3 de agosto de 2011

A Entrevista

Texto elaborado por José Martins em 1997 no Boletim Análise de Conjuntura usando os textos de Marx como resposta para as questões colocadas pelo capital na atualidade. Apesar de terem passados mais uma década as perguntas e respostas continuam atuais.

Como Karl Heinrich Marx, autor de O Capital e outras importantes obras, estaria acompanhando as transformações recentes na economia mundial? Globalização, reestruturação produtiva, neoliberalismo, desemprego e... tantas coisas novas acontecendo. Essa curiosidade se justifica pela simples constatação que, vez ou outra, para dar alguma credibilidade aos seus discursos, mesmo os mais fanáticos burgueses, colaboracionistas, acadêmicos e partidários em geral da "globalização inevitável", citam alguma coisa que supostamente foi dito ou escrito por Marx. FHC, por exemplo, um neoliberal envergonhado nas palavras mas radical nas ações, se serviu em um recente discurso (retranscrito na íntegra por O Estado de S. Paulo, 8-4-97) de uma duvidosa referência ao capítulo Do Maquinismo à Grande Indústria, do livro O Capital, para pregar aos trabalhadores a neutralidade do regime capitalista e o conformismo à globalização. Se até FHC acaba de santificar o autor citado, não seremos nós que vamos duvidar da sua capacidade de análise do que está acontecendo no mundo do capital. Então, nada melhor do que fazermos uma entrevista com o “Doutor Vermelho", como Marx costumava ser chamado (e censurado) pela imprensa burguesa do século passado.
Fomos à fonte. Bastou encaminhar-nos até a estante onde se encontram algumas das suas obras mais importantes, folhear suas páginas e fazer as perguntas. O resultado veremos a seguir. Para todas as respostas não acrescentamos nem adaptamos nenhuma palavra além do que foi dito pelo entrevistado. Para quem quiser confirmar ou obter maiores detalhes das respostas, publicaremos na última parte da entrevista a bibliografia completa da qual nos utilizamos.

Análise: O que há de novo neste final de século 20?
Marx: As reviravoltas incessantes da produção, sacudindo continuamente todas as instituições sociais. Em resumo, a permanência da instabilidade e do movimento. Explorando o mercado mundial, a burguesia dá uma forma cosmopolita à produção e ao consumo de todos os países. Os produtos industriais são consumidos em todas as partes do mundo. O antigo isolamento nacional cede lugar ao tráfico universal, a uma interdependência universal das nações. Tudo que era sólido se desmancha no ar. Tudo que era sagrado é profanado. Enfim, os homens são forçados a considerar com novos olhos suas próprias relações e suas tarefas perante a vida.
A: Livre-mercado, concorrência, restruturações produtivas, modernos meios de comunicações, tudo isso são coisas muito novas...
M: A burguesia não pode existir sem transformar constantemente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção, portanto o conjunto das condições sociais. A livre-concorrência se instala em seu devido lugar, com a constituição social e política adequada, quer dizer, com o reino econômico e político da classe burguesa. As condições burguesas de produção e de comércio, as relações de propriedade burguesas, a sociedade burguesa moderna, que fez explodir tão potentes meios de produção e de comunicação, tudo isso se assemelha a um mágico incapaz daqui para a frente de exorcizar as potências infernais que ele invocou.
A: O que a história lhes reserva?
M: A história da indústria e do comércio é a história da revolta das forças produtivas modernas contra o moderno sistema de produção, contra o sistema de propriedade que é a condição de existência da burguesia e do seu regime. Basta lembrar as crises comerciais que, periodicamente, ameaçam mais e mais a existência da sociedade burguesa.
A: O economista vulgar tenta mascarar em seus discursos essas contradições da economia capitalista...
M: Essa camuflagem na linguagem só pode ter sentido se ela for a expressão, consciente ou inconsciente, de uma camuflagem na realidade. Na medida em que a economia se desenvolve em profundidade, ela não representa nela mesma mais nenhuma contradição, mas se defronta com a sua contradição, enquanto tal, simultaneamente ao desenvolvimento das contradições reais na vida econômica da sociedade. Nesse sentido, o economista vulgar torna-se conscientemente mais embelezador do sistema e procura cada vez mais eliminar na conversa os encadeamentos que contêm as contradições.
A: Os socialistas vulgares vêem a globalização como uma fatalidade, como o produto de coisas naturais, inevitáveis, e propõem rejeitar apenas seus efeitos mais ruins, aproveitando sua parte boa da maneira mais útil e mais produtiva possível.
M: Eles procuram receitar um paliativo para os problemas sociais, a fim de conservar a sociedade burguesa. Eles vêem que o produto torna-se constantemente condição de produção. Mas não vêem que as próprias relações de produção, as formas sociais nas quais ele produz e que lhe aparecem como relações acabadas, naturais, são o produto constante- e unicamente por essa razão o pressuposto constante desse modo de produção especificamente social.
A: O presidente da República do Brasil, por coincidência um antigo professor de sociologia, decretou dias atrás que a idéia de exploração não é mais importante, pois acaba de surgir uma coisa muito nova, característica da época atual da globalização: a "exclusão" de trabalhadores do processo de produção, os “inimpregáveis".
M: Os trabalhadores em excesso são uma invenção específica à época do capital. No início desta época se cortava a orelha e se marcava com ferro em brasa aqueles que ninguém queria empregar. No primeiro estágio do regime capitalista a relação entre população inativa e operária é fraca. No curso do estágio seguinte a população operária diminui de maneira relativa, depois aumenta. Essas duas tendências pertencem necessariamente ao capital. Essas duas tendências contraditórias - verdadeira contradição viva - se realizam com o desenvolvimento do maquinismo. Se a acumulação de capital aumenta a demanda de trabalho, ela aumenta igualmente a oferta, fabricando os "excedentários". A suprema beleza da produção capitalista consiste no fato de que ela não apenas reproduz constantemente o assalariado como assalariado, mas que proporcionalmente à acumulação do capital, ela produz sempre assalariados além da conta. A lei da oferta e da demanda de trabalho é assim mantida no trilho de rolagem conveniente, com as oscilações do salário se movendo entre os limites mais favoráveis à exploração e, enfim, garantindo a submissão tão indispensável do trabalhador ao capitalista.
A: O presidente-sociólogo do Brasil trama para abolir as legislação que fixa a jornada de trabalho. Os capitalistas agem antes. Enquanto modernas tecnologias são instaladas na indústria, a manchete de 15-04-97 do principal jornal burguês do Brasil, Gazeta Mercantil, é direta: "As Empresas usam mais horas extras. Operários trabalham 43% mais". No Brasil, a revolta dos trabalhadores sem terra é uma revolta contra o capital?
M: As relações econômicas da propriedade moderna da terra representam um processo. A agricultura explorada pelo capital se transforma em agronomia moderna. Os colonos, os servos, os meeiros, os parceiros e os agregados tornam-se diaristas assalariados. Em resumo, o trabalho assalariado em sua totalidade se desenvolve graças à ação do capital sobre a propriedade fundiária. Enfim, quando esta última assume uma forma mais elaborada, o proprietário fundiário dá seqüência àquela ação. Executa então a limpeza, quer dizer, esvazia o campo de bocas inúteis, arranca os filhos da terra do seio maternal, onde eles foram criados. Transforma assim a agricultura que por natureza aparece como fonte das substâncias imediatas, em fonte de substâncias mediatizadas e dependentes das relações sociais.
A: A propriedade fundiária moderna substituiu o antigo pequeno proprietário pelo trabalhador assalariado?
M: Não tenho dúvida. Somente então tornou-se possível a aplicação da ciência e o pleno desenvolvimento das forças produtivas. Na sua forma clássica, o trabalho assalariado impregna a sociedade em toda sua extensão e, como atividade social básica, substitui a terra a partir do momento em que foi criada a propriedade fundiária moderna, quer dizer, em que a propriedade fundiária é produzida como valor para o capital. É por isso que a propriedade fundiária se reduz também ao trabalho assalariado.
A: Na luta dos trabalhadores sem terra no Brasil, eles lêem seu livro O Capital e cantam canções pelo socialismo.
M: Trata-se simplesmente de um resultado da transferência do trabalho assalariado das cidades para o campo; em outras palavras, da difusão do trabalho assalariado sobre toda a superfície da sociedade.
Nesta segunda parte tratamos de assuntos como liberalismo, iniciativa privada, liberdade individual, fim do imperialismo, etc.
Análise - Liberdade de mercado, liberalismo. Essa é a nova religião que toma conta do mundo neste final de milênio.
Marx - Não se deixem enganar pela palavra abstrata liberdade. Liberdade de quem? Não se trata da liberdade de um simples indivíduo frente a outro. No estágio atual da sociedade o que é livre-mercado? É a liberdade do capital. Quando conseguirem derrubar os poucos entraves nacionais que ainda atrapalham a marcha do capital, terão liberado completamente a sua ação. Trata-se então da liberdade do capital massacrar o trabalhador.
A - Para os liberais, a mundialização constitui uma autêntica fraternidade que se espalha além das fronteiras nacionais e das diferentes culturas, levando progresso para toda a humanidade. Já decretaram o fim da época imperialista...
M - ...chamar de fraternidade universal a exploração no seu estágio cosmopolita é uma idéia que só poderia surgir da cabeça da burguesia. Não devemos ficar surpresos se os partidários do livre-mercado não podem compreender como um país pode se enriquecer às custas do outro, pois esses mesmos senhores não querem também. compreender como uma classe pode se enriquecer às custas de outra classe no interior de um país. Os trabalhadores verão que o capital mais livre não os tornará menos, escravo do que com o capital amarrado pelo protecionismo.
A: Os capitalistas, seus dirigentes sindicais e seus economistas, pensam o contrário: para eles a globalização leva à combinação dos interesses dos capitalistas e trabalhadores, à parceria entre o capital e o trabalho.
M - Não entendo essa pretensão dos liberais, que imaginam que o emprego mais vantajoso do capital fará desaparecer o antagonismo entre os capitalistas industriais e os trabalhadores assalariados. Muito pelo contrário, o que acontecerá é que ficará ainda muito mais nítida a oposição entre essas duas classes
A - A livre-concorrência aparece como a única forma capaz de garantir a liberdade individual, uma autêntica autonomia de vida...
M - ... a concorrência não emancipa os indivíduos, mas o capital. As leis inerentes ao capital - que se manifestam como tendências nas fases preliminares de seu desenvolvimento histórico se impõem somente quando a produção capitalista revestiu-se das formas que lhe são adequadas. É aí que a concorrência se desenvolve livremente. O livre desenvolvimento de suas condições é constantemente reproduzido pelo próprio processo do capital. A livre-concorrência é a forma adequada do processo produtivo do capital. Quanto mais ela é desenvolvida, mais as formas do seu movimento se manifestam em sua pureza.
A - São então formas históricas e, portanto, podem ser eliminadas?
M - A dominação do capital é a premissa da livre-concorrência, do mesmo modo que o despotismo imperial em Roma foi a premissa do livre "direito-privado". A livre-concorrência trata-se simplesmente do livre desenvolvimento sob a base opressora da dominação do capital. Assim, é uma idiotice apresentar a livre-concorrência como o desenvolvimento definitivo da liberdade humana e a negação da livre-concorrência como a negação da liberdade individual e da produção social baseada na liberdade individual.
Ver na livre-concorrência a forma definitiva do desenvolvimento das forças produtivas e, como conseqüência, da liberdade humana, resulta na afirmação pura e simples de que a história do mundo se conclui com a dominação das classes burguesas. Está ai uma boa razão para ser festejada por esses grosseiros novos ricos!
A - Qual o verdadeiro sentido da iniciativa privada e da liberdade individual nessas condições de livre-concorrência?
M - Esse tipo de liberdade individual é ao mesmo tempo a abolição de qualquer liberdade individual e à sujeição do indivíduo às condições sociais que revestem a forma de potências materiais e mesmo de objetos superiores e independentes das relações dos indivíduos. Dizer que na livre-concorrência os indivíduos realizam o interesse coletivo, perseguindo apenas seu interesse privado, é dizer de um modo bonzinho que eles exercem pressão uns sobre os outros nas condições de produção capitalista. Essa pressão só pode produzir incessantemente as condições que possibilitaram aquela integração.
Mas, quando desaparece a ilusão de que a livre-concorrência é a forma pretensamente absoluta da liberdade individual, pode-se então verificar que as condições da concorrência, quer dizer, da produção baseada no capital, são entendidas e sentidas como um entrave, ou, ainda, que elas já são e- se tornarão mais e mais um entrave à liberdade individual.
A - Afinal, o Sr. é contra ou a favor do liberalismo ?
M - Ao fazer a crítica da liberdade de mercado não temos a intenção de defender o sistema protecionista. Se somos inimigos do regime constitucional, isso não quer dizer que somos amigos do antigo regime. Por outro lado, o sistema protecionista não passa de um meio para estabelecer em um país a grande indústria, quer dizer, de fazer esse país depender do mercado global. E, a partir do momento em que se depende mais ou menos do mercado global, já se depende do livre-comércio. Além disso, o sistema protecionista contribui ao desenvolvimento da livre-concorrência no interior de um país. As barreiras protecionistas são armas utilizadas pela burguesia concentrar suas forças e realizar o livre-comércio no interior do país.
Falando em termos gerais, nos dias atuais o sistema protecionista é conservador, enquanto o sistema de livre-comércio é destruidor. O livre-comércio dissolve as antigas nacionalidades e pressiona ao máximo o antagonismo entre a burguesia e o proletariado.
A: Então não temos escolha?
M: Você tem que escolher: ou você desaprova totalidade da economia política, do modo que ela existe atualmente, ou você deve concordar com o fato de que, com a liberdade de comércio, as leis da economia política se aplicam à classe trabalhadora com toda violência.
Isso quer dizer que somos contra o livre mercado? Absolutamente. Nós somos a favor, porque o livre-mercado permite que todas as leis econômicas, com suas estapafúrdias contradições, se realizem sobre o globo terrestre. E todas essas condições reunidas em um único e mesmo conjunto, em um grande enfrentamento, se dirigirão para a luta em que surgirá a emancipação do proletariado. É apenas nesse sentido revolucionário que sou a favor do livre-mercado.

Miséria e exploração. Nesta parte da nossa entrevista com Karl Marx, ele ensina como as duas coisas se completam no atual estágio da globalização. Como desemprego, prolongamento da jornada, intensificação do trabalho e rebaixamento dos salários podem finalmente caminhar de mãos juntas com a expropriação do conhecimento do trabalhador coletivo. De um lado, aparece a inutilidade do trabalho; de outro, o capital fantasiado como a verdadeira força produtiva.

Análise: O Sr. já nos respondeu a algumas perguntas sobre o chamado "mundo do trabalho". Mas gostaríamos de voltar a esse assunto. Uma importante novidade deste final de milênio é que a classe proletária já é apenas uma pequena parte da população total.
Marx: O ideal supremo da produção capitalista é diminuir ao máximo o número daqueles que vivem do salário e aumentar ao máximo o número daqueles que vivem do produto líquido, que a massa de classe média aumente e que o proletariado (aquele que trabalha) constitua uma proporção cada vez menor, relativamente, da população total (mesmo que ele aumente em números absolutos). Essa é efetivamente a evolução da sociedade burguesa.
A: Os especialistas em globalização aproveitam para afirmar que esse deslocamento de trabalhadores da produção é prova suficiente da inutilidade do trabalho para o capital, que o regime capitalista não depende mais do trabalho para sua sobrevivência.
M: O progresso industrial, que segue a marcha da acumulação, não apenas reduz cada vez mais o número de operários necessários para movimentar uma massa crescente de meios de produção. Ele aumenta ao mesmo tempo a quantidade de trabalho que o operário individual deve fornecer. À medida que o progresso industrial desenvolve os poderes produtivos do trabalho e consegue então tirar mais produtos de menos trabalho, o sistema capitalista desenvolve também os meios de tirar mais trabalho do assalariado. Seja tornando seu trabalho mais intenso, seja aumentando aparentemente o número de trabalhadores empregados com a substituição de uma força superior e mais cara por inúmeras forças inferiores e baratas: o homem pela mulher, o adulto pelo adolescente e crianças, um americano por três chineses. Eis alguns métodos utilizados para diminuir a demanda de trabalho e tornar a oferta superabundante, quer dizer, para fabricar desempregados.
A: O desemprego é tratado pelos governos burgueses apenas como uma fatalidade do progresso industrial.
M: A lei segundo o qual uma massa sempre maior dos elementos que constituem a riqueza pode ser operada com um gasto de força humana sempre menor - graças ao contínuo desenvolvimento das forças coletivas do trabalho - coloca o homem social em condições de produzir mais com menos trabalho. Mas no meio capitalista não são os meios de produção que estão a serviço do trabalhador, é o trabalhador que está a serviço dos meios de produção. Por isso aquela lei se transforma em seu contrário: quanto mais o trabalho ganha em recursos e em potência, mais há pressão dos trabalhadores sobre os meios de emprego, mais a condição de existência do assalariado, a venda da sua força, torna-se precária. O aumento dos pilares materiais e das forças coletivas do trabalho, mais rápido do que o aumento da população, se exprime então na fórmula contrária: a população produtiva cresce sempre mais rapidamente do que a necessidade do capital.
A: Frente a essa lei de funcionamento do regime capitalista, os socialistas vulgares desejam um acordo com os capitalistas para "criar emprego" e "políticas sociais" para compensar os males da globalização.
M: Essa lei estabelece uma correlação fatal entre a acumulação do capital e a acumulação da miséria, de forma que a acumulação da riqueza, em um polo, é igual à acumulação de pobreza, sofrimento, ignorância, embrutecimento, degradação moral, escravagismo, no polo oposto, no lado da classe que produz o próprio capital. Entende-se então toda idiotice daquela sabedoria econômica que não pára de pregar aos trabalhadores a possibilidade de acomodar sua quantidade às necessidades do capital. Como se o mecanismo do capital não realizasse continuamente esse acordo desejado, cuia primeira cláusula é a criação de uma reserva industrial, e a segunda e última a invasão crescente da miséria até as profundezas do exército ativo do trabalho, peso morto do empobrecimento.
A: Só assim que o trabalhador coletivo pode ser apresentado como um incômodo e inútil apêndice das máquinas, que o capital pode monopolizar todo o conhecimento social e aparecer como uma verdadeira potência produtiva.
M: As capacidades intelectuais da produção se desenvolvem de um único lado porque elas desaparecem sobre todos os outros. O que os operários individuais perdem se concentra em face deles no capital. A divisão industrial opõe aos operários as potências intelectuais da produção como a propriedade de outro e como poder que os domina.
A: Como ocorreu essa separação?
M: Começou na cooperação simples em que o capitalista representa, face ao trabalhador isolado, a unidade e a vontade do trabalhador coletivo; se desenvolveu na manufatura, que mutila o trabalhador ao ponto de reduzi-lo a uma parcela dele mesmo; se completou enfim na grande indústria, onde a ciência é colocada como uma força produtiva independente do trabalho e a serviço do capital.
A: Quando se esconde essas determinações de classe, os capitalistas podem então listar indefinidamente as suas "revoluções científicas e tecnológicas".
M: Como o maquinismo se desenvolve com a acumulação da ciência social, força produtiva geral, não é no trabalho mas no capital que se fixa o resultado do trabalho social em geral. E de fato, a força produtiva de uma sociedade se mede segundo o capital fixo, que é sua materialização; mas, por seu lado, a força produtiva do capital se desenvolve graças a esse progresso geral que o capital apropria para si, gratuitamente. O capital só se desenvolveu completamente, até suas formas atuais, a partir do momento em que o instrumento de trabalho perdeu sua forma imediata para revestir a forma de capital fixo, aparecendo no processo de produção como máquina confrontando o trabalho. O conjunto do processo de produção passou a não ser mais subordinado à habilidade do operário, tornou-se uma aplicação tecnológica da ciência.
A: Como essa expropriação do conhecimento do trabalhador coletivo e sua correspondente centralização do capital aparecem no atual estágio de globalização?
M: Quando observamos a índia, país de 150 milhões de acres, do tamanho da Europa, os efeitos devastadores da indústria inglesa são palpáveis e transtornantes. Mas não devemos esquecer que são resultados orgânicos da totalidade do sistema de produção atualmente constituído. Essa produção está sob a dominação absoluta do capital. A centralização do capital é essencial para a sua existência, para a sua existência como poder independente. A influência destrutiva dessa centralização sobre os mercados do mundo revela, na escala mais gigantesca, as leis orgânicas inerentes à economia política atualmente posta em prática em cada país civilizado. O período histórico burguês é responsável pela criação das bases materiais do mundo novo; de uma parte, relações universais baseadas na interdependência das diferentes partes da humanidade e os seus meios de comunicação. De outra parte, o desenvolvimento das forças produtivas do homem e a transformação da produção material em dominação científica das forças naturais. A indústria e o comércio burgueses criam as condições materiais de um mundo novo da mesma maneira que as revoluções geológicas modelaram a superfície da terra. Quando uma grande revolução social tiver enquadrado os resultados da época burguesa, o mercado mundial e os instrumentos de produção modernos, e os tiver submetido ao controle dos povos mais avançados, apenas então o progresso humano deixará de se assemelhar àquela odiosa divindade pagã que só bebia seu néctar no crânio de suas vítimas.

Neste final de século, algumas novidades da globalização continuam atordoando o espírito dos economistas. É o caso do novo comércio internacional,- ou do sistema monetário e financeiro (também muito novo, é claro), que se apresenta como o planejador da produção mundial e da. política econômica dos mais diferentes governos nacionais . Na continuação dessa longa entrevista com Karl Marx, conversamos um pouco sobre estas novidades.

ANÁLISE: O que está acontecendo nas relações de comércio entre as nações?
MARX: "O comércio é mais do que nunca um servidor da produção industrial, uma produção de massa em expansão constante, para qual um mercado em constante expansão se tornou uma condição de existência. Os limites desta produção não se encontram mais no comércio, no sentido de uma demanda existente, mas unicamente na importância do capital existente e na força produtiva desenvolvida dos trabalhadores. Essa produção industrial de massa inunda o mercado existente e age constantemente para alargá-lo e recuar suas fronteiras. O comércio preenche uma função que emana das condições de produção do capital industrial"
A: Essas mudanças estão ligadas à chamada globalização?
M: "Só o comércio exterior, a transformação do mercado em mercado mundial, pode possibilitar a mutação do dinheiro em dinheiro mundial e o trabalho abstrato em trabalho social. A riqueza abstrata, o valor, o dinheiro - portanto o trabalho abstrato - se desenvolvem na medida em que o trabalho concreto evolui no sentido de uma totalidade dos diferentes modos de trabalho que engloba o mercado mundial."
A: Não se trata, então, de uma simples expansão do comércio de produtos, de mercadorias, mas da própria totalidade da valorização do capital?
M: "A produção capitalista se baseia no valor, quer dizer, no desenvolvimento como trabalho social do trabalho contido no produto. Mas isso só acontece no terreno do comércio exterior e mundial. Esta é então a condição e o resultado da produção capitalista."
A: Os economistas, que normalmente não entendem o que é valorização do capital, entendem menos ainda quando ela se desenrola nessa base concreta do mercado mundial.
M: "Na sua aplicação internacional, a lei do valor é ainda mais profundamente modificada, pois no mercado universal o trabalho nacional mais produtivo é considerado também como o trabalho mais intenso".
A: Isto está na base de coisas mais concretas, como as permanentes diferenças de taxas de lucro entre economias nacionais e o desenvolvimento desigual e combinado no mercado mundial?
M: "Capitais investidos no comércio exterior proporcionam uma taxa de lucro mais elevada, porque aqui entra-se de cara em concorrência com países em que as facilidades de produção de mercado são menores, de modo que o país mais avançado venderá suas mercadorias acima do seu valor, mesmo que ele as entregue a preço mais baixo que os dos países concorrentes. Na medida em que o trabalho do país mais evoluído é valorizado como um trabalho de peso específico mais elevado, a taxa de, lucro aumenta, o trabalho qual não e pago como um trabalho de qualidade superior é vendido como tal."
A: Para quem não entende a diferença entre mais-valia absoluta e mais-valia relativa, tudo isso aparece como um verdadeiro enigma. Mas falemos de outro grande enigma para os economistas: a generalização da acumulação financeira, que tem dado margem às mais disparatadas opiniões.
M: "A acumulação de todos os capitalistas financeiros se faz sempre e diretamente na forma dinheiro, enquanto que a acumulação real dos capitalistas industriais se efetua, geralmente, pelo aumento dos elementos do capital reprodutivo. O desenvolvimento do crédito e a enorme concentração dos empréstimos em dinheiro nas mãos de grandes bancos já apressa por si mesmo a acumulação do capital financeiro como forma diferente da acumulação real"
A: Mas como o capital financeiro pode assumir a função de organização e controle total da produção?
M: "O capital monetário(o capital no mercado financeiro) possui realmente a forma com a qual ele se reparte entre as diversas esferas, no seio da classe capitalista, segundo as necessidades de produção de cada esfera particular, enquanto elemento comum, indiferente a sua utilização particular, A isso se acrescenta o fato de que, com o desenvolvimento da grande indústria, o capital financeiro é cada vez menos representado pelo capitalista individual, proprietário deste ou daquele fragmento de capital encontrado no mercado, Ao contrário, ele se concentra, se organiza e se apresenta de uma forma totalmente diferente da produção real, como controle dos banqueiros representando o capital"
A: Mas aqui está outro problema dos economistas, que acabam vendo só as diferenças onde também existe uma unidade. Invertem no pensamento o que se passa na realidade econômica: a acumulação passa a ser resultado da acumulação fictícia e não o contrário. Embaralham tudo. A valorização do capital é então entendida apenas como uma valorização do dinheiro, ignorando-se assim a produção e a mais-valia extorquida dos operários.
M: "Esse rápido desenvolvimento do capital financeiro é um resultado da acumulação real, pois ele é conseqüência do desenvolvimento do processo de reprodução. O lucro que constitui a fonte da acumulação desses capitalistas financeiros é uma retirada sobre a mais valia apropriada pelos capitalistas que asseguram a reprodução (é ao mesmo tempo a apropriação de uma fração do juro proveniente da poupança dos outros). O capital financeiro executa sua acumulação por conta dos capitalistas industriais e comerciantes ao mesmo tempo".
A: Quando esse parasitismo capitalista aparece com maior clareza?
M: "Nas fases desfavoráveis do ciclo industrial, a taxa de juros pode se elevar a um nível tal que ela absorve momentaneamente todo o lucro de ramos isolados que se encontram em situação particularmente desfavorável"
A: A chegada da fase de desaceleração do ciclo dá o tiro de largada para os chamados "ataques especulativos" sobre papéis elo governo, moedas nacionais, ações?
M: "Simultaneamente desabam os preços dos títulos do Estado e de outros valores. É o momento em que os capitalistas financeiros fazem compras massivas desses títulos desvalorizados que, na fase seguinte, não deixarão de recuperar e ultrapassar seu nível normal. Aí eles são jogados no mercado; é assim que esses capitalistas se apropriam de uma parte do capital-dinheiro do público. A parte dessas obrigações que não são vendidas rendem juros mais elevados, pois elas foram compradas abaixo do seu preço."
A: O que eles fazem com esse lucro?
M: "Todo o lucro realizado por esses capitalistas financeiros, e que eles reconvertem em capital, se transforma antes em crédito de capital-dinheiro. O que se passa então é que a acumulação desse capital - diferente da acumulação real, mesmo que ela seja sua filhote - aparece, se considerarmos apenas esses capitalistas financeiros, banqueiros, etc, como a acumulação desta categoria particular de capitalistas"
A: Atualmente, os economistas estão de novo surpresos e assustados com o aumento dessa acumulação financeira.
M: "Ela deve necessariamente aumentar com toda a extensão do crédito que acompanha a ampliação real do processo de reprodução."

Em um trabalho especial - The World Economy (A Economia Mundial) - publicado no mês de outubro de 1997, a revista The Economist, de Londres, afirma o seguinte: "Enquanto o avanço sem remorsos das forças de mercado leva o capitalismo a uma nova crise, Marx finalmente rirá por último " (The Economist/Gazeta Mercantil, 28110197). Fomos verificar com o próprio Marx o que a mais prestigiosa revista capitalista do mundo quis dizer com esta afirmação.

Análise: A The Economist se confunde com a própria existência do capitalismo. Melhor dizendo, é a sua consciência mais acabada. Agora, com o aparecimento dos sinais anunciadores de mais uma crise periódica da economia mundial, mais uma vez aquela veneranda revista se defronta com a difícil tarefa de explicar o que está acontecendo e, dentro das suas possibilidades, acalmar os espíritos dos seus preocupados leitores. O sr. acha que ela está preparada para essa tarefa?
Marx: "Desta vez, a revista The Economist, de Londres - que por princípio se delicia em explicar as crises a partir de circunstâncias externas ao comércio e à indústria - foi obrigada a reconhecer que os acidentes e perdas do ano de 1854 são o começo de uma reação natural à "convulsiva " prosperidade de 1853. Em outras palavras, o ciclo comercial chegou de novo no ponto em que superprodução e superespeculação se revertem em uma crise. Será uma bela crise, pois nunca se lançou no mercado uma quantidade tão grande dos mais variados artigos, e nunca também se teve meios I de produção tão gigantescos.
A: A revista diz que o sr. "rirá por último". De quê eles têm medo.?
Marx: "O retorno periódico das crises coloca cada vez mais em perigo a existência da sociedade burguesa. Cada uma dessas crises destrói não apenas uma massa de produtos já criados, mas também uma grande parte das forças produtivas existentes. Essas crises apresentam uma epidemia social que em qualquer outra época pareceria um absurdo: a epidemia da superprodução . A sociedade é jogada subitamente em um estado de barbárie momentânea. Pode-se dizer que uma fome, uma guerra de exterminação corta da sociedade seus meios de sobrevivência; a indústria e o comércio perdem a vitalidade.
A: E. por quê isso acontece?
M: "Porque a sociedade tem muita civilização, muitos meios de subsistência, muita indústria, muito comércio. As forças produtivas da sociedade não são mais capazes de fazer avançar as relações da propriedade burguesa; as forças produtivas se tornam, ao contrário, muito potentes para essas relações, que só entravam o seu desenvolvimento. Ora, cada vez que as forças produtivas sociais superam esses entraves, elas jogam na desordem a totalidade da sociedade burguesa e colocam em risco a existência da propriedade capitalista. As relações burguesas se tornaram muito estreitas para conter as riquezas que elas criaram.
A: Quais as perspectivas desse regime?
M: "As contradições capitalistas provocarão explosões, cataclismas e crises nas quais as paradas momentâneas do trabalho e a destruição de uma grande parte dos capitais levarão, pela violência, o regime capitalista a um ponto em que, sem se suicidar, ele emprega novamente e plenamente sua capacidade. Entretanto, essas catástrofes que regeneram regularmente o capital, repetem-se em uma escala sempre mais vasta, e elas acabarão provocando sua eliminação violenta.
A: Em termos econômicos, o que é superprodução de capital?
M: "Superprodução das massas de valor que são destinadas a produzir a mais-valia (ou, considerando o conteúdo material, superprodução de mercadorias destinadas à reprodução). Portanto, uma reprodução a uma escala muito grande, o que quer dizer simplesmente a mesma coisa que superprodução. Todas contradições da produção burguesa explodem coletivamente nas crises gerais do mercado mundial. Nas crises particulares elas só aparecem dispersas, isoladas, parciais.
A: Qual é a base mais concreta da superprodução de capital?
M: "A superprodução tem como condição a lei geral da produção de capital: produzir na medida das forças produtivas, quer dizer, segundo a possibilidade que se tem de explorar a maior massa possível de trabalho com uma determinada massa de capital, sem levar em conta limites existentes do mercado ou, de necessidades solváveis [que devem ser pagas]; agindo então através de uma ampliação constante da produção e da acumulação, por uma reconversão ininterrupta de rendimentos em capital, enquanto que, de outro lado, a massa produtores permanece e deve permanecer limitada a um nível médio de necessidades adequadas à natureza da produção capitalista.
A razão - e a realização - última de toda verdadeira crise continua sendo a pobreza e o baixo consumo das massas frente à tendência da produção a desenvolver as forças produtivas, como se elas tivessem como limite apenas a capacidade absoluta de consumo da sociedade.
A: O problema é que no regime capitalista de produção o consumo não se realiza de acordo com as necessidades absolutas da sociedade, mas de acordo com as necessidades relativas do capital. É um erro portanto considerar o sub-consumo das massas como a causa das crises capitalistas de superprodução. Estamos certos?
M: "O sub-consumo das massas, um consumo reduzido ao mínimo indispensável para lhes permitir sobreviver e reproduzir, não é um fenômeno novo. Isso existe desde quando a sociedade foi dividida em classes exploradoras e classes exploradas. Se- esse sub-consumo é um fenômeno histórico que já dura milênios, o entupimento geral do mercado que explode em crises como decorrência do excedente da superprodução só se manifesta nos últimos anos.
A: O sub-consumo das massas é então um fenômeno antigo que não pode explicar o fenômeno novo da superprodução?
M: "É preciso toda banalidade da economia vulgar para explicar esse choque específico pelo velho sub-consumo de milhares de anos e não pelo fenômeno recente da superprodução. O sub-consumo das massas é a condição sine qua non de todas as formas de sociedade baseadas na exploração e, portanto, também da forma capitalista. Entretanto, apenas a forma capitalista desemboca em crises de superprodução. Em resumo, o sub-consumo é também uma condição prévia das crises, e ele exerce aí um papel conhecido a muito tempo. Mas, o subconsumo não explica nem as causas das crises atuais, nem a ausência dessas crises no passado.
A: Todo o problema é entender a contradição entre produção de valores de uso (de mercadorias) e processo de valorização (de capital).
M: "O capitalista não compreende nada da natureza do seu processo de valorização. É nos períodos de crises, entretanto, que ele tenta tomar consciência.
A: É verdade. Um capitalista brasileiro, dono de uma grande indústria do setor de alimentos, frente a explosão de desemprego com a chegada de mais um período de crise de superprodução, declarou na semana passada: "Estamos em uma guerra econômica. Alguém tem que morrer" (Folha de S. Paulo, 8-12-97). Os economistas e os colaboracionistas dos sindicatos dos trabalhadores, entretanto, continuam vendendo a ilusão de que a crise do capital poderia ser superada com mais empregos e salários. Enquanto os capitalistas atacam, destruindo o emprego e a produção, os colaboracionistas fazem discursos demagógicos, pregando a harmonia entre produção e consumo.
M: É pura enrolação dizer que as crises se originam de uma falta de consumidores ou de demanda solvável [que pode pagar]. O sistema capitalista só conhece a maneira solvável de consumir - com a exceção do modo de consumir dos mendigos ou dos meninos de rua. Dizer que as mercadorias não podem ser vendidas é dizer simplesmente que elas não encontraram compradores capazes de pagá-las, quer dizer, consumidores solváveis - e pouco importa, em último caso, que as mercadorias sejam adquiridas pelo consumo produtivo ou pelo consumo individual. Entretanto, para dar a essa enrolação a aparência de uma justificativa mais profunda, alega-se que a classe operária recebe uma parte muito pequena do seu próprio produto e que se poderia remediar essa inconveniência transferindo para ela uma parte maior desse produto graças ao aumento dos salários. Ora, basta lembrar que as crises são sempre preparadas por uma fase na qual ocorre uma elevação dos salários, em que a classe operária recebe efetivamente uma participação maior no produto anual destinado ao consumo.
A: Nos Estados Unidos, por exemplo, o anúncio da diminuição da taxa de desemprego (e a conseqüente elevação dos rendimentos dos assalariados) sempre é considerado um perigo para a economia. Fala-se então em elevação das taxas de juros, necessidade de se desaquecer a produção, os preços das ações começam a cair, etc. No Brasil, nesta semana, o presidente da República declarou que a crise na Volkswagen, que ameaça demitir dez mil trabalhadores, é resultado das "vantagens exageradas" que aquela empresa concedeu aos seus trabalhadores nos últimos anos!
M: "Se escutássemos aqueles cavalheiros do sadio e simplório bom senso, bastaria admitir que a relativa manutenção do emprego e dos salários afasta a crise. Em resumo, o que se revela é que a produção capitalista se determina por condições totalmente independentes da boa ou da má vontade dos capitalistas, e que essas condições admitem apenas momentaneamente aquela relativa prosperidade da classe operária e mesmo assim, sempre como o prelúdio de uma crise".
A: Se não é o sub-consumo das massas, qual é o limite para a acumulação de capital? M: "A verdadeira barreira da produção capitalista é o próprio capital".
A: Poderia explicar mais detalhadamente?
M: "O capital e sua expansão aparecem como o ponto de partida e de chegada, como o impulso e o objetivo da produção; a produção é unicamente produção para o capital, ao invés dos meios de produção serem meios para um desenvolvimento cada vez mais intenso do processo de vida da sociedade dos produtores. Os limites em que podem se mover apenas a conservação e o crescimento do valor do capital - baseados na expropriação e no empobrecimento da grande massa de produtores - esses limites entram continuamente em conflito com os métodos de produção que o capital deve empregar para suas finalidades e que tendem para um crescimento ilimitado da produção, para a produção como fim em si mesma, para o desenvolvimento absoluto da produtividade social do trabalho. O meio o desenvolvimento ilimitado das forças produtivas da sociedade - entra em conflito permanente com o objetivo limitado, a valorização do capital existente. Se o modo de produção capitalista é, consequentemente, um meio histórico para desenvolver a capacidade material da produção e para criar um mercado mundial apropriado, ele é ,ao mesmo tempo a contradição permanente entre essa missão histórica e as condições correspondentes da produção social".
A: As convulsões atuais da economia mundial, abrindo mais um ciclo periódico de crise do capital, demonstram mais uma vez que as leis do valor, da baixa tendencial da taxa de lucro, etc. , que comandam a vida do capital, são mais atuais do que nunca. Gostaríamos que o Sr. nos explicasse como se dá o aparecimento da crise. Em primeiro lugar na própria esfera da circulação do capital. Se possível usando um caso concreto de uma mercadoria bem simples, um fio para a fabricação de tecido, por exemplo '
M : " A partir do momento que o fio, por exemplo, é vendido, o ciclo de valorização do capital pode recomeçar por um mesmo montante, qualquer que seja o destino reservado para esse fio vendido. Ora, desde que se venda o produto, tudo se desenrola normalmente para o produtor capitalista. O ciclo de valorização que ele representa não é interrompido. Assim, todo o processo de produção pode se manter no estágio mais florescente. Com efeito, o valor se realiza continuamente e o processo de reprodução do capital prossegue. Entretanto, uma grande parte das mercadorias entrou só aparentemente no consumo, quer dizer, ainda encontra-se n o mercado, pois ela permanece não vendida nas mãos dos revendedores. Mas já surge uma nova corrente de mercadorias e se descobre que a primeira remessa foi absorvida apenas aparentemente pelo consumo. Os capitais-mercadoria disputam então entre si posições no mercado. Para encontrar compradores, os que chegaram por último são vendidos abaixo do seu preço, no mesmo momento que as remessas precedentes de mercadorias não fluíram ainda no mercado, embora o seu pagamento já tenha vencido. Seus possuidores devem se declarar insolventes ou vender por qualquer preço para poderem pagar. Essa venda não tem absolutamente nada a ver com a situação real da demanda, mas reflete simplesmente a necessidade absoluta de converter as mercadorias em dinheiro. Neste ponto, a crise explode.
A: Os economistas diriam que esta crise foi provocada por uma demanda insuficiente.
M: "Não se pode explicar essa crise como uma diminuição individual de consumo; ela se manifesta na diminuição das trocas de capital contra capital, no processo de reprodução do capital.
A: Os economistas são incapazes de entender esse processo de troca de capital contra capital. Continuam pensando apenas na produção e troca de mercadorias por mercadorias. Isolam P. produção da circulação. Não levam em conta que o capital deve existir como mercadoria e como dinheiro ao mesmo tempo, na produção e na circulação, na indústria e no comércio...
M: "O capital é ao mesmo tempo unidade da circulação e da produção e a diferença dessas duas formas no tempo e no espaço. Um mesmo capital aparece ao mesmo tempo sob as duas formas diferentes. Assim, uma das suas partes se encontra sempre sob a primeira forma, e a outra sob a segunda - uma é imóvel, a outra circula. Mesmo para o comerciante, uma parte do capital é imobilizada sob a forma de estoques, a outra gira. É claro, cada uma aparece sucessivamente sob a outra forma, como acontece também para o industrial, mas seu capital é continuamente dividido nessas duas formas. A divisão dessas duas determinações faz o processo de valorização aparecer como um processo de desvalorização. essa divisão está em contradição com a tendência do capital se valorizar o máximo possível. Para reagir, o capital inventa expedientes visando abreviar aquela fase de imobilização.
A: O crédito é um desses expedientes. Aliás, no seu livro "Luta de Classes na França ", o sr. faz uma verificação prática da relação entre produção, circulação, crédito e, finalmente, crise e revolução. O sr. poderia repetir para nossos leitores aquelas brilhantes passagens?
M: "Dois acontecimentos econômicos de porte mundial precipitaram a explosão de um mal-estar geral e levaram os descontentes à insurreição. A alta do custo de vida provocou conflitos sangrentos na França e no restante do continente. Enquanto a aristocracia financeira celebrava as orgias mais vergonhosas, o povo lutava pelos meios de subsistência mais elementares. Em Buzançais, foram fuzilados os revoltados pela fome, enquanto em Paris a família real livrava dos tribunais corruptos insaciáveis. O segundo grande acontecimento econômico que acelerou a explosão da revolução foi a crise geral do comércio e da indústria na Inglaterra. Seu prelúdio já tinha sido, no decorrer de outono de 1845, o crash massivo dos especuladores em ações, desarmado durante o ano de 1846por uma série de medidas indiretas. A crise explodiu finalmente no outubro de 1847, no momento em que a bancarrota de grandes agentes coloniais de Londres provocou logo em seguida a falência de bancos provinciais e o fechamento de fábricas nas regiões industriais inglesas. A crise ainda continuava a repercutir no continente quando explodiu a revolução de fevereiro.
As tormentas causadas no comércio e na indústria pela crise econômica tornaram ainda mais insuportável o reinado exclusivo da aristocracia financeira. A oposição burguesa promoveu em toda a França a "agitação dos banquetes ", por uma reforma eleitoral que lhe garantiria a maioria nas Câmaras e a derrubada do ministério da Bolsa. Em Paris, a crise industrial teve ainda como conseqüência específica o retorno para o mercado interno de uma massa de fabricantes e de atacadistas que, nas circunstâncias do momento, não podiam mais fazer seus negócios no mercado externo. Eles criaram grandes estabelecimentos, cuja concorrência provocou a ruína de uma massa de armazéns e do pequeno comércio. Daí se originou um número inédito de falências no interior daquela fração da pequena burguesia parisiense e sua intervenção revolucionária em fevereiro, O crédito público estava naturalmente estremecido, assim como o crédito privado. O crédito publico se baseia na crença de que o Estado é explorado pelos Judeus da Finança. Ora, naquele momento o Estado de antes da revolução já tinha desaparecido, e a revolução se voltava principalmente contra a aristocracia financeira. As oscilações da última crise comercial ainda não tinham se esgotado e as quebradeiras ainda se sucediam por mais quebradeiras.
A: Mas o setor privado não podia agora agir mais livremente e compensar aquela falência do crédito público? Afinal, um dos grandes dogmas da burguesia liberal - e da The Economist, naturalmente - é que o governo sempre é culpado pelos males da economia e a liberdade da iniciativa privada é capaz de agir com desinteresse e uma grande credibilidade.
M: "Acontece que o crédito privado estava paralisado, a circulação bloqueada e a produção abarrotada, antes mesmo da explosão da revolução de fevereiro. Mas a crise revolucionaria intensificou ainda mais a crise comercial. Ora, se o crédito privado se baseia na crença que a ordem burguesa e a produção burguesa em toda a amplitude das suas relações são inatingíveis e invioláveis - imagine o efeito de uma revolução que questionava o fundamento da produção burguesa e o escravagismo econômico sobre o proletariado, e que levantava nas portas da Bolsa cartazes com aves de rapina estampando a palavra morte".
A: A burguesia estava totalmente desacreditada?
M: "A sublevação do proletariado significa a supressão do crédito burguês, pois ela significa a abolição da produção burguesa e do seu regime. O crédito público e o crédito privado são o termômetro econômico que permite medir a intensidade de uma revolução. Na medida em que eles diminuem, o ardor contagiante e força criativa da Revolução aumentam

PS: As respostas de Marx a esta entrevista podem ser encontradas também nas suas obras seguintes: O Capital, livro I; Teorias sobre a Mais - Valia, livro IV; Grundrisse (capítulo do Capital) ; Capítulo VI - inédito de O Capital; As Conseqüências Futuras da Dominação Britânica na Índia (artigo publicado no jornal New York Daily Tribune, 8 agosto 1853); Discurso sobre o Livre-Comércio, Ideologia Alemã, O Capital (livro III) e no artigo publicado no jornal: The Nothern Star, de 09-10-1847
Livros 1,3 e 4 de O Capital. - Teorias sobre a mais-valia (livro IV de O Capital) - Grundrisses (Fundamentos) - Manifesto do Partido Comunista - Antidhuring
- Luta de Classes na França - New York Tribune (artigo de 21/10/1854)

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