ocorre. O presidente, durante o comício assina dois decretos, nacionalizando as refinarias de petróleo particulares e o início da Reforma Agrária em áreas próximas a rodovias e ferrovias federais e açudes públicos. Foi o fim de Jango e também do CGT. Em 31 de março, os militares testas de ferro da grande burguesia dão um golpe de Estado. O CGT reage e propõe a greve geral que fracassa porque só algumas categorias atenderam ao apelo.
Com os líderes cassados e presos, a classe trabalhadora fica, sem direção política. O governo militar intervém nos sindicatos, prendem, assassinam e expulsam do pais as principais lideranças políticas e sindicais. De 1945 a 1964, o Movimento Operário e as forças progressistas conquistaram inúmeras vitórias, porém não conseguiram impedir o Golpe de classe articulado pelo Grande Capital. Por que fomos derrotados?
4º Período: De 1964 até 1985. Do golpe militar ao novo sindicalismo
31 de março de 1964 marca a data do golpe de classe dos capitalistas contra os trabalhadores. A forma de governo mais adequada ao capital é a ditadura militar. Os novos donos do poder dizem que o golpe veio para acabar com a inflação, a corrupção, a desordem e não deixar o país cair nas mãos da União Soviética. E mais: que vão fazer as verdadeiras Reformas de Base, em benefício de todos os brasileiros. Mas as medidas práticas dizem outra coisa: Intervenção nos sindicatos, prisão, morte e exílio foram o destino de milhares de dirigentes, operários e camponeses. A proibição das greves é reforçada com o decreto 4.330 de junho de 1964 depois conhecida como lei anti-greve. A ditadura militar acaba com a negociação direta entre patrões e empregados. Define os reajustes abaixo da inflação implantando o arrocho salarial.
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS
Por solicitação especial do imperialismo americano, a ditadura elimina a “Lei Velha” de estabilidade e implanta o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, golpeando com isto a organização nos locais de trabalho. No lugar dos dirigentes sindicais lutadores, a ditadura coloca sindicalistas especialmente treinados. Entre 1962-1970 o imperialismo Norte Americano financiou a formação de 30 mil sindicalistas brasileiros. A lei de remessa de lucros é modificada em benefício do imperialismo.
O Bipartidarismo.
Os 13 partidos existentes em 1964 são extintos. Em seu lugar são criados o partido do “sim Senhor” a ARENA e o partido do "sim", o MDB.
Com os Sindicatos ocupados por gente de confiança do governo, os trabalhadores conscientes se organizam por dentro das fábricas. Esta e a origem das aposições sindicais. Em 1967 surgem entre os metalúrgicos da capital de São Paulo e na cidade de Osasco duas oposições sindicais de peso. Em Osasco a oposição Sindical, baseada na Comissão de Fábrica da COBRASMA, ganha as eleições e vai dirigir a importante greve de julho de 1968. Em Contagem, Minas Gerais, outra oposição vencedora dirigiu importante greve metalúrgica em abril de 1968. Foi uma greve vitoriosa contra o arrocho, conseguindo um abono de 10%, estendido para inúmeras categorias. Entre a greve de Contagem e a de Osasco houve o 1º de Maio na Praça da Sé em São Paulo onde o Governador do Estado, o sr. Abreu Sodré, foi desalojado do palanque a pedradas pela massa que saiu em passeata pela cidade. O ano de 1968 foi marcado por intensa agitação e oposição à ditadura militar. Além das greves o movimento estudantil teve seu ano mais intenso de 1964 aos nossos dias.
O AI-5
13 de Dezembro de 1968: o Ato Institucional nº 5 marca o fim de um curto período de resistência e o início da chacina de toda oposição ao regime implantado 4 anos antes. A linha das oposições sindicais passando pela organização dentro das empresas será o caminho da recuperação dos sindicatos para voltarem a ser organizações de luta.
Mas os donos do poder não iam comprometer de graça, o crescimento econômico retomado no mesmo ano de 1968. 1968-1974 são anos de grande crescimento da economia. Cresceram, em especial. as industrias que produzem mercadorias sofisticadas. É o período do milagre econômico. Em 1969 começa uma oposição armada ao governo. São vários grupos, a maioria dissidentes do P.C.B., que são esmagados pelo regime militar. Qualquer reivindicação ou proposta de luta sindical neste período é chamada de subversão e terrorismo pelos donos do poder e prontamente reprimida.
O Milagre Brasileiro
E o período de 1968-1978 é caracterizado pelo silêncio operário, arrocho salarial e crescimento desordenado das cidades, ao mesmo tempo em que se dava altas taxas de crescimento econômico e imensas concentrações de riquezas.
O Brasil rural vive um período de concentração de propriedades, expulsão de camponeses, violência de grileiros, jagunços e também o início da resistência. Calcula-se que em 1970, 29 milhões de brasileiros viviam fora do seu lugar de nascimento vindo do Nordeste para o Sul, do Sul para o Centro Oeste e Norte, sem as mínimas condições de trabalho e de vida.
1974: termina o governo de terror do General Médici. Neste mesmo ano já sob o governo do General Ernesto Geisel, teve eleições parlamentares dentro de um clima de relativa liberdade de propaganda. Em 1973 e 1974 a inflação acelera dando os primeiros sinais da crise do modelo econômico. O ministro Delfim Neto falsifica os dados da inflação e por conta disso rouba 34,1% dos salários. Já em 1975 e 1976 tornaram-se visíveis três características de um novo momento histórico: uma oposição mais aberta ao regime, a necessidade do governo promover uma distensão política e a matança de prisioneiros e membros de partidos clandestinos.
O recado do governo era claro: por um lado a necessidade de remodelar a forma desgastada do regime e de outro quem quisesse fazer oposição teria que fazê-la dentro das regras definidas pelo governo. 1975 a 1976 é marcado pelo movimento estudantil e algumas reivindicações mais amplas das organizações de bairro como o Movimento do Custo de Vida. “Queremos os 34,1 % que nos foram roubados em 73 e 74”. E esta a reivindicação do Movimento de Reposição Salarial levantado por alguns Sindicatos. O resultado do movimento foi a agitação e mobilização para próximas lutas. Os dirigentes sindicais que assumiram a luta da reposição passaram a ser chamados de "Autênticos".
Os movimentos de reposição salarial trazem dentro de si uma longa história pequenas lutas e organizações realizadas no período mais repressivo da ditadura militar. Esta resistência e acumulação de experiências tinham sua razão de ser: em 1974 o milagre econômico já deixava 40 milhões de brasileiros estavam desnutridos, e 47% das famílias não tinham o rendimento mínimo necessário. Além disso para se conseguir a cesta básica de alimentos era necessário se trabalhar 158 horas, isto é 72 horas a mais que em 1965. Em 1975, no campo, mais de 4 milhões de menores de 14 anos vendiam sua força de trabalho. E 22 milhões de trabalhadores da cidade e do campo ganham menos que um salário mínimo.
As Greves de 1978.
12 de maio de 1978: os trabalhadores da Saab Scania, filial do imperialismo sueco, cruzam os braços reivindicando aumento de salário. A notícia e manchete de jornal, rádio e tv. 3 dias depois, os trabalhadores da Ford param por uma semana. É no ABC paulista que o grande capital imperialista e nacional desfrutou da melhor fatia do milagre econômico. Concentrando ali grande número de operários. Assim não é por acaso que a primeira reação venha do operariado desta região.
Nos meses de maio, junho e julho o movimento grevista por fábrica toma conta da Grande São Paulo, conquistando aumento de salário e inúmeras comissões de fábrica. Novembro de 1978: campanha salarial dos 400 mil metalúrgicos da Capital de São Paulo. Entram em Greve. São traídos pela diretoria do Sindicato. É a marca pública evidente do peleguismo sindical.
1979 é marcado pelas greves por categorias profissionais inteiras pelo país afora. Da construção civil de Porto Alegre aos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Durante a greve dos metalúrgicos de 1979, do ABC paulista, surge uma tentativa de unificação do movimento chamada UNIDADE SINDICAL composta por velhos pelegos, sindicalistas ligados aos PCs e autênticos.
A orientação dos Partidos Comunistas (PCB e PC do B) para o movimento sindical é de ter influência nas direções sindicais a qualquer preço, mesmo que isso signifique se aliar aos velhos pelegos. Em novembro de 1979 há um encontro entre sindicalistas da “Unidade Sindical” em Belo Horizonte. Na disputa pela indicação dos nomes para concorrer à presidência da CNTI inicia-se um racha dentro da “Unidade Sindical”.
A novidade política dentro do movimento sindical em 1979 é o surgimento do Partido dos Trabalhadores além da atuação pública de vários partidos ilegais. Em novembro de 1979 houve a greve dos metalúrgicos de São Paulo dirigida pela Oposição onde é assassinado um dos seus líderes: SANTO DIAS DA SILVA, metalúrgico de São Paulo e ORACILIO, pedreiro de Belo Horizonte. São 2 dos muitos proletários que tombaram assassinados no primeiro ano de abertura do General Figueiredo.
Em 1979, 3 milhões e 200 mil trabalhadores cruzaram os braços distribuídos em 400 greves diferentes. Em novembro o governo Figueiredo introduz a semestralidade nos reajustes salariais com o objetivo de brecar o movimento grevista. Em janeiro de 1980 há um novo encontro intersindical na cidade de Monlevade - MG, reunindo autênticos, oposições sindicais e setores da “Unidade Sindical”. Esta articulação mais adiante vai receber o nome de ANAMPOS, sem a participação dos partidos comunistas. Em maio de 1980 há um encontro de sindicalistas de oposição sindical, em São Paulo com representantes de todo o país.
Na campanha salarial dos metalúrgicos do ABC, acontece a importante greve dos 41 dias, ocorrendo intervenção nos sindicatos e prisão dos diretores sindicais. Neste mesmo ano os trabalhadores rurais surgem com força total. 200 mil canavieiros de Pernambuco entraram em greve. No final de 1980, o governo assume publicamente a crise econômica. As medidas adotadas provocam a maior recessão e desemprego da nossa história.
CONCLAT
Em agosto de 1981 realizou-se a primeira Conferência Nacional das Classes Trabalhadores. Nesta CONCLAT estão presentes todas as articulações sindicais anteriores. É tirada uma comissão pró-CUT. Para 1982 estava marcada a segunda CONCLAT. Porém, foi um ano de eleições para o executivo e o parlamento. A conveniência dos Partidos políticos fez com que se adiasse o Congresso Sindical.
Em julho de 1983 o governo intervém nos sindicatos petroleiros de Paulinia e Mataripe, Metalúrgicos de São Bernardo, Bancários e metroviários de São Paulo. Estas intervenções acontecem no processo de greves contra a política econômica do governo. 21 de julho de 1983 foi a data escolhida para uma greve geral contra a política de super-arrocho salarial acertado entre o governo e o FMI.
A CUT
Às vésperas do 1º Congresso Nacional dos Trabalhadores, a comissão nacional pró-CUT se divide. Era a "Unidade Sindical" que se negava a participar dizendo que ainda não era o momento de se fundar a Central Única. Em agosto do mesmo ano, 5.000 delegados sindicais realizam o 1º Congresso das Classes Trabalhadoras e fundam a Centra Única dos Trabalhadores, e que propõe o enfrentamento com o estado e o governo. Ainda em novembro do mesmo ano realiza-se outro Congresso Sindical chamado pela “Unidade Sindical” e que não propõe o enfrentamento com o estado e os patrões para resolver os problemas; dos trabalhadores. Deste congresso sai a Coordenação Nacional
O Partido predominante e que apóia a CUT é o PT. Na CONCLAT estão presentes o PMDB, o PCB e o PC do B. Enquanto a CUT defende a plena liberdade e autonomia sindical, a CONCLAT se contrapõe à aplicação da CONVENÇÃO 87 no Brasil, que defende a não intervenção do estado no movimento sindical. Enquanto a CUT repudiou o Colégio Eleitoral que gerou a Nova República, a CONCLAT apoiou este Colégio e defende um entendimento como governo desta Nova República.
Em agosto de 1984 realiza-se o 1º Congresso da CUT de onde saem as 4 grandes bandeiras de luta: 40 horas semanais, reforma agrária, reajuste trimestral, salário desemprego. Para impedir o avanço da luta no campo os latifundiários só em 1984 mataram 116 trabalhadores rurais e no primeiro semestre deste ano mais 46 tombaram pelos mesmos motivos. Enquanto a CONCLAT chama um Congresso unitário para o início de 1986, surge uma nova Central Sindical, a USI, encabeçada por dirigentes sindicais íntimos do golpe de 1964 e ligados à CIA.
A Nova República lança sua proposta de Constituinte devendo ser eleita em 1986. A Constituinte será o espaço privilegiado para selar o Pacto Social e Político, mais uma vez em benefício das elites. Mas o chamado sindicalismo combativo avança com a presença da CUT nas lutas; como a greve dos bóias-frias de São Paulo no 1º semestre de 85.
Nos últimos 20 anos (1965-1985), o salário mínimo subiu 83.000% ao passo que o feijão subiu 178.000%, a carne 190.000% e o café 792.000%. A cada ano 450.000 crianças morrem antes de completar o primeiro ano de vida. 70% das crianças sofrem de desnutrição e temos hoje 25 milhões de menores abandonados. Em 1985, o desemprego atinge 17 milhões de trabalhadores, e quem ficou empregado perdeu 21% do seu salário. São 12 milhões de camponeses sem terra. 25 milhões de trabalhadores morando em favelas. E uma dívida externa de 105 bilhões de dólares. São estas as principais conseqüências de 20 anos de ditadura militar.
As principais bandeiras do movimento Operário Sindical colocadas em 1985 eram estas: 40 horas semanais; Reforma Agrária; Reajuste trimestral; Salário Desemprego; Direito de Greve Liberdade; Autonomia Sindical; Comissões de fábrica; Não pagamento da dívida externa.
Qual Central Sindical está disposta a empunhar estas bandeiras, defendendo os interesses históricos dos trabalhadores? (13 de Maio - Núcleo De Educação Popular. Slides. 1985. São Paulo)
O quadro sindical dos anos 80
O quadro sindical brasileiro nos anos 80 contrasta com o panorama mundial já crítico, marcado pelo desemprego em alta, impasse e derrota de greves (mineiros ingleses do carvão, 84-85), perda de direitos, queda dos índices de sindicalização. Mas no Brasil a crise só chega nos anos 90. As greves iniciadas em 78 atravessam a maré vazante da recessão de 81-83 e retomam um ascenso sem precedentes, até o auge de 89- 16,6 milhões de grevistas. A organização sindical, e sobretudo intersindical, oficialmente reconhecida a partir de 85, acompanha esse fluxo, adaptando a estrutura sindical oficial herdada de Vargas.
A CUT
A CUT (Central única dos Trabalhadores) é entre 83-85 a única central do País. Presidida por Jair Meneguelli (Metalúrgicos de S. Bernardo), organiza-se em uma direção nacional eleita em congresso, CUTs estaduais e CUTs regionais (por grupos de municípios). No início aglutina sem maiores distinções diretorias e grupos de oposição. Passada a fase heróica em que sucessivas eleições derrubam pelegos das direções sindicais, a central mantém seu crescimento, em especial no setor público. No 3º congresso (7/9/88, 6.218 delegados de 1.150 entidades), busca maior organicidade, apoiada nas direções e num sistema de filiação. Após o 4º Concut (4/9/91, 1.554 delegados, 1.679 entidades), desativa as CUTs regionais e enfatiza a estrutura vertical, com departamentos por ramo econômico (Metalúrgicos, Bancários, Educação). Em 93, após longa polêmica interna, filia-se à Ciols (central internacional que compreende a AFL-CIO dos EUA e os sindicatos social-democratas europeus). O ingresso da Conclat, com uma sólida hegemonia no sindicalismo dos trabalhadores rurais, marca a CUT do 5º congresso (19/5/94, 1.918 delegados, 2.235 sindicatos), que substitui Meneguelli por Vícentinho (Vicente Paulo da Silva, Metalúrgicos do ABC).
A CUT
As tendências no seio da CUT expressam o espectro político-sindical de centro-esquerda e esquerda. A Articulação Sindical detém desde 83 a hegemonia da central (50-60%) e o domínio dos maiores sindicatos (Metalúrgicos do ABC, Bancários de S. Paulo, Apeoesp); identifica-se com a corrente majoritária do PT. É acusada de social-democratização por várias tendências à esquerda (CUT Pela Base; d. 89 a Corrente Sindical Classista, ligada ao PCdoB; grupos trotskistas), partidárias de um sindicalismo mais aguerrido, priorizando a mobilização e não a negociação. A preferência pelo PT até 88 é partilhada por mais de 90% dos delegados aos Concuts; a seguir decai, mas se mantém.
A CGT
A CGT (Central Geral dos Trabalhadores) é fundada em 23/3/86 no Congresso de Praia Grande (5.546 delegados, 1.517 entidades) e presidida por Joaquim dos Santos Andrade ( Metalúrgicos de S. Paulo). Abarca no início um conjunto muito heterogêneo, que vai de Rogério Magri (Eletricitários de S. Paulo), porta-voz do sindicalismo americano no Brasíl, passando pela Contag, até a área de influência sindical do PCdoB, PCB, MR-8. Isso entorpece e seciona sua atuação, conduz à aguda disputa de hegemonia e concepção sindical. A CGT se cinde no 21 congresso, que elege Magri presidente num processo violento (50 feridos) e contestado. Joaquinzão não aceita o que considera um golpe e organiza à Central (ou CGT2), oposta à Confederação (ou CGT1), de Magri. Os sindicalistas do PCdoB e outros formam a CSC e entram em bloco na CUT.
O sindicalismo de resultados é a opção que Magri defende com agressiva ousadia: "Não vejo o sindicato como um processo de revolução, mas sim como um órgão para desenvolver o capitalismo", diz ele. Em seu nome, abraça a campanha presidencial de Collor, que o nomeia min. do Trabalho. Mas o único ministro de origem operária na história do País termina demitido (17/1/92), envolvido num dos casos de corrupção que antecedem o escândalo Collor. Luís Antônio de Medeiros [48-], sucessor do Joaquinzão nos Metalúrgicos, assume, com maior competência, a bandeira do sindicalismo de resultados (que ele prefere chamar de conquistas e os críticos consideram de negócios).
A Força Sindical
A Força Sindical realiza seu 1º congresso (8/3/91, 1.151 delegados, de 827 entidades), puxada pelo Sindicato dos Metalúrgicos de S. Paulo, com ajuda da Federação dos Trabalhadores da Alimentação, com Medeiros como presidente e líder inconteste. Alguns de seus quadros vêm da esquerda- o próprio Medeiros foi do PCB, José Ibrahim, da ALN, Emilson Simões, o Alemãozinho, do MR-8. Mas sua linha prega um capitalismo "moderno e democrático", privatizante e competitivo, conforme o alentado programa (654 págs.) que encomenda a Antonio Kandir e intitula "Um Projeto para o Brasil". Propõe um sindicato ativo, presente, puxando greves por empresa (evita greves gerais) e, à sua maneira, politizado, distinto portanto do peleguismo clássico. Mas adota um sentido oposto ao sindicalismo engajado conhecido no País, posicionando-se à direita da CGT, que não se define pelo capitalismo ou socialismo, e ao lado da pequena USI (União Sindical Independente, fundada em 23/11/85).
A adesão às centrais
A adesão às centrais é maciça. Segundo o IBGE, 2.262 sindicatos se filiam a alguma delas até 92, contra 5.095 não filiados; porém a cifra, além de provavelmente subestimada, não exprime o porte das entidades. A maioria dos sindicatos com grande número de associados e presença mais atuante estão filiados a uma das centrais. Permanece à margem o grosso das 2.432 pequenas entidades com até 500 associados, muitas delas atuando em pequenas cidades. A CUT, após a divisão da primitiva CGT, mantém uma dianteira cada vez mais nítida. Agrupa quase todos os maiores sindicatos do País exceto os dos Metalúrgicos de S. Paulo, Osasco e Guarulhos. E, ao incorporar a Contag, consolida a penetração entre os trabalhadores rurais. A principal polarização se dá entre CUT e Força Sindical, com as CGTs num escalão mais modesto e a USI quase inexpressiva.
A peculiaridade do sindicalismo
A peculiaridade do sindicalismo brasileiro é que a pluralidade de centrais convive com a unicidade na base (um só sindicato em cada categoria e base territorial), enraizada na tradição e reafirmada na Constituição de 88. A unicidade perdura apesar da defesa do pluri-sindicalismo por forças que vão do governo federal à maioria da CUT. Com freqüência um mesmo sindicato é disputado por chapas vinculadas a diferentes centrais- o resultado geral favorece a CUT, mas há exceções, como o Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda, antes cutista, arrebatado pela Força (ago./92).
As greves gerais
As greves gerais. Apesar das divergências as centrais conseguem certa unidade de ação, sobretudo diante de políticas salariais econômicas consideradas prejudiciais aos trabalhadores. A ação unitária assume a forma de greves gerais, distintas daquelas de 1917-20 e 53-58 (pois são nacionais), ou de 62 (pois se opõem aos governantes). O índice de adesão é diferenciado, nunca absoluto, mas às vezes expressivo. A 1ª greve geral pós-64 é de 21/7/83 (ainda não existem centrais, mas a Comissão pró-CUT já está cindida); protesta contra "os pacotes, a recessão, o desemprego, a inflação e o arrocho salarial", pelo rompimento com o FMI, o fim do regime militar e eleições diretas para presidente- participam cerca de 3 milhões de trabalhadores, sobretudo em S. Paulo e ABC. A paralisação de 12/12/86, contra o Plano Cruzado 2, mais extensa, mobiliza 10 milhões, segundo o SNI, ou 20 milhões, conforme os sindicatos. Seguem-se as de 20/8/87 e 14-15/3/88, com escassa adesão. Já a greve de 14-15/3/89, contra o Plano Verão de Sarney, é tida como a mais exitosa: paralisa 42% dos trabalhadores do País, segundo o comando grevista. As de 15/3/91 e 21/6/96 têm adesão precária, sofrendo o impacto da crise do mundo do trabalho nos anos 90.
5º Período: A defensiva do sindicalismo nos anos 90
Ao longo dos anos 90, o sindicalismo brasileiro tem estado numa posição defensiva - pouco pode fazer além de tentar, sem muito sucesso, rechaçar o assédio do inimigo às suas antigas conquistas. O principal responsável por essa situação foi um acontecimento político: a vitória de Fernando Collor de Melo na eleição presidencial de 1989, vitória que deu início à "era neoliberal" no Brasil.
A política econômica e social do neoliberalismo consiste em desmontar a pouca proteção que existe para o trabalhador e para a economia nacional - abertura comercial e desregulamentação financeira, privatização das empresas e serviços públicos, desregulamentação do mercado de trabalho e redução dos gastos e dos direitos sociais. Não há espaço para demonstração, mas é possível argumentar que essa política atende, fundamentalmente, os interesses do capital financeiro internacional, que ganha com todas as medidas da política neoliberal que arrolamos acima, e os interesses da grande burguesia interna, principalmente o grande capital bancário, que ganha com a maioria das medidas arroladas. Como conseqüência da aplicação do programa neoliberal, a economia brasileira tem oscilado, ao longo dos anos 90, entre o crescimento baixo e a recessão, a política de juros está voltada para o estímulo da acumulação financeira, o desemprego atingiu um patamar inaudito na história do Brasil e houve um nova vaga de reconcentração da renda. Segundo o Ipea, na década de 1960, quando a renda já era muito concentrada no Brasil, os 50% mais pobres da população detiveram, como média anual, 18% da renda nacional; na década de 1970, a parcela da renda apropriada pelos mais pobres caiu para 15% e na década de 80 para 14%. Os governos neoliberais conseguiram jogar a renda dos mais pobres ainda mais para baixo. Entre 1990 e 1996, a média foi de 12% da renda apropriada pelos 50% mais pobres. O fato de, ao longo dos dois primeiros anos do Plano Real, ter havido uma pequena e efêmera melhoria nos termos da distribuição da renda foi usado, indevidamente, como propaganda pelos neoliberais. Porém, como evidenciam os dados disponíveis para 97, esse acidente foi passageiro e não alterou a tendência concentradora da década do neoliberalismo.
São inúmeros os fatores econômicos e sociais que contribuíram para colocar o sindicalismo brasileiro na defensiva. A maioria deles está ligada, de um modo ou de outro, à aplicação da política neoliberal no Brasil. O desemprego intimida o trabalhador, e esse desemprego afetou, de modo marcante, dois dos setores mais ativos do sindicalismo brasileiro nos anos 80 - os metalúrgicos do ABC e os bancários. Hoje, no ABC, há pouco mais da metade do número de metalúrgicos que havia nos anos 80, e no setor bancário já foram suprimidos, ao longo da década de 90, cerca de 500 mil postos de trabalho. Outro setor muito ativo do sindicalismo na década de 80, os funcionários públicos, também entrou em declínio: o Estado, que os governos neoliberais querem reduzir ao mínimo, não contrata mais, tendo passado, na verdade, a demitir. Ademais, no plano ideológico, o funcionalismo público foi colocado na defensiva - os governos neoliberais lograram identificar o funcionário público com uma casta privilegiada, os “marajás”. O pano de fundo das situações apontadas acima é a desindustrialização provocada pela política neoliberal, fenômeno estudado por autores como Luciano Coutinho, e o declínio dos direitos sociais e dos serviços públicos. Um outro setor poderoso do sindicalismo, os petroleiros, foi vencido com o recurso à repressão - na greve nacional de 1995, o governo FHC determinou a ocupação das refinarias pelas Forças Armadas e o Judiciário impôs multas impagáveis aos sindicatos em greve.
Mas a defensiva do movimento sindical decorre, também, dos remanejamentos políticos ocorridos no interior da burguesia brasileira e das mudanças no cenário internacional. Durante os anos 80, a burguesia brasileira estava dividida politicamente: primeiro, dividiu-se na crise da ditadura, depois, na querela sobre a estratégia de política econômica, pois que a burguesia industrial relutou em abrir mão do desenvolvimentismo e aderir ao neoliberalismo. Havia um partido burguês de oposição à ditadura militar e, nos trabalhos da Constituinte, os sindicalistas puderam contar com os votos de partidos burgueses para constitucionalizar direitos trabalhistas e sociais, medidas de proteção ao mercado interno e de preservação de monopólios do Estado. Hoje, os partidos de esquerda e as centrais sindicais estão isolados no Congresso Nacional, e todos partidos burgueses votam a favor das reformas neoliberais. No cenário internacional, as mudanças foram igualmente desfavoráveis aos trabalhadores e ao sindicalismo. Os EUA aparecem sozinhos como superpotência política e militar, recuperaram sua economia, e podem, graças também à desagregação da antiga URSS, agir livremente no cenário internacional Hoje, o imperialismo norte-americano, agindo diretamente ou através de agências como o FMI e o BID, tutelam a política econômica e social dos países periféricos.
Além da situação nacional e internacional objetivamente desfavorável para a luta dos trabalhadores, o sindicalismo foi enfraquecido pela adesão da central Força Sindical a parte da plataforma neoliberal e pela nova linha sindical da CUT. Por iniciativa própria e por influência da Igreja Católica e da Social-democracia, instituições cuja orientação caminhou para a direita do espectro político ao longo dos últimos anos, a corrente majoritária da CUT, a Articulação Sindical, fez a central adotar o chamado sindicalismo propositivo, que deprecia a ação sindical de massa e nutre a ilusão de que é possível, com base em propostas tecnicamente bem elaboradas, convencer o governo e os empresários da necessidade de introduzir mudanças na política econômica. O sindicalismo propositivo multiplicou os fóruns tripartites (governo, empresários e sindicatos) mas não logrou, ao longo de toda a década de 90, apresentar resultados palpáveis para os trabalhadores. A CUT acabou enredando-se numa atuação contraditória e hesitante frente ao neoliberalismo. Apenas agora, em 1999, a direção da central dá alguns; sinais de que poderá rever a estratégia propositiva.
O sindicalismo no segundo governo FHC
A reflexão que poderíamos deixar em aberto, seguindo essa proposta de pensar as relações entre o movimento sindical e a história política do País, seria a questão de saber se há unia modificação importante na situação política dos anos 90 nesta conjuntura curta do segundo mandato de FHC.
Há muitos elementos novos neste final de década que podem vir a configurar uma fase de declínio do neoliberalismo brasileiro: as sucessivas crises cambiais que levaram à desvalorização do real, o agravamento dos conflitos na própria base política do governo, a queda de popularidade de FHC, o crescimento do MST e o ressurgimento, ainda tímido, de greves e de demonstrações de massa de âmbito nacional. No plano internacional, também surgem alguns sinais alvissareiros: a formação do governo Chávez na Venezuela e o crescimento da luta guerrilheira na Colômbia. Como essa nova conjuntura poderá influenciar o sindicalismo? De que modo o sindicalismo poderá intervir para, valendo-se de uma eventual crise política, contribuir para que a solução da crise seja a mais favorável possível para os trabalhadores brasileiros?
O movimento sindical deve estar atento, nessa conjuntura, para o papel muito importante que tem desempenhado a luta dos trabalhadores cujas vidas foram transtornadas pelo neoliberalismo. Essa parte da população está mostrando que é sensível às propostas de ação direta: os que foram despedidos de seu emprego, despejados da residência que alugavam ou impedidos de trabalhar no setor informal (perueiros, camelôs) engrossaram a ação do MST na ocupação de terras e começam a ocupar edifícios vagos para utilizá-los como moradia. O governo FHC tem ficado na defensiva política e ideológica diante dessas ações. O mesmo governo que está forte e é arrogante diante da luta sindical, vê-se em situação embaraçosa diante dessas novas lutas sociais. Se em períodos anteriores de nossa história, o sindicalismo pôde valer-se da expansão industrial e do crescimento do setor público, no período atual, marcado pela desindustrialização e pela retração do Estado, o sindicalismo deve aliar-se às novas lutas dos desempregados por moradia, por terra e emprego, lutas que são frutos da política neoliberal.
Se o sindicalismo influenciou a história política do País, é de se esperar que possa influenciar também o presente. Outra questão é saber se ele, agindo com os partidos de esquerda e com os novos movimentos populares (MST, Movimento de Moradia, luta dos trabalhadores do setor informal), será capaz de romper com o padrão que essa intervenção tem apresentado até aqui. De fato, vimos que a presença do sindicalismo na história política do Brasil foi, sempre, uma presença indireta. Ela foi eficaz para desestabilizar regimes e governos, mas incapaz de vincular-se a forças políticas de esquerda, reformistas ou revolucionárias, que lograssem dirigir os processos de transição. É certo que a mudança desse padrão não depende apenas, e talvez nem fundamentalmente, do sindicalismo. Mas, no aniversário dos 500 anos, essa é outra questão que nos desafia e interroga.
6o Dia
Relembrar o estudado do encontro anterior
Estudar em grupos e trazer as características principais da nossa história
16. Os períodos da história do Brasil
Plínio de Arruda Sampaio
Para facilitar o conhecimento da história, costuma-se dividí-la em períodos. Cada período histórico corresponde a um certo número de anos em que determinadas forças sociais e políticas exerceram o poder e impuseram seus objetivos à ação do estado, à economia, condicionando, deste modo, toda a vida da população.
A sucessão de períodos históricos permite ver os traços estruturais mais importantes da sociedade e identificar as suas contradições. Este conhecimento é imprescindível para entender o que está acontecendo no presente.
Não há um critério único para dividir a história em períodos. Isto depende muito daquilo que o historiador quer observar e narrar.
Neste pequeno texto, a História do Brasil foi dividida em seis períodos, a fim de mostrar o que mudou e o que não mudou nestes cinco séculos.
Acreditamos que esta abordagem ajudará a esclarecer aquilo que precisa ser mudado na nossa realidade para que a história brasileira siga por rumos de justiça e democracia.
1. Período colonial (1500 a 1822)
O período colonial durou trezentos anos, sendo o mais longo da nossa história. Esse tempo é muito importante para compreender do Brasil de hoje, porque a permanência de certos comportamentos, atitudes, condicionamentos durante anos e anos, fez com que eles tenham se integrado profundamente na maneira de pensar e de agir das pessoas. Muitos comportamentos e atitudes observados na sociedade brasileira atual reproduzem comportamentos e atitudes herdados do período colonial.
1.1. A Conquista da Terra
A conquista do território brasileiro abrange todo o século XVI e começo do século XVII: da descoberta à implantação da exploração canaviera no nordeste do país.
Durante todo esse longo tempo, o poder foi exercido pelos funcionários do governo português, designados pela Coroa, para administrar a colônia. Mas eles não o exerciam sozinhos: os portugueses que haviam recebido enormes doações de terras (capitanias hereditárias e sesmarias) e os mestiços que dominavam nos núcleos de colonização, isolados na imensidão do território tinham também um grande poder em seus domínios (a propriedade rural e as vilas e cidades do interior).
O objetivo dessas classes dominantes era encontrar ouro. Nessa época (século XVI), o capitalismo mercantil nascente precisava muito dos metais preciosos para estabelecer moedas que favorecessem o mercado internacional.
Para procurar ouro, foram feitas várias incursões pelo interior do território desconhecido (chamadas entradas e bandeiras), desobedecendo o Tratado de Tordesilhas. Este Tratado, firmado em 1494, estabelecia que as terras descobertas ou a serem descobertas por Portugal e Espanha na América seriam divididas por um meridiano traçado a oeste das Ilhas de Cabo Verde. As que se situassem além de 370 léguas desse meridiano pertenceriam à Espanha e as que estivessem aquém dela, a Portugal. Se essa fronteira tivesse prevalecido, o território brasileiro seria menos de 1/3 do atual.
Para buscar ouro e estender as fronteiras da colônia, os colonizadores precisavam construir vilas, aldeamentos e fortificações, fazer cultivos de subsistência, realizar expedições pelo interior das florestas. Tudo isto exigia trabalho. Para conseguir quem realizasse esse trabalho, começaram a escravizar os indígenas.
Desse modo, a sociedade brasileira nasceu sob o signo do abismo social: de um lado, portugueses, que formavam a classe dos senhores; de outro, os índios escravizados ou reduzidos à submissão.
Os senhores casavam entre os de sua categoria e acasalavam-se com as índias escravas, dando origem aos mestiços. Parte destes integrava-se no campo dos senhores, formando os que os genealogistas chamam de "velhos troncos" brasileiros, de onde saíram os bandeirantes e os latifundiários. Parte misturou-se com os índios e posteriormente com os escravos negros, formando a constelação de cafusos, curibocas e mulatos que constituem a base étnica da população brasileira.
Tudo o que acontecia aqui na colônia, dependia da metrópole (autorização para explorar minas, para montar bandeiras, para criar uma vila, conceder sesmarias). Mas a vastidão do país criava situações de grande isolamento, que davam poder para os grupos dominantes locais, formados pelos descendentes de portugueses e pelos mestiços que conseguiam integrar o círculo dos poderosos.
Conclusão
Os cem primeiros anos da nossa história foram marcados pela fratura social e pela dependência direta da metrópole portuguesa. Os aspectos mais importantes deste longo período foram:
a) a formação de uma vastíssima unidade territorial submetida a um poder central nomeado pela Coroa portuguesa;
b) a submissão dos povos indígenas que habitavam o litoral, alguns dos quais foram exterminados, enquanto outros tiveram de se deslocar para as regiões longínquas do interior;
c) a formação de uma sociedade fortemente influenciada pela cultura européia e marcada pela rígida divisão entre senhores e escravos.
1.2. O pacto colonial
O ouro, tão procurado, só foi descoberto (em quantidades apreciáveis) no fim do século XVII, de modo que durante todo o século XVI o Brasil foi uma colônia de importância secundária para a Coroa portuguesa. Mas, no final desse século e princípios do século XVII, o açúcar tornou-se uma mercadoria de grande importância no mercado internacional. 0 Brasil, especialmente a região nordeste, reunia condições muito favoráveis para o estabelecimento de uma grande exploração açucareira. Isto determinou um novo tipo de relacionamento entre a metrópole e a colônia.
Os historiadores costumam chamar de "pacto colonial" as relações que foram se estabelecendo entre Portugal e a Colônia, durante o período de implantação e expansão da produção de açúcar.
Pode-se entender o pacto colonial como uma espécie de divisão de funções e de poderes:
a) a produção de açúcar foi entregue às famílias que se haviam estabelecido na terra durante o século anterior;
b) a metrópole tinha a função de comercializar o açúcar nos mercados internacionais;
c) o financiamento era proporcionado por capitais estrangeiros, principalmente holandeses.
Por volta de 1600, as famílias dos primeiros colonizadores, em sua maioria de origem portuguesa, já estavam todas fortemente mestiçadas e aculturadas na sociedade colonial. O pacto colonial assegurava a elas o monopólio da terra e o exercício do poder local. 0 dono do engenho era o senhor absoluto da sua família, dos agregados, dos trabalhadores livres do engenho e dos seus escravos. O conjunto de senhores de engenho de uma região tinha grande autonomia para administrá-la, comandando a repressão e a administração da justiça.
A metrópole controlava rigidamente os investimentos, as exportações e as importações, a ocupação do território, a distribuição da terra. Para isso, mantinha uma administração geral e forças militares capazes de impor seu domínio nos casos de conflito.
No século XVI, Portugal deixou de ser a potência que havia sido no século XV, de modo que os recursos para investimento, transporte e comercialização passaram a vir dos capitais holandeses e ingleses. Era grande a dependência da economia açucareira dos centros externos, pois além dos impostos que eram pagos à coroa portuguesa, o preço do açúcar dependia de mercados que nem os produtores coloniais nem a metrópole controlavam.
A mão-de-obra, no começo do século XVII, era insuficiente para realizar a produção. A solução encontrada foi importar mão-de-obra escrava da África. Os escravos negros vieram substituir os escravos índios, reforçando a divisão da sociedade brasileira. Gilberto Freyre descreveu a sociedade colonial em termos de dois mundos: o da casa grande e o da senzala.
O êxito da exploração canaviera foi tão grande que despertou a cobiça das nações que surgiam como potências capitalistas, no começo do século XVII: a Holanda e a Inglaterra. Em 1630, a Holanda invadiu Pernambuco e estabeleceu, naquela região, um governo holandês que durou 25 anos. Os holandeses foram expulsos em 1654 por forças que contaram com o apoio de "guerrilhas", organizadas e comandadas por colonos brasileiros.
Expulsos de Pernambuco, os holandeses estabeleceram plantações de cana em suas possessões do Caribe. O mesmo fizeram os ingleses, nas colônias que tinham na mesma região. A concorrência dessas plantações novas, montadas com a tecnologia aprendida em Pernambuco, causou uma enorme crise na produção brasileira de açúcar e marcou o começo da sua decadência.
A decadência do pacto colonial
No final do século XVIII, quando a crise da economia açucareira estava no seu auge, os bandeirantes paulistas descobriram grandes jazidas de ouro em Minas Gerais. A descoberta provocou o ressurgimento da colônia e o deslocamento do seu centro econômico e político para Ouro Preto e Rio de Janeiro.
Para a exploração das minas de ouro foi também utilizado o trabalho do escravo africano. Os escravos foram importados através do tráfico negreiro (nesse tempo dominado pela Inglaterra) ou comprados nos engenhos decadentes do nordeste. Portanto, a estrutura social não mudou. A casa grande e a senzala continuaram na forma de sobrados e mocambos, como retratou Gilberto Freyre.
A divisão das funções entre a Colônia, Portugal e os financiadores estrangeiros também não se alterou: a extração do ouro ficou a cargo das classes dominantes coloniais; a fundição e comércio, em poder da Coroa; e o financiamento da produção, com os capitais estrangeiros.
A riqueza do ouro durou pouco. No final do século, as minas começaram a se esgotar. Para compensar a queda da produção, a Coroa aumentou os impostos, provocando a resistência dos mineradores. Daí surgiu a primeira tentativa de independência da colônia: a revolta liderada por Tiradentes, em Minas Gerais, 1779.
A decadência da economia açucareira e da mineração corroeram o pacto colonial. O domínio de Portugal passou a pesar na economia da colônia sem nenhuma vantagem para as classes dominantes desta,
À medida em que o capitalismo industrial crescia e substituía o capitalismo mercantilista, Portugal perdia importância econômica, naval e política no mundo. Em 1703, a Coroa portuguesa firmou um tratado econômico com a Inglaterra (o Tratado de Methuem) que transformava a economia de Portugal em um mero apêndice da economia inglesa. No começo do século XIX, os ingleses começaram a pressionar pela abertura dos portos das colônias portuguesas, a fim de mandar livremente os produtos de sua indústria para o Brasil. Com isso, Portugal transformou-se em um intermediário inútil e caro para as classes dominantes da colônia. Começou a crescer então o movimento pela independência do Brasil.
Conclusão
Qual a herança desse longuíssimo período de trezentos anos de história ?
As duas contradições que irão acompanhar toda a história posterior do país - a fratura social e a dependência do exterior surgiram no período colonial. Ambas foram causa de conflitos importantes entre as classes dominantes da Colônia e o governo português e entre a massa da população e as classes dominantes. Estes conflitos explodiram praticamente durante os trezentos anos da época colonial. Mas, até há muito pouco tempo atrás, quase não eram conhecidos ou eram relatados de modo distorcido pelos historiadores. Exemplo disso são o movimento dos quilombos e as revoltas indígenas, que só agora estão sendo objeto de estudos históricos sérios. Sabe-se, por esses estudos, que durante todo o século XVI, XVII e XVIII, negros revoltados formaram quilombos e tribos indígenas defrontaram-se com a repressão colonial, embora essas histórias não sejam contadas nos bancos escolares.
A segunda conclusão é a de que formou-se uma sociedade nova, dotada de um território vastíssimo e cuja população foi governada, durante séculos, por uma única legislação e por um único poder político central. Essa sociedade construiu um espaço econômico integrado no sistema internacional capitalista como uma unidade de exportação de produtos primários para o mercado mundial.
A economia baseou-se em uma estrutura fundiária extremamente concentrada, dando origem ao sistema do latifúndio. A produção agrícola baseou-se no trabalho escravo. E essa nova economia tornou-se inteiramente dependente do exterior.
2. O período da Independência (1822-1844)
Embora a independência tenha sido Proclamada em 1822, ela foi gestada anos antes e foi preciso algum tempo para se consolidar.
Em 1808, ao chegar ao Brasil, dom João VI, rei de Portugal, foi pressionado pela Inglaterra, para abrir os portos brasileiros aos navios de todos os países amigos de Portugal. A medida, decretada nesse mesmo ano, foi muito apoiada porque interessava também às classes dominantes da colônia, uma vez que eliminava um forte entrave à integração da economia brasileira no comércio internacional.
De 1808 a 1822 aumentou entre os senhores de terra brasileiros, que formavam as oligarquias de poder das províncias, o desejo de tornar o Brasil independente, o que se chocava com os interesses dos portugueses que rodeavam dom João VI. O embate entre a facção nacional e a facção portuguesa desenvolveu-se nas províncias e na Corte de dom João VI. Embora tenha havido mobilização de povo em alguns lugares e conflitos armados de certo porte em outros, o processo desenvolveu-se principalmente na esfera das classes dominantes por meio de lutas políticas e manobras palacianas.
Várias figuras destacaram-se na liderança dessas lutas, cabendo assinalar, entre elas, a de José Bonifácio de Andrada e Silva, que merece, sem dúvida, o título de "patriarca da Independência". Ele foi o centro das articulações, pressões e manobras do grupo das oligarquias brasileiras que levaram o príncipe dom. Pedro a proclamar a independência no dia 7 de setembro de 1822.
Surgiram então, imediatamente, dois conflitos: o conflito entre o novo Imperador e a classe dominante brasileira, e o conflito entre as oligarquias regionais e o poder central.
Dom Pedro I era um monarca criado no mundo da monarquia absoluta e os ventos políticos que conduziram à independência do Brasil eram os da monarquia constitucional - um regime político que restringia o poder do monarca e o entregava às classes dominantes.
Logo após a independência, as classes dominantes dividiram-se entre os "liberais", que queriam uma monarquia constitucional, e os "conservadores", que queriam que dom Pedro I reinasse como um rei absoluto.
O confronto entre dom Pedro I e as classes dominantes brasileiras terminou com a renúncia do Imperador em favor de seu filho dom Pedro li, no dia 7 de abril de 1831. Como o novo imperador tinha apenas seis anos de idade, foi necessário dar-lhe um tutor. O primeiro tutor nomeado foi José Bonifácio de Andrade e Silva. Para governar em nome do Imperador, o conjunto dos deputados nomeou Regentes.
Durante a Regência, os interesses locais se manifestaram intensamente. As províncias queriam ser independentes e recusavam-se a obedecer as ordens do regente, que representava o poder central. De 1835 a 1844, houve rebeliões armadas em Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Maranhão, Pará e Rio Grande do Sul. Destas, a mais séria e que mais tempo durou (1835-1844) foi a Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul.
Todas as rebeliões foram derrotadas pelos exércitos do poder central, de modo que, na metade do século, não havia mais risco de quebra da unidade nacional. Mas, as oligarquias regionais demonstraram ter muita força, conseguindo assegurar para si próprias uma grande margem de poder. Após a derrota dos revoltosos, as punições eram suavizadas e os revoltosos, depois de algum tempo, eram reintegrados plenamente no jogo político. Este comportamento de acomodação, tornou-se o padrão habitual de solução de conflitos surgidos entre as facções das classes dominantes. Nas revoltas populares, entretanto, não houve conciliação alguma, tendo o poder central, sempre exterminado os revoltosos.
Conclusão
O exame do período da independência mostra que a mudança política não alterou substancialmente os traços estruturais herdados da colônia: a fratura social e a dependência externa.
José Bonifácio quis abolir a escravidão e realizar uma reforma agrária mas suas propostas foram rechaçadas praticamente sem discussão. De modo que a vida das classes dominadas não se alterou muito com a Independência. Elas continuaram sendo exploradas economicamente e submetidas ao poder dos senhores da terra e dos poderosos das cidades. O país tornou-se uma nação independente mas a independência política não significou o fim da dependência econômica, pois a Inglaterra dominava inteiramente a economia brasileira.
3. O reinado de dom Pedro II (1844-1889)
Durante o longo reinado de dom Pedro li, o poder ficou, de fato, com os senhores de terras. As oligarquias (ou seja, o governo de poucos) regionais, formadas pelos grandes latifundiários, dominavam suas respectivas regiões e partilhavam o poder central. O poder do imperador se sustentava neles.
Nesse período, o café tornou-se a maior fonte de renda do país. Os fazendeiros de café de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, como donos dessa riqueza, aumentaram muito sua influência no poder central.
A escravidão manteve-se durante todo o período, apesar das pressões pela Abolição. Depois de ter sido a nação que mais se enriqueceu com o tráfico negreiro, a Inglaterra tornou-se a campeã do abolicionismo. Isso porque, com o desenvolvimento do capitalismo, a permanência do trabalho escravo era prejudicial ao comércio inglês.
A propriedade da terra continuou tão concentrada como antes, de modo que a estrutura social rigidamente dividida entre senhores e escravos não sofreu qualquer modificação.
O mesmo se deu com a dependência econômica. Capitais ingleses, mercadorias inglesas, tecnologia inglesa dominavam nossa produção e nosso comércio.
No quarto final do século XIX, as pressões pela abolição da escravatura aumentaram fortemente, tanto pelo lado dos próprios escravos - que aumentaram o movimento pela fuga das fazendas como de setores abolicionistas das classes dominantes, influenciados pelas idéias de liberdade então em moda na Europa. A campanha abolicionista foi a primeira campanha cívica do país.
Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou o decreto da abolição (Dom Pedro II esteve na Europa). Essa medida contribuiu para o enfraquecimento do poder do imperador, pois descontentou a maioria dos proprietários rurais. Além disso, a monarquia já vinha sofrendo dois outros desgastes importantes: o descontentamento e o gasto com a Guerra do Paraguai e o crescimento da propaganda republicana entre os militares, intelectuais e fazendeiros de café das regiões mais prósperas e capitalistas do país.
A abolição da escravatura, sem a realização simultânea de uma reforma agrária, não alterou muito a situação dos escravos libertos. Sem outra alternativa de trabalho, eles tiveram de continuar presos à terra e submissos à oligarquia rural.
4. A República Velha (1889-1930)
Com o enfraquecimento do imperador, os militares deram um golpe e proclamaram a República. 0 imperador deixou o país para o exílio.
A República Velha, que também é chamada de República Oligárquica, cobre o período que vai da proclamação da República até a Revolução de 1930.
A extraordinária rentabilidade da exploração cafeeira, a partir dos anos finais do século XIX, permitiu expandir bastante a economia do país. Grandes fortunas, formadas pelo café, promoveram um começo de industrialização. Para atender às necessidades de mão-de-obra da agricultura e até mesmo da indústria nascente, o país recorreu à imigração européia.
A economia do café provocou pois a expansão e diversificação da população, o crescimento das cidades e o surgimento de uma classe média urbana, pequena, porém bastante ativa no processo político.
Enquanto a produção cafeeira expandiu-se e manteve uma alta rentabilidade, os novos donos do poder - os fazendeiros de café e os comerciantes a eles associados - conseguiram manter as oligarquias rurais dos estados não cafeeiros sob seu comando, proporcionando ainda às classes médias emergentes os benefícios da educação e de padrões de consumo superiores aos do restante da população. Dizia-se na época que "o café dava para tudo".
Mas, as classes dirigentes foram incapazes de controlar a expansão da produção. No começo do século XX, aconteceram as primeiras crises de superprodução e a necessidade de repartir com o conjunto da população os prejuízos decorrentes da queda de preços. Desde então, a classe dos fazendeiros de café começou a perder poder para as oligarquias dos outros estados, para os ricos industriais e comerciantes das cidades e para as classes médias.
Este processo desenvolveu-se durante toda a década de 1920 e foi marcado por revoltas militares (1922, os "18 do Forte de Copacabana", 1924, a revolta comandada por Miguel Costa; 1926, o início da coluna Prestes; 1930, a Revolução) que expressavam a insatisfação das oligarquias regionais e a luta das classes médias para romper o domínio da oligarquia.
Com esta revolução terminou a hegemonia dos fazendeiros de café na economia e na política. Mas os derrotados conservaram tanta força que foram capazes de enfrentar militarmente o novo poder, em 1932, na Revolução Constitucionalista de São Paulo.
Conclusão:
Do ponto de vista da rígida divisão da sociedade em verdadeiras castas, a jovem República, desde o seu início, apressou-se a deixar claro que nada havia mudado. A brutal repressão a Canudos (1894) foi exemplar. Repetiu-se no Contestado (1915) e em dezenas de episódios de menor repercussão, porém não menos violentos, durante os quarenta anos de dominação oligárquica. A repressão às primeiras manifestações e greves operárias e portuárias foram também muito duras, embora não tão sangrentas.
O padrão conciliatório estabelecido no período da Regência, vigorou plenamente entre as classes dominantes: passado o momento da disputa, ministros do Império, acabaram ministros da República; militares revoltosos foram anistiados. Mas qualquer tentativa de pressão das classes populares era reprimida imediatamente e com violência.
Apesar disso, o avanço popular foi grande no período da República Velha, especialmente nas décadas de 1910 e 1920. Datam desse período, os primeiros sindicatos (quase todos controlados pelos anarco-sindicalistas) e a formação do Partido Comunista.
Do ponto de vista da dependência econômica, também não houve alteração substancial. 0 progresso do país exigiu a expansão dos serviços públicos (transporte ferroviário, energia elétrica, comunicações). Tudo isto foi entregue a capitais estrangeiros, que passaram a comandar o ritmo do desenvolvimento econômico do país. Isto não se deu sem luta. Essa luta tem sido descrita por alguns historiadores em monografias importantes, mas também é uma história que ainda não chegou ao conhecimento do grande público. Episódios como os de Delmiro Gouveia, no Nordeste, dos fazendeiros do Vale do Paraíba, que lutaram para construir uma estrada de ferro que os libertasse do controle dos ingleses da São Paulo RaiIway e da Companhia Docas de Santos, assim como dezenas de outras disputas entre empresários brasileiros e capitais estrangeiros ainda estão por ser contadas.
5. A Era Vargas (1930-1990)
Chama-se Era Vargas o período que vai de 1930 a 1990, porque a figura do caudilho gaúcho foi a referência mais importante até muito depois da sua morte e porque as instituições e leis que ele criou moldaram o país e permaneceram vigentes até o final do período.
Os anos de 1930 a 1937 foram marcados pelo impacto da crise mundial do capitalismo e por grande instabilidade política.
Em 1930, Getúlio comandou um levante armado contra o Presidente Washington Luiz e tomou o poder. De 1930 a 1932, não passava um dia sem um episódio de contestação, uma insubordinação, um manifesto exaltado, uma destituição de autoridade importante.
Em 1932, os fazendeiros paulistas levantaram-se em armas, exigindo uma Constituição, sendo derrotados depois de uma luta sangrenta. Mas, em 1934, a nova Constituição foi aprovada e Getúlio foi eleito presidente constitucional pelo Congresso Nacional; em 1935, os comunistas, liderados por Luis Carlos Prestes, fizeram uma tentativa armada de tomar o poder. Em 1937, foi a vez dos fascista tentarem se apoderar do governo pela força das armas. Ambas fracassaram. Nesse mesmo ano, Getúlio fechou o Congresso, ditou uma nova Constituição e passou a governar ditatorialmente.
De 1937 a 1945, Getúlio ditou as leis básicas e implantou as políticas econômicas que encerraram o ciclo do "desenvolvimento econômico para fora" (vigente durante todo o Império e a República Velha) e iniciaram o ciclo de "desenvolvimento para dentro", baseado na industrialização e na produção para o mercado interno.
Nesses quinze anos, a economia brasileira - que, desde a colônia até 1930, era uma economia primário-exportadora - caminhou para se tornar uma economia industrial. O grande promotor dessa mudança foi o Estado brasileiro. O isolamento do país, decorrente da crise do capitalismo mundial e da Segunda Guerra Mundial, facilitou isso, pois as importações tornaram-se muito difíceis. Isto estimulou a substituição de produtos importados por produtos produzidos internamente. Para a mudança, também contribuiu o enfraquecimento dos fazendeiros de café, pois isto significou o fortalecimento de setores de classes médias (militares, burocracia civil, estudantes) comprometidos com uma visão nacionalista do desenvolvimento brasileiro.
A primeira fase da industrialização promovida por Vargas foi marcada pela associação entre o capital do Estado e capitais privados nacionais. A partir de 1955, no entanto - depois da morte de Vargas - houve uma verdadeira invasão de capital estrangeiro, provocando uma grande desnacionalização da nossa indústria. Isto se fez com muita disputa.
Com a entrada massiva do capital estrangeiro, a industrialização deu um salto a um patamar superior. Logo, porém, as condições de acumular capital nesse novo patamar reduziram-se, sendo necessário dar outro passo. A natureza desse novo passo constitui a essência da disputa entre as forças nacionalistas e populares, de um lado, e as forças antinacionais e reacionárias, de outro, no começo da década de 1960.
Havia dois caminhos para completara industrialização: entregar ao Estado brasileiro o comando do processo ou entregá-lo ao capital transnacional. No primeiro caso seria preciso realizar reformas redistributivas, a fim de assegurar base para o mercado interno, e reformas no sistema de financiamento da economia, a fim de assegurar recursos para a montagem dos setores industriais que ainda faltavam. Entre as reformas redistributivistas ganharam destaque a reforma agrária e a reforma urbana; entre as reformas financeiras, a reforma bancária e a reforma tributária.
A disputa terminou com o golpe militar de 1964 e a vitória das forças antinacionais e reacionárias. Daí por diante, as transnacionais e seus prepostos brasileiros comandaram o desenvolvimento do país.
De 1955 a 1980, a capacidade produtiva da nossa economia aumentou enormemente, com base na associação entre o Estado, o capital estrangeiro e o capital nacional. Este, contudo, foi tendo cada vez menos peso no processo. Um a um, todos os produtos que antes eram importados, passaram a ser produzidos no Brasil, gerando em todos a ilusão de que o nosso país havia superado a barreira do subdesenvolvimento. Mas o "pé de barro" desse modelo não tardou a se mostrar: de um lado, o capital estrangeiro tornou-se, de fato, o motor do desenvolvimento; de outro, toda a produção brasileira baseava-se na cópia de tecnologia estrangeira. Desse modo, o velho problema da dependência econômica do Brasil apenas mudou de forma. O mesmo aconteceu com o problema da fratura social.
Ao tomar o poder, Getúlio exilou alguns caciques do antigo regime, e após a revolução de 1932, alguns dos chefes rebeldes. Mas, em 1934 estavam todos de volta, nos termos da tradicional conciliação das classes dirigentes. O mesmo tratamento, contudo, não foi dado aos que se opunham de fora do círculo do poder. Logo nos primeiros dias de seu governo, Vargas expulsou do país umas dezenas de líderes sindicais anarco-sindicalistas espanhóis. As propostas de realização de uma reforma agrária, levantada por alguns dos "tenentes", como era conhecido o grupo de militares que liderou o levante de 1930, foram logo arquivadas. Em 1935, aproveitando o fracassado intento de levante comunista, Vargas desencadeou uma fortíssima repressão contra os integrantes do PCB. Mas, ao mesmo tempo em que reprimia, ele foi hábil em consolidar as leis trabalhistas e criar um sindicalismo "pelego", ligado ao Ministério do Trabalho.
Ao manter a população do campo à margem do desenvolvimento, o regime só deu a ela uma chance: emigrar para a cidade. Ela o fez, de modo massivo, inchando as cidades e transpondo para elas a miséria característica da zona rural.
Sem resolver os problemas da dependência externa e da fratura social, a nova etapa do desenvolvimento não podia ir muito longe, como de fato, não foi.
Em meados da década de 1970, o modelo econômico adotado pelos países desenvolvidos - o Estado de bem estar social - entrou em crise, minado pela soma de uma série de fatores, como o crescimento extraordinário do poder das transnacionais, a incapacidade de frear o déficit fiscal crescente, o amadurecimento de uma revolução tecnológica que reduziu o poder de barganha da classe trabalhadora, a desintegração do regime soviético, a crise energética.
Diante das perspectivas sombrias que se desenhavam para a economia brasileira, o governo Geisel decidiu "fugir para a frente", ou seja, endividar-se no exterior e completar a montagem do parque industrial brasileiro. O resultado foi a enorme dívida que provocou a exclusão do Brasil do mercado financeiro mundial durante toda a década de 1980.
A conseqüência do impasse econômico na esfera política foi a total desorientação das classes dirigentes. Os militares decidiram voltar para os quartéis, a fim de não sofrer o desgaste da quebra das expectativas, que haviam levantado com a propaganda do "Brasil Potência", com a qual haviam iludido o povo durante todo seu governo.
A abertura "lenta, gradual e segura" foi iniciada no governo Geisel e terminou no governo Figueiredo.
As classes dirigentes dividiram-se, sem que nenhum dos lados soubesse bem o que fazer. Uns grupos insistiram em tentar uma saída que preservasse a autonomia nacional. Outros grupos propugnaram pela fórmula entreguista do neoliberalismo.
Enquanto as classes dirigentes se debatiam sem saber muito o que fazer, as classes populares cresceram.- O processo desse crescimento havia começado bem antes, durante a dura resistência à ditadura militar. Mas o enfraquecimento das classes dirigentes facilitou esse avanço. Durante a década de 1980, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), tiveram um grande impulso; surgiram a CUT, o MST e o PT. Em 1989, essas forças quase venceram as eleições presidenciais com um candidato, pela primeira vez na história do país, nem integrante nem comprometido com as classes dominantes.
O susto com a possibilidade de vitória do Lula "acordou" as classes dirigentes. No segundo turno das eleições de 1989, elas renunciaram de vez a qualquer veleidade de um desenvolvimento nacional autônomo, dispuseram-se a aceitar todas as condições que as transnacionais colocassem para reintegrar o país na comunidade financeira internacional e entregaram a liderança a uma figura marginal - Fernando Collor -, que era o único com possibilidades de evitar a vitória das forças populares. Com isso, venceram as eleições.
Collor cumpriu as promessas feitas aos centros do capitalismo mundial pelos seus tutores políticos, entre os quais o poderoso grupo cuja feição pública é a Rede Globo: escancarou irresponsavelmente o mercado brasileiro aos produtos e capitais estrangeiros e iniciou o desmantelamento da administração pública, especialmente dos mecanismos de planejamento e controle da economia.
Mas, incompetente e despreparado, foi com demasiada sede ao pote e teve que ser retirado da cena pelas mesmas forças que o colocaram nela. É certo que montaram um espetáculo de televisão para fazê-lo, mas nenhuma ilusão deve haver a respeito das forças que realmente decidiram o "impeachment" do presidente.
Conclusão
O que mudou nos sessenta anos da Era Vargas? Tudo. Menos duas coisas: a fratura social e a dependência. Por causa de ambas, o regime surgiu em 1930 e naufragou no final da década de 1980.
6. O período atual (1990 ....)
Pode-se afirmar que o período atual iniciou-se em 1990, quando Collor tomou as primeiras medidas para escancarar o mercado brasileiro aos produtos e aos capitais estrangeiros, e para desmontar o estado brasileiro.
Em 1995, ao tomar posse, FHC declarou-se disposto a continuar na mesma trilha. Em sua primeira apresentação à imprensa, declarou que seu governo se encarregaria de pôr fim à Era Vargas e inaugurar um novo cicio na história brasileira. Os adeptos do governo chamam este novo ciclo de "modernização" do país. Na verdade, trata-se de enquadrar a economia e o Estado brasileiros dentro do modelo traçado pelos organismos internacionais que monitoram os interesses dos países desenvolvidos têm na periferia do sistema capitalista internacional.
A composição do bloco que detém atualmente o poder não é substancialmente diferente do bloco que sustentava o Estado da Era Vargas. Nos dois casos, esse bloco consiste em uma coalizão de classes proprietárias: o capital internacional aplicado no Brasil, o empresariado nacional, os grandes proprietários de terras. Mas as facções que detinham hegemonia do bloco, na Era Vargas, cederam poder para facções que descartam o modelo do nacional desenvolvimentismo e propugnam por um modelo de modernização, baseado no predomínio das regras de mercado, na redução do Estado, na entrada massiva de capitais estrangeiros na nossa economia.
Para o grupo atualmente dominante, o que importa é modernizar rapidamente a nossa economia, a fim de garantir o acesso das classes dirigentes ao consumo de última geração, de modo que elas possam copiar os estilos e os hábitos de consumo dos países desenvolvidos. Esse processo de modernização da nossa economia, como depende da tecnologia e do financiamento de grupos econômicos do exterior, tem um custo político e social bastante elevado: por um lado, implica no aumento da dependência externa, e por outro, no aprofundamento da fratura social.
Os velhos problemas do Brasil aí estão, à espera de que o povo assuma o comando da nação, para poder resolvê-los.
História, crise e dependência do Brasil. Cartilha nº 3. Consulta Popular. 1999. São Paulo
17. AS LUTAS DOS OPRIMIDOS NO BRASIL
1. As lutas dos Povos Indígenas
2. As Lutas dos Escravos Negros
3. Alfaiates - a luta pela liberdade
4. Cabanagem
5. Bahia: Insurreições de Escravos/ Sabinada
6. Canudos
7. A Guerra do Contestado
8. Os Mucker
9. Ligas Camponesas / Sindicatos / CGT
Cada tema abaixo será estudado em grupos e responderá as seguintes questões:
1. Qual a opressão e exploração que havia?
2. Qual a organização dos opressores?
3. Como os oprimidos estavam organizados?
4. Qual foi a reação dos oprimidos frente à opressão?
5. Quais as dificuldades e retrocessos da luta dos oprimidos?
6. Houve traições e colaborações com o opressor, quem e como foi?
7. Quais os avanços e vitórias que esta reação dos oprimidos trouxe?
8. Qual o avanço histórico para hoje que a reação dos oprimidos trouxe?
O que estes fatos nos ensinam hoje?
1. As lutas dos Povos Indígenas
O 1º contato com os indígenas
O 1º contato com os indígenas é amistoso. "São mais nossos amigos que nós seus", diz Caminha. Mas em 1511 os primeiros 35 escravos são elevados na nau Bretoa. Com a ocupação, o cativeiro se alastra. Santos é o Porto dos Escravos, preados por Antônio Rodrigues (litoral) e João Ramalho (sertão). A imagem-padrão do gentio passa a ser de falso, covarde, preguiçoso, estúpido, sem lei, sem rei, sem Deus e sobretudo canibal. Duvida-se que tenha alma. A escravização é associada à civilização e catequese, como ato cristão e meritório.
A preagem
A preagem (captura) se apóia em tribos aliadas (em SP os Goítacá do cacique Tibiriçá) e armas de fogo. Homens e mulheres são trazidos "como carneiros e ovelhas", em canoas ou por terra, atados pelo pescoço, às centenas, depois aos milhares. A oferta de escravos sobe bruscamente com os ataques paulistas às missões guaranis. Em 130 anos, 2 milhões são mortos ou escravizados.
Escravidão negra e vermelha
Escravidão negra e vermelha convivem. Uma domina as áreas ricas, outra o sertão pobre (SP, MA, PA). A abundância, o "vício" de recusar trabalho forçado, fugir e morrer à toa, depreciam o "negro da terra", face ao "da Guiné". A lei em tese veda a escravidão indígena desde 1570, mas abre sempre exceções: para os Aimoré, os capturados em "guerra justa", os "índios de corda" (vencidos por outra tribo e amarrados à espera do sacrifício). Seu hábil manuseio permite o cativeiro em ampla escala. O testamento do bandeirante A. Pedroso de Barros (1652) inclui 500 cativos. A escravidão vermelha entra pelo século 19. Na Amazônia de 1866, compra-se um índio por. um machado.
Os jesuítas
Os jesuítas condenam e combatem a escravidão vermelha (não a negra); são hostilizados e até expulsos por isso. Mas sua posição é dúbia. Nóbrega considera os índios "brutos animais", "cães", "porcos", "feras bravas"; e apóia a posse de "escravos legítimos, tomados em guerra justa".
Os indígenas resistem
Os indígenas resistem pela guerra à invasão e escravidão. Vencidos, às vezes após gerações, seus sobreviventes caem no cativeiro ou se internam pelo sertão.
Guerra dos Tamoios
Guerra (ou Confederação) dos Tamoios (1555-1567): conflagra o RJ e SP, de Cabo Frio a ltanhaém. Os Tupinambá se aliam aos Carijó (Guarulhos), Guayaná, parte dos Tupinikim e franceses. Tamoio em tupi é mais velho; por extensão, nativo. A rigor não há confederação, mas unidade de ação. Cunhambebe, cacique de Ubatuba (h. Angra dos Reis), pintado como um "monstro" de estatura e força, "hediondo antropófago" capaz de recusar outro alimento afora carne humana, é o 1º a revidar à preagem, morre numa epidemia de sarampo fatal aos Tamoios; assume Aimberê, de Uruçumirim (hoje morro da Glória, Rio). Jaguanharo, Tupinikim e sobrinho de Tibiriçá, tenta em vão a adesão do tio. Os rebeldes, estimados em 10 mil, reúnem até 180 canoas com guerreiros. Fracassam num assalto a Piratininga mas vencem um combate em que matam Tibiriçá, Caiubi e Fernão, filho de Mem de Sá. Nóbrega e Anchieta negociam em Iperoig (Ubatuba) um acordo de paz (1563), que inclui a libertação dos escravos. Um ano depois a preagem recomeça e com ela a guerra.
A França não acata Tordesilhas
A França não acata a linha de Tordesilhas; o rei Francisco I diz (1517) que só aceita após ver o testamento de Adão. Os franceses carregam pau-brasil, em ótimas relações com os Tupi. No RJ, fundam uma colônia que se imbrica com a Guerra dos Tamoios: é a França Antártida de Nicolas D. de Villegaignon, com patrocínio do alm. Coligny, simpatia do rei francês Henrique II, apoio de armadores e calvinistas. Chegam ao RJ em 2 navios, 200 colonos (10/11/1555). Erguem o forte Coligny na ilha de Serigipe (Ilha Villegaignon) e planejam uma cidade em terra firme, Henriville. Os índios apóiam os mair (franceses) contra os peró (portugueses) o governo Duarte da Costa não reage. A Europa calvinista envia mais 3 naus, 300 colonos, mulheres, 2 teólogos. Envolvido em disputas doutrinárias, Villegaignon passa a chefia a seu sobrinho B. Le Compte e volta à França (1559). O novo governador-geral Mem de Sá, com 2 mil homens mais reforços de SP, destrói o forte e dispersa os franceses. Os remanescentes se confundem com os tamoios e alguns se integram com eles (Ernesto, ou Guaraciaba, genro de Aimberê morto em Uruçumirim).
Fundação do Rio de Janeiro
Fundação do Rio de Janeiro. Lisboa envia tropas, também a BA e ES (os Temiminó de Araribóia). No comando, Estácio de Sá (sobrinho de Mem de Sá) funda ao chegar (1/3/1565) a cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, mero acampamento na enseada de Botafogo. Ataques tamoios fazem Anchieta pedir a volta de Mem de Sá. Na batalha decisiva de Uruçumirim (12 mil combatentes), Estácio de Sá é ferido de morte por uma flecha, mas vence. As cabeças de Aimberê e outros são fincadas em estacas. Anchieta narra os "gestos heróicos": "160 aldeias incendiadas, passado tudo ao fio da espada". Mem de Sá muda a cidade para o atual Castelo, ergue baluartes, muros, doa uma sesmaria (h. Niterói) a Araribóia. O RJ torna-se Capitania Real, entregue a uma dinastia da família Sá; em 1600 tem 750 europeus e 100 negros.
Guerra dos Aimoré
Guerra dos Aimoré (1555-1673); atinge Ilhéus, BA, Porto Seguro. Os Aimoré (botocudos), povo Jê (BA, ES, MG) atacam até o Recôncavo. São sufocados 1 século depois (graças a guerreiros Tabajara trazidos da PB), mas em 1718-1780 assolam a área com guerrilhas. Por seu valor militar, são comparados aos Araucano do Chile. Ainda em 1808 o regente declara "guerra justa" aos botocudos.
Guerra dos Potiguara
Guerra dos Potiguara (1586-1599); detém a conquista da PB até o final do século. Os chefes Tejucupapo e Penacama levantam 50 aldeias, com apoio francês. São vencidos pela varíola e pelo auxílio dos Tabajara aos portugueses. Seus descendentes vivem hoje na baía da Traição, assim chamada devido à violação da paz pelo governo.
Levante Tupinambá
Levante Tupinambá (PA, 1617-1621): começa em Cumã, onde todos os brancos são mortos. Ataca Belém (1619) sob comando do chefe Guaimiaba (Cabelo de Velha), morto em combate. A repressão é auxiliada por uma epidemia de varíola.
Guerra do Açu
Guerra do Açu, dos Bárbaros ou Confederação Cariri (sertão da PB, RN, CE, PE, 1686-1692): causada pelo gado solto que os índios caçam, envolve os Janduim e outros povos Jê liderados por Canindé (preso em 1690) e Caracará. Ataques à fortaleza do Açu, ameaça à dos Reis Magos (h. Natal). O bandeirante D. Jorge Velho ataca os Cariri com 600 homens, sem êxito. Um acordo de "paz perpétua" entre "D. Pedro I, rei de Portugal e Algarves, e Canindé, rei dos Janduim", assinado na presença de 70 caciques, é violado 2 anos depois. Em 1993 restavam 29 Cariri no Nordeste.
Revolta de Manu Ladino
Revolta de Manu Ladino (PI, MA, CE, 1712-1719): o estopim é o fazendeiro A. C. Souto Maior (que violenta mulheres e a seguir mata-as a machadadas), morto por seus índios. Estende-se (fazendas destruídas, portugueses mortos) e projeta um líder, Manu Ladino, um Cariri educado por padres, por 7 anos o homem forte do Meio-Norte. Conflitos tribais dividem a revolta, afinal esmagada por uma expedição punitiva dos fazendeiros.
Guerra dos Manau
Guerra dos Manau (AM, 1723-1728): impede por 4 anos qualquer barco luso de subir o rio Negro, densamente povoado. Seu líder, Ajuricaba, rompe com o pai, cacique dos Manau, e lança o lema "Esta terra tem dono". É vencido por um navio que d. João V envia de Lisboa para bombardear as aldeias ribeirinhas. Ajuricaba, levado preso a Belém, segundo a lenda atira-se no rio ao avistar a cidade.
Resistência Guaikuru
A resistência Guaikuru (MT, 1725-1744) ataca várias vezes Cuiabá, V. Bela, Assunção e as monções. Os exímios cavaleiros Mbayá-Guaikuru aliam-se aos Payaguá-Guaikuru, canoeiros, que se servem dos remos como lanças. Chegam a capturar e vender bandeirantes como escravos em Assunção.
Guerrilha Mura
Guerrilha Mura - dura 1 século nos vales do baixo Purus, Negro, Madeira. Grandes canoeiros, os Mura fustigam o inimigo e se refugiam em meandros fluviais onde ninguém ousa penetrar. Aldeados pelos carmelitas (1689), põem fim à resistência e colaboram no massacre dos Mundurucu e Juma.
Guerra Guaranítica
Guerra Guaranítica (RS, 1753-1756).
2. As Lutas dos Escravos Negros
O escravismo colonial
O escravismo colonial das Américas tem no Brasil seu modelo. Na Europa, acumula capital para a revolução burguesa. Na África, trunca, perverte o desenvolvimento e trava por 3 séculos o aumento demográfico. Distinto do escravismo antigo, patriarcal, é o único sistema produtivo incapaz de reproduzir a mão-de-obra; depende do tráfico. Sua marca é o trabalho forçado até a morte por estafa. Portugal escraviza mouros na Idade Média; Gil Eanes traz a 1ª leva de cativos da Guiné (1441). Na África da época há escravidão patriarcal e algum tráfico, com o mundo árabe; o desenvolvimento é desigual (sociedades primitivas, patriarcais e avançadas); supera a Europa em áreas da metalurgia Timbuctu tem universidade (1450) antes de Coimbra.
O tráfico negreiro
O tráfico negreiro envolve recursos só superados pelo açúcar. Liderado por Portugal e, no século 18, Inglaterra, utiliza asientos, grandes contratos, financiados por comerciantes, banqueiros, nobres, ordens religiosas, monarcas. O pumbeiro (traficante) penetra até o pumbo (mercado local) e troca sal, armas, ferro, panos e trigo, fumo, açúcar, cachaça e búzios por cativos. No porto (Luanda, Benguela, Ajudá, Congo), o navio pumbeiro (negreiro) embarca 200-500 fôlegos vivos no porão 15 a 20% morrem na viagem, de pestes, escorbuto, suicídio, banzo. No Recife, Salvador, Rio, os cativos são vendidos, a unidade de venda é a peça da Índia (= 1 negro sadio). O tráfico para o Brasil vai de data incerta (1532?) a 1850. Traz no total 3 a 3,6 milhões (cf. S. Buarque, R. Simonsen, A. Taunay), 4,8 a 8 milhões (cf. R. Mendonça, C. Prado Jr., P. Calmon), 12 a 15 milhões (cf. Calógeras, R. Pombo). Os cativos pertencem a 2 grandes grupos: bantos (sobretudo de Angola), e oeste-africanos (Costa da Mina).
O feito na lavoura
O feito na lavoura é a sina da maioria: jornada de trabalho, 12-18 horas expectativa de vida, 10 - 15 anos; alojamento na senzala, dieta de farinha, feijão, aipim, às vezes melaço, peixe, charque. Um negro se paga em 2,5 anos no engenho, 1 ano no café. Nas minas, o tempo de vida cai para 7 anos. A escravidão doméstica tem traços patriarcais. No século 19 aumenta o nº de negros de aluguel e de ganho (que vão do artesão à prostituta e ao mendigo). Muita família modesta vive da renda de 1-2 escravos. O sistema avilta todo trabalho e atinge ofícios qualificados (marceneiro, pedreiro, calceteiro, impressor, ourives, joalheiro, litógrafo, alfaiate, sapateiro, barbeiro, curtidor, ferreiro, pintor, escultor).
Lei e sociedade
Lei e sociedade tratam o escravo como coisa; ele pode ser vendido, alugado, emprestado, herdado, hipotecado. Há 4 vezes mais escravos que escravas. É comum o senhor engravidar uma negra e escravizar ou vender o filho. Há uma hierarquia entre o cativo boçal (recém-vindo da África), ladino (já aclimatado, falando português) e crioulo (nascido no Brasil); entre negros e pardos ou mulatos (termo ofensivo derivado de mula, híbrido). Negros e mestiços forros (libertos) não têm todos os direitos dos brancos.
A justificativa do sistema
A justificativa do sistema é religiosa: o negro descenderia de Cá, filho maldito de Noé; o cativeiro seria a chance de expiar seu pecado, resgatar-se e alcançar a salvação. A Igreja endossa e pratica a escravidão negra. Seguem-se (século 19) a suposta teoria científica da superioridade racial européia (Gobineau) e a do escravismo benevolente (apoiada nos traços patriarcais da escravidão doméstica).
Os castigos
Os castigos indicam a carga conflituosa do escravismo brasileiro. Usa-se correntes, algemas, gonilha ou gargalheira (coleira de metal), peia, viramundo (grilhão) e tronco (imobiliza punhos e pés) para captura e contenção. Máscara, anjinho (anel de ferro que mutila o dedo), palmatória, chibata (bacalhau) para suplício; a lei (1808) prevê até 300 chibatadas/dia (600 para o reincidente). No eito, chibatadas gratuitas, para dissuasão. Marca com ferro em brasa (em geral as iniciais do senhor) para aviltamento. A Coroa cria (1741) a pena de marcar um “F” nas costas do fujão, o reincidente perde a orelha, o governador de MG sugere (1718) a amputação de uma perna e a Câmara de Mariana (1755), o corte do tendão de Aquiles. A lei não permite ao senhor matar seu escravo, mas o direito consuetudinário sim.
A luta dos escravos
A luta dos escravos marca o Brasil em nível só superado no Haiti. Forma principal: a quilombagem: fuga e formação de comunidades livres. O nome quimbundo quilombo, em uso no século 18 (antes, mocambo), designa a união de 5 ou mais fugitivos. Há milhares deles, do AM ao RS (e na Colômbia, Cuba, Haiti, Jamaica, Peru, Guianas). Formam toda uma periferia liberta da sociedade. Vivem da agricultura, às vezes garimpo, comércio, saques. SE tem 300 anos de guerrilha quilombola endêmica e invicta. Na BA, há mocambos até dentro da capital (Cabula, N. Sa dos Mares, Buraco do Tatu). Com o ouro e o afluxo de escravos, surgem em, MG enormes redutos; o do Ambrósio tem 12 mil habitantes, cria gado, fabrica açúcar, cachaça, farinha, azeite. No RJ o quilombo (destruído com ajuda de Caxias) de Manoel Congo (enforcado em 1839) se apóia numa sociedade secreta. Em Santos, SP, surge o grande quilombo do Jabaquara, em conexão com os abolicionistas.
Guerra aos quilombos
A ordem escravista declara guerra aos quilombos. Cria (século 17) a força armada especial dos capitães-de-mato, emprega tropas de índios e bandeirantes. Um deles, B. Bueno do Prado, traz do rio das Mortes (1751) 3.900 pares de orelhas, como prova de seu feito.
Palmares
Palmares, ou Angolajanga (pequena Angola) é o quilombo mais populoso, duradouro, presente no imaginário popular. Fica entre Garanhuns (PE) e Viçosa (AL) atuais, em área acidentada, de mata, terra boa e caça. Nasce com 40 negros da Guiné fugidos de Porto Calvo em 1630 (ou no século 16?). Com a invasão holandesa, cresce rápido, em fugas coletivas, tem 6 mil negros em 1643, 20-30 mil em 1677 (Salvador, 15 mil habs., Recife 10 mil); inclui brancos e índios. A sociedade mescla tradições bantos, sincretismos brasileiros e exigências militares. Planta e irriga milho, feijão, mandioca, banana (pacova), cana- come melhor que a população colonial. A terra é coletiva mas cada casa tem uma gleba. Artesanato (tecelagem, cerâmica, metalurgia). Comércio com mascates (compra armas e pólvora). Bandoleirismo, rapto de mulheres, escravização dos negros trazidos à força. Confederação de 11 mocambos (aldeias) maiores, capital Macaco (1.500 casas), área de 27 mil km2. Esboço de estado calcado no modelo africano: o conselho de chefes de mocarmbo, fórum máximo, elege Ganga-Zumba rei, por mérito de guerra. Sincretismo na religião e no dialeto dos Palmares, mistura de banto, português e tupi. Intensa formação guerreira: paliçadas, fossos com estrepes, fabrico de armas, força armada permanente sob comando de Ganga Muiça, instrução militar. Enfrenta 16 (25?) expedições inimigas entre 1645-1695, sendo 2 holandesas. A de Fernão Carrilho (1677) destrói mocambos, mata Ganga Muiça, filhos e netos de Ganga-Zumba. Este, ferido, aceita um ultimato português e envia a Recife 3 filhos. 0 acordo de paz (1678) é recusado em Lisboa e em Macaco; Ganga-Zumba é executado.
Zumbi
Zumbi, "negro de singular valor, grande ânimo e constância rara", sobe à chefia nascido quilombola, criado pelo pe A. Meio, com 15 anos foge para Palmares. Os paulistas de Jorge Velho retomam a guerra (1687). O último ataque (1694-1697) toma o Macaco após 22 dias de cerco. Zumbi escapa, passa à guerrilha, mas é tocaiado, morto (20/11/1695) e mutilado (colocam seu pênis dentro da boca; a cabeça, salgada, é exibida no Recife). Adquire status de herói, sob pressão do movimento negro em 95.
Outras formas de resistência
Outras formas de resistência: levantes organizados (BA, 1807-1835); participação em movimentos libertários como a Revolta dos Alfaiates, Balaiada, Campanha Abolicionista.
Escravidão Tardia / Fim do Tráfico Negreiro
A Inglaterra antiescravista
A Inglaterra converte-se ao antiescravismo. Até fins do século 18, domina o tráfico negreiro e possui o monopólio do comércio de escravos para a América espanhola. Ergue com o tráfico o porto de Liverpool e emprega nele 132 navios (1792). A busca de mercados pós-Revolução Industrial leva-a a inverter sua atitude. O 1º ministro W. Pitt: estimula o Comitê Antiescravidão (1787). Ao abolir a escravidão, o Império Britânico (1833) indeniza os senhores com 20 milhões de libras. Mas, desde a lei antitráfico (1808), pressiona em especial o Brasil (1º importador mundial de escravos) para que siga sua orientação. Após 1837, emprega a armada de guerra para policiar os mares e reprimir os tumbeiros.
A condenação formal do tráfico
A condenação formal do tráfico, sob pressão inglesa, vem da fase colonial: art. 10 do tratado luso-britânico de 1810, padrão "humanitário" nos navios (1813); novos acordos com a Inglaterra (1815-1817); multa e degredo para traficantes ao norte do Equador (1818); decreto imperial (1827) de extinção do comércio em 4 anos. Puras formalidades. A lei da Regência (7/11/1831) proibindo importar cativos é ignorada por completo (exceto em SE do presidente Ribeiro da Silva) e quase revogada. O avanço do café traz 1,7 milhão de cativos na 1ª metade do século 19, no ritmo recorde de 34 mil por ano. Os escravos passam de 1,1 milhão em 1823 para 2,5 milhões em 1850. Na iminência da proibição o tráfico se intensifica ainda mais (257 mil escravos em 1846-1850, 81 % deles para o Sul-Sudeste) "Quase toda a população do Império" (Cotegipe) apóia o contrabando de fôlegos (como se chama aos cativos). A sociedade escravista julga o trabalho indigno de um homem livre: aluga-se um negro até para levar "1 lápis de cera para lacrar e 2 penas" (J-B. Debret).
Os traficantes amealham fortunas
Os traficantes amealham fortunas no Brasil e África. Domingos Martins tem casas montadas na Costa dos Escravos, Recife e Salvador. No Rio, o português Manoel Pinto da Fonseca de tão rico torna-se conhecido como novo Monte-Cristo (do Romance de Dumas); será expulso em rumoroso episódio. Francisco Félix de Sousa [1754-1849], piloto baiano mestiço, aportado na África em 1803, forma a maior fortuna do Daomé; íntimo do rei Ghezo; recebe título de nobreza (xaxá) e governa Uidah (Ajudá). Toda uma parte da costa africana (inclusive Lagos) se baianiza, sobretudo após o retorno (1845) de várias famílias de ex-escravos alforriados, na BA.
O decreto Alves Branco
O decreto (ou tarifa) Alves Branco (17/5/1843, toma o nome do visc. de Caravelas, min. da Fazenda na época) eleva a taxação dos importados para elevar a arrecadação, incentivar à embrionária indústria e ao trabalho livre no Brasil ("Um povo sem manufatura fica sempre na dependência de outros povos", diz seu autor). Para isso, eleva para 30% o imposto sobre importados, chegando a tarifas maiores quando o artigo tem similar nacional- panos finos ingleses pagam 40-50%; tecidos grosseiros, 60%; mas isenta matérias-primas e bens de produção (a isenção para máquinas a vapor é total). A tarifa alimenta a polêmica (em curso até hoje) entre protecionistas e liberais- estimula embriões de indústrias- porém seu efeito mais sensível é a não renovação (9/11/1844) do velho tratado comercial com a Inglaterra. Dez meses depois o Parlamento londrino aprova a Lei Aberdeen.
A Lei inglesa Aberdeen
A Lei (Bill) inglesa Aberdeen (8/8/1845) dá forma final à radicalização de Londres no combate ao tráfico" visa sobretudo ao Brasil, em parte como revide às tarifas. Pelo Bill, a armada britânica arroga-se “o direito e o dever” de apresar qualquer embarcação que conduza escravos, sem considerar águas territoriais ou normas do direito internacional. Capitão, contramestre e comissário (às vezes outros tripulantes) são enforcados por pirataria. Em 1837-1850 a Inglaterra apresa 634 embarcações acusadas de tráfico (para o sul dos EUA, Cuba e sobretudo Brasil); só o xaxá de Uidah perde mais de 30.
O incidente de Paranaguá
No incidente de Paranaguá (1/7/1850), o cruzador Cormorant, que reprime o tráfico no litoral do RJ-SP-PR, viola este porto e apresa mais 3 negreiros (1850). Jovens da cidade, embora condenando o tráfico, tentam reagir e disparam os canhões do velho forte da ilha do Mel. O embaixador inglês James Hudson adverte o governo brasileiro e acena com represálias. A "questão servil" (como é então chamada) ganha urgência.
A Lei Eusébio de Queirós
A Lei Eusébio de Queirós (4/9/1850) toma o nome do min. da Justiça do gabinete Olinda, conservador. Em 10 artigos, referenda a de 1831; considera o tráfico pirataria (art. 4); prevê a apreensão e leilão de navios negreiros e proveito dos apresentadores e denunciantes, e a devolução dos cativos à África ou seu uso pelo governo ("escravos da nação"). O debate da lei enche as galerias da Câmara. Boa parte da opinião pública se opõe a ela. Autoridades do Judiciário consideram-na irregular. Mas desta vez a lei não é para inglês ver (expressão nascida e um episódio da vinda da família real). Apoiada pela Inglaterra, maior parceiro comercial, credor e aliado militar do Brasil, é cumprida apesar da resistência de boa parte das elites. A lei Nabuco de Araújo (1854) estabelece penas ainda mais severas. O tráfico, perseguido, usa estratagemas (troca de escravos velhos por africanos de 12 anos, idade própria para se adaptar ao eito), mas declina. O último desembarque conhecido (13/10/1855), com 209 cativos de um barco português em Serinhaém, PE, é reprimido sob a fiscalização pessoal e in loco do cônsul inglês Cowper.
O destino do "africano livre"
O "africano livre" tomado dos contrabandistas pela polícia, não volta à África. Empregado em obras públicas, logo é requerido de empréstimo por fazendeiros. Aí, nada o distingue do cativo comum afora uma plaqueta de lata no pescoço.
Conseqüências
Conseqüências. O fim do tráfico decreta a morte lenta do escravismo; sem ele, o rigor do eito e dos castigos reduz a população cativa em 8-10% ao ano. O imenso capital investido no ramo (15 a 20 contos de réis-ano) em boa parte pertence a portugueses e se evade, mas também financia cafezais, indústrias, bancos, agiotas, obras públicas. A cafeicultura importa negros em massa do Nordeste, inflacionando seu preço e desarticulando pela dispersão suas insurreições. As fazendas do vale do Paraíba (RJ, "Norte" paulista), retardatárias, em terras cansadas, decaem. Bananal, maior produtor de café (importa sua estação de trem da Bélgica, toda em ferro e maior concentração de escravos de SP perde 97,1% de uma produção (1854-1920) e metade de seus 16 mil habitantes de 1874 (hoje, 12 mil), dos quais 53% são cativos. O "Oeste Velho" de SP, grande comprador de cativos, também recorre à parceria e sistemas afins.
O escravismo tardio
O escravismo tardio (C. Moura) ou desescravização (D. Freitas) pós-lei Eusébio de Queirós representa modificações consideráveis. Antes, o escravismo colonial é a relação de trabalho amplamente dominante, embora conviva com formações periféricas (agregados, quilombos, comunidades indígenas, os primeiros núcleos de colonos europeus independentes, posseiros e outras explorações familiares). Na 2ª metade do século 19 as relações escravistas entram em declínio relativo e absoluto, embora gradual; cedem terreno a outras, livres ou semilivres (colonato em SP, produção familiar independente sobretudo nos núcleos europeus do Sul, trabalho assalariado agrícola e industrial). O assalariamento se impõe em áreas decadentes como a Zona da Mata nordestina por razões econômicas: ter escravos sai mais caro que pagar salários, imobilizando recursos necessários ao senhor de engenho em crise. Em contraste, modernas empresas capitalistas usam escravos, como a St. John d'El Rey Mining Limited, instalada em 1830, na grande mina de ouro de Morro Velho (ainda hoje em exploração).
Mudam as atitudes frente à escravidão
Mudam as atitudes frente à escravidão. Passam a ocorrer coisas inconcebíveis pelo velho padrão ético escravocrata: fazendeiros assalariam escravos fugidos de outras fazendas- na ala mais esclarecida da elite e nas nascentes camadas médias urbanas, forma-se a convicção de que a escravidão é um mal. A imigração de europeus, a Guerra do Paraguai e o início da industrialização completarão as premissas para a campanha abolicionista e sua vitória.
Lei de Terras
A Lei de Terras, 2 semanas após a Eusébio de Queirós (18/9/1850, ao fim de 7 anos de debate parlamentar) tira do estado o direito de doar terras devolutas. A única forma de acesso à terra passa a ser a compra. Cai a antiga relação de tipo senhorial que marcara por 3 séculos a concessão das sesmarias. A terra torna-se acessível a quem quer que tenha dinheiro para comprá-la (inclusive plebeus enriquecidos e imigrantes abastados); e fora do alcance de quem não o possui ("europeus pobres, índios mulatos e negros forros", nas palavras de J. Bonifácio em proposta distributivista de 1821, jamais adotada). O objetivo explícito é carrear braços para as grandes fazendas, cortando o acesso à pequena propriedade camponesa. Quem se aposse de terras devolutas é despejado, preso, multado e perde as benfeitorias. É o caminho inverso da colonização distributivista (EUA).
3. Alfaiates - a luta pela liberdade
O começo foi igual ao de muitos movimentos no Brasil: de um lado a elite branca, intelectualizada e bem-nascida, proprietária e progressista, reagindo contra o absolutismo e debatendo os "ideais franceses". Essa gente escreve, discursa, confabula e de repente entusiasma camadas do povo que vive semimarginalizado. Os intelectuais debatem idéias; o povo, antes das idéias, está revoltado com sua condição de vida precária. Quando as duas coisas se unem acontecem conspiração, insubordinação e revolta armada.
Não foi diferente na Bahia, com a Conjuração dos Alfaiates, também conhecida como Inconfidência Baiana. Nem divergiu o processo da evolução política: o discurso formal das elites brancas logo foi superado pelas necessidades reais de mudança que as massas exigiam. Então os líderes letrados, "fundadores" da conjura, perdem importância e comando; gente do povo assume e a rebelião se radicaliza. Ao contrário da Inconfidência Mineira, a Conjuração dos Alfaiates não visava simplesmente sonegar impostos. Não era apenas uma rebeldia contra os abusos do governo português, mas uma tentativa, com a participação popular que faltou aos mineiros, de implantar uma nova sociedade na Bahia, em 1798, livre e republicana, abolindo-se a escravidão.
A Conjuração dos Alfaiates é o primeiro movimento revolucionário com um projeto global, que propõe mudar a sociedade colonialista no seu cerne: fim da escravidão e de todos os privilégios de casta e classe.
No fim do século XVIII os intelectuais baianos liam muito os franceses e eram admiradores da revolução de 1789, na França. Em Salvador aportavam estrangeiros de todo o mundo, trazendo idéias novas e libertárias. Um deles foi Larcher, comandante da marinha francesa, que teve um guarda a seguí-lo porque Portugal estava em guerra com a França. O seu guarda foi o tenente Aguilar Pantoja, que acabou seduzido pelas idéias do francês. Pantoja promoveu reuniões de Larcher com intelectuais baianos, entre eles Cipriano, Barata, e naturalmente entusiasmou essa gente.
Por esse motivo e pela existência de livros contrabandeados em Salvador, muitos historiadores costumam dizer que a Inconfidência Baiana foi inspirada "de fora" e, como sempre, excluí-se a presença do povo, reflexo de toda uma situação social e política que na verdade impulsionou os "alfaiates" a liderarem a revolução.
Contribui para essa classificação de "revolução importada" o trabalho de alguns intelectuais, certamente da elite baiana, que traduziam mais ou menos secretamente obras revolucionárias francesas, inclusive muita coisa de Rousseau. É evidente que essa inquietação intelectual terá grande importância na deflagração do movimento. Tanto que a repressão começou antes da revolução, tentando expurgar as bibliotecas baianas do pensamento libertário francês.
Enquanto a elite debate idéias, fundando uma sociedade secreta para divulgar suas opiniões, pessoas "menos gradas" discutem nas boticas e botecos, nas alfaiatarias e marcenarias, maneiras de aplicar tal ideário para derrubar as estruturas do colonialismo: são os "alfaiates".
Os dois grupos entram em contato e mesmo entre os intelectuais alguns são realmente revolucionários, como Cipriano Barata e Aguilar Pantoja. Pantoja inclusive convence os soldados a aderir à revolução. Por seu lado Cipriano Barata, um médico de palavra fácil, fala aos pobres, especialmente aos escravos, acenando-lhes com a possibilidade de mudar suas tristes vidas fazendo uma revolução.
A conjuração quando "levada às ruas" toma força e uma direção nitidamente popular; pela primeira vez há uma proposta de mudança real e concreta na sociedade brasileira. O que se prenunciava, o povo usado pelas elites brancas para atingir seus fins, toma outra forma.
As coisas ficam sérias: o povo está politizado e os líderes alfaiates sabem o que fazer. Nesse momento os intelectuais brancos tremem e recuam. A liderança do movimento passa aos "alfaiates" (havia um grande número deles envolvido, daí o nome da conjuração) e pequenos artesãos, soldados etc.
As "idéias francesas" que estimularam a intelectualidade também são ultrapassadas pelos acontecimentos: as idéias agora traduzem uma prática política de luta libertária gerada pela condição de classe dos revolucionários.
O povo faminto sabe que o alimento que lhe falta é usurpado pelos ricos. E passa à ação, mesmo antes de declarar-se a luta. Atacam os armazéns e expropriam - já não é o simples saque anárquico – a comida que lhes pertence por justiça, simplesmente porque têm fome e aprendem que essa fome é fruto da exploração, do acúmulo de riquezas por uns poucos privilegiados.
Os assaltantes são negros, mulatos, escravos, desempregados. Ao contrário do que alguns historiadores dizem, não se trata de "ações dispersas" nem de "ataques caóticos": é um ensaio, fruto do entendimento de que toda propriedade não socializada é passível de expropriação pelo povo. Pretendem expropriar as terras, os engenhos, as casas e libertar os escravos, porque percebem que o sistema escravista é o núcleo da dominação de classe existente na Bahia em 1798.
Essas ações traduzem as idéias, os "alfaiates" não precisam teorizar e debater a revolução: fazem-na. A prática torna-se popular e o povo baiano prepara-se para o grande lance do processo real da independência do Brasil.
Lucas Dantas, um marceneiro mulato que também é soldado, dirá sem rebuços teóricos o que deve ser a Conjuração dos Alfaiates: o fim das diferenças entre brancos, pretos ou mulatos. Uma república a ser instituída sem privilégios de espécie alguma. Nasceria a sonhada República Bahiense.
Enquanto os "alfaiates" aguardam o momento para a luta, os intelectuais utopicamente esperam a ajuda de uma armada francesa. Isso os leva a resguardarem-se numa posição de meros conspiradores enquanto as massas organizam a revolução. E assim, entre algumas prisões, em 12 de agosto de 1798 os baianos recebem boletins concitando à rebeldia, distribuídos furtivamente ou ostensivamente pregados nos muros e nas praças mais freqüentadas. Um desses boletins dizia:
"A Liberdade consiste no estado feliz, no estado livre do abatimento: a liberdade é a doçura da vida, o descanso do homem e com igual paralelo de uns para outros, finalmente a liberdade é o repouso e bem-aventurança do mundo."
O Aviso ao Clero e ao Povo Bahiense traz o programa da revolução: denuncia os abusos de Lisboa, prega o livre comércio e propõe Salvador como porto aberto a todos os povos, ameaçando os padres que de qualquer forma tentem "persuadir os ignorantes, fanáticos e hipócritas, dizendo que é inútil a liberdade Popular".
Fim dos privilégios, fim da escravidão e vigilância para o clero, medidas políticas que se apoiariam materialmente na liberdade de comércio. Ou seja, efetivamente o fim do colonialismo.
No entanto, o momento para conseguir tais propósitos era prematuro, expondo-se os revoltosos à repressão quando tiveram que antecipar a luta. A violência do poder não se fez esperar. Foram feitas várias prisões e aconteceram as delações, enfraquecendo a conjura.
Um dos delatores, José Joaquim de Santana, além de denunciar os líderes, apresenta um quadro revolucionário assustador às classes dominantes:
" ... as tropas de linha com comandos brancos, pardos e pretos, e sem distinção de qualidade, e sim de capacidade (...) e que todos os cativos pardos, e pretos, ficariam libertos sem que houvesse escravo algum...”
A revolução abortou, mais de cem pessoas foram presas. Os responsáveis julgados: dos 34 réus 23 eram mulatos, entre estes, dez escravos e quatro libertos. Seis foram condenados à morte. Os brancos intelectuais condenados à prisão. Morte só para os pretos e mulatos: quatro foram executados em 8 de novembro de 1799 e em seguida esquartejados; dos outros dois, um teve a pena comutada para degredo e o outro nunca chegou a ser preso. O traidor José Joaquim de Santana recebeu como "punição" o afastamento da tropa e uma pensão vitalícia,
A Conjuração dos Alfaiates, embora facilmente derrotada, tem importância ímpar na história do povo brasileiro. Pela primeira vez demonstra uma coesão de princípios com um nítido sentimento de classe, exposto programaticamente.
É um engano entender que ela foi vencida pela "precipitação" ou "ingenuidade" dos "alfaiates". A derrota decorre, como sempre, de um descompasso entre os propósitos revolucionários e as condições históricas vividas. Isso não significa que a Conjuração dos Alfaiates tenha acontecido "antes da hora", mas demonstra que certas camadas populares às vezes avançam, pressionadas pela sua condição, à frente do próprio processo político.
O resultado é extremamente pedagógico: mostra que mesmo em momentos impróprios aflora um agudo senso de classe e por outro lado, mais uma vez, registra que até na repressão se faz sentir uma espécie de "solidariedade de casta". O que fica bem evidente nas penas mais leves para os intelectuais brancos e na violência brutal contra os representantes do povo. Tanto que, irônica ou tragicamente, o advogado de defesa dos "alfaiates" não lhes pede a absolvição: suplica simplesmente que não submetam seus cadáveres, já que eles serão mortos porque são o povo, à humilhação de costume. Nem isso o poder concede: enforca, esquarteja e joga pela cidade os restos dos "alfaiates", tendo o cuidado de pendurar postas de carne em lugares públicos, para que ali apodreçam e o resto do povo ... aprenda.
São duras as lições da liberdade.
4. Cabanagem
Considerações
"O mais notável movimento popular no Brasil, o único em que as camadas pobres conseguiram ocupar o poder de toda uma província" (C. Prado Jr), a Cabanagem (nome ofensivo, alude às moradias dos rebeldes) sofre também a mais dura repressão, ainda viva na memória popular amazônica.
A província do Grão-Pará
A província do Grão-Pará (toda a Região Norte atual) é habitada na maior parte por tapuios, índios destribalizados pelas missões. Fala nheengatu. Planta cacau, cravo, salsa, algodão, arroz, tabaco, café; coleta drogas do sertão, borracha. Decai com a expulsão dos jesuítas. A adesão à Independência é penosa, com resistências, levantes do povo e a traumática chacina de 252 prisioneiros do brigue Palhaço. A chefia do partido brasileiro cabe ao carismático cônego João Batista Campos [1782-1834], jornalista, advogado, várias vezes preso, torturado, espancado, desterrado. A Amazônia vive permanente instabilidade política. O gov. Bernardo Lobo de Sousa (4/12/1833), o Malhado (tem uma mancha grisalha), despótico e impopular, atira o clero na oposição ao ameaçar o bispo d. Romualdo Coelho (72 anos) de prisão a ferros.
1ª tomada de Belém
A instabilidade se converte em revolução com a 1ª tomada de Belém (7/1/1835). B. Campos, membro do Conselho Provincial perseguido pelo governo, foge de Belém e reúne mais descontentes: Clemente Malquer, Eduardo Angelim, os irmãos Francisco e Antonio Vinagre. Perseguidos, estes apelam à rebelião (27/10/1834). Malcher é preso; o cônego morre. Seus seguidores formam um exército voluntário e tomam a capital. Lobo de Sousa e o governador das armas, ten.-cel J. S. Santiago, são mortos e os corpos arrastados pela cidade. Fuzilamento de oficiais portugueses e libertação dos presos. Os cabanos hasteiam no palácio sua bandeira vermelha tingida de urucum.
0 1º governo cabano
O 1º governo cabano é o de Malcher, respeitado pela perseguição que sofreu (sai do cárcere direto para a posse), mas abastado fazendeiro e não um cabano. Já no 50 dia, perde prestígio ao pedir que os rebeldes abandonem as armas (o exército voluntário permanece na capital). Diverge dos cabanos e manda prender Angelim, 2 irmãos deste e F. Vinagre. A tropa não aceita; Malcher recorre à armada e ordena 3 dias de bombardeio à cidade. Derrotado, capitula e é morto a caminho da prisão.
O 2º governo cabano
O 2º governo cabano (2/12/1835) cabe a F. Vinagre (também governador das armas). O presidente lavrador, típico cabano, lança um Manifesto político amazônida, com enfoque social e tom separatista: "O país do Amazonas será feliz e livre; mostrará ao mundo que não ama nem teme a escravidão". O Império envia 3 naves de guerra (17/4) sob comando do cap.ten. Pedro da Cunha, para quem Vinagre está "rodeado da mais ínfima plebe, a quem apelida de povo". A Armada e os legalistas articulam um governo de A. Custódio Correia (que vê nos cabanos "hordas de bebedores de sangue"), bloqueiam e bombardeiam Belém. F. Vinagre aceita entregar o governo ao mal Jorge Rodrigues, português, nomeado presidente por carta régia e reforçado por uma pastoral (D. Romualdo de Seixas, primaz do Brasil e filho do PA). Muitos cabanos discordam; o conselho revolucionário chega a votar pela resistência. A. Vinagre e outros mantêm a luta no interior.
Belém com os legalistas
Belém com os legalistas. O novo presidente promete a paz mas forma o corpo militar Voluntários de Pedro II e faz 200 prisões, inclusive F. Vinagre. A. Vinagre e Angelim reúnem os cabanos em armas contra o "malvado e perverso português" e pela "causa santa do povo". Um exército de 4 mil homens (muitos ex-escravos se alistam em troca da liberdade) ataca Belém em batelões e canoas.
2ª tomada de Belém
2ª tomada de Belém (14-23/8/1835). Os cabanos avançam em 3 colunas: A. Vinagre, Angelim e Geraldo Gavião. Combatem casa por casa. No 20 dia dominam a cidade exceto o palácio do governo e o arsenal real. A. Vinagre morre em combate. A armada imperial, sob comando do oficial inglês John Taylor, bombardeia a Belém pela 3ª vez. No 9º dia o governador foge para a fragata Campista, iniciando um êxodo de 9 mil pessoas, entre elas toda a elite. Os cabanos não interferem e ficam com a capital, "reduzida a um montão de ruínas" (Angelim).
O 3º governo cabano
O 3º governo cabano (23/8/1835) é o de Angelim [1814-1882], cearense, ex-seringueiro, foreiro, jornalista, com 21 anos. É a fase mais radical. Há represálias contra os ricos e tentativas de linchamento que Angelim contém a custo. Os escravos combatentes são libertados (alguns passam a comandantes, como João do Espírito Santo, o Diamante); outros se rebelam nas fazendas. Joaquim Antonio, com 500 homens, proclama uma liberdade extensiva aos escravos em geral. Tapuios e povos indígenas (Mawé, Mundurucu, Mura) se engajam na revolução. Esta atinge os confins da Amazônia, mas carece de um programa claro. A cada do primaz e uma hábil política legalista afastam o clero dos cabanos, padres-coronéis passam a chefiar a luta armada legalista (Cametá, Acará, Alenquer). Rodrigues monta um governo paralelo na ilha de Tatuoca, estratégica para o controle de Marajó e o bloqueio de Belém. Mantém como refém o irmão de Angelim Francisco Nogueira (12 anos de idade, futuro revolucionário farrapo, morto em combate na Guerra do Paraguai).
A contra-ofensiva legalista
A contra-ofensiva legalista se apóia em reforços vindos do RJ, PE, CE. Isola Belém, onde o povo vive de ervas agrestes, raízes, couro seco e morre em massa de varíola (inclusive o pe. Casimiro de Sousa, secretário do governo). Angelim e seus "chefes de pé no chão" rejeitam a insinuação, do comandante de 3 navios de guerra ingleses (17/3/1836), de "proteção" britânica a um estado amazônico independente do Brasil. Mas, sem objetivos nítidos, os cabanos, divergem entre si, perdem terreno político e militar. Luta-se em toda a província. Bragança, Viseu, Acará, Moju, Abaeté e Macapá trocam de mãos mais de uma vez Cametá, Vigia e Abaeté são baluartes legalistas. Feijó envia (9/4) reforços, o inglês J. F. Mariath (que substitui e o brig. português Francisco José de Sousa Tavares Andreia, futuro barão de Acaçapava, que assume também o comando das armas. Belém, cercada, exausta, faminta, tenta em vão uma paz negociada pelo bispo d. Rotulado Coelho Por fim Angelim e seus cabanos abandonam a capital em canoas, rompendo o cerco naval debaixo de balas e deixando com o bispo 95 contos dos cofres públicos. Andréia entra (14/5) na cidade.
Extermínio
Extermínio (1836-1840). Para Andréia, "todos os homens de cor nascidos aqui estão ligados, em pacto secreto, a darem cabo de tudo que for branco". Por isso ele militariza o PA, suspende liberdades, dissolve a tropa infectada pela revolução ("Esta província não deve ter soldados filhos dela") e move uma guerra de extermínio. Ou isso, diz, ou "esta província há de pertencer aos tapuios, e o resto do Brasil a negros". Expedições de aniquilamento percorrem os rios. Os suspeitos de rebeldia são metidos em troncos (e às vezes atirados assim das canoas), presos em navios, enviados à Corte como recrutas compulsórios. Há repressores que ostentam colares de orelhas secas de cabanos. Estes passam à guerrilha e ainda incorporam muitos escravos fugidos, mas já não têm um comando único. O sucessor de Andréia (1814-1838), Sousa Franco, ainda encontra focos de rebeldia. Os últimos grandes grupos, de até mil guerrilheiros, se rendem após a anistia de 4/11/1839. Outros, menores, nunca se entregam (quilombos do Trombetas). Os mortos na repressão superam 30 mil (o PA tem pouco mais de 100 mil habitantes).
Epílogo
Angelim, ferido na perna, acolhido com a mulher por índios do Alto Acará, caçado por 1.130 soldados; delatado, preso e levado a Andréia (30/10/1836), passa (com F. Vinagre) 15 anos nos cárceres do Rio e Fernando de Noronha. De volta ao PA, vive retirado e escreve um livro sobre a Cabanagem; o manuscrito desaparece no dia de sua morte.
5. Bahia: Insurreições de Escravos / Sabinada
A instabilidade política e social
A instabilidade política e social agita a BA desde a Guerra da Independência. Desborda na Sabinada e, por outro lado, num longo cicio de insurreições de escravos, com predomínio dos malês.
Os malês
Os malês são muçulmanos das etnias oeste-africanas (hassuá, nagô, jeje, tapa, mandinga). Uma rota específica do tráfico concentra-os em Salvador e Recôncavo (onde subsistem remanescentes). Cultos, alfabetizados, com influência árabe, vanguardeiam a luta dos cativos. Afora a quilombagem, tentam derrubar a ordem escravista em insurreições tenazmente planejadas.
O ciclo insurrecional
O ciclo insurrecional vai de 1807 a 1835, com epicentro na BA. Estende-se também a AL e em especial SE. Em Laranjeiras, panfletos proclamam (1824): "Vivam os mulatos e negros e morram os marotos (portugueses) e caiporas (brancos)!". Uma grande rebelião nagô (set/1827) atinge ao menos 10 engenhos de SE- até 1837 todo Natal traz agitações (que usam as festas como fator de diversão). Na BA vários levantes nascem nos engenhos, porém os maiores se apóiam na escravaria urbana, engajando também forros das armações de caça à baleia e tripulantes dos saveiros.
A 1ª tentativa
A 1ª tentativa (1807), iniciativa hassuá, já é “planejada” escolhe um chefe ("capitão") em cada bairro, um agente que chamam embaixador e um secretário, pardo livre; possui 2 esconderijos de armas (arcos e flechas, facas, pistolas). O levante é marcado para o dia de Corpus Christi. Denunciado, gera uma devassa, 2 penas de morte e várias de açoite. A organização secreta Ogboni dirige o 2º movimento, articulado em Salvador, Nazaré e Jaguaripe, tenta tomar Nazaré e permite várias fugas. O governador da BA se queixa dos negros, "revolucionários e inconfidentes", que mostram "total desconhecimento e resistência às leis da escravidão".
As delações
A delação e as divisões étnicas são pontos fracos do movimento. Diferenças de origem, língua, cultura e religião da escreveria são, dizem os escravistas, a "maior garantia para as cidades do Brasil". As insurreições de uma só etnia (hassuá, mais tarde nagô) se expandem menos que as de várias nações coligadas (em 1835, nagôs, hassuás, jejes, sobretudo os los). As delações abortam ou precipitam a maioria dos levantes, apesar do rigor na disciplina e nos métodos conspirativos.
O sistema repressivo
O sistema repressivo golpeia tudo que unifique e articule os cativos. Em 1814 há aceso debate sobre a conveniência de proibir (como em 1807) os batuques da Graça e Barbalho. Alguns escravagistas suspeitam que eles servem para tramar revoltas. Outros os defendem como fatores de divisão étnica. A polícia, em suas buscas, confisca como material subversivo instrumentos musicais, adereços, objetos de culto religioso e sobretudo papéis. Após 1835, a posse de um. papel escrito em árabe, mesmo amuleto ou reza, implica na pena de morte.
A insurreição malê de 1835
A insurreição malê de 1835 é a maior e melhor preparada. Forma uma rede de pontos de reuniões clandestinas em vários pontos de Salvador (Clube da Barra). Contata o interior, via saveireiros (Nazaré, Itaparica), e possivelmente PE. Cria uma caixa de contribuições (a polícia acha 79.480 réis na casa dos negros Belchior e Gaspar). Seus líderes: Pacífico Licutã, alufá (sacerdote muçulmano), ausente da insurreição por estar na cadeia, como penhor de uma dívida de seu proprietário Luís Sanim, já idoso, falando tapa e nagô, autor da proposta da caixa; Manuel Calafate, morador da loja (porão) onde começam os combates; o mestre Tomás alfabetiza os demais; as proclamações são assinadas por Mala Abubaker. O plano é reunir uma coluna na Vitória, na festa de N. Sª da Ajuda (igreja do Bonfim), rumar para Água de Meninos e Cabrito e fazer a junção com a escravaria dos engenhos. A negra Guilhermina delata-o ao juiz de Paz. O chefe de Polícia F. Gonçalves Martins vai pessoalmente ao Bonfim cortar a ligação com os escravos do eito. Privado do fator surpresa, o levante se precipita.
A luta começa
A luta começa com o ataque policial à casa de Calafate, (noite de 24/1/1835). Aos gritos de "mata soldado", 60 negros contra-atacam com espadas, lanças, pistolas, espingardas. Passam à cadeia, onde tentam em vão libertar Licutã. Vencem um combate no Largo do Teatro, juntam-se a outra coluna que vem da Vitória, e abrem caminho até Água de Meninos. Aí são contidos e esmagados (madrugada de 25/1) pela cavalaria e infantaria sob comando de Gonçalves Martins; deixam 40 mortos em combate, afora os que se afogam na baía ao tentarem a fuga. polícia reage
A polícia prende 281 escravos e libertos, frisando que "nenhum deles goza direito de cidadão nem privilégio de estrangeiro" (Gonçalves Martins). Patrulhas vasculham a cidade. Cativos só saem com ordem escrita do senhor. Os escravos Gonçalo, Joaquim e Pedro e os libertos Jorge da Cunha Barbosa e José Francisco Gonçalves são fuzilados (14/5/1835). Sanim e Licutã levam 600 açoites; o hassuá Antonio e Tomp, 500, mestre Tomás, 300; o nagô Luís, 200. Outros são deportados. Os mortos chegam a 100 (2 policiais). Muitos resistem à tortura; o nagô Henrique, agonizando de tétano, afirma não ser de dizer duas coisas: "O que disse está dito até morrer".
Conseqüências
Conseqüências. O temor das insurreições contém o fluxo de escravos oeste-africanos para a BA. Com o fim do tráfico cessam as insurreições. Uma última tentativa (1844) tem como líder o pardo forro Francisco Lisboa, veterano de 1835. Outra participante, a escrava jeje Luísa Mahim, é mãe do jornalista e poeta abolicionista Luís Gama com seu senhor (que vende o filho adolescente como escravo).
Considerações
A República Bahiense de 1837 é parte dos levantes militares, conspirações de letrados e agitações populares endêmicas em Salvador e no Recôncavo (motins mata-marotos de 1831-1832). O estopim é a fuga de Bento Gonçalves, chefe da Revolução Farroupilha preso no forte do Mar (S. Marcelo). Toma o nome do chefe insurreto Sabino Álvares da Rocha Vieira [1797-1846], cirurgião militar na Guerra de Independência, professor da Fac. de Medicina, jornalista. Triunfa (7/11/1837) com a sublevação do 1º Corpo de Artilharia, de tradição nativista, seguido pela Guarda Civil e a polícia. Tem apoio maçom.
Os objetivos
Os objetivos são imprecisos. A República (presidente, Barreto Pedroso) diz-se provisória, até a maioridade de d. Pedro II. Sua penetração nas camadas populares é objeto de debate, mas cria um corpo de tropa negro, o batalhão dos Leais à Pátria, sob comando do major Santa Eufrásia. Proclama como objetivo "procurar a liberdade e igualdade sociais". Promete "leis justas e úteis, igualmente com o pobre, o pequeno, desvalido, como podem ser para com os ricos, grandes e poderosos". Ataca a "récua de desprezíveis e fofos aristocratas, que, à custa do vosso sangue e da vossa liberdade, só têm em vista a defesa dos seus lucros".
Epílogo
A Sabinada fica isolada de Salvador. A coalizão da Guerra de Independência se cinde; os senhores de engenho agora são ferrenhos legalistas. Francisco Gonçalves Martins, futuro visc. de S. Lourenço, foge para o Recôncavo e lidera a reação. O cel A Argolo Ferrão, senhor do engenho de Cajaíba, é o comandante militar. Derrotados em Cabrito e Campina (30/11/1837), acossados pelas tropas do brigro Crisóstomo Calado, (21/2/1838) os republicanos tentam até o fim furar o cerco, mas só o Higino Pires Gomes consegue (8/3) desembarcar uma coluna no Recôncavo, de onde ruma para Feira de Santana (dispersa suas guerrilhas ao saber da queda da capital). O ataque imperial a Salvador (13/3) é duro (prisioneiros são lançados vivos dentro de prédios em chamas). Os sabinos resistem até 15/3, quando se rendem os 597 defensores do forte S. Pedro. Têm 1.091 mortos e 2.989 presos, o que dá uma idéia da dimensão do movimento. Sabino, condenado à forca, tem a pena comutada para confinamento em GO e MT, onde morre ao tentar a fuga.
6. Canudos
Revolta sertaneja de inspiração mística, o arraial de Belo Monte (Canudos), BA, é massacrado, sem se render, na maior ação de guerra da história republicana.
O Conselheiro
O Conselheiro Antônio Vicente Mendes Maciel [1830-1897], ex-boticário em Quixeramobim, CE, rábula, professor, passa a pregar em 1870. Barba e cabelos longos, batina típica de penitente, cajado, em 1874 já reúne fiéis. Ergue e reforma igrejas, cemitérios, jejua, não toca em dinheiro. Em 1877 é citado no Almanaque Laemmert (Rio). Preso em Itapicuru de Cima (1876), espancado, levado ao CE, liberto por improcedência da denúncia, volta à BA. Já tem aí centenas de fiéis, “malvados munidos de cacetes, facas, facões, clavinotes, que adoram-no como se fosse um Deus vivo" (ofício do delegado de Itapicuru, 1886). O arcebispo da BA escreve (1882) aos padres: "Não consinta em sua freguesia semelhante abuso". O pregador é sebastianista, fiei à ortodoxia católica, elogia a pobreza e a abolição, ataca a República e seus impostos. Manda queimar editais do fisco em Soure, Bom Conselho e Amparo (1893); Uauá e Cumbe seguem o exemplo. Salvador envia 30 praças na 1ª ação repressiva, derrotada em Macete.
Os beatos
Os beatos vão para a tapera da fazenda Canudos, no vale do quase sempre seco rio Vaza Barris. Ali fundam sua cidade santa, Belo Monte, que ao cair tem 5,2 mil casas (30 mil habs., mais que 3 das 9 capitais nordestinas). Senhores de terras (barão de Jeremoabo) lamentam o "aluvião de famílias" que ruma para Canudos. Ali forma-se uma comunidade mística com produção semicomunitária, comércio (de couros), escola. O Conselheiro faz a lei: proíbe o álcool, distribui a comida, puxa rezas, jejuns e a construção da grande igreja nova. O vigário do Cumbe oficia missas quinzenais. O chefe do povo, João Abade, administra a comunidade, ajudado pelos irmãos Vilanova (Antônio e Honório), comerciantes de certas posses; há um tipo de sacristão, Antônio Beato; o curandeiro Manuel Quadrado; a professora, Maria Francisca Vasconcelos; e chefes militares: José Venâncio, Pajeú, João Grande, Pedrão. A Igreja envia 2 frades capuchinhos (1895), que não logram enquadrar os beatos.
1ª expedição
1ª expedição (4/11/1896): A autoridade civil e religiosa sente que perde o controle sobre os sertanejos. A pedido do juiz de Juazeiro, o governo da BA envia a Canudos 3 oficiais, 104 praças e 1 médico, sob comando do ten. Manuel da Silva Pires Ferreira. Atacada em Uauá, a tropa entrincheira-se nas casas e tira vantagem das armas de repetição. Os beatos perdem 150 homens e recuam. Mas a expedição volta a Juazeiro, com 10 mortos e 16 feridos
2ª expedição
2ª expedição (25/11/1896): segue de Salvador força mista, com efetivos federais e policiais da BA (543 praças, 14 oficiais, 3 médicos, 2 canhões Krupp), sob comando do maj. Febrônio de Brito. Este recomenda "desconfiar de todos" na região. Já sem víveres, a tropa é atacada por João Grande na serra do Cambaio, aos gritos de "avança, fraqueza do governo!" (sertanejos, 115 mortos; tropa, 4 mortos, 20 feridos). O 2º combate é corpo a corpo, em Tabuleirinho (sertanejos, 300 mortos; tropa, 4 mortos, 70 feridos), O invasor recua. Vaia, assobios, e um 3º ataque, à noite, em Bendegó de Baixo. Pajeú, o mais célebre líder militar de Canudos, inaugura nesta campanha uma tática de guerrilhas, amparado pelos morros e a caatinga (as "selvas infelizes" de que fala o gen. Artur Oscar).
3ª expedição
3ª expedição (3/2/1897): o gen. Moreira César, herói da guerra de 1893, o Corta Cabeças, autor da matança de SC, embarca no Rio, à frente da 1ª expedição regular (1.261 homens). A tropa chega a Queimadas (8/2), acampa em Monte Santo (20-21/2), segue subitamente para Canudos e troca tiros em Pitombas (2/3). O arraial cresceu, recebe reforços, víveres, cava trincheiras, fabrica pólvora, tem sentinelas. Domina um raio de 5 léguas (33 km). E reza. A tropa chega ao alto da favela (2/3, 13 h) e carrega sobre o arraial. Combate-se casa por casa e uma carga de cavalaria investe sobre a Tróia de Taipa. Moreira César, ferido no ventre (por Pajeú, dizem), morre. O invasor recua para a Fazenda Velha. Fustigados por tiros e vaias, os 800 sobreviventes válidos debandam largando os feridos e o cadáver do general, cujo sucessor, cel. Tamarindo, morre também. O arraial toma farto armamento, decapita os cadáveres (hábito tomado do atacante) e finca as cabeças pela estrada.
Conseqüências
Um clima de indignação republicana contagia o país após o fiasco da 3a expedição: missas, luto, atos contra a "caudilhagem monárquica", boatos, jornais monarquistas empastelados. Alunos da Escola Militar do Rio recusam-se a ajudar a campanha e são reprimidos por 2 navios de guerra; estudantes de Direito da BA acusam em manifesto o "cruel massacre". Mas são vozes isoladas. Batalhões são recompostos, ou fundados às pressas; a 4ª expedição conta 9,5 mil soldados, maioria absoluta dos efetivos do Exército. Já Canudos, cada vez maior, tem 10 mil homens em armas na estimativa (talvez exagerada) de oficiais.
4ª expedição
4ª expedição. O gen. Artur Oscar de Andrade Guimarães chefia 2 colunas (6 brigadas, vindas do RS, PB, RN, PI, MA, PA, SE, PE, DF, BA) sob comando dos galis João da Silva Barbosa e Cláudio Savaget. A 1ª coluna sai de Monte Santo (17/6/1897) com 3 mil homens e farta artilharia um canhão Winthworth 32, de 1.700 kg, é puxado por 20 juntas de bois à média de 6 km-dia). Fustigada pela guerrilha de Pajeú, atacada no Anjico e no Alto da Favela, canhoneia dali o arraial. Uma chuva de balas das trincheiras sertanejas causa-lhe 599 baixas, A 2ª coluna (2.350 homens) sai de Jeremoabo (16/6). Tocaiada em Cocorobó, revida a baioneta, combate em Macambira e chega a Canudos com 327 baixas. As 2 colunas, a rigor, ficam 22 dias cercadas na Favela: a cada minuto, um tiro. Faltam víveres- abate-se os bois de carga- só restam farinha e sal (2/7); caça ao gado na caatinga- cessa a ração dos doentes (7/7); deserções. Em 13/7 chegam mantimentos. Pedro Macambira (18 anos) e 11 sertanejos atacam a Matadeira (alcunha do canhão Winthworth); só 1 atacante sobrevive. Mas os sertanejos só empregam da guerrilha a tática; sua estratégia, ditada pala convicção religiosa obrigando-os a defender seu Santuário a todo custo, sem cogitar uma retirada.
O 1º assalto ao arraial
O 1º assalto ao arraial (18/7/1897) é contido nos fundos da igreja velha; 3.349 atacantes conquistam nova posição, a linha negra. Pajeú é ferido de morte. As baixas oficiais (1.542 feridos, 868 mortos) continuam à razão diária de 8-10). A brigada Girard (1.100 homens) deixa Monte Santo (10/8); atacada no Rancho do Vigário, perde 91 bois em 102. A Divisão Auxiliar (2 brigadas, 2.914 homens, no comando o cel. Carlos Eugênio Andrade Magalhães) e o próprio ministro da Guerra, mal. Carlos Bittencourt, aportam na BA e rumam (13/9) para Monte Santo. Os comboios se regularizam. Agora é Canudos que passa fome. A Matadeira derruba o sino da igreja velha. Caem as torres da igreja nova. O Conselheiro morre (22/9) na igreja, após longo jejum. O cerco se completa (24/9). Surgem os primeiros prisioneiros, degolados, inclusive mulheres. "Aquilo não era uma campanha, era uma charqueada" (Euclides). Os sitiados fazem (26-29/7) violentos contra-ataques noturnos.
O assalto final
O assalto final (1/10/1897) dinamita e incendeia o que resta de Belo Monte. Uma tenaz resistência causa 567 baixas. Antônio Beato se rende com 300 mulheres, crianças e velhos. Os últimos defensores da última trincheira morrem em 5/10: 1 velho, 2 homens, 1 menino. O corpo de Conselheiro é exumado, fotografado e degolado). Passados 82 anos (1979), uma represa inunda Canudos, o povo do lugar é levado para Cocorobó.
Euclides da Cunha [1866-1909], ex-oficial do Exército, acompanha a expedição como correspondente de O Estado de S. Paulo e reporta-a no clássico livro Os Sertões (1902).
7. A Guerra do Contestado
A área do Contestado
A área do Contestado (45 mil km²) é disputada desde a Colônia por SC, PR (antes, SP) e Argentina. Isolada, montanhosa, fria, fértil, alterna densas matas, pinheirais e campos. A ocupação é do tipo caipira, escassa, 58 mil habitantes em 1908, afora os Guarani e Kaingang. É terra de posseiros e coronéis, grandes fazendas de gado e mate, onde o camarada (peão) trabalha em troca de um lote para lavrar e criar vacas.
A erva-mate
A erva-mate ("ouro verde"), usada pelos Guarani desde tempos imemoriais, encontra mercado no Uruguai e Argentina, que vivem uma era próspera. Forma 3,6% das exportações brasileiras de 1913 e se expande até os anos 20. Faz a fortuna dos coronéis da erva-mate na área em litígio. É beneficiada no PR, depois em Joinville, SC, o que acirra a disputa de limites. A valorização leva à expulsão de posseiros e acirra as lutas entre coronéis.
A Brazilian Railway
A Brazilian Railway, firma do americano P. Farquhar, obtém (1900) concessão para levar ao RS a ferrovia que só chega a União da Vitória, PR. O governo cede a ela uma faixa de 30 km ao longo dos trilhos, gerando mais expulsões. Os 8 mil construtores da estrada, recrutados à força no Rio, Santos, Salvador, Recife, insurgem-se contra atrasos de pagamento e desmandos de feitores. Ao fim da obra, são largados na região. A madeireira Southern Brazil Lumber & Colonization, do mesmo grupo, adquire 180 mil ha, forma um corpo armado e desaloja centenas de famílias. Demitidos da ferrovia e posseiros expulsos formam explosiva massa privada de tudo.
Os monges
Os monges (similares aos beatos nordestinos) correm a serra dando voz ao sentimento popular. O 1º monge João Maria vaga d. 1844 de Sorocaba, SP, a Sta. Maria, RS (em Lapa, PR, até hoje tem devotos). Perseguido, expulso do RS, mantém sua pregação no plano místico. O 2º João Maria (que a memória popular confunde com o 1º) surge na Guerra Federalista e é maragato convicto após a derrota, profetiza a ressurreição de Gumercindo Saraiva, à frente de um exército de anjos; faz do vermelho maragato a cor sagrada e do branco a cor danada cria em Entre-Rios, SC (1897), a 1ª irmandade, que a polícia dissolve a mando do cel. H. Rupp; desaparece em 1908. Para os fiéis, está encantado no morro do Taió e voltará. Sucede-o seu suposto irmão, também José Maria, receitador de ervas medicinais, que prega a rebelião aberta e acha milhares seguidores.
1º reduto rebelde
O 1º reduto (comunidade) rebelde nasce em Taquaruçu, com 700 fiéis que seguem José Maria após a festa do Bom Jesus (12/8/12) em Curitibanos. O monge prega a igualdade ("Quem tem, mói; quem não tem mói também") e um monarquismo rústico, místico e popular lembrando Canudos; enfatiza a iminência do Apocalipse. Lê aos fiéis trechos de Carlos Magno e os 12 pares de França (texto medieval, popular no Brasil desde a Colônia). Inspirado neles cria o corpo dos Pares de França, 24 sertanejos afeitos ao manejo das armas. Instado pelo cel. Francisco Albuquerque, potentado da região, o governo de SC ameaça os irmãos, que fogem aos campos do Irani, lugar ermo então sob controle do PR. Ali passam a rapar a cabeça e se chamarem pelados, em oposição aos peludos infiéis. O PR, temendo uma invasão de SC, envia 500 homens da Força Pública. Em feroz combate corpo a corpo, o cel. João Gualberto de Sá mata a tiros o monge José Maria e é morto a machadadas (22/11/12). A tropa foge deixando 1 metralhadora e 40 fuzis. Os irmãos se dispersam.
A Santa religião renasce
A Santa religião renasce com força invulgar, um ano depois, no sertão de Perdizes Grandes. Incorpora a crença na ressurreição de José Maria, também liderando um exército encantado, na Guerra de S. Sebastião, que levará ao fim do mundo. O reduto de Taquaruçu ressurge. Desta vez não há monge; sucedem-se na liderança a menina-vidente Teodora, seu avô Eusébio dos Santos, seu tio Manuel (derrubado por abusar das virgens que o auxiliam), um primo de apenas 12 anos, Francisco Pais de Farias (Chico Ventura), o antigo fazendeiro e juiz de paz Elias de Morais, a virgem Maria Rosa (15 anos). A frágil direção não impede as adesões em massa e a eficaz formação guerrilheira. Certos da proximidade do Dia do Juizo, os irmãos abatem e consomem seu gado e a seguir o dos peludos (embora não toquem no dinheiro republicano, que julgam maldito). É por tomarem gado que o governo volta a guerreá-los.
Os combates
O combate na mata tolhe a tropa e a artilharia; favorece os sertanejos mestres da surpresa, da tocaia e da arma branca, sobretudo o facão. Taquaruçu rechaça (29/12/13) 370 praças do Exército, policiais de SC e vaqueanos (irregulares contratados por coronéis). O 2º ataque, com 750 praças e forte bombardeio, arrasa Taquaruçu (8/2/14), mas a irmandade já está no reduto de Caraguatá. Este chega a 5 mil habs., repele o ataque de 913, mas uma epidemia de tifo o esvazia. Surgem vários redutos (Perdizinhas, Tamanduá, Pinheiros, Caçador) e redutinhos. A expedição do gen. C. Frederico de Mesquita (veterano de Canudos), 1.500 homens do RS, SC e PR e 60 vaqueanos, percorre áreas semi-abandonadas, sem chegar aos redutos principais. Retira-se deixando o cap. Mattos Costa (morto em 6/9) para guardar a ferrovia.
O movimento atinge o auge
O movimento atinge o auge: 25 mil irmãos, vários redutos, espalhados por 20 mil km². Os céls. Aleixo Gonçalves, Bonifácio Papudo e Antonio Tavares Jr., vencidos por oligarcas mais fortes, aderem à Santa Religião. Vários chefes guerrilheiros se destacam: Chiquinho Alonso, Venuto Baiano, Agostinho Saraiva, Henrique Wolland (o Alemãozinho, fotógrafo, desertor da canhoneira alemã Panther). Os rebeldes entram em Papanduva, Itaiópolis, a serraria da Lumber em Calmon, a estação de S. João (cortam o tráfego de trens), Salseiro, as colônias de Rio das Antas, Moema, Iracema. Tomam até (26/9/14) Curitibanos, o pólo urbano da região: aos gritos de "Chega de pobreza!", incendeiam prédios públicos e o casarão do cel. Albuquerque. Deixam escrito. "Nós estava em Taquaruçu tratando da nossa devoção, não matava nem roubava. O Hermes (da Fonseca) mandou suas forças covardemente nos bombardear, onde mataram mulheres e crianças. O governo da República toca os filhos brasileiros do terreno que pertence à nação e vende para o estrangeiro; nós agora estamos dispostos a fazer prevalecer os nossos direitos".
A Grande Expedição
A Grande Expedição do gen. Setembrino de Carvalho (11/9/14) tem 6 mil praças (a maior parte do Exército Nacional) e mil vaqueanos armados por coronéis. O general faz um ultimato, cerca toda a área, restabelece (14/9) o tráfico de trens e inicia implacável ofensiva. O maj. Paiva arrasa pela 3ª vez Taquaruçu, onde se erguia a Nova Jerusalém Os vaqueanos se esmeram em crueldades. Os redutos vão caindo, outros surgem serra acima, mas a crença no fim do mundo leva ao abandono das lavouras e à fome extrema. Começam as deserções, Wolland rende-se com 200 homens e passa a ajudar a repressão. O Exército usa pela 1ª vez no país aviões em missões de reconhecimento e bombardeio.
O ataque ao reduto de Sta. Maria
O ataque ao reduto de Sta. Maria começa em 8/2/15, mas não vence a barreira de desfiladeiros, matas e tocaias. No reduto, mastiga-se couros e ervas; o comando passa a Adeodato, que começa a mandar matar fugitivos e possíveis rivais. A tropa passa 1 mês derrubando a selva para privar a rebelião de seu maior aliado. Ao fim de 10 dias de marcha e 8 de combate, 200 regulares e 500 vaqueanos do cap. Potiguara tomam o último grande reduto pelado (3/4); 2 mil casas são destruídas. Adeodato foge.
A guerra aos últimos redutos
A guerra aos últimos redutos (S. Miguel, Pedras Brancas e S. Pedro) toma feição de caçada conduzida pelos vaqueanos até a destruição total (17/12/15). Adeodato volta a fugir e é preso 6 meses depois. A guerra mata no total 20 oficiais, 300 praças e um nº de civis estimado entre 3 mil e 20 mil. Logo após (20/10/16), SC e PR assinam um acordo de limites.
8. Os Mucker: Utopias de Fim de Época
A Revolta dos Mucker ocorreu em São Leopoldo, na então Província do Rio Grande de São Pedro (atual Rio Grande do Sul), no ano de 1872, com prolongamentos até 1898, quando já se vivia a República.
São Leopoldo foi a primeira colônia criada por alemães no Brasil (1824). Outras surgiram posteriormente na Província: Novo Hamburgo, Santa Cruz, Sapiranga, Campo Bom...
A palavra mucker é alemã e foi empregada com sentido pejorativo para designar as pessoas que se reuniram sob a liderança de João Jorge Maurer e de sua mulher, Jacobina Mentis Maurer. Todos eram considerados mucker, (vem do alemão mucken = os que reclamam, protestam). Para as autoridades da província foram desordeiros, desclassificados, criminosos.
Esses mucker eram imigrantes alemães e seus descendentes; sendo profundamente religiosos, viviam quase todos como agricultores, trabalhando em lotes de terras, em geral como simples posseiros. Muitas dessas terras eram pouco férteis, o que não tornava rendosa a atividade agrícola. Sua vida era miserável, a comunidade não tinha escola, médico ou templo para reuniões do culto católico ou evangélico.
Considerando se hostilizados e isolados do mundo, começaram a se reunir na casa dos Maurer. Liam a Bíblia, cantavam hinos religiosos, rezavam e celebravam o culto, quando a pregação da Jacobina constituía o ponto culminante. Progressivamente desenvolveram concepções de vida coletiva e igualitária. Marginalizados pelo desenvolvimento capitalista e atacados por católicos e protestantes de São Leopoldo, acreditavam estar próximo o início de nova era.
Os mucker e sua revolta constituíram um típico movimento messiânico, pois seus integrantes acreditavam ser os eleitos e agentes de Cristo, cabendo-lhes acelerar a chegada dos novos tempos. Em conseqüência, condenavam a riqueza, o dinheiro e o comércio como coisas do mundo; rejeitavam as diferenças de classes, a pregação dos sacerdotes católicos e dos pastores evangélicos, os critérios eleitorais censitários.. Afirmavam que o ensino dado "nas escolas não era o que queria a Bíblia". Suas principais idéias e a organização do grupo, mudando seu modo de agir e de pensar, ocorreram entre 1868 e 1873. Embora todos vivessem na área rural, denúncias do comportamento de revolta e de protesto surgiram em jornais de São Leopoldo um protestante (Der Bote) e outro católico (Deutsches Volksblat).
(...) A seita era imoral, pois pregava o comunismo, estendendo se até o matrimônio; que era perigosa para a sociedade porque ali se ensinava que aquele que não pertencia à seita devia ser contado entre os mortos ( ... ); que a seita constituía uma ameaça e um perigo para o próprio Estado, pois ali se conculcavam as leis do país e se preparava o caminho a revolução; que, se o governo não livrasse a sociedade daqueles monstros, não seria para admirar que os colonos, alemães recorressem ao linchamento, resultando daí mortes e assassinatos." (Trechos de artigo do Deutsche Zeitung, jornal de Porto Alegre. Citado por AMADO, JANAÍNA. Conflito social no Brasil. a Revolta dos Mucker, São Paulo, Símbolo Editora, pág. 213.)
Em conseqüência, autoridades policiais de São Leopoldo começaram a cometer atos de violência contra os mucker. As prisões arbitrárias, os vexames e as humilhações sucederam se.
Num último recurso contra a violência que sofriam, os mucker, em dezembro de 1873, enviaram memorial ao imperador D. Pedro II historiando as perseguições, ataques e roubos feitos pelos opositores e acusando serem os mesmos motivados pela recusa da comunidade em fornecer apoio eleitoral e financeiro a determinados políticos de São Leopoldo.
Ao se tornar claro que o memorial não atingiria os objetivos visados e que a tensão iria explodir a qualquer momento, os mucker começaram a se preparar para o iminente ataque: adquiriram armamentos e munições, armazenaram mantimentos e se reuniram com mais freqüência.
Convencidos de que eram os agentes escolhidos por Deus para fazer justiça na Terra, na noite de 25 de junho de 1874 realizaram ataques contra seus inimigos mais conhecidos. Muitas casas foram incendiadas e a maioria dos ocupantes morta a tiros.
Embora diversas fontes neguem terem sido os mucker os responsáveis pelos incêndios e mortes ocorridas, todas concordam que as autoridades da província resolveram enviar uma força militar contra os liderados da Jacobina. Praças de um batalhão de infantaria e da Guarda Nacional, com dois canhões, atacaram os mucker, mas foram derrotados no dia 28 do mesmo mês e ano. Novas expedições ocorreram no mês seguinte, mas somente com a traição de um mucker foram mortos ou aprisionados os seguidores da Jacobina.
Aproximadamente 123 pessoas foram submetidas a julgamento em Porto Alegre, em 1875. Não se sabe quantos morreram na cadeia. Algumas crianças mucker foram entregues a famílias alemães. Parte dos que foram absolvidos voltaram para suas antigas moradias ou para o que delas restou.
Para alguns autores tentaram reorganizar-se, mas sucederam-se assassinatos, reduzindo o grupo cada vez mais. Finalmente, em início de 1898, um grupo armado de cerca de 200 colonos atacou e linchou os últimos mucker sobreviventes.
Sociedade Brasileira: Uma História. Record
9. As Ligas Camponesas / Sindicatos / CGT
Os conflitos no campo
Os conflitos no campo se acentuam na fase constitucional de 45-64. Ali onde o salariado se impôs (SP, Zona da Mata de PE) surgem greves. Mas os maiores choques provêm do problema da terra, em mãos do latifúndio em geral improdutivo.
A resistência armada
No Paraná ocorrem 2 episódios de resistência armada, em Porecatu (norte), 50-51, e Francisco Beltrão, Pato Branco e Capanema (sudoeste), 57. Ambos envolvem diretamente o gov. Moisés Lupion (47-51 e 56-61), proprietário da Cipla, empresa que grila e revende áreas devolutas cultivadas por posseiros. No 2º episódio milhares de camponeses chegam a ocupar as cidades, estações de rádio e a sede da Cipla, elegendo juntas governativas; a solução, negociada, só se efetiva em 62.
Posseiros
Em Trompas e Formoso, GO, 3 mil posseiros nordestinos desbravam uma área de 10 mil km², mas em 48-52 têm suas posses griladas. Sob a liderança de José Porfírio e d. 54 sob orientação do PCB, criam conselhos de córrego, a Associação dos Lavradores de Formoso e Trompas; piquetes armados impedem a entrada de grileiros, jagunços e policiais. Esse tipo de território livre é sacramentado em 57, num acordo com o chefe do PSD-GO, Pedro Ludovico, em 62 elege Porfirio dep. estadual e mantém-se até a repressão pós-golpe de 64.
A Ultab
A Ultab (União de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil), criada em 54 por iniciativa comunista, visa fomentar os sindicatos no campo. No entanto, embora em tese estes sejam legais desde 44, até 55 apenas 5 sindicatos de trabalhadores rurais são reconhecidos.
A 1ª Liga Camponesa
A 1ª Liga Camponesa nasce em 1/1/55, no Engenho de Fogo Morto, Galiléia, em Vitória de Sto. Antão, com a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de PE, que agrupa com fins beneficentes 140 foreiros (arrendatários); o dono da terra é convidado para presidente de honra. Ameaçadas de expulsão devido ao preço do foro, os camponeses fazem da SAPP um órgão de resistência e chamam para defendê-los o advogado e dep. estadual do PSB Francisco Julião [1915-1999]. A saga dos galileus dura 4 anos de lutas jurídicas, políticas, legislativas e policiais, até a sentença judicial que entrega-lhes a terra. No intervalo, a SAPP organiza delegacias em outros municípios e estados. O Diário de Pernambuco passa a chamá-las de ligas, buscando identificá-las com as ligas formadas pelo PCB em 45-47.
As Ligas se expandem em 60-62
As Ligas se expandem em 60-62; atingem sobretudo foreiros, meeiros e minifundiários, e poucos assalariados. Em 59 têm 25 delegacias em PE: 13 na zona da mata, 11 no agreste, apenas 1 no sertão. Com a vitória dos galileus, disseminam-se pelo Nordeste; na PB surge a Liga de Sapé, 10 mil filiados, a mais forte do país. Em 61 já têm certa implantação nacional. José dos Prazeres, da Galiléia, João Pedro Teixeira, de Sapé, e em especial Julião são seus líderes. Organizações de massas, apartidárias, têm participação de militantes do PCB, PCdoB, AP, trotskistas. Desde a vitória da guerrilha castrista, mantêm estreita relação com Cuba. A pressão do latifúndio dificulta as filiações, mas a massa de simpatizantes é grande. Os ativistas se apoiam nas feiras, empregam versos de cordel, citações bíblicas (para neutralizar a oposição da igreja), textos de Julião (Carta de alforria do camponês). Na PB, desmoralizam os jagunços obrigando-os a andarem com um badalo no pescoço.
O Master
O Master (Movimento dos Agricultores Sem Terra), do RS, surge em 60 e em 62 lança (em Sarandi) a forma de luta dos acampamentos na periferia dos latifúndios. Com apoio do gov. Brizola e do recém formado Igra (Instituto Gaúcho de Reforma Agrária), chega a 100 mil associados, conquista desapropriações e assentamentos.
O 1º Congr. de Trabalhadores Rurais
O 1º Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais (Belo Horizonte, MG, 15/11/61) reúne 1.600 delegados (e 5 mil pessoas, no ato de encerramento), de várias tendências. O gov. Magalhães Pinto subsidia o evento; Goulart comparece, com Tancredo, e defende a reforma agrária. O PCB-Ultab, d. 58, abandona a defesa do confisco dos latifúndios pela ênfase em reivindicações trabalhistas e numa reforma agrária dentro da lei. Já a bancada das Ligas, mesmo em minoria (215 delegados), obtém apoio do Master e empolga o plenário com a pregação de uma reforma agrária "na lei ou na marra". A resolução do Congresso reflete a radicalização e leva à ruptura entre as Ligas e o PCB.
As Ligas se radicalizam
As Ligas se radicalizam. Ocupam engenhos (Jaboatão e Cabo, PE), enfrentam ataques policiais (Miri, PB; 10 mortos, 15 feridos), Pregam a abstenção no plebiscito de 63. Sua direção adere à idéia de uma revolução agrária armada (influência de Cuba) e instala campos de treinamento guerrilheiro no norte de GO; evolui no sentido de um partido camponês radical, mas com isso se isola; as Ligas entram em crise.
O sindicalismo rural
O sindicalismo rural ganha ímpeto quando uma portaria do governo facilita sua implantação (20/11/62), inclusive para fazer face às Ligas. O PCB-Ultab, AP (Pe. Alípio), PCdoB, as próprias Ligas e a Igreja (pe. Meio, PE) se empenham em criar "seus" sindicatos. Em 31/12/63 eles somam 557 (270 reconhecidos), concentrados no Sul (37,9%) e Nordeste (34,6%). A lei, porém, só permite uma organização nacional, e a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) nasce em 20/12/63 com uma diretoria de composição (pres. Lindolfo Silva, PCB), para logo depois sofrer a intervenção dos golpistas de 64.
7o Dia
Recordar o estudado no encontro anterior
Ler o texto em grupos e analisá-lo e conferir se ele confere com a realidade
18. Desafios do Neoliberalismo ao Movimento Popular
O neoliberalismo é o modo como hoje o sistema capitalista se estrutura. Até os anos 80, o capitalismo mostrava-se com um perfil liberal: havia concorrência entre empresas, os Estados procuravam fortalecer as burguesias de suas nações, a questão social era uma das prioridades públicas.
A queda do Muro de Berlim, em 1989, fez desmoronar também o mundo bipolar. Agora, temos um mundo uni-polar, sob hegemonia dos EUA. O avanço da tecnologia de comunicações favorece o fenômeno conhecido como glo¬balização: a soberania dos Estados é ignorada, as fronteiras nacionais desrespeitadas, em¬presas e mídia operam na geografia mundial como se o fizessem nas cidades onde estão sediadas. A concorrência entre empresas desaparece quando se trata de mega-empresas, agora trans¬formadas em oligopólios que controlam bancos, redes de lanchonetes, clubes de futebol e fábricas de roupas. O capital circula sem barreiras e fronteiras, a especulação supera a produção, a busca desenfreada de lucro ignora qualquer princípio ético.
Efeitos do neoliberalismo
Mudança de conjuntura exige mudança nos atores sociais, como nos movimentos populares. Quais seriam os efeitos mais evidentes do neoliberalismo naquela par¬cela da população que os movimentos populares procuram sensibilizar mobilizar e organizar?
1. A Despolitização - O fracasso do socialismo real na Europa e a ofensiva da mídia centrada no estímulo consumista favorecem o desinteresse pela política. O neoliberalismo proclama que "a história acabou", procurando apagar as utopias do horizonte histórico e ironizando os empenhos idealistas. A corrupção que grassa entre políticos profissionais e as divisões internas dos grupos e partidos de esquerda re¬forçam a idéia de que a política é um terreno pantanoso no qual não se deve pisar.
Como a idolatria do mercado é glorificada pelo neoliberalismo, a publicidade e a mídia procuram vender a imagem de que a felicidade reside na despolitização, no lazer, na volta para os interesses individuais. A vida tranqüila restringe-se às esferas da família, do trabalho e do prazer. Ultrapassar os limites desse círculo hermético é correr o risco de se meter em dificuldades e sofrimentos, dores de cabeça e perseguições.
No entanto, é preciso não esquecer: quem não gosta de política é governado por quem gosta. Se a maioria não gosta, azar dela, pois deve aceitar ser governada pela minoria.
2. O Municipal Predomina sobre o Nacional e o Mundial - Embora a globalização faça do mundo uma pequena aldeia que, de dentro de casa, nossos olhos abarcam através da janela eletrônica da tele¬visão, as pessoas tendem a se sentir impotentes frente à magnitude dos problemas internacionais e nacionais. Voltada para seus próprios interesses e preocupada com sua qualidade de vida, a maioria parece sensibilizar-se mais com as questões municipais: o transporte, a escola, a saúde etc.
Iniciativas como orçamentos participativos das prefeituras ou mutirões na lavoura e na construção civil, lutas por terra e por teto mobilizam mais que a solidariedade ao Timor Leste ou a luta em favor da demarcação das terras indígenas no Brasil.
3. A Prática Social Predomina sobre as Teorias Revolucionárias - Muitos pare¬cem cansados de teorias, outros estão enfarados de conceitos e análises. já não se crê na "conscientização", pois inúmeros militantes "conscientes" abraçam hoje, as benesses do neoliberalismo e torcem o nariz quando ou¬vem falar de socialismo. As obras de Marx e da Teologia da Libertação pouco saem das prateleiras, como se a prática histórica tivesse comprovado que não merecem muita credibilidade.
"Mais ações, menos reuniões conclamava Betinho poucas horas antes de morrer. Muitos já não querem ouvir análises de conjuntura, querem fazer algo de concreto pelas crianças de rua, pela reforma agrária, pela preservação do meio ambiente. Ainda que tais ações sejam ou pareçam assistencialistas e paliativas.
As CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) torcem o nariz para os carismáticos, mas são estes que lotam templos e estádios. A pastoral social da Igreja Católica encara com desdém as Igrejas Neopentecostais, mas são elas que atraem camadas mais pobres da população e pro¬movem grandes concentrações urbanas.
As pessoas querem menos análises e mais soluções, mais emoções e menos razões.
4. Bandeiras Específicas no Lugar de Vagas Utopias - A cultura que transforma tudo em mercadoria imediata e palpável tende a esvaziar a atração das propostas genéricas, como mundo melhor libertação e socialismo. As pessoas não parecem muito preocupadas com o futuro da humanidade; querem saber como assegurar seu emprego, obter um plano de saúde, levar a família de férias à praia.
Durante décadas falou-se em reforma agrária no Brasil. Só no momento em que a bandeira se atrelou às ocupações de terra, que garantem lotes às famílias sem-terra, é que a luta pela reforma agrária se tornou concreta. já não se espera "fazer revolução" para, de¬pois, conquistar direitos sociais. O fracasso das lutas na Nicarágua e El Salvador afeta a credibilidade nos projetos históricos. Partidos como o PT oscilam entre seu programa original e a prática eleitoreira que submerge parcela da militância numa disputa fratricida por cargos e mandatos. O trabalho de base é abando¬nado.
As pessoas estão dispostas a lutar por benefícios imediatos, como obter uma terra, uma casa, um emprego. E nem sempre prosseguem na mesma disposição de luta após resolverem a sua demanda pessoal e familiar
5. As Novas Bandeiras - Ecologia, Relações de Gênero, Questão Racial - O enfoque político desloca-se do macro para o micro, do global para o local, do social para o pessoal. Não tanto no senti¬do excludente, de um substituindo o outro. Mas a prioridade é concedida, agora, ao micro, ao local, ao pessoal.
Em busca de qualidade de vida, a preservação do meio ambiente mobiliza amplos setores da população, superando tensões entre classes sociais e unindo ricos e pobres. A emancipação da mulher acentua o debate sobre relações de gênero, politizando temas até então restritos à esfera privada e revestidos de tabu: a sexualidade, o machismo, a violência entre casais ou sobre os homossexuais, etc.
A afirmação da negritude e da condição indígena é sintoma da atualidade de pautas sociais que ultrapassam os conceitos do marxismo vulgar, restrito ao conflito de classes. No sindicalismo, a luta de classes dá lugar às câmaras setoriais, aos mecanismos de diálogo entre patrões e empregados, à participação acionária de trabalhadores nas em¬presas.
6. A Emergência da Espiritualidade - A predominância do pessoal sobre o social favorece a preocupação com o equilíbrio e a harmonia individuais, a subjetividade, a vida espiritual. Já que as ideologias não suscitam tanta esperança como outrora, muitos buscam nas religiões um sentido para a vida.
Fatigadas de racionalismo, as pessoas querem resgatar o encantamento do mundo. O maravilhoso, o miraculoso, o esotérico exercem forte atração nesse mundo em que o sonho político não encontra lugar e as utopias parecem ainda mais distantes.
Os desafios ao movimente popular
Sem levar em consideração essa conjuntura, os movimento populares ficam condenados ao esvazia¬mento.
A experiência do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), no Brasil, serve de referência para um novo estilo de atuação. Ali o político (a reforma agrária) articula-se com o beneficio pessoal e familiar concreto (a ocupação da terra e a conquista de um lote). O utópico (o socialismo) é vivenciado em atividades coletivas (assenta¬mentos e cooperativas). O ético (a militância e as marchas) encontra motivação no estético (os símbolos, como a bandeira, as músicas, as romarias o ritual dos encontros).
Os movimentos populares devem partir das de¬mandas específicas da população, ainda que elas não pareçam ser "as mais políticas e ideológicas". Em outras palavras, não se trata de partir daquilo que direções e lideranças julgam melhor para o povo, mas sim do que interessa e mobiliza, invertendo, o processo.
Talvez muitos não saiam de casa para manifestar solidariedade a Cuba, mas certamente o farão para evitar que a prefeitura derrube a árvore da esquina. Talvez mui¬tos não entendam o caráter neoliberal do governo, mas querem manter seus empregos e conquistar melhores salários. Talvez muitos não estejam motivados para um debate sobre socialismo, mas estão dispostos a trabalhar para organizar uma creche para crianças carentes ou uma escola de alfabetização de adultos.
O movimento popular deve enfrentar o desafio metodológico de partir do pessoal ao social, do local ao nacional, ao subjetivo, ao objetivo, ao espiritual, ao político e ideológico. Agora, o trabalho de base só terá êxito se associar lazer e dever, criatividade artística e formação, estética e ética. Não é mais possível criar uma "cortina de ferro" que torne os militantes imunes à ideologia neoliberal, ao consumismo, aos encantos da globalização. A questão é como introduzir práticas sociais que despertem neles uma consciência/ experiência críticas frente ao sis¬tema, de modo que a nova sociedade possa ir sendo forja¬da nas entranhas da atual, como a criança no ventre ma¬terno.
Cabe ao movimento popular vincular o micro ao macro as lutas específicas às políticas públicas. Para tanto, é preciso elaborar propostas concretas e viáveis para áreas como abastecimento, transporte, moradia, saúde etc. As pessoas precisam visualizar as bandeiras, sentir que são palpáveis e, de certo modo, alcançáveis mesmo na atual conjuntura.
Homens e mulheres novos
Não é fácil fazer-se novo numa nova conjuntura. É um desafio para nós, veteranos na militância, nos livrarmos do ranço adquirido em práticas anteriores os chavões ideológicos que assustam os novos companheiros; o jeito carrancudo que afasta a alegria; a prepotência de quem se julga vanguarda, o autoritarismo na condução das reuniões e das atividades; a falta de transparência ética; a ambição por fatias de poder; o ideologismo que espanta a gente simples que participa pela primeira vez dos eventos, o radicalismo na linguagem de quem nem sempre se mostra radical na prática, a intolerância frente aos que entram na luta, os preconceitos diante de pessoas de outras classes sociais, o pouco respeito pela religiosidade alheia.
Sem superar tais barreiras torna-se difícil dar um novo alento ao trabalho de base e aos movimentos po¬pulares. Hoje, o desafio principal é ampliar a participação e multiplicar movimentos. Portanto, só derrubaremos as barreiras objetivas - das estruturas e do sistema - quando lograrmos, primeiro, derrubar as subjetivas.
Façamos destas palavras de Ernesto Che Guevara uma exigência às nossas práticas:
"Deixe-me dizer mesmo com o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor. É impossível pensar num revolucionário autêntico sem esta qualidade. (...) É preciso ter uma grande dose de humanismo, de sentido de justiça e de verdade para não cair em extremismos dogmáticos, em escolasticismos frios, em isolamento das massas. É preciso lutar todos os dias para que esse amor à humanidade viva se transforme em atos concretos que sirvam de exemplo e mobilizem".
Frei Betto, em Caros Amigos. Março de 2000.
Ler o texto em plenária e comentá-lo coletivamente
19. Mulheres / Feminismo
O avanço das mulheres
O avanço das mulheres, da tradicional função doméstico-maternal para outra em pé de igualdade com os homens, estende-se no Brasil ao longo do século 20, com algumas décadas de atraso em relação a outros países. Antes, o patriarcalismo é absoluto, a mulher de família só sai à rua acompanhada.
Imprensa e Literatura
Uma imprensa própria exprime na 2ª metade do século 19 cautelosas insatisfações e reivindicações das mulheres mais esclarecidas das elites urbanas. Em 1/1/1852 Joana Paulo Manso Noronha, argentina, lança no Rio o Jornal das Senhoras. Seguem-se O Belo Sexo (1862), O Domingo (1873), O Sexo Feminino (1873). Primavera (1880), A Família (1888), A Mensageira (1897) Voz Feminina (1900). Nísia Floresta [1809-1885], republicana, abolicionista e feminista, traduz do inglês o livro Defesa dos Direitos da Mulher. O sufragismo dá seus primeiros passos. Mas o movimento limita-se à literatura.
O mercado de trabalho
O ingresso no mercado de trabalho abre as portas da transformação. A indústria nascente prefere empregar mulheres em ramos como o têxtil, pagando salário menor. A jornada de trabalho, de 12 h nas tecelagens, sobe a 16 para costureiras e bordadeiras E já não faltam casos de assédio sexual da parte de patrões e capatazes.
O mercado de trabalho
As trabalhadoras efetivam o 1º movimento social feminino, ligado ao sindicalismo do início do século. A 1ª grande greve têxtil no Rio (1903) tem como estopim a demissão de uma operária pelo mestre que a engravidou. Os manifestos de Teresa Carli, Tecia Fabri e Maria Lopes (1906) chamam as mulheres à organização. Em S. Paulo as tecelãs do Cotonifício Crespi iniciam a greve geral de 1917, que tem entre suas reivindicações o fim do trabalho noturno feminino. O anarco-sindicalismo, dominante no movimento, prega a igualdade entre os sexos, a emancipação feminina, o amor livre, o divórcio.
O movimento sufragista
Segue-se o movimento sufragista, que ganha vulto no esforço final dos anos 30. O Brasil é o 2º país latino-americano a admitir o voto feminino (o 1º é o Equador).
Movimentos pós-45
Um 3º ascenso tem início em 45, quando a se engaja na luta pela anistia- cria a Federação de Mulheres do Brasil (49), o jornal Movimento Feminino e a Liga Feminina (Rio, 59). Não enfatiza lutas específicas da mulher, mas movimentos gerais como a defesa do petróleo, da paz, o combate à carestia (movimentos da Panela Vazia em 45 e 54). Outra vertente, conservadora, cresce na oposição ao gov. Goulart; forma entidades como a Camde, o MAF e a UCF e, com a Marcha com Deus pela Liberdade, ajuda o golpe de 64.
A função de professora primária
A função de professora primária é a 1ª conquista estratégica das mulheres. As primeiras escolas normais (em Niterói, 1835 e Salvador, 1836) têm salas separadas para rapazes e moças, estas destinadas a lecionar para meninas. A partir dos anos 1880 a feminização do professorado primário se impõe; apesar das polêmicas, em 1907 as mulheres já são 84,3% dos professores formados nas escolas normais. Por volta de 40, aproximam-se de 50% dos alunos do primário; nos demais níveis, o domínio masculino perdura. Ainda em 29, as mulheres não passam de 29,5% dos alunos da escola secundária- no curso superior (que só podem freqüentar após 1879) elas somam 4,2% dos alunos, 1,1 % nos politécnicos, 0,6% nos de direito. O avanço feminino até os anos 60 se concentra no curso médio e algumas áreas universitárias (enfermagem, filosofia, ciências e letras).
Igualdade constitucional
A Constituição só em 34 assegura a igualdade sem distinção de sexo, fórmula suprimida em 37 e retomada a partir de 45. O Código Civil de 1917 considera a mulher casada relativamente incapaz- atribui ao marido a chefia da família, a administração dos seus bens, a determinação do domicílio familiar e até o direito de autorizar ou não a profissão da esposa. Em 62 uma reforma revoga a incapacidade relativa, mas mantém a chefia masculina (“com a colaboração da mulher”) e suas principais, atribuições; assim como o erros virgintatis, que permite ao marido anular o casamento caso a esposa não seja virgem, e a "deserdação da filha desonesta".
O mercado de trabalho
A partir dos anos 70 a mulher acelera a conquista de espaços no mercado de trabalho, na universidade e outras áreas de atuação. Sua presença na população economicamente ativa dobra nos 25 anos de 70 a 95 e cresce mesmo na década perdida, quando as demissões atingem as trabalhadoras com especial virulência (no pico de 93, o desemprego masculino na Grande S. Paulo é de 13,9%, o feminino, de 17,1 %). Profissões antes facultadas apenas a homens tornam-se parcial ou predominantemente femininas.
Instrução
As mulheres vencem em instrução nos anos 90, desde a taxa de alfabetização até as matriculas no 3º grau (que triplicam em 70-90). Os nichos universitários exclusivamente masculinos vão capitulando, um a um, mantendo-se ainda, com abalos, nas ciências médicas, direito e, sobretudo, ciências exatas, tecnológicas e agrícolas.
A discriminação
A discriminação patenteia-se num rendimento médio igual a 39,7% dos homens em 95; já é um avanço (o índice de 85 é 27,6%), porém inferior ao verificado na escolaridade e qualificação da mão-de-obra feminina. Afora o grande n. das sem rendimento (52,7% das mulheres com mais de 10 anos de idade), pesa a segregação da maioria em 10 ocupações, mal pagas e desprestigiadas: empregada doméstica, trabalhadora rural, professora de 1º grau, funcionária de escritório, costureira, lavadeira, balconista, servente, enfermeira, tecelã.
O feminismo
O feminismo dos anos 70 parte desta base. Incorpora bandeiras da retomada das lutas populares na fase final da ditadura. E sofre influência do ascenso feminista na Europa e EUA, via brasileiras que voltam do exílio. Estas introduzem as questões do aborto, da violência contra a mulher. E o conceito de gênero, que, distintamente do de sexo, dá à condição feminina uma feição histórica, ligada à realidades sociais em dado momento e lugar, e portanto passível de transformação. Em 75, Ano Internacional da Mulher, no calendário da ONU, surgem o Movimento Feminino pela Anistia, os periódicos Brasil Mulher e Nós Mulheres. Os Clubes de Mães desembocam no Movimento do Custo de Vida. O 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, ganha visibilidade no Brasil. A partir do 1º Congresso da Mulher Paulista (79) começa um esforço de unificação. O movimento depara-se porém com divergências e tensões como a que opõe as questões especificamente femininas e as causas gerais da luta social e política. Mantém-se ativo mas também atomizado ao lado de estruturas nacionais (Federação Brasileira de Mulheres, 81, União Brasileira de Mulheres, 88, Rede-Saúde e outras), funcionam inúmeras entidades locais, coletivos, grupos, ONGs. No plano institucional, os governos estaduais eleitos pela oposição criam Conselhos da Condição Feminina, exemplo seguido no plano federal em 86.
A violência contra a mulher
A violência contra a mulher, posta em evidência pelo movimento (SOS Corpo), leva à criação de Delegacias da Mulher; a 1ª surge em S. Paulo, 86, a cargo da delegada Rosemary Correia. Chovem denúncias, e 77% delas apontam o marido (e 13% o ex-marido) como autor das agressões. Logo, mais delegacias se multiplicam pelo Estado e pelo país. Nos anos 90 surgem as mobilizações contra o assédio sexual.
Política
A expressão política da presença da mulher pode ser medida na esfera institucional pelo nº de deputadas federais. Da vitória de 32 até 64, ele não ultrapassa 2. Por vias travessas, é a ditadura que começa a mudar a situação, pois em 66 sobem a 4 as esposas de políticos cassados que se elegem. De 78 em diante, o nº não pára de crescer em 94 são eleitas 33 deputadas e 5 senadoras (e a 1ª governadora estadual brasileira); somam apenas 6,4% dos congressistas, mas nada indica que a feminização irá se deter. Em 96, graças à cota, garantindo que 20% dos candidatos sejam mulheres, o nº das eleitas sobe a 11,7%.
Amplia-se a presença feminina
As mulheres começam a influir cada vez mais na política. Nas eleições municipais, tornaram-se vereadoras aos milhares e já somam centenas de prefeitas. Segundo dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2000, foram eleitas 7.000 vereadoras e 317 prefeitas, incluindo a maior cidade, São Paulo, com Marta Suplicy (PT).
A legislação deu sua colaboração, ao impor que pelo menos um quarto dos postulantes às câmaras fossem do sexo feminino, como forma de ampliar sua participação nos negócios públicos.
Um dado que sobressai dos números finais da eleição é que, das 317 prefeitas eleitas no primeiro turno, 276 (87%) fazem parte de partidos da base do governo federal, a chamada base conservadora. As demais 41 (12,1%) pertencem aos partidos considerados progressistas. O PFL elegeu 75 prefeitas; o PMDB, 59; PSDB, 58; PP8, 32; PTB, 25; PSD, 10; PL, 9; PSC, 3; PRP, 3; PRP, 3; PST 1; PT do B, 1.
Nos partidos classificados como progressistas, o PSB fez 13 prefeitas; PPS, 11; PT 9; PDT, 6; PV, 1; PC do B, 1.
Entre as vereadoras, os partidos progressistas fizeram .1.247 (PDT, 374; PT 350; PPS, 282; PSB, 191; PV, 30; PC do B, 20), correspondendo a 17,8% do total de 7.000 eleitas. Os partidos conservadores tiveram o seguinte desempenho: PMDB, 1.333; PFL, 1.161; PSDB, 1.010; PPB, 835; PTB, 583; PL, 322; PSD, 170; PSC, 61; PST, 51; PSL, 43; PMN, 41; PRP, 41; PT do B, 20; PRTB, 19; PSDC, 19; PHS, 12; PTN, 7; PRN, 6; Prona, 5; PGT 3 - perfazendo os restantes 82,3% do universo feminino que marcará presença nas câmaras municipais do país.
Cadernos do Terceiro Mundo, nº 224. out/2000
Bancada feminina na Câmara terá acréscimo de 48% - 10/10/2002
As mulheres tiveram um papel de destaque nessas eleições. Das 32 cadeiras que hoje ocupam na Câmara dos Deputados, passarão para 42. A representatividade feminina na Casa aumentou 48% em relação em relação ao último pleito.
Além disso, em oito Estados, elas foram campeãs em número de votos para a Câmara dos Deputados. Segundo dados do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), a deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB) foi reeleita com 17% dos votos válidos no Amazonas.
As outras mulheres mais votadas, com cerca de 10% dos votos válidos em seus Estados, foram as seguintes: no Acre, Perpétua Almeida (PCdoB); no Amapá, Janete Capiberibe (PSB); no Piauí, Francisca Trindade do (PT); no Rio de Janeiro, Denise Frossard (PSDB); no Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT); em Roraima, Maria Helena (PST); e no Tocantins, Kátia Abreu (PFL).
O Centro Feminista constatou ainda que as mulheres encontram-se entre as mais votadas em outros cinco Estados. No Distrito Federal, Maninha (PT); em Goiás, Professora Raquel Teixeira (PSDB); em Minas Gerais, Maria do Carmo Lara (PT); no Rio de Janeiro, Jandira Feghali (PCdoB); no Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB) e Maria do Rosário (PT); e em Rondônia, Marinha Raupp (PMDB).
Nas eleições de domingo, também aumentou o número de Estados (de 18 para 22) e de partidos (de 7 para 11) que elegeram mulheres. O PT teve o maior acréscimo: de 5 deputadas, contará agora com 14.
Neste ano, 529 mulheres candidataram-se à Câmara dos Deputados. Nas eleições de 1998, foram 348 candidatas; em 1994, apenas 185. Apesar dos avanços, a socióloga Almira Rodrigues, diretora do Colegiado do Cfemea, lembra que neste ano, assim como em 1998, não foi atingida a cota mínima de candidatas por partido, que é de 30%. As candidaturas femininas corresponderam a apenas 11,7%.
Já a representação das mulheres na Casa, que era de 5,6% após as eleições de 1998, no ano que vem será de 8,4%. Esse avanço, na opinião de Almira, mostra que as mulheres conquistaram o eleitorado e ganham, a cada dia, mais espaço na política do País. "Isso é muito importante porque mostra como as mulheres podem, apesar de todas as dificuldades, conseguir um destaque muito bom nos seus respectivos Estados".
Apesar do aumento no número de mulheres na Câmara, Almira Rodrigues afirma que os dados poderiam ser bem melhores. Estados como Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Mato Grosso do Sul e Ceará não elegeram deputadas federais. A dirigente da Cfemea lamenta que outros Estados maiores também tenham decepcionado, como é o caso de Minas Gerais, que elegeu apenas uma mulher para sua bancada de 53 vagas. Em compensação, a socióloga elogia o desempenho das mulheres em Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O Rio, por exemplo, elegeu seis.
Almira afirma que a bancada feminina estará mais à esquerda. Além do PT, o PCdoB e o PSB também ampliaram o número de deputadas eleitas. Já o PMDB e o PSDB encolheram suas representações femininas. O PFL, que tinha eleito cinco mulheres em 1998, passará a contar com seis deputadas. Para a deputada Maninha (DF), a bancada feminina terá como objetivo garantir os direitos constitucionais e avançar na conquista dos direitos sociais. As informações são da "Agência Câmara".
http://agenciacartamaior.uol.com.br/ultimas/ultimasnoticias.asp?ultimas=2114
Vamos ver dois Movimentos Sociais protagonizados por mulheres:
A GUERRA DAS MULHERES (1875-1876)
"Evidentemente que há um pouco de exagero no titulo ao chamarmos o movimento de Guerra das Mulheres. Na verdade, os homens ali também se achavam, mas deve-se ressaltar a participação preponderante e decidida das mulheres que, pela primeira vez na Historia do Brasil, atuaram, coletivamente, em um movimento insurrecional". (MONTEIRO, HAMILTON DE MATTOS, op. cit., pág. 73)
A denominação, contudo, deveu-se ao fato de que a destruição de editais de recrutamento militar foi liderada, em Mossoró, na Província do Rio Grande do Norte, por Ana Floriano. À frente de cerca de 300 mulheres, ela invadiu igrejas onde estavam afixados os editais, rasgando os.
E por que tanta violência?
Porque o recrutamento militar era considerado verdadeiro castigo e um instrumento de intimidação usado pelos governantes contra seus adversários políticos e aqueles que não tivessem a proteção de um poderoso.
Também chamado de Motim das Mulheres, o movimento, por vezes, se entrelaçou com a Revolta do Quebra Quilos. Sua ocorrência deu se quase que nas mesmas províncias a saber: Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará, Pernambuco, Alagoas; e Bahia.
Nessas províncias havia séria crise econômica e social criando crescentes dificuldades, sobretudo para os empobrecidos da sociedade nordestina.
Foi nesse contexto que se deu a conhecer a nova legislação para o recrutamento de soldados e marinheiros para o Exército e a Marinha. De acordo com a Lei 2556, de 26 de setembro de 1874, criavam se juntas de alistamento, formadas pelo juiz de paz, pelo pároco e pela principal autoridade policial da comunidade. Tornava se obrigatório o alistamento de todos os homens, entre 19 e 30 anos, fossem solteiros ou casados. Posteriormente, seriam sorteados, dentre os alistados, os que seriam engajados no Exército ou na Marinha.
Essa igualdade de tratamento era só aparente. Artigos da própria lei davam margem a privilégios especiais. Assim é que ficava dispensado de servir quem pagasse determinada importância em dinheiro.
"Estariam também a salvo os graduados e estudantes, quem apresentasse substituto idôneo, quem fosse proprietário administrador ou Feitor de Fazenda com mais de dez trabalhadores ou caixeiro de casa de comércio, 'que tiver ou se presumir que tem de capital 10.000$000 ou mais'." (SOUTO MAIOR, ARMANDO, op. cit., pág. 182)
A divulgação da legislação acabou provocando sérios temores da população. Mulheres não queriam admitir fossem seus filhos e maridos afastados de casa, correndo o risco de ser enviados a outras províncias.
Os homens consideravam que a aplicação da lei constituía uma verdadeira punição. Sabia se até da existência de castigos corporais contra infrações à disciplina militar. Afirmava se que a lei representava a imposição da escravização de trabalhadores livres.
As juntas de alistamento geralmente passaram a funcionar nas igrejas, onde os editais eram fixados e os livros de alistamento guardados. Por isso, os distúrbios e destruições se deram principalmente nas igrejas.
Essas manifestações foram de caráter local, não possuindo uma direção central, ainda que, por vezes, coincidissem no tempo.
"Em São Bento (Pernambuco) a reação às autoridades e mais organizada. Não se rasgam apenas os editais. São estes substituídos, por uma proclamação impressa, que lamentavelmente se perdeu, concitando a população não somente a não dar nomes como também a resistir a execução da Lei. Não foram poupados insultos a queima roupa dirigidos ao delegado, ao vigário e ao Escrivão de Paz. Usou a autoridade de violências, repelindo os mais afoitos, mas não houve vítimas. Sob o pretexto de que haviam recebido poucas listas e assim mesmo incompletas, resolveram, prudentemente, os membros da Junta, adiar os trabalhos." (SOUTO MAIOR, ARMANDO, op. cit., pag. 186) As revoltas contra o alistamento deixaram evidente uma onda de insatisfação típica de conjunturas de crise econômica e social. Por vários autores apontada como um prolongamento do Quebra Quilos, o Motim das Mulheres também ocorreu em São Paulo e Minas Gerais, sendo suas manifestações reprimidas com violência pelas autoridades.
Mesmo aqueles que foram presos não chegaram a ser condenados. Apesar de sua extensão e generalidade, o movimento não conseguiu impedir a aplicação da Lei 2.556, de 1874. Mesmo assim, os protestos e distúrbios contra a vigência dessa legislação continuaram a ocorrer até o fim do Império.
Sociedade Brasileira: Uma História. Record.
O Movimento dos Anjos (1923-1925)
Por movimento messiânico entendemos o movimento social em que uma comunidade empenha-se em construir nova ordem baseada na religião. Essa nova ordem rompe com a ordem existente, seja no plano econômico, social e/ou político.
Como esses movimentos são liderados por um messias, profeta, santo, redentor ou chefe carismático, são denominados de messiânicos, embora a história conservadora, a serviço das classes dominantes, enquadre-os como banditismo, fanatismo religioso, bandoleirismo ou revolta de marginais.
O grupo messiânico procura, então construir no presente o sonho de uma sociedade futura, embasada no fervor religioso e na crença de igualdade entre integrantes da comunidade.
A população de Goiás vivia sobretudo na parte norte do estado, dedicando-se principalmente à criação do gado. Predominavam as grandes propriedades, sendo pequena a produção agrícola. Essa população rural era integrada, em sua grande maioria, por agregados, camaradas, parceiros ou arrendatários.
Além disso, uma posse da terra era uma condição de classe, uma vez que a atividade junto a ela era a única forma de trabalho e o latifúndio a forma de propriedade mais encontrada, além de serem seus possuidores os donos dos instrumentos de trabalho e do capital para fazê-los reproduzir. Eram os proprietários que se constituíam em classe dominante. Os dominados eram os trabalhadores da terra. Além deles havia também uma classe média que se ligava aos dominantes quer por laços de parentescos, quer por dependência econômica." (VASCONCELLOS, LAURO DE, ap. cit, pág. 71)
Dentre os coronéis-fazendeiros, destacavam-se as oligarquias dos Caiado, dos Xavier e dos Jardim. Eram as mais ricas e poderosas, sucedendo-se seus integrantes no poder mediante práticas de violência e o uso da fraude eleitoral, como a degola.
Foi nestas terras de desigualdades e de violências que ocorreu o Movimento dos Anjos ou de Santa Dica.
"Movimento de pequena escala, realizado em uma região onde as frentes pioneiras de expansão não estavam presentes e as disputas de terra não eram constantes, mas que estava presente sim a luta dos dominados contra os dominantes para a construção de uma sociedade menos opressora.
"Nessa luta ( ... ) não havia temor ao enfrentamento, pois contavam os grupos que se achavam no reduto com a colaboração das falanges de anjos, cujo número de participantes seria maior que muitas forças policiais do país." (VASCONCELLOS, LAURO DE, op. cit., pág- 125)
E a Revolta dos Anjos, como sucedeu?
Tudo girou em torno de Benedicta Cypriano Gomes, nascida em 1905, no município de Pirenópolis, na região centro-norte de Goiás. De família pobre seu pai era lavrador -, foi criada pela avó. No entanto, não aprendeu a ler e a escrever, ao contrário de outras lideranças messiânicas.
Foi ela que se tornou conhecida como Santa Dica ou Dindinha, embora as oligarquias a denominassem de Embusteira do Rio do Peixe. Seus seguidores também a chamavam de Madrinha ou Santinha de Mozondó nome da fazenda onde nascera.
Nos primeiros anos da década de 1920, após ter sido considerada como morta, começou a afirmar que tinha visões, em que conversava com os anjos. reunidos em falanges. Esses anjos devam-lhe conselhos e ordens para a organização da comunidade de romeiros que foi se formando. Por isso, eram conhecidos como Conselho Espiritual ou Conselho dos Anjos. Por vezes, esse conselho comunicava a Dica acontecimentos futuros. Esse conselho incluía os Anjos Conselheiros e as Falanges dos Anjos Guerreiros.
Dica passou a carregar no colo um pequeno carneiro de pêlos brancos a quem deu o nome de Ananias. Dizia ela que via uma corte celestial onde avistava o Deus Pai que, por ela descrito, muito se assemelhava ao imperador Carlos Magno, cuja figura aparecia estampada em livro sobre a História de Carlos Magno e os Doze Pares de França.
Declarando ter recebido ordens dos anjos, rebatizou de rio Jordão o rio dos Peixes. Em suas águas, banhavam-se os romeiros atraídos pela divulgação dos relatos das visões de Dica e da notícia de milagrosas curas que realizava.
Os romeiros chegavam em maior número nos dias 24 de junho e 8 de dezembro, consagrados pela Igreja Católica como de comemoração a São João e a Nossa Senhora da Conceição.
Muitos acabavam permanecendo, formando-se, então, o povoado de Calamita dos Anjos, Jordão, Anjos ou da Lagoa. Nele, se estabeleceu ser o trabalho coletivo obrigatório para todos, sendo proibidas atividades produtivas aos sábados, domingos e dias santificados. O produzido devia ser repartido entre todos, cada um recebendo segundo suas necessidades. A terra, considerada como pertencente a Deus, era propriedade coletiva daqueles que viviam como irmãos. Proibia-se o pagamento de tributos às autoridades; e ingerir bebidas alcoólicas.
Em concepção claramente milenarista, Dica afirmava que o Conselho Espiritual lhe avisara da destruição do mundo.
"Entretanto, o mundo - mau e profano - só seria arrasado caso não fossem seguidas as normas contidas do documento enviado do alto, ou seja, caso a sociedade não se regenerasse através de penitência, orações e exercícios de caridade, práticas preconizadas pela Igreja Católica para aplacar a ira de Deus." (VASCONCELLOS, LAURO DE, op. cit., págs. 90 e 91.)
Essas normas estavam contidas na Carta Sagrada por Nosso Senhor Jesus Cristo".
Segundo acreditavam os seguidores de Santa Dica, o castigo ocorreria mediante destruidora chuva de machados.
Dica, que a princípio era apenas curandeira, tornou-se milagreira e líder porque era a mediadora entre os mundos sagrado e profano.
"Imediatamente abaixo do líder, estavam os auxiliares religiosos e propagandistas. Com eles ela compartilhava as preocupações do momento e falava dos problemas a serem resolvidos A base da pirâmide composta pelos irmãos, fiéis ou romeiros, que ali viviam ou que ali iam para usufruir dos benefícios advindos dos ensinamentos que lhes eram ministrados ou que seguiam as normas ditadas pela santa (VASCONCELLOS, LAURO DE, op. cit, págs. 112 e 113)
Dentre seus principais auxiliares, destacaram-se Josué - responsável pelo jornal Estrela do Jordão -, seu pai, Benedito Cypriano Gomes; o mestre escola gaúcho, Alfredo dos Santos; Manoel José Torres, mais conhecido como Necão Cacheado ou Caxeado; e seus tios, Jacinto e Gustavo Cypriano Gomes.
Em suas reuniões, os auxiliares aprovaram a criação da República dos Anjos, com uma bandeira própria. Igualmente aboliu-se o uso de dinheiro e o casamento civil. Aprovou-se que a jornada de trabalho devia ser de oito horas, bem como o fim, da meação, da parceria, da terça e do arrendamento, porque o trabalho e a terra eram coletivos.
Santa Dica dizia que lhe fora confiada a missão de reunir os eleitos à salvação que iriam viver a bem-aventurança na Cidade do Paraíso Terrestre.
Segundo as palavras de Benedicta, nesta cidade (que na verdade há de ser apenas um novo bairro do Céu) não se sentia fome, tanta é a fartura de víveres, nem vontade de dormir, posto que os seus moradores desconhecerão cansaço, sono e preguiça, vivendo tal plenitude de êxtase que entre eles não se encontrarão vestígios, sequer memória das coisas tristes da terra: dor, desgosto, solidão, deixarão de existir. Pode demorar dez anos, pode demorar só cinco, quer dizer, é pra quando não tiver ninguém mais querendo mandar no outro, nem capataz em peão, nem senhor em capataz, nem o homem na mulher, nem a mulher no seu homem (MOURA, ANTONIO JOSÉ DE. Sete léguas de Paraíso, Rio de Janeiro, Global Editora e Distribuidora, 1989, pág. 157)
Santa Dica, afirmava que, em suas visões, estava Dom Sebastião, o Rei Encoberto.
O sebastianismo é uma crença surgida em Portugal e trazida para o Brasil, estando presente em inúmeros movimentos messiânicos e milenaristas, anteriormente estudados. Fundamentas-se na convicção de que, em futuro próximo, existirá uma sociedade justa e igualitária. A propósito, o termo milenarismo é empregado para designar a crença em um futuro próximo em que, por um período de mil anos, Cristo retornará 'Terra para dar a todos um reino de paz e prosperidade ( ...) Os movimentos milenaristas sempre foram encarados como uma manifestação puramente religiosa. No entanto, recentemente, ele vêm sendo observados e examinados à luz de outros critérios, preferindo-se considerá-los como uma reação das pessoas ansiosas por desfrutar de nova realidade social." (AZEVEDO, ANTÔNIO CARLOS DO AMARAL, Op. cit., págs. 282 e 283)
O crescimento da popularidade de Santa Dica e a difusão do que se construía. na Cidade do Paraíso Terrestre contribuíram para provocar a reação de segmentos da sociedade goiana.
"Começou a aparecer um letreiro sesquipedal nos muros, e reclames impressos amanheciam nas ruas e por baixo das portas de Meia Ponte dos Pireneus, apodando Benedita Cipriano de bruxa, anarquista, espiritista, maximalista, feiticeira, praga do Cão, desgraça do povo, agente do Mal, êmula da Igreja, inimiga da ordem; protodemagoga, Antônio Conselheiro de Saia, Lenine de Anquinhas, ilaqueadora da boa-fé pública (isto mesmo: Abaixo a Lenine do Sertão!, Morra a Conselheiro de Saia, que ilaqueia a boa-fé, cancro das famílias, exploradora de incautos, princesa do Sabá, besta de Balaão, queriga do Anticristo, sócia do diabo, excomungada e herege.
“Distribuídos à farta, os panfletos, só comparáveis em número aos que o governo espalhava xingando a Coluna Prestes, propagavam que Lagolândia, ali pertinho, não passava de um antro de promiscuidade e irreligião, onde tinham livre curso o espiritismo, a magia e seus sortilégios, cometendo-se lá - mesmo sem especificá-los os mais hediondos crimes contra a sociedade, a moral e, em conseqüência, o próprio Deus. Garantia-se que em Dica pululavam todos os demônios de Loudun - embora ninguém soubesse o que fosse e onde Ficava Loudun -, esclarecendo-se que o corpo da taumaturga, que vivia metida com toda sorte de incubos e súcubos, de abusões e duendes, de fúrias e harpias, transformara-se em morada permanente de Asmodeu, lugar-tenente de Amaimon, o terrível, de Arimã, o princípio do Mal, de Baal, o general de Averno, de Belzebu, de príncipe de todos eles, de Mefistófeles, de Beherit, de Zabulon, de Nephthali, de Cérbero, de Jabel, de Zamiel, de Cauda de Cão, de Leviatã e toda grã-tinhosa”. Progênie de espíritos imundos universalmente aceitos e poderosos, sem se omitir a prata da casa, ou antes o enxofre nacional, afiançando-se que ela se relacionava as mil maravilhas com as Figuras de Pedro-Botelho, Capelobo e Bolaro, fiel discípulo e imitador do chupa-miolos, que também atende pelo nome de Curupira, o anão de cabeleira de fogo, pé para trás e rastro mentiroso, incluindo ainda outros coisas-ruins de mais Fracos méritos e menor prestígio. Encerrava os reclames contundente advertência à população cristã e ordeira para que não visitasse o sítio à margem do Peixe rebatizado de Lagolândia, por artes da impostora, nem desse a esta outra atenção que não o desprezo se ela ousasse, como era seu costume, macular com pés sacrílegos o perímetro urbano desta cidade assaz católica, mimo da Virgem, pérola de Deus." (MOURA, ANTÔNIO JOSÉ DE, op. cit., págs. 38 e 39)
Entidades diversas discutiam o que fazer, as reuniões ocorrendo com a sociedade Vigilantes das Tradições Avoengas, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, as Filhas de Maria, os Congregados Marianos e outros
O Conselho Municipal de Meia-Pontes dos Pireneus considerou-se em vigília cívica contra o novo Canudos em gestação. A decisão de uma intervenção ao reduto dos Anjos foi tomada quando o doutor Brasil Caiado assumiu o governo do estado.
Antes do envio de uma expedição militar, Santa Dica foi intimada pelo chefe de polícia: deveria cessar suas atividades. A advertência mostrou-se inócua.
Enviou-se, então, o delegado com escolta de oito praças comandados por um sargento ( ... ) Sua missão: devolver o povoado à obediência às leis e aos poderes competentes, mediante a anulação na prática dos atos insólitos emanados do Conselho dos Anjos, (MOURA, ANTÔNIO JOSÉ DE, op. cit., pág. 194)
Contudo, a missão não foi cumprida e a patrulha teve de se retirar ao se ver cercada pelos seguidores de Santa Dica. Alguns empunhavam garruchas e espingardas, mas a maioria portava machados, marretas, foices...
Outra expedição foi então enviada em outubro de 1925. Comandada pelo tenente Benedito Monteiro, à testa de 80 militares bem armados, tinha a incumbência de prender Santa Dica e outros cinco líderes, bem como submeter a comunidade às leis da República.
Ao entardecer de 14 de outubro de 1925, o povoado dos Anjos foi invadido e com fúria indescritível eliminaram-se os que resistiram. Mais de 30 cadáveres resultaram da refrega, muitos tendo morrido afogados nas águas do rio do Peixe quando tentaram escapar. Houve cerca de 83 aprisionados, incluindo-se Santa Dica, Alfredo dos Santos e Jacinto Cypriano Gomes.
Submetida a julgamento, Benedicta Cypriano Gomes, a Santa Dica, foi condenada a um ano e dois meses de prisão e ao pagamento de uma multa de 200$000 réis.
Após ser libertada em 1926, Santa Dica foi viver no Rio de Janeiro, depois, em São Paulo, onde faleceu em novembro de 1970. A sua República dos Anjos havia durado 33 meses, durante os quais algumas centenas de homens, mulheres e crianças criaram uma comunidade alternativa à predominante no Brasil.
Sociedade Brasileira: Uma História. Aquino
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20. Experiência Histórica do Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais
A luta pela terra, no Brasil, se iniciou no período colonial, mas, até os anos 50 de nosso século, praticamente, não existia organização sindical dos trabalhadores rurais brasileiros. Registramos, porem, tentativas de organização de sindicatos, e de defesa dos direitos, desde o inicio deste século, e, nos anos 20 e 30, alguns sindicatos chegaram mesmo a ser estruturados.
A legislação trabalhista só vai atingir mais amplamente os trabalhadores rurais em 1962, embora vários decretos e portarias tenham sido editados sobre o tema, desde os primeiros anos de 1900. Quanto à regulamentação do direito de propriedade, da Lei Vergueiro, de 1850 (primeira Lei de Terras), às atuais, todas buscaram limitar o acesso à terra e proteger interesses dos latifundiários.
A questão da Reforma Agrária vai aflorar como reivindicação popular ao lado da luta abolicionista e dos movimentos contra a escravidão. Com o fim do regime escravagista, os ex-escravos sem-terra vão constituir uma massa de marginalizados. Parte vai compor a mão-de-obra assalariada da agricultura, parte da indústria nascente, ficando a maior parcela no exército de reserva ou submetida ao trabalho doméstico, semi-escravo.
Os conflitos no campo vêm, portanto, de longa data, o desenvolvimento do capitalismo nos últimos 25 anos só veio agravar esta situação. A expansão da concentração da terra para fins especulativos, ganhou grandes proporções, registrando-se propriedades de até 4 milhões de hectares à custa da expulsão de antigos posseiros, destruição da floresta e da economia nativa. Simultaneamente, o incentivo à lavoura de produtos de exportação ou de matéria-prima para agroindústria, e a conseqüente orientação dos créditos subsídios e preços, deformou mais ainda a estrutura da propriedade, alijando a cultura de alimentos, absorvendo as melhores terras, reorganizando a pequena propriedade e gerando um nível insuficiente de empregas, incapaz de absorvera massa disponível de trabalhadores que a concentração e o empobrecimento do pequeno proprietário e produtor sem terra joga no mercado, a cada ano.
Um dos resultados deste processo é a transferência da população rural para as cidades e o agravamento geral das condições de vida da população trabalhadora. Em 1940, a população rural representava 68,8% da população total; em 1980 este percentual cai para 37% e hoje para menos de 30%.
As primeiras organizações
Nos anos 20, e sobretudo a partir de 1930, por iniciativa de pequenos lavradores, desenvolveram-se experiências localizadas de organização sindical no campo. Tem-se registro dessas organizações no Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia (região do cacau). Em 1944, devido à pressão das lutas presentes nas cidades e no campo, e buscando recriar uma relação de forças a seu favor, Getúlio Vargas assina um decreto autorizando a organização sindical rural.
Como outros, tal decreto vai permanecer sem regulamentação efetiva, deixando os direitos sindicais do campo à mercê da "ilegalidade" imposta pelos latifundiários, Formar um sindicato e obter seu reconhecimento, conforme rezava a legislação trabalhista, era façanha quase impossível, Na primeira metade dos anos 50 chegaram a ser organizadas 51 associações sindicais, em 16 Estados, mas apenas 5 foram reconhecidas. Até 60 existiam 8 sindicatos, em 4 Estados: Pernambuco (3),- Bahia (3); Rio de Janeiro (1); - Santa Catarina (1). A partir deste ano, começa a crescer rapidamente o número de sindicatos e em 62, com a regulamentação sindical, e após o Estatuto do Trabalhador Rural em 1963, que estendia direitos trabalhistas aos trabalhadores rurais, já existiam 800 entidades sindicais e cerca de 500 mil camponeses organizados nas Ligas, em 10 Estados, Às vésperas do golpe militar de 64, o número de sindicatos chegava a 1. 200, em 42 Federações.
Em 1953, organiza-se a 1 Conferência dos Trabalhadores Agrícolas e, em 54, a 11, com a participação de 50 Associações, quando é criada a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil - ULTAB. Em 1957, a ULTAB realiza sua 1ª Conferência, já com a participação de 57 associações e 4 sindicatos. Na mesma época, no Rio de Janeiro, é fundada a Federação Estadual dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas Fluminenses, decidida também em Conferência.
Em 1961, impulsionado pela ULTAB e pelas Ligas Camponesas, realizasse o 1º Congresso de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, em Belo Horizonte, com a participação de todas as correntes existentes no campo até então. A organização sindical havia se expandido intensamente: sindicatos, associações, federações e Ligas Camponesas. A luta pela reforma agrária ganhara dimensão nacional, tornando-se uma das bandeiras da massa trabalhadora do campo e das cidades. Deste Congresso, participaram 1.600 delegados, sendo um dos momentos de unificação na luta pela reforma agrária e pela conquista do direito de organização sindical, concretizado finalmente em 1962.
O desenvolvimento da organização sindical rural, tolhido do ponto de vista da legislação, impôs-se, na prática, através de variadas formas, diferenciando-se em termos de regiões (em algumas se conformavam condições mais favoráveis que em outras); surgiram sindicatos por categorias ou mistos, segundo as possibilidades que se apresentavam.
O Decreto-Lei 7.038 de 1944, regulamentado pela portaria 209-A do Ministério do Trabalho, em junho de 1962, estabelecia dezenas de categorias para efeito de enquadramento. Em novembro do mesmo ano, nova portaria reduziu este número para 4 categorias profissionais: Assalariados (trabalhadores na lavoura agrícola); Pequenos Produtores Autônomos (arrendatários, meeiros, parceiros); Pequenos Proprietários e Posseiros. Daí se explica a existência de 42 Federações, tendo alguns Estados uma de cada setor.
Além disso, como existiam diferentes orientações no trabalho sindical, dava-se o caso de se organizarem mais de uma Federação e sindicato de uma mesma categoria. Neste caso, prevalecia a que obtivesse a Cada Sindical. Segundo documentos da época, por ocasião da fundação da CONTA G , na disputa pela fundação de sindicatos, o setor ligado à Igreja, que naquele momento opunha-se às posições majoritárias no movimento rural pela Reforma Agrária, contava com o apoio do então Ministro Franco Montoro, garantindo-lhe prioridade na concessão da Cada Sindical.
No total, até 64, haviam 42 Federações, sendo: 11 de assalariados; 18 de produtores autônomos; 6 de pequenos proprietários, 1 do setor extrativo e 6 ecléticas (de pequenos proprietários e produtores autônomos).
Surgimento da CONTAG
Em 20 de dezembro de 63, foi criada a CONTAG - cujo reconhecimento pelo governo se efetiva em 051 02164. Participaram do Congresso de fundação 24 federações de estados, com direito a voz e voto e outras 10 como observadoras. Na composição da primeira Diretoria da CONTAG, constituída em dezembro de 63, as forças predominantes eram as entidades sob a orientação da ULTAB e da Ação Popular. Os setores da Igreja, que intentaram conformar a confederação alguns meses antes, sob sua hegemonia, não participaram desta assembléia, à exceção de uma entidade que integrou a direção.
Além destas correntes, nas entidades sindicais, as Ligas Camponesas compunham o quadro das forças predominantes na organização rural, naquele momento. Com o golpe de 64, a grande maioria dos sindicatos, das Federações e a própria CONTAG sofreram intervenção federal, que durou até 1965. Dirigentes sindicais, das Ligas, e trabalhadores rurais vão sofrer cruel repressão. Não se dispõe de dados completos sobre o número de vítimas, mas relatos e desaparecimentos de centenas de militantes testemunham o massacre a que foram submetidos.
Em junho de 1965, a portaria do MTPS nº 395 modificou o artigo primeiro da portaria anterior, instituindo o sindicato único e por município. Após as intervenções e perseguição das direções, o movimento sindical rural, sob a nova regulamentação, vai empreender seu caminho de reorganização. É consensual, entre as diversas direções rurais, que a repressão, o assistencialismo que passou a predominar nos sindicatos, a pardas dificuldades gerais para o desenvolvimento da luta dos trabalhadores, desvirtuaram o caráter próprio das entidades sindicais.
A CONTAG, com o fim da intervenção, elegeu uma nova Diretoria e, em 68, uma composição de forças coloca na presidência José Francisco, cujo mandato se estendeu até abril de 89. O 3o Congresso, realizado em 1979, é considerado um marco na retomada das lutas a nível coletivo, consolidando a estrutura da Confederação, que já contava então com cerca de 2.000 sindicatos e de 20 Federações.
No 4o Congresso, em 85, estes números passavam a 2.600 sindicatos e 22 Federações. Até 1983, a CONTA G praticamente aglutinava todas as organizações e movimentos existentes no campo. Após este período, como conseqüência da reorganização do movimento sindical, em seu conjunto e a nível nacional, mas, também, por questões específicas das lutas dos trabalhadores rurais, a Confederação perdeu esta hegemonia. De uma parte, houve a criação de duas Centrais, a CUT e a CGT,- a CONTAG, até 1988, esteve filiada a esta última, perdendo assim posições junto a alguns sindicatos rurais que optaram pela CUT. Por outro lado, por razões específicas, vários movimentos desenvolveram-se no campo, como o MST, o dos Atingidos por Barragens, o dos Seringueiros, etc., fora da organização da Confederação e da estrutura sindical vigente.
Sufocado como todo o movimento sindical brasileiro, durante todo o período da ditadura, o MSTR expandiu-se rapidamente nos últimos 10 anos, desde a greve de 79 dos canavieiros/PE, ampliada com as lutas de São Paulo no início dos anos 80. Cerca de 3 mil sindicatos e vários movimentos existem atualmente - tantos quantos os problemas que se acumularam, resultantes da política agrária e agrícola.
Surgiu um novo quadro de lutas, mobilizações e reivindicações, fruto tanto do agravamento das condições de vida e trabalho no campo, como também do crescimento da organização e da consciência. Nele, tem sido crescente, até mesmo pelo seu peso social, o papel dos assalariados, particularmente em movimentos grevistas, que, apesar das debilidades reais (organizativas, de articulação, etc.) têm conseguido reverter o quadro de isolamento, pondo na ordem do dia, como questões a serem tomadas em conta, suas reivindicações.
Este novo quadro colocou, no centro das discussões das entidades sindicais rurais, questões quanto a organização e estrutura sindical, o desenvolvimento da luta pela reforma agrária, o enfrentamento da violência, a condição da unidade dos trabalhadores rurais e do campo-cidade, no sentido de construíras respostas político/organizativas necessárias para seguir avançando rumo às conquistas dos objetivos dos trabalhadores.
Diagnosticando a Crise do MSTR:
A crise e um fato objetivo
A constatação da existência de uma crise do MSTR – Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais - levou à seleção de indicadores da mesma: à identificação de algumas causas e tentativas de superação. O aprofundamento dessa primeira visão para verificar a trajetória do movimento; identificar problemas que se delineiam a cada fase; observar sinais indicativos de resolução e elementos que conformam uma crise mais persistente - permitiu a construção coletiva, com apoio de assessores especializados, de um diagnóstico mais sistematizado. Nesse diagnóstico, os indicadores estão classificados de forma a viabilizar o enfrentamento da crise, não apenas em seus sintomas aparentes, mas, atingindo seu eixo central.
A chamada "crise do MSTR" reveste-se de inúmeros aspectos, que se diferenciam de região para região, afetando tanto as formas de organização dos trabalhadores rurais, quanto suas relações com as instâncias de poder, com as entidades patronais, com movimentos populares e com outros segmentos da sociedade. A crise é complexa; tem contornos distintos: refere-se a impasses vividos pelo MSTR no encaminhamento de suas lutas e remete a fatores estruturais, políticos e organizativos. Nesse sentido, compreende as seguintes dimensões:
Mudanças ocorridas no campo provocaram impacto sobre o Movimento Sindical
O processo do desenvolvimento capitalista no campo, com seus diferentes níveis de investimentos e de inovações tecnológicas, conforme os setores e regiões de interesse, vem gerando um conjunto de modificações no meio rural brasileiro que alteram significativa mente a vida dos pequenos produtores e dos trabalhadores rurais, com profundos reflexos sobre sua organização.
Para o entendimento dessas modificações. a análise do papel do Estado é fundamental. Através das políticas governamentais para o setor agrícola, a atuação do Estado incentivou e consolidou o modelo de modernização conservadora vigente na área rural A política agrícola privilegiou as grandes propriedades, transferindo recursos públicos via crédito e incentivos fiscais, A política agrária manteve praticamente intocada a estrutura fundiária, altamente concentrada, e a política de investimentos (barragens, por exemplo), desarticulou a pequena produção em significativas áreas do País.
Observam-se, além disso, distorções históricas na aplicação de recursos públicos em programas sociais - a exemplo da educação, da saúde, da habitação, do saneamento básico ~ que são majoritariamente realizados nos centros urbanos. Da parcela destinada ao campo, quase nada chega efetivamente aos pequenos produtores e trabalhadores rurais.
As mudanças que vêm ocorrendo se expressam, basicamente, através dos seguintes elementos:
Diversificação regional dos investimentos de capital
Em muitas regiões, grandes áreas que eram ocupadas por pequenos produtores passaram - com a implantação de grandes empresas agrícolas - a introduzir novas culturas e técnicas de produção, causando expropriação e alterando significativamente as relações de produção estabelecidas, a cultura e as condições de vida dos trabalhadores. São os casos, por exemplo, das empresas agro-industriais que se estabelecem em grandes áreas de muitos Estados, ou da monocultura de exportação, como a soja. Que já fez do Estado do Piauí um grande produtor e exportador nacional.
Investimentos em novas tecnologias
A introdução de novas técnicas e equipamentos altera substancialmente as relações de trabalho (transforma pequenos produtores rurais em assalariados: trabalhadores permanentes em temporários) e gera desemprego.
O aumento da capacidade produtiva e competitiva dos grandes estabelecimentos que conseguem se modernizar, inviabiliza a pequena produção que se dedica ao mesmo setor de atividade, a exemplo dos casos registrados mais recentemente na região do São Francisco (especialmente em Sobradinho. Bahia). Ali, pequenos produtores que consegui . ram a terra e a infra-estrutura produtiva (eletrificação, equipamentos para irrigação, etc.), mediante a sua própria luta, estão vendendo as suas propriedades por absoluta falta de condições de competir com os grandes empreendimentos da região, voltando à condição de assalariados.
Os investimentos são dirigidos para os setores que oferecem mais retorno econômico, de acordo com as oscilações do mercado nacional e internacional, seja substituindo a agricultura de economia familiar pela agricultura de exportação (caso da soja), seja pela introdução de novas tecnologias (caso do setor canavieiro, da fruticultura etc.), seja pela adoção de atividades poupadoras de mão-de-obra (caso da pecuária). Estes investimentos, implicam, muitas vezes, no deslocamento do eixo de interesse do capital, com abandono quase completo de importantes culturas tradicionais. como o cacau e o sisal.
Esse processo de mudanças provoca, ainda, importantes alterações no mercado de mão-de-obra de acordo com as conveniências do ciclo produtivo e de rentabilidade do capital - seja deslocando trabalhadores de um setor para outro, seja criando mão de obra volante de região para região, dentro de um mesmo setor. Essas alterações incidem. também, nas condições de moradia dos trabalhadores,.- com sua expulsão para as periferias urbanas, alteram-se as relações existentes entre local de moradia e local de trabalho, passando a combinar situações tanto de moradia rural/emprego urbano, como vice-versa. O resultado disso é a desestruturação familiar, a degradação das condições de vida dos trabalhadores e, não raras vezes, a sua completa exclusão do processo produtivo.
Aumento da concentração da propriedade da terra
O processo de desenvolvimento do capitalismo no meio rural tem feito com que pequenos proprietários, que se dedicavam a culturas tradicionais (caso do algodão), ou mesmo à extração vegetal (caso do sisal). em regime de economia familiar, se vejam obrigados a vender ou mesmo abandonar sua propriedade, transformando-se em trabalhadores diaristas ou migrando para os centros urbanos,
Mudanças na gestão da força de trabalho
A modernização dos mecanismos administrativos, de seleção de mão de obra e de controle do processo de trabalho, através de métodos que chegam a incluir a participação dos trabalhadores., e a adoção da terceirização em larga escala, introduz novos atores no processo produtivo, novas formas de mediação das relações de trabalho, dificultando a organização sindical dos trabalhadores rurais,
Intensificação do processo de urbanização
A crescente inviabilização da pequena produção rural e o aumento do desemprego, provocam a redução da população brasileira no campo. Hoje, mais de ¾ (três quartos) da população estão nas cidades, sendo que a parcela formada pelos migrantes da área rural normalmente está submetida às mais precárias condições de vida.
O agravamento da pauperização dos trabalhadores e pequenos produtores rurais e o aumento das dificuldades de organização sindical no campo são importantes componentes do atual estado de crise do Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais. Dos 60 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, e dos 34 milhões de indigentes, parcelas significativas estão no campo. Isso obriga aos pequenos produtores e aos trabalhadores rurais, assim como aos seus familiares, a se dedicarem, quase que exclusivamente, à luta pela sobrevivência.
A incompreensão, por parte do MSTR, do conjunto de modificações que ocorrem no meio rural, em especial as de base econômica, com seus reflexos diretos em toda população e mais especificamente nos pequenos produtores e trabalhadores rurais, é apontada como um dos maiores empecilhos para a superação da crise. A ausência de um processo de análise dessa realidade dificulta a busca de alternativas para enfrentar os novos desafios por ela gerados.
Cabe destacar a inexistência, no interior do MSTR, de preocupação permanente com o aprofundamento da discussão sobre o papel do Estado, buscando compreender o significado de suas políticas para o campo e refletir sobre os novos espaços de participação. A discussão teórica sobre o papel do Estado, quando ocorre, é precária, não chegando a analisar e interpretar as políticas públicas governamentais, que se concretizam a nível dos Municípios.
É também precária a discussão sobre formas de participação dos trabalhadores em alguns instrumentos criados para implementação de políticas públicas, como os Conselhos Municipais e Estaduais. O MSTR obriga-se a conviver com dois grandes dilemas: em primeiro lugar, não há uma definição clara se deve ou não participar desses espaços, e, em segundo lugar, os sindicalistas não possuem a qualificação necessária para o desempenho das funções nessas instâncias.
A inexistência de uma ação permanente, por parte do movimento sindical, voltada para analisar as formas de atuação do Estado, o significado e o alcance de suas políticas, e das oportunidades de participação, contribui negativamente, também, para a construção de um projeto de desenvolvimento rural que estabeleça, com clareza, os objetivos táticos e estratégicos a serem buscados e o modelo de organização sindical mais adequado à atual conjuntura. Essa omissão no interior do MSTR, frente à presença do Estado, impede também o resgate da "cultura sindical" baseada nos princípios da autonomia, da liberdade e da luta transformadora dos trabalhadores rurais.
A emergência de novos movimentos estabelece uma crise de mediação do MSTR
As profundas transformações ocorridas no campo, conjuntamente com os efeitos da ação do Estado, provocaram o surgimento de áreas de negociação e/ou conflito. cujas demandas não vêm sendo suficientemente atendidas pelo MSTR. Quer seja por limitações de sua estrutura, quer seja pela ausência de uma política organizativa.
Com isso, afirmam-se competências específicas originadas na heterogeneidade, econômica, favorecendo a emergência de novas identidades que não estavam inteiramente contempladas nas entidades de representação sindical.
Foram criados movimentos e associações, muitos deles a partir dos próprios sindicatos. embora estabelecendo de maneira autônoma as suas formas e critérios de representatividade, e apresentando., no geral, os elementos reivindicativos fundamentais de territorialidade/ terra e cidadania. Alguns exemplos:
Associações Comunitárias de Pequenos Produtores; Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; Movimentos de Atingidos por Barragens: Conselho Nacional dos Seringueiros; Movimento pela Sobrevivência na Transamazônica; movimentos de.- quebradeiras de coco, remanescentes de quilombos, ribeirinhos, "brasiguaios", "brasivianos", dentre outros.
O surgimento dessas novas entidades de representação dos trabalhadores estabeleceu uma crise de mediação do MSTR, na medida em que perdeu a capacidade de enfrentar e encaminhar o conjunto das lutas específicas ou, pelo menos, atuar articuladamente com os distintos movimentos. A complexidade da situação e as dificuldades do MSTR diante dela provocaram, por vários anos, muito mais distanciamentos e competições entre movimentos do que complementariedade para enfrentar a situação geral de crise no meio rural.
Novas Propostas de Organização Sindical questionam o MSTR
Implementar os princípios de liberdade e autonomia tem sido o grande desafio do MSTR ao longo das últimas décadas.
Muitos esforços têm sido realizados para viabilizar novas experiências de estrutura sindical que correspondam às exigências da realidade e às demandas específicas de segmentos dos trabalhadores rurais.
Mesmo reconhecendo a existência de setores da CONTAG que sempre lutaram contra o atrelamento dos sindicatos, a criação da CUT foi um marco importante na construção de um novo sindicalismo firmado nos princípios da liberdade e autonomia sindical. Iniciativas localizadas de estruturação sindical específica por atividade produtiva, a exemplo da FERAESP e Sindicato dos Fumicultores e a própria instituição do DNTR e suas instâncias estaduais, polarizam no seio do MSTR as questões relacionadas à liberdade de organização sindical. Todavia os limites histórico-estruturais e até culturais ainda perduram.
É consenso, hoje, entre os sindicalistas, que a atual estrutura sindical interfere negativamente, dificultando o avanço do processo sindical como um todo, embora não possa ser responsabilizada como querem alguns pela ineficiência presente em muitos sindicatos. Pode-se citar, entre outros, alguns fatores que se constituem em situações problema no dia a dia do movimento sindical e não encontraram respostas na atual estrutura sindical vigente.
A dinâmica do capitalismo no campo gera um conjunto de alterações econômicas e sociais que envolvem diretamente os trabalhadores. suprimindo ocupações antigas e gerando outras novas, fazendo emergir muitos problemas específicos cujo encaminhamento não encontra respaldo na atual estrutura sindical.
Os projetos econômicos de maior envergadura -reflorestamento, agroindustriais, etc. - costumam envolver áreas geográficas que ultrapassam as fronteiras municipais. Os sindicatos. por sua vez, com base territorial limitada ao município, terminam impossibilitados de enfrentar os problemas gerados por esses projetos. Precisam, antes de tudo, se articular entre si, o que já se constitui em outro conjunto de problemas pelas dificuldades materiais dos sindicatos e pelas diferenças que reinam no interior do movimento sindical.
Nas áreas cuja base sindical predominante é formada de pequenos produtores, os problemas por eles enfrentados são de ordem regional, ultrapassando inclusive as fronteiras do próprio Estado, a exemplo do crédito agrícola ou da problemática das secas, cujo interlocutor principal é o Governo Federal. O enfrentamento das questões a nível de cada município pressupõe, também., um nível de articulação e de organização que pode envolver até centenas de sindicatos;
Os questionamentos e críticas que têm sido levantados sobre a atual estrutura sindical, já há alguns anos., sobretudo por setores vinculados à CUT. não resultaram ainda em propostas alternativas e viáveis, mais globais-, que efetivamente respondam às atuais necessidades do MSTR.
Manifestação da Crise
Crise na organização sindical
Esvaziamento das entidades de sindicalização: a impossibilidade de dar respostas eficazes aos problemas mais imediatos dos trabalhadores, a ausência de propostas de ação de médio e longo prazos e a possibilidade de integrar movimentos mais ágeis, organizados no campo, provocam o afastamento de trabalhadores dos sindicatos. Em muitos lugares, as únicas atividades que ainda atraem alguns associados são aquelas relacionadas com os serviços de aposentadoria.
Dificuldades financeiras de funcionamento: a questão financeira merece discussão específica, considerando que a crise, neste aspeto, atinge de forma global o MSTR. Instaura-se um círculo vicioso de difícil superação: o imobilismo e impotência dos sindicatos para enfrentar os desafios vividos pelos associados conduzem à redução dos índices de sindicalização que, além de enfraquecer o sindicalismo, gera também a falência financeira. Sem recursos, os sindicatos não conseguem chegar à superação da própria crise.
Poder-se-ia enumerar alguns elementos que contribuíram de forma significativa para a situação que poderia ser caracterizada como de "falência" financeira dos sindicatos:
> a ausência, já mencionada., de propostas que respondam aos interesses dos trabalhadores, resultando no afastamento dos mesmos e, por conseguinte. na queda das receitas.
> o processo de empobrecimento dos trabalhadores e pequenos produtores associados que, mesmo mantendo a sua filiação aos sindicatos não conseguem manter atualizadas as suas mensalidades.
> a mentalidade paternalista dos dirigentes que impede, em muitos casos, a cobrança de taxas mediante a prestação de serviços pelos sindicatos. Pode-se citar, como exemplo, serviços que essas entidades prestam na medição de terras dos associados, nos processos de aposentadorias e em inúmeras ações judiciais, sem qualquer contrapartida por parte dos beneficiários de tais serviços, falta de política do MSTR na aplicação de recursos provenientes de programas governamentais, a exemplo do PAPP no Nordeste, acomodando ainda mais os dirigentes que não utilizam os mesmos na viabilização de ações que conduzam à autonomia financeira.
> pouco empenho, por parte dos dirigentes, em cobraras mensalidades dos associados. Não há qualquer sistema de cobrança, ficando a contribuição a depender exclusivamente da boa vontade dos associados.
> pouco empenho em buscar formas alternativas de levantamento de recursos. Algumas experiências isoladas têm conseguido, por exemplo, realizar campanhas entre os associados, para a doação de determinados produtos, com resultados positivos para os sindicatos.
> pouco tempo disponível dos dirigentes que se vêem obrigados a se dedicar à luta pela sobrevivência, muitas vezes fora do próprio município e em setores de atividades diferentes, para a atividade sindical. Essa situação dificulta iniciativas visando encontrar formas de aumentar as receitas do Sindicato.
> a falta de transparência sobre a utilização dos recursos também contribui negativamente. Os associados, por não acompanharem a forma de aplicação dos recursos, sentem-se desmotivados a contribuir e ainda se acham no direito de levantar dúvidas sobre a administração financeira do Sindicato. As prestações de contas, limitam-se ao cumprimento das formalidades legais, o que não satisfaz aos associados que sequer compreendem os termos usados nos processos contábeis.
Dificuldades de qualificação e diversificação das pautas: as tentativas de capacitação e de formação dos dirigentes e lideranças sindicais não têm alcançado os objetivos esperados e o resultado disso, dentre outros, é a dificuldade de qualificação das pautas de reivindicação., diminuindo o potencial de negociação coletiva do MSTR e de fazer cumprir o que foi negociado, o que repercute negativamente junto aos associados.
Distanciamento das bases
A inércia que vigora em muitos sindicatos, a falta de perspectivas objetivas para o sindicalismo e o distanciamento entre os dirigentes e as bases conduzem à falta de credibilidade dos dirigentes e dos próprios sindicatos junto aos seus associados e à opinião pública em geral, desmotivando ainda mais a participação das bases;
Se, a nível das cúpulas do movimento sindical, a exemplo da CUT e CONTAG, passos significativos estão sendo dados que permitem uma ação conjunta, guardadas as identidades de cada parte, a nível das bases as disputas ainda são muito acirradas. A incapacidade de conviver e se relacionar com o outro, de respeitar as diferenças, ainda se constitui num grande entrave no interior do movimento sindical visto que dificulta ainda mais a aglutinação de forças, já bastante frágeis:
A redução do grau de representatividade e de credibilidade dos dirigentes sindicais conduz. igualmente, à redução da sua capacidade de mediação, o que enfraquece o sindicalismo como um todo:
Problemas de direção sindical
A falta de democracia interna. Com a concentração das atividades em poucas mãos, em muitos casos dando lugar à cultura do presidencialismo, associada à falta de transparência na gestão dos recursos se constituem num empecilho concreto para que novas lideranças venham a se engajar na luta e participar mais ativamente do processo sindical.
Além disto, tem sido bastante observado e exposto a críticas o apego excessivo aos aspectos legais. por parte de certos dirigentes. Esta prática tem dado origem a um legalismo extremado, reforçando o burocratismo e impedindo o surgimento de experiências alternativas para os impasses da estrutura e da ação sindical.
Perduram, ainda, muitas práticas autoritárias e isolacionistas que dificultam a aglutinação de forças internas, a nível dos sindicatos, e as relações com outros movimentos emergentes no campo.
São muitos os fatores que dificultam e até impedem a renovação dos quadros dirigentes dos sindicatos, entre eles a expulsão de lideranças do seu local de origem. pelo desemprego ou pela inviabilização da pequena produção, a ausência de um projeto estratégico que traga perspectivas aos associados. A falta de condições para remunerar o tempo dos dirigentes,- as dificuldades objetivas para os dirigentes voltarem à condição de base. O fato é que, em grande parte dos municípios brasileiros, os associados não se motivam para participar da direção do Sindicato. Ao contrário disso participar da diretoria de um Sindicato, em muitos lugares termina sendo um sacrifício para o associado.
Não são desprezíveis os exemplos que têm, ainda, dirigentes politicamente atrasados, que em, muitos casos trabalham atrelados a prefeitos e políticos locais ligados a interesses patronais.
As inovações introduzidas na atual estrutura sindical, com a criação de Secretarias, Comissões e Departamentos específicos não estão demonstrando capacidade para responder às necessidades específicas, a exemplo das questões de gênero, de jovens, de negros, etc, originando, em alguns casos, movimentos paralelos cujo relacionamento com os sindicatos não tem propiciado o fortalecimento do sindicalismo rural.
Depois de assumirem, por algum tempo, cargos de direção no Sindicato, dificilmente os dirigentes conseguem retomar às suas origens para a reinserção no quadro de associados. Pelo que se tem observado, esses dirigentes ou se perpetuam na direção do Sindicato, ou passam a exercer funções "superiores" na estrutura sindical (nos pólos sindicais, federações, departamentos nacionais, centrais sindicais, confederação, etc) ou ainda terminam por se desvincular completamente da sua categoria, migrando para outros setores. Há três fatores que são responsáveis por tal situação,- o carreirismo dos dirigentes; a acomodação que os impede de buscar alternativas para retomar às bases sindicais; e o conjunto de novas situações que são criadas, - ao participarem de federações, departamentos nacionais, centrais sindicais e confederações, de forma mais direta ` os dirigentes estão obrigados, normalmente, a morar na cidade, criando novos vínculos com a vida urbana que dificilmente permitem o retorno deles às origens.
Problemas de formação
O fato do MSTR não ter conseguido, até então, criar mecanismos de estudo e reflexão sobre a realidade social, econômica e política em cada município, região ou estado, tem contribuído decisivamente para que a formação seja desvinculada dessa realidade.
O processo de formação de dirigentes e outras lideranças do MSTR, não têm. até aqui, produzido resultados capazes de renovar os quadros e as práticas sindicais e, conseqüentemente, não vem ajudando no enfrentamento dos principais dilemas e desafios. Ao contrário disso, a formação tem alimentado antigos vícios e distorções no interior do MSTR, dificultando ainda mais a busca de saídas para a crise.
As metodologias e conteúdos utilizados nos cursos de formação e treinamentos, desvinculados da realidade e da conjuntura de cada momento têm propiciado aos participantes apenas a aquisição de alguns conhecimentos de natureza puramente teórica e demasiadamente genéricos, não permitindo também a instrumentalização e a capacitação dos sindicalistas para a prática.
Por conta disso, as ações sindicais implementadas são normalmente alheias à realidade específica, desmotivando ainda mais os trabalhadores a participarem do Sindicato. Muitas vezes, os responsáveis por conduzir o processo de formação têm dificuldades para orientar a leitura da realidade. a elaboração de planos de trabalho, o monitoramento das ações. a administração dos recursos do Sindicato (baseando-se nos princípios da transparência e da eficácia). a distribuição de responsabilidades e funções que resultem num efetivo exercício da democracia interna. a elaboração de propostas qualitativas para a negociação com seus interlocutores (o Estado. os patrões etc.). E tudo isso, obviamente. contribui de forma relevante para o emperramento das ações e, conseqüentemente do avanço do próprio movimento sindical que continua se alimentando de um conjunto de práticas e concepções atrasadas e superadas que só agravam a situação de crise.
Outra problemática relacionada à questão da formação diz respeito à dificuldade que o MSTR tem enfrentado quanto à disponibilidade de assessoria permanente compatível com as novas exigências:
As assessorias do MSTR. sejam as orgânicas ou aquelas que se vinculam diretamente a outras entidades (em geral. as ONGs) não têm conseguido, de forma sistemática, realizar estudos e pesquisas que ajudem os sindicalistas na compreensão da realidade, - sistematizar experiências realizadas pelos sindicatos, especialmente aquelas mais inovadoras; colaborar na elaboração de propostas, programas e projetos que dêem aos trabalhadores perspectivas de equacionamento dos seus problemas,- realizar estudos que contribuam para a formação teórica dos dirigentes sindicais a partir da sua própria realidade; formular e implementar programas de formação que favoreçam o enfrentamento da crise atual; sugerir experiências inovadoras que possam trazer novas pistas para a ação sindical eficaz.
As assessorias têm enfrentado dificuldades para conseguir que os dirigentes, lideranças e militantes sindicais adquiram o hábito de procurar conhecer a conjuntura e os desafios por ela propostos, o que dificulta e até impede a atuação do Sindicato dentro de uma perspectiva histórica e condizente com a realidade de cada momento.
Muitos dos limites dos assessores são também repassados aos dirigentes. Não raras vezes se perdem em discussões genéricas e abstratas, de menos importância, e não conseguem operacionalizar muitas das questões e propostas que surgem, ou mesmo encontrar soluções para os problemas cotidianos, Há, ainda, o agravante de que muitos dos assessores colocam em primeiro plano as suas divergências internas, gerando dificuldades políticas e operacionais para o movimento, - o emperramento das ações, já que muitas vezes não se encontram saídas consensuais para as questões polêmicas, e a confusão que se estabelece entre os trabalhadores que não compreendem as razões nem os fins das divergências dos assessores.
Problemas da ação sindical
Descompasso entre discurso e prática: muitos dirigentes sindicais avançaram, passaram a ter uma visão crítica da realidade. Filiaram os respectivos sindicatos à CUT, mas não renovaram sua práticas. Mantêm um discurso avançado, muitas vezes revolucionário até, mas uma prática tradicional e profundamente conservadora. Não contribuem para maior aglutinação de forças e para o fortalecimento do processo sindical como um todo:
Apego ao assistencialismo: grande parte dos sindicatos não descobriu, ainda, formas e estratégias de ação sem a presença de atividades assistencialistas. Assim, não conseguiu romper com o modelo sindical que funcionava exclusivamente firmado nessa proposta, "obrigando-se" a manter, ainda hoje muitas atividades puramente assistenciais como estratégias de sobrevivência do Sindicato;
Essas atividades são realizadas da forma tradicional, completamente desvinculada de um processo político-educativo. Os serviços de saúde e da previdência, por exemplo, poderiam ter um tratamento político mais conseqüente, além da simples prestação de serviços, atuando como fatores de mobilização da sociedade frente ao poder público, pela garantia dos direitos dos trabalhadores.
A grande maioria dos sindicatos de trabalhadores rurais foi fundada na década de 1970, após a instituição do FUNRURAL para implementar o projeto assistencialista idealizado pela ditadura militar para os trabalhadores rurais, e por iniciativas de representantes de outros segmentos sociais (prefeitos, padres, delegados de polícia etc).
Diante da completa inexistência, de serviços públicos voltados para a assistência da população rural, atendimento médico-odontológico instalado dentro dos sindicatos ou noutras instalações da sua responsabilidade direta, mesmo de má qualidade, era sempre bem-vindo pela grande massa de trabalhadores carentes. Por razões internas do movimento sindical mas, principalmente por limitações impostas pela conjuntura da época, não foi possível ampliar o sentido das ações, imprimindo a dimensão político-educativa a todo trabalho.
A época, implementar ações inovadoras capazes de ultrapassar o assistencialismo imposto era tido como algo impossível para o conjunto dos sindicalistas, com poucas exceções: sindicatos urbanos mantiveram (como mantêm até hoje) programas de atendimento médico-odontológico e educacional para os seus associados, sem enveredar pelos rumos do assistencialismo puro e simples Esses sindicatos têm conseguido direcionar os serviços assistenciais para a ação propriamente sindical;
Por força também de circunstâncias próprias da época, não se procurou debater e encontrar possíveis brechas nos programas implementados que pudessem imprimir uma nova perspectiva, fortalecendo o sindicalismo a partir das ações desenvolvidas. Pelo contrário, investiu-se "por decreto" na eliminação de todos os programas assistenciais, deixando ao desamparo toda a massa de trabalhadores que simplesmente não compreendia as atitudes dos dirigentes sindicais contrárias às ações assistenciais que de alguma forma lhes traziam benefícios.
Isso contribuiu, significativamente, para maior desmotivação dos trabalhadores despolitizados para continuarem participando do Sindicato:
Com o declínio dos programas assistencialistas, sob responsabilidade dos STRs., dirigentes e assessores sindicais não conseguiram reciclar politicamente suas práticas, sobretudo frente às políticas públicas sociais, revelando uma grande incapacidade de inovação nas formas de lutas e de mobilização dos trabalhadores para conquistas concretas. Esta situação aprofundou ainda mais a falta de perspectivas para a ação sindical,
As iniciativas de mobilizações reivindicatórias que contaram com algum respaldo e razoável nível de participação dos trabalhadores, com exceções, são aquelas que apresentam maiores possibilidades de algum retorno imediato a exemplo das campanhas salariais nas áreas de assalariamento, das lutas por sementes, crédito, etc. nas regiões de pequenos produtores.
A setorização da realidade: constata-se uma tendência entre as direções sindicais para tratar a realidade deforma setorizada, considerando isoladamente aspectos que são interrelacionados, como por exemplo: condições de saúde, meio ambiente, educação, cultura, afetividade, produção agrícola.
Predomina no interior do MSTR a análise setorizada, com o agravante que alguns aspectos recebem priorização absoluta, a exemplo da dimensão Política, em alguns casos e apenas a econômica em outros.
Essa visão traz conseqüências sérias para o sindicalismo que, ao absolutizar uma dimensão, transfere para outras organizações a responsabilidade sobre as demais. Como exemplo, temos a formação de Associações de Pequenos Produtores, para cumprir a função econômica, inclusive na condução de lutas específicas para esse setor.
Atribuir aos sindicatos apenas uma função política é um grande equívoco, já que a vida dos trabalhadores está, de forma direta, vinculada a outras dimensões: econômica, educacional, cultural, etc. É do salário ou da terra que cultivam, que retiram o seu sustento; é a partir da instrução que possuem, das informações ao seu alcance, da sua cultura, das relações que estabelecem com os outros que “constroem” sua visão de mundo.
O movimento sindical precisa incorporar, na sua prática, essa visão mais global da realidade para poder, também, desenvolver ações que contemplem o todo. Caso contrário, ficará ainda mais difícil superar a crise.
Falta de uma política que trate a questão da mulher trabalhadora rural como uma questão sindical: os períodos de maior presença da mulher no cenário social e político coincidem com os de outros movimentos sociais e de maior espaço democrático no país. São os casos do final da década de 1920 e inícios da seguinte, quando as mulheres chegaram a se organizar numa Federação Nacional, cuja bandeira principal de luta era o direito de poder votar e ser votadas, o que conquistam em 1932; nova ascensão se registra a partir de meados da década de 1940 com a redemocratização do país,finais da década de 1950 e inícios da seguinte e, por último, a partir de finais da década de 1970 quando a ditadura militar já se encontrava em crise.
Mas as discussões sobre a mulher nunca empolgaram amplos setores da sociedade, restringindo-se a grupos minoritários, especialmente formados por políticos e intelectuais. Com o restabelecimento da democracia surgem diversos "movimentos de Mulheres" com variados matizes ideológicos. Alguns se voltam para propostas mais amplas, introduzindo como temática central: a questão das relações de gênero que abrange também os homens no conjunto das discussões, mesmo guardando as especificidades da mulher, sua vida, seu papel no processo de reprodução, seu corpo, sua sexualidade, as discriminações a que estão sujeitas etc. Compreendem, esses movimentos, que não são os homens, enquanto gênero masculino, os responsáveis pela opressão da mulher e que eles, também, são vítimas de um modelo de sociedade que nutre e procura preservar toda uma cultura machista.
Apesar desse esforço, o Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais que tem hoje, em muitas localidades, movimentos de mulheres como principal sustentáculo da organização sindical, não incorporou essa discussão no seu cotidiano. Ao contrário, o próprio movimento sindical considerava, até pouco tempo atrás, a mulher como dependente do esposo, evitando e mesmo impedindo a sua sindicalização.
Existem casos, isolados, de entidades sindicais que incorporaram a discussão de gênero entre suas prioridades e o resultado disso foi uma maior dinamização dos movimentos de mulheres e do próprio movimento sindical.
Na maioria dos casos os sindicalistas ou insistem em ignorara questão de gênero ou, mediante pressão das mulheres, a reconhecem e admitem a criação de instâncias formais na estrutura sindical, a exemplo de comissões ou departamentos de mulheres, mas os mantêm alijados do processo decisório no interior dos sindicatos.
A cultura machista predominante na sociedade, incorporada também pelas mulheres, é um empecilho concreto para a introdução da questão de gênero nos sindicatos. É sintomático que a grande maioria dos dirigentes seja constituída de homens.
O fato dos sindicatos não assumirem como prioridade a questão de gênero torna o sindicalismo ainda mais frágil e vulnerável, reduzindo seu grau de importância e credibilidade junto às mulheres, que se organizam em movimentos autônomos e independentes.
As lutas das mulheres na busca do reconhecimento de direitos e de espaços no MSTR, têm se acentuado nos últimos anos, demonstrando sua capacidade de organização e mobilização para afirmar sua importância nas diversas instâncias do movimento, e impulsionar lutas mais gerais, assumindo, cada vez mais papel de liderança.
Sindicalismo Rural. Consultas Sindicais, CESE, 1994
Ler em grupos e trazer as questões mais importantes para a plenária
21. Desafios do Sindicalismo Rural nos Anos 90
Leonilde Servolo de Medeiros - Professora e Pesquisadora do CPDA/UFRJ
A proposta do presente artigo é indicar alguns dos traços que compõem a "cultura sindical" rural, e certos dilemas com os quais a organização dos trabalhadores hoje se defronta e que se referem à estrutura sindical (enquadramento, unicidade e âmbito de representação), à relação entre sindicatos e movimentos, aos novos temas que estão na ordem do dia e sobre os quais o sindicalismo está sendo obrigado a se posicionar. No final, pretendemos abordar algumas dimensões da relação CUT/CONTAG e da dinâmica sindical.
Estrutura Sindical: Enquadramento, Unicidade e Abrangência de Representação.
Com o golpe militar, em 1964, as diferentes categorias de trabalhadores, por exigência jurídica, fundiram-se, para efeitos de representação e organização sindical, numa só. Por determinação da Portaria 71 de 02/02/1965, do Ministério do Trabalho, passaram a existir, no campo, somente sindicatos trabalhadores rurais, envolvendo toda uma diversidade de situações. Essa imposição legal permaneceu até a Constituição de 1988 e foi através dela que se configurou a rede sindical rural.
Durante toda a década de 70, a CONTAG procurou se constituir como representante dessa categoria geral, através da luta por direitos e, principalmente, da demanda por reforma agrária, por ela politicamente trabalhada como bandeira síntese e unificadora das reivindicações dos diferentes segmentos sociais existentes no campo (Palmeira, 1985).
Quando a CUT surgiu, em 1983, abrindo espaço para uma articulação mais sólida e permanente das inúmeras "oposições sindicais" que emergiram no campo, desde final dos anos 70, a partir da crítica às práticas contaguianas e à estrutura sindical vigente, apropriou-se dessa tradição ampla de representação. Surgiu então, como pólo aglutinador dessa articulação, uma Secretaria Nacional de Trabalhadores Rurais, posteriormente transformada no Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais.
No entanto, já no início dos anos 80, evidenciava-se a enorme diversidade de situações, não só de trabalho como de lutas e demandas específicas, que vinham à luz através, ou não da ação sindical. Apareceram como identidades políticas nesse processo: -pequenos produtores", "assalariados", "canavieiros", "sem terra", "posseiros", "atingidos", "seringueiros", "fumicultores", "avicultores", "suinocultores", etc. A emergência dessas novas identidades trouxe consigo o questionamento das formas de organização e representação anteriores, explicitando as peculiaridades das demandas de cada uma delas, e resultando, em muitos dos casos, em formas organizativas, específicas, de caráter nacional, regional ou mesmo local.
Colocou-se, de forma mais premente, para o sindicalismo constituído na tradição de buscar representar o conjunto dos "rurais", a necessidade de expressar a diversidade das situações que se desenhavam. Em alguns casos, como o dos "assalariados" e dos "pequenos produtores", a forma sindical conseguiu, com graus diversos de eficácia, cumprir esse papel; em outros, foram os "movimentos" que ganharam, na disputa política, essa representação, colocando ao sindicalismo o desafio da relação tensa entre formatos distintos de organização (sindicato/movimentos). Ao mesmo tempo, a modernização tecnológica e a agroindustrialização foram fatores decisivos para o rompimento com a rigidez da separação agricultura/indústria, rural/urbano e trouxe a necessidade não só de se problematizar a especialização crescente do trabalho no campo (por exemplo, o aparecimento de categorias como operadores de máquinas; a dedicação mais intensa, por parte de pequenos produtores, a algumas atividades, por força da integração aos complexos agroindustriais, etc.), como também a organização por ramos de produção, em alguns casos considerada condição para o sucesso de determinadas lutas. No caso da agroindústria, por exemplo, algumas lideranças sindicais têm levantado a necessidade de refletir e atuar sobre os elos que articulam os trabalhadores braçais, da parte agrícola (cortadores de cana), com os operadores de maquinas, motoristas e com os que se localizam na parte industrial do processo produtivo (Alves, 1991). Surgiu ainda a necessidade de inventar novas formas de luta, a partir das relações de novo tipo que se estabeleceram a partir da integração dos pequenos produtores aos complexos agroindustriais. Não por acaso, os fumicultores do Rio Grande do Sul chamaram de "greve" às suas primeiras manifestações de bloqueio às fábricas, no sul do país (Iório, 1993) e os suinocultores e avicultores de Santa Catarina pensaram em formas de relação com as empresas que supusessem algo semelhante a um contrato coletivo de trabalho.
Colocou-se para o sindicalismo "rural" a necessidade de expressar as diversas situações surgidas. Mas há sinais de exaustão de um modelo de representação que, em sua estrutura, não consegue operar com base nessa diversidade.
A observação desse processo não permite fazer afirmações sobre uma tendência única para o sindicalismo. As experiências de sindicatos por categorias específicas ("empregados rurais", "fumicultores", "suinocultores") indicam que esse caminho vem encontrando dificuldades de reconhecimento tanto pelo setor patronal como pelo aparato judiciário. Em função disso, sua consolidação vem sendo obstaculizada, na medida em que esses experimentos não estão resultando em ganhos políticos significativos para os trabalhadores, o que coloca em pauta a questão da produção da adesão dos trabalhadores a essas formas sindicais (Offe, 1985). Mesmo assim, parece reforçar-se no segmento cutista do sindicalismo rural a indicação do sindicato por categoria (assalariados, pequenos produtores, etc) como uma alternativa, restando a discussão de como seria feita a representação vertical (uma única federação/ departamento por estado e a nível nacional ou uma para cada categoria?). Embora nada esteja maduro, sem dúvida a recente aproximação CONTAG/CUT, aponta para a manutenção da forma unificada de representação, pelo menos a nível estadual e nacional.
A CONTAG, por sua vez, não dá indicações de disposição em abrir mão da representação que arduamente construiu nos últimos 30 anos, e que a tornou uma espécie de central sindical rural. Mas há sinais claros de exaustão de um modelo de representação que, em sua estrutura, não consegue operar com base nessa diversidade. A reorganização, a partir do V Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, realizado em 1991, da entidade em secretarias por categorias, num modelo semelhante ao do DNTR/CUT é, no entanto, um dos indicadores de sensibilidade aos desafios dos novos tempos.
Há, ainda, outras questões em jogo, referentes à estrutura sindical, que tensionam o sindicalismo rural. No que se refere à unicidade, defendida pela CONTAG e criticada pela CUT, ela não necessariamente se coloca como um ponto de confronto efetivo. Na medida em que a tendência é a de disputar as estruturas existentes, a pluralidade sindical aparece, antes de mais nada, como uma questão de princípio, mas que não se coloca como bloqueio à política sindical a curto prazo.
No entanto, não há como negar a realidade da pluralidade de representação de interesses, pelo menos em alguns segmentos. Essa pluralidade não se dá, estritamente, sob a forma sindical, mas sob a forma de "movimentos", o que não torna as relações menos complexas. É o caso do Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem Terra (MST) que, na década de 80, se impôs na cena política como porta-voz dos "sem terra" e que hoje não pode ser ignorado em qualquer discussão sobre luta por terra e reforma agrária. O reconhecimento de sua forte presença, nesse campo, é explicitado nas resoluções quer do V Congresso da CONTAG, quer dos Congressos do DNTR/CUT. Algo semelhante ocorre em relação ao Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) ou com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) que, apesar de ter vínculos, por vezes, em algumas regiões, bastante estreitos com os sindicatos, obtiveram um espaço próprio de representação e reconhecimento, não só em relação aos trabalhadores do campo, mas frente a outros segmentos da sociedade.
Um outro tema em pauta está referenciado ao âmbito geográfico/administrativo da representação. Tradicionalmente, também por força da legislação, o sindicato de trabalhadores rurais tem base municipal. Os que defendem a continuidade dessa forma (e há defensores tanto na CUT quanto na CONTAG) partem do princípio de que o sindicato constitui-se numa força frente aos poderes locais. Esse argumento se reforça com o fato de que, mais recentemente, os debates em torno do significado da descentralização, para a qual aponta a Constituição de 1988, tendem a indicar a revitalização do município como espaço político para a ação sindical, abrindo novas possibilidades de atuar como fonte de pressão sobre as prefeituras. Isso se dá não só em situações referentes às demandas ligadas à produção familiar, inclusive de assentados, mas também em relação a temas para os quais os sindicatos vêm, crescentemente, se voltando, como saúde, educação, etc.
Os que criticam o sindicato de base municipal argumentam, entre outras coisas, que o fato das empresas, em muitos casos, terem atuação para além do município dificulta a luta sindical. Ou seja, muitas vezes, os trabalhadores de um município vão, em grande número, trabalhar em outro, como é o caso das "cidades-dormitórios" da zona canavieira paulista. São recorrentes também as situações em que a agroindústria mantém relações de integração com produtores de diversos municípios. Frente a isso, aponta-se que uma base regional, ou mesmo estadual, pode agilizar o encaminhamento de uma série de reivindicações e ser mais eficaz politicamente. Há que se considerar, todavia, que, para além desses argumentos fundados na "luta", qualquer alteração quanto ao formato municipal da representação sindical afeta, diretamente, os interesses dos sindicalistas e da burocracia sindical constituída, trazendo novos pontos de atrito, dificilmente explicitados em todos os seus termos, nos debates.
Relação Sindicatos/ "Movimentos"
Apesar de uma série de dificuldades, o sindicato tem sido o porta-voz, por excelência, das lutas salariais e, em grande medida, das demandas dos pequenos produtores, de tal forma que hoje vem se constituindo no campo sindical, como objeto particular de reflexão e de intervenção política, uma questão da produção", referenciada à problemática de crédito agrícola, tecnologias, comercialização, sustentabilidade, etc. Mesmo neste caso, no entanto, as experiências são diferenciadas e, muitas vezes, é possível constatar uma convivência tensa com o crescimento das formas associativas de organização, produto da dificuldade que, em muitos lugares, o sindicalismo encontra para estabelecer relações entre a pauta mais geral, de crítica ao modelo de desenvolvimento, e as demandas mais imediatas dos produtores, vitais para sua reprodução (Pacheco e Leroy, 1991). Há inúmeros casos de convivência frutífera, com divisão relativamente harmoniosa de trabalho, e casos de competição, na medida em que as associações produzem novos líderes e colocam novos questionamentos para a ação sindical. Não deve ser menosprezado, nesse quadro, o esforço de "tomada" de cooperativas, que, em diversas localidades, têm, no sindicato, seu estimulador.
Já apontamos, acima, que a relação sindicatos/"movimentos" é necessariamente carregada de tensões por que ela tem como pressuposto a pluralidade de representação dos interesses de, pelo menos, alguns grupos de trabalhadores. Isso fica mais claro quando se pensa no alto grau de institucionalização que alguns dos “movimentos” apresentam, como é o caso, por exemplo, do MST .
Seja por sua maior agilidade decisória, ou pelas concepções políticas e pelas práticas impulsionadas, o fato e que parte dos trabalhadores rurais têm se feito ver e reconhecer, na cena política, a partir dos "movimentos" e não do sindicato.
Seja por uma maior agilidade decisória, seja por suas concepções políticas e pelas práticas que conseguem impulsionar, a realidade é que alguns segmentos dos trabalhadores do campo têm se feito ver e reconhecer, na cena política, a partir dos "movimentos" e não do sindicato. Para isso, os "movimentos" têm tido a capacidade de produzir e reproduzira adesão de seus representados, o que só é possível através de ganhos nas lutas que conduzem. As ocupações de terra e as desapropriações que se obtiveram, o reconhecimento do MAB nas negociações sobre barragens, a constituição das reservas extrativistas constituem alguns dos exemplos desses ganhos.
São também os "movimentos" que mobilizam a rede necessária de apoios a algumas lutas, muitas vezes a malha sindical sendo considerada apenas como mais um desses apoios. Queremos ressaltar que não se trata de uma incapacidade "congênita" do sindicalismo para tratar de determinadas questões, mas de formas distintas de compreendê-las e de encaminha-las, levando a que, em situações históricas específicas, outras formas de representação tomassem a sua frente e se legitimassem como porta-vozes de determinadas categorias. Talvez se possa falar, mais corretamente, da existência de uma complementariedade de ações de sindicatos e "movimentos", no plano mais geral, o que, obviamente, não significa ausência de tensões e conflitos em outros planos (Esterci, 1991).
Do ponto de vista da questão fundiária, o que se observa é que, embora a reforma agrária apareça como bandeira tanto da CONTAG como do DNTR/CUT, é o MST que tem criado os fatos políticos que colocam a luta pela terra na ordem do dia e explicitam, politicamente, a existência de segmentos que, de outra forma, estariam, simplesmente, emersos na contabilidade dos "miseráveis" do campo. Nesse processo, ele também teve que aprender a lidar com a tensa dinâmica da relação de oposição/negociação com o Estado, antes experimentada somente pelo sindicalismo. Desse ponto de vista, a década de 80, ao mesmo tempo em que mostrou a importância das ocupações de terra, também revalorizou a importância dos marcos legais como caminho para a ação política.
Novos Temas
Alguns outros temas têm sido objeto de debate no interior do sindicalismo. Nos últimos anos, tem se tornado cada vez mais polêmica a oposição entre sindicalismo propositivo e sindicalismo reivindicativo, na medida em que muitos sindicalistas argumentam que acabou o tempo em que o protesto e a denúncia eram formas de ação possíveis. Cada vez mais se observa, em especial no sindicalismo cutista, a afirmação da necessidade de pensar em termos de propostas e de um “novo modelo de desenvolvimento”. Apesar de que os traços desse modelo são fundamentalmente definidos pela negação do atual, há alguns sinais de positividade que começam a ser delineados. Dentre eles, destaca-se o que hoje parece ser a principal preocupação do DNTR/CUT: a ênfase na produção familiar como sustentáculo da agricultura brasileira. E isso também não se constitui em novidade visto que a trajetória da CONTAG pautou-se pela defesa da pequena produção. Um dos ângulos novos talvez seja o fato de que o tema começa a ser cada vez mais solidamente articulado com a discussão da questão ambiental, iniciando-se um questionamento da concepção de progresso que sustentou e ainda vem informando, em grande medida, inclusive a concepção de desenvolvimento das entidades de representação dos trabalhadores do campo.
No entanto, é necessário lembrar que, pelo menos no que se refere ao meio rural, onde as carências de todo o tipo são particularmente acentuadas, de há muito as reivindicações assumiram um caráter de proposição, antes mesmo que o debate se colocasse, na sociedade, nesses termos. Para não nos estendermos demais, remetemos aos diversos Anais dos Congressos de Trabalhadores Rurais, onde aparecem demandas referentes a políticas agrícolas, previdenciárias, condições de trabalho, habitação, saúde, educação, etc. que, embora não expressas exatamente numa proposta articulada, contêm um conjunto de elementos que apontam para um programa de ação, em relação ao campo.
Na preocupação com o propositivo parece contara experiência, cada vez maior, dos sindicatos, em diversos organismos estatais, especialmente nas esferas municipais, que têm colocado, fortemente, a necessidade da negociação, de alianças e de formas mais eficazes e menos formais de participação.
Por outro lado, como é possível pensar em secundarizar as denúncias e protestos, num contexto em que parte significativa dos trabalhadores rurais vive em condições de miséria absoluta e à margem do mundo das leis? As recorrentes evidências de trabalho "escravo", as práticas de violência no campo, o desrespeito generalizado aos parâmetros mínimos da legislação trabalhista, a exploração do trabalho infantil são indicadores da importância que a denúncia ainda tem. É ela que coloca à luz do dia a face oculta da modernização e indica que o sindicato precisa falar dos setores organizados, que estão à sua volta, mas também de um vasto contingente que está à margem da organização sindical e dos direitos.
Relações CUT/CONTAG
Desde sua consolidação, o siridicalismo cutista disputou diversas federações, em alguns casos, através de chapa própria, em outros, por composição. Em 1991, a disputa estendeu-se à CONTAG, também culminando numa composição.
Se no final dos anos 80, no campo cutista, falava-se que a CONTAG Ja não tinha mais fôlego político, hoje, o próprio fato dela ser disputada (e arduamente disputada), mostra seu significado. Significado que ora aparece relacionado à infraestrutura material de que dispõe, ora ao patrimônio político e histórico que ela representa para os trabalhadores rurais.
A experiência de composição política entre linhas sindicais distintas na direção da CONTAG teve efeitos diferenciados. Um deles foi o estímulo a um processo, que já vinha em curso, de disputa de federações, em alguns casos, privilegiando-se estas em detrimento da construção dos departamentos estaduais de trabalhadores rurais. Sem dúvida, falta uma avaliação cuidadosa do que foram essas experiências e quais as suas implicações do ponto de vista do fortalecimento das condições de barganha dos trabalhadores do campo. No que diz respeito às concepções cutistas, a simples presença de algumas de suas lideranças, na direção, não trouxe mudanças visíveis na prática da CONTAG. No entanto, há mudanças na sua estrutura de gestão, como é o caso, por exemplo, da constituição de secretarias por frente de luta, que agilizam a tomada de decisões, mas que também deveriam ser avaliadas no sentido de ver até onde foram capazes de produzir uma maior descentralização decisória e ganhos efetivos em termos de encaminhamento das lutas sindicais.
A questão que fica é até onde a cultura sindical dominante no campo está sendo modificada, uma vez que para isso é preciso mais do que a disputa pelo controle de aparelhos e mudança de pessoas. Ela envolve novas práticas, a forma da presença sindical junto aos trabalhadores e às lutas, percepção e sensibilidade para as transformações em curso. E, nesse plano, as dificuldades parecem ser muitas.
No geral, qualquer conversa com sindicalistas ou presença em reuniões aponta para a dificuldade na obtenção de adesão. Sindicatos esvaziados, não pagamento das taxas, ausência nas poucas assembléias realizadas são reclamações constantes. Essa percepção dos sindicalistas sugere que nos indaguemos sobre a natureza das práticas sindicais. Em várias situações, rompido, por vezes abruptamente, o assistencialismo sindical, sempre criticado como marca da prática contaguiana, constatou-se o abandono do sindicato por um grande número de associados, o que sugere, possivelmente, dificuldades dos sindicalistas em se sintonizarem com as demandas dos trabalhadores e de as traduzirem em uma linguagem capaz de ser mobilizadora. Sem dúvida, muitas vezes, ansiosos por trazer às "bases" as "grandes questões", os sindicalistas deixaram de transformar, em questões sindicais, as carências cotidianas.
Um outro elemento a ser indagado é a persistência do presidencialismo que, fortemente arraigado na cultura sindical, limita a participação dos associados e dos demais membros da diretoria. No entanto, seria ingênuo ignorar que a persistência do presidencialismo e da centralização decisória são mecanismos através dos quais as lideranças se constituem e acumulam um capital que lhes garante uma situação de poder e não podem ser alterados por simples ato de fé democrática. Ao mesmo tempo, em função da vitalidade da própria cultura sindical, o que os trabalhadores demandam é a presença da figura do presidente, autoridade frente seus pares e considerado o único interlocutor válido.
O fato da CONTAG, hoje, ser disputada arduamente, mostra seu significado. Resta saber até onde a cultura sindical, no campo, está sendo modificada, pois, para isso, e preciso mais do que a disputa pelo controle de aparelhos e mudança de pessoas.
Para pensar as dificuldades dos sindicatos, há que trazer ainda à discussão alguns aspectos do processo de formação de lideranças. Muitas vezes, a rápida ascensão de direções para o plano regional, estadual ou nacional ou mesmo a sua conversão para a luta político-partidária, tem deixado um vazio nas localidades. O tempo de formação de líderes é longo e tortuoso, não bastando para isso as sucessões de cursos e de informações. Por outro lado, há toda uma cultura centralizadora e pouco participativa (não só no sindicalismo, mas como um traço da sociedade brasileira), que torna ainda maior a dificuldade de geração de novos quadros, no ritmo que a reprodução sindical exige. O resultado é a produção de vazios políticos, que desmobilizam os trabalhadores e os afastam do sindicato.
8o Dia
Recordar o estudado no encontro anterior
Ler em grupo e trazer os aspectos mais importantes para a plenária
22. O modelo tecnológico da agricultura brasileira
Ênio Gutierres, Frei Sérgio A. Görgen, Frei Flávio Vivian
I. Um pouco da história da agricultura brasileira até 1960
a) Agricultura Indígena
Há 500 anos atrás quando os portugueses desembarcaram o começaram a tomar conta do Brasil, os índios que viviam tinham o seu jeito de sobreviver e de produzir. Como a natureza era cheia de fartura e a população era pequena, os índios se alimentavam usando quatro meios:
Pesca: o peixe fazia parte da alimentação da maioria das tribos, que normalmente se instalavam à beira de rios.
Caça: com a abundância de animais silvestre, os índios consumiam carne de caça e não ameaçavam a extinção dos animais.
Coleta: as comunidades indígenas coletavam, isto é, ajuntavam alimentos na natureza, como frutas, raízes, folhas, grãos e com eles faziam seus alimentos.
Cultivos: os indígenas no Brasil já cultivavam a mandioca e o milho quando os portugueses aqui chegaram no ano de 1500. Mais tarde os índios guaranis fundaram uma República Guarani no sul do Brasil, onde a propriedade era comunitária, a economia funcionava para o bem de toda a sociedade, existiam 7 cidades (chamadas de “sete povos”).
Nos Sete Povos além da pesca, caça, coleta e do cultivo do milho e mandioca os guaranis também cultivavam a erva-mate, o feijão, hortaliças as mais diversas e criavam gado. Foram justamente as enormes e ricas estâncias coletivas de gado dos guaranis que despertaram a cobiça dos espanhóis e portugueses que atacaram a República Guarani e a destruíram. Os índios resistiram heroicamente sob o comando do Cacique Sepé Tiaraju. Lutaram bravamente contra os exploradores e tombaram gritando: 'Esta Terra tem Dono'.
b) Monocultura de Exportação
Nas terras roubadas dos índios os colonizadores implantavam grandes plantações de exportação para a Europa, utilizando mão de obra escrava trazida da África. Fizeram os grandes ciclos da monocultura, que é o plantio de um único produto numa vasta região, do tempo da escravidão. Os principais foram o café, a cana de açúcar e o cacau. Depois entrou também na pecuária produzindo charque e couro. Combinava três coisas: grandes propriedades, trabalho escravo e produção para exportação.
c) Surge o Pequeno Agricultor
Estas grandes propriedades produziam para exportar, mas precisavam de alimento para se sustentar. Não dava para importar tudo o que consumiam. Começavam também a surgir as primeiras cidades do Brasil. E esta gente não comia só açúcar, charque e cacau e não tomava só café. Precisavam de outros alimentos para colocar na mesa. Assim começa, ao redor das grandes fazendas de monocultura, a produção camponesa, a produção dos pequenos agricultores, a agricultura feita com a mão de obra da própria família, hoje chamada de agricultura familiar.
Esta agricultura desde o seu início abastecia o mercado interno, colocava a comida na mesa dos brasileiros.
Era feita em terra alheia, pagando renda, pois os grandes proprietários não permitiam que estes pequenos agricultores se tornassem proprietários das terras que cultivavam.
Não tinham apoio dos governos da época. Produziam com suas próprias forças e com seus próprios meios.
Produziam para sua subsistência e o que sobrava levavam para vender nas fazendas e nas cidades. Sempre sobrava bastante e mesmo sem apoio nenhuma, abasteciam a população. Os famosos carros de boi levavam os produtos da roça até às cidades e às fazendas.
Faziam uma agricultura muito variada com muitos tipos de produtos e de animais.
Era uma agricultura que usava tecnologias muito simples, basicamente com o trabalho braçal, a tração animal, a rotação de culturas, o descanso da terra por algum tempo para recuperar a fertilidade e a coivara (queima da capoeira ou da mata para fazer o plantio).
O abandono destes agricultores por parte dos governos e da sociedade em geral era brutal. Não tinham escola, não tinham acesso à saúde (resolviam seus problemas de saúde com chás caseiros) e não tinham apoio para produzir.
O pequeno agricultor proprietário de sua terra só acontece muito tarde na história do Brasil. Os primeiros são os posseiros, aqueles que cansavam de trabalhar em terra alheia e iam mato adentro para terras sem dono onde se estabeleciam e começavam a trabalhar. Alguns conseguiram legalizar estas terras e tornar-se pequenos proprietários. A maioria depois era expulso pelos grandes proprietários que vinham tomar estas terras depois que o pequeno agricultor já tinha desbravado e tornado a terra boa para a agricultura ou pecuária. Depois foi a vez dos imigrantes italianos, alemães, poloneses, austríacos, japoneses, holandeses e outros. Os primeiros imigrantes foram trazidos para substituir os escravos nas fazendas de café. Mas isto gerou protestos e corno as cidades cresciam e precisava aumentar a produção de alimentos para o consumo interno do país, o governo começou a assentar em pequenas áreas de terras públicas (do governo) os colonos europeus que estavam sem terra na Europa e vieram para cá recomeçar a vida.
d) A Revolução de 1930
Com a Revolução de 1930 cresceram as indústrias no Brasil, com investimentos diretos do Estado (governo) no desenvolvimento do País. Isto fez aumentar as cidades e muita gente abandonou a roça. A economia do país cresceu, o consumo de alimentos aumentou e isto fez aumentar a produção agrícola. A Revolução de 30, liderada por Getúlio Vargas, priorizou o mercado interno e a substituição de importações. isto obrigou o país a desenvolver a produção agrícola aumentando a quantidade e variedade dos alimentos para abastecer o povo brasileiro, o mercado interno, E a maior parte da produção de alimentos para abastecer o mercado interno passou a ser feita pelos pequenos agricultores. Mas, a Revolução de 30 não fez a Reforma Agrária, não distribuiu os latifúndios. Manteve a concentração da terra. Getúlio Vargas, um grande fazendeiro do Rio Grande do Sul, fez acordo com os grandes proprietários de terra para desenvolver a indústria brasileira sem mexer na classe dos latifundiários. Com o passar dos anos, a agricultura familiar, embora grande produtora de alimentes, estrangulou-se, pois os grandes proprietários sempre tiveram força demais e deram as cartas na política agrícola brasileira.
Apesar do abandono e da falta de apoio dos governos, a agricultura de economia familiar alimentou o Brasil durante toda a sua história.
2 - Modelo tecnológico e econômico adotado nos últimos anos A revolução verde
Depois da Segunda Guerra Mundial, que terminou em 1945, começaram a acontecer mudanças muito profundas na agricultura no mundo todo. Algumas invenções usadas na guerra, especialmente máquinas e produtos químicos, passaram a ser usados em larga escala na agricultura. Estas mudanças chegam no Brasil a partir dos anos após 1950, aumentando a modernização da agricultura brasileira, introduzindo a mecanização e os insumos químicos. Mas é nos anos após 1960 que entra em cheio no Brasil, trazida dos Estados Unidos, este novo modelo tecnológico de produção agrícola e pecuária, chamado REVOLUÇÃO VERDE.
Estas novas tecnologias mudaram completamente as formas de produzir e os jeitos de viver dos agricultores.
O Que é Revolução Verde?
Recebeu o nome de Revolução Verde porque mudou completamente o jeito de produzir na agricultura e prometia esverdear toda a terra com produção de alimentos. Os que criaram a revolução verde diziam que ela iria aumentar a produção e a produtividade agrícola, iria produzir tantos alimentos que acabaria com a fome no planeta terra. Na verdade a Revolução Verde é um Programa de Desenvolvimento do capitalismo na agricultura e na pecuária, que se baseia na produção voltada para o lucro e para o mercado, através:
- da genética vegetal com produção e multiplicação de sementes híbridas ou melhoradas, resistentes a doenças e pragas;
- da aplicação de novas técnicas agrícolas ou tratos culturais - aplicação intensiva de adubos químicos e venenos;
- da mudança da infra-estrutura agrícola e aplicação de mecanização pesada e intensiva em todas as atividades possíveis;
- da genética animal com animais de raças melhoradas, uso de antibióticos, hormônios e produtos químicos.
As formas usadas para fazer os agricultores entrarem na tecnologia da Revolução Verde e dominar suas consciências foram as seguintes:
Chamando de atrasadas e desmoralizando as formas de produção praticadas por muitos anos pelos agricultores;
Através da assistência técnica patrocinada pelos governos a serviço das grandes empresas de máquinas e produtos químicos que ensinavam aos agricultores as novas técnicas
Através do crédito rural pois só tinha crédito para plantar os produtos da monocultura (soja, trigo, etc), para comprar máquinas e ainda era obrigado a comprar o pacote todo (adubos e venenos) mesmo que não precisasse;
Através da formação de agrônomos, veterinários, técnicos agrícolas e extensionistas com as universidades e escolas agrícolas ensinando só o pacote da revolução verde; Criação de cooperativas empresariais, com apoio e dinheiro dos governos para levar o pacote da Revolução Verde - monocultura, sementes, fertilizantes químicos e venenos - até os agricultores.
As Fases da Revolução Verde
A Revolução Verde teve várias fases. Nós agora estamos entrando na terceira fase, que é a chamada Agricultura Científica, também conhecida como Agricultura de Precisão, Agricultura Biotecnológica ou Agricultura Transgênica. Mas é importante a gente conhecer as outras duas fases para entender bem como nos chegamos onde estamos hoje, pois quem conhece a História, sabe de onde vem e sabe decidir para onde quer ir.
a) A Primeira Fase da Revolução Verde - de 1960 a 1990
Características
Grandes lavouras de grãos - É o chamado modelo extensivo de agricultura onde a produção cresce aumentando a área plantada. e difusão de grandes lavouras de grãos.
Industrialização da Agricultura - Com a Revolução Verde, a agricultura virou uma atividade de empresários e ramo de negócios para as indústrias e revendas de máquinas, sementes melhoradas e insumos químicos - adubos e venenos. O produtor perde importância e força política e passa a ser cada vez mais explorado. A agricultura produz renda que fica na mão dos empresários e industriais e não retorna para quem produz.
Política de Crédito - Feita para financiar a indústria de máquinas, implementos e insumos e não o agricultor. O Crédito, voltado mais para os médios e grandes, obrigava o agricultor a plantar só alguns produtos, empurrando o povo para a monocultura, obrigava também a comprar todo o pacote tecnológico. É famosa a história dos agricultores que faziam o financiamento e eram obrigados a comprar veneno para a lagarta da soja antes de plantar e sem ter a mínima certeza de que naquele ano teria este tipo de praga na sua lavoura. Esta política de crédito ajudou muitos agricultores médios e grandes a comprar terra dos pequenos empurrando-os para as cidades. Hoje são estes médios e grandes que estão falidos com esta mesma política de crédito.
Monocultura - Todo o esquema montado levou o agricultor a pensar que ia ficar rico plantando um só produto, que é o que tinha financiamento, assistência técnica, a cooperativa para armazenar, sementes selecionadas, adubos e venenos à mão. Isto levou a monocultura em vastas regiões do país e os pequenos agricultores a se desfazer de suas culturas de subsistência. Plantavam um só produto e iam no mercado comprar o que consumiam. Começou a grande desgraça dos pequenos agricultores.
Assistência Técnica - Paga pelo governo, organizada em todo o país, mas feita para vender o pacote tecnológico da Revolução Verde. O papel dos técnicos era chegar até o agricultor e convencê-lo a abandonar completamente as formas de produção que ele conhecia e entrar na monocultura, usar o adubo químico, ficar dependente da mecanização pesada e usar venenos para controlar pragas e inços.
Conseqüências desta fase da Revolução Verde
- Êxodo Rural - monocultura e mecanização pesada reduzem o uso da mão-de-obra. Máquina substitui as pessoas. Expulsão acelerada dos pequenos agricultores da terra.
- Troca da adubação natural e orgânica pelo uso exclusivo da adubação química. Criou dependência dos pequenos agricultores com as indústrias de adubos e provocou graves prejuízos e desequilíbrios ao solo.
- Produção voltada à exportação - o agricultor passa a depender do mercado externo e não tem nenhuma segurança no preço de seu produto.
- Diminuição da produção de alimentos para o mercado interno, para o povo brasileiro. Aumentou a fome no Brasil.
- A agricultura passou a depender sempre mais dos bancos, dos financiamentos, para produzir. Criou dependência ao sistema bancário e levou ao endividamento dos agricultores.
- Crescimento da indústria de máquinas e implementos para a agricultura.
- Crescimento estrondoso de um cooperativismo agrícola imposto de cima para baixo, para implantar a monocultura e o pacote da Revolução Verde. Muitas Cooperativas Mistas dos agricultores são obrigadas a fechar e o governo impõe a criação de Cooperativas Trigo e Soja.
- Órgãos de assistência técnica criados e financiados para vender o pacote
b) Segunda Fase da Revolução Verde - de 1990 a 1999
A primeira fase da Revolução Verde entrou em crise porque:
a) Usou mal, desgastou e empobreceu o solo, diminuindo a produção e exigindo custos de produção cada vez mais caros e produção cada vez menor;
b) Endividou os agricultores, ficando cada vez mais dependentes do dinheiro dos bancos para produzir e os bancos começaram a cobrar juros cada vez mais altos inviabilizando a produção falindo os agricultores e dando lucro ao capital financeiro.
c) A produção intensiva não trouxe melhoria de vida para a maioria dos pequenos agricultores fazendo aumentar a pobreza na maior parte das regiões agrícola.
d) Apesar da propaganda, a fome no país não diminui.
Isto levou ao surgimento de uma nova fase dentro do mesmo modelo tecnológico da Revolução Verde, com as seguintes características:
Plantio direto com uso de herbicidas;
Rotação de culturas;
Construção de microbacias como técnica para contenção de erosão e conservação de solos;
Uso de novas máquinas e equipamentos mais sofisticados, incorporando a informática;
Busca o aumento da produtividade como forma de superar a crise da agricultura e dar resposta econômica aos agricultores;
Controle de inços com uso massivo de herbicidas;
Manejo de culturas próprias para cobertura do solo;
Passa da monocultura para a bicultura combinação de dois tipos de cultivos);
Uso maciço de inseticidas, fungicidas e herbicidas no controle de pragas e inços.
Conseqüências:
a) Necessidade cada vez maior de grandes investimentos determinados pelas indústrias de insumos, máquinas e produtos químicos, aumentando o lucro destas empresas, a dependência e o endividamento dos agricultores;
b) Exigência de maior especialização e profissionalização de acordo com este novo pacote passando a idéia de que só um agricultor profissionalizado dentro do esquema imposto pelas indústrias poderá ser competitivo.
c) Integração cada vez maior da produção com a agroindústria: grãos, carnes, frutas, reflorestamento, fumo, erva-mate, leite. O agricultor está cada dia mais vinculado e dependente das agroindústrias, tanto de insumos como de transformação da produção.
d) Os custos de produção e preços finais dos produtos passam a ser dados pelo mercado internacional - mercado globalizado - jogando a agricultura brasileira na concorrência do mercado mundial de alimentos. Na prática os custos de produção e os preços dos insumos aumentam e os preços dos produtos produzidos pelos agricultores baixam, pois tanto uns como os outros são controlados pelas mesmas grandes indústrias multinacionais.
e) O uso maciço de agrotóxicos cria novos desequilíbrios no solo e no meio ambiente com novas pragas e novos inços resistentes aos venenos já usados.
c) Terceira Fase da Revolução Verde - 2000
Características:
- Métodos rigorosos de controle da produção agrícola e pecuária, através de computadores e monitoramento por satélites. É a chamada agricultura científica, agricultura de precisão ou agricultura biotecnológica.
- Tudo acontece com o controle e a precisão de uma fábrica. Por exemplo, na produção de ovos, o alimento passa em frente às galinhas imóveis, através de correias, enquanto os ovos e o esterco saem por outras correias ou na produção de soja, saberemos quantos grãos foram plantados em um hectare e pode-se controlar ponto por ponto da lavoura onde produziu mais ou menos através de um computador que vem na colheitadeira capaz de acompanhar a quantidade produzida. Este computador, por sua vez, está ligado a um equipamento de geoprocessamento por satélite que mostrará exatamente em que local da propriedade produziu menos para descobrir que problemas o solo tem naquele local exato.
- Usa os recursos científicos da biologia molecular e da engenharia genética para fazer mudanças em laboratórios no núcleo vivo das plantas e dos animais - no gene - criando plantas e animais com características que não existem na natureza. São os transgênicos, plantas e animais com características genéticas feitas com tecnologia de laboratório.
- Aplicação destas tecnologias caras e controladas pelas indústrias multinacionais dos agroquímicos através de grades empresas agropecuárias ou da integração de alguns pequenos agricultores a algumas agroindústrias. A grande maioria dos agricultores, especialmente os pequenos e médios, estarão fora da produção com este modelo de tecnologia. A terceira fase da Revolução Verde vem para excluir os pequenos e médios que resistiram até agora.
O que é Biotecnologia de Laboratório?
São técnicas que usam organismos vivos ou parte deles para elaborar ou modificar produtos, plantas e animais. Visa modificar o código genético, o gene, o núcleo vivo das plantas e animais. Através do conhecimento do código genético, os cientistas, em laboratórios, fazem as transformações e recombinações, transferindo as características de um organismo para o outro, conforme o interesse de pesquisa. Assim fazem o Transgênico, a transferência de gene de um ser vivo para o outro. Fazem em laboratório porque a natureza por si mesma não faria ou levaria milhares de anos para fazer
É importante ter claro que este produto transgênico passa a ser considerado uma invenção e a empresa que o fez e dona desta tecnologia e cobrará por ela, coisa que não pode fazer com produtos da natureza.
Estamos entrando nessa nova fase.
As grandes indústrias multinacionais do ramo de alimentos, insumos agrícolas, agrotóxicos, biotecnologia, etc, querem impor ao mundo este novo modelo tecnológico porque através dele controlarão mais de 70% do mercado de alimentos negociados no mundo. Este modelo já foi implantado nos Estados Unidos e na Argentina. A Europa e a Índia estão resistindo e reagindo contra ele. O Brasil, como um país grande produtor de alimentos passa a ser um dos palcos principais desta disputa. Por isto tanta insistência em nos fazer engolir goela abaixo a agricultura transgênica.
Conseqüências (se este modelo for implantado)
- O controle das grandes empresas sobre os agricultores e sobre o mercado de alimentos será absoluto. Seremos escravos modernos das multinacionais.
- Dependeremos das grandes empresas para ter as sementes, os insumos, os venenos, a venda da produção, até o produto industrializado colocado nos supermercados.
Poucas grandes empresas multinacionais controlarão:
o Produção e venda das sementes;
o Produção e venda dos venenos e adubos;
o Financiamento da produção;
o Compra da produção;
o Industrialização da produção;
o Venda dos alimentos no mercado.
Os riscos
- Riscos à saúde humana, com grande alarme feito por vários cientistas famosos, de que produtos transgênicos são causadores de doenças.
- Riscos ao meio ambiente, com pesquisas já demonstrando prejuízos que os transgênicos causam na natureza, na biodiversidade e que poderão criar superinços e superpragas, isto é, inços e pragas que não mais morrerão com os herbicidas e venenos que são aplicados, pois ficarão cada vez mais resistentes.
- Uma nova onda de seleção e exclusão de pequenos e médios agricultores. Milhões de agricultores sobrarão, serão excluídos se esta nova fase da revolução verde for vitoriosa no Brasil, Aumentará a fome, o desemprego, o inchaço das cidades.
- Este modelo tecnológico é insustentável porque aumenta os problemas sociais, prejudica ainda mais o meio ambiente, não aumenta a oferta global de alimentos, aumenta a contaminação dos alimentos, aumenta os problemas de saúde da população, é caro para ser implantado e está voltado unicamente para o lucro de algumas grandes empresas.
Situação e perspectivas da agricultura brasileira. Cadernos de Estudo nº 2, 2000.
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23. Bases para transformação econômica e social no meio rural brasileiro
Esse texto é fruto da contribuição inicial do companheiro Horácio Martins, de outros intelectuais que participam de nossos movimentos e do debate havido na comissão nacional da Mobilização nacional dos trabalhadores rurais.
Introdução:
A nova política econômica neoliberal, implantada no país, a partir da crise do modelo de industrialização que se iniciou na década de 80, e que se consolidou a partir da unidade das classes dominantes brasileiras em torno do governo FHC (1994-2002) visava criar as bases para a implantação de um novo de modelo econômico, batizado como modelo de subordinação da economia brasileira ao capital internacional financeiro.
Nestes anos todos, da aplicação dessa política, teve como resultado o fato de que a economia não saiu da crise, ao contrário, há consenso entre os economistas de todas as correntes de que o Brasil perdeu a década de 80 e a década de 90. Ou seja, a produção não cresceu, nem acompanhando o crescimento da população, e, portanto houve um empobrecimento da sociedade brasileira como um todo. Pior, tal concepção de modelo econômico conduziu ainda, necessariamente, a um processo crescente de concentração da propriedade da terra, da riqueza e da renda, de desnacionalização da economia brasileira, através da venda das empresas estatais e mesmo grandes empresas nacionais (mais de 650 grandes empresas foram desnacionalizadas), de subordinação econômica, política e ideológica aos grupos monopolistas internacionais, de desmantelamento do Estado. O resultado foi um empobrecimento generalizado de amplas camadas da população brasileira e de crescentes problemas sociais, como o desemprego, a falta de moradia, de escolas públicas e o crescimento da violência social nas periferias das grandes cidades.
As estratégias e táticas de lutas populares para antepor-se a tal concepção de economia e de sociedade exige, minimamente, que alguns objetivos sejam definidos de forma a estabelecer-se referências para uma ação popular massiva para uma transformação substancial no campo.
1. Reforma agrária: Democratizar a posse da terra
A reforma agrária, como processo de ampla distribuição da propriedade da terra, a regularização fundiária e a ratificação de títulos de terras aos trabalhadores que já ocupam a terra, como posseiros, colocam-se como necessidade imediata não apenas para a democratização do acesso à terra e à produção, como para que se estabeleçam condições objetivas para a realização da justiça social e de cidadania no meio rural brasileiro.
Há 4,5 milhões de famílias potencialmente beneficiárias de uma reforma agrária, assim como as milhões de famílias de minifundiários, que exigem uma ação imediata de intervenção do Estado. Esta tese é defendida por todos os movimentos e organizações sociais populares e contam com o apoio de amplos setores da sociedade brasileira, especialmente na região urbana.
A democratização do acesso à terra pressupõe, também, medidas que ampliem o acesso aos atuais minifundiários e seus filhos, criando condições para sua viabilidade econômica. Isso poderá ser feito através do remanejamento territorial (reagrupamento e reassentamento dos excedentes) daqueles imóveis considerados como abaixo do modulo mínimo para tornarem-se econômica e sustentavelmente produtivos.
Essa democratização da terra, além de viabilizar o processo produtivo sustentável para milhões de famílias, contribui para que se crie uma estrutura fundiária democrática de pequenos e médios produtores rurais que também se transformam em guardiões da ocupação do território nacional e de nossa biodiversidade tão cobiçada pelas empresas multinacionais.
É necessário, nesse processo de mudanças, estabelecer um limite máximo para o tamanho de cada propriedade de terra agricultável, como condição indispensável para que a terra cumpra a sua função social e evite-se, dessa maneira, a crescente concentração da terra e da riqueza no campo. O estoque excedente de terras deverá constituir um fundo de terras para o bem comum, gerido pelo Estado e destinado à reforma agrária.
2. A reorganização da produção: Democratização do uso da terra em benefício de toda sociedade
O modelo econômico em implantação pelas classes dominantes induziu e induz pelas políticas macroeconômicas, em função dos interesses econômicos hegemônicos e na obtenção de divisas para o pagamento da dívida externa, a uma forma de uso da terra onde a monocultura de produtos destinados à exportação é a prioridade. A monocultura conduz à homogeneidade agroambiental, portando contrária à biodiversidade, e contribui para a degradação do solo e do meio ambiente. Por outro lado, a monocultura de cereais tem contribuído aceleradamente para a degradação de ecosistemas como o Cerrado, a Floresta Amazônica, o Pantanal e, amplo senso, a Mata Atlântica.
Tal modelo agrícola agroexportador e altamente dependente, não apenas de insumos importados ou de empresas monopolistas multinacionais, como altamente excludente do uso da força de trabalho direta.
Ao limite máximo da propriedade da terra dever-se-á acrescer o limite de área máxima em cada propriedade a ser destinada como cultivos de monocultura, e induzir que todos estabelecimentos agrícolas tenham áreas destinadas a produção de alimentos para o mercado interno.
Ademais, é fundamental que seja impedida a expansão da fronteira agrícola externa nas áreas hoje de Cerrados, Floresta Amazônica, Pantanal e Mata Atlântica através de uma alta tributação de novas áreas colocadas sob produção.
3. O estado deve ser gestor de políticas públicas que reorganize a agricultura e o meio rural em função da população
As políticas públicas do governo estão direcionadas para o desmantelamento do estado, e para o sucateamento do chamado serviço público agrícola, representado pelo apoio do estado na área de pesquisa agropecuária, assistência técnica, transporte e armazenagem, crédito rural e política de preços agrícolas.
Há um outro conjunto de políticas agrícolas que estão predominantemente dirigidas para a consolidação da grande propriedade agro-exportadora e para a monocultura extensiva. Os pequenos e médios proprietários de terra, os denominados pequenos produtores, são considerados como marginais no processo produtivo, e por tanto não recebem nenhuma política de apoio e sustentáculo, ao contrário, considera-se por parte do governo e das classes dominantes como em processo de desaparecimento.
A garantia da diversidade dos processos de produção, seja no que se relaciona com a propriedade da terra, seja quanto ao seu uso, exige políticas públicas diferenciadas em função do porte econômico das unidades de produção no campo. As pequenas e médias propriedades rurais, hoje existentes e aquelas que serão fruto da reforma agrária são as que efetivamente demandam maior força de trabalho direta e constituem o setor econômico que poderá equacionar a curto e médio prazos a questão nacional relacionada com a geração de ocupações produtivas e de renda. A chamada agricultura familiar e cooperativada é muito mais produtiva em termos de rendimento por hectare, em termos de produtividade da mão-de-obra e, em termos de valor da produção por hectare, em relação à grande propriedade. No entanto, não têm nenhum apoio ou subsídio por parte do Estado, que prioriza a agricultura da grande propriedade.
No processo de democratização das políticas públicas ou seja, o Estado deve proteger as pequenas e médias propriedades rurais através das mais diferentes políticas, que garantam um programa de subsídio para seu desenvolvimento e permanência no meio rural. Nesse sentido, assim como acontece em todos países desenvolvidos, os subsídios agrícolas, baseados na produção, devem ser encarados como investimento público de médio e longos prazos, com retornos sociais imediatos e econômicos de médio e longo prazos, não apenas para que se dê a distribuição de renda no campo, como para o equacionamento da questão do subemprego e desemprego estruturais crescentes.
Além desses aspectos relacionados com o processo produtivo é indispensável o incremento das defensorias públicas de maneira que os pequenos produtores e os trabalhadores rurais possam ter acesso gratuito à justiça na defesa de seus interesses.
4. O estimulo a cooperação agrícola como forma de desenvolvimento social das forças produtivas.
Em função da elevada competitividade econômica no mercado e da tendência geral de redução dos custos de produção e da baixa dos preços de venda dos produtos agrícolas, o desenvolvimento das forças produtivas nas pequenas e médias propriedades no campo, ou seja o aumento da produtividade do trabalho e a melhoria da renda per capita, não se dará pela simples incorporação massiva dos insumos modernos, todos eles dependentes das empresas multinacionais oligopolistas, mas pelo estímulo a organização das unidades de produção para que tenham acesso à tecnologia de forma coletiva, e, sobretudo, pela cooperação entre as pequenas e médias unidades de produção no campo, seja na compra de insumos e na venda de seus produtos, seja no uso comunitário de parte do capital constante.
A concepção de mundo neoliberal predica o individualismo e afirma que a liberdade de produção dar-se-á pela competição indiscriminada nos mercados. Esta concepção de mundo é absolutamente contrária à cooperação e a solidariedade, valores básicos dos pequenos produtores e indispensável para a vida socialmente partilhada. Portanto, a cooperação agrícola, nas suas mais distintas formas e adotadas nas mais variadas situações, coloca-se não apenas como potencializadora das forças produtivas mas, sobretudo, como um valor pessoal e social que se antepõe à degradação do convívio humano estimulado pelos valores do individualismo e da competição burguesas.
Nesse sentido, um esforço político-ideológico necessita ser desencadeado por todos os movimentos e organizações sociais populares. Ademais, em face das políticas públicas, dever-se-á exigir o financiamento subsidiado para o desenvolvimento e consolidação da cooperação agrícola entre os pequenos agricultores e assentados.
A cooperação, aliada a verticalização da produção com a indústria e à diversidade produtiva, além de proporcionar as condições objetivas para a divisão do trabalho, estimula a multifuncionalidade das atividades dos pequenos e médios produtores rurais, dos trabalhadores rurais, dos pescadores artesanais e dos extrativistas, integrando as diferentes funções que o meio rural deve desempenhar nas sociedades contemporâneas. E cria muito mais alternativas de trabalho para a juventude no meio rural.
5. Um novo modelo tecnológico: A substituição dos insumos
O atual, modelo econômico que vem sendo implantado também na agricultura, aceita como natural o processo de controle dos insumos agrícolas, por grandes empresas multinacionais, como se fizesse parte de uma lógica natural de expansão da modernidade e dos mercados agrícolas. A abertura indiscriminada do país às empresas multinacionais permitiu que os insumos básicos utilizados na agricultura, (sementes, agrotóxicos, fertilizantes, máquinas e motores), todos eles passíveis de produção interna, nacional, ficassem na dependência do capital estrangeiro e monopolizador, que impõe seus preços e ainda desmantelou a base científica e tecnológica nacional.
Por outro lado, essas empresas multinacionais ajustaram seus interesses produtivos (exemplo: os organismos geneticamente modificados) à grande empresa agro-exportadora, portanto, oferecendo apenas tecnologias ajustadas à monocultura e à criação de pequenos animais em sistemas de contratos de integração, buscando unicamente elevadas taxas de lucro.
A substituição das importações de insumos à nível da unidade de produção dos pequenos e médios produtores permitirá não apenas a geração de tecnologias socialmente apropriadas como o desenvolvimento da base técnica e científica nacionais. Essa substituição de insumos agrícolas ofertados pelas multinacionais além de contemplar objetivos econômicos nacionais de dependência ao capital estrangeiro permitirá, político ideologicamente, o desenvolvimento de uma concepção de auto-suficiência relativa entre os pequenos e médios produtores e, sobretudo, de afirmação da sua auto-estima, ambos necessários para a consolidação sustentável da democratização social no campo.
Precisamos construir as bases para um novo modelo tecnológico, que rompa com as atuais bases da terceira revolução verde e com o controle monopolizador da biotecnologia pelas empresas multinacionais. Buscar as bases de um modelo auto-sustentado, que permita ao agricultor e suas cooperativas criarem seus próprios insumos, adotando técnicas de agricultura orgânica, que respeite o meio ambiente, aumente a produtividade, e garanta alimentos de qualidade, com garantia de saúde para o agricultor e para o consumidor.
6. A agroindústria cooperativada
Deve fazer parte do processo de desenvolvimento do meio rural a implantação de pequenas e médias agroindústrias; cooperativadas, em todos os municípios do interior do país, para que os produtores rurais possam também se beneficiar e se apropriar do valor agregado ao produto, pela necessária transformação industrial que a matéria prima agrícola tem que passar, antes de chegar à mesa dos consumidores. O processo de agroindústria faz parte do desenvolvimento das forças produtivas na sociedade, como forma de garantir e ampliar a conservação e transporte dos alimentos e abastecimento das multidões que vivem aglomeradas em centros urbanos. Mas os agricultores precisam controlar esse processo, como forma de aumentar sua renda, de evitar a exploração por empresas agro-industriais, e como parte de um modelo de desenvolvimento que descentralize e democratize a indústria pelo interior do país.
Diversas experiências no país já demonstraram que o processo de agregação de valor aos produtos agrícolas pode beneficiar diretamente os produtores através da verticalização da produção, ou seja, utilizando-se da agroindústria vinculada e subordinada também aos agricultores, e não o contrário como acontece hoje. Essa verticalização pode ser utilizada também na produção de insumos socialmente apropriados aos pequenos e médios produtores,
Além da dimensão econômica que a agregação de valor proporciona, a verticalização da produção estimula a cooperação e a multifuncionalidade e, portanto, as formas mais diversificadas de compartilhamento social.
A verticalização da produção estimula e retribui o desenvolvimento de tecnologias socialmente apropriadas para o beneficiamento e transformação de produtos, assim como proporciona alternativas; para a diversificação da oferta, ao mesmo tempo exigindo novas relações com os mercados. Esses processos ao mesmo tempo em que introduzem a cooperação, e nesta, a divisão do trabalho, enseja oportunidades de formação técnica e de novas relações sociais entre os produtores.
Por último, a difusão de agroindústrias cooperativadas disseminadas pelos municípios do interior do país, vai descentralizar o desenvolvimento econômico e gerar empregos para a juventude do meio rural, evitando-se o êxodo dessa importante camada da população mais ativa do meio rural. Com a agroindústria serão geradas novas necessidades de escolas técnicas, de aperfeiçoamento no meio rural, disseminando tecnologias e novos conhecimentos.
7. Desenvolvimento integrado do meio rural
Além dos objetivos acima, dever-se-á retomar, de forma renovada, a experiência nacional e internacional de desenvolvimento integrado de áreas rurais no qual, além das melhorias dos processos de produção se atenderia integradamente outras dimensões da vicia social como habitação, estradas, educação, sanidade, transportes, meio ambiente, infra-estrutura de beneficiamento de produtos e insumos, manejo dos solos e das águas, experimentação agropecuária e agro-industrial, etc.
Nossa sociedade já tem base técnica desenvolvida suficiente para disseminação da eletrificação, das estradas, asfaltadas, do uso de água tratada, da telefonia, e da informática, que permitem estreitar as diferenças entre o meio urbano e rural e criar condições de vida no meio rural, ainda melhores do que as existentes nos grandes centros urbanos do país.
Por outro lado, é preciso desenvolver programas de valorização cultural das práticas, hábitos e atividades culturais no meio rural, que estimulem a população e que gerem auto-estima de sua própria cultura. Nessas condições se disseminarão também novos valores sociais, baseados na prática da solidariedade, da igualdade e da justiça social, de maneira que a população que vive no meio rural construa uma sociedade mais justa e fraterna.
8. Soberania alimentar e mercado interno
O modelo norte-americano de agricultura que está sendo implantado pelas recentes políticas econômicas do Governo FHC adota a concepção de que o mercado pode ser abastecido por qualquer empresa que tenha capacidade para isso. Com isso, houve um processo de oligopolização do mercado de produtos agrícolas, em que as grandes empresas abastecem utilizando-se apenas do critério da busca da maior taxa de lucro. Dessa forma podem importar, exportar, sem nenhum compromisso com o abastecimento nacional, com a qualidade e os preços para a população. Hoje, o Brasil tem seu mercado alimentício controlado por apenas algumas empresas multinacionais. Por outro lado, as grandes propriedades do meio rural, continuam tendo como prioridade a monocultura de exportação, e a população brasileira fica à mercê apenas desses dois grandes interesses, inclusive gerando um processo acentuado de exclusão social dos setores produtivos de pequenos e médios agricultores que se dedicam à produção de alimentos voltados para o mercado local e nacional, o que tem gerado até o abandono de suas terras.
A relevância da atual política de importação de gêneros alimentícios traz conseqüências tanto para a seguridade alimentar interna, quanto para o estímulo à modernização dos processos produtivos pelo aumento da competitividade, e ainda, torna-se socialmente irresponsável e economicamente desarticuladora da base produtiva nacional no campo. Nesse sentido, é necessário e indispensável que seja revertida tal tendência de maneira a fortalecer a produção nacional e a oferta de gêneros alimentícios internos. Isso significaria o desenvolvimento do mercado interno de gêneros alimentícios com produtos nacionais.
A política deve ser de garantia de abastecimento para alimentar a TODOS os brasileiros durante todo ano, com alimentos de boa qualidade e preços acessíveis, sem depender de importações ou do controle oligopólico de empresas multinacionais.
9. A distribuição de renda e o desenvolvimento agrícola
Um novo modelo de desenvolvimento do meio rural, conforme foi descrito em diversos aspectos nos itens anteriores será inviável, se não houver adequação a um novo modelo econômico na sociedade que esteja baseado na distribuição de riqueza e de renda. o processo de crescimento da produção e da renda no meio rural depende fundamentalmente do aumento do consumo de bens alimentícios e de matérias primas industriais de origem agrícola, Ora, no atual modelo concentrador de retida, a população que vive no meio urbano, desempregada e sem aumento de renda, não tem condições de aumentar o consumo de alimentos. O Brasil, por sinal, segundo o PNUD é um dos países de menor grau de consumo per capita de alimentos do mundo, ademais, de termos 32 milhões de pessoas que passam fome todos os dias e outros 33 milhões de pessoas que se alimentam abaixo das necessidades básicas. Portanto, as bases de um novo modelo agrícola precisam estar casadas com políticas de distribuição de renda, via aumento dos salários, aposentadorias, maior taxação sobre as grandes fortunas, etc.. Essas políticas gerarão uma ampliação do mercado consumidor, que estimulará o aumento da produção de bens de consumo no meio rural.
10. O desenvolvimento do meio rural como base para enfrentar o desemprego.
O modelo econômico em implantação no Brasil e em funcionamento em diversos países, seja desenvolvidos, ou do terceiro mundo, produziu o maior problema que a humanidade vem enfrentando desde os seus primórdios: não consegue garantir trabalho aos seus cidadãos. Em todos os modos de produção anterior, a humanidade sempre desenvolvera formas para que todas as pessoas pudessem trabalhar. Com esse modelo, uma grande parcela da população brasileira e mundial é descartada. O Sistema não consegue dar trabalho a todos. Ora, isso é o cúmulo da degradação humana. Se uma pessoa não tem o direito de trabalhar é o caminho para a marginalidade total e a degradação como espécie.
Por isso, aumenta a importância das políticas de desenvolvimento rural propostas acima, porque, atualmente, o processo de utilização dos bens da natureza, a terra, água, florestas, fauna que temos em abundância, seria o caminho mais rápido e barato para garantir trabalho para toda população brasileira. As medidas acima descritas não significam que gerarão um processo de retorno de todos ao campo, mas, poderão levar a uma descentralização das grandes cidades e metrópoles para as pequenas e médias cidades do interior. É, sobretudo, um modelo que distribua renda, terra e que cria uma descentralização das agroindústrias (de alimentos e de insumos) disseminando pelo interior do país, podendo gerar um enorme potencial de novos empregos na indústria, para a população que está na cidade.
Ora, se milhares de agricultores sem-terra ou minifundiários tiverem condições de comprar máquinas agrícolas, novos implementos, construir melhores casas, comprar eletrodomésticos, ferramentas, veículos, comprar mais roupa e utensílios, tudo isso será produzido pela indústria, que poderá gerar milhões de novos empregos. Assim, como no setor de serviços se ampliará a distribuição de renda e a população passará a comprar mais alimentos, surgirão mais armazéns, padarias, supermercados, etc.. com novos emprego.
11. A democracia popular
O processo de desenvolvimento econômico descrito nas medidas acima deverá vir casado também com um processo de democracia popular, em que a população que vive no meio rural possa se libertar dos grilhões atuais e construir sociedades onde as pessoas possam exercer plenamente e de forma autônoma, seus direitos.
As pessoas que tiverem garantido seu trabalho, sua fonte de renda, sua terra e que forem sócias de cooperativas agro-industriais, certamente terão muito mais condições objetivas de livrar-se da dependência social e política hoje exercida pelo grande proprietário de terra e pelos agentes das empresas multinacionais que controlam o poder executivo, legislativo, judiciário e as forças políticas do meio rural. Para tal, será necessário também desenvolver políticas que democratizem os meios de comunicação no meio rural, possibilitando que rádios, jornais, televisões sejam geridas democraticamente sob controle da população como um todo.
Nesse bojo de democratização se combatem os desvios em vigor na atualidade relacionados com as práticas discriminatórias em relação ao racismo, ao machismo, e aos pobres em geral.
Situação e perspectivas da agricultura brasileira. Cadernos de Estudo nº 2, 2000.
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24. Identidade Camponesa
Bernardo Mançano Fernandes
Três pontos para discutir a Identidade Camponesa:
1. Campo-cidade
2. Agricultura camponesa e agricultura familiar
3. Luta pela terra e pela reforma agrária
A partir destes itens a Via Campesina com a CUT, Contag e forças de esquerda temos que construir um novo Brasil.
1. Campo-cidade
O que surgiu primeiro o campo ou a cidade?
Primeiro surgiu o campo.
A história de formação da história do Brasil tem 500 anos. Construímos uma visão de campo-cidade que não possibilita o desenvolvimento da pequena agricultura e do campo.
A forma como foi organizado o território brasileiro inviabiliza o campo. O campo para mídia é resto, é o que sobra, é atraso. A idéia de campo é a idéia de atraso, de fim de mundo, do colono grosso.
Por que se construiu esta idéia? Foi para proteger o latifúndio. Levar gente para a cidade é progresso, levar gente para o campo é atraso. Isto também foi feito na Europa no século 18 e 19, na chamada Revolução Industrial. Nós sabemos que o campo é o lugar da vida e da energia elétrica. Nós temos o lugar em que resistimos para viver e que temos que reconceiturar as idéias em relação ao campo. Dar uma nova idéia.
Como o campo é conceituado? 82% da população brasileira é urbana e que 18% da população é rural. Isto é visto como progresso. Isto se ensina nas escolas e ninguém critica este índice. A esperança do governo é que 100% da população estará na cidade, então o latifúndio todo é nosso (da burguesia).
No Rio de Janeiro ¼ de milhão de pessoas estão agarrados nos morros e trabalham para o tráfico de drogas, morrem cada dia 15 pessoas. Este é o território que queremos, isto é progresso? Este não é o único caminho. Se queremos discutir a reforma agrária temos que discutir a favela.
Em 1991 se dizia que tínhamos 75% da população urbana. Houve uma migração do campo para a cidade. Será que isto é verdade. Qual é o problema destes dados. Se esta população saiu do campo para a cidade então há um problema de indicadores de crescimento populacional.
Se nós pegarmos o censo de Floripa, POA, S. Paulo houve um crescimento vegetativo e não por causa da migração. Hoje a migração nas grandes cidades não é nem 0,5% onde está a população?
Temos 5.607 municípios. Os municípios aumentaram a área urbana; tem município que não tem área rural. O imposto da área rural vai para o governo federal e da área urbana vai para o município. Assim temos 82% da população rurbana.
Não dá para usar o critério de perímetro urbano para falar da cidade. O resto vira campo. Temos que romper este conceito. Isto significa um replanejamento territorial do país. Temos que ocupar o IBGE para podermos mexer nos critérios do censo demográfico.
O município que tem até 200 hab por km2. Não mais pelo perímetro urbano mas pela densidade demográfica ou por sistema econômico predominante.
Os municípios que vivem da agricultura e pecuária terão políticas específicas para esta população. Conjunto de políticas públicas por região. Não vamos mais discutir campo-cidade.
Temos 5607 municípios. Temos 170 milhões de brasileiros. 150 milhões vivem em 1.022 cidades o resto dos 20 milhões vivem em 4.500 em municípios
45% da área pertence a 1% de donos. 99% são donos de 55% da área agriculturável. 97 milhões de ha são produtivos e temos 360 milhões de ha no todo. Precisamos refazer a idéia de campo e cidade e refazer o território. Se utilizarmos a densidade geográfica temos 65% vivendo na cidade e 35% no campo (60 milhões de pessoas). Só mudando o critério temos outra realidade sem contar pelo perímetro urbano.
Não adianta o Programa Fome Zero sem reforma agrária, tem que curar o mal pela raiz. Temos que transformar a Fome Zero dentro de um projeto de mudança do país. Isto é emergencial e compensatório. Enquanto não dá trabalho tem que dar comida.
Temos que levar gente da cidade para o campo. Ao camponês que foi para a fábrica ninguém lhe perguntou se tinham vocação para ser metalúrgico, ou para ser tecelão. Por que não podemos ter hoje uma escola para ensinar alguém para ser camponês se o Senai ensinou o camponês a ser metalúrgico.
Nada impede alguém de aprender a ser camponês. Se o contrário aconteceu porque não pode o caminho de volta. Mudar a idéia de campo e de cidade (que é um pombal onde não há água para beber). Isto não vai sair da cabeça de algum político, só o movimento social pode pôr isto na pauta.
Investir na cultura camponesa que concorre com a mídia. A TV nós podemos mudar. Valorizar a nossa música, dança, comida, etc. com gosto. Precisamos acreditar em nós mesmos; se fizermos isto os outros percebem isto. Precisamos criar a cultura camponesa, assim com há 10 anos atrás não existia o MPA e foi criado por nós. Investir na cultura camponesa, investir neste sonho. O ponto de partida é investir nesta mudança de conceito de campo-cidade.
2. Agricultura camponesa e agricultura familiar
Qual é a nossa identidade? Como é formada e como é destruída?
Todos sabemos pensar. A questão é: eu penso o meu pensamento ou penso o pensamento dos outros?
Isto é filosofia! Isto é natural.
Qual é a importância de eu pensar o meu pensamento e qual é a importância de eu pensar o pensamento dos outros? O pensamento nasce da realidade. A gente constrói o pensamento e passa-o adiante. Como nasce o pensamento camponês? Nasce da realidade camponesa.
Marx no século 19 começou a pensar a sua realidade. Assim foi construído o marxismo. O pensamento nasce da realidade ao nosso redor. Marx e Engels começaram a pensar a sociedade a partir dos trabalhadores e não a partir da burguesia.
Marx construiu um pensamento a partir da realidade desigual. Por que é desigual? Porque todos trabalham e tem um pequeno grupo que fica com tudo. Isto é a sociedade em geral, mas e o camponês?
O camponês existe em nossa sociedade há 10 mil anos. No início a pessoa vivia do extrativismo (da coleta), não plantava, era nômade. Deixou de ser nômade e se tornou sedentário há 10 mil anos e aí nasceu o camponês.
Características do camponês:
1. Trabalhar na terra
2. Trabalhar com a família na terra
3. A resistência – a luta pela terra
Marx diz: a sociedade capitalista é desigual: o capitalista investe o seu dinheiro, paga um salário e o resto vai para o capitalista.
O camponês não é um trabalhador assalariado, ele é um trabalhador familiar. Marx não podia colocar esta análise do operário no camponês. Ele não compreendeu isto.
Lênin estudou o camponês e descobriu que ele é um outro trabalhador. Como ele participa da sociedade? Ele é explorado tanto como outro trabalhador pela renda da terra. Como? Produz mercadoria, investe seu trabalho e a sua terra e sua renda vai para o capitalista. Lênin dizia que ele vai acabar logo, não tem futuro. Lênin dizia que o camponês vai acabar em 10 anos, seu futuro é ir para cidade.
Teses da diferenciação do campesinato: não investir no camponês pois vai se desintegrar como operário e o resto vai virar capitalista.
Rosa Luxemburgo diz que Lênin está errado. A sociedade é desigual e contraditória. Ao mesmo tempo em que o capitalismo destrói o camponês ela recria o camponês. Como? Pelo arrendamento da terra com trabalho familiar via concentração da terra.
Não é só o arrendamento da terra que recria o camponês, mas pela ocupação da terra via sem terra, via reforma agrária. Ocupação da terra é algo que acontece desde o tempo dos escravos, passa por Canudos, a favor da extinção do latifúndio. O pequeno agricultor não acaba nunca pois é recriado pela ocupação ou pelo arrendamento da terra. Por isso o FHC fez o Banco da Terra para vender e não conquistar a terra.
Dentro disto dizemos que o camponês é aquele que trabalha a terra com a família. Junto com isto vem a resistência. A resistência desde os escravos destruiu a sociedade escravocrata. Depois vem o feudalismo onde o camponês trabalhava na servidão. Aí vem as Guerras Camponesas. Na junção dos camponeses com a burguesia se cria a sociedade capitalista.
Somos importantes na produção de alimentos e querem acabar conosco pela extinção, que não ocorrerá. Resistência é a 3a característica da identidade do camponês. Isto é natural de nós. Isto faz parte da identidade camponesa e nos torna fortes e orgulhosos. Somos donos do nosso próprio pensamento e assim sujeitos da história, com identidade própria. Isto causa uma preocupação para a burguesia. A burguesia diz: O pensamento do camponês por ser antigo precisa ser substituído por um outro pensamento; o pensamento da burguesia.
Dez anos atrás surge um novo pensamento: a agricultura familiar – a partir dos intelectuais que trabalharam para o FHC. Pensaram: esse negócio de camponês não dá certo, são atrasados. Camponês é aquele que produz para subsistência, isolado que vai acabar. O agricultor familiar é o que está capitalizado, usa tecnologia de ponta e produz para o mercado, não é camponês.
Todo camponês é um agricultor familiar, mas nem todo agricultor familiar é camponês. Camponês é atrasado e agricultor familiar é moderno. Mas camponês é agricultor familiar e não duas coisas. E com isto dividiram os camponeses. Surgiu o movimento dos agricultores familiares, a federação dos agricultores familiares. Estes não têm na sua memória a história de luta de Canudos. Tem em sua memória a ideologia da burguesia.
Assim temos a Via Campesina e Contag e Fetraf/Sul que se bicam e a luta de classes fica em segundo lugar. Como vamos trabalhar com isto: somos uma coisa só e não duas coisas. Como superar isto?
Só tem uma saída: manter a identidade. Seja, nos últimos dez anos se viu discurso para desvalorizar o camponês. O camponês perdeu os seus valores, precisamos reconstruir os seus valores. Precisamos reconstruir a palavra camponês. Se nos chamam de camponês ou agricultor familiar é a mesma coisa. O que muda? É que os dois não podem perder a história e o sentido da resistência
Agricultor familiar também é uma identidade, mas tenho que saber que esta identidade é minha, pois existo há 10 mil ano pois sou um camponês, pois trabalho na terra com a minha família e ocupo a terra e por isso somos 500 mil famílias assentadas.
Agricultura familiar é algo que vem de fora (do FHC), mas pequeno agricultor vem de dentro, da história. Na terra o pequeno agricultor e o agricultor familiar é o mesmo, mas no plano das idéias é algo diferente pois vem de outro projeto, do projeto capitalista, do FHC.
Existe o agricultor familiar a favor do transgênico e do Banco da Terra e que não conhece a luta de classes e a sua história. Mas existe o agricultor familiar que ocupa a terra, é contra o projeto capitalista de agricultura via transgênicos (limite máximo da dominação pois domina a vida). Eu tenho que dominar o conhecimento da planta sem mexer no organismo dela, a natureza tem que fazer isto. O limite do conhecimento tem limite. Deixa a natureza fazer a sua parte e nós fazemos a nossa parte que é lutar contra a expropriação da terra e das idéias. Eu sou pequeno agricultor, camponês, agricultor familiar; disto temos que ter orgulho.
Teremos duas tendências: Via Campesina e Contag.
Qual é o nosso pensamento? Ele vai ser construído por nós ou pelos outros.
55% dos alimentos vem das áreas de até 100 hectares que são 90% do trabalho familiar. Todos produzimos para o mercado. Temos 50 milhões de famintos porque não tem comida. Vamos ter que produzir comida. Em 2004 temos que reduzir as importações.
Como vamos produzir para o mercado pela resistência? Com subsídio ou preço mínimo. Temos que ter seguro agrícola. Todos os capitalistas produzem com seguro: o banco tem seguro de seu cofre, o empresário dos transporte tem seguro do caminhão e da carga. Temos que ter programa de crédito diferente do Pronaf que diferencia para fazer sair da terra. Produzir para o mercado para continuar produzindo e não para ser expropriado. Temos que ter tecnologia, a questão é qual tecnologia. Hoje não estamos conseguindo fazer isto.
Se o governo for importar alimento ou deixar os capitalistas produzir o Programa Fome Zero vai ficar caro. O trabalho familiar é mais barato que o trabalho assalariado no latifúndio capitalista. Este programa só dá certo com o desenvolvimento da agricultura familiar.
Não haverá consenso entre Via Campesina e Fetraf/Sul e Contag no que concerne ao transgênico.
3. A resistência – a luta pela terra
Esta luta sempre existiu na história. É uma política popular de resistência. É uma forma de recriação do campesinato.
Reforma agrária é uma política pública para reestruturação fundiária no país. Reforma Agrária não é desconcentração da terra porque esta desconcentração não aconteceu. FHC acreditava que assentando 500 mil famílias acabava com o MST. Quanto mais assentava mais sem terra aparecia e por isso transformou os sem terra em bandido com duas medidas provisórias: ocupar terra é crime e com isto o latifúndio está protegido e toda terra ocupada não será desapropriada por 2 anos. As ocupações caem anualmente e sobe o número de lideranças presas. Isto deu um refluxo do MST e temos 100 mil famílias acampadas no país no final de 2002.
No congresso nacional não passa nenhuma lei de reforma agrária porque os ruralistas são a maioria.
Se os camponeses podem se tornar operários por que os operários não podem se tornar camponeses. O camponês se tornou metalúrgico, ele tinha vocação para ser metalúrgico, pois nunca foi metalúrgico?
O camponês não gera desigualdade. O camponês quando os preços estão ruins não manda o seu filho ou filha embora de casa só porque está tendo prejuízo na produção. Mas o capitalista manda o seu assalariado embora quando tem prejuízo.
Questão do camponês e agricultor familiar. Camponês é igual e diferente do agricultor familiar.
É igual
Trabalha na terra
Trabalha com a família
Produz alimentos
Produz para o mercado
Tem tecnologia
Diferente
Resistência = luta contra o capital
Luta com o capital. Apóia o capital
Fundo de Terras. Quem define somos nós no Conselho Deliberativo. Nós elegemos o trabalhador presidente.
Espaço na mídia. Criar um plano estratégico sobre o espaço da mídia. Fazer propaganda do projeto dos camponeses no horário nobre da TV.
Quando entrarmos no IBGE, Embrapa, etc. temos que fazer o nosso projeto.
O Estado vai ter que retomar o controle dos dados que estão nas mãos das multinacionais.
Desapropriação das terras plantadas por transgênicos. Temos que ter isto em mente e pressionar para que isto passe no Congresso.
O governo Lula sabe o que é reforma mas não sabemos o que é transformação. Como é que se faz para transformar a sociedade: como se faz isto? Nós somos continuidade dos grandes pensadores e revolucionários mas não temos referência no momento como vai ser a revolução.
Sobre o estudo. Não se pára de estudar nunca na vida, como não se pára de trabalhar nunca na vida e nem se pára de sonhar e amar nunca na vida.
Pronaf. O Pronaf foi concebido com o grupo A, B, C, D para que o agricultor evolua e não precise mais de subsídio. Temos que ter um ministério da agricultura familiar e brigar no Congresso para ter verba. Nós somos os sujeitos e não apenas apresentando pauta. A partir de janeiro de 2003 vamos ver como se viabiliza esta pauta.
Já faz parte da LDB a existência da escola no campo e não só para a produção, mas para a saúde, lazer, criar conhecimento, etc. Levar o trabalhador da cidade para o campo é algo que já está acontecendo e tem que ser dinamizado com muita vontade. Não é difícil fazer a infra-estrutura no campo. Para isto é necessário ter planejamento.
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25. Comunidades de Resistência e de Superação
Horácio Martins:
1. A crise de identidade do pequeno produtor
A agricultura familiar está vivendo uma situação difícil desde a década de 90. Está quase em colapso. Por que caiu em colapso? Falta de crédito, inexistência de preços garantidos, liberação da importação de alimentos (1 milhão ton. arroz e 100 mil ton. de feijão somente este ano de 2002).
Isto levou a uma crise que empobreceu ao limite de abandonar a terra e não consegue manter o seu capital fixo (fazer a sua cerca, seu galpão, reparar a casa, etc.). Quando arrisca produzir os preços estão baixos. Quando precisa de assistência técnica não é para a agricultura familiar, o que desestimula. Isto gerou a crise de identidade social. É o pequeno produtor não se reconhecer como pequeno produtor. Tem vergonha de ser pequeno produtor porque está sem dinheiro, está pobre. Não pode ver seus filhos trabalhar na terra e nem poder comprar terra para eles, podendo ter a mesma opção dos pais.
O agricultor familiar não vê futuro porque os filhos estão abandonando a terra e foram estudar e não querem voltar para a terra. Isto vai afetando a subjetividade dos jovens que vão embora. A vida do campo está ficando triste e dura. Vão para a cidade porque a cidade é alegre e divertida. Por que pensam assim? Por que o campo não é alegre e divertido? Está acontecendo que o jovem no fim da semana não tem dinheiro para sair e isto desanima. A TV, a classe dominante e o governo estão dizendo que a agricultura familiar vai acabar mesmo. Tem assentamento que é um asilo de velhos. Razões: tem terra ruim, o governo abandonou.
Como ficam o pai e a mãe sozinhos sem maquinário, sem dinheiro para peão; perdem o amor pela terra. Como ter ânimo se tudo está aos pedaços e não tem dinheiro?
A mulher mais procurada no interior do Brasil é a viúva que tem pensão!
O agricultor trabalha muito e não tem dinheiro o que leva à crise de identidade. Os filhos desanimam junto com os pais. Há uma crise não só na cabeça, mas uma crise real.
A propaganda na TV tem estimulado as famílias no campo e da cidade a consumirem produtos industrializados modernos. Tem-se a impressão que lá está a abundância e em casa no campo há a carência. 80% das coisas a família compra no supermercado. Como ela está desencantada, aquele esforço de fazer o pomar e a horta se converte em comprar veneno e comprar repolho no mercado e produz conforme o projeto capitalista. Estes elementos mostram que o agricultor familiar não produz do cheiro verde à fruta, não tem mais nada. Perdeu um dos elementos de ter uma mesa farta. É trabalhar pela família todos unidos, poder comprar uma terra para o filho, ter o chão encerado, chão bonita, casa bonita, etc.
Com este consumismo, que é um padrão urbano, entra neste esquema urbano acha que tem que comprar tudo no mercado.
Se fosse bom produzir transgênico as multinacionais estariam produzindo. Por que a Souza Cruz não produz fumo? Só industrializa?
Estamos com alguns problemas graves:
1. Se nós quisermos resistir de não perdermos a terra e formos capazes de ganhar algum dinheiro e termos terra para nossos filhos temos que mudar isto dentro da unidade de produção
Há 3 mudanças que precisam acontecer:
1. mudança de consumo
2. mudança de produção
3. mudança de concepção de mundo
Precisamos parar de gastar no supermercado: 290 a 315 reais por mês, que é a média de Chapecó.
Se queremos resistir sem perder a terra precisamos mudar de comportamento. Precisamos substituir as importações: deixar de trazer de fora para dentro da propriedade o consumo: de alimentos, de sementes e insumos. Produzimos leite e comemos margarina. Temos laranja e tomamos Q.Suco. Se o camponês quiser sair da crise precisa parar de comprar o que se pode produzir na sua propriedade.
Temos que substituir pelo menos as proteínas.
Na região de Canguçu a média de galinhas é de 5, de porcos é 2,8 por propriedade.
Perdemos um conjunto de valores de alimento saudável e fresco. Pão de tradição de colono se encontra no supermercado: o pão de forno.
Há uma grande economia se substituir a importação de alimentos para dentro da propriedade de 250 reais mensais. A indústria aproveitou uma prática camponesa, por exemplo: defumados e embutidos que a Sadia produz; era uma prática camponesa de conservar os alimentos no passado.
No RS havia um programa RS Rural com recursos do Banco Mundial. Onde isto teve o maior impacto? 800 a 1000 reais - quando recebia este dinheiro para arrumar a sua casa com banheiro com água encanada e chuveiro quente, casa pintada, etc. ele diz agora: eu não saio mais daqui pois agora está bom. Se ele chega em casa sem conforto chega à conclusão, vou embora.
Se reduzirmos os gastos em alimentos e substituir os alimentos pelos produzidos em casa há uma grande economia.
Só planta árvore quem quer ficar na terra. Quem sempre foi peão e é assentado não planta árvores porque isto já faz parte de sua história.
Resistir é produzirmos para o autoconsumo, não o do passado mas o que permite um excedente comerciável para o mercado local. Não é só mais para o autoconsumo mas para vender também. Isto faz com que o camponês pare de gastar e vende a sobra o que dá uns 300 reais por mês. Isto permite com que a família resista com qualidade de vida. Se há uma divisão de trabalho com as tecnologias modernas de defumação e de tempero, de higiene. Isto leva a uma diversificação na propriedade. Quem já fez isto tem abundância dentro de casa, com coisas na parede: compota e salame defumado. Isto provoca uma poupança em dinheiro e uma diversificação de produção e aproveitamento da mão de obra, juntando o artesanato tradicional com técnicas modernas.
Esta diversificação é a sugestão para a resistência
2. Produção para o mercado
Na década de 50 a FAO dizia que a fome do mundo acaba se aumentarmos a produtividade para ter mais oferta de alimento. Fez-se pesquisa e surge o híbrido e junto vem o direito de propriedade intelectual. O que antes era patrimônio da humanidade: a semente; virou propriedade particular. Isto levou no aumento de produtividade e no consumo de venenos. Agora chegamos nos transgênicos. Produz muito, sim, economiza, sim, mas cria dependência.
Se digo ao filho que droga é ruim ele faz o contrário. Se cocaína fosse ruim ninguém consumia. Mas ele vicia e degenera. Não diga ao seu filho que é ruim, se experimenta vê que é bom. Tem que dizer que tem conseqüências.
Na semente é o mesmo com o Roundup. Só que é igual à cocaína. Ele tem que comprar a semente, tem que comprar o veneno e o fertilizante senão não produz com a velocidade desejada. Isto vicia pois é mais cômodo. A gente compra deles a semente e os insumos e vendemos para eles o grão. Eles controlam todo o ciclo.
O resgate da semente crioula é para romper com a dependência da multinacional.
Se vamos substituir a importação dos alimentos para a casa temos também de substituir a importação de sementes e agrotóxicos e com isto vamos economizar muito dinheiro.
Assim temos as sementes crioulas e produzimos fertilizantes em casa (minhoca, esterco). Temos que mudar de comportamento para podermos resistir na terra. Voltar ao jeito de produzir do camponês mas com as técnicas modernas. Não ficar na enxada mas com micro-trator barato.
Na Europa é tudo ajustado ao pequeno e não como aqui tudo voltado ao latifundiário, com tratores enormes. Maquinário moderno ajustado à agricultura familiar é que precisamos.
Se substituirmos as importações de alimentos e substituirmos as sementes e insumos e vendermos os excedentes produzidos com técnicas modernas temos sobras.
Precisamos mudar o jeito de consumir, de produzir e de ver o mundo.
Temos que mudar a cabeça e com isto muda a família, muda o jovem e muda a escola. Com os ecologistas teremos alimentos saudáveis, teremos um mundo melhor e resistimos à exclusão social
A relação exportação-importação não é em forma de dinheiro mas em forma de produtos, a diferença tem que ser feito em dinheiro. No que se refere aos alimentos para combater a fome o governo Lula já ganhou o apoio de instituições internacionais pois os capitalistas não estão preocupado com a fome mas em como vender produtos para nós
Comunidades de resistência têm como base a autonomia da família em relação ao projeto de importação de produtos industrializados dos capitalistas que entram na propriedade. A introdução agroecológica é mais complexa que precisa de orientação de fora.
A decisão da autonomia de produção é uma decisão da família, é a recuperação da dignidade da família. O agricultor é autônomo quando não depende mais do governo. Temos que romper com os empréstimos, temos que ter o dinheiro em casa. Se tenho o dinheiro não preciso de empréstimo. O empréstimo tem que ser complementar. Normalmente o crédito é usado para pagar contar. Ninguém saiu da pobreza emprestando dinheiro. Romper com a dependência do dinheiro público. O que se busca é que o agricultor familiar seja autônomo frente ao vizinho, frente as multinacionais e ao governo. São dois momentos:
1. ao nível de família
2. ao nível de participar dos movimentos de massa para ter peso frente ao governo e à opinião pública
Ler em grupos e resumir as características de cada movimento
26. MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores, MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens, MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
MPA
O Movimento dos Pequenos Agricultores é um movimento camponês, político, de classe, autônomo, de massa e popular que luta por uma política agrícola e agrária voltada às necessidades dos pequenos agricultores, por crédito subsidiado e seguro agrícola, para a produção de alimentos saudáveis, para construir um novo projeto de agricultura, pela cidadania plena, pela transformação de toda a sociedade, pela tomada do poder pela classe trabalhadora, pelo socialismo, pela soberania do país, através da organização das famílias de pequenos agricultores e quem quiser aderir a esta proposta.
Como o MPA nasceu?
Todos certamente já ouviram falar do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, da Federação dos Trabalhadores Rurais, de Centrais Sindicais, da CUT, da CPT, etc. Então, por que outro Movimento na Agricultura?
De fato, o MPA não se organizou para ser mais um Movimento, também não foi para ser trincheira de disputas com os que já existem.
O nascimento do MPA aconteceu por pressão da própria base, os agricultores, que já não se sentiam representados pelas organizações existentes.
O fato que deflagrou este entendimento para os agricultores foi a seca que castigou as plantações no final de 1995 e início de 1996 no RS. Enquanto os agricultores angustiavam-se com a perda total das plantações, dirigentes de centrais sindicais e da federação dos trabalhadores faziam acordos entre si e conchavos políticos com os governantes da época para negociar soluções que nunca chegavam até a roça dos agricultores.
Houve um Momento em que a indignação dos agricultores atingidos pela seca conseguiu sensibilizar alguns sindicalistas. Estes dirigentes tiveram a sensatez de ouvir o clamor da base. Articulou-se uma mobilização histórica pela pequena agricultura no RS.
A articulação da mobilização dos atingidos pela seca levou de roldão muitos dirigentes sindicais que estavam em cima do muro. E aí houve a ruptura política entre os que optaram pela via do acordo, sem pressão, e os que foram acampar às margens das rodovias. Aquilo foi um divisor de águas. Na verdade, a mobilização da seca provocou uma avaliação profunda sobre o modo da atual organização sindical. Também sobre o método de organização das lutas políticas.
Cinco foram os acampamentos da seca, que se organizaram nos meses de janeiro e de fevereiro de 1996 no RS, reunindo mais de 25.000 pequenos agricultores. Ali germinou a semente do Movimento dos Pequenos Agricultores nasceu da pressão da base organizada; nasceu da luta dos agricultores para resistir na roça; nasceu para lutar pela mudança política agrícola; lutar por crédito subsidiado e seguro agrícola. Nasceu para lutar e construir um novo projeto de agricultura.
Definição
Pode-se dizer que o MPA é um movimento camponês, de caráter popular, sindical e político, autônomo, de luta e de massa e cuja base é a organização dos grupos de família.
Que luta pelo resgate da identidade e cultura camponesa e pela produção de alimentos para o auto-consumo e o mercado do país, numa visão agroecológica.
Comprometido, junto com outros setores da sociedade, com a conquista do poder e a construção de uma nação soberana, animado pelo horizonte e pelos valores da sociedade socialista.
O Movimento dos Pequenos Agricultores nasceu em forma de uma indignação acumulada e reprimida e dos trabalhadores do campo, num momento em que o País passava por uma:
- Crise do modelo econômico e político capitalista que se ligou ao capitalismo internacional de forma submissa e adotou uma política agrícola e agrária que descapitalizou e expulsou os camponeses da terra;
- Crise no modelo de desenvolvimento agrícola baseado na produção agroindustrial e agro-química visando a exportação;
- Crise no sindicalismo rural burocrático, sem luta, com uma visão economicista e assistencialista, sem mobilização de massa, sem democracia e sem organização de base;
- Crise na forma de luta que prioriza a negociação sem povo, feita por uma diretoria legalista e descomprometida com a transformação da sociedade brasileira;
O MPA nasceu também da consciência de valorosos militantes (dirigentes, educadores) que entenderam a situação, criticaram as práticas das organizações tradicionais do campo e canalizaram a insatisfação dos pequenos agricultores. Entre estes estavam:
- Militantes do MST ao verem que seu esforço de assentar 1 família era destruído pela ação do governo que expulsava 4. Então, passaram a despertar também os trabalhadores que ainda tinham terra. Consigo trouxeram a garra da luta, um novo perfil de dirigente, a luta direta e de massa da ocupação, a organização desde a base, a visão de ruptura e a mística de uma nova sociedade sem exploração;
- Agentes de pastoral e educadores que estando junto aos movimentos populares trouxeram a metodologia participativa, as experiências da produção agro-ecológica, o a questão de gênero, a importância da participação de toda a família e a contribuição da formação política da militância;
- Alguns dirigentes sindicais que continuavam na roça, que sofriam as ameaças contra a pequena produção e que percebiam a inutilidade de seu modelo de luta sindical na conquista e garantia dos direitos ou não aceitaram transformar os STRs em executores das políticas oficiais compensatórias, especialmente na área da previdência e saúde.
O MPA que teve rápida aceitação porque conquistava resultados concretos e ainda mais num momento que cresceu o desemprego e a fome nas cidades, sente aos poucos, que precisa ter uma identidade mais definida. Por isso, vem refletindo para ter claro o seu caráter, sua autonomia, o seu programa, a sua estratégia, a sua metodologia, sua organicidade, a formação de seus dirigentes e a sua construção nacional.
Já tem claro que não é um movimento para ocupar a terra, nem um movimento que pertence a um partido ou a uma igreja e nem quer repetir os vícios de colaboração de classe da maioria dos STRs.
1. Pela sua caminhada e mesmo sem ter plena consciência disso, o MPA se apresenta como um movimento com o tríplice papel de:
Movimento popular formado por camponeses, mas que acolhe nas mobilizações, na direção e no apoio lutadores, educadores e assessores, homens e mulheres, que se identificam com suas lutas e convicções.
Movimento sindical porque têm reivindicações econômicas (crédito, preço, assistência técnica) que interessa a uma categoria de trabalhadores.
Movimento político porque entende que só quando os trabalhadores tiverem o poder, será possível garantir suas conquistas econômicas, seus direitos sociais e um novo modelo de desenvolvimento agrícola.
2. A organicidade no MPA é entendida como a forma de integrar no movimento as diversas partes de sua atuação e de estrutura organizativa:
A mobilização da massa dos camponeses despertando os dormentes, convocando as sementes boas plantadas no terreno do inimigo e convocando os que ainda duvidam;
A organização da base superando os grupos formados em torno de bandeiras imediatas
A estruturação dos setores, evitando as "igrejinhas" e com especial atenção para a participação das mulheres e da juventude
A formação técnica, política e ideológica dos militantes, em todos os níveis
A construção nacional seguindo uma priorização de regiões e um método que garanta a diversidade e evite toda forma de superioridade ou de dependência política ou financeira.
A articulação das práticas, a nível nacional, latino-americano e internacional, com outros setores do campo e com os setores urbanos, sobretudo o movimento operário.
3. Para cumprir sua missão o MPA opta por um modelo organizativo diferente de uma organização sindical e própria para um movimento que precisa de uma estrutura leve, ágil, eficiente e, sobretudo, comprometida com a causa popular. Nesse sentido,
Direção ou coordenação (local, municipal, estadual, nacional) não significa uma diretoria, eleita pelo voto, consciente ou não, ou escolhida apenas para representar uma região; e muito menos a simples ocupação de um cargo;
Direção, desde o nível de base, deve ser sempre escolhida pelo compromisso comprovado de militância na causa popular que é a democracia baseada na confiança política.
Direção significa uma tarefa de luta, nunca um privilégio e muito menos um emprego. Por isso, é uma tarefa revogável, a qualquer hora, desde que se comprove que as pessoas escolhidas não têm disposição ou são desonestas, inseguras, incompetentes, traidoras e indisciplinadas.
Direção só pode existir de forma coletiva, para que as pessoas se ajudem e evitem os vícios da vaidade, do personalismo, do autoritarismo;
Direção (liderança, coordenação) deve ser escolhida por reconhecimento entre as pessoas que já atendem e têm
- compromisso com a luta de libertação dos oprimidos,
• vestem a camisa do movimento,
• a confiança dos militantes e são benquistos pelo povo;
• jeito para comordenar, acolher, animar, comvocar as pessoas;
• conhecimento da. realidade e, por isso, conseguem avaliar o momento,
• capacidade de elaborar e propor orientações adequadas para o momento;
A direção liberada deve ser pequena, ágil para se encontrar a qualquer tempo e em número ímpar. Além das qualidades de toda direção deve saber trabalhar em equipe, saber ouvir e dar opinião, discordar, valorizar as idéias corretas, ter disposição pessoal e tempo para priorizar essa tarefa.
O movimento popular deve ter também uma Coordenação Ampliada, tanto para ajudar a direção, para acompanhar suas decisões, como para ser uma escola de novos dirigentes.
MST
A História do MST
A situação no campo brasileiro
O regime militar e sua política agrária
Com o objetivo de acelerar o desenvolvimento do capitalismo no campo, incentivando a concentração da propriedade da terra, os governos militares criaram as condições necessárias para o desenvolvimento de uma política agrícola, privilegiando as grandes empresas, via incentivos financeiros, que passavam a se ocupar da agropecuária. Para entender a origem dessa política é preciso considerar que o golpe militar de 1964 teve, entre outros objetivos, a finalidade de modernizar os coronéis latifundistas e impedir totalmente o crescimento das lutas dos camponeses, que vinham construindo suas formas de organização, principalmente a partir de meados da década de cinqüenta.
Mesmo isolando a participação dos camponeses, a política agrária da ditadura militar contava com um projeto de reforma agrária, denominado de Estatuto da Terra, que havia sido definido, pouco antes do golpe, pelo grupo do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) e do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD). O grupo do IPES/IBAD era composto vários intelectuais: escritores, jornalistas, advogados etc. O Estatuto da Terra jamais seria implantado, foi uma quimera. Para viabilizar a sua política, o Estado manteve a questão agrária sob o controle do poder central, impossibilitando o acesso à terra aos camponeses, à propriedade familiar, e possibilitando o acesso aos que tinham o interesse de criar a propriedade capitalista. Nessa condição, o Estatuto da Terra revelou-se um instrumento estratégico e contraditório para controlar as lutas sociais, desarticulando os conflitos por terra, porque tinha um projeto de reforma agrária como argumento para resolver os conflitos fundiários, mas como esse projeto não se realizava, a luta pela terra se intensificava. Exemplo concreto é que as únicas desapropriações efetuadas foram exclusivamente para diminuir os conflitos ou realizar projetos de colonização embora durante o período de 1965 até 1981, foram realizados, em média, 8 decretos de desapropriação por ano e existirem pelo menos 70 conflitos por terra ao ano.
Com o objetivo de administrar o problema da terra sem tocar na estrutura fundiária, na gestão do general Costa e Silva (1966-1969), o problema da terra transformou-se numa questão militar.
Para executar seu plano, o governo militar criou o discurso dos "espaços vazios" do território brasileiro. Em sua manifestação nacionalista, propõem, então, levar os camponeses sem-terra para a Amazônia. Apesar de destinaras terras da Amazônia "sem homens" que deveriam ser destinadas para "os homens sem-terras" foram praticamente entregues às grandes empresas capitalistas beneficiadas pela política de incentivos fiscais.
Em seu encaminhamento político, os governos militares utilizaram da bandeira da reforma agrária, via projetos de colonização, na promessa de solucionar os conflitos sociais no campo, atendendo assim aos interesses do empresariado nacional e internacional. Como o objetivo era a colonização e não a reforma agrária, o problema da terra jamais foi resolvido com os projetos de colonização na Amazônia, pois o que estava por trás deste processo era uma estratégia geopolítica de exploração dos recursos naturais pelos grandes grupos nacionais/internacionais e de ocupação populacional de fronteira como parte da segurança nacional. Dessa forma, o envolvimento das Forças Armadas, do Estado autoritário, garantiram aos grandes grupos econômicos a exploração da Amazônia.
Em 1968, o governo Costa e Silva interveio militarmente no Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) órgão responsável pela política agrária e que havia substituído juntamente com o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA), a Superintendência da Política Agrária (SUPRA), criada no governo democrático de João Goulart (1961 - 1964). A razão da intervenção foi um relatório preparado pela Comissão Parlamentar de Inquérito sobre denúncias de corrupção, grilagens e venda de terras a estrangeiros. Contudo, a intervenção militar era uma "fachada moral" que escondia uma estratégia geopolítica, onde os grupos internacionais e nacionais construíam condições políticas para o controle das riquezas naturais do país. Em 1969 o governo criou o Grupo Interministerial de trabalho sobre a Reforma Agrária (GERA) para analisar os problemas que impediam o desenvolvimento de medidas de reformulação fundiária (sic).
Esta ação representou o direcionamento da política agrária do Estado, que procurava fortalecer o setor patronal da agricultura, por meio de políticas de incentivos fiscais. Nessa época, o governo militar beneficiou vários grandes grupos empresariais que "adquiriram", nas regiões Centro-Oeste e Norte, imensas áreas de terra para projetos de colonização e projetos agropecuários. Dessa forma, os governos militares com sua política agrária praticavam mudanças no campo sem modificar o regime de propriedade da terra.
Em 1970, o governo militar, para continuar viabilizando a sua política agrária, fundiu e acabou com o IBRA e o INDA e criou o Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Essa mudança representou o fortalecimento dos grandes grupos econômicos que controlavam os projetos de colonização. Os projetos estavam contidos no Programa de Integração Nacional (PIN), criado neste mesmo ano. Com a criação deste programa, "o governo do General Médici iniciou uma campanha ufanista atravessada pelo "falso nacionalismo" de que era necessário "integrar a Amazônia para não entregá-la aos estrangeiros". Era o início das campanhas do Projeto Rondon: "Integrar para não entregar". Era enfim um período em que a sociedade foi massacrada pela propaganda feita pelos veículos de comunicação de massa (TV, rádio, jornais, revistas, etc.). Estas propagandas eram veiculadas de modo a encobrir a verdadeira intenção deste governo, que era aquela de não interferir no processo de aquisição de terras por estrangeiros, ao contrário, alimentá-lo ainda mais, através da política dos projetos agropecuários. Estes projetos aprovados pela Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) passavam a interessar ao desenvolvimento econômico nacional e, portanto, não precisariam enquadrar-se na nova legislação sobre a venda de terras a estrangeiros. Dessa forma, os grupos estrangeiros poderiam adquirir quanta terra desejassem. Veja-se, por exemplo, a Suiá-Missu (em São Félix do Araguaia - MT) vendida para o grupo Liquifarm, com os seus 450.000 ha. oficialmente registrados no Instituto Nacional de Colonização e reforma Agrária (INCRA), sendo que outras fontes falam em sua superfície de 670.000 ha. Outro exemplo é a Cia. Vale do Rio Cristalino, pertencente à Volkswagen, com mais de 140.000 ha (Oliveira, 1988c, p. 63/64)".
Em 1971, incrementando a sua estratégia geoeconômica, o governo militar criou, ainda, o Programa de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA).
Esses Programas viriam a intensificar o processo histórico da concentração fundiária no Brasil. Nas palavras de Carlos Lorena: "a estrutura agrária concentradora, viciosa, que desde o tempo das capitanias hereditárias, passando pelas ordenações do Reino, pela Lei das Sesmarias, pela Lei de Terras de 1850, até hoje, tem sido sempre conservada e agravada, chegando-se ao máximo nos últimos 20 anos" (Lorena, 1988, p. 42).
Investindo no processo de agravamento de concentração da terra, os governos ditatoriais gerenciaram a questão fundiária reprimindo brutalmente as lutas por terra. Para os militares era fundamental desmobilizar toda e qualquer forma de organização política dos trabalhadores rurais, criando assim um vazio político necessário para viabilizar o seu projeto de reforma no campo. Esse foi um fator estratégico da elaboração e aplicação do Estatuto da Terra. Outro fator que influenciou a ação política do Estado, foi a guerrilha do Araguaia. O Governo Militar tratou a guerrilha com uma dimensão de perigo que ela não possuía. Era de conhecimento dos órgãos de inteligência que havia um grande distanciamento ideológico entre os guerrilheiros e os camponeses. Mesmo assim, como conseqüência e aproveitando dos fatos, os militares tomaram decisões significativas e amplas para implementar a sua a política agrária. Dessa forma, em 1972/73, com a liquidação da guerrilha, o governo militar trocou algumas pessoas favoráveis à reforma agrária que ocupavam cargos em ministérios, por pessoas contrárias à reforma e a favor da implantação da grande empresa no campo.
É a partir dessa mudança na política fundiária que se inicia a implantação dos projetos agropecuários por grandes empresas na Amazônia. No Centro-Sul e Nordeste, desenvolve - se uma rápida industrialização da agricultura. A política de privilégios ao capital monopolista, em diferentes setores da agricultura, acentua a concentração de terras, a expropriação e a exploração. Diante dessa realidade, os conflitos por terra se multiplicaram. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) cadastra em 1979, 715 conflitos, sendo que 88,1% começaram a partir de 1973. Esses conflitos estavam distribuídos por todo o País.
Em 1980, criou-se o Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins (GETAT) e o Grupo Executivo de Terras do Baixo Amazonas (GEBAM), para ocupar o espaço vazio criado pela repressão ao crescimento das forças políticas de luta pela terra e, também, pelo confisco do poder das oligarquias regionais, do poder local dos coronéis, excluídos da política econômica e fundiária.
A aliança governo militar/empresários precisava de sustentação do poder local para a realização de sua estratégia geopolítica de controle do território. Era assim que a aliança pretendia, de forma hegemônica, controlar o território: primeiro militarmente, depois economicamente. Desse modo, a aliança aliou e cooptou os agentes do poder conservador local, na repressão contra as formas de organização dos trabalhadores rurais que ressurgia através da ação sindical e da ação pastoral da Igreja Católica. A manutenção de um vazio político no campo era condição necessária para que a aliança pudesse desenvolver o seu projeto econômico. Para contribuir com o seu desenvolvimento, o governo criou algumas instituições com o objetivo de controlar os espaços vazios de poder. É o caso Ação Cívico Social (ACISO), criada pelo Exército na época do combate à guerrilha, da Operação Rondon criada pelos militares através do Ministério do Interior, e o MOBRAL: projeto de alfabetização criado pelo poder central com o objetivo de controlar as comunidades no campo.
Assim o governo militar realizou os objetivos de sua política agrária, promovendo a modernização tecnológica no campo sem mexer na estrutura fundiária, valorizando as terras apropriadas pela burguesia agrária e criando uma reserva de força de trabalho. Por fim, com os projetos de colonização, transferiu parte da população expropriada para a Amazônia. Conforme Oliveira, 1988b, p. 74: "Era preciso levar trabalhadores para que fosse possível implementar os planos da "Operação Amazônia", pois de nada adiantariam grandes projetos agrominerais e agropecuários em uma região onde faltava força de trabalho". Para efetivar esse objetivo, os empresários contaram com a total tolerância do Estado, e não pouparam medidas violentas contra os posseiros e os índios que resistiam a essa política. Com a garantia das Forças Armadas e com o consentimento do Estado, os grupos econômicos contratavam pistoleiros para expulsar índios e posseiros. Neste período de nossa história vieram se somar outros tantos assassinatos e genocídios que foram registrados por diversos trabalhos que denunciaram essa violência.
A implantação dessa política agrária resultou na manutenção dos latifúndios existentes e na criação de inúmeros outros latifúndios especialmente, na Amazônia. Outros resultados foram: a disseminação da agroindústria nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, através da monocultura para exportação (soja, laranja, etc.) e da cana de açúcar para produção do álcool. Esse processo intensificou a concentração de terras e a expropriação dos lavradores que, impossibilitados de reproduzir a agricultura familiar, migraram em direção à Amazônia e em maior número para as cidades.
A lógica da militarização da questão agrária foi manter o controle do Estado sobre os conflitos por terras e sobre as terras devolutas. Para realizar esta estratégia, o poder central manteve a federalização dessas terras e do problema da terra. Nessa lógica, em 1982, o governo militar cria o Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários (MEAF), convidando o general Venturini para continuar controlando o histórico problema nacional da terra.
Durante as duas décadas em que os governos militares estiveram no poder, garantiram a apropriação, por grandes grupos empresariais, de imensas áreas de terras e também o aumento do número e da extensão dos latifúndios. Financiaram as mudanças na base técnica de produção, a partir dos incentivos criados e do crédito subsidiado pela sua política agrícola. Proporcionaram assim a "modernização" da agricultura e a territorialização do capital no campo. Do outro lado, reprimiram toda e qualquer luta de resistência a sua política. Dessa forma, a estrutura fundiária sofreu alterações profundas, como demostramos na parte seguinte sobre a intensificação da concentração de terras.
A territorialização do MST 1978/9 - 1984/5.
Territorialização é o processo de conquista da terra. Cada assentamento conquistado é uma fração do território que passa a ser trabalhado pelos Sem-Terra. O assentamento é um território dos Sem-Terra. A luta pela terra leva à territorialização porque ao conquistar um assentamento, abrem-se as perspectivas para a conquista de um novo assentamento. Se cada assentamento é uma fração do território conquistado, a esse conjunto de conquistas, chamamos de territorialização. Assim, a cada assentamento que o MST conquista, ele se territorializa. E é exatamente isto que diferencia o MST dos outros movimentos sociais. Quando a luta acaba na conquista da terra, não existe territorialização. É o que acontece com a maior parte dos movimentos que lutam pela terra. A estes chamamos de movimentos localizados, porque começam a luta pela terra e param a luta na conquista da terra. Já disse o poeta "Quando chegar na terra, lembre de quem quer chegar. Quando chegar na terra, lembre que tem outros passos para dar" Os Sem-Terra ao chegarem na terra, vislumbram sempre uma nova conquista e por essa razão o MST é um movimento socioterritorial. A territorialização acontece por meio da ocupação da terra. Da ocupação da terra nasceu o MST.
As ocupações que aconteceram nos estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, marcaram o nascimento do mais amplo movimento social da América Latina: o MST. As transformações econômicas e tecnológicas que aconteceram na agricultura brasileira geraram o crescimento econômico concentrado das riquezas e a miséria de milhões de brasileiros. O MST surgia para ocupar um espaço político importante na luta pela terra e na luta pela reforma agrária. A Igreja Católica por meio da Comissão Pastoral da Terra foi a principal articuladora das diferentes experiências de luta pela terra, propiciando a reunião dos sem-terra para discutirem as conjunturas de suas realidades. Foi com a troca de experiências, que a articulação nacional desses movimentos começou a ser construída na perspectiva de superação do isolamento e em busca da autonomia política. Essa superação se fazia necessária devido às dificuldades enfrentadas no desenvolvimento das lutas localizadas. As lutas acontecem no campo, porém o processo de conquista da terra não acontece só no campo, mas principalmente na cidade. Assim, uma articulação nacional poderia permitir a construção de uma forma de organização social que fortaleceria esse processo de conquista, construindo uma infra-estrutura para a luta.
A articulação aconteceu a partir dos encontros entre as lideranças das lutas localizadas. A CPT, que na época já possuía uma organização a nível nacional e estava presente em quase todas as lutas, promovia esses encontros. No Centro-Sul, um encontro importante foi realizado em julho de 1982, no município de Medianeira - Estado do Paraná - região Sul do Brasil. Em nível nacional, a CPT promoveu em setembro desse mesmo ano um encontro em Goiânia - Estado de Goiás - região Centro-Oeste do Brasil, onde participaram trabalhadores de 16 estados. Conforme João Pedro Stédile, um dos participantes.
"Aí foi o primeiro encontro para troca de experiências da luta pela terra. Eu me lembro bem que quem assessorou foi o José de Souza Martins. Foi a primeira reunião nacional que eu fui, nunca tinha saído do Rio Grande.. Foi um encontro de troca de experiências: como é que vocês fizeram isso, como é que vocês fizeram aquilo. Foi prá se conhecer. Inclusive aí então começou a se conversar que a gente podia se organizar, podia ter mais contato. Tinha umas idéias assim: não a CPT pode fazer isso prá nós. Como nós nos conhecemos nessa reunião, nós dos estados do Sul resolvemos nessa reunião, nós vamos continuar nos reunindo, nós vamos continuar nos encontrando. Então nós fizemos uma espécie de regional, sem estar escrito nada. Continuamos nos reunindo periodicamente nestes cinco Estados do Sul".
Foi desses encontros que algumas lideranças, das lutas existentes no Sul do País, começaram a discutir as possibilidades de se organizar um movimento social mais amplo, que permitisse superar os problemas do isolamento. Assim, em janeiro de 1983, fizeram um encontro em Chapecó - no Estado de Santa Catarina - região Sul do Brasil - e criaram uma Coordenação Regional Provisória que reunia representantes de cinco estados do Centro-Sul: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Nesse ano, foram realizados outros encontros nas cidades de Naviraí e Glória de Dourados - Estado do Mato Grosso do Sul, em Araçatuba - Estado de São Paulo e em Ronda Alta - Rio Grande do Sul. Ainda, conforme João Pedro Stedile:
"Aí essa Coordenação Regional resolveu o seguinte: por que nós não organizamos um negócio maior? Só estamos nós aqui do Sul. Vamos fazer um encontro nacional de conflitos pela terra. E convocamos um encontro nacional para janeiro de 1984 em Cascavel. Aí vieram, eu não me lembro se foram doze ou dezesseis estados. Todo mundo que tinha luta pela terra. Essa era a marca para poder participar. Em todos esses encontros e também nesse encontro nacional, era um negócio muito integrado com a CPT que apoiava as lutas fazendo os contatos e conseguindo infra-estrutura. Bom aí fizemos esse encontro nacional em Cascavel, no Paraná, e aí sim, já com a marca bem de trabalhador, quer dizer, aquele encontro de Goiânia foi um encontro da CPT, para refletir sobre a luta pela terra. Esse aqui não, esse já foi das próprias lutas".
Esse Encontro Nacional representou então a fundação e a organização de um movimento de camponeses sem-terra, de caráter nacional, que iria se articular para lutar por terra e pela reforma agrária. Aí nasceu o Movimento Sem-Terra, com a articulação dos diversos movimentos que estavam acontecendo de forma localizada. E foi, então, batizado de Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.
Neste encontro foram elaborados os objetivos gerais do MST:
Que a terra só esteja nas mãos de quem nela trabalha;
Lutar por uma sociedade sem exploradores e sem explorados;
Ser um movimento de massa autônomo dentro do movimento sindical para conquistar a reforma agrária;
Organizar os trabalhadores rurais na base;
Estimular a participação dos trabalhadores rurais no sindicato e no partido político;
Dedicar-se à formação de lideranças e construir uma direção política dos trabalhadores;
Articular-se com os trabalhadores da cidade e da América Latina.
Estes objetivos representam a luta histórica dos trabalhadores rurais. Alguns apresentam as novas características dessa luta, como por exemplo os números 3 e 5 que têm por finalidade a aproximação dos trabalhadores sem-terra com o sindicato e com o partido, nos quais havia uma identificação de luta. O número 6 mostra a necessidade de tentar sair da dependência que tinham com relação à Igreja e o número 7, a ampliação da luta. As reivindicações tiradas nesse encontro foram (são):
Legalização das terras ocupadas pelos trabalhadores;
Estabelecimentos da área máxima para as propriedades rurais;
Desapropriação de todos os latifúndios;
Desapropriação das terras das multinacionais;
Demarcação das terras indígenas, com reassentamento de posseiros pobres em áreas da região;
Apuração e punição de todos os crimes contra os trabalhadores rurais;
Fim dos incentivos e subsídios do governo ao Proálcool, JICA e outros projetos que beneficiam os fazendeiros;
Mudança da política agrícola do governo dando prioridade ao pequeno produtor;
Fim da política de colonização.
Nessas reivindicações estão representados o passado próximo, nas transformações ocorridas no campo pela implantação da política de desenvolvimento agropecuário do regime militar; o presente, pelas ocupações realizadas e pela nova forma de organização do movimento e o futuro, pelo país que têm que construir. Na fundação do MST, os trabalhadores construíram um novo espaço no cenário político brasileiro da luta pela terra.
Avanços organizativos da fundação do MST
As discussões realizadas no Encontro Nacional de luta pela terra, que decidiu pela conformação de um movimento social e que foi batizado como MST, não foi um simples ato formal ou burocrático ou premeditado de fundação de mais uma organização social, como costuma acontecer, de apenas discutir estatutos e associados.
Nesse caso, há uma longa trajetória. Primeiro, do próprio processo social histórico, que recuperou a trajetória de lutas do movimento camponês brasileiro. Segundo, passou por um período de sua própria experiência com a multiplicação de ocupações de terra, no período 1979-84. Terceiro, representou o acúmulo orgânico de conseguir apreender com as experiências históricas de outros movimentos camponeses da América Latina, de movimentos camponeses do Brasil e também dos movimentos da classe trabalhadora de todo o mundo.
Assim, a formação/fundação de um movimento social – MST – representou, também, naquele momento a sistematização dessas experiências e adoção de algumas linhas políticas que foram fundamentais para a existência do MST, seu crescimento e permanência.
Tomar a decisão de se constituir como um movimento social, autônomo, de trabalhadores rurais, não só de trabalhadores rurais, mas de todos aqueles que quisessem lutar por terra, por reforma agrária e por mudanças sociais na sociedade brasileira, representava um amadurecimento político-ideológico, de compreender que a luta pela reforma agrária extrapolava os limites do movimento sindical, que necessitava do apoio das igrejas mas não poderia ser um movimento confessional e que era necessário se constituir num amplo movimento social que fosse, ao mesmo tempo, popular, onde todos os que quisessem lutar seriam aceitos, homens, mulheres, jovens e adultos, crianças e anciãos, trabalhadores rurais, militantes sociais, agentes de pastoral, sindicalistas, todos. Mas que mantivesse também um caráter sindical, para realizar lutas específicas de caráter corporativo, como é a luta por crédito, preços etc. E também político, no sentido de recuperar que a luta pela reforma agrária é acima de tudo uma luta de classes contra o latifúndio e contra o Estado que o representa.
Recuperou-se o argumento de que a reforma agrária somente avançaria com lutas de massa, com mobilizações massivas, com ocupações, com a luta direta, com a ação das massas. Isso significava recuperar as origens dos movimentos de trabalhadores que sempre compreenderam que as conquistas e a correlação de forças somente se alteram com a participação do povo, das massas.
Contrapunham-se criticamente às visões burocráticas, pelegas ou mediadoras que confundiam a força organizada do povo com uma boa representação, com bons argumentos. Ou seja, recuperou-se a idéia básica de que somente a luta faz avançar a organização do povo. E o povo somente se conscientiza, se organiza, se todos participarem massivamente.
Recuperou-se, também, com a formação do MST, diversos princípios organizativos que procuravam evitar os desvios de outros movimentos camponeses, que haviam sido derrotados e procurava construir métodos e práticas organizativos que a história da classe trabalhadora havia forjado ao longo de dezenas de anos.
Entre esses princípios organizativos é importante lembrar: a questão das instâncias de poder desempenhadas sempre por coletivos, por comissões e nunca de caráter coletivo. A abolição de cargos individualizados como presidentes, tesoureiros etc. que para o caso de um movimento social massivo que tinha aqueles objetivos (já citados) eram formas insuficientes. Além do mais a definição de cargos para as lideranças os deixava à mercê da repressão, seja do Estado, através dos policiais, seja dos latifundiários.
A adoção do princípio de divisão de tarefas para que em todas as atividades do Movimento participassem o maior número possível de pessoas. A descentralização administrativa, sendo o menos burocrático possível e a autonomia política da decisão para cada frente que esteja mobilizada ou lutando.
Recuperar a disciplina como um valor, uma prática organizativa fundamental, de respeito aos objetivos, às deliberações do coletivo. A compreensão de que nenhum movimento social consegue progredir se não se preocupar com o estudo, com o conhecimento científico, com o conhecimento de sua realidade e com a formação de seus militantes e lideranças.
A vinculação das lideranças e dirigentes de forma permanente com sua base social. Ou seja, adotou-se a necessidade de trabalho de base como fundamental para a organização do movimento social. Trabalho de base entendido como a metodologia de reunir em pequenos grupos todas as pessoas que fazem parte e realizar com elas um processo contínuo de democratização das informações, de conscientização, de deliberação das questões fundamentais que afetam a organização da luta.
1985: O 1º Congresso Nacional
Um ano depois, em janeiro de 1985, na cidade de Curitiba - capital do Estado do Paraná, o MST realizou o Primeiro Congresso Nacional dos Trabalhadores Sem-Terra. Concretizava-se assim uma parte desse processo histórico da formação do Movimento.
Passados 15 anos da caminhada da luta pela terra e da formação do MST, em 1995, na realização de seu Terceiro Congresso Nacional, o Movimento apresentou uma nova elaboração de seus objetivos gerais:
Construir uma sociedade sem exploradores e onde o trabalho tem supremacia sobre o capital;
A terra é um bem de todos . E deve estar a serviço de toda a sociedade;
Garantir trabalho a todos, com justa distribuição da terra, da renda e das riquezas;
Buscar permanentemente a justiça social e a igualdade de direitos econômicos, políticos, sociais e culturais;
Difundir os valores humanistas e socialistas nas relações sociais;
Combater todas as formas de discriminação social e buscar a participação igualitária da mulher.
Nesta nova elaboração, O MST manteve os mesmos princípios de transformação da sociedade a partir de suas ações, ampliando e atualizando os objetivos, o que representa algumas mudanças e que são resultados do próprio desenvolvimento das experiências construídas na contínua luta pela terra. Nesse sentido, apresentou também uma síntese de seu programa de reforma agrária:
Modificar a estrutura da propriedade da terra;
Subordinar a propriedade da terra à justiça social, ás necessidades do povo e aos objetivos da sociedade;
Garantir que a produção da agropecuária esteja voltada para a segurança alimentar, a eliminação da forme e ao desenvolvimento econômico e social dos trabalhadores;
Apoiar a produção familiar e cooperativada com preços compensadores, crédito e seguro agrícola;
Levar a agroindústria e a industrialização ao interior do país, buscando o desenvolvimento harmônico das regiões e garantindo geração de empregos especialmente para a juventude;
Aplicar um programa especial de desenvolvimento para a região do semi-árido;
Desenvolver tecnologias adequadas à realidade, preservando e recuperando os recursos naturais, com um modelo de desenvolvimento agrícola auto-sustentável;
Buscar um desenvolvimento rural que garanta melhores condições de vida, educação, cultura e lazer para todos.
Estes pontos são uma síntese do programa agrário elaborado pelo MST. Eles apresentam o tipo de reforma agrária que o Movimento pretende alcançar e, ao mesmo tempo, as transformações necessárias para realizar o programa.
Nesse processo histórico do avanço das lutas, das conquistas de terra, dos assentamentos, dos novos desafios criados em cada vitória, os trabalhadores rurais foram construindo a sua organização; desde 1985 até hoje o MST foi se transformando de acordo com a realidade da luta e possui hoje a seguinte estrutura:
Estrutura das Instâncias Deliberativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
Congresso Nacional (Cada 5 Anos)
Coordenação Nacional
Direção Nacional
Coordenação Estadual
Direção Estadual
Coordenações Regionais
Coordenação dos Assentamentos e Acampamentos
A Coordenação Nacional é formada por aproximadamente 90 pessoas. São dois membros por estado, eleitos nos encontros estaduais; um representante eleito de cada Central das Cooperativas Estaduais; dois membros eleitos por setores nacionais e 21 membros da Direção Nacional, que são eleitos no Encontro Nacional.
A Coordenação Estadual é representada por um coletivo eleito no Encontro Estadual e formada por sete ou até quinze membros, de acordo com a realidade da forma de organização em cada estado. Este coletivo é composto pelos membros da Direção Estadual, da Central de Cooperativas e dos setores estaduais.
A Coordenação Regional é formada por membros eleitos ou indicados nos Encontros Regionais. Estes também são membros das coordenações dos assentamentos ou dos acampamentos e são eleitos em assembléias.
As Coordenações de Assentamentos e Acampamentos são formadas por membros de vários setores, como por exemplo: produção, educação, saúde, comunicação, frente de massa, finanças etc. Em nenhuma das instâncias existem cargos tipo: chefes, presidentes, diretores etc. Os dois graus da hierarquia são coordenadores e membros.
FORMA DE ORGANIZAÇÃO DAS ATIVIDADES
Instâncias Deliberativas
Secretaria Nacional + Secretarias Estaduais
Setores de Atividades:
1 – Produção (SCA) 2 - Formação, 3 - Educação, 4 - Frente de massa, 5 -, 6 - Formação, 7 - Comunicação, 8 - Finanças, 9 - Projetos.
Nacionais: 1. Setor de Relações Internacionais. 2. Direitos Humanos
MAB
Nossa história
A história dos atingidos por barragens no Brasil, vem sendo construída, ao longo dos anos, por agricultores, povos indígenas, ribeirinhos,remanescentes de quilombos e populações urbanas atingidas. Tem sido uma história de Resistência, de Luta pela Terra, pela natureza preservada e por uma Política Energética justa que atenda os anseios das populações atingidas, de forma que estas tenham participação nas decisões sobre o processo de construção de barragens, seu destino e o do meio ambiente. Nos anos 70 iniciou-se no Brasil a construção de grandes complexos hidrelétricos, com a finalidade principal de gerar energia para as indústrias, em acelerado ritmo de desenvolvimento. Para tanto, considerou-se necessária a desapropriação de vastas áreas e, num prazo de tempo relativamente curto, toda uma população de agricultores, comerciantes, etc. foram obrigados a abandonar suas casas, terras, trabalho, enfim romper com um conjunto de relações sociais estruturadas. No decorrer das construções de grandes hidrelétricas e barragens no Brasil, em que contingentes da população eram expulsos de suas terras, vilas e cidades, perdiam sua identidade e raízes culturais; a mesma população atingida começou a se organizar, lutando por reassentamentos, indenizações e, inclusive, levando suas experiências para contribuir na organização de outros grupos antes da obra ser construída, de modo que estes passavam a ser sujeitos políticos, capazes de decidir sobre o destino de suas regiões e de suas vidas.
LUTAS E RESULTADOS
Em todo o Brasil estabeleceram-se marcos históricos de lutas de atingidos por Barragens. *Luta dos Atingidos pela Uhe Itaparica - 6050 famílias reassentadas nos seguintes projetos: Brígida, Barra do Tarrachil, Pedra Branca, Icó Mandantes 04, Rodelas, Glória -Borda do Lago (todos esses já em funcionamento); Caraíbas, Barreiras blocos 01 e 02, Icó Mandantes 03, Jusante, Itaquatiara, Itacuruba ( esses ainda não concluídos).
* Lutas dos Atingidos pela Uhe Itá - Os atingidos pela barragem de Itá conquistaram quase todos os reassentamentos, e a auto gestão dos mesmos, antes de ser iniciada a construção da obra. - Reassentamentos: .Implantados - Campo Erê em Santa Catarina - 52 famílias, Marmeleiro no Paraná - 32 famílias, Mangueirinha no Paraná - 82 famílias, Chopinzinho no Paraná -72 famílias, Honório Serpa no Paraná - 36 famílias .Em construção Chiapeta no Rio Grande do Sul- 66 famílias Campos Novos em Santa Catarina - 28 famílias a serem reassentadas ainda. Área Remanescente - 42 famílias
* Luta dos atingidos pela Uhe Salto Caxias - PR
- Foram comprados 17.000 hectares necessários para o reassentamento das famílias.
- Já foram realizadas duas etapas das indenizações.
- 98% dos atingidos conseguiram comprar terra, permanecendo na roça.
- Todas as famílias receberão uma verba de manutenção de 1 salário mínimo por mês, durante um ano.
Reassentamentos:
Boa Esperança - 26 famílias
Nova Prata do Iguaçu - 28 famílias
Ibema - 52 famílias
Campo Bonito - 20 famílias
Três Barras do Paraná - 27 famílias
Catanduvas - 72 famílias (três projeto
Cascavel - 401 famílias (04 projetos)
* Lutas dos Ameaçados pelas Uhes Tijuco Alto, Funil, Batatal - SP
- Conquista dos estudos das Terras de Remanescentes de Quilombos. O processo para a demarcação das áreas já está quase encerrado.
- Suspensão das obras por tempo indeterminado;
- Criação da Associação dos Remanescentes de Quilombos de Ivaporunduva;
- Articulação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Vale do Ribeira e Sorocaba.
* Luta dos Atingidos pela Uhe Irapé - MG
- Os trabalhadores rurais atingidos com a ajuda de técnicos e entidades de apoio, fizeram um novo RIMA da barragem.
- A obra não foi iniciada e os atingidos já participaram da Audiência Pública para julgamento do Rima, onde se posicionaram contrários à obra.
- Tanto em Itá como em Salto Caxias, os trabalhadores rurais que eram arrendatários, posseiros (Sem documento da terra), foram reconhecidos pelo Setor Elétrico, indenizados e reassentados como os demais pequenos produtores.
Luta dos atingidos pela Barragem de Porto Primavera - MS/SP
Esta obra atingiu várias categorias de trabalhadores entre elas pescadores profissionais e amadores, isqueiros(pessoas que pegam iscas para os pescadores), comunidade indígena Afoyé Xavante, Oleiros( pessoas que trabalham com o barro), agricultores, posseiros, caseiros e outros.
Apesar da barragem já estar pronta e operando, muitas pendências ainda estão por resolver, muitos oleiros e pescadores ainda não foram indenizados.
Luta dos atingidos pela Barragem de Manso - MT
Os atingidos negociaram a 1º etapa, aqueles que moram próximos ao rio que já está cheio, pois as comportas já foram fechadas e a usina já começou a operar, os atingidos estão bastante apreensivos com a negociação da 2º etapa, pois a empresa furnas não está cumprindo com o combinado muitas famílias estão ficando de fora dos reassentamentos e indenizações
Luta dos atingidos pela barragem de Serra da Mesa - GO
Esta grande obra construída também no rio Tocantins, está até hoje com seus problemas sociais e ambientais não resolvidos, muitos atingidos ainda lutam alguns na justiça para receber sua indenização, em serra da mesa apesar de constar no RIMA (Relatório de impacto Ambiental) o reassentamento não foi feito.
Luta dos atingidos pela barragem de Lageado -TO
A barragem de Lageado está sendo construída no rio Tocantins, lá os atingidos se organizaram desde o início da obra, as indenizações das terras já está bem avançado, a luta dos atingidos continua firme para conseguirem que seus direitos sejam garantidos.
Luta dos atingidos pela barragem de Cana Brava - GO
As obras da barragem estão andando a todo vapor, mas o ritmo não é o mesmo para o reassentamento e as indenizações, os atingidos estão mobilizados organizando a população para que todos os direitos sejam respeitados, está começando agora a 1º etapa de negociação.
Luta dos atingidos pela barragem de Tucuruí _ PA
Uma das obras mais problemáticas construída na região amazônica a barragem de Tucuruí até hoje trás muitos problemas, tanto para o rio Tocantins completamente alterado depois da barragem como para os problemas sociais que não param de aparecer.
Até hoje, depois de mais de 10 anos construída, existe ainda muitas famílias que não foram indenizadas, o problema do mosquito causado pela não retirada da mata ao redor do lago ainda persiste, afugentado qualquer pessoa que queira se estabelecer por perto.
Agora a Eletronorte está tentado viabilizar uma continuação da barragem ou seja praticamente construir outra Tucuruí o que trás muita preocupação aos municípios vizinhos a usina, que de novo terão que enfrentar os mesmos problemas vívidos pela atual usina em operação.
Projeto Belo Monte - PA
A Eletronorte está fazendo de tudo para viabilizar mais um projeto hidrelétrico para a região amazônica, mas entidades de defesa do meio ambiente e das populações ameaçadas por esta obra, já estão se mobilizando para protestar contra mais este desastre ambiental e social.
Apesar das Conquistas, todas as Barragens acima referidas ainda possuem pendências a serem cumpridas pelos governos e Empresas do Setor Elétrico, inclusive recursos a serem destinados para as obras sociais dos reassentamentos.
O Que é a Comissão Mundial de Barragens?
Em março de 1997, a Declaração final do I Encontro Internacional de Atingidos, realizado em Curitiba, defendeu a criação de uma comissão independente para estudar os impactos das barragens já construídas e propor novas regras e diretrizes a serem respeitadas pelas agências multilaterais (Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, etc), governos e empresas elétricas - públicas e privadas. Em maio do mesmo ano, na cidade suíça de Gland, numa reunião promovida pelo Banco Mundial e pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), esta proposta foi apresentada pelos representantes dos movimentos de atingidos - entre os quais o MAB - e ONGs ambientalistas e de direitos humanos de vários países do mundo. O Banco Mundial aceitou o desafio. Após vários meses de negociações, conclui-se um acordo em torno dos doze componentes da Comissão, entre os quais está a companheira Medha Paktar, dirigente do movimento contra barragens na Índia. Em maio de 1998, em Washington, nos Estados Unidos, a CMB deu início a suas atividades, que incluem: a) estudos de sete grandes barragens - entre as quais a de Tucuruí; b) estudos sobre reassentamentos, populações indígenas, pendências, e outros temas; c) quatro audiências públicas, uma das quais, por pressão do MAB, se realizou em São Paulo em agosto de 1999; d) reuniões do Fórum Consultivo, integrado por 50 entidades, governamentais e não governamentais, entre as quais o MAB e a Eletrobrás.
Os principais estudos da CMB já estão quase concluídos e a Comissão deverá divulgar seu Relatório Final em novembro deste ano. O MAB e os companheiros de outros movimentos de atingidos por barragens, assim como ONGs que são nossas aliadas, estão lutando para que o Relatório Final diga com todas as letras a verdade sobre as grandes barragens no mundo. As empresas, os governos, o Banco Mundial estão pressionando por um Relatório que sirva para legitimar a continuidade da construção de barragens. Na Comissão Mundial de Barragens bem como nas barrancas dos rios o MAB defende os interesses dos atingidos.
Principais Conclusões da Comissão Mundial de Barragens:
1. A luta dos atingidos em todo o mundo vem desempenhando papel fundamental para que a sociedade tome consciência dos graves problemas provocados pelas grandes barragens e a esta luta que se deve, principalmente, a criação da Comissão Mundial de Barragens.
2. As barragens não atingem os objetivos prometidos, produzem menos energia do que o prometido, fornecem menos água e irrigam menos áreas do que o projetado, e geralmente custam muito mais caro e levam muito mais tempo para serem concluídas. Além disso, as barragens não têm contribuído para um desenvolvimento justo e sustentável, aprofundando a miséria, as desigualdades sociais e regionais.
3. Os estudos e relatórios de impacto ambiental não são eficazes na previsão das consequências das barragens, pois tendem a minimizar os efeitos negativos e exagerar os benefícios esperados. As medidas para mitigar e compensar os impactos negativos não funcionam ou são insuficientes, o que aprofunda os problemas sociais e ambientais.
4. Por tudo isso, as barragens não constituem uma fonte de energia limpa, não poluidora, nem tampouco servem como solução para os problemas ligados ao efeito estufa.
5. Há alternativas viáveis, com menores custos sociais e ambientais, tanto para a produção de energia quanto para a gestão de recursos hídricos, que podem e devem ser pesquisadas e implementadas.
6. A construção de barragens atende aos interesses econômicos e políticos dos grupos dominantes nacionais e internacionais, da indústria de barragens e das empresas elétricas, e apenas por esta razão elas são construídas em todo o mundo. Principais Propostas
7. Que nenhuma nova barragem seja construída sem a adequada informação e prévio consentimento das populações atingidas, devendo o processo de participação deliberativa estar assegurada em todas as etapas do projeto e garantido o direito à negociação coletiva.
8. Que seja reconhecido o direito das populações indígenas, tribais e tradicionais (inclusive remanescentes de quilombos) à auto-determinação, assim como seus direitos à preservação do patrimônio cultural e da integridade territorial.
9. Que seja declarada a moratória na construção de novas barragens enquanto não forem adequadamente resolvidas as pendências existentes em barragens já construídas, inclusive com a reparação dos danos materiais e imateriais incorridos e a restauração das condições ambientais.
10. Que as empresas, privadas ou públicas, engajadas na construção e operação de barragens sejam responsabilizadas integralmente pelos custos sociais e ambientais incorridos, bem como pelos programas e projetos de desenvolvimento que forem implantados.
MTST
Quem são os sem-teto?
Natalia Viana
Era madrugada do dia 27 de julho de 2002 quando um grupo de seiscentas famílias lideradas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) entrou em um terreno privado de 360.000 metros quadrados em Osasco, São Paulo. A área era perfeita: ociosa havia mais de quarenta anos, estava em completo abandono, coberta de mato, servia para desmanche de carros e, à noite, podia-se ouvir tiros vindos dali. Apenas um detalhe tornava aquela área praticamente impossível de ser conquistada: estava situada em um dos bairros mais "nobres" da cidade, como o próprio nome diz – Parque dos Príncipes.
Visitei o lugar uma semana depois da noite fatídica, e a "cidade de lona preta" já estava montada. Barracas formando uma fileira interminável margeavam a larga faixa de terra árida que seria a rua principal. Do outro lado do gigantesco terreno havia uma cozinha, na qual se preparava comida para as crianças, e uma secretaria, onde o MTST fazia o cadastramento de todos os ocupantes, que batizaram o acampamento com o nome de Carlos Lamarca.
Dias antes, uma liminar havia decretado a reintegração de posse. O clima era tenso – eram mais de 4.000 pessoas ali – e os líderes do movimento preparavam um pedido de suspensão da liminar. "Daqui a gente só sai na marra", me disse um sem-teto. Não foi o caso. Como era ano de eleição para o governador do Estado, candidato à reeleição, não convinha um confronto que poderia macular a sua imagem. Logo a liminar seria suspensa e uma longa negociação teria início.
Para dialogar com o MTST, o governo fez uma exigência: que ninguém mais entrasse na área. De fato, logo após a ocupação, mais de 2.000 famílias vindas das mais diferentes regiões de Osasco se juntaram ao movimento e ali se instalaram. Por trás dessa exigência estava a admissão, pelo poder público, de que muitos outros sem-teto poderiam chegar.
Quem é sem-teto?
Difícil imaginar de onde saem tantas pessoas dispostas a montar uma barraca de plástico em chão de terra, sem água ou comida, agüentando a ameaça dos escorpiões (foram mais de cem pessoas picadas) e correndo o risco de ser expulsas a qualquer momento. Pois, diferentemente do que se possa pensar, elas vêm da cidade, ou melhor, das suas porções mais distantes, mais invisíveis. São moradores de cortiço que dividem quartos minúsculos na região central; favelados à beira da expulsão pelo poder público; donos de casas em loteamentos clandestinos sem água, luz ou esgoto; famílias inteiras que moram na casa dos pais ou parentes; ou habitantes da periferia que já não conseguem pagar o aluguel. Em duas palavras: sem-teto.
Existem hoje 6,5 milhões de famílias sem teto no país. Dessas, 1,2 milhão têm renda de até três salários mínimos, mal conseguindo pagar o aluguel, e 3,6 milhões moram em casas de parentes ou amigos. Além disso, existem hoje 10,2 milhões de domicílios sem infra-estrutura básica no Brasil e 1,7 milhão de habitações precárias.
Esses números assustadores são expressão de uma das mais perversas formas de apropriação do capital, que é a especulação imobiliária. Como no mercado de ações, a cidade se torna palco de negociações e jogo de interesses que ora aumentam o valor da terra, ora diminuem; um mercado físico, palpável, onde o poder público cumpre um papel importantíssimo como "gerente" e provedor de infra-estrutura.
À margem da história
O modelo de desenvolvimento industrial adotado pelo Estado a partir da segunda metade do século incentivou uma intensa urbanização e conseqüente migração. Na década de 60, 45 por cento dos brasileiros viviam em centros urbanos; hoje, esse número ultrapassa a casa dos 80 por cento.
Mas o êxodo rural não veio acompanhado de investimentos públicos nos bairros que se formavam. E a nova população passou a "se virar" - auto-construindo suas moradias em áreas públicas vazias, dividindo, redividindo e sublocando cômodos nos cortiços ou ainda comprando lotes irregulares, fruto de grilagem. Ignorada pelo governo, essa população acabou por construir o que se costumou chamar de "cidade oculta" ou "cidade clandestina".
Só em 1964 o poder público admite o problema, com a criação do BNH – Banco Nacional de Habitação (extinto em 1986). Habitação ainda não era direito expresso pela Constituição, o que só aconteceria no ano 2000, com emenda ao artigo 6¼. Mas aquela iniciativa de construção de casas populares não estava sozinha; ela se articulava com um planejamento urbano voltado exclusivamente para o bem-estar da classe média. Como me disse Nabil Bonduki, arquiteto e vereador de São Paulo, lemas do tipo "São Paulo não pode parar", inventado na década de 50, escondiam uma mentalidade que buscava o progresso nos moldes americanos a qualquer custo. Emblemas dessa mentalidade foram a substituição do bonde pelo ônibus, o planejamento das cidades em função do automóvel e a verticalização. É claro que tal mentalidade não se consagrou porque "estava na moda". A indústria automobilística começava a dar as cartas na administração das cidades, e com ela todas as outras indústrias agregadas – plástico, borracha, petróleo (Faria Lima, prefeito de São Paulo de 1965 a 1969, criou pontes, viadutos e vias expressas para incentivar o aumento de uma frota que, em trinta anos, pularia de 160.000 veículos para 3,6 milhões). Da mesma maneira, a construção civil recebia pesados investimentos. E a infra-estrutura era garantida pelo governo no centro das cidades, onde empresários construíam seus imponentes arranha-céus e a classe média decorava seus amplos apartamentos.
O caro leitor me responda: o que é uma cidade além de reprodução física do modelo econômico e político da sociedade?
Assim como são excluídas do propagandeado consumo de classe média, das novas tecnologias eletrônicas que dão o tom na economia, e da compreensão da realidade mundial ao serem criadas como analfabetas políticas, as classes mais baixas são excluídas do território urbano, sendo-lhes negado o direito à cidade.
Se antes a marginalização rumo à periferia era opção dos trabalhadores que buscavam as terras mais baratas, agora o Estado passava a atuar decisivamente no processo. É que o nada saudoso BNH (e posteriormente as Cohabs) tinha como política comprar terrenos no anel periférico para financiar casas populares com o pretexto de serem mais baratos. A prática não levava em conta que o processo de formação dos preços da terra tem muito a ver com política urbana. Não só a infra-estrutura valoriza uma área; as leis de zoneamento colaboram muito, bem como as regras de uso e ocupação do solo.
Como me explicou a urbanista Raquel Rolnik, nunca houve falta de planejamento na formação das cidades brasileiras; houve, sim, muito planejamento. "Para os pobres, sempre foram destinadas as piores terras, as mais feias, longe das oportunidades culturais, educacionais e de emprego que a cidade oferece..." O resultado foi a expansão de conjuntos habitacionais de péssima qualidade, que acabaram virando cidades-dormitório. Até mesmo quando há escolas, creches e postos de saúde, esses serviços são de qualidade muito inferior aos do centro. Construídos sob medida para os subcidadãos. "Quem assistiu ao filme Cidade de Deus vai lembrar que Cidade de Deus foi um conjunto habitacional produzido pela Cohab do Rio de Janeiro. Aquelas casas foram feitas para os pobres morarem, e aquilo não é cidade", lembra Rolnik.
A nova política de habitação popular promovia ainda a remoção maciça das favelas, que até a década de 70 ocupavam terrenos nas áreas centrais. As cidades se expandiram horizontalmente a perder de vista, causando sérios problemas econômicos e ambientais. Além disso, a implantação de infra-estrutura em áreas longínquas é difícil e cara, enquanto toda a infra-estrutura do centro permanece subutilizada durante a noite e nos fins de semana. E mais: depois de construídos, muitos conjuntos foram abandonados à própria sorte. Foi o que aconteceu com o Cidade de Deus.
Outra faceta do BNH é a exclusão dos próprios excluídos. Durante seus 22 anos de existência, o BNH construiu 4 milhões de unidades, mas destinou apenas 18 por cento às famílias com renda inferior a cinco salários mínimos. Assim, a grande maioria dos trabalhadores continuou resolvendo o seu problema sozinha, produzindo cada vez mais soluções precárias e sem nenhuma relação com a cidade em que vive. Uma outra cidade, à margem, excluída, paralela.
Vazios
Mas o avesso dessa política também dá as cartas no quadro habitacional do país. Da mesma maneira que vão surgindo submoradias aos borbotões, surge um outro fenômeno típico das cidades brasileiras: os vazios urbanos.
Não só terrenos baldios, como aquele ocupado pelo MTST em Osasco, mas apartamentos, casas e prédios inteiros vazios. Por mais tragicômico que isso pareça, a lógica é simples: há muito mais terras, casas e espaços comerciais destinados para a classe média do que classe média para ocupar. "Como se exclui totalmente os pobres da lógica do planejamento e da legislação urbanística, ocorre uma sobreoferta de pedaços urbanos no centro das cidades com infra-estrutura, qualidade habitacional e urbanística", diz Raquel Rolnik. De fato, há 4,6 milhões de domicílios vagos nas zonas urbanas brasileiras, o que representa 10 por cento do total. "Dois exemplos muito claros são Uberlândia e Goiânia, onde tem 40 por cento da terra vazia e subutilizada. E no centro de São Paulo são mais de duzentos edifícios residenciais inteiramente vazios."
O que está por trás dessa lógica desumana é uma política urbana que dialoga apenas com segmentos restritos da sociedade. Assim como na educação e na saúde, a própria cidade foi largada a cargo das leis de mercado. Só que a cidade, abarca a todos; há pouca chance de escapar da desordem. A classe média acaba se fechando em condomínios privados com muros altíssimos e guardas com cara de mau, e, como diria Rolnik, isso também não é cidade.
A luta pelo centro
Conscientes desse paradoxo, os movimentos de sem-teto buscam cada vez mais "voltar à cidade" ocupando regiões centrais. A luta já não se resume à busca de teto ou terra, mas questiona a própria lógica de produção das metrópoles. Movimentos com mais anos de estrada, como a Conam (Confederação Nacional de Associações de Moradores), o MNLM (Movimento Nacional de Luta por Moradia) e a UNMP (União Nacional por Moradia Popular) travam diariamente uma briga política, com atos, abaixo-assinados e projetos de lei, em busca de uma nova legislação que permita o direito global, total e irrestrito aos centros urbanos.
Com uma estratégia diferente, foi essa mesma luta que o MTST assumiu ao ocupar o Parque dos Príncipes. Filho histórico do MST, esse movimento propõe promover organização popular e conscientização política em um espaço habitacional urbano diferenciado. Presente em três Estados brasileiros – Pará, Pernambuco e São Paulo –, ele faz ocupações para implantar o seu projeto "rururbano". A idéia é manter um espaço igualitário e autogerido. Os próprios moradores dariam aula, formação política, administrariam a comunidade e cuidariam dos doentes. Uma grande horta comunitária proveria sustento mesmo para os desempregados. E grandes cooperativas seriam montadas, garantindo trabalho para quem precisa.
Em Osasco, sua cidade de plástico preto olhava diretamente para centenas de casarões brancos ou de tijolo aparente. A alguns minutos de caminhada, um ponto de ônibus garantia transporte para o centro em alguns minutos. A vizinhança contava ainda com segurança particular, posto de gasolina, padaria e um clube de golfe.
Durante os quatro meses em que os sem-teto permaneceram ali, muitas discussões foram travadas com o governo do Estado. O MTST chegou a indicar outros terrenos na região para que as famílias fossem transferidas. Logo após as eleições, a postura do governo mudou: ou os sem-teto aceitavam a proposta ou seriam despejados pela Tropa de Choque. A proposta: um terreno provisório de 370.000 metros quadrados, propriedade do CDHU, localizado no quilômetro 205 da via Dutra, no município de Guarulhos. Detalhe: o prefeito da cidade, Elói Pietá (PT), não foi informado. Protestaria em vão.
Transferidos para a nova área, os sem-teto começam a reconstruir a sua cidade – agora de madeira e não mais de plástico. Podem implantar o projeto e trabalhar na formação comunitária e política dos moradores. Apesar dos pesares: uma área de 20 metros quadrados do terreno está contaminada com lixo industrial e mais de quarenta pessoas foram enviadas para o hospital com fortes dores de cabeça, náusea, febre e infecção intestinal.
Daí o grande engano do governo do Estado ao se contentar com a própria astúcia que possibilitou de uma única tacada esconder os insatisfeitos numa área da extrema periferia e transferir o "abacaxi" de uma cidade governada pelo PSDB para uma administração petista. Não leva em conta que, ao mesmo tempo em que propõe ad infinitum o padrão periférico, alimenta a revolta daqueles que são excluídos do direito mais básico da civilização, que é o direito à cidade. E não são poucos, nem isolados, os sem-teto.
A líder Evaniza vai direto ao ponto
Surgem na década de 80 movimentos de moradia apoiados pela Igreja Católica e pelo novo sindicalismo. As primeiras reivindicações eram por infra-estrutura na periferia ou pela permanência nas favelas e cortiços centrais. Inicialmente individualizados, esses movimentos foram se agrupando e mudando as estratégias de luta: não era mais a briga pelo próprio bairro, passava a ser a briga pelo direito à cidade. Logo surgem articulações nacionais que se inserem num caráter mais amplo de efetiva participação política nas discussões sobre habitação e urbanismo.
Fundada em 1982, a Conam é a mais plural delas. É formada por mais de 25.000 associações de moradores e amigos de bairro de 22 Estados brasileiros. A briga dos sem-teto ganha seu primeiro movimento nacional em 1990, com a criação do MNLM, cuja principal atuação é junto aos órgãos públicos, se articulando com ONGs e outros movimentos sociais que lutam pela reforma urbana. Três anos depois era a vez da mais poderosa articulação estadual, a UMM (União dos Movimentos de Moradia de São Paulo), criar o seu movimento nacional, batizado de UNMP. Mantendo o princípio de organização de base, ela luta pela participação popular, mutirão, autogestão e controle social das políticas e recursos públicos.
Figura carimbada nos atos e articulações por moradia desde os 14 anos, a ex-coordenadora da UNMP e atual coordenadora da UMM, Evaniza Rodrigues, me recebeu para uma franca e surpreendente entrevista na sede do movimento, no centro de São Paulo.
A política da UMM sempre foi atuar junto ao poder público?
Sempre. Moradia deve ser alvo de política pública de habitação, porque todo direito é responsabilidade do Estado. E nós não queremos moradia de segunda categoria, como nas favelas, onde há mais de cem anos o povo mora sem política pública, sem movimento, sem nada. Também é uma posição política de assumir que o Estado deve ser para todos e a gestão deve ser participativa. Tem que permitir instrumentos de gestão compartilhada, ter controle do orçamento, tudo isso. Isso vem desde o começo, porque a gente se organizou para não ficar esperando que o governo vá resolver por nós. Queremos ser atores e interlocutores.
Que outras propostas trouxe a UMM para a política habitacional?
Na época do surgimento, política de habitação significava construir um conjunto de casinhas. Não havia urbanização de favelas, regularização fundiária, reformas de imóveis vazios, isso não existia. O município pegava os recursos e fazia um conjuntinho de casas. O que, na nossa opinião, é, de longe, a pior solução – é um apartheid da cidade, então tem a zona dos pobres que não é uma cidade de verdade, com praça, comércio, banco, igreja, escola... Qual é um bairro bom de morar? É um bairro onde tem tudo, ninguém gosta de morar onde tem nada. Uma vez foi muito engraçado, o Maluf, ao ver um mutirão nosso muito bonito, que fica em São Mateus, disse: "É bonito, mas não é casa de pobre, né?" Como se o pobre fosse condenado por toda a vida a morar em casa feia, a ter coisas feias, a comer coisas ruins, a recusar comida cheirosa.
E quanto à política urbana num sentido mais geral?
A gente propõe fazer um diálogo inédito entre política urbana e política habitacional. É o que eu falei: política urbana é para os ricos; política habitacional, para os pobres. Aqui em São Paulo, por exemplo, teve uma baita briga por causa do zoneamento no plano diretor. Aí eu anotei só por curiosidade a lista dos pontos de conflito, peguei o mapa da cidade e comecei a fazer bolinha. Não saía de um miolinho muito minúsculo, ou seja, a política urbana é para esses miolos urbanizados da cidade onde tem interesse do capital imobiliário. A dúvida é se a butique de luxo Daslu fica ou se a Daslu não fica. Eu quero saber se vão instalar uma Daslu no Parque São Rafael ou no Jardim ngela, bem que podia instalar lá, porque lá pode, não tem restrição de zoneamento. Então, a polêmica que gerou essa questão mostra o modo ridículo como se está legislando, está se pensando apenas num pedacinho da cidade.
Quem faz parte do movimento?
O movimento é fundamentalmente formado por lideranças populares. São pessoas que ao longo da sua trajetória no movimento foram descobrindo coisas e se destacando exatamente por ter essa compreensão do todo. O movimento acaba abrindo a possibilidade de as pessoas descobrirem o potencial que elas têm, que na vida do dia-a-dia é sempre deixado de lado porque a maioria das oportunidades é para desempenhar funções repetitivas, que não as promovem. A UNMP busca a formação da cidadania, a formação política, então é fundamental a participação popular. Se não tiver uma sociedade que mude radicalmente a sua maneira de pensar e agir – o que não se muda de uma hora pra outra, passa por conquistas –, não vamos conseguir fazer mudança nenhuma. Quando chegarmos para o dono de um terreno que nunca pagou imposto na vida e dissermos que "o terreno deve cumprir a função social da propriedade", ele vai ser contra. E a sociedade? A sociedade é tão conservadora que vai falar "mas isso é contra o direito de propriedade".
Vocês também organizam ocupações?
Ocupação, para nós, é uma ferramenta. Quando alguém chega no grupo e fala "quero uma casa, demora pra sair?", a gente diz que vai demorar. É uma resposta meio chocante até. E a gente vai começar uma reflexão mostrando para essa pessoa que a solução individual não é palpável. Vamos buscar uma solução coletiva. O segundo passo é vincular direito à moradia e política pública. As pessoas sempre têm uma experiência anterior – foram na Cohab, tentaram ser sorteadas no CDHU e não foram, ou fizeram um cadastro e não aconteceu, e infelizmente também muita gente que teve experiência negativa com movimentos. Muitas cooperativas que cobram 100 reais para fazer a carteirinha depois desaparecem com o dinheiro. Quando a gente faz uma passeata, exigimos a construção de duzentas casas e também a aprovação do Fundo Nacional. A gente vai associando uma coisa com a outra, e esse processo vai ampliando a consciência das pessoas. Nunca começamos nada por uma ocupação. Mandamos um documento para o governo, tem um processo de negociação, apresentamos uma proposta... Se a negociação começa a emperrar, temos meios de pressão, como, por exemplo, uma assembléia num terreno da CDHU, uma manifestação pública, uma passeata, um ato, um abaixo-assinado. A ocupação é a última ferramenta, não pode ser desperdiçada, senão banaliza. E, dependendo de onde você ocupa e em que momento político, o poder público não liga. É só ver quantos terrenos públicos estão ocupados hoje. Só a Cohab São Paulo tem 30.000 famílias morando em áreas ocupadas. Então, a ocupação é uma ferramenta de pressão política, ela não pode ser uma solução precária para o problema. Levamos muito tempo pra entender que para o governo é bom: resolvemos o nosso problema de moradia, não demandamos recursos públicos e cada um constrói a sua casa. Na época do Maluf era a gente que ocupava bastante e um monte de gente não organizada ocupava também. Todo mundo achando que vinha a maior repressão, que iam passar com os cavalos em cima da gente. Passados três anos da gestão do Maluf, 80 por cento dos terrenos municipais para habitação estavam ocupados – e estão ocupados até hoje. Porque antes das ocupações havia um movimento forte, fazíamos uma passeata por mês. As pessoas resolveram o seu problema de habitação precariamente e, desde que o prefeito não mexesse com elas, estavam sossegadas. Por isso, a nossa proposta é a mudança de programa e da solução de habitação.
É possível fazer a reforma urbana que vocês querem?
Claro que é possível, senão não estaríamos brigando por ela. A gente quer que o governo não tenha como princípio o mercado e sim a vida das pessoas que moram na cidade. A concentração de bens urbanos é pior que a concentração de renda no país. Então tem que pensar nisso, que os bens urbanos e as oportunidades urbanas estejam disponíveis para todos. Esse é o modelo que a gente quer. E também que as pessoas possam optar como vão se inserir na cidade. Morar na periferia ou no centro tem que ser uma opção.
Isso é possível neste modelo econômico?
Estamos construindo e lutando sempre para que essas diferenças diminuam, e ao mesmo tempo estamos habilitando mais gente para brigar por isso. É claro que, sem diminuir a concentração de renda ou as diferenças regionais do Brasil, não é possível conseguir isso. Então tem que mudar a distribuição de renda, dar acesso aos meios de produção, aos meios econômicos... Mas num mundo – e hoje não dá para pensar reforma urbana sem pensar no mundo globalizado – onde esses países que concentram a maior população do planeta tenham um outro papel na economia. Porque somos totalmente dependentes de tendências que a gente não sabe nem de onde vêm. Com a questão da produção industrial, as pessoas vieram para as cidades pra conquistar empregos, porque a cidade tinha produção industrial e portanto emprego; e aí duas canetadas dos babacas de Wall Street que resolvem cortar metade dos investimentos acabam com o país. Então, a questão urbana tem uma vinculação fundamental com a questão econômica.
Mas essa briga não é um pouco reformista?
À medida que coloca no cenário político pessoas que estão totalmente fora, ela está possibilitando outras transformações. Se eu vou vê-las, ou os meus netos, eu não sei. Mas não consigo ver transformações mais radicais que não passem por inserir essa população de baixa renda num processo político, num processo de luta. E tem outra coisa: não é por isso que as pessoas têm que morar mal hoje. Não é para comemorar só quando tudo mudar. Cada etapa de transformação mostra que esse horizonte é possível. Cada mutirão que a gente conquista tem vinte festas: a festa da conquista, a festa do terreno, a festa da laje... Para as pessoas perceberem que, se elas tiveram uma conquista nas mãos, elas podem ter outras conquistas.
Natalia Viana é jornalista.
NOTA: Após o fechamento desta edição, os sem-teto foram removidos do terreno de Guarulhos pela Polícia Militar. Dias depois da transferência dos integrantes do MTST para o terreno cedido provisoriamente pelo CDHU, no km 205 da Dutra, o Ministério Público encaminhou à Justiça pedido de desocupação da área alegando que o loteamento não estaria de acordo com a lei de zoneamento do município e que a parte contaminada da área impossibilitaria o seu uso. O Governo do Estado foi condenado, e na tarde do dia 06/01 removeu os ocupantes com tratores, caminhões e a sua truculenta força policial.
http://carosamigos.terra.com.br/
Caros Amigos, nº 70, janeiro de 2003.
No caso do público ser integralmente urbano sugiro substituir o 8º Dia pelo 9º Dia que estudará a questão mais urbana. É uma alternativa à realidade camponesa.
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