22 de agosto de 2011

PRINCÍPIOS DO COMUNISMO

Friedrich Engels

O presente texto, esboço de programa para a Liga dos Comunistas, foi escrito por Engels no final de outubro de 1847, num contexto demarcado pela discussão, no interior da Liga, de um "Projeto de Profissão de fé comunista", submetido ao exame das comunas em junho daquele mesmo ano.

1. Pergunta: O que é o comunismo?
Resposta: O comunismo é a doutrina das condições de libertação do proletariado.

2. Pergunta: O que é o proletariado?
Resposta: O proletariado é a classe da sociedade que retira sua subsistência unicamente da venda de seu trabalho e não do lucro de um capital qualquer; a classe cujo bem-estar, cuja vida e cuja morte, cuja existência toda depende da demanda de trabalho, quer dizer, da alternância de bons e maus períodos de negócios, das flutuações de uma concorrência desenfreada. O proletariado ou a classe dos proletários é, numa palavra, a classe trabalhadora do século XIX.

3. Pergunta: Nem sempre, portanto, existiram proletários?
Resposta: Não. Classes pobres e trabalhadoras sempre existiram, e na maior parte das vezes as classes trabalhadoras foram pobres. Porém, pobres como esses, trabalhadores como esses, vivendo nas condições acima indicadas, quer dizer, proletários, não existiram sempre, do mesmo modo que a concorrência nem sempre foi livre e desenfreada.

4. Pergunta: Como nasceu o proletariado?
Resposta: O proletariado nasceu da revolução industrial que se produziu na Inglaterra na segunda metade do século passado [século XVIII] e que se repetiu depois em todos os países civilizados do mundo. Essa revolução industrial foi provocada pela invenção da máquina a vapor, das diversas máquinas têxteis, do tear mecânico e de toda uma série de outros dispositivos mecânicos. Tais máquinas, que eram muito caras e, por isso, só podiam ser adquiridas pelos grandes capitalistas, transformaram completamente o antigo modo de produção e suplantaram os antigos trabalhadores, já que as máquinas forneciam mercadorias melhores e mais baratas do que as que os trabalhadores podiam fabricar com suas rocas de fiar e seus teares imperfeitos. Essas máquinas puseram a indústria inteiramente rias mãos dos grandes capitalistas e desvalorizaram a escassa propriedade dos operários (ferramentas, teares, etc.), até que os capitalistas apropriaram-se de tudo e nada mais restou aos operários. Implantou-se desse modo o sistema fabril na produção de tecidos. Uma vez dado o primeiro impulso à introdução da maquinaria e do sistema fabril, esse sistema estendeu-se rapidamente aos demais ramos industriais, principal-mente à estamparia de tecidos, à tipografia, à cerâmica e à indústria metalúrgica. O trabalho foi dividido cada vez mais entre os operários, e o operário que antes fazia um objeto inteiro passou então a fazer apenas uma parte desse objeto. Tal divisão do trabalho permitiu que os produtos pudessem ser fabricados mais rapidamente e, portanto, a menor preço. Reduziu a atividade de cada operário a um movimento mecânico muito simples, constantemente repetido, que podia ser não só realizado mas também melhorado por uma máquina. Desse modo, todos os ramos industriais foram caindo, um após o outro, sob o domínio da força a vapor, da maquinaria e do sistema fabril, a exemplo das fiações e tecelagens. Conseqüentemente, passaram de uma vez por todas e integralmente para as mãos dos grandes capitalistas, e os operários foram despojados dos últimos resíduos de independência. Pouco a pouco, além da manufatura propriamente dita, também o artesanato caiu sob o domínio do sistema fabril: os grandes capitalistas, instalando grandes oficinas que lhes permitiam diminuir os custos e dividir o trabalho em grande escala, suplantaram progressivamente os pequenos mestres-artesãos (die kleinen Meister). E assim chegamos à situação atual, em que, nos países civilizados, quase todos os ramos de trabalho funcionam com o sistema fabril e em quase todos os ramos de trabalho a grande indústria suplantou o artesanato e a manufatura. Com isso, arruinou-se cada vez mais a antiga classe média, em particular os pequenos mestres-artesãos (die kleinen Handwerksmeister), transformou-se completamente a antiga situação dos trabalhadores e foram criadas duas classes novas, que pouco a pouco absorvem todas as demais, a saber:
a) A classe dos grandes capitalistas, que em todos os países civilizados já tem a posse quase exclusiva de todos os meios de subsistência, e também das matérias-primas e dos instrumentos (máquinas, fábricas) necessários à produção dos meios de subsistência. Essa é a classe dos burgueses ou a burguesia.
b) A classe dos que não possuem absolutamente nada, que são obrigados a vender aos burgueses seu trabalho, para receber em troca os meios de subsistência necessários à sua manutenção. Essa classe denomina-se classe dos proletários ou proletariado.

5. Pergunta: Sob que condições realiza-se essa venda do trabalho dos proletários aos burgueses?
Resposta: O trabalho é uma mercadoria como todas as outras e o seu preço é portanto determinado exatamente segundo as mesmas leis que regem o preço de todas as demais mercadorias. Entretanto, sob o domínio da grande indústria ou da livre concorrência - que, como veremos, são a mesma coisa -, o preço de uma mercadoria é em média sempre igual ao custo de produção dessa mercadoria. O preço do trabalho, portanto, também é igual ao custo de produção dessa mercadoria. Mas o custo de produção do trabalho consiste exatamente na quantidade de meios de subsistência necessários para o operário manter sua capacidade de trabalho e para impedir a extinção da classe operária. Portanto, o operário não receberá por seu trabalho mais do que o necessário para esse fim; o preço do trabalho, ou o salário, será portanto o mínimo estritamente necessário à subsistência. Porém, como os períodos de bons negócios alternam-se com os períodos de maus negócios, o operário receberá umas vezes mais outras menos, exatamente como o fabricante que recebe umas vezes mais outras menos por suas mercadorias. Contudo, do mesmo modo que o fabricante, na média dos bons e dos maus períodos, não recebe por sua mercadoria nem mais nem menos do que o seu custo de produção, o operário também não receberá, em média, nem mais nem menos do que esse mínimo. Tal lei econômica do salário irá se impor com tanto maior rigor quanto mais a grande indústria for se apropriando de todos os ramos do trabalho.

6. Pergunta: Quais eram as classes trabalhadoras antes da revolução industrial?
Resposta: As classes trabalhadoras viveram sob diferentes condições e ocuparam posições diferentes diante das classes possuidoras e dominantes, segundo as diferentes fases de desenvolvimento da sociedade. Na antiguidade, os que trabalhavam eram os escravos (Sklaven) dos que possuíam, como ainda é o caso em muitos países atrasados e inclusive no sul dos Estados Unidos. Na Idade Média, eram os servos (Leibeigenen) dos nobres proprietários de terras, como são ainda hoje na Hungria, na Polônia e na Rússia. Na Idade Média e até à época da revolução industrial, existiam também, nas cidades, oficiais-artesãos (Handwerksgesellen) que trabalhavam a serviço de mestres pequeno-burgueses (kleinenbürgerlicher Meister); pouco a pouco, com o desenvolvimento da manufatura, surgiram também operários de manufatura, empregados por capitalistas mais encorpados.

7. Pergunta: O que distingue o proletário do escravo?
Resposta: O escravo é vendido de uma vez por todas; o proletário tem que se vender a si mesmo a cada dia e a cada hora. O escravo singular, propriedade de um senhor, tem, por interesse desse senhor, uma existência assegurada, por mais miserável que seja ela; o proletário singular, propriedade, por assim dizer, de toda a classe burguesa, e que só tem seu trabalho vendido quando alguém dele necessita, não tem a existência assegurada. Apenas está assegurada a existência da classe proletária em seu conjunto. O escravo está fora da concorrência; o proletário está a ela submetido e se ressente de todas as suas flutuações. O escravo é considerado um objeto, não um membro da sociedade civil (bürgerlichen Gesellschalt); o proletário é reconhecido como pessoa, como membro da sociedade civil. Portanto, o escravo pode ter uma existência melhor do que a do proletário, mas o proletário pertence a uma etapa superior de desenvolvimento da sociedade e ocupa também, ele mesmo, uma posição superior à do escravo. O escravo se liberta abolindo, entre todas as relações de propriedade privada, apenas a relação de escravidão e convertendo-se com isso em proletário; o proletário só pode se libertar abolindo a propriedade privada em geral.

8. Pergunta: O que distingue o proletário do servo?
Resposta: O servo (Leibeigene) tem a posse e o uso de um instrumento de produção, de um pedaço de terra, em troca de uma parte do produto ou da prestação de trabalho. O proletário trabalha com instrumentos de produção de um outro, por conta deste outro, e recebe em troca uma parte do produto. O servo cede, o proletário recebe. O servo tem uma existência assegurada, o proletário não. O servo está fora da concorrência, o proletário está a ela submetido. O servo se liberta ou refugiando-se nas cidades para tornar-se artesão, ou dando ao seu senhor dinheiro ao invés de trabalho ou produtos, transformando-se assim em arrendatário livre, ou ainda expulsando o seu senhor feudal e tornando-se ele mesmo proprietário; em resumo, entrando de uma maneira ou de outra na classe possuidora e na concorrência. O proletário se liberta abolindo a concorrência, a propriedade privada e todas as diferenças de classe.

9. Pergunta: O que distingue o proletário do artesão?
Inexiste resposta. Engels deixou meia Página em branco no original. No "Projeto de Profissão de fé comunista", onde a mesma questão aparece na pergunta 12, pode-se ler como resposta: "O artesão, assim chamado em oposição a proletário, o artesão tal qual existia por quase todo o século passado e existe ainda aqui e ali, é proletário no máximo durante um certo tempo. Seu objetivo é adquirir um capital e, assim, explorar outros operários. Freqüentemente, ele consegue atingir esse objetivo nos locais onde as corporações (die Zünfte) ainda existem ou onde a liberdade industrial ainda não conduziu nem à organização fabril dos ofícios, nem a uma concorrência violenta. Porém logo que o sistema fabril é introduzido nos ofícios e a concorrência a pleno progresso, essa perspectiva desaparece e o artesão torna-se cada vez mais proletário. O artesão se liberta, pois, seja tornando-se burguês ou passando em geral para a classe média, seja tornando-se proletário através da concorrência (como acontece na maioria das vezes) e ligando-se então ao movimento do proletariado, quer dizer, ao movimento comunista mais ou menos consciente". Ver Documents Constitutift de la Ligue des Communistes. Organização e apresentação de Bert Andreas. Paris, Aubier Montaigne, 1972, p. 132-133.

10. Pergunta: o que distingue o proletário do operário manufatureiro?
Resposta: O operário manufatureiro do século XVI ao século XVIII possuía ainda, em quase todas as partes, um instrumento de produção: seu tear, as rocas para sua família, uma pequena área de terra que cultivava nas horas livres. O proletário não possui nada disso. O operário manufatureiro vivia quase sempre no campo, estabelecendo relações mais ou menos patriarcais com seu senhor (Gutsherrn) ou com seu patrão (Arbeitgeber); o proletário vive, em geral, nas grandes cidades e mantém com seu patrão relações exclusivamente de dinheiro. O operário manufatureiro é arrancado pela grande indústria de suas patriarcais condições de vida, perde aquele pouco que ainda possuía e só então se converte em proletário.

11. Pergunta: Quais foram as conseqüências imediatas da revolução industrial e da divisão da sociedade em burgueses e proletários?
Resposta: Em primeiro lugar, o antigo sistema da manufatura ou da indústria baseada no trabalho manual foi completamente destruído, em todos os países do mundo, pela diminuição constante dos preços dos produtos industriais decorrente da introdução do trabalho feito com as máquinas. Todos os países semi-bárbaros, que até então tinham permanecido mais ou menos à margem do desenvolvimento histórico e cuja indústria ainda se baseava na manufatura, foram violentamente arrancados de seu isolamento. Começaram a comprar as mercadorias mais baratas dos ingleses e deixaram perecer seus próprios operários manufatureiros. Países que após milhares de anos não tinham feito qualquer progresso - a Índia por exemplo - foram completamente revolucionados e até a China caminha agora para uma revolução. A situação chegou a tal ponto que a invenção de uma nova máquina na Inglaterra pode, no espaço de um ano, privar do pão milhões de operários chineses. Desse modo, a grande indústria estabeleceu ligações entre todos os povos da terra, uniu num único mercado mundial todos os pequenos mercados locais, preparou em todas as partes a civilização e o progresso e criou uma situação na qual tudo o que ocorre nos países civilizados repercute necessariamente nos demais países. Assim, se hoje se libertarem os operários na Inglaterra ou na França, isso deve provocar em todos os demais países revoluções que mais cedo ou mais tarde conduzirão à libertação dos operários desses países.
Em segundo lugar, em todas as partes onde a grande indústria substituiu a manufatura, a burguesia aumentou ao máximo sua riqueza e seu poder e tornou-se a primeira classe do país. Em conseqüência, em todas as partes onde isso ocorreu, a burguesia tomou o poder político em suas mãos e desalojou as classes até então dominantes: a aristocracia, os mestres-artesãos dos grêmios (Zunftbürger) e a monarquia absoluta que representava os dois grupos. A burguesia destruiu o poderio da aristocracia e da nobreza suprimindo o morgadio (die Majorate), isto é, a inalienabilidade da propriedade fundiária, e os demais privilégios da nobreza. Destruiu o poderio dos mestres dos grêmios suprimindo todas as corporações e todos os privilégios corporativos. No lugar disso tudo colocou a livre concorrência, quer dizer, aquele estado da sociedade em que cada um tem o direito de explorar o ramo industrial que lhe apetece, sem que nada, a não ser a falta do capital necessário para isso, possa impedi-lo. A introdução da livre concorrência representa, portanto, a proclamação- pública de que, a partir daquele momento, os membros da sociedade são desiguais entre si unicamente na medida em que são desiguais seus capitais; a proclamação de que o capital é a potência decisiva e de que portanto os capitalistas, os burgueses, tornaram-se a primeira classe da sociedade. Mas a livre concorrência é necessária no início da grande indústria, pois é o único estado social em que ela pode progredir. A burguesia, após aniquilar deste modo o poderio social da nobreza e dos mestres dos grêmios, aniquila também o seu poderio político. E do mesmo modo que se instaurou como primeira classe da sociedade, a burguesia proclama-se também a primeira classe no terreno político. E faz isso mediante a introdução do sistema representativo baseado na igualdade civil diante da lei e no reconhecimento legal da livre concorrência, sistema esse que nos países europeus foi introduzido sob a forma da monarquia constitucional. Nessas monarquias constitucionais somente são eleitores aqueles que possuem um certo capital, quer dizer, somente os burgueses; esses eleitores-burgueses elegem os deputados e esses deputados-burgueses, através do direito de recusar o pagamento dos impostos, elegem por sua vez um governo burguês.
Em terceiro lugar, por toda parte a revolução industrial desenvolveu o proletariado na mesma medida em que desenvolve a burguesia. O número de proletários aumentou nas mesmas proporções que o enriquecimento dos burgueses. Como os proletários só podem ser empregados pelo capital e como o capital só aumenta na medida em que emprega trabalho, o crescimento do proletariado dá-se em exata correspondência com o crescimento do capital. A revolução industrial concentra ao mesmo tempo burgueses e proletários em grandes cidades, nas quais indústria pode ser exercida em condições mais vantajosas, com essa concentração de grandes massas num único lugar dá aos proletários a consciência de sua força. Além disso, quanto mais a revolução industrial se desenvolve, quanto mais se inventam novas máquinas que suplantam o trabalho manual, tanto mais a grande indústria reduz os salários a seu mínimo, como já dissemos, tornando assim cada vez mais insuportável a situação do proletariado. Desse modo, de um lado pelo crescente descontentamento, de outro pelo crescente poderio do proletariado, a burguesia prepara uma revolução da sociedade pelo proletariado.

12. Pergunta: Quais foram as demais conseqüências da revolução industrial?
Resposta: A grande indústria criou, com a máquina a vapor e as demais máquinas, os meios de aumentar a produção industrial ao infinito, em pouco tempo e com poucos gastos. Graças a essa facilidade de produção, a livre concorrência - conseqüência necessária da grande indústria - adquiriu rapidamente um caráter extremamente violento; uma multidão de capitalistas atirou-se sobre a indústria e em pouco tempo produziu-se mais do que podia ser consumido. Em conseqüência, as mercadorias fabricadas não conseguiam ser vendidas, produzindo-se assim o que se chama de crise comercial. As fábricas foram obrigadas a parar, os fabricantes faliram e os operários ficaram sem pão. Apareceu por toda parte uma miséria espantosa. Passado algum tempo, os produtos excedentes puderam ser vendidos, as fábricas recomeçaram a trabalhar, os salários subiram e pouco a pouco os negócios voltaram a prosperar como nunca. Mas ao fim de pouco tempo tornou-se a produzir um excesso de mercadorias e sobreveio nova crise, que se desenrolou exatamente como a anterior. E assim, desde o inicio do século, a indústria vem oscilando constantemente entre períodos de prosperidade e períodos de crise, e quase regularmente a cada cinco ou sete anos produziu-se uma dessas crises que foram sempre acompanhadas por uma enorme miséria dos operários, uma excitação revolucionária geral e um grande perigo para toda a ordem existente.

13. Pergunta: Quais são as conseqüências dessas crises comerciais que se repetem regularmente?
Resposta: Em primeiro lugar, a grande indústria, embora tenha sido ela mesma, no primeiro período de seu desenvolvimento, a gerar a livre concorrência, agora já não pode mais conter-se nos limites da livre concorrência; a concorrência e em termos gerais o exercício da produção industrial por parte de indivíduos singulares converteram-se num entrave que a grande indústria deve romper e romperá; a grande indústria, enquanto continuar funcionando sobre sua base atual, só pode manter-se ao preço de uma confusão geral que se repete de sete em sete anos, que toda vez coloca em perigo a civilização inteira, precipita os proletários na miséria e arruina um grande número de burgueses; conseqüentemente, ou se deve renunciar por completo à grande indústria, o que é absolutamente impossível, ou a grande indústria torna absolutamente necessária uma organização totalmente nova da sociedade, na qual a produção industrial não seja mais dirigida por fabricantes singulares concorrentes entre si mas por toda a sociedade, segundo um plano determinado e segundo as necessidades de todos.
Em segundo lugar, a grande indústria e a extensão da produção ao infinito por ela permitida tornam possível um estado da sociedade no qual a produção satisfaça a todas as necessidades, de modo que cada membro da sociedade seja posto em condições de desenvolver e exercitar com absoluta liberdade todas as suas energias e aptidões. Assim, é precisamente essa qualidade da grande indústria - que na sociedade atual gera todas as misérias e todas as crises comerciais - que, numa outra organização social, destruirá essa mesma miséria e essas funestas flutuações.
Fica pois clarissimamente demonstrado:
a) que a partir de agora todos esses males devem ser atribuídos exclusivamente à atual ordem social, que já não se adapta mais à situação;
b) que já existem os meios de eliminar completamente esses males, mediante a instauração de uma nova ordem social.

14. Pergunta: Como deverá ser essa nova ordem social?
Resposta: Antes de mais nada, ela tirará o funcionamento (Betrieb) da indústria e de todos os ramos da produção das mãos de indivíduos singulares concorrentes entre si e o entregará a toda a sociedade, quer dizer, à comunidade, para funcionar segundo um plano comum e com a participação de todos os membros da sociedade. Desse modo, abolirá a concorrência e implantará em seu lugar a associação.
Além disso, como a exploração da indústria pelos singulares tinha por conseqüência necessária a propriedade privada - e como a concorrência nada mais é do que a forma que assume a exploração industrial realizada por proprietários privados singulares -, a propriedade privada é inseparável da exploração individual da indústria e da concorrência. Portanto, também deverá ser abolida a propriedade privada, que será substituída pela utilização em comum de todos os instrumentos de produção e pela distribuição dos produtos com base num acordo comum, ou seja, pela chamada comunidade dos bens (Gütergemeinschaft).
A abolição da propriedade privada é, de fato, a síntese mais concisa e mais característica da transformação da ordem social em seu conjunto, transformação essa que deriva do desenvolvimento da indústria; é por isso que os comunistas fazem dela sua principal reivindicação.

15. Pergunta: Quer dizer, então, que a abolição da propriedade privada não era possível até agora?
Resposta: Não, não era possível. Toda transformação da ordem social, toda revolução das relações de propriedade, sempre foi a conseqüência necessária do nascimento de novas forças produtivas, que já não correspondiam, mais às velhas relações de propriedade. A própria propriedade privada surgiu dessa maneira. A propriedade privada não existiu sempre; quando, nos fins da Idade Média, foi criado com a manufatura um novo tipo de produção que não se deixava subordinar à propriedade feudal e corporativa então vigente, essa manufatura, que já não se ajustava mais às velhas relações de propriedade, gerou uma nova forma de propriedade, a propriedade privada. Para a manufatura e para a primeira etapa de desenvolvimento da grande indústria, não era admissível qualquer outra forma de propriedade senão a propriedade privada e nenhuma outra ordem social senão a ordem social baseada na propriedade privada. Enquanto a produção não for suficiente tanto para cobrir as necessidades de todos como também para fornecer um certo excedente de produtos destinados ao incremento do capital social e ao ulterior desenvolvimento das forças produtivas, devem existir necessariamente uma classe dominante que disponha das forças produtivas da sociedade e uma classe pobre, oprimida. Como essas classes se constituem é algo que depende, em cada caso, do grau de desenvolvimento da produção. A Idade Média, que dependia da agricultura, nos dá o senhor feudal (Baron) e o servo; as cidades do fim da Idade Média nos mostram o mestre-artesão (Zunftmeister), o oficial e o diarista (Taglöhner); o século XVII, os manufatureiros e os operários de manufatura; o século XIX, o grande fabricante e o proletário. É evidente que, até o presente, as forças produtivas ainda não estavam desenvolvidas para produzir o suficiente para todos e a propriedade ainda não era um entrave, um obstáculo a essas forças produtivas. Mas hoje, quando, graças ao desenvolvimento da grande indústria, em primeiro lugar, produziram-se capitais e forças produtivas em proporções jamais conhecidas antes e existem, além disso, os meios para aumentar ao infinito e rapidamente essas forças produtivas; quando, em segundo lugar, tais forças produtivas estão concentradas nas mãos de um reduzido número de burgueses, enquanto a grande massa do povo se proletariza cada vez mais e sua situação torna-se cada vez mais miserável e insustentável, na mesma proporção em que aumentam as riquezas dos burgueses; quando, em terceiro lugar, essas forças produtivas, poderosas e fáceis de serem incrementadas, ultrapassam a tal ponto os marcos da propriedade privada e do burguês que provocam a todo instante as mais violentas perturbações da ordem social - hoje então, a abolição da propriedade privada tornou-se não só possível, como também absolutamente necessária.

16. Pergunta: Será possível a abolição da propriedade privada por via pacífica?
Resposta: Seria desejável que isso pudesse ocorrer e os comunistas seriam, com toda certeza, os últimos a isso se oporem. Os comunistas sabem muito bem que todas as conspirações são não apenas inúteis, mas até mesmo prejudiciais. Sabem muito bem que as revoluções não se fazem deliberadamente ou por vontade, mas são sempre e em todos os lugares a conseqüência necessária de circunstância absolutamente independentes da vontade e da direção de partidos singulares e mesmo de classes inteiras. Mas vêem também que o desenvolvimento do proletariado é reprimido com violência em quase todos os países civilizados e que, com isso, os adversários dos comunistas nada mais fazem do que trabalhar com todas as forças para uma revolução. E se, nessas condições, o proletariado oprimido for finalmente impelido para uma revolução, nós, comunistas, defenderemos a causa do proletariado com a ação, do mesmo modo como agora a defendemos com a palavra.

17. Pergunta: A abolição da propriedade privada poderá ser feita de um só golpe?
Resposta: Não, do mesmo modo que as forças produtivas existentes não podem ser multiplicadas de um só golpe na medida necessária para a instituição da comunidade dos bens. A revolução do proletariado, que com toda probabilidade está para se produzir, só poderá portanto transformar gradualmente a sociedade atual e só poderá abolir a propriedade privada quando tiver criado a massa de meios de produção necessária para isso.

18. Pergunta: Que curso seguirá essa revolução?
Resposta: Antes de mais nada, estabelecerá uma Constituição democrática (eine demokratische Staatsverfassung) e portanto, direta ou indiretamente, a dominação política do proletariado. Diretamente na Inglaterra, onde os proletários já são a maioria do povo. Indiretamente na França e na Alemanha, onde a maioria do povo não é composta sã de proletários, mas também de pequenos camponeses e pequenos burgueses, que apenas agora se encontram na fase de transição ao proletariado e que, no que se refere aos seus interesses políticos, dependem cada vez mais do proletariado, razão pela qual acabarão por aderir às reivindicações do proletariado. Isso talvez venha a custar uma segunda luta que, entretanto, apenas poderá terminar com a vitória do proletariado.
A democracia seria inteiramente inútil ao proletariado se não fosse imediatamente empregada como meio para obter toda uma série de medidas que ataquem diretamente a propriedade privada e assegurem a existência do proletariado. As principais dessas medidas, que já resultam como conseqüências necessárias da atual situação, são:
1. Limitação da propriedade privada mediante impostos progressivos, fortes impostos sobre as heranças, supressão dos direitos hereditários em linha colateral (irmãos, sobrinhos, etc.), empréstimos obrigatórios, etc.
2. Expropriação gradual dos proprietários fundiários, fabricantes, proprietários de ferrovias e armadores navais, em parte mediante a concorrência das indústrias do Estado, em parte diretamente, mediante indenização em hipotecas (Assignatem).
3. Confisco dos bens de todos os emigrados e de todos aqueles que se rebelarem contra a maioria do povo.
4. Organização do trabalho, ou seja, emprego dos proletários nas terras, fábricas e oficinas nacionais, o que eliminará a concorrência dos operários entre si e obrigará os fabricantes, enquanto existirem, a pagar salários tão elevados quanto os do Estado.
5. Trabalho obrigatório para todos os membros da sociedade, até a completa abolição da propriedade privada. Formação de exércitos industriais, especialmente para a agricultura.
6. Centralização do sistema de crédito e das finanças nas mãos do Estado através de um banco nacional formado com capital do Estado e interdição de todos os bancos privados e dos banqueiros.
7. Multiplicação das fábricas e oficinas nacionais, das ferrovias e dos navios; arroteamento de todas as terras e melhoramento das já arroteadas, na mesma medida em que aumentem os capitais e os operários de que disponha a nação.
8. Educação de todas as crianças a partir do instante em que possam prescindir dos cuidados maternos, em estabelecimentos nacionais e a cargo do Estado. Educação conjugada com o trabalho fabril.
9. Construção, nos terrenos nacionais, de grandes prédios (Paläste) que sirvam de habitação coletiva às comunidades de cidadãos que trabalhem tanto na indústria como na agricultura, reunindo assim as vantagens da vida urbana e da vida no campo, sem compartilhar a unilateralidade e os inconvenientes de ambos os modos de vida.
10. Demolição de todas as casas e de todos os bairros insalubres e mal construídos.
11. Iguais direitos hereditários tanto para os filhos legítimos quanto para os ilegítimos.
12. Concentração de todos os meios de transporte nas mãos da nação.
Todas essas medidas não poderão, evidentemente, ser implantadas de uma só vez. Mas de uma decorrerá necessariamente a outra. Realizado o primeiro ataque (Angriff) radical contra a propriedade privada, o proletariado ver-se-á obrigado a avançar cada vez mais, a concentrar cada vez mais nas mãos do Estado todo o capital, toda a agricultura, toda a indústria, todos os transportes e todas as trocas. É para isso que tendem todas essas medidas; elas serão realizadas e engendrarão suas conseqüências centralizadoras na mesma medida em que o trabalho do proletariado multiplicar as forças produtivas do país. Finalmente, quando todo o capital, toda a produção e todas as trocas concentrarem-se nas mãos da nação, a propriedade privada desaparecerá por si só, o dinheiro será supérfluo, a produção aumentará a tal ponto e os homens mudarão em proporções tais que poderão desaparecer também as últimas formas de relação (Verkehrsformen) da velha sociedade.

19. Pergunta: Essa revolução poderá ser realizada em um só país?
Resposta: Não. A grande indústria, ao criar o mercado mundial, uniu todos os povos da terra, e principalmente os povos civilizados, a tal ponto que cada povo depende daquilo que ocorre com os demais. Além disso, a grande indústria nivelou em todos os países civilizados o desenvolvimento social, a tal ponto que em todos eles a burguesia e o proletariado tornaram-se as duas classes decisivas da sociedade e a luta entre essas duas classes tornou-se a principal luta de nossos dias. Por isso, a revolução comunista não será uma revolução apenas nacional, mas ocorrerá simultaneamente em todos os países civilizados, quer dizer, pelo menos na Inglaterra, na América, na França e na Alemanha. Irá se desenvolver mais rapidamente ou mais lentamente em cada um desses países, de acordo com o maior ou menor desenvolvimento da indústria, a maior ou menor acumulação de riquezas e a maior ou menor massa de forças produtivas que possua cada um deles. Assim, na Alemanha ela será mais lenta e mais difícil, enquanto que na Inglaterra será mais rápida e mais fácil. Terá grande repercussão sobre os outros países do mundo, transformará completamente e acelerará extraordinariamente o modo de desenvolvimento por eles seguido até aqui. Será uma revolução universal e terá por isso um terreno universal.

20. Pergunta: Quais serão as conseqüências da definitiva eliminação (Beseitigung) da propriedade privada?
Resposta: Ao despojar os capitalistas privados da utilização de todas as forças produtivas e de todos os meios de comunicação, assim como da troca e da distribuição dos produtos, ao administrar tudo isso de acordo com um plano baseado nos recursos disponíveis e nas necessidades de toda a sociedade, a própria sociedade eliminará, antes de tudo, todas as conseqüências deploráveis hoje inerentes ao funcionamento da grande indústria. As crises desaparecerão; a produção ampliada, que na atual organização da sociedade representa uma superprodução e uma poderosa causa de miséria, será então muito insuficiente e deverá ser ainda muito mais aumentada. Ao invés de engendrar a miséria, a superprodução garantirá, bem mais que as necessidades imediatas da sociedade, a satisfação das necessidades de todos e engendrará novas necessidades, bem como os meios para satisfazê-las. Desse modo, será a condição e a causa de novos progressos, e os alcançará sem levar a ordem social, como antes, a transtornos periódicos.
Livre das pressões da propriedade privada, a grande indústria desenvolver-se-á em proporções diante das quais seu desenvolvimento atual parecerá tão mesquinho quanto a manufatura comparada com a grande indústria moderna. Esse desenvolvimento da indústria colocará à disposição da sociedade uma massa de produtos suficiente para satisfazer às necessidades de todos. Assim também a agricultura que, pressionada pela propriedade privada e pelo fracionamento da terra, não pode apropriar-se das melhorias e dos progressos científicos já conseguidos, alcançará um novo auge e entregará à sociedade uma quantidade suficiente de produtos. Desse modo, a sociedade criará produtos suficientes para que se possa organizar a distribuição de maneira a satisfazer as necessidades de todos os seus membros. Com isso, ficará supérflua a divisão da sociedade em diferentes classes contrapostas entre si. Tal divisão, além de supérflua, será mesmo incompatível com a nova ordem social. A existência das classes tem origem na divisão do trabalho, e a divisão do trabalho, tal como existiu até agora, desaparecerá completamente. De fato para elevar a produção industrial e agrícola ao nível acima assinalado, não bastam apenas os meios mecânicos e químicos; devem ser também desenvolvidas, na mesma proporção, as capacidades dos homens que fazem funcionar esses meios. Assim como os camponeses e os operários manufatureiros do século passado, ao serem arrastados pela grande indústria, modificaram todo o seu modo de vida e converteram-se eles mesmos em homens completamente distintos, a exploração em comum da produção por toda a sociedade e o novo desenvolvimento da produção disso decorrente necessitarão de homens totalmente novos e os criarão. A exploração em comum da produção não pode ser realizada por homens como os de hoje, cada um dos quais está subordinado a um único ramo da produção, encadeado a ele, explorado por ele, cada um dos quais desenvolveu apenas uma de suas capacidades à custa de todas as demais e conhece apenas um ramo ou o ramo de um ramo da produção total. A própria indústria atual já está cada vez menos empregando tais homens. A indústria explorada em comum e segundo um plano, por toda a sociedade, exige homens cujas, capacidades estejam desenvolvidas em todos os aspectos, homens que possam abraçar todo o sistema da produção. A divisão do trabalho, que converte um em camponês, outro em sapateiro, um terceiro em operário fabril e um quarto em especulador da bolsa, e que hoje já está minada pelas máquinas, desaparecerá portanto completamente. A educação dará aos jovens a possibilidade de percorrer rapidamente todo o sistema de produção, colocando-os em condições de se deslocarem por turnos de um para outro ramo da produção, conforme as necessidades da sociedade ou suas próprias inclinações. A educação, portanto, libertará os jovens desse caráter unilateral que a atual divisão do trabalho imprime a cada indivíduo. Desse modo, a sociedade organizada sobre bases comunistas oferecerá a seus membros a oportunidade de empregar em todos os aspectos suas capacidades universalmente desenvolvidas. Mas com isso desaparecerão também, necessariamente, as diferentes classes. Assim, de uma parte, a sociedade organizada comunisticamente é incompatível com a existência das classes e, de outra parte, a instauração dessa sociedade oferece, por si só, os meios para abolir tais diferenças de classe.
Resulta disso que também desaparecerá o antagonismo entre cidade e campo. A exploração da agricultura e da indústria pelos mesmos homens, e não por duas classes diferentes, em si mesma já é, por razões puramente materiais, uma condição necessária da associação comunista. A dispersão pelo campo da população dedicada à agricultura e a concentração da população industrial nas grandes cidades correspondem a um estágio ainda não desenvolvido da agricultura e da indústria e são um obstáculo para todo desenvolvimento ulterior, obstáculo que hoje já se faz sentir com muita força.
A associação geral de todos os membros da sociedade para a exploração planificada e comum das forças produtivas, a extensão da produção em proporções que satisfaçam às necessidades de todos, o término da situação em que as necessidades de uns são satisfeitas às custas de outros, a destruição completa das classes e de seus antagonismos, o desenvolvimento universal das capacidades de todos os membros da sociedade mediante a eliminação da divisão do trabalho até agora existente, mediante a educação industrial, mediante a mudança de atividades, mediante a participação de todos nos bens criados por todos, mediante a fusão do campo e da cidade: serão esses os principais resultados da abolição (Abschaffung) da propriedade privada.

21. Pergunta: Que influência a ordenação comunista da sociedade exercerá sobre a família?
Resposta: Ela transformará a relação entre os dois sexos numa relação puramente privada, concernente apenas às pessoas nela envolvidas e na qual a sociedade não terá por que se intrometer. Poderá fazer isso porque elimina a propriedade privada e educa em comum as crianças, destruindo assim as duas bases do matrimônio atual, a saber: a dependência da mulher em relação ao homem e dos filhos em relação aos pais por meio da propriedade privada.
Nisso reside igualmente a resposta à gritaria altamente moralista dos filisteus contra a comunidade comunista das mulheres. A comunidade das mulheres é uma situação totalmente ligada à sociedade burguesa e que hoje existe plenamente sob a forma da prostituição. Mas a prostituição repousa na propriedade privada e desaparecerá com ela. Portanto, ao invés de implantar a comunidade das mulheres, a organização comunista a suprimirá.

22. Pergunta: Qual a atitude da organização comunista diante das nacionalidades existentes?
Resposta: Permanece.
Ao que tudo indica, deveria permanecer a resposta formulada no "Projeto de Profissão de fé comunista": "As nacionalidades dos povos que irão se unir segundo o princípio da comunidade serão forçadas por essa união a se fundirem e, em conseqüência, a se suprimirem (Aufzuheben), assim como as diferenças de ordens (Stände) e de classes desaparecerão com a supressão (Aufhebung) de seu fundamento, a propriedade privada". Documents Constitutifs de la Ligue des Communistes, cit., p. 138-140.

23. Pergunta: Que atitude adotará diante das religiões existentes?
Resposta: Permanece.
No "Projeto de Profissão de fé comunista": "Todas as religiões até agora foram a expressão de estágios do desenvolvimento histórico de povos singulares ou de grupos de povos. O comunismo, porém é o estágio de desenvolvimento que torna supérfluas todas as religiões existentes e “as suprime”. Documents Constitutifs de la Ligue des Communistes, cit., p. 140-141.

24. Pergunta: Em que os comunistas se distinguem dos socialistas?
Resposta: Os chamados socialistas dividem-se em três classes. A primeira delas está formada por partidários da sociedade feudal e patriarcal que foi destruída e continua a ser destruída todos os dias pela grande indústria, pelo comércio mundial e pelo produto de ambos, a sociedade burguesa. Essa classe extrai dos males da sociedade atual a conclusão de que se deve restaurar novamente a sociedade feudal e patriarcal, que estava livre desses males. Todas as suas propostas encaminham-se, direta ou indiretamente, para esse objetivo. Tal classe de socialistas reacionários, apesar de sua pretensa simpatia e das ardorosas lágrimas que derramam pela miséria do proletariado, será sempre combatida energicamente pelos comunistas, pelas seguintes razões:
a) porque aspira a algo absolutamente impossível;
b) porque procura restaurar a dominação da aristocracia, dos mestres-artesãos (Zunftmeister) e dos manufatureiros, com todo seu cortejo de reis absolutos ou feudais, funcionários, soldados e sacerdotes - uma sociedade que, é certo, estava livre dos males da sociedade atual mas que, em troca, continha pelo menos outros tantos males e nem sequer oferecia a perspectiva da emancipação dos operários oprimidos mediante uma organização comunista;
c) porque revela suas reais intenções toda vez que o proletariado se torna revolucionário e comunista, quando então se alia imediatamente à burguesia contra os proletários.
A segunda classe é composta de partidários da sociedade atual, para os quais os males que ela necessariamente engendra despertam temores quanto à existência dessa própria sociedade. Tais socialistas procuram, portanto, conservar a sociedade atual, mas eliminando os males a ela inerentes. Para alcançar isso, uns propõem simples medidas de beneficência; outros, grandiosos sistemas de reformas que, a pretexto de reorganizar a sociedade, visam de fato conservar as bases da sociedade atual e, portanto, a própria sociedade atual. Esses socialistas burgueses também deverão ser continuamente combatidos pelos comunistas, pois trabalham para os inimigos dos comunistas e defendem exatamente a sociedade que os comunistas querem destruir.
Finalmente, a terceira classe é composta dos socialistas democráticos, que procuram, pelo mesmo caminho dos comunistas, realizar uma parte das medidas enumeradas na resposta à pergunta 18, mas não como meios de transição ao comunismo e sim como medidas suficientes para abolir a miséria e fazer desaparecer os males da sociedade atual. Tais socialistas democráticos são, ou proletários ainda não suficientemente esclarecidos sobre as condições da libertação de sua classe, ou representantes da pequena burguesia, quer dizer, da classe cujos interesses, sob muitos aspectos, coincidem com os interesses dos proletários, até o momento em que se conquista a democracia e se aplicam as medidas socialistas dela derivadas. Os comunistas deverão portanto chegar a um entendimento com esses socialistas democráticos nas diferentes fases da ação e deverão em geral seguir para o momento uma política comum com eles, sempre que esses socialistas não atuarem a serviço da burguesia dominante e não atacarem os comunistas. É evidente que esse tipo de ação comum não exclui a discussão das diferenças existentes entre eles e os comunistas.

25. Pergunta: Como se comportam os comunistas diante dos demais partidos políticos de nossa época?
Resposta: Essa relação varia segundo os vários países. Na Inglaterra, na França e na Bélgica, onde domina a burguesia, os comunistas ainda têm, no momento, interesses comuns com os vários partidos democráticos, interesses esses que são tanto maiores quanto mais os democratas, com as medidas socialistas por eles hoje proclamadas em todas as partes, aproximam-se da meta dos comunistas, quer dizer, quanto mais clara e decididamente defendem os interesses do proletariado e quanto mais se apóiam no proletariado.
Na Inglaterra, por exemplo, o movimento cartista, integrado por operários, está infinitamente mais próximo dos comunistas do que os pequenos burgueses democráticos ou os chamados radicais.
Na América, onde está introduzida uma Constituição democrática, os comunistas deverão apoiar o partido que deseja dirigir essa Constituição contra a burguesia e utilizá-la em proveito do proletariado, quer dizer, os reformadores agrários nacionais.
Na Suíça, os radicais, apesar de constituírem um partido muito heterogêneo, são os únicos com quem os comunistas podem se entender; e entre esses radicais, por sua vez, os mais progressistas são os dos cantões de Vaud e de Genebra.
Na Alemanha, por fim, ainda não ocorreu a luta decisiva entre a burguesia e a monarquia absoluta. E como os comunistas não podem contar com uma luta decisiva contra a burguesia antes que a burguesia domine, estão interessados em ajudar os burgueses a conquistarem o poder o mais cedo possível, para então derrubá-los o mais cedo possível. Os comunistas devem portanto tomar sempre partido dos burgueses liberais contra os governos, precavendo-se apenas de compartilhar as ilusões dos burgueses ou de confiar em suas sedutoras garantias de que a vitória da burguesia trará saudáveis conseqüências para o proletariado. As únicas vantagens que a vitória da burguesia oferecerá aos comunistas serão: a) diversas concessões que facilitarão aos comunistas a defesa, a discussão e a difusão de seus princípios e, portanto, a unificação do proletariado numa classe organizada, estreitamente unida e pronta para a luta; b) a certeza de que no dia em que caírem os governos absolutos começará a luta entre burgueses e proletários. A partir desse dia, a política partidária dos comunistas será a mesma que nos países onde já domina a burguesia.
http://www.marxists.org/portugues/marx/1847/11/principios.htm

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